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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.º 26199/DF


RCTE (A/S): CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
RECDO (A/S): UNIÃO
INTDO (A/S): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA – CBO
LIT. PAS (A/S): UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA
ASSIST(A/S): CONSELHO BRASILEIRO DE ÓPTICA E OPTOMETRIA –
CBOO
PATRÍCIA MARA TREBIEN
RELATOR(A/S): EX.MO SR. MINISTRO CARLOS BRITTO

EDUCAÇÃO – ENSINO UNIVERSITÁRIO –


CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM
OPTOMETRIA – RECONHECIMENTO PELO
MEC POR MEIO DE PORTARIA –
AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA – LIMITAÇÃO
– PARECER PELO NÃO-PROVIMENTO DO
PRESENTE RECURSO.

1. Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança


interposto com fundamento no artigo 102, II, a, da Constituição Federal, pelo

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Conselho de Federal de Medicina e outros, inconformados com o aresto


proferido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça que denegou a
segurança, restando da seguinte forma ementado:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.


ENSINO SUPERIOR. CURSO SUPERIOR DE
TECNOLOGIA EM OPTOMETRIA.
RECONHECIMENTO PELO MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO. LEGITIMIDADE DO ATO.
1. A manifestação prévia do Conselho Nacional de
Saúde é exigida apenas para os casos de criação
de cursos de graduação em medicina, em
odontologia e em psicologia (art. 27 do Decreto n.
3.860/2001), não estando prevista para outros
cursos superiores, ainda que da área de saúde.
2. Em nosso sistema, de Constituição rígida e de
supremacia das normas constitucionais, a
inconstitucionalidade de um preceito normativo
acarreta a sua nulidade desde a origem. Assim, a
suspensão ou a anulação, por vício de
inconstitucionalidade, da norma revogadora,
importa o reconhecimento da vigência, ex tunc, da
norma anterior tida por revogada (RE 259.339, Min.
Sepúlveda Pertence, DJ de 16.06.2000 e na ADIn
652/MA, Min. Celso de Mello, RTJ 146:461; art. 11,
§ 2º da Lei 9.868/99). Estão em vigor, portanto, os
Decretos 20.931, de 11.1.1932 e 24.492, de 28 de
junho de 1934, que regulam a fiscalização e o
exercício da medicina, já que o ato normativo
superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto n.
99.678/90) foi suspenso pelo STF na ADIn 533-
2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal.
3. A profissão de optometrista está prevista em
nosso direito desde 1932 (art. 3º do Decreto
20.931/32). O conteúdo de suas atividades está
descrito na Classificação Brasileira de Ocupações –
CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (Portaria n. 397, de 09.10.2002).
4. Ainda que se possa questionar a legitimidade do
exercício, pelos optometristas, de algumas
daquelas atividades, por pertencerem ao domínio
próprio da medicina, não há dúvida quanto à
legitimidade do exercício da maioria delas, algumas
das quais se confundem com as de ótico, já
previstas no art. 9º do Decreto 24.492/34.
5. Reconhecida a existência da profissão e não
havendo dúvida quando à legitimidade do seu
exercício (pelo menos em certo campo de

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atividades), nada impede a existência de um curso


próprio de formação profissional de optometrista.
6. O ato atacado (Portaria n. 2.948, de 21.10.03)
nada dispôs sobre as atividades do optometrista,
limitando-se a reconhecer o Curso Superior de
Tecnologia em Optometria, criado por entidade de
ensino superior. Assim, a alegação de ilegitimidade
do exercício, por optometristas, de certas atividades
previstas na Classificação Brasileira de Ocupações
é matéria estranha ao referido ato e, ainda que
fosse procedente, não constituiria causa suficiente
para comprometer a sua validade.
7. Ordem denegada.”

2. Ao supracitado acórdão, o recorrente interpôs embargos


de declaração (fls. 1.942/1.948). Todavia, estes restaram rejeitados, nos
termos da decisão de fls. 1.950/1955.

3. Em suas razões, o recorrente sustenta que o tribunal a


quo deixou de se manifestar sobre eventual ofensa aos Decretos n.
3.860/2001, 20.913/1932; 24.492/1934, acarretando cerceio de jurisdição e
negativa de vigência aos artigos 5º, II, XXXV e LV; e 93, IX, da Carta Magna.
Argumenta que a Portaria Ministerial n. 2.948/2003, que reconheceu a validade
dos diplomas expedidos pela ULBRA relativamente ao Curso Superior de
Tecnologia em Optometria, não observou os critérios e requisitos necessários
ao funcionamento de um curso de Medicina (a aprovação do Conselho
Nacional de Saúde), descumprindo o artigo 27 do Decreto n. 3.860/2001 e os
artigos 37 e 209, II, da Constituição Federal. Destaca que o curso objeto da
referida portaria está ligado à área de medicina e acarreta a flagrante invasão
nas atribuições da profissão médica, contrariando o artigo 10 do Decreto n.
20.931/32 e o artigo 13 do Decreto n. 24.492/1934. Dispõe que a portaria em
questão usurpou competência privativa União, afrontando os artigos 2º e 22,
XVI, da Lei Maior. Por fim, defende que mesma a portaria deixou de observar o
artigo 38 do Decreto n. 20.931/1932.

4. O recurso foi admitido pelo tribunal a quo, consoante se


desprende da decisão lançada à fl. 1.983.

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5. As contra-razões da União foram juntadas às fls.


1.991/1.995. Nelas, a Fazenda Nacional sustenta que o ato impugnado é o que
reconheceu o Curso Superior de Tecnologia em Optometria e que a criação e o
funcionamento deste foram autorizados pela Resolução n. 187/96 do Conselho
Universitário da ULBRA. Salienta que a criação de curso e programas da
educação superior integra a autonomia universitária e que, uma vez criado, o
seu reconhecimento oficial depende de ato do Ministério da Educação,
devendo ser garantida a expedição e o registro do diploma aos alunos que
tenham cumprido em sua integralidade o currículo universitário. Dispõe que a
regulamentação em lei não constitui requisito para a existência de curso
superior ou para a expedição de diplomas universitários.

6. Por sua vez, a assistente do recorrido apresentou suas


contra-razões às fls. 2.023/2.037, aduzindo acerca do livre exercício de ofícios
e o correspondente direito à cidadania. Argumenta que a habilitação para o
exercício da atividade de optometria é o diploma de nível superior ou nível
médio, consoante a Classificação Brasileira de Ocupações 2002, artigo 3º.
Assevera que restrições legais ao livre exercício de atividade econômica ou
atividade profissional só serão legítimas se passarem pelo crivo do princípio da
razoabilidade. Aponta a existência da profissão de optometrista ante o Decreto
n. 20.931/32 e o Decreto n. 24.492/34, bem como que esta classifica-se como
atividade fracamente regulamentada. Indica que nos extremos da atuação dos
optometristas existe coincidência de atividades com a de óptico e ainda que se
assemelha tal atuação com a de médico oftalmologista, mas assevera que tais
profissões não se confundem. Argumenta que a concorrência entre as
profissões de optometrista e médico é resultado natural da liberdade de
escolha dos consumidores aos serviços e do livre acesso ao mercado. Conclui
que o artigo 38, 39 e 41 do Decreto n. 20.931/32, bem como o artigo 13 e 14 do
Decreto n. 24.492/34 não foram recepcionados pela atual Constituição Federal.

7. É o relatório.

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8. No tocante à aludida transgressão ao artigo 5º, II, XXXV e


LV, bem como ao artigo 93, IX, da Carta Magna, é indubitável que o acórdão
recorrido contém os elementos de sua motivação, não havendo nele causa que
leve à sua invalidação. Ora, não se confunde a negativa de prestação
jurisdicional com decisão jurisdicional contrária à pretensão da recorrente. Por
este prisma, aponta a jurisprudência do STF:

Fundamentação do acórdão recorrido. Existência.


Não há falar em ofensa ao art. 93, IX, da CF,
quando o acórdão impugnado tenha dado razões
suficientes, embora contrárias à tese da
recorrente.1

É inadmissível recurso extraordinário, fundado na


alegação de infringência ao art. 93, IX, da
Constituição da República, quando o acórdão
impugnado e a sentença confirmada apresentam
fundamentação bastante, embora contrária aos
interesses do recorrente.2

A garantia de acesso ao Judiciário não pode ser


tida como certeza de que as teses serão apreciadas
de acordo com a conveniência das partes.3

9. Quanto à alegada inconstitucionalidade e ilegalidade da


Portaria n. 2.948/2003, em verdade, esta nada dispôs sobre as atividades do
optometrista, limitando-se a reconhecer o Curso Superior de Tecnologia em
Optometria, criado por instituição de ensino superior, de modo que a alegação
de ilegitimidade do exercício de certas atividades previstas na Classificação
Brasileira de Ocupações é matéria estranha ao referido ato.

10. Ademais, a criação de qualquer curso integra a autonomia


universitária da instituição de ensino, segundo o que se desprende do artigo
artigo 53 da Lei Darcy Ribeiro, in verbis:

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são


asseguradas às universidades, sem prejuízo de
outras, as seguintes atribuições:
1
AI 426.981-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 05/11/04.
2
AI 410.898-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 16/04/04.
3
RE 113.958, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/02/97.

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I - criar, organizar e extinguir, em sua sede,


cursos e programas de educação superior
previstos nesta lei, obedecendo às normas
gerais da União e, quando for o caso, do
respectivo sistema de ensino;
..................................................................4

11. Nessa medida, não se pode entender que o artigo 27 do


Decreto n. 3860/2001 e muito menos os artigos 37 e 209, II, da Constituição
Federal foram desrespeitados, uma vez que a manifestação prévia do
Conselho Nacional de Saúde é exigida apenas para os casos de criação dos
cursos de graduação em medicina, em odontologia e em psicologia, não
estando previstas para outros cursos superiores, ainda que da área de saúde.

12. Ora, é notável que, embora nos extremos de atuação dos


optometristas exista coincidência de atividades com a de óptico e ainda se
assemelhe tal atuação com a de médico oftalmologista, tais profissões não se
confundem. Estender a restrição do Decreto n. 3.860/2001 para a criação de
cursos de graduação em optometria afrontaria o princípio autonômico, que,
com sua inserção constitucional no artigo 207 da Constituição Federal,
promoveu a intangibilidade da autonomia universitária ante a legislação
hierarquicamente inferior. Desde então, a autonomia universitária passou a ter
seus limites fixados pela Constituição, na medida em que este diploma não
subordinou tal garantia à reserva legal. Nessa linha, às normas
infraconstitucionais cabe meramente pormenorizar o referido preceito para a
maior efetividade deste, sem, contudo, desvirtuá-lo. Em outros termos, onde
não há proibição, vedação ou limitação constitucional, há de imperar o princípio
autonômico, as leis não podem, em nenhum passo, restringir, reduzir, diminuir
ou afetar, ainda que de modo indireto, a autonomia universitária, cujos limites
estão na Constituição e só dela podem ser extraídos. De fato, ante a previsão
constitucional do princípio da autonomia, este passou a merecer interpretação
harmônica com os demais princípios, a fim de que tenha aplicação mais

4
LEI N. 9.394, de 20.12.96. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. DOU de
23.12.96, v. 248, p. 27.838.

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eficiente e conforme a finalidade para a qual foi instituído. A esse respeito,


Anna Candida da Cunha Ferraz registra:

Inscrito na Constituição Federal, o princípio da


autonomia universitária tem uma dimensão
fundamentadora, integrativa, diretiva e limitativa
própria, o que significa dizer que é na própria
Constituição Federal: a) que se radica o
fundamento do instituto; b) que é dela que se extrai
sua força integrativa em todo o sistema federativo
do País; c) que a Constituição Federal preordena a
interpretação que se possa dar ao instituto; d) que
os limites que se podem opor à autonomia
universitária têm como sede única a própria
Constituição Federal; e) que o princípio da
autonomia universitária, como princípio
constitucional, deve ser interpretado em harmonia –
mas no mesmo nível – com os demais princípios
constitucionais.5

13. E tal aplicabilidade é reforçada em vista da vinculação da


autonomia com os direitos previstos nos artigos 5º, IV e IX, e 206, II, da
Constituição Federal e da aplicação imediata das normas definidoras de
direitos e garantias fundamentais. Aliás, nada impede o reconhecimento da
autonomia universitária como direito individual protegido pelo artigo 60, §4º, IV,
do Texto Constitucional, dada a sua derivação do direito fundamental de livre
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (artigo
5º, IX, CRFB) e da liberdade de transmissão e recepção do conhecimento
(artigo 206, II, CRFB).

14. Nesse sentido, a restrição legal da autonomia deve ter por


fim a maior eficácia de um princípio oposto à autonomia (adequação) e ser o
menos lesiva ou limitadora para o princípio objeto de restrição (necessidade),
sob pena de ser desproporcional e ilegítima. Além da adequação e da
necessidade, a restrição deve obedecer à proporcionalidade em sentido estrito,

5
FERRAZ, Anna Candida da Cunha. A autonomia universitária na Constituição de
05.10.1988. In: Revista de Direito Administrativo, v. 215, p. 123, jan./mar. 1999.

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isto é, não pode ser excessiva em face do ganho em realização do outro


princípio.

15. Outrossim, a Portaria n. 2.948/03, ainda que de forma


indireta, atribuiu maior eficácia ao preceito insculpido no inciso XIII do artigo 5º
do Texto Constitucional, que consagrou o livre exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão. Aliás, cumpre salientar que as restrições legais a que se
refere tal preceito não se submetem ao livre critério do legislador ordinário,
devem elas obedecer o princípio da razoabilidade e guiar-se pelo interesse
público; não pelos específicos interesses de grupos profissionais ou de
determinados indivíduos, uma vez que mesmo a lei não pode transformar em
letra morta o princípio constitucional da liberdade de exercício de profissão,
trabalho ou ofício. A esse respeito, o Excelso Pretório consignou:

A possibilidade de intervenção do Estado no


domínio econômico não exonera o Poder Público
do dever jurídico de respeitar os postulados que
emergem do ordenamento constitucional brasileiro.
Razões de Estado - que muitas vezes configuram
fundamentos políticos destinados a justificar,
pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável
adoção de medidas de caráter normativo - não
podem ser invocadas para viabilizar o
descumprimento da própria Constituição.6

16. Merece, ainda, relevo os argumentos expressos no voto


condutor, proferido pelo eminente Ministro Rodrigues Alkcmin na
Representação de Inconstitucionalidade n. 930 transcritos, em parte, a seguir:

Assegura a Constituição, portanto, a liberdade de


exercício de profissão.
Essa liberdade, dentro do regime constitucional
vigente, não é absoluta, excludente de qualquer
limitação por via de lei ordinária.
Tanto é que a cláusula final (“observadas as
condições de capacidade que a lei estabelecer”) já
revela, de maneira insofismável, a possibilidade de
restrições ao exercício de certas atividades.

6
RE 205.193, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06/06/97.

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Mas também não ficou ao livre critério do legislador


ordinário estabelecer as restrições que entenda ao
exercício de qualquer atividade lícita. Se assim
fosse, a garantia constitucional seria ilusória e
despida de qualquer sentido.
..................................................................
É preciso, portanto, um exame aprofundado da
espécie, para fixar quais os limites a que a lei
ordinária tem de ater-se, ao indicar as “condições
de capacidade”. E quais os excessos que,
decorrentes direta ou indiretamente das leis
ordinárias, desatendem à garantia constitucional.
A fixação desses limites decorre da interpretação
da Constituição e cabe, assim, ao Poder Judiciário.
..................................................................
Tais condições (de capacidade técnica, moral,
física, ou outras, hão de ser sempre exigidas pelo
interesse público, jamais pelos interesses de grupos
profissionais ou de determinados indivíduos.
“Qualquer franquia tem por limite o interesse
superior da coletividade” (Carlos Maximiliano,
“Coment. À Constituição Brasileira”, p. 83).
Ir além, seria tornar uma afirmativa despida de
conteúdo e da liberdade do exercício da profissão.
Por isso, ponderam juristas que a liberdade desse
exercício, inafastável por lei ordinária, “consiste em
não existir corporação de ofício” (Carlos
Maximiliano, ob. e loc. Cits.) observando Mario
Masagão que o excesso regulamentar podia
conduzir à “economia dirigida, com perigo, até, de
formação de Corporações de Ofício e outros
horrores, que podem sufocar a economia de um
país” (v. José Duarte, ob. cit. p. 33).7

17. E é indubitável que a prevenção da saúde, interesse


público, é deveras amplo para dar tratamento de exclusividade a médicos. O
direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a
todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do
direito à vida. Não foi de outra forma que apontou o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA


PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA
CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE
SUICÍDIO. PESSOAS DESTITUÍDAS DE
RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À

7
Pleno, Julgamento: 05/05/1976, DJ de 02/09/ 77.

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SAÚDE. NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE


PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER
ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE
DIREITO ESSENCIAL. FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS
INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS
CARENTES. DEVER CONSTITUCIONAL DO
ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196).
PRECEDENTES (STF). RE CONHECIDO E
PROVIDO. DECISÃO: O presente recurso
extraordinário busca reformar decisão proferida
pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, consubstanciada em acórdão assim
ementado (fls. 94): "CONSTITUCIONAL. DIREITO
À VIDA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS.
FALTA DE PROVA IDÔNEA QUANTO AO RISCO
DE VIDA. IMPOSSIBILIDADE. 1. É desnecessário,
para acudir à via jurisdicional, esgotar ou pleitear na
instância administrativa. O fornecimento gratuito de
medicamentos, pelo Estado, exige que o remédio
seja excepcional e indispensável à vida do
paciente. 2. APELAÇÃO DESPROVIDA.
SENTENÇA REFORMADA." (grifei) Entendo
assistir plena razão aos recorrentes, que são
irmãos, pois o desacolhimento de sua pretensão
recursal poderá gerar resultado inaceitável sob a
perspectiva constitucional do direito à vida e à
saúde. É que - considerada a irreversibilidade, no
momento presente, dos efeitos danosos
provocados pelas patologias que afetam os
recorrentes (que são portadores de esquizofrenia
paranóide e de doença maníaco-depressiva
crônica) - a ausência de capacidade financeira que
os aflige impede-lhes, injustamente, o acesso ao
tratamento inadiável e ao fornecimento dos
medicamentos a que têm direito e que se revelam
essenciais à preservação da integridade do seu
estado de higidez mental e de sua própria vida,
porque os seus antecedentes pessoais registram
episódios de tentativa de suicídio. Na realidade, o
cumprimento do dever político-constitucional
consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do
Estado, consistente na obrigação de assegurar, a
todos, a proteção à saúde, representa fator, que,
associado a um imperativo de solidariedade social,
impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a
dimensão institucional em que atue no plano de
nossa organização federativa. A impostergabilidade
da efetivação desse dever constitucional autoriza o
acolhimento do pleito recursal ora deduzido na

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presente causa. Tal como pude enfatizar em


decisão por mim proferida no exercício da
Presidência do Supremo Tribunal Federal, em
contexto assemelhado ao da presente causa (Pet
1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do
direito à vida e à saúde, que se qualifica como
direito subjetivo inalienável assegurado a todos
pela própria Constituição da República (art. 5º,
"caput" e art. 196), ou fazer prevalecer, contra
essa prerrogativa fundamental, um interesse
financeiro e secundário do Estado, entendo -
uma vez configurado esse dilema - que razões
de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma
só e possível opção: aquela que privilegia o
respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
Cumpre não perder de perspectiva que o direito
público subjetivo à saúde representa prerrogativa
jurídica indisponível assegurada à generalidade das
pessoas pela própria Constituição da República.
Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado,
por cuja integridade deve velar, de maneira
responsável, o Poder Público, a quem incumbe
formular - e implementar - políticas sociais e
econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o
acesso universal e igualitário à assistência médico-
hospitalar. O caráter programático da regra
inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem
por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro (JOSÉ
CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição
de 1988", vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993,
Forense Universitária) - não pode converter-se em
promessa constitucional inconseqüente, sob
pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade,
substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento
de seu impostergável dever, por um gesto
irresponsável de infidelidade governamental ao
que determina a própria Lei Fundamental do
Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder
Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas
as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover,
em favor das pessoas e das comunidades, medidas
- preventivas e de recuperação -, que, fundadas em
políticas públicas idôneas, tenham por finalidade
viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu
art. 196, a Constituição da República. O sentido de
fundamentalidade do direito à saúde - que
representa, no contexto da evolução histórica dos

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direitos básicos da pessoa humana, uma das


expressões mais relevantes das liberdades reais ou
concretas - impõe ao Poder Público um dever de
prestação positiva que somente se terá por
cumprido, pelas instâncias governamentais, quando
estas adotarem providências destinadas a
promover, em plenitude, a satisfação efetiva da
determinação ordenada pelo texto constitucional.
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples
positivação dos direitos sociais - que traduz estágio
necessário ao processo de sua afirmação
constitucional e que atua como pressuposto
indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ
AFONSO DA SILVA, "Poder Constituinte e Poder
Popular", p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) -,
recai, sobre o Estado, inafastável vínculo
institucional consistente em conferir real efetividade
a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir,
às pessoas, nos casos de injustificável
inadimplemento da obrigação estatal, que tenham
elas acesso a um sistema organizado de garantias
instrumentalmente vinculadas à realização, por
parte das entidades governamentais, da tarefa que
lhes impôs a própria Constituição. Não basta,
portanto, que o Estado meramente proclame o
reconhecimento formal de um direito. Torna-se
essencial que, para além da simples declaração
constitucional desse direito, seja ele integralmente
respeitado e plenamente garantido, especialmente
naqueles casos em que o direito - como o direito à
saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de
que decorre o poder do cidadão de exigir, do
Estado, a implementação de prestações positivas
impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade
do direito à saúde fez com que o legislador
constituinte qualificasse, como prestações de
relevância pública, as ações e serviços de saúde
(CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do
Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas
hipóteses em que os órgãos estatais,
anomalamente, deixassem de respeitar o
mandamento constitucional, frustrando-lhe,
arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por
intolerável omissão, seja por qualquer outra
inaceitável modalidade de comportamento
governamental desviante. Todas essas razões
levam-me a acolher a pretensão recursal deduzida
nos presentes autos, ainda mais se se considerar
que o acórdão ora recorrido diverge, frontalmente,

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da orientação jurisprudencial que o Supremo


Tribunal Federal firmou no exame da matéria em
causa (RTJ 171/326-327, Rel. Min. ILMAR
GALVÃO - AI 462.563/RS, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO - AI 486.816-AgR/RJ, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO - AI 532.687/MG, Rel. Min. EROS GRAU
- AI 537.237/PE, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE - RE 195.192/RS, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO - RE 198.263/RS, Rel. Min. SYDNEY
SANCHES - RE 237.367/RS, Rel. Min. MAURÍCIO
CORRÊA - RE 242.859/RS, Rel. Min. ILMAR
GALVÃO - RE 246.242/RS, Rel. Min. NÉRI DA
SILVEIRA - RE 279.519/RS, Rel. Min. NELSON
JOBIM - RE 297.276/SP, Rel. Min. CEZAR
PELUSO - RE 342.413/PR, Rel. Min. ELLEN
GRACIE - RE 353.336/RS, Rel. Min. CARLOS
BRITTO - AI 570.455/RS, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, v.g.): "PACIENTE COM HIV/AIDS -
PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS
FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE -
FORNECIMENTO GRATUITO DE
MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL
DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E
196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE
AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE
REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA
CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO
À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde
representa prerrogativa jurídica indisponível
assegurada à generalidade das pessoas pela
própria Constituição da República (art. 196). Traduz
bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja
integridade deve velar, de maneira responsável, o
Poder Público, a quem incumbe formular - e
implementar - políticas sociais e econômicas
idôneas que visem a garantir, aos cidadãos,
inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso
universal e igualitário à assistência farmacêutica e
médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de
qualificar-se como direito fundamental que assiste a
todas as pessoas - representa conseqüência
constitucional indissociável do direito à vida. O
Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da
organização federativa brasileira, não pode mostrar-
se indiferente ao problema da saúde da população,
sob pena de incidir, ainda que por censurável
omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA
PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 14

EM PROMESSA CONSTITUCIONAL
INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da
regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem
por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro - não pode
converter-se em promessa constitucional
inconseqüente, sob pena de o Poder Público,
fraudando justas expectativas nele depositadas
pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o
cumprimento de seu impostergável dever, por um
gesto irresponsável de infidelidade governamental
ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE
MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O
reconhecimento judicial da validade jurídica de
programas de distribuição gratuita de
medicamentos a pessoas carentes, inclusive
àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá
efetividade a preceitos fundamentais da
Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e
representa, na concreção do seu alcance, um gesto
reverente e solidário de apreço à vida e à saúde
das pessoas, especialmente daquelas que nada
têm e nada possuem, a não ser a consciência de
sua própria humanidade e de sua essencial
dignidade. Precedentes do STF.8

18. Dessa forma, não se pode negar que a Portaria Ministerial


n. 2.948/2003, ao atribuir validade aos diplomas expedidos pela ULBRA,
também contribuiu para o acesso universal à assistência médico-hospitalar,
assegurando a todos a “existência digna, conforme os ditames da justiça
social” (artigo 170, caput, da Constituição Federal). Nessa mesma linha, menos
ainda se pode deixar de reconhecer que restam incompatíveis com a Carta
Magna atual as exigências dos artigos 38, 39 e 41 do Decreto n. 20.931/32,
bem assim dos artigos 13 e 14 do Decreto n. 24.492/34.

19. Ante o exposto, o Ministério Público Federal, por


intermédio de seu representante, o Subprocurador-Geral da República que este
subscreve, manifesta-se pelo não-provimento do presente recurso.

8
RE 393175 / RS, Rel. MIN. CELSO DE MELLO, Julgamento: 1º/02/2006, DJ 16/02/2006, p.
54.

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Brasília, 10 de novembro de 2006.

FRANCISCO ADALBERTO NÓBREGA


Subprocurador-Geral da República

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