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2017­11­8 A teimosia das empresas nacionais de auditoria

Auditoria Independente: o que é e qual sua utilidade
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 

A teimosia das empresas nacionais de auditoria

01 – HISTÓRICO DO PROBLEMA

Ao longo dos últimos quarenta anos de profissão pude acompanhar diretamente toda a evolução do ambiente da auditoria independente em nosso país.

Fui  um  dos  onze  fundadores  do  Instituto  dos  Auditores  Independentes  do  Brasil  –  IAIB,  atualmente  Instituto  Brasileiro  de  Contadores  –  IBRACON,  na  memorável  reunião  de
dezembro de 1971 no Rio de Janeiro, na sede do Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro.

Na época o Banco Central do Brasil é que tinha o controle do mercado de capitais no Brasil, com as personalidades destacadas de Francisco De Boni Neto, Diretor de Mercado
de Capitais, e Evaristo Confort, Gerente de Mercado de Capitais.

Pela  iniciativa  destes  dois  eminentes  funcionários  governamentais  foi  possível  a  regulamentação  da  auditoria  independente  em  nosso  país.  A  profissão  contábil  brasileira,
especialmente da área de auditoria independente, está devedora de uma justa homenagem a estas duas eminentes pessoas.

Junto com os queridos e dedicados amigos da profissão contábil brasileira Roberto Dreyfuss, Geraldo Ferreira da Ponte e Emilio Bacchi, que lideraram as conversações com o
Banco Central do Brasil, pudemos, num curto espaço de tempo, constituir o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IAIB, fruto da fusão dos Institutos dos Auditores de
São Paulo e Rio de Janeiro e mais os auditores ligados do Instituto dos Contadores e Atuários do Rio Grande do Sul ­ ICARGS, na época presidida pelo Contador Egon Handel.

Este foi o marco divisório da auditoria independente em nosso país.

Em  decorrência  dessas  negociações  o  Banco  Central  do  Brasil  baixou  a  Resolução  nº  220/1972  que  obrigava  as  companhias  abertas  a  ter  suas  demonstrações  financeiras
(contábeis) examinadas por auditores independentes. Pelas Circulares nºs 178 e 179/72, respectivamente, criou o registro de auditores independentes e estabeleceu as normas
de contabilidade para a elaboração e divulgação das demonstrações financeiras (contábeis) aplicáveis às companhias abertas.

Todos  estes  atos  foram  consolidados  pela  ação  conjunta  do  Conselho  Federal  de  Contabilidade  e  Instituto  dos  Auditores  Independentes  do  Brasil  –  IAIB  (hoje  IBRACON)  ao
aprovar de forma conjunta as Normas de Auditoria Independente das Demonstrações Contábeis através da Resolução CFC nº 321/71, referendada logo depois pelo Banco Central
do Brasil.

Neste  momento  tínhamos  registrado  no  Cadastro  do  Banco  Central  do  Brasil  quarenta  e  quatro  firmas  de  auditoria  com  atuação  em  vários  estados  brasileiros,  com  alta
concentração nas regiões sudeste e sul. Apenas para relembrar o cenário, tínhamos as oito (“big eight”) firmas internacionais e trinta e seis firmas nacionais.

Cabe aqui, preliminarmente, esclarecer duas coisas: a) os nossos colegas das “big­four” (antigas “big­eight”) cansam de dizer que são firmas nacionais, apenas adotando o nome
internacional  porque  fazem  parte  de  uma  rede  internacional;  b)  para  conquistar  clientes,  quando  lhes  interessa,  dizem  que  são  firmas  internacionais;  quando  é  para  assumir
responsabilidade internacional dizem que são firmas nacionais e que nada lhes diz respeito. Basta ler os anúncios de páginas inteiras dessas empresas para ver esta realidade.
Trata­se de caso de dupla personalidade.

Pois bem, é neste cenário que estamos vivendo a profissão contábil brasileira no campo da auditoria independente.

Cada vez mais as firmas internacionais – “big four” – têm presença muito forte no mercado de auditoria no Brasil e as firmas nacionais, constituídas por profissionais brasileiros e
sem  vinculação  com  as  quatro  grandes,  precisam  buscar  meios  de  sobrevivência  num  mercado  internacionalizado,  onde  outros  fatores  influenciam  a  indicação  do  auditor
independente.

02 – DAS OITO VIRARAM CINCO E DAS CINCO VIRARAM QUATRO

 
Quando comecei na profissão tinha na minha mente que estava atuando num mercado onde existiam oito firmas internacionais e mais umas trinta e poucas firmas nacionais.

Entre as firmas internacionais, duas não tinham nenhum interesse em auditar empresas nacionais, a Deloitte e a Ernst & Ernst (hoje Ernst & Young). A mais nacionalizada era a
Price Waterhouse Peat (hoje a Peat é o P da KPMG).

Existiam  na  época  firmas  nacionais  de  prestigio  e  até  com  tamanhos  maiores  que  as  firmas  internacionais  (Boucinhas  e  Campos,  com  forte  presença  na  área  pública  como
auditores da Petrobrás, Eletrobrás e outras e Revisora Nacional e Sotec­Aud com presenças importante em firmas privadas como Banco Real, Camargo Correa, Sadia e outras.

Nossa empresa ganhou mercado porque investiu numa área pouco explorada pelas demais empresas, que foi a área do Agronegócio, (Cooperativas e empresas Agropecuárias),

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pontos fortes da economia do RGS, nossa terra de origem.

As décadas seguintes foram de muitas modificações no mercado de auditoria.

Das  oito  (“big­eight”)  tornaram­se  cinco,  pois  a  Price  se  uniu  com  a  Coopers  e  a  Ernst  se  uniu  com  a  Arthur  Young.  A  Touche  Ross  se  uniu  a  Deloitte  e  a  Arthur  Andersen
continuou sozinha até quebrar em 2002, face aos episódios da Enron.

Quis a fatalidade que a melhor das cinco, em termos de qualidade técnica, no meu conceito, foi a que pagou o pato.

É  público  e  por  demais  divulgado  que  as  demais  quatro  praticaram  auditorias  de  baixa  qualidade  para  inúmeros  clientes,  sempre  terminando  em  acordos  com  pagamentos  de
pesadas indenizações por trabalhos mal executados.

No caso dos escândalos de balanços fajutos nos EUA não foi só a Andersen a protagonista.

As  outras  quatro  tinham  contingências  judiciais  de  mais  de  US$  30  bilhões  que  até  hoje  perduram  nos  tribunais  americanos.  Porém  quebrar  mais  uma  firma  das  quatro
sobreviventes seria o fim da auditoria no mundo capitalista. E este cenário não interessava a ninguém.

Aí  tiveram  a  criatividade  de  inventar  uma  lei  chamada  Sarbanes­Oxley,  (deputados  americanos  autores  da  lei)  para  salvaguardar  as  empresas  de  capital  aberto,  as  firmas  de
auditoria,  os  bancos  de  investimentos,  todas  estas  fraudes  e  os  analistas  ceguinhos  (ou  corruptos,  como  queiram),  para  criar  uma  forma  de  regulamentação  e  resgate  da
credibilidade dos balanços das empresas.

Do cenário de crise aguda, com perspectivas nada promissoras para as firmas de auditoria, em especial para as big­four (Price, KPMG, EY e Deloitte), com riscos de das quatro
ficarem uma ou duas, o que para o mercado seria extremamente ruim, os participantes do mercado de capitais buscaram alternativas para salvar a situação.

Primeira decisão: não quebrar mais nenhuma firma de auditoria (uma das quatro, logicamente).

Segunda decisão: dar ao mercado sinais de busca da credibilidade.

Terceira decisão: criar uma lei para dar respaldo legal às ações de salvamento planejadas.

Como  resultado  de  toda  esta  encenação  mercadológica  do  mercado  de  capitais,  criou­se  esta  lei  Sarbanes­Oxley  para  tentar  resguardar  os  investidores  de  possíveis  fraudes
futuras nas empresas.

Em resumo, as empresas gastaram milhões para se adaptarem aos requisitos da Lei Sarbanes­Oxley e as firmas de auditoria, as quatro principalmente, faturaram milhões sobre
um problema que elas próprias foram as responsáveis por sua ocorrência.

Desde  1949  as  normas  de  auditoria  prevêem  que  o  auditor  independente  fará  o  seu  trabalho  com  base  nos  controles  internos  da  empresa  auditada.  Ora,  se  os  controles  eram
deficientes caberia ao auditor apresentar suas recomendações para melhorar os controles internos adotados. Se os controles não estavam formalizados, a recomendação deveria
ser formalizar.

Ou seja, gastaram­se milhões sobre coisas que já deveriam estar implantadas nas empresas e se não estavam, caberia aos auditores independentes recomendar. Formalizar e
aprimorar controles é apenas uma parte do processo. A qualidade e a ética na governança corporativa são fatores importantes para a credibilidade das empresas.

03 – OS CENÁRIOS DO MERCADO E O FOCO DAS EMPRESAS DE AUDITORIA

Nas  décadas  de  60  a  80,  as  grandes  firmas  de  auditoria  só  se  interessavam  por  grandes  contas  e  tinham  um  mercado  cativo  que  eram  as  empresas  multinacionais,  cujos
auditores já eram designados lá de fora. As “big­eight” só tinham a preocupação de atender, e atender bem, as filiais das empresas estrangeiras, já que o auditor era escolhido lá
fora. Até 1974 a Deloitte, quando da aquisição da Revisora Nacional, tinha um só cliente nacional, que era o Banorte. E isto se deve porque o primeiro escritório da Deloitte no
Brasil foi em Recife, sede do antigo Banorte. Com a Ernst & Ernst, (hoje Ernst Young) se passava o mesmo.

Tanto  a  Price  Waterhouse  Peat  como  a  Coopers  &  Lybrand  tentaram  em  diversas  ocasiões  se  unirem  as  firmas  locais,  todas  nuvens  passageiras,  como  dizia  o  poeta.  As
culturas diferentes sempre dificultaram a integração.

A KPMG foi a que partiu para aquisições de firmas nacionais, seguida da Ernst Young, algumas bem sucedidas e outras que não agregaram em nada.

Nestes últimos 30 anos, surgiram novas firmas de auditoria nacionais que conquistaram espaços. Umas sobreviveram e outras desapareceram, lamentavelmente.

Cabe destacar o surgimento da Trevisan, cujo sócio principal Antoninho Marmo Trevisan, oriundo da Price, desafiou o mercado denominado pelas “bigs” e as incomodou demais.
Surgiu a BDO, inicialmente associada à Directa, hoje a quinta firma no ranking mundial, mas extremamente pequena perto da última das quatro. Depois da separação da Directa
associou­se com a Trevisan, passando a chamar­se BDO Trevisan.

Outra que surgiu na década de 70 e ganhou projeção nacional foi a Bianchessi, com origem no RGS, sendo maior do que algumas das “big­eight” da época. Não resistiu a quebra
do Banco Sul Brasileiro e Encol e naufragou junto.

Na  década  de  90  surgiu  a  Terco,  com  forte  presença  em  assessoria  tributária  e  pouca  expressão  em  auditoria.  Com  a  crise  da  Parmalat  envolvendo  a  Grant  Thornton  e  a
Trevisan  querendo  livrar­se  de  uma  relação  com  aquela  empresa,  colocou  a  Grant  Thornton  no  colo  da  Terco,  que  buscava,  intensamente,  uma  relação  que  lhe  daria  uma
credibilidade em auditoria independente (depois de uma frustrada fusão com a Directa).

Pois bem, qual o resumo de toda esta salada de frutas mercadológica da auditoria independente em nosso País?

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1 –  Quebra da Arthur Andersen em 2002 e divisão dos seus clientes e sócios entre Deloitte e Price no Brasil, onde a decisão entre os sócios não foi unânime;

2 –  Desaparecimento de várias firmas nacionais de auditoria, ou por problemas técnicos ou por aquisições pelas “big­five” e depois “big­four”;

3 –  Surgimento de novas firmas, todas de pequeno porte, decorrentes do fechamento ou racionalização de equipes das “big­four”;

4  –    O  rodízio  das  firmas  de  auditoria  nas  companhias  abertas,  instituições  financeiras,  fundações  de  seguridade  social  e  seguradoras,  especialmente,  reduto  das  principais
firmas  auditadas  no  Brasil,  determinou  mais  uma  paulada  na  cabeça  das  firmas  de  auditoria  puramente  nacionais.  O  resultado  deste  rodízio  foi  de  que  as  empresas  que  eram
auditadas  por  firmas  de  auditoria  de  médio  e  grande  porte  emigraram  para  uma  das  “big­four”  e  uma  auditada  por  uma  “big­four”  migrou  para  outra  “big­four”.  Ou  seja,  a
concentração das contas ficou com as “big­four”. O Banco Central suspendeu o rodízio, mas a CVM insiste em mantê­lo, embora sejam do mesmo governo.

04 –A QUEBRA DA ARTHUR ANDERSEN E O REFLEXO NO MERCADO FINANCEIRO

Eu, pessoalmente, lamentei muito a quebra da Arthur Andersen. Eu conhecia muito bem as práticas de auditoria da Andersen por privar da amizade de muitos dos sócios daquela
que era a inspiração de metodologia e qualidade do processo de auditoria para a nossa empresa. Fizemos vários trabalhos em conjunto e tivemos muitos de nossos trabalhos
revisados pela Andersen nestes últimos 40 anos.

Com muita satisfação digo que sempre tivemos uma validação plena de nosso trabalho pela Andersen.

A última experiência relevante foi quando tivemos a revisão de todo o nosso trabalho nas nove das vinte e sete empresas do Sistema Telebrás para fins de privatização, onde a
Andersen atuou como firma auditora de todo o processo.

Lembro­me  da  expressão  do  sócio  da  Andersen  ao  terminar  o  seu  trabalho:  “Meus  cumprimentos,  vocês  fizeram  durante  todos  estes  anos  um  trabalho  excelente.  Ficamos
surpreendidos  pela  qualidade  técnica  e  pela  profundidade  dos  exames.”  Minha  resposta  foi:  “Eu  não  tinha  nenhuma  dúvida  que  nosso  trabalho  daria  um  conforto  adequado  ao
trabalho de vocês. Que bom que vocês reconhecem que a auditoria brasileira também têm qualidade.”

05 –A INFLUÊNCIA DAS “BIG FOUR” NOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS

Não  é  de  hoje  que  as  firmas  internacionais  de  auditoria  (“big­four”)  têm  forte  influência  nos  organismos  internacionais,  como  Banco  Mundial,  Banco  Interamericano  de
Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional e até no BNDES e muito mais nas instituições financeiras privadas internacionais.

A  situação  é  plenamente  compreensível:  é  muito  cômodo  para  os  executivos  (até  no  nível  gerencial)  aprovar  projetos  de  financiamentos  ou  IPOs  de  empresas  que  sejam
auditadas  por  uma  das  “big­four”.  Se  amanhã  o  mutuário  (cliente)  não  pagar,  a  desculpa  pela  má  análise  de  crédito  é:  “mas  esta  empresa  foi  auditada  por  uma  “big”  e  minha
decisão foi baseada na credibilidade dos números apresentados pela empresa”.

Ou  seja,  é  muito  confortável  para  quem  aprova  projetos  e  créditos,  ou  que  as  demonstrações  contábeis  de  uma  empresa  com  apetite  de  fazer  um  IPO,  tenha  suas  contas
aprovadas por uma “big”.

Se amanhã der errado quem autorizou crédito têm o respaldo de que a empresa financiada foi auditada por uma “big”. Quem lançou as ações também.

Esta é uma situação que deve ter uma solução. A minha expectativa para resolver este cenário é a harmonização das normas de contabilidade a nível mundial e a adoção pelas
firmas nacionais das normas internacionais de auditoria.

Se houver um organismo internacional para validar as práticas de auditoria de todas as firmas de auditoria que queiram ter um selo internacional e esta firma nacional passar por
todos  os  requisitos  exigidos  pelo  organismo  internacional,  a  certificação  internacional  estaria  consolidada.  Sei  que  existe  o  PCAOB  (Public  Company  Accounting  Oversight
Board), criado pela Lei Sarbanes­Oxley para monitorar a qualidade das auditorias, mas este selo não é suficiente.

Aí  vem  a  questão:  depois  de  passar  por  todos  os  requisitos  definidos  e  obter  a  sua  certificação  internacional,  poderá  uma  firma  nacional  ser  validada  pelo  mercado  financeiro
internacional?

Eu espero, firmemente, que isto possa acontecer: do contrário será o fim do mercado de auditoria mundial.

Tenho a firme convicção de que no futuro o mercado financeiro e de capitais não vão querer ficar nas mãos das “big­four”.

Se firmas nacionais e redes internacionais de menor porte, e aí incluo a BDO e a Grant Thornton, além das outras redes internacionais, não tiverem como participar do mercado
de auditoria mundial, o processo de auditoria independente a nível mundial cairá em total descrédito.

Ninguém  vai  querer  ficar  refém  das  “big­four”.  Se  quiserem  ficar  são  uns  perfeitos  idiotas.  E  conhecendo  os  empresários,  digo  com  convicção:  esta  classe  de  idiota  não  tem
nada.

Por  fim,  quero  destacar  um  ponto  essencial  neste  cenário:  por  que  um  organismo  nacional,  como  o  BNDES,  influencia  seus  financiados  a  ter  suas  demonstrações  contábeis
auditadas por uma das “big­four”?

O problema não é o BNDES, pois o banco nem tem um cadastro de firmas de auditoria independente sob o qual poderia questionar a qualidade dos auditores independentes.

O  BNDES,  em  tese,  referenda  todas  as  firmas  de  auditoria  registradas  na  CVM.  Todavia,  alguns  setores  do  banco  condicionam  a  aprovação  do  financiamento,  em  “off”,  que  a
empresa financiada seja auditada por uma das “big­four”.

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Há ocasiões onde a influência é mais direta. A empresa de auditoria (uma das big­four) é mencionada explicitamente. O Brasil é isto! E nada acontece!

E por favor, não me questionem, pois tenho provas suficientes para provar minha acertiva. Com nome das empresas, tipos de financiamentos e valores. Uma lástima, mas é a
realidade.

06 –O EXEMPLO DO CITIBANK E DO DEUTSCHE BANK

Há alguns anos atrás sentimos uma pressão muito forte do Citibank, financiador de alguns de nossos clientes de grande porte, para que houvesse uma troca de auditoria por uma
das “big­five” (na época ainda eram cinco).

Mercê  de  uma  ação  rara  entre  os  empresários,  um  de  nossos  clientes  levantou  uma  questão  junto  ao  Citibank:  Vocês  conhecem  os  nossos  auditores?  Diante  da  resposta
negativa houve uma combinação tripartite: A empresa auditada liberava o seu auditor a falar o que quisesse sobre ela, o banco questionaria sobre o que bem entendesse e nós
auditores, além de demonstrar a nossa metodologia de trabalho, poderíamos expor nossa opinião sobre a empresa auditada sem qualquer restrição. Total transparência, como se
diz no mercado.

O resultado desta situação foi o melhor possível: o banco ficou confortável do que ouviu da nossa firma, validou a nossa atuação ao demonstrar que se praticava uma auditoria
de qualidade e independente e o cliente passou a ter taxas financeiras mais baixas. E o Citi nunca mais pressionou para a troca do auditor.

Poucos meses atrás tivemos uma situação semelhante com o Deutsche Bank. Por razões internacionais, o banco não financia empresas que não sejam auditadas por uma das
“big­four”.

Para crescer no mercado brasileiro, o banco identificou várias firmas, mas muitas delas eram auditadas por firmas nacionais de auditoria. Como resolver o impasse?

O banco passou a contatar e visitar as referidas firmas nacionais de auditoria para poder conhecê­las.

No nosso caso, o resultado foi altamente positivo, pois os nossos clientes, onde o banco tinha interesse de operar, passaram a ser contatados pelo banco.

Recebemos um comunicado do porta voz do banco de que nossa empresa estava aceita pelo banco como auditora de seus potenciais clientes.

Lógico que isto tudo é um processo.

Falar  de  um  banco  nacional  brasileiro,  mesmo  do  porte  de  um  Bradesco,  Itaú  ou  Unibanco  nas  principais  bolsas  internacionais  é  a  mesma  coisa  que  falar  em  termos  de  uma
auditoria independente como a Boucinhas e Campos, a Soteconti, a Nardon, Nasi, a Teixeira, a Walter Heuer, a Fernando Motta e outras. Não vale nada. O mercado internacional
não nos conhece, nem os bancos, nem os auditores.

Basta  a  ver  os  IPOs  ocorridos  nos  últimos  dois  anos  no  Brasil  e  verifica­se  que  Bradesco,  Itaú  e  Unibanco  pouco  participaram  como  líderes  dos  lançamentos.  Só  dá  Credit
Suisse e UBS Pactual e as vezes o Citibank e o J.P. Morgan. E olha que estes dois últimos são grandes no mercado internacional.

Globalização é isto! Continuamos com nosso pedacinho nacional.

07 –OS TEMPOS DAS 2000 HORAS

Quando comecei na atividade da auditoria independente ouvia de nossos concorrentes internacionais, na época as “big­eight”, de que a elas só interessavam clientes nacionais
com uma expectativa de 2000 horas anuais. Algumas dessas oito grandes firmas internacionais nem tinham clientes nacionais, como já antes mencionei.

Foi neste nicho de mercado que muitas firmas nacionais entraram e começaram a ganhar espaço. Foi o que fizemos em nossa empresa.

Além  disso,  procuramos  solidificar  nossa  presença  em  áreas  onde  as  “big­eight”  não  tinham  a  menor  experiência  e  o  menor  interesse:  setor  agropecuário  e  especialmente
cooperativas. Nossa empresa ficou conhecida nacionalmente como aquela que era especializada em cooperativas. Embora não atendiamos somente cooperativas agropecuárias,
este setor representou substancial participação em nosso faturamento. Chegamos a auditar mais de duzentas cooperativas em vários estados brasileiros e realmente temos uma
substancial  experiência  no  segmento.  Como  o  cooperativismo  cresceu  de  forma  impressionante  nas  décadas  de  70  e  80  em  nosso  país,  o  crescimento  de  nossa  empresa
também foi significativo.

Lamentavelmente  o  setor  teve  inúmeros  problemas  já  na  década  de  80  por  problemas  de  gestão,  que  culminaram  com  a  crise  dos  anos  90  pelas  políticas  econômicas
equivocadas e mal sucedidas, atingindo diretamente (ou quebrando) o setor agropecuário brasileiro.

Das 2000 horas como fator essencial da busca de clientes na década de 60, hoje as “big­four” disputam clientes de 200 horas ano pau a pau com as firmas nacionais, brigando
não mais com as médias firmas nacionais, mas com as pequenas firmas de auditoria.

As pequenas firmas de auditoria lutam por um espaço pequeno e sua arma é apenas o preço e o atendimento pessoal, ficando restritas às pequenas e médias empresas.

Para as firmas médias de auditoria, como a nossa, não resta outra alternativa do que a segmentação do mercado e buscar clientes de porte médio e grande, que não tenham a
obrigação de contratar firmas internacionais, além do atendimento pessoal dos sócios e outras vantagens competitivas que me reservo o direito de não mencionar.

08 –ONDE AS “BIG­FOUR” QUEREM CHEGAR

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Logicamente que o primeiro objetivo é buscar mercado, tanto nas grandes, médias e pequenas empresas.

O segundo objetivo é, atingindo todo o mercado, excluir as firmas nacionais de auditoria, começando pelas de grande porte (são poucas), massacrando as de médio porte (são
muitas) e deixando sobreviver as de pequeno porte, dando a impressão aos organismos reguladores de que existe um mercado de trabalho para as firmas de auditoria no Brasil.
Pura ilusão de ótica.

Basta  ver  o  IBRACON!  Entidade  fundada  em  1971,  dos  quais  tenho  a  honra  de  ter  sido  um  dos  fundadores,  sempre  teve,  pelo  menos  em  seus  trinta  anos  de  existência,  até
2001, um equilíbrio de gestão, com alternância de poder entre representantes de firmas nacionais e internacionais. De lá para cá, o IBRACON virou reduto das “big­four”, que o
sustentam e governam, ditam as regras técnicas, manipulam suas posições externas e pouco representa o efetivo interesse dos auditores brasileiros. Temos mais de 140.000
contadores no Brasil, mais de 10.000 profissionais trabalhando em auditoria independente e o IBRACON continua com seus 3.000 sócios há mais de 20 anos.

Espero que o planejamento estratégico do IBRACON, que está sendo implantado, mude a cara da entidade e acolha os mais de 10.000 contadores que trabalham em auditoria
em nosso país.

Ou seja, as “big­four” utilizam­se do IBRACON como escudo para defender seus interesses junto aos organismos reguladores.

Sei  que  vou  ser  contestado  por  estas  afirmativas,  mas  esta  é  a  realidade.  É  meu  sentimento  e  o  de  inúmeros  contadores  brasileiros  que  atuam  na  atividade  da  auditoria
independente. Alguns há mais de 40 anos como eu.

09 –O EXEMPLO DOS EUA E A SITUAÇÃO NA EUROPA

Sendo o país a nível mundial onde a auditoria independente tem o maior desenvolvimento, o mercado de auditoria nos EUA é um bom exemplo de convivência entre as “big­four”,
as médias e pequenas empresas de auditoria.

Primeiramente cabe destacar que o AICPA sigla em inglês do (Instituto dos Contadores Públicos Certificados) tem um equilíbrio de forças na gestão da auditoria independente
nos  EUA.  Em  geral  são  representantes  de  médias  firmas  de  auditoria  (que  são  milhares  nos  EUA)  que  dirigem  o  AICPA.  Lá  todos  os  auditores  certificados  são  membros  do
AICPA, uma entidade sólida, muito forte economicamente e que representa muito bem a classe dos auditores.

A estrutura da profissão contábil americana dá oportunidade a todos, pela grandeza e imensidão do mercado de trabalho. Lá qualquer empresa de médio porte é obrigada a ser
auditada, não por lei, mas por imposição do mercado.

Os bancos não operam com empresas não auditadas, independente de seu porte e tipo jurídico.

Embora haja uma substancial predominância das “big­four”, há um mercado tão amplo que as médias e pequenas firmas de auditoria têm espaço para atuar.

O AICPA está permanentemente preocupado em criar espaço para a atividade de seus auditores, especialmente as médias e pequenas firmas. Aqui, o IBRACON nada faz pelas
médias e pequenas firmas de auditoria.

A  grita  na  Europa  tem  sido  permanente.  Diante  da  crescente  participação  das  “big­four”  no  mercado  da  auditoria,  as  firmas  nacionais,  especialmente  do  Reino  Unido,  tem
protestado permanentemente quanto a atuação das “big­four”.

Recentemente  pesquisa  feita  pela  London  School  of  Economics,  com  o  patrocínio  da  BDO,  constatou  que  os  honorários  de  auditoria,  sem  considerar  outros  serviços,  como
mudança de regulação, pela concentração dos serviços das “big­four”, aumentou 2,4%, que para uma economia estabilizada é muito.

Na  realidade  a  BDO  (associada  com  a  Trevisan  no  Brasil),  que  é  a  quinta  empresa  mundial,  é  dez  vezes  menor  que  a  menor  das  quatro  (“big­four”)  e  não  tem  a  menor
participação no rol das 500 maiores empresas da FORTUNE.

Ali  deitam  e  rolam  as  “big­four”.  Para  se  ter  uma  idéia  desse  mercado,  posso  garantir  que  a  BDO,  uma  firma  com  sede  mundial  na  Alemanha,  não  era  reconhecida  até  pouco
tempo atrás pelo próprio Deustch Bank como firma de auditoria credenciada.

O que resta para nós, firmas brasileiras, argentinas, mexicanas e indianas, para ficar só em alguns países?

Vejamos alguns cenários onde poderemos ter mais mercado:

1 –  O Brasil vai crescer mais de 5% ao ano nos próximos anos e uma quantidade de novas empresas surgirão. As pequenas vão se tornar médias e as médias vão se tornar
grandes;

2 –  Nem todas as empresas nacionais, de médio e grande porte, de capital fechado, tem necessidade de ter como sua auditoria uma das “big­four”. Muitas delas não querem
nem saber de uma das “big­four”, pois são pequenas demais para terem um atendimento adequado às suas necessidades;

3 –  Dentro de poucos anos todas as sociedades anônimas serão obrigadas, por lei ou por exigência do mercado, de serem auditadas;

4 –  As empresas de grande porte, mesmo sendo limitadas, já estão contratando auditoria, por necessidade ou pela imposição da Lei 11.638/2007;

5 –  Outros segmentos de empresas e instituições serão obrigadas, por lei ou por imposição do mercado, a serem auditadas;

6 –  Firmas familiares, mesmo as limitadas, estão cada vez mais contratando auditoria independente.

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Ou seja, há espaço para todos: pequenas, médias e grandes firmas de auditoria. Apenas temos que ser competentes e mostrar que tamanho não é documento, para usar uma
expressão muito usada no Brasil.

10 –A SITUAÇÃO MUNDIAL

A situação da auditoria no mundo não é muito diferente do cenário brasileiro. O domínio das quatro grandes é total.

De vez em quando algum organismo regulador divulga estudos e propõe alternativas para quebrar o monopólio das “big­four”, mas apesar de todo o barulho não acontece nada.

No meio do ano passado o Conselho de Contabilidade Financeira (sigla em inglês FRC), organismo regulador no Reino Unido, chegou a um consenso de que o domínio das “big­
four” na auditoria das grandes empresas é prejudicial ao mercado.

O Conselho reuniu diretores de empresas, investidores, banqueiros e auditores para avaliar o assunto.

No momento em que estas pessoas se reúnem e falam por si e não por suas organizações, chegam fácil a um consenso de que seria ótimo para o mercado de que houvesse um
maior número de firmas de auditoria para atender as grandes empresas multinacionais.

Todavia, se você for falar com cada um deles nas suas organizações vão ter uma resposta totalmente diferente.

O  executivo­chefe  do  FRC,  Paul  Boyle  disse:  “todos  concordam  coletivamente  sobre  a  necessidade  de  agir,  mas  é  difícil  para  uma  empresa,  individualmente,  ser  a  primeira  a
fazer a mudança”.

Ele chamou esta situação como a síndrome do “not in my back yard” ou equivalente a expressão “não no meu quintal”.

Ou seja, o diretor de uma empresa apóia a idéia, desde que não seja na dele ou que a dele não seja a primeira.

No Reino Unido, das 350 maiores empresas, a BDO e a Grant Thornton, que são as maiores depois das “big­four”, só têm 2% do mercado.

Tenho muitos amigos que trabalham em auditoria no Reino Unido e eles me dizem que nós brasileiros é que somos felizes. Lá a situação é muito pior.

O diagnóstico que se dá a esta situação é que há barreiras psicológicas para mudar este quadro. Mas eu ainda tenho a esperança de que vai surgir algum dirigente peitudo de
uma multinacional que vai topar trocar uma das “big­four” por uma menor. Se der certo, pode ser a virada que o mercado espera.

11 –A LUTA DAS EMPRESAS NACIONAIS QUE TÊM CONDIÇÕES DE COMPETIR

Vejo que algumas características deverão predominar nas pequenas e médias firmas de auditoria para se tornarem grandes “players”.

A  primeira  situação  a  ponderar  é  a  do  mercado.  Diante  de  todas  estas  dificuldades  constatadas,  a  pergunta  que  se  traz  presente  é:  há  perspectivas  positivas  para  as  firmas
nacionais de auditoria? Tenho absoluta certeza que sim.

O Presidente do IBRACON, que é sócio da Deloitte e ex­Andersen, em recente entrevista a Revista Razão Contábil expressou este mesmo sentimento. Que bom que ele pensa
assim.

Elenco alguns cenários do mercado de trabalho da auditoria no Brasil para que se possa compartilhar desse mercado com as “big­four”:

1 –  buscar a especialização por segmento de negócio. Não dá para ser bom e experiente em todos os segmentos;

2 –  dar um atendimento personalizado ao seu cliente, fator em que as “big­four” são extremamente ineficientes;

3 –  dar resposta rápida às necessidades dos clientes;

4 –  equipe altamente qualificada. Quantidade só é fator competitivo para grandes empresas. Para um mercado mais segmentado, como o das médias e pequenas empresas, ou
mesmo grandes firmas com estrutura de gestão familiar, a qualidade do serviço e o atendimento personalizado é essencial;

5 –  apresentar produtos (serviços) diferenciados e competitivos, que as “big­four” têm dificuldade de oferecer, pelo alto custo do treinamento de suas equipes, e alta rotatividade
de pessoal;

6 –  ter condições de atender todo o tipo de serviço requerido internacionalmente, segundo padrões internacionais, com equipes fluentes em vários idiomas, conhecimento das
normas internacionais de contabilidade e auditoria e afinados com os requerimentos do mercado internacional de auditoria (SAOX, IFRS, USGAAP, FASB, NIAS, etc).

Portanto,  só  nos  resta  continuar,  dia  a  dia,  acordando  cedo,  arregaçando  as  mangas,  estudando  muito  e  trabalhando  com  ética,  muita  vontade,  talento  e  criatividade.  Além  de
tudo isto, somos muito teimosos.

Contador Antonio Carlos Nasi

 
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Sócio da Nardon, Nasi – Auditores Independentes
Sócio da RBA Global – Auditores Independentes S/S
Membro Fundador do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRACON

Presidente da Associação Interamericana de Contabilidade – 1999/2001
Membro do Grupo de Normas Contábeis do Conselho Federal de Contabilidade – 1990/1997

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