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SÁBADO, 15 de dezembro de 2018

CADERNO DE SÁBADO

MICHEL MAFFESOLI* e HÉLÈNE STROHL**

A REVOLTA DOS ESQUECIDO


Casal de pensadores
analisa o significado
do movimento dos
coletes amarelos na
França de hoje

A
França tem sido sacudi-
da por manifestações de
rua. Venho escrevendo
sobre isso. É tempo de
uma síntese. Certamente a depre-
dação de alguns dos nossos luga-
res e monumentos mais simbóli-
cos, a violência física e os incên-
dios são acontecimentos particu-
lares de grande intensidade.
Mas, como Emile Durkheim ob-
servou, todo fenômeno de "efer-
vescência" social produz efeitos
incontroláveis. Fiquemos no es-
sencial: "recusa de representa-
ção", "negação da democracia",
um movimento que não pode ser
controlado, sem líder e sem rei-
vindicação explícita ou racional.
Na esteira do que meu amigo
Jean Baudrillard chamou de "à
sombra da maioria silenciosa", te-
nho enfatizado a importância da
"sociedade não oficial".
Diferentes tribos fecharam um
cruzamento, impediram o acesso
ao supermercado do bairro, ata-
caram os lugares simbólicos das
elites. Nenhuma reivindicação
unifica essas tribos e até mesmo
as exigências mais repetidas são
muitas vezes tão contraditórias
(baixar os preços, lutar contra a
globalização, valorizar o local, es-
timular as viagens, compartilhar, Os "coletes amarelos" não lutam por um "bem comum" abstrato e, sem dúvida, sua solidariedade não cobre toda a miséria do mundo(...) seu interesse vai além da mera curio
mas ao mesmo tempo preservar
o uso individual do carro ...) que revolta dos povos. Revolta geral guem entender: a afirmação gros- Estamos em uma crise, não pri- A era moderna viu o modelo
as reações tradicionais dos políti- contra as elites, mas especial- seira de que não precisamos meiramente econômica ou social, materialista e produtivista preva-
cos e dos meios de comunicação mente contra aquele que foi elei- mais deles, não acreditamos mais mas numa verdadeira mudança lecer, com os avanços que conhe-
perdem o rumo. É preciso ressal- to para a Presidência da Repúbli- neles. O “fora todos” é cruel: diz de paradigma: a política é a ges- cemos, especialmente em saúde,
tar a importância da forma como ca. Existe no inconsciente coleti- que não há substituto possível. tão, a regulação da convivência, educação, mas também com a de-
as pessoas se ligam. vo, tão dificilmente exprimível, Emmanuel Macron apostou nisso do viver juntos. É a ritualização vastação ecológica que sabemos
Essas tribos não são unifor- uma vergonha por ter se deixado e foi eleito; mas era um jogo peri- da violência, a rivalidade homeo- e a erosão das solidariedades
mes; há jovens e velhos, muito po- enganar por um ator que fez goso pelo qual ele pode pagar um pática, a regulação de várias pai- básicas. Estamos entrando em
bres e menos pobres, ecologistas crer que ele representaria o povo preço alto. xões e emoções coletivas muitas outra era, na qual o ideal comuni-
e adeptos de desenvolvimento “em movimento”. Sou leitor e seguidor de “O Po- vezes contraditórias. Essa políti- tário ressurge e o homem enten-
crescente. Há também as tribos Paris e Marselha foram palcos lítico e o Cientista” de Max We- ca foi constituída na modernidade de que não pode mais dominar a
de “baderneiros”, jovens interes- de lutas nunca vistas. Uma gran- ber. Longe de mim, portanto, a (século XVIII-XX) em democracia natureza.
sados no confronto violento com de parte da população se identifi- ideia de “dizer o que fazer”! Eu representativa: todos os corpos in- Toda mudança de época expe-
os "policiais", que arrastam na cou com “coletes amarelos”. De sempre disse que o pensamento termediários, todas as guildas, rimenta um período de profunda
sua histeria, por contaminação, Buenos Aires, Macron falou aos autêntico é compreensivo, procu- corporações e confrarias foram turbulência, pois as sociedades
outros indivíduos. Não adianta franceses para mostrar que esta- ra ver o que é e não dizer o que dissolvidas; os indivíduos se vi- penam para construir o modelo
responsabilizar esta ou aquela ati- va em outro lugar, lidando com deve ser. Eu sabia que haveria ram livres de quaisquer laços co- apropriado de regulação. Não é
tude do governo, esta ou aquela os “grandes problemas deste muita gente nas manifestações de munitários, ligados uns aos ou- certo que as pessoas queiram
política. Jornalistas e políticos fi- mundo junto com os grandes des- “coletes amarelos” desde outu- tros por um contrato social, um sempre mais crescimento e con-
cam horrorizados com o “fora to- te mundo”. Nada tinha a dizer bro. Mas também sei paradoxal- conjunto de normas que ditam o sumo. Parece que se busca ago-
dos” pós-moderno que move, aos “baderneiros”. Não podería- mente que a forma como as eli- comportamento. Esses padrões ra algo da ordem das relações.
mais ou menos inconscientemen- mos ter melhor encenado a arro- tes falam “dessa gente”, desses são elaborados por seus represen- Uma das primeiras obrigações
te, a revolta. Foi isso que garan- gância do tecnocrata! É por isso desesperados sem saída porque tantes e se aplicam a todos. do político é saber ouvir e encon-
tiu a eleição de Emmanuel Ma- que não há "pensamento paliati- ganham 1.200 euros por mês, Isso não funciona mais: as trar as palavras adequadas para
cron. A eleição deu a ilusão de vo" possível, isto é, não há respos- não lhes ajuda em coisa alguma. pessoas não se sentem mais repre- descrever a realidade. Sejamos
uma renovação, mas rapidamente ta para se opor a essa revolta. Eles protestam porque um au- sentáveis. Significa que se torna- claros: todos esses discursos mo-
a hipótese do fake se confirmou. Os "coletes amarelos" dizem: mento de 100 euros é enorme em ram individualistas, que não têm ralizantes e repressivos, todas es-
Amplia-se a distância entre a estamos cansados da obsessão seu orçamento e eles sabem que senso do bem comum? De forma sas lições de moral só servirão
opinião publicada e opinião públi- pelo consumo, pelo dinheiro, pelo poucos políticos pagam para en- alguma. Ao contrário, significa para excitar os ânimos. O “movi-
ca. Não se consegue mais contro- materialismo. Queremos sonhar, cher o tanque! Mas isso não sig- que concebem o bem apenas como mento” dos “coletes amarelos”
lar explosões de emoções coleti- festejar, divertir-nos e não calcu- nifica que sejam sub-humanos, comum, isto é, registrado diaria- talvez pare, haverá trégua. No en-
vas através de negociações com lar. Estamos cansados de bancos! incapazes de solidariedade, de mente em sua comunidade de vi- tanto, o fogo continuará a se pro-
representantes! Apesar da violên- Chama a atenção a violência gra- ajuda mútua, que não gostem de da. É esse movimento de retorno, pagar. O que opõe os “coletes
cia, apesar dos incêndios e ou- tuita contra agências bancárias festa, de se encontrar; nossas eli- depois da modernidade, a uma “so- amarelos” e as elites é que eles
tros abusos, que seria difícil pa- sem a intenção de roubar, mas de tes parisienses precisam abando- cialidade” comunitária, de proximi- reivindicam tudo e o contrário.
ra os observadores atribuírem à depredar! Há, portanto, nesse mo- nar o discurso de damas benfei- dade, implicando-me em um ser co- Precisamos ficar longe desse
extrema esquerda ou à extrema vimento dos "coletes amarelos" al- toras tão ofensivo quanto contra- letivo, pertencendo a várias tribos, mundinho dos intelectuais. Está
direita, o que está em jogo é uma go que nossos políticos não conse- producente. que define o fim da modernidade. claro agora que seus instrumen-
CORREIO DO POVO

CADERNO DE SÁBADO
RECORD TV

OS LUCAS BARIOULET / AFP / CP


Deu Rafael Ilha em ‘A Fazenda’ RECORD TV / CP
um grande jogador e nunca es-
Ex-integrante do condeu que queria sair vence-
Polegar recebeu dor. Mas, além de jogar, ele
mostrou que também sabia bri-
62,51% dos votos gar. A primeira desafeta que
e levou para casa fez na fazenda foi a modelo Ga-
bi Prado, que nunca fugiu de in-
R$ 1,5 milhão triga neste reality rural. Rafael
também se desentendeu com

O
músico, ator, apresenta- Perlla, Luane Dias e alguns ou-
dor e repórter carioca tros peões. Nadja Pessoa e
Rafael Ilha, de 45 anos, Evandro Santo foram os princi-
venceu no final da noi- pais aliados de Rafael, mas até
te de quinta-feira a décima edi- a relação entre eles contou com
ção de “A Fazenda”, que teve desentendimentos.
neste ano o subtítulo de “+ Co- Os demais fazendeiros que
nectada”. O ex-integrante do participaram da final nesta
grupo Polegar levou para casa quinta-feira à noite, na sede da
o prêmio de R$ 1,5 milhão após Fazenda, foram o ex-jogador de
vencer os outros dois adversá- futebol Aloísio Chulapa, a jorna-
rios na final, João Zoli e Caique lista e digital influencer Ana
Aguiar, com 62,51% dos votos Paula Renault, a atriz e ex-pa-
do público, pelo portal R7. quita Catia Paganote, o ator e
A grande final de “A Fazen- comediante Evandro Santo, o
da 10 + Conectada contou com ex-atleta de MMA e empresário
a participação de todos os fa- Felipe Sertanejo, a apresentado-
zendeiros desta edição do rea- Rafael Ilha (E) foi só contentamento após o anúncio de Marcos Mion (C) ra e modelo Fernanda Lacerda
lity show rural. Durante o pro- (Mendigata), a modelo e influen-
grama, exibido ao vivo, o apre- colocação, recebendo apenas rante o reality realizado entre ciadora digital Gabi Prado, o
sentador Marcos Mion anun- 1,72% dos votos. 19 de setembro e 13 de dezem- empresário e youtuber Leo
ciou a vitória de Rafael Ilha. O No encerramento da atração, bro, mais R$ 45 mil e duas TVs Stronda, a youtuber Luane
segundo colocado foi João Zoli, Rafael Ilha agradeceu principal- de 50 polegadas como prêmios Dias, a atriz e empresária Nad-
que ficou com 35,77% dos votos mente ao apoio de sua família de atividades ao longo do confi- ja Pessoa, a cantora Perlla, o
e ganhou um carro zero km. do lado de fora do confinamen- namento. Desde o começo do ator Sandro Pedroso, a atriz e
Caique Aguiar ficou na terceira to. O peão também ganhou, du- programa, Rafael se mostrou escritora Vida Vlatt.

LUGAR DO CONTO | ALCY CHEUICHE*

A CASA SEM REBOCO


Maurício dobrou a esquina da Duas vezes. A porta abriu-se sem nha e chegaram ao pátio sombrea- Os dois caíram na gargalhada
osidade pela luta político-institucional. Rua dos Alagados e parou, indeci- ruído e a mãe de Plauto surgiu sor- do por velhos cinamomos. Bem no e Maurício ficou menos infeliz.
so. Tirou o caderno debaixo do bra- ridente. meio deles, um chalé servia de Alguns minutos depois, bate-
tos de investigação, pesquisa, ço e confirmou o número anotado − Bom dia, Maurício. Obrigada quarto para os três filhos ho- ram palmas diante da porta. Co-
suas explicações econômicas e na última página: 897. A casa do por ter vindo. O guri não tem mais mens. Maurício teve vontade de mo Plauto estava concentrado na
sociológicas há muito obscure- Plauto era sem reboco. febre, mas o médico disse que ele rir: o quarto dos meninos parecia tarefa de copiar algumas maté-
cem as profundas mudanças que Teve vontade de dar meia-volta, só poderá ir à escola daqui a al- uma casa de bonecas, até com te- rias do caderno, foi Maurício que
estão ocorrendo em nossa socie- mas percebeu movimento numa ja- guns dias... Mas, entre, por favor. lhado pontudo, mas de tamanho saiu para atender. E isso mudou
dade. Devemos, em vez disso, nela. Agora não dá mais, tenho Obrigada por ter vindo. Sei que vá- grande. E bem grande, para ca- completamente o rumo da sua vi-
aprender a observar o retorno que ir em frente. E lamentou, ou- rios guris da turma já tiveram ca- ber dentro aqueles homenzar- da. Olhou dentro dos olhos da mo-
do imaginário, as várias formas tra vez, ter prometido ir ajudar o xumba e isso só dá uma vez. Mas, rões. Porque os gêmeos Pedro e cinha de vestido azul e apaixo-
de religião, coisas que não se re- colega. Bem que a minha irmã me dos colegas de aula, tu foste o úni- Péricles, irmãos do Plauto, servin- nou-se para sempre.
sumem à condição social e ao disse: tu dás um dedo e eles pe- co a vir ajudar o Plautinho. do como soldados, eram cam- Seu casamento com Milena, a ir-
“poder de compra”! De certo mo- gam o braço todo; só porque eu Plautinho... Um marmanjo na peões de lançamento de peso, dar- mã de Plauto, aconteceu dez anos
do, eles dizem de uma maneira dancei com ele no baile da Escola quarta série do Ginásio, no míni- do e martelo de todo o quartel. depois, quando os noivos já esta-
crua o que Macron e seu cenácu- Normal, o guri fardado me cumpri- mo quinze anos de idade, como eu. Pela porta aberta ao sol, Maurí- vam formados em veterinária e
lo disseminam de outra maneira: mentou pelo nome, ali no quiosque E grande e forte que ninguém tem cio viu o quarto com as três ca- agronomia, e trabalhavam juntos
não nos reconhecemos mais em da praça, na frente de todo mundo, coragem de se meter com ele. Plau- mas lado a lado, como as dos sete na Secretaria da Agricultura. Mas fi-
partidos, sindicatos... uma vergonha. A Marieta até ficou tinho... anões, mas enormes, e seu colega zeram questão que a cerimônia fos-
Os “coletes amarelos” não lu- de mal comigo, porque estava jun- −Entre, Maurício, por favor. Plauto deitado na do meio, tam- se realizada em sua cidadezinha,
tam por um “bem comum” abs- to. Bem que me disseram que eu ti- Meio abobado, o rapaz pisou de bém enorme, embora tivesse per- até porque Dona Januária tivera
trato e, sem dúvida, sua solidarie- nha que ter dado um carão. leve no degrau, viu que era firme, dido alguns quilos naquelas duas um AVC e não poderia ir à Capital.
dade não cobre toda a miséria Casa sem reboco. Assim como e deu o passo seguinte. Mas só res- semanas. Mas o que chamava É claro que muitos abobados da
do mundo! A França mantém no um dente cariado no meio dos pirou fundo quando Dona Januária atenção era o seu rosto: um lado enchente foram espiar na igreja um
exterior a imagem de iniciadora brancos. Custava comprar um pou- (ainda bem que lembrou do nome emagrecido e o outro inchado pe- raro casamento de um branco com
de revoltas ou revoluções. Muitos co de cimento? O Plauto perdeu o dela) fechou a porta às suas cos- la caxumba; como se O Gordo e o uma negra. E, mesmo hoje, passa-
países estão experimentando o pai ainda pequeno, mas tem dois ir- tas. Som abafado de um rádio. Magro, dos filmes antigos, dividis- dos 50 anos, cinco filhos e oito ne-
esgotamento do modelo da demo- mãos mais velhos. Num fim de se- Cheiro de casa limpa, bem encera- sem a mesma cabeça. tos (todos os 13 com profissões uni-
cracia representativa. Portanto, mana eles os três rebocavam esta da. Mas as divisórias eram de ma- Mas foi isso que aliviou o cons- versitárias) e os três primeiros bis-
seu interesse vai além da mera casa num tapa; depois uma pinturi- deira e o telhado não tinha forro. trangimento daquele encontro dos netos, algum branco analfabeto ain-
curiosidade pela luta político-ins- nha, até com cal que é bem barato. Ficou olhando a réstia de sol que colegas, que só se viam na aula. da faça piadas dizendo que, naque-
titucional. Trata-se de reconhe- É claro que não tem campai- passava por uma telha quebrada. - Tô que é um bicho de feio, la família, ninguém bota o retrato
cer que o fim de um mundo não nha... Vou bater logo e entrar, an- Desviou os olhos para baixo e fi- não é, Maurício? do avô na sala.
é o fim do mundo. Mas o sinal do tes que me vejam por aqui. E ba- cou aliviado: pelo menos havia um − A minha foi muito pior. Deu Mas botam, sim, e com muito
surgimento de um novo mundo! teu, bem na hora que um trem de assoalho e não o chão batido, co- nos dois lados. Fiquei com cara orgulho o retrato da Vó Januária,
carga passava nos fundos da casa, mo o do único rancho onde entra- de balão. como também nunca esquecem
* Michel Maffesoli é apitando e jogando fumaça encar- ra, vizinho à estância do avô. − Só me conformo porque, em da velha casa sem reboco, princi-
professor emérito da Sorbonne voada para o céu azul. − Vamos até o quarto dos me- adultos, diz que a caxumba desce palmente quando escutam um
** Hélène Strohl é Inspetor Pensou em desistir com a ajuda ninos. pro saco e os ovos ficam iguais apito de trem.
Geral Honorária de Assuntos do trem, mas sentiu-se covarde e Saíram da sala, andaram por aos de avestruz... não cabem nem
Sociais bateu com a mão direita fechada. um corredor, passaram pela cozi- dentro de bombacha. * Escritor.

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