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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: PRA QUEM?

“Conquiste o mercado e as melhores condições”, “faça o melhor


investimento na sua carreira” ou “uma nova educação para um novo tempo”. As
mensagens citadas são parte do material publicitário de três instituições de ensino
superior e servirão de guia para a reflexão que proponho.
A partir da revolução industrializante de 1930 (ROMANELLI, 1986) educação
e trabalho criam vínculos bastante sólidos no Brasil. Se entre o período colonial e a
independência brasileira o acesso à educação era restrito às elites agrárias e à uma
diminuta fração média da população provinciana, a corrida fabril incrementa a
densidade demográfica nas zonas urbanas através do estabelecimento de
indústrias, exigindo, concomitantemente, trabalhadores qualificados e úteis à
produção. Os processos de industrialização, desenvolvimento e modernização,
portanto, foram os germes ou os fragmentos objetivos que criaram o vínculo entre
educação e trabalho, construindo na subjetividade das classes populares e médias a
estratégia de ascensão ou manutenção social a partir da educação.
Ao tratar das distinções entre o desempenho acadêmico apresentado por
estudantes advindos de diferentes estratos sociais Pierre Bourdieu (1979) constata
que o nível de escolaridade dos país reflete na performance escolar dos filhos,
demonstrando que crianças advindas de famílias com maior escolarização extraem
maior êxito do sistema escolar. A chave das análises feitas por Bourdieu está na
harmonia estabelecida entre as disposições exigidas na escola e a herança cultural
transmitida pela família.
Voltemos ao Brasil. A revolução de 1930 de fato ampliou a oferta
educacional nas zonas urbanas, entretanto, em decorrência das exclusões advindas
do processo de colonização baseado no uso do trabalho escravo, as disposições
culturais exigidas pela escola através dos reclames da produção industrial estavam
restritas à subjetividade das classes médias, criando índices de evasão escolar
altíssimos (FREITAS, 2018) que rimavam – a ainda rimam – com as políticas de
morte adotadas contra a população negra e convergiram com o genocídio da
população autóctone do que se convencionou chamar de América.
As abruptas diferenças entre as socializações da classe média e da
população descendente de pessoas escravizadas repartiu os trabalhos à exata
proporção das técnicas industriais implementadas por Frederick Winslow Taylor e
Henry Ford, construindo rigorosa separação entre os trabalhadores da gerência e os
operários maquínicos que agiam e viviam junto às linhas da produção (ANTUNES,
2017).
O importante, no entanto, é que as classes médias e as classes populares –
aqui incluo descendentes de pessoas escravizadas e todos aqueles não possuem as
disposições exigidas pelo sistema escolar e laboral – aderiram, cada qual dentro das
suas disposições, às formas de inclusão ou ascensão social através do sistema
escolar e do trabalho.
Em 1990 o período industrial do Brasil chega ao fim, legando a
desindustrialização derivada da abertura dos mercados e da capilarização mundial
da atividade fabril (RODRIGUES, 2005). O período da acumulação flexível alterou as
dinâmicas da produção por meio da tecnologia e reestruturou as relações de
trabalho, as quais, a partir daí, passaram a responder gradativamente aos estímulos
da demanda (SILVA, 2010), implementando a alteração da legislação laboral com a
figura de contratos de trabalho intermitentes e outras contra-reformas que criaram
maior vulnerabilidade aos trabalhadores e trabalhadoras.
O enxugamento dos postos de trabalho encontra dificuldade em conviver
com a oferta educacional, entretanto, conforme atestam os anúncios publicitários
utilizados por algumas sociedades empresariais do ramo da educação, o aumento
da trajetória escolar tem sido fortemente destacado como ferramenta para o sucesso
profissional.
A aliança entre o mercado e o sistema educacional, portanto, não se desfez
com a queda da atividade fabril. A capitalização do sistema de ensino se aproveitou
da crença entre escolarização, trabalho e ascensão social para ampliar as
oportunidades de ingresso no ensino superior às classes populares, encontrando na
tecnologia e na internet novos aliados.
Um exemplo do elo entre a ampliação do acesso ao ensino superior e o
mercado reside no Decreto Federal nº 9.057/2017. O marco legislativo permitiu que
instituições de ensino que já titulavam permissão para oferta de pós-graduação latu
sensu estivessem automaticamente habilitadas a ofertar cursos de graduação a
distância sem aditamento da concessão para exercício da atividade ou novo
credenciamento junto ao Ministério da Educação. Na prática, a flexibilização dos
requisitos para oferta do ensino superior a distância elevará ainda mais o
crescimento da referida modalidade de oferta educacional, a qual, segundo o último
CENSO da educação (CENSO, 2016), correspondia a 4,2% das matrículas no
ensino superior nacional em 2006, passando, dez anos depois, para 18,6%.
A “boa-fé” e o otimismo dirão: “Extraordinário! Mercado e educação estão
levando o ensino para os nossos jovens e adultos.”
Mas, será mesmo verdade?
Pergunto-lhes: quem serão os jovens e adultos que tendem a frequentar o
ensino superior através de smartphones com a velocidade de navegação na internet
reduzida pelo esgotamento do pacote de dados?
Sigamos o jornada: embora as universidades públicas não funcionem
exatamente nas mesma lógicas que as instituições de ensino superior privadas, ou
seja, teçam jogos de autonomia pouco – reafirmo: pouco – mais respeitosos com
mercantilização do ensino, as distinções havidas entre os editais para seleção de
alunos de graduação na modalidade a distância e na modalidade presencial trazem
consigo o deserto do real.
No dia 11 de maio de 2018 a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
abriu seleção para 900 vagas de ensino superior na modalidade a distância. As 900
vagas se dividiam em harmonia para ingresso nas licenciaturas em Geografia,
Ciências Sociais e Pedagogia, exigindo, na prova de seleção, a resposta de 25
questões de língua portuguesa conjugas à escrita de uma redação.
No ano anterior, mais especificamente no dia 04 de outubro de 2017, a
mesma universidade abriu seleção para ingresso de alunos regulares, exigindo,
como há muitos anos exige, a escrita de uma redação e a resolução de 25 questões
nos seguintes campos de conhecimento: física, literatura de língua portuguesa,
língua estrangeira moderna, língua portuguesa, biologia, química, geografia, história
e matemática.
Pois bem, lembram da herança imaterial transmitida desde os primeiros
momento da vida por intermédio da família? Lembram do elo que as disposições da
classe média e da elite possuem com as exigências do sistema escolar?
A expansão do ensino através da educação a distância democratiza o
espaço universitário – das faculdades às universidades – na exata medida em que
seleciona agentes tão iguais quanto possíveis, possibilitando que as classes médias
e a elite encontrem nos campus espaços praticamente homogêneos. No referido
contexto, as classes desprovidas de capital cultural, simbólico e econômico tendem,
cada vez mais, a acessar títulos sem nunca terem freqüentado o espaço físico de
uma universidade, a qual, dentro do referido contexto, se torna tão universal quanto
identitária.
Educação e cidadania? Tenham dó. Educação e trabalho? Façam-me o
favor. Mas, então, a que(m) serve a educação?
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. A FÁBRICA DA EDUCAÇÃO: da especialização taylorista à
flexibilização fordista. Ricardo Antunes, Geraldo Augusto Pinto. São Paulo: Cortez,
2017.

BRASIL. Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017. Regulamenta o art. 80 da Lei nº


9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional.

BOURDIEU, Pierre. L’ÉCOLE CONSERVATRICE. Les inégalités devant l’école et la


culture, 1979. In: Maria Alice Nogueira; Afrânio Catani (Org.). Escritos de educação.
10. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

CENSO, Educação superior 2016. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira Notas estatísticas. Disponível em:
http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2016/no
tas_sobre_o_censo_da_educacao_superior_2016.pdf

FREITAS, Lorena. A INSTITUIÇÃO DO FRACASSO: a educação da Ralé. In:


SOUZA, Jessé. A Ralé Brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

RODRIGUES, José. NOVA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA NO PADRÃO DE


ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL. In. QUARTIERO, Elisa Maria; BIANCHETTI, Lucídio.
EDUCAÇÃO CORPORATIVA MUNDO DO TRABALHO E DO CONHECIMENTO:
aproximações. Santa Cruz do Sul: EDUNISC; São Paulo: Cortez, 2005. 322 p.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: Petrópolis: Vozes,


1986.

SILVA, M. M.. REDES DE RELAÇÕES SOCIAIS E ACESSO AO EMPREGO ENTRE


OS JOVENS: o discurso da meritocracia em questão. Educação & Sociedade
(Impresso), v. 110, p. 85-105, 2010.

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