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lO Gabriela Rubín Toazza, 2012

É proibida a reprodw;ao total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por


qualquer meio sem a autoriza\aO prévia e por escrito do autor. A viola\aO dos
Direitos Autorais (Lei n. 0 9610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do
Código Penal

CAPA E PROJHO GRÁFICO


Jackson Santana Souza
OIAGRAMA~AO
Douglas Gregório
REVISAD
Gabriela Rubin Toazza

Toazza, Gabriela Rubín.


O Principio da insignificancia no Direito Penal brasileiro/Gabriela Rubin
Toazza. -Sao Paulo: Editora Nelpa, 2012.
205 p.

ISBN: 978-85-8020-214-4

1. Técnico. 2. Título. 3. Direito Penal.

Copyright © 201 2, Nelpa- L. Dower Edi\oes Júridicas Ltda.

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CAPÍTULO 1

CONCEITUACAO, EVOLUCAO HISTÓRICA


E ASPECTOS GERAIS DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÁNCIA

1.1 Conceitmu;ao, evoluc;ao histórica e sistematizac;ao ............. 11


1.2 Meios de Penetrado do Princípio da Insignificancia no
Sistema Penal .............: .................................................................. 16
1.2.1 Prindpio da Insignificancia e Tipicidade ........................ 17
1.2.2 Desvalor da Ac;ao e Desvalor do Resultado ................... 24

CAPÍTULO 11

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÁNCIA E A SUA


RELACAO COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS
NORTEADORES DO SISTEMA PENAL:

2.1 Princípio da Legalidade .......................................................,. 29


2.2 Prindpio da Intervenc;ao Mínima ........................................ 41
2.3 Descriminaliza<;ao e Despenalizac;ao ................................... 59
2.4 Princípio da Adequac;ao Social ............................................. 7 4
2.5 Princípio da Ofensividade ou da Lesividade ...................... 81
CAPÍTULO 111

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÁNCIA E CRIMINALIDADE


DE BAGATELA

3.1 A necessidade do grau mínimo de reprovabilidade da


conduta .......................................................................................... 89
\2 Afetam, ~e Forma Ínfima o Bem Jurídico Tutelado pela
Norma Jundico-Penal .................................................................. 94
3.3 Habitualidade da Criminalidade de Bagatela ...................... 99
3.4 Bens Juridico-Penais que Admitem a Criminalidade de
Bagatela e Espécies de crimes de Bagatela ............................... 102
A - Crimes Contra a Vida ........................................................... 105
B - Lesao Corporal ... ..... .... ... ... ................. .... ........... .... ... ...... .. .. ... 112
C - Crimes Contra a Honra .. ......... ....... ....... .... ... .. .. .... .. .. ........ .... 118
D - Crimes Contra o Patrimonio ................................................ 122
Furto
Roubo
E - Contrabando e D escaminho ............................................... 129
F- Aplica<;ao as situa<;6es previstas na Lei n° 11.343/ 2006 .. 139

CAPÍTULO IV

A FRAGMENTARIEDADE E A SUBSIDIARIEDADE
DO DIREITO PENAL. APLICACAO
JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÁNCJA

4.1 O Caráter Fragmentário e Subsidiário do Direito Penal ... 1..13


4.2 Aplica<;ao Jurisprudencial do Principio da Insignificancia 1 ~-
A- O principio da insignificancia e sua aplicac;ao no Supremo
Tribunal Federal. .......................................................................... 156
B- O principio da insignificancia e sua aplicas:ao no Superior
Tribunal de Justic;a........................................................................ 183
C- O principio da insignificancia e sua aplicac;ao no Tribunal
Regional Federal ........... .. ... .. ....... ... ...... ...... .... ..................... ... .. ..... 189

BIBLIOGRAFIA ....................................................................... 197


Capítulo I

CAPÍTULO I

CONCEITUAÇÃO, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E


MEIOS DE PENETRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA NO SISTEMA JURÍDICO-PENAL

1.1. Conceituação, evolução histórica e sistematização.

Historicamente, o Princípio da Insignificância já


vigorava no Direito romano através do brocardo mínima non
curat praetor. O pretor não agia nos delitos em que o prejuízo
ao bem jurídico tutelado fosse ínfimo. A ação do poder
público somente estaria legitimada caso houvesse uma lesão
considerável ao bem jurídico tutelado. “Para que cada pena
não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão
privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a
mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcionais aos
delitos e ditada pelas leis1”.
Ou seja, a atuação no Estado na esfera de liberdade
dos indivíduos deve constituir-se em exceção e não em regra.
Assim, quando se fala em Direito Penal pensa-se, de imediato,
nas mais graves sanções existentes e que podem ser aplicadas
ao indivíduo. A Declaração Universal dos Direitos do Homem
e do Cidadão já informa que “todos os homens nascem livres
1
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Dos delitos e das penas.
Tradução Lucia Guidicini, Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins
Fontes, 2000, p. 139.

11
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e


consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito
de fraternidade2”.
As origens do princípio da insignificância
remontam ao Direito Romano cujo brocardo latino mínima non
curat praetor3 expressava o seu significado. “O Princípio da
Insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação
objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto
é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva
de resultados4”.

“Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal,


o legislador apenas tem em mente os prejuízos
relevantes que o comportamento incriminado possa
causar à ordem jurídica e social. Todavia, não dispõe
de meios para evitar que também sejam alcançados
os casos leves. O princípio da insignificância surge
justamente para evitar situações dessa espécie, atuando
como instrumento de interpretação restritiva do
tipo penal, com o significado sistemático e político-
criminal de expressão da regra constitucional do
nullum crimen sine lege, que nada mais fez do que
revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito
penal. No que diz respeito à origem, pode-se afirmar
que o princípio já vigorava no direito romano, pois o
pretor, em regra geral, não se ocupava de causas ou
delitos insignificantes, seguindo a máxima contida no

2
Declaração Universal dos direitos do homem e do cidadão, art. 1º.
3
ROXIN, Claus, Política Criminal y Sistema del Derecho Penal. Bosch:
Barcelona, 1973.
4
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 182.

12
Capítulo I

brocardo minimis non curat pretor5”.

O direto penal é um ramo do direito público que


visa à proteção dos bens jurídicos elencados na Constituição
Federal e considerados como essenciais para uma boa e saudável
convivência em sociedade. O direito penal é um ramo que se
caracteriza pela imposição de severas sanções aos indivíduos em
caso de descumprimento da norma penal. Tem-se a consciência
de que ao impor-se uma sanção frente ao descumprimento de
uma norma jurídico-penal estar-se-á restringindo à míngua a
liberdade individual de cada cidadão.
O Direito Penal jamais pode distanciar-se dos seus
pressupostos básicos e necessários, quais sejam, o respeito à
sua natureza subsidiária e fragmentária. Esse ramo do direito
somente estará legitimado a agir quando todos os demais não
lograrem êxito na proteção ao bem jurídico tutelado pelo Estado.
Nos dias atuais paira sobre a sociedade e o sistema
penal, uma crescente preocupação com a descriminalização e
despenalização de condutas, que embora formalmente típicas,
passaram a ser toleradas pela sociedade em face da sua pequena
gravidade.
Ocorre que o legislador ao escolher determinadas
condutas como possíveis de produzirem um dano ou um perigo
de dano ao bem jurídico tutelado e, portanto, merecedoras da
5
MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da
tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 56.

13
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

tutela penal, muitas vezes, faz de forma a atender aos anseios da


sociedade e da mídia. E estes anseios estão, em muitos casos,
intrinsecamente relacionados ao desejo de que o direito penal
solucione o problema da criminalidade que assombra o país há
alguns anos.
O legislador levando em consideração os limites
estabelecidos na Constituição Federal brasileira, que elenca as
garantias e direitos fundamentais do homem, passa a entender
que certos bens jurídicos merecem uma proteção especial. Para
tanto, vislumbra condutas que possam vir a ofender esses bens
e tipifica-as criando os tipos penais6.

Quando o legislador encontra-se diante de um ente


e tem interesse em tutelá-lo, é porque o valora. Sua
valoração do ente traduz-se em uma norma, que eleva o
ente à categoria de bem jurídico. Quando quer dar uma
tutela penal a esse bem jurídico, com base na norma
elabora um tipo penal e o bem jurídico passa a ser
penalmente tutelado. [...] O tipo é gerado pelo interesse
do legislador no ente que valora, elevando-o a bem
jurídico, enunciando uma norma para tutelá-lo, a qual
se manifesta em um tipo legal que a ela agrega a tutela
penal. Conforme este processo de gestação, resultará
que a conduta que se adéqua a um tipo penal será,
necessariamente, contrária à norma que está anteposta

6
“Há relativamente pouco tempo, observou-se que as afetações de bens
jurídicos exigidas pela tipicidade penal requeriam sempre alguma entidade,
isto é, alguma gravidade, posto que nem toda afetação mínima do bem
jurídico era capaz de configurar afetação requerida pela tipicidade penal”.
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 485.

14
Capítulo I

ao tipo legal, e afetará o bem jurídico tutelado7.

Essa tipificação efetuada pelo legislador acaba por


abarcar determinadas condutas que não deveriam ser protegidas
pelo Direito Penal. Isso decorre da dificuldade do legislador em
prever toda e qualquer conduta que possa vir a surgir durante o
desenvolvimento da sociedade.
Em meados do século XIV inicia-se o chamado
processo de secularização do direito. Os criminosos passaram
a ser considerados doentes que necessitavam de tratamento
curativo em hospitais de custódia e não mais como “almas
perversas” que recebiam um castigo divino como eram tidos
na Idade Média. É desta época, também, o descobrimento de
que o mundo não gira em torno do homem e que, portanto, este
não pode ser considerado o centro de tudo o que acontece no
planeta terra. Ainda, pode-se citar o Iluminismo que trouxe
muitas contribuições para do direito ao auxiliar a sedimentar
os ideais que levaram as Nações a reconhecerem os direitos e
garantias dos cidadãos8.
7
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 393/394.
8
Luiz Régis Prado citando as grandes contribuições de Beccaria : “[...] a) a
afirmação do princípio fundamental da legalidade dos delitos e das penas:
só as leis podem fixar as penas em relação aos delitos e essa autoridade não
pode residir senão no legislativo; b) a afirmação de que a finalidade da pena
é a prevenção geral e a utilidade: a pena deve ser necessária, aplicada com
presteza, determinada, suave e proporcional ao delito; c) a abolição da tortura
e da pena de morte; d) a infalibilidade na execução das penas; e) a clareza
das leis; f) a separação das funções estatais; g) a igualdade de todos perante a
lei penal. Os ideais reformistas contribuíram para o desenvolvimento de uma
ampla mudança legislativa – movimento codificador -, que começa ainda

15
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Atualmente, compreende-se o Direito Penal como


o ramo em que a tipificação de condutas deve ser realizada de
maneira cuidadosa a fim de preservar o seu caráter subsidiário
e fragmentário objetivando garantir que as penas cumpram
com as finalidades descritas em lei. E é inserido nesta nova
concepção de direito penal que encontra guarida o Princípio
da Insignificância – aplicado, conhecido e utilizado desde o
Direito Romano.
Nos dias de hoje, o Direito Penal deve agir, somente,
quando for estritamente necessário, isto é, quando a tutela
imposta pelos demais ramos do direito não for suficientemente
eficaz para a contensão do ato9. A sua incidência está intimamente
ligada ao elenco de garantias e direitos fundamentais previstos
na Constituição Federal.

1.2. Meios de Penetração do Princípio da Insigniicância no


Sistema Penal

no final do século XVIII [...]. A codificação, além de dar certeza ao Direito,


exprime uma necessidade lógica, por meio da qual são sistematizados
princípios esparsos, facilitando a pesquisa, a interpretação e a aplicação das
normas jurídicas”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro,
2011, p. 171, p. 97.
9
A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos
protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é
suficiente para caracterizar o injusto típico. Segundo esse princípio, que
Klaus Tiedemann chamou de princípio da bagatela, é imperativa uma efetiva
proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a
drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a
determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma
relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a
tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado”.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p. 51.

16
Capítulo I

1.2.1. Princípio da Insigniicância e Tipicidade.

O Direito Penal moderno visa – antes de tudo


– uma aproximação cada vez mais estreita entre as normas
penais e a Constituição Federal. Quando se vive em um Estado
Democrático de Direito faz-se necessário o respeito a todos os
direitos e garantias fundamentais do cidadão elencados na Carta
Magna. Assim, a coletividade espera um Direito Penal calcado
nos mais caros princípios constitucionais e democráticos. É
nesta concepção que o Princípio da Insignificância encontra-se
inserido, pois é desse Direito Penal preocupado com o respeito
às garantias e direitos dos cidadãos que surge o conceito de
tipicidade material. E é essa conceituação que concede relevância
e justifica a existência do Princípio da Insignificância.
O Princípio da Insignificância é uma criação
teórico-dogmática e, portanto, não está previsto na legislação
penal. O princípio da Insignificância surgiu pela necessidade
de ressaltar-se o caráter fragmentário e subsidiário do Direito
Penal e a sua importância para a manutenção efetiva da tutela
penal.
Este princípio será utilizado sempre que uma
determinada conduta, apesar de típica, causar uma lesão de
pequena monta ao bem jurídico protegido pela norma penal.
Assim, ter-se-á que uma determinada conduta, apesar de,
aparentemente, amoldar-se ao tipo penal, deixará de conter
a característica da tipicidade tornando-se, assim, atípica. A

17
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

tipicidade10 é uma característica pertencente à conduta que se


amolda ao tipo penal.
Há várias teorias que explicam o conceito
analítico de crime que se constitui em uma conduta revestida
de tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Para a teoria do tipo
independente ou avalorado11 o tipo cumpre uma função
independente e é desprovido de valores. Já a teoria indiciária,
que está intrinsecamente relacionada com a Teoria Finalista da
ação, prevê que a tipicidade concede à conduta um indício de
que a mesma seja, também, ilícita. A teoria da identidade afirma
que, obrigatoriamente, a tipicidade conduzirá à ilicitude. Para a
teoria dos elementos negativos do tipo “a tipicidade e a ilicitude
encontram-se superpostas, de modo que, verificada a primeira,
verifica-se a segunda [...] o tipo dá lugar sempre à tipicidade [...]

10
“O Direito Penal é, por excelência, um Direito tipológico. O tipo é a
descrição abstrata de um fato real que a lei proíbe (tipo incriminador). É a
expressão concreta dos específicos bens jurídicos amparados pela lei penal.
O tipo como tipo de injusto compreende os elementos que fundamentam a
ilicitude. Tipo de injusto é ação ou omissão amparados pela lei penal. De seu
turno, a tipicidade é a subsunção ou adequação do fato ao modelo previsto no
tipo legal. É um predicado, um atributo da ação, que a considera típica (juízo
de tipicidade positivo) ou atípica (juízo de tipicidade negativo). Daí ser a
ação típica um substantivo, isto é, a ação já qualificada ou predicada como
típica (subsumida ao tipo legal). A tipicidade é a base do injusto penal”.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 1: parte
geral. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2011, p. 326.
11
“É a adotada pelo sistema Liszt-Beling. A tipicidade tem função meramente
descritiva, objetiva e valorativamente neutra, absolutamente separada
da ilicitude, nada indicando a seu respeito. O tipo legal é avalorado, sem
qualquer elemento normativo ou subjetivo e, cumpre a função de descrever
os aspectos objetivos externos do comportamento”. A tipicidade é a base
do injusto penal”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro.
Volume 1: parte geral. 10. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011, p. 326.

18
Capítulo I

há uma identidade total entre tipo e ilicitude”12. Assim, verifica-


se que o conceito de tipicidade passou por várias fases ao longo
da história do Direito Penal13.
A concepção da tipicidade, também, decorre, é
evidente, das teorias que conceituam ação14. Percebe-se que, em
determinados momentos da história, o sistema penal continuou
enraizado no antigo conceito de “tipicidade formal”, que apesar
12
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 327.
13
“[...] antes de Beling o Tatbestand compreendia o delito na sua integralidade
[...] Beling, porém, concebeu a tipicidade como função meramente descritiva,
completamente separada da antijuridicidade e da culpabilidade. A função
do tipo, para Beling, era definir delitos. Constada a adequação do fato à
norma penal incriminadora, passa-se a um segundo momento para a análise
valorativa da característica da antijuridicidade. Posteriormente, se analisa a
reprovabilidade da conduta, que constitui a culpabilidade. [...] para Mayer
(1915), a tipicidade não tem simplesmente função descritiva, mas constitui
indício de antijuridicidade. [...] sustenta que o fato de uma conduta ser
típica já representa um indício de sua antijuridicidade. [...] Em 1931 Mezger
inclui a tipicidade na antijuridicidade, de forma que crime para ele é a “ação
tipicamente antijurídica e culpável”. [...] Beling reformulou a sua teoria do
tipo de 1930 e estabeleceu a distinção entre tipo de delito (Deliktypus) e
Tatbestand ou figura reitora (Leitbild). Finalmente, com o surgimento do
finalismo [...] o tipo passa a ser uma realidade complexa, formada por uma
parte objetiva - tipo objetivo -, composta pela descrição legal, e outra parte
subjetiva – tipo subjetivo -, constituída pela vontade reitora, como dolo
ou culpa, acompanhados de quaisquer outras características subjetivas”.
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral.
São Paulo, Saraiva, 2009, p. 269-273.
14
“Para a teoria causal da ação, elaborada basicamente por LISZT, BELING
e RADBRUCH - os fundadores do sistema clássico de fato punível, uma
construção teórica estruturada com base nas categorias científicas do
mecanicismo do século XIX -, define ação como produção causal de um
resultado de modificação no mundo exterior [...] possuindo estrutura
totalmente objetiva”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte
geral, 2010, p. 82. Já na teoria finalista da ação “a vontade é a energia
produtora da ação, enquanto a consciência do fim é sua direção inteligente: a
finalidade dirige a causalidade para configurar o futuro conforme o plano do
autor”. Registre-se a existência de outras teorias que conceituam ação como
a teoria social e o modelo negativo de ação. SANTOS, Juarez Cirino dos.
Direito penal: parte geral, 2010, p. 85-86.

19
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

dos esforços de Hans Welzel, Mezger e tantos outros continuou


sendo conceituada como um juízo formal de adequação de fatos
reais a modelos abstratos. “A postura de um juízo de tipicidade
formal não satisfaz a moderna tendência de reduzir ao máximo
a área de influência do direito penal de seu reconhecido caráter
subsidiário, já que manifesta a sua ineficiência como único
meio de controle social”15.
Acontece que o direito penal deve procurar adequar-
se socialmente, pois para que uma conduta seja considerada típica
não basta que ela corresponda ao molde criado de forma abstrata
pelo legislador. A conduta para ser considerada materialmente
típica, deve também causar uma lesão significativa ao bem
jurídico tutelado.
Quando a lesão ao bem jurídico tutelado mostrar-
se insignificante não há como se proceder ao enquadramento,
pois o fato narrado pela lei não corresponde ao comportamento
insignificante realizado. E esses fatos, pela incidência do
princípio da insignificância devem ser considerados atípicos.
E assim é que surge o conceito de tipicidade
16
material , que exige além da adequada proporção entre a
15
MÃNAS, Carlos Vico. O Princípio da Insignificância como excludente da
tipicidade penal. SÂo Paulo: Saraiva. 1994.
16
Posicionamento do Supremo Tribunal Federal pela necessidade de
tipicidade material para incidência da norma penal: “Ementa: Habeas Corpus
Penal. Tentativa de furto qualificado de aproximadamente 50 metros de fio
de cobre utilizados em rede elétrica. Alegação de incidência do princípio da
insignificância: inviabilidade. Habeas Corpus denegado. A tipicidade penal
não pode ser percebida como o trivil exercício de adequação do fato concreto
à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração

20
Capítulo I

conduta praticada e a norma a ser aplicada, uma ofensa relevante


ao bem jurídico tutelado17. “O comportamento humano, para ser
típico, não só deve ajustar-se formalmente a um tipo legal de
delito, mas também ser materialmente lesivo a bens jurídicos,
ou ética ou socialmente reprovável”18. “A tipicidade não se
esgota na concordância lógico-formal do fato no tipo. A ação
descrita tipicamente há de ser geralmente ofensiva ou perigosa
a um bem jurídico”19. O conceito de tipicidade material exige
além da adequação da conduta praticada com o molde imposto
pelo legislador, um “plus” que é a ofensa significativa ao bem
jurídico tutelado pelo Estado. “A tipicidade penal exige ofensa
de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem
sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente
para configurar o injusto típico”.20
da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das
circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de
alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico
tutelado”. STF – HC 1044032 – Relatora Ministra Carmen Lúcia – DJU
01/02/2011. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 de maerço de
2012.
17
“Não obstante, não se deve pensar que, quando uma conduta se adéqua
formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente
típica. O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas
proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas
no tipo penal aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à
descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma
e nem lesivas do bem jurídico tutelado”. PIERANGELI. Jose Henrique;
ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p. 394.
18
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. 5 ed.
São Paulo: Saraiva. 2010. p. 119.
19
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito
Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 107.
20
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro, Princípios Penais Constitucionais: o
sistema das constantes constitucionais. RT-779. Setembro de 2000. 89º ano.

21
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Deve-se também associar-se o princípio da


insignificância com o conceito de tipicidade legal e de
tipicidade conglobante. Por tipicidade legal entende-se que
“é a individualização que a lei faz da conduta, mediante o
conjunto dos elementos descritivos e valorativos (normativos)
de que se vale o tipo legal21”. Já a tipicidade conglobante “é a
comprovação de que a conduta legalmente típica está também
proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance
da norma proibida conglobada com as restantes normas da
ordem normativa22”.
A construção da conduta penalmente proibida e que
trará a “marca” da tipicidade dar-se-á através de dois aspectos:
inicialmente far-se-á a escolha das condutas consideradas lesivas
aos bens jurídicos tutelados pela Constituição Federal vigente.
Em um segundo momento dever-se-á ter a certeza de que essa
conduta causou – efetivamente – uma lesão ou ao menos um

p. 429.
21
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 396.
22
“O juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que
exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante,
consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance
proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada da
ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade
legal, posto que pode excluir do âmbito do tipo aquelas condutas que
apenas aparentemente estão proibidas. [...] A função deste segundo passo
de tipicidade penal será, pois, reduzi-la a verdadeira dimensão daquilo que
a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que
somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não
quer proibir, precisamente porque as ordena e as fomenta. PIERANGELI.
Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro.
São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 396.

22
Capítulo I

perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pelo Estado.


O legislador ao fazer a seleção das condutas
potencialmente lesivas aos bens jurídicos tutelados age de
maneira absoluta. Atua assim porque necessita proteger da forma
mais precisa possível os bens jurídicos. Apesar de procurar
limitar ao máximo o campo de atuação do tipo não está ele livre
de que determinadas condutas que deveriam permanecer fora
do âmbito de incidência da norma jurídica penal acabem nela
ingressando.

A imperfeição do trabalho legislativo não evita que


sejam subsumíveis também casos que, em realidade,
deveriam permanecer fora do âmbito de proibição
estabelecido pelo direito penal. A redação do tipo penal
pretende, certamente, somente incluir prejuízos graves
da ordem jurídica e social, porém não pode impedir
que entrem em seu âmbito os casos leves23.

Para solucionar uma falta de adequação entre a


norma abstrata e a conduta praticada é que surge o Princípio da
Insignificância, já que o legislador não dispõe de mecanismos
capazes de “filtrar” esses casos.

Como um “limite tático” da norma penal, tanto


qualitativamente, quanto quantitativamente.
Considerando que a agressão ao bem é um requisito

23
SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o Princípio da Insignificância.
Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre, Fabris. 1990. v3. n.1. p.46.

23
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

implícito do crime, estando ele ausente, no caso


concreto, a pena não se legitima nem sob o perfil
substancial e nem sob o perfil teleológico. E que,
portanto, terá sua aplicabilidade dirigida para a
correção de injustiças que possam ocorrer no tocante à
conduta praticada e a pena a ser aplicada24.

Assim, não basta a adequação formal25 entre a


norma e o tipo legal, além disso, a conduta de trazer consigo um
dano ou uma potencialidade de dano ao bem jurídico tutelado.
Essa idéia confirma a importância do conceito de tipicidade
material para o estudo do Princípio da Insignificância e de toda
a moderna Teoria do Fato Punível.

1.2.2. Desvalor da Ação e Desvalor do Resultado

24
SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o Princípio da Insignificância.
Fascículos de Ciências Penais, p. 47.
25
Francisco de Assis Toledo explicando a concepção da tipicidade formal:
“para que uma conduta humana seja considerada crime, é necessário que
dela se possa, inicialmente, afirmar a tipicidade, isto é, que tal conduta se
ajuste a um tipo legal de crime. Quando se diz, por exemplo, que Caio,
desferindo um tiro fatal em Tício, cometeu delito de homicídio, o que em
última análise se está a dizer é que a ação de Caio, desferindo um tiro fatal
em Tício, cometeu delito de homicídio, o que em última análise se está a
dizer é que a ação de Caio, causadora da morte de Tício, coincide em seus
elementos essenciais com a figura do homicídio descrita no artigo 121 do
Código Penal (tipo legal). Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida
real; de outro, o tipo legal de crime, constante da lei penal. A tipicidade
formal consiste na correspondência que possa existir entre a primeira e a
segunda. Sem essa correspondência não haverá tipicidade. Um fato da
vida real será, portanto, típico na medida em que apresentar características
essenciais coincidentes com algum tipo legal de crime. Será, ao contrário,
atípico se não se ajustar a nenhum dos tipos legais existentes. TOLEDO,
Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São Paulo: Editora
Saraiva, 2010, p. 125.

24
Capítulo I

Os conceitos de desvalor da ação e de desvalor


do resultado são de grande relevância para a compreensão
do Princípio da Insignificância e seus efeitos, pois, dentre as
espécies de normas penais podem-se citar as incriminadoras que
contém em seus preceitos primários mandatos ou proibições.
Há duas concepções que expressam os conceitos de desvalor
da ação e de desvalor do resultado que podem ser descritos nas
teroias monista-subjetiva e dualista26.
A teoria Monista-Subjetiva sustenta que para
a existência do desvalor da ação basta que o injusto penal
confirme-se permanecendo o desvalor do resultado como
elemento conformador da condição objetiva da punibilidade.

O injusto é formado exclusivamente pelo desvalor da


ação, negando-se ao desvalor do resultado qualquer
função. Diz-se, nesse sentido, que ”o ilícito jurídico-
penal é ilícito de ação”. A finalidade é a coluna vertebral
da ação e, por isso, o fundamento do ilícito. O ilícito
jurídico penal está constituído pelo desvalor da ação;
esgota-se também no desvalor da ação. O resultado
de uma ação é sempre (também) causal. Não existe,
por isso, nenhuma possibilidade de unir a situação de
fato do resultado, como desvalor de resultado, com o
desvalor da ação que fundamenta o juízo de ilícito, de
tal modo que assim fosse aumentado o juízo fundado
26
“A tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor
da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem jurídico
protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material. Donde
se conclui que o comportamento que se amolda a determinada descrição
típica formal, porém materialmente irrelevante e o socialmente permitido ou
tolerado”. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte
Geral: v. 1. p. 16.

25
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

sobre a ação. Só o desvalor da ação mesma é capaz de


aumento.27

Já a Teoria Dualista entende que fazem parte do


conceito de injusto penal tanto o desvalor da ação como o
desvalor do resultado.

[...] tanto o desvalor da ação como o desvalor do


resultado integram o conceito de injusto penal. O
desvalor da ação não deve ser entendido como desvalor
da intenção (tese dualista), mas, abrange, também,
elementos objetivos. O desvalor da ação (dolo/culpa)
se refere a forma de praticar o delito (elementos
objetivos/subjetivos) e o desvalor do resultado alude
à lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido.28
Tanto a visão unilateral do desvalor do resultado como
a do desvalor da ação, encontram-se em um dilema
insuperável, posto que, se por um lado se faz necessário
pôr um limite claro para impedir a responsabilidade
objetiva, de outro é preciso pôr um limite para impedir
que um Direito Penal Subjetivo ponha como seu centro
o ânimo do agente. 29
O desvalor do evento” deve ser considerado conforme
a importância dos particulares bens jurídicos e do
grau e da intensidade da sua ofensa. O “desvalor da
ação” reside no grau de probabilidade da conduta
para realizar o evento na concreta modalidade lesiva
assumida pela conduta. Somente e sempre a concorrente
insignificância de ambos os seus componentes pode
qualificar o fato como de bagatela. Não se enquadra
27
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p.328.
28
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p.329.
29
LOPES, Maurício Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 113.

26
Capítulo I

como bagatela, por exemplo, um delito levemente


culposo, mas com graves consequências ou a tentativa
de delito grave. A supremacia entre os componentes do
modelo cabe ao desvalor do evento. 30

Assim, a valoração da ação deve levar em


consideração um caráter eminentemente normativo. Juntando-
se a esse caráter poder-se-ia analisar também as questões
derivadas da ofensividade ao bem jurídico tutelado pelo
Estado, bem como o grau de lesividade da conduta do agente.
“[...] A coexistência desvalor da ação e desvalor do resultado
é indispensável para a constituição integral do injusto penal
enquanto injusto pessoal31”.
Ou seja, para que exista tipicidade penal é necessário
que haja, também, uma lesão ao bem jurídico tutelado. “Se a
norma tem a sua razão de ser na tutela de um bem jurídico,
não pode incluir em seu âmbito de proibições as condutas que
não afetam o bem jurídico. Consequentemente, para que uma
conduta seja penalmente típica é necessário é necessário que
tenha afetado o bem jurídico32”.
Assim, só haverá crime quando houver uma lesão

30
SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o Princípio da Insignificância.
Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre, Fabris. 1990. v3. n.1, p. 47.
31
“O tipo de injusto é a descrição terminante das partes que caracterizam a
própria conduta delitiva. Por isso, não pode ser entendido como descrição da
matéria proibida, visto que o tipo de injusto vai além da matéria do mandato
ou da proibição”. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro,
p.329.
32
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 483.

27
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

a um determinado bem jurídico tutelado pela norma jurídica


penal. E esta lesão pode ocorrer, em direito penal, de duas formas
distintas: através de um dano ou de um perigo. “Há dano ou lesão
quando a relação de disponibilidade entre o sujeito e o ente foi
realmente afetada, isto é, quando, efetivamente, impediu-se a
disposição seja de forma permanente ou transitória; há afetação
dos bens jurídicos por perigo quando a tipicidade requer apenas
que essa relação tenha sido colocada em perigo33”.
Desta feita, sem tipicidade legal, que se constitui
na soma entre a tipicidade legal e a tipicidade conglobante
(para parte da doutrina), não se pode falar em conduta típica.
O Princípio da Insignificância atua na exclusão das condutas
que não causem danos significativos e que não sejam capazes
de ajustar a conduta ao modelo descrito na norma jurídica. “A
insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá
sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular,
e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu
âmbito de proibição34”.

33
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 484.
34
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 485.

28
Capítulo II

CAPÍTULO II

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A SUA RELAÇÃO


COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO
SISTEMA PENAL:

2.1. Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade data do início do século


XVIII. Foi na “época das luzes” que os pensadores iluministas
resolveram manifestar-se contra o poder absoluto concentrado
nas mãos das elites e de uma minoria. Essa classe dominante – que
regia o poder – era responsável pelos três poderes – Executivo,
Legislativo e Judiciário – ditava as normas, administrava o
Estado e, ainda, investigava, instruía, denunciava e julgava os
seus nacionais.35
Surge o princípio no direito moderno como fruto

35
“Um erro tão comum quanto contrário ao fim social, que é o sentimento
da própria segurança, consiste em deixar ao magistrado executor das leis
o arbítrio de prender um cidadão, de tirar a liberdade a um inimigo sob
pretextos frívolos e de deixar um amigo impune apesar dos mais fortes
indícios de culpabilidade. A prisão é uma pena que, por necessidade e
diversamente de qualquer outra, deve preceder a declaração do delito;
contudo, esse caráter distintivo não lhe tira o outro essencial, a saber, que
somente a lei pode determinar os casos em que o homem merece uma pena”.
“Assim, a lei apontará os indícios de um delito que impõem a custódia do
réu, sujeitando-o a um interrogatório e a uma pena. O clamor público, a
fuga, a confissão extrajudicial, o depoimento de um cúmplice, as ameaças e
a constante inimizade com a vítima, e corpo de delito e indícios semelhantes
são provas suficientes para prender um cidadão; mas essas provas devem ser
estabelecidas pela lei e não pelos juízes”. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos
e das Penas. Tradução Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São
Paulo: Fontes, 2000.

29
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

do direito natural e da filosofia política à época do


Iluminismo, orientada no sentido de proscrever a
insegurança do direito, o arbítrio e a prepotência
dos julgadores na administração da justiça criminal.
Monstesquieu, com a teoria da separação dos poderes,
afirma que o juiz não pode, sem usurpação dos poderes
que competem ao legislativo, estabelecer crimes e
sanções. Afirma-se, por outro lado, o princípio da
obediência do juiz à letra da lei, com a proibição de
interpretá-la. As grandes linhas do direito natural, que
remontavam ao século anterior, já haviam firmado às
bases políticas do princípio ao estabelecer as relações
entre a liberdade e o vínculo de dever imposto pelo
cidadão á sociedade civil: deram os cidadãos ao
Estado o direito de fixar os seus deveres através da
lei. Enquanto a lei não é ditada subsiste à liberdade
natural36.

Assim, desde a época das luzes já se fazia menção


a necessidade de que o fato para ser considerado típico – e
necessariamente punível – deve estar inserido em uma lei
anterior que o defina e estabeleça a sua pena respectiva37.
Com a Revolução Francesa o princípio da legalidade
36
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1993, p. 90.
37
“Expressamente foi o princípio da legalidade introduzido nos Bill of
Rigths e Constituições das colônias inglesas que se libertavam. Vamos
encontrá-lo no Bill of Rigths firmado em Filadélfia, em 1774. Na declaração
de independência, aliás, alegava-se que o rei havia tornado os juízes
dependentes exclusivamente da sua vontade. A proibição de lei ex post facto
aparece na Declaração de Direitos da Virgínia (1776) e na Constituição
de Maryland, do mesmo ano, segundo a qual, “leis de efeito retroativo,
punindo fatos praticados antes da existência de tais leis, e somente por
elas declarados criminosos,s ao opressivas, injustas e incompatíveis com
a liberdade. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de
Janeiro: Forense, 1993, p. 90/91.

30
Capítulo II

passou a ser muito mais do que um princípio e foi erigido à


categoria das garantias individuais objetivando a concessão de
segurança jurídica ao indivíduo frente ao arbítrio do legislador38.
O poder competente para legislar em matéria penal
é o Poder Legislativo. E a Constituição Federal em seu art. 22,
I afirma que compete privativamente à União legislar sobre
matéria penal. Assim, o Estado constitui-se na única fonte de
produção legislativa de matéria penal no Brasil. “O princípio
da legalidade é o mais moderno instrumento constitucional de
proteção individual no moderno Estado Democrático de Direito
[...]39”.
O princípio da legalidade está explicitado e
sistematizado na Constituição Federal brasileira em seu art. 5º,
XXXIX e XL: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal”. “A lei penal não retroagirá,
38
“O seu fundamento político radica principalmente na função de garantia
da liberdade do cidadão ante a intervenção estatal arbitrária, por meio da
realização da certeza do direito. O significado científico ou jurídico aparece
na teoria da pena como coação psicológica de Feuerbach e, ao depois, na
teoria da tipicidade de Beling. O reconhecimento legislativo do princípio
da legalidade se inicia com a Declaração de Virgínia de 1776 – “Nenhum
homem será privado de sua liberdade, exceto pela lei do país ou o julgamento
de seus pares” (art. 8º) – passa pela Josephina austríaca de 1787 – “Nem
toda ação contrária à lei é um crime, e devem ser considerados como delitos
somente aquelas ações contrárias à lei que sejam declaradas como tal por
uma lei penal atual” -, e, finalmente, chega com o seu momento culminante
com a Déclaration des Droits de l’Homme et Du Citoyen, de 1789 –
“Nenhum homem pode ser acusado, dedito ou encarcerado, senão nos casos
determinados pela lei e segundo as formas por ela exigidas” (art. 7º) e “a lei
só deve estabelecer penas, de forma estrita e necessárias, e ninguém pode ser
punido senão em virtude de lei estabelecida e promulgada com anterioridade
ao delito e legalmente aplicada (art. 8º)”. PRADO, Luiz Regis. Curso de
Direito Penal Brasileiro, p. 140/141.
39
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral, p. 25/26.

31
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

salvo para beneficiar o réu” e no sistema penal brasileiro no art.


1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina.
Não há pena sem prévia cominação legal”. Surgiu pela primeira
vez no Estado brasileiro na Constituição Política do Império
de 1824 e no Código Penal de 1930. O artigo 1º do Código
Penal de 1890 dispunha que “ninguém poderá ser punido por
facto que não tenha sido anteriormente qualificado crime, e
nem com penas que não estejam previamente estabelecidas.
A interpretação extensiva por analogia ou paridade não é
admissivel para qualificar crimes ou aplicar-lhes penas40”.

No Brasil, acolheram-no todas as nossas cartas


constitucionais, a partir da Constituição de 1824,
bem como todos os nossos códigos penais. O Código
Criminal de 1830, em seu art. 1º, estabelecia que “não
haverá crime, ou delito (palavras sinônimas neste
código), sem uma lei anterior, que o qualifique”. E, no
art. 33, que “nenhum crime será punido com penas que
não estejam estabelecidas para punir o crime no grau
máximo, médio ou mínimo, salvo o caso em que aos
juízes se permitir arbítrio41.

Assim, na concepção de Feuerbach o princípio da


legalidade está expresso pelo brocardo nullum crimem nulla
poena sine lege e desdobra-se em quatro proposições que
buscam explicitar as garantias concedidas por este princípio. “A
40
Informação disponível no site <www6.senado.gov.br>. Acesso em 03 de
março de 2012.
41
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1993, p. 91.

32
Capítulo II

fórmula latina, no entanto, resultou dos princípios assentados


por Feuerbach, como consequência da sua teoria da coação
psicológica. Toda inflição de pena pressupõe uma lei penal
(Nulla poena sine lege)42”.
O primeiro desdobramento é conhecido como
nullum crimem nulla poena sine lege praevia e significa que a
norma penal, que institui o crime e a sua respectiva pena, deve
ser anterior ao fato praticado pelo agente. Por força do art. 22,
inciso I, da Constituição Federal de 1988, somente a lei em
sentido estrito é que pode estabelecer os crimes e as respectivas
penas. “A única exceção à proibição de retroatividade da lei
penal é representada pelo princípio da lei penal mais benigna,
igualmente previsto no art. 5º, XL, da Constituição da
República43”.
Já o segundo descrito como nullum crimem
nulla poena sine lege scripta pode ser compreendido como a
proibição de utilização do Direito Consuetudinário para agravar
a pena do sentenciado ou para fundamentar novos tipos penais.
42
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1993, p. 91.
43
“A proibição da retroatividade da lei penal é o principal fundamento
político do princípio da legalidade, regido pela fórmula lex praevia, que
incide sobre a norma de conduta e sobre a sanção penal do tipo legal: a)
no âmbito da norma de conduta proíbe todas as mudanças dos pressupostos
de punibilidade prejudiciais ao réu, compreendendo os tipos legais, as
justificações e as exculpações; b) no âmbito da sanção penal abrange as penas
(e as medidas de segurança), os efeitos da condenação, as condições objetivas
de punibilidade, as causas de extinção da punibilidade (especialmente, os
prazos prescricionais), os regimes de execução (incluindo os critérios de
progressão e de regressão de regimes) e todas as hipóteses de excarceração”.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral, 2010, p. 21.

33
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

“O princípio da legalidade proíbe o costume como fundamento


de criminalização e de punição de condutas, porque exige lex
scripta para os tipos legais e as sanções penais44”.

Da afirmação de que só a lei pode criar crimes e penas


resulta, como corolário, a proibição da invocação do
direito consuetudinário para a fundamentação ou a
agravação da pena, como ocorreu no direito romano e
medieval. Não se deve, entretanto, cometer o equívoco
de supor que o direito costumeiro esteja totalmente
abolido do âmbito penal. Tem ele grande importância
para a elucidação do conteúdo dos tipos. Além disso,
quando opera como causa de exclusão da ilicitude
(causa supralegal), de atenuação da pena ou da culpa,
constitui verdadeira fonte do direito penal. Nessas
hipóteses, como é óbvio, não se fere o princípio da
legalidade por não se estar piorando, antes melhorando,
a situação do agente do feto45.

O terceiro desdobramento denominado de nullum


crimem nulla poena sine lege scricta estabelece a proibição
da utilização da analogia in malan partem – para agravar a
situação do réu ou, ainda, para a criação de novos tipos penais.
Permite-se, contudo, a utilização da analogia desde que para
beneficiar o réu sendo conhecida como analogia in bonam
partem46. “[...] Se o significado concreto representar prejuízo
44
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral, p. 22.
45
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São
Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 25
46
“Outro corolário do princípio da legalidade é a proibição da aplicação da
analogia para fundamentar ou agravar a pena (analogia in malam partem).
A analogia, por ser uma forma de suprimirem-se as lacunas da lei, supõe,
para sua aplicação, a inexistência de norma legal específica. Baseia-se na

34
Capítulo II

para o réu constitui analogia proibida; se o significado concreto


representar benefício para o réu, constitui analogia permitida47”.
O último dos desdobramentos nullum crimem nulla
poena sine lege certa descreve que os tipos penais devem ser
claros, exatos, taxativos e determinados. A norma penal deve
ser acessível a todos, isto é, qualquer pessoa deverá ter plenas
condições de entender a norma e não somente os juristas.
Assim, para que a norma penal cumpra a sua função pedagógica
deve ela se utilizar de termos que busquem a clareza e que não
deixem margem a interpretações dúbias ou duvidosas. “Torna-
se imperiosa para o Poder Legislativo a proibição de utilização
excessiva e incorreta de elementos normativos, de casuísmos,
cláusulas gerais e de conceitos indeterminados ou vagos na
construção dos tipos legais de delito48”. “Infelizmente, no estágio
atual de nossa legislação, ideal de que todos possam conhecer
as leis penais parece cada vez mais longínquo, transformando-

semelhança. No direito penal, contudo, importa distinguir duas espécies de


analogia: analogia in malam partem e a analogia in bonam partem. A primeira
fundamenta a aplicação ou a agravação da pena em hipóteses não previstas
em lei, semelhantes às que não estão previstas. A segunda fundamenta a
não-aplicação ou a diminuição da penas nas mesmas hipóteses. A primeira
agrava a situação do acusado, a segunda traz-lhe benefícios. A exigência
da lei prévia e estrita impede a aplicação, no direito penal, da analogia in
malam partem, mas não obsta, obviamente, a aplicação da analogia in bonam
martem, que encontra justificativa em um princípio de equidade. É preciso
notar, porém, que a analogia pressupõe falha, omissão da lei, não tendo
aplicação quando estiver claro no texto legal que a mens legis quer excluir
de certa regulamentação determinados casos semelhantes”. TOLEDO,
Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São Paulo: Editora
Saraiva, 2010, p. 27.
47
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral, 2007, p. 22.
48
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 143

35
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

se, por imposição da própria lei, no dogma do conhecimento


presumido, que outra coisa não é senão pura ficção jurídica49”.
Assim, somente haverá crime se a conduta estiver
descrita em uma norma penal. Além dessa descrição é necessária
a cominação de uma pena. Isso tudo deve acontecer antes da
prática do delito. Pois somente haverá crime quando existir
uma lei anterior que diga que aquele fato é típico e cominando,
respectivamente, a sanção em caso de incidência da norma
penal.
O princípio da legalidade é um dos ideais de
segurança jurídica em matéria penal, pois se refere ao fato de
que somente as condutas descritas nas normas jurídico-penais é
que são consideradas crimes. O Poder Legislativo fundando-se
na legalidade seleciona as condutas que considera importantes
para o Direito Penal e tipifica-as. “O motivo que justifica a
escolha do legislativo como o único detentor do poder normativo
em sede penal reside em sua legitimação democrática fazendo
com que seu exercício não seja arbitrário50”. O princípio da
legalidade é a “chave-mestra” do ordenamento jurídico-penal
de um Estado Democrático de Direito, que prima pela mínima

49
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São
Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 29
50
“O caráter absoluto da reserva legal impede a delegação por parte do poder
legiferante de matéria de sua exclusiva competência, lastreado no princípio
da divisão de poderes. Assim, só ele pode legislar sobre determinado assunto,
tal como definir a infração penal e cominar-lhe a respectiva consequência
jurídica”. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 141

36
Capítulo II

intervenção estatal na esfera de liberdade das pessoas51.

É na percepção do direito penal garantista52 que o


princípio da legalidade ressurge com toda a sua força. É ele
quem concede segurança jurídica, certeza, taxatividade. A
certeza de que uma pessoa só será punida pelo Direito Penal

51
O princípio da legalidade é hoje universalmente reconhecido em seu
sentido básico de garantia essencial do cidadão me face do poder punitivo
do Estado, determinando com segurança a esfera da ilicitude penal. A
Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XI, 2) e a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem (art. XXV) o consagram, o
mesmo ocorrendo com a Convenção Européia para a proteção dos direitos
humanos e as liberdades fundamentais, de 1950 (artigo 7º, I, 1), que é direito
positivo em numerosos países. Constitui o nullum crimen, nulla poena
sine lege exigência de segurança jurídica e da liberdade individual, e seu
desaparecimento nas legislações dos países integrados em nossa cultura
jurídica ocidental, fundada no Estado de Direito, é puramente episódico.
Não se apresenta mais em nossos dias o direito de punir como poder
absoluto do Estado sobre a pessoa do cidadão. O direito de punir constitui
limitação jurídica ao poder punitivo do Estado, pois no Estado Moderno o
exercício da soberania está subordinado ao direito. Assim, o poder político
penal de punir, originariamente absoluto e ilimitado, sendo juridicamente
disciplinado e limitado, converte-se em poder jurídico, ou seja, em faculdade
ou possibilidade jurídica de punir conforme o direito. Não se admite, em
consequência, num sistema de direito, que o Estado imponha pena à ação
que não tenha sido previamente incriminada. FRAGOSO, Heleno Cláudio.
Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 92/93.
52
O modelo foi elaborado por Luigi Ferrajoli e se constitui em um “sistema
mínimo de garantias do cidadão frente ao poder punitivo do Estado é
reperesentando pela adoação (manutenção ou aperfeiçoamento) de dez
garantias – garantias clássicas – penais fundamentais. Ei-las: 1) princípio
da retributividade ou da sucessividade da pena frente ao delito; 2) princípio
da legalidade; 3) princípio da necessidade ou de economia do direito
penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do ato; 5) princípio da
metrialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da
responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdição; 8) princípio acusatório;
9) princípio da verificação; 10) princípio do contraditório e da ampla
defesa. QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus
deslegitimação do sistema penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008, p. 71.

37
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

caso pratique uma conduta descrita em um tipo penal e a essa


conduta esteja, previamente, atrelada uma pena ou sanção. O
princípio da legalidade concede uma garantia ao indivíduo, em
relação ao jus puniendi pertencente ao Estado.
O princípio da legalidade constitui-se, assim, em
um dos importantes instrumentos de um Direito Penal atual e
preocupado com as garantias e direitos elencados pela Carta
Magna do Estado em que ele se encontra inserido. Respeitando-
se os bens dispostos pela Constituição Federal o princípio da
legalidade adquire dia a dia uma importância maior perante a
comunidade jurídica e a sociedade. Demonstrando, assim, a
impossibilidade de concepção de um sistema jurídico-penal
atual sem a sua presença.
O princípio da legalidade preconiza a aplicabilidade
de uma sanção de natureza penal desde que esta já esteja pré-
estabelecida anteriormente pelo poder competente. Os ideais
de segurança, igualdade, humanidade, dignidade, ofensividade,
presunção de inocência, devido processo legal, contraditório,
individualização da pena, pessoalidade ou personalidade,
culpabilidade, intervenção mínima, proporcionalidade e
exclusiva proteção do bem jurídico, só começaram a surgir nos
ordenamentos jurídico-penais a partir do Iluminismo53.
53
“Quereis prevenir os delitos? Fazei com que as leis sejam claras, simples e
que toda a força da nação se concentre em defendê-las e nenhuma parte dela
seja empregada para destruí-las. Fazei com que as leis favoreçam menos as
classes dos homens do que os próprios homens. Fazei com que os homens as
temam, e temam só a elas. O temor das leis é salutar, mas o temor de homem
a homem é fatal e fecundo em delitos”. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos

38
Capítulo II

O princípio da legalidade e o princípio da


insignificância convivem pacificamente, ainda que inseridos no
mesmo ordenamento jurídico, porém de forma distinta. Há quem
sequer reconheça a existência do princípio da insignificância
não lhe conferindo, assim aplicabilidade nenhuma. O principal
argumento é o de que o Princípio da Insignificância afronta,
justamente, o lrincípio da legalidade. O seu não reconhecimento,
isto é, a sua ausência de validade dentro do sistema está atrelada
a sua ausência de normatividade.
Porém, sabe-se que esse entendimento está atrelado
a um posicionamento estritamente formalista que não mais
condiz com a realidade atual do direito. Há muitos princípios
que não se encontram expressos e nem por isso deixam de ter a
sua existência reconhecida pelo sistema.
O princípio da legalidade, assim como os demais
princípios, quer estejam explícitos ou implícitos, necessitam
de uma reinterpretação e de uma visão mais ampla e atual,
ou melhor, mais adequada ao momento em que se vive.
Principalmente no que tange ao papel do princípio da legalidade
no Estado Democrático de Direito. O Estado na esfera do Direito
Penal tem a obrigação legal, desde que com certeza e clareza,
de limitar ou proibir determinadas condutas dos indivíduos
frente à sociedade como um todo. O positivismo jurídico-

e das Penas. Tradução Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São


Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.

39
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

penal54 pode ser definido como “o culto ao fato “no jurídico”,


isto é, considerando que “fato”, no jurídico são as leis (as leis
positivas). O único direito e toda a sua base de interpretação são
as leis, a letra da lei55”.
Passa-se, assim, a contestar-se o conceito formal de
crime para que se chegue a uma visão substancial do delito.
Percebe-se que a existência do crime não pode estar atrelada,
unicamente, à descrição da conduta que está acompanhada,
respectivamente de uma pena. Inicia-se, assim, uma valorização
das fontes materiais do Direito Penal. Para o Direito Penal
passam a ser determinantes os aspectos históricos, as correntes
políticas e filosóficas, as interpretações baseadas na doutrina
escolástica, no existencialismo, na concepção marxista e,
posteriormente, na criminologia.
Assim o Princípio da Insignificância não fere o
postulado da Legalidade, pois, o legislador não consegue prever
todas as mutações que a sociedade irá sofrer ao longo da sua
história, bem como as alterações nos seus valores e princípios

54
“O processo de publicização da reação penal corresponde talvez à mais
antiga aspiração do Direito Penal com a substituição das formas primitivas
de vingança privada, substituindo o Estado progressivamente a titularidade
de exercício desse poder retributivo-sancionatário. Pode-se até mesmo inferir
que nesse câmbio desenvolvem-se ainda hoje as tendências restritivas da
reação penal. Na passagem para a publicização da reação penal desvenda-se
um sentido utilitário e proporcional na sanção, absolutamente desconhecido
nas priscas eras da pena privada”. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro.
Princípios penais constitucionais: O sistema das constantes constitucionais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 779.
55
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

40
Capítulo II

ético-sociais.

2.2. Princípio da Intervenção Mínima

A necessidade de análise do princípio da intervenção


mínima decorre de sua aproximação com o princípio da
insignificância. Muitos não conseguem dissociar com facilidade
os conceitos de insignificância e de intervenção mínima. Apesar
de serem institutos que guardam semelhanças entre si, há que se
considerar que ambos possuem independência semântica. Após
uma simples análise da amplitude de cada um deles verificar-
se-á que não é difícil a tarefa de diferenciá-los.
O princípio da intervenção mínima surgiu por
ocasião da reação da burguesia contra o sistema dominante na
época - o absolutismo. Era um sistema baseado na abrangência
das legislações. Os artigos 7º e 8º da declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão já determinavam que as leis só
devem estabelecer as penas extremamente necessárias para a
convivência social56.

56
Artigo 7º- Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos
determinados pela Lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que
solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem
ser castigados; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da Lei
deve obedecer imediatamente, senão torna-seculpado de resistência. Artigo
8º- A Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias,
e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e
promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Informação retirada do
site < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br > acesso em 17 de mar. 2012.

41
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Sabe-se que a pena significa a máxima intervenção


do Estado na esfera de liberdade dos indivíduos, assim, o
Estado só está autorizado a utilizar-se da gravíssima sanção de
natureza penal quando inexistir a possibilidade de uma proteção
eficiente com outros mecanismos não penais. Caso os bens
jurídicos possam ser protegidos por sanções menos gravosas –
esta deve ser a primeira opção – o legislador deverá fazê-lo,
pois, a sanção penal sempre impõe uma série de restrições aos
direitos fundamentais dos indivíduos. É por esta razão que o
Estado possui outros mecanismos que visam, também, a busca
pela coexistência pacífica em sociedade57.

Saber quais bens jurídicos devem ser protegidos sob


ameaça de pena, ou seja, quais devem ser os critérios
da criminalização, é uma questão empírica e não
filosófica. Devem ser protegidos penalmente os bens
de maior valor. Convém, no entanto, ter presente o
princípio da intervenção mínima, que decorre do
caráter subsidiário do direito penal. Só deve o Estado
intervir com a sanção jurídico-penal quando não
existam outros remédios jurídicos, ou seja, quando
não bastarem as sanções jurídicas do direito privado. A
57
“A missão do direito penal é a missão de todo o direito: possibilitar a
vivência social, assegurar níveis minimamente toleráveis de violência,
resolver, enfim, conflitos de interesses de modo pacífico, segundo normas
e processo previamente conhecidos. Não obstante seja esta a sua missão, de
cujo demais ramos somente se distingue pelo maior rigor das sanções que
adota para fazer em face dos comportamentos declarados criminosos, o direito
penal, porque preso ainda, fortemente, à idéia de retribuição, responde aos
conflitos de forma sensivelmente menos racional que os demais ramos. Não
sem razão, tem-se afirmado que a justiça criminal “decide” conflitos, mas
não os “resolve””. QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação
versus deslegitimação do sistema penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008, p. 130.

42
Capítulo II

pena é a ultima ratio do sistema58.

Assim, atua o princípio da intervenção mínima


na esfera do Poder Legislativo limitando-o e restringindo-o.
Ficando ele autorizado a legislar somente quando a intervenção
do Direito Penal for indispensável para a proteção do bem
jurídico. Caso haja outras formas de sanção que sejam suficientes
para tutelar de forma efetiva um determinado bem jurídico,
reprimindo com eficácia a conduta, não há que se perquirir a
atuação do Direito Penal. “A intervenção penal só poderá ocorrer
quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da
comunidade – como ultima ratio legis – ficando reduzida a um
mínimo imprescindível. E [...] só deverá fazê-lo na medida em
que for capaz de ter eficácia59”.
O princípio da intervenção mínima é um princípio
limitador do jus puniendi estatal, ou seja, é um pressuposto
político do Estado Democrático de Direito e uma orientação de
política criminal60. “[...] também conhecido como ultima ratio,

58
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1993, p. 279.
59
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 171.
60
Verifica-se esta tendência, também, no modelo garantista elaborado por
Luigi Ferrajoli: “por “direito penal mínimo”, considera um direito penal
maximamente condicionado e maximamente limitado, isto é, limitado
às situações de absoluta necessidade – pena mínima necessária -, que
corresponda não só ao máximo grau de tutela de liberdade dos cidadãos frente
à potestade punitiva do Estado, mas também a um ideal de racionalidade
e certeza, razão pela qual não terá lugar a intervenção penal sempre que
sejam incertos ou indeterminados os seus pressupostos”. QUEIROZ, Paulo.
Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema
penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 71.

43
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando


que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir
meio necessário para a proteção de determinado de bem
jurídico61”.
O que ocorre, nos dias atuais, é um desvirtuamento
da função legislativa no que se refere à matéria penal. Na
verdade ao Direito Penal, e aos seus graves efeitos que é a
aplicação de uma sanção que priva o indivíduo de sua liberdade,
devem ficar reservados somente os fatos de grande gravidade
e os de maior intensidade. Aqueles danos de pequena monta
devem ser solucionados pelos ordenamentos jurídicos menos
formais e menos danosos. É para auxiliar nesta compreensão
que surge o princípio da intervenção mínima, com o intuito
de fixar limites para a intervenção penal. “O uso excessivo da
sanção penal (inflação penal) não garante uma maior uma maior
proteção de bens; ao contrário, condena o sistema o penal a uma
função meramente simbólica negativa62”.
O legislador só está legitimado a tipificar as
condutas que representam a possibilidade de causação de uma
lesão grave ou, ainda, de um perigo concreto aos bens jurídicos
fundamentais do indivíduo e da sociedade e, mesmo assim,
a atuação do Direito Penal somente se justificaria quando os
outros ramos do direito não tivessem força suficiente para

61
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p.
43.
62
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 171.

44
Capítulo II

tutelá-lo o que conduziria a um direito penal mínimo.


Este modelo de atuação do Estado na esfera de
liberdade dos indivíduos baseado no direito penal mínimo
começou a surgir no Brasil com as penas restritivas de direitos
introduzidas na parte geral do Código Penal pela lei nº
7.209/1984. “A imposição dessas penas tem por escopo contornar
a duvidosa eficácia das penas privativas de liberdade de curta
duração aplicadas a condutas delitivas de escassa repercussão
[...]63”. Outro exemplo de legislação que busca fornecer
elementos próximos da intervenção mínima é a lei nº 9.099/95
(Lei dos Juizados Especiais) em que alguns delitos receberam a
nomenclatura de “menor potencial ofensivo” determinando-se
medidas que não buscam, primordialmente, a aplicação de pena
privativa de liberdade. Essas medidas possuem como principal
objetivo ressaltar a importância do direito penal, pois, quando
se utiliza de forma excessiva a sanção penal está-se reduzindo a
força intimidadora da sanção penal.
A excessiva utilização da sanção penal é um
fenômeno que também se faz presente no Brasil. Na década
de noventa houve uma busca excessiva pela sanção penal
acentuando-se ainda mais a tendência “retribucionista” do
Direito Penal. O direito penal passou a ser caracterizado por
uma legislação excessivamente incriminadora (cita-se como
exemplo a criação da denominada lei dos crimes hediondos
– lei nº. 8.072/90), abrangendo anteriormente situações não
63
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 679.

45
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

contempladas pela legislação penal.


Este direito penal passou a impor restrições aos
condenados na obtenção de benefícios no decorrer da execução
da pena (a lei nº. 8.072/90 passou a vigorar com a imposição
do regime “integralmente fechado” aqueles que cometeram
crimes denominados de “hediondos”, impedindo-se, assim,
que pudessem progredir de regime64), bem como, a supressão
de garantias constitucionais criou situações que destoam dos
pressupostos de atuação do direito penal no Estado Democrático
de Direito.
Quando se está sob a égide de um Estado Democrático
de Direito há que se ter em mente que a intervenção do Estado
na vida dos indivíduos deve ser mínima e só ocorrer quando
estritamente necessária, pois quem é o detentor da titularidade
da soberania é o povo, que aliena apenas a quota necessária para
que o poder do Estado se constitua65.
64
A lei nº 8.072/90 foi alterada pela lei nº 11.464/2007 após o Supremo Tribunal
Federal, no Habeas Corpus nº 82.959, declarar a inconstitucionalidade do
dispositivo que previa o regime integralmente fechado e, consequentemente,
a progressão de regime. A nova redação substituiu o termo “integralmente”
fechado pelo vocábulo “inicialmente” fechado, regulamentando a
progressão de regime, porém, estabelecendo critérios mais rígidos para que
os condenados por crimes hediondos possam progredir: deverá cumprir, no
mínimo, 2/5 caso réu primário e 3/5 se reincidente. O § 2º do artigo 2º da
lei nº. 8.072/1990 passou a vigorar com a seguinte redação: “A progressão
de regime, no caso dos condenados previstos neste artigo, dar-se-á após o
cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de
3/5 (três quintos) se reincidente”.
65
Para a teoria garantista desenvolvida pelo penalista Luigi Ferrajoli “a lei
penal representa “a lei do mais débil (ou do mais fraco)” – débil, quando
ofendido ou ameaçado pelo delito, assim como débil, quando ofendido ou
ameaçado pela vingança – lei do mais débil que se dirige, assim ,à proteção
dos direitos fundamentais destes contra a violência arbitrária do mais forte,

46
Capítulo II

Assim o Estado e, consequentemente, o Poder


Legislativo, não podem intervir de forma máxima na vida da
sociedade restringindo de maneira quase absoluta alguns bens
que são fundamentais para a vida social, em face da existência
da soberania. O direito penal – com o seu caráter sancionador
e repressor – atinge o bem mais precioso que o homem possui:
a liberdade.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º,
caput, assegura a todos os nacionais e estrangeiros residentes
no País à inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à
igualdade, direitos esses protegidos em disposição que os
contempla em ordem hierarquicamente ética de valores66.
O sacrifício à liberdade ou a vida para efetivar a
proteção a um determinado bem jurídico deve ser reduzido
ao máximo, haja vista que se encontram no ponto mais alto
de importância, constituindo valores supremos do homem. O
direito penal, só deve intervir de forma mínima, pois é esse o
pressuposto de um Estado Democrático de Direito, atuando de
forma mínima e protegendo apenas os bens jurídicos vitais para

sendo que no momento do crime, o mais fraco é a vítima; no momento do


processo, o réu,em face do Estado, o mais forte. Portanto, fim geral do direito
penal é impedir que os indivíduos façam justiça com as próprias mãos, ou
, ainda, minimizar ou controlar a violência”. QUEIROZ, Paulo. Funções
do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 69.
66
LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Alternativas para o Direito Penal e o
Princípio da Intervenção Mínima. Revista dos Tribunais. São Paulo. 1998.
v. 757, p. 411.

47
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

a vida do ser humano e da sociedade67. “Portanto, a liberdade


e a dignidade (menschliche Würde) pertencem à essência do
ser humano, sendo valores fundamentais do ordenamento
constitucional brasileiro68”.
Um importante aspecto na análise da seleção
e criminalização de condutas é a verificação dos bens que
necessitam e merecem a proteção especial concedida pelo
Direito Penal69. Há que se examinar a realidade social em que
o direito está inserido. Porém, é a Constituição Federal quem
concede um indicador extremamente valioso quando se está
67
“Não é legítimo, por fim, criar tipos para a proteção de bens jurídicos,
sendo estes descritos através de conceitos com base nos quais não é possível
pensar nada de concreto”. É o que acontece com os crimes que buscam
proteger bens jurídicos tais como a “paz pública (artigos 286 à 288 do
Código Penal brasileiro)” e a “saúde pública” (artigos 267 à 285 do Código
Penal brasileiro). Como o “público” não possui um corpo real, não é possível
que algo como a “saúde pública”, no sentido estrito da palavra exista. [...]
Continua não esclarecido como se deve imaginar a idoneidade para perturbar
a paz pública nos casos em que inexiste lesão concreta à convivência pacífica.
Deve-se renunciar, portanto, à fundamentações da punição na idoneidade de
um comportamento para perturbar a paz pública. Ou existe um perigo para
a coexistência pacífica entre os cidadãos já sem a menção deste critério, tal
como vimos na incitação contra minorias (§ 130 1 StGB), ou este perigo
inexiste, como tentei explicar à luz do perigo da mentira de Auschwitz
sem caráter de agitação. E neste segundo caso, a alegação da paz pública
não é mais suficiente para justificar a comunicação penal. ROXIN, Claus.
Estudos de direito penal. 2ª edição. Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 51-52.
68
PRADO, Luis Régis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 67
69
“Por sua vez, o princípio da intervenção mínima (ultima ratio)
estabelece que o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos
imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, e que não podem se
eficazmente protegidos de outra forma. Aparece ele como uma orientação de
Política Criminal restritiva do jus puniendi e deriva da própria natureza do
Direito Penal e da concepção material de Estado de Direito”. PRADO, Luis
Régis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1997, p. 54.

48
Capítulo II

analisando quais bens jurídicos necessitam da tutela penal. Pode-


se conceituar bem jurídico como “aquele que esteja a exigir uma
proteção especial no âmbito da norma penal, por se revelarem
insuficientes, em relação a ele, os garantismos oferecidos pelo
ordenamento jurídico em outras áreas extrapenais”. 70
Para que um bem jurídico71 receba a proteção
do direito penal deve necessitá-la, ou seja, é preciso ficar
claramente estabelecido que esta proteção efetivada por outros
ramos do direito é insuficiente. Cabe ao direito penal a proteção
de bens jurídicos fundamentais dos indivíduos e da sociedade e
que sejam imprescindíveis para o convívio social.
O pressuposto básico do Estado Democrático de
Direito que é a mínima intervenção na sociedade vem sendo
substituído pela regra da máxima intervenção na vida do
indivíduo e da coletividade. O Estado, e como consequência o
Direito Penal, só deveriam agir em casos de extrema necessidade.
O direito penal e constitui-se na ultima ratio e somente pode ser

70
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São
Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 156
71
“O conceito material de bem jurídico reside, então, na realidade ou
experiência social, sobre a qual incidem juízos de valor, primeiro do
constituinte, depois do legislador ordinário. Trata-se de um conceito
necessariamente valorado e relativo, isto é, válido para um determinado
sistema social e em um dado momento histórico-cultural. Isto porque
seus elementos formadores se encontram condicionados por uma gama
de circunstâncias variáveis imanentes à própria existência humana. [...]
Ademais, a substancialidade do bem jurídico põe em destaque a necessidade
de uma valoração ética. O Direito Penal não empresta a sua tutela apenas
a interesses materiais, mas também a valores espirituais”. PRADO, Luis
Régis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1997, p. 82/83.

49
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

invocado quando todas as demais formas de proteger e assegurar


o bem tutelado pelo Estado lograrem-se ineficazes.
O direito penal deve estar atento aos pressupostos
da fragmentariedade e da subsidiariedade intervindo, assim, da
forma mais suave possível na vida da sociedade, dado o seu caráter
eminentemente protetor de bens considerados fundamentais
para o homem, como indivíduo, e para a coletividade - vem
sofrendo uma grande alteração. “Do exposto ressai que a
ingerência penal deve ficar adstrita aos bens de maior relevo,
sendo as infrações de menor teor ofensivo sancionadas, por
exemplo, administrativamente. A lei penal, advirta-se, atua não
como limite da liberdade pessoal, mas sim como seu garante72”.
Quando o Direito Penal passa a ter um caráter
eminentemente promocional e emergencial a eficácia da sanção
penal diminui drasticamente. É o que ocorre com a tipificação
de determinados delitos como, por exemplo, contra o meio
ambiente ou de delitos fiscais. O que se busca, na verdade
(através do legislador), é a criação na sociedade de uma “ética
fiscal” ou “ética ecológica” que até então não existia, o que
pode ser muito bom para o Poder, mas jamais para o Direito.
O mesmo raciocínio ocorre quando o legislador
passa a agir de modo em que, seu principal objetivo, não é mais
unicamente a eficaz proteção dos bens jurídicos fundamentais
para o homem, e sim a intenção de produzir na opinião pública
72
PRADO, Luis Régis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 92.

50
Capítulo II

uma impressão tranquilizadora de um legislador que está atento


à realidade social. É essa a denominada função simbólica73 do
direito penal. Esta possui como um dos seus mais significativos
exemplos a legislação penal estruturada a partir do conceito de
crime hediondo – lei nº 8072/90. Pode-se afirmar que a criação
da lei que pune os crimes “hediondos” é um clássico exemplo
da função simbólica do direito penal que deixa de buscar a sua
real função, que é a proteção dos bens jurídicos, para responder
ao “aumento da criminalidade” com a criação de normas mais
rígidas e sanções mais severas74.
A função do Direito Penal é regular de forma
coerente as condutas capazes de ocasionar algum dano aos
direitos fundamentais do homem e da sociedade. As funções
73
“Ambos os casos representam graves distorções que distanciam o direito
penal da sua verdadeira matriz: autorizam um direito penal de máxima
intervenção. Na medida em que o mecanismo controlador penal perde sua
condição de instrumento a serviço da convivência social e torna-se um
interventor precoce nos conflitos sociais, ou atua, simbolicamente, apenas
para efeito de transmitir falsa tranqüilidade à sociedade sua legitimidade
começa a ser posta em dúvida”. FRANCO, Alberto Silva. Do Princípio
da Intervenção Mínima ao Princípio da Máxima Intervenção. Justiça e
Democracia. Revista Semestral de Informações e Debate. São Paulo. 1996.
v.1. p. 174.
74
“Não infrequentemente o Estado apela ao direito penal para transmitir
a impressão tranquilizadora de que fala SILVA SÁNCHES. No Brasil, há
exemplos vários da utilização deste expediente, como a promulgação da lei
dos crimes hediondos (Lei 8.072/90), que aumento sensivelmente as penas
dos crimes nela previstos, além de agravar a situação processual dos que
tenham praticado quaisquer daquelas infrações. Não é raro ainda a decretação
de prisões provisórias em razão do alarma/comoção social provocados pelo
delito cometido, embora nada disso autorize, constitucionalmente, a adoção
dessa providência cautelar/processual, sob pena de a prisão provisória
converter-se em pena antecipada, confundindo processo de conhecimento
com processo de execução”. QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal:
legitimação versus deslegitimação do sistema penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008, p. 52.

51
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

promocional e simbólica75 do Direito Penal nada mais fazem do


que legitimar o princípio da máxima intervenção.

A criminalização pode ser utilizada pelo legislador


como aparente solução para um problema social.
Frequentemente, o legislador é obrigado a legislar pela
pressão da opinião pública, ou de certos grupos que
fazem com que ele controle um fenômeno indesejável,
sem que disponha de meios eficazes para fazê-lo ou
sem que ele esteja disposto a enfrentar os custos dessa
ação. Sob essas circunstâncias, ele pode chegar a
criminalizar essas condutas para apaziguar a pressão
da opinião pública. Essa operação frequentemente
pode ter êxito porque a imagem que prevalece na
sociedade quanto ao funcionamento do sistema penal
está totalmente afastada da realidade76.

O que se passa, na atualidade, é que o legislador


tem deixado de tutelar apenas aqueles bens considerados
fundamentais, para estender a aplicação do direito penal a
outros bens que poderiam ter sua proteção fornecida por outros
ramos do direito. Isso ocorre em face do aparecimento de novos
75
“O direito da mentira de Auschwitz é, portanto, uma lei preponderantemente
simbólica. Ele é desnecessário para a proteção de bens jurídicos, mas
manifesta que a Alemanha é um país historicamente marcado, que não
esconde e nem se cala a respeito dos crimes do nazismo, e que hoje
representa uma sociedade pacífica e respeitadora das minorias. Trata-se
de uma louvável disposição de ânimo. Mas sem a imprescindibilidade da
intervenção para proteger bens jurídicos, o direito penal não é instrumento
idôneo para a manifestação e consolidação de tal atitude. A verdade histórica
enquanto tal deve conseguir se impor, sem ajuda do direito penal”. ROXIN,
Claus. Estudos de direito penal. 2ª edição. Tradução de Luís Greco. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, p. 50.
76
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1993, p. 84.

52
Capítulo II

direitos, essencialmente os de interesse coletivo. Então, o direito


penal passa a criminalizar esses direitos que se destinam à tutela
do meio ambiente e da saúde; os delitos de caráter monetário
e aqueles relativos à evasão fiscal77. Muitas vezes o legislador
realiza essa tutela com o objetivo de proliferação de uma política
governamental. Caracterizando, assim, um sistema de máxima
intervenção na vida do indivíduo e da sociedade, invertendo o
caráter da mínima intervenção em um Estado Democrático de
Direito.
O legislador na ânsia de tipificar um grande número
de condutas e desejando muitas vezes antecipar-se, acompanhar
o desenvolvimento tecnológico, acaba por criminalizar condutas
que estariam abarcadas corretamente em outros ramos do
direito. É o que ocorre, por exemplo, com os delitos ambientais
e as legislações tributária e previdenciária.
Atualmente há um grande número de tipos penais
em que a natureza do ilícito é meramente civil ou administrativa.
Resta claro que o direito penal não é o remédio mais adequado
para tipificar e sancionar essas condutas, que muitas vezes estão
“mascaradas” pelo intuito arrecadador do Estado através da
previsão de uma pena78.
77
CALLEGARI, André Luis. O Princípio da Intervenção Mínima no Direito
Penal. Boletim IBCCrim. Edição Especial. São Paulo, 1999. n. 70, p. 458
78
“São os delitos previdenciários ou a evasão fiscal, em que a ameaça penal
acaba recaindo nos pequenos comerciantes ou micro-empresários, falhando,
assim, a intenção do legislador em tipificar um fato com a mera intenção
arrecadadora”. CALLEGARI, André Luis. O Princípio da Intervenção
Mínima no Direito Penal. Boletim IBCCrim. Edição Especial. São Paulo,
1999. n. 70, p. 458

53
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

A criminalização dessas condutas, ou seja, de


questões referentes ao meio-ambiente, à matéria econômica
ou fiscal, à reprodução assistida, à informática utilizando-se de
forma excessiva o recurso da sanção criminal, pelo legislador,
acaba gerando a denominada “inflação legislativa” cujos seus
efeitos desvalorizam as leis penais aviltando a sua eficácia
preventiva geral o que contraria, de todas as formas, o preceito
de que o direito penal deve intervir de forma mínima, apenas na
defesa dos bens jurídicos considerados imprescindíveis para a
convivência social79.
Ainda no lastro do princípio da intervenção mínima
pode-se verificar que, atualmente, é motivo de preocupação, o
fato do direito penal ser utilizado como mecanismo meramente
sancionador de apoio a normas que não são de natureza penal.
Isso se deve ao fato de que a atuação do direito penal perpassa
por vários ramos do direito como mero sancionador da violação
79
“No contexto de um Estado de Direito democrático e social surge a
questão de se o conjunto social prepondera, em termos de proteção jurídico-
penal, sobre os indivíduos. Aqui se debate a tutela dos interesses coletivos.
Vislumbram-se sobre o assunto dois enfoques: um é contemplá-los do ponto
de vista de sua importância para a sociedade; o outro é valorá-los em função
de sua repercussão na seara individual. O primeiro é adotado pelo Estado
social autoritário, caracterizado por subordinar o indivíduo ao todo social.
O Estado democrático deve preferir o segundo, pois tem importância os
interesses coletivos na medida em que condicionam a vida dos indivíduos.
Trata-se, como acima referido, de adotar um sistema que esteja a serviço
da pessoa e não o contrário. Deste ponto de vista, o juízo de valor sobre a
relevância de um determinado interesse coletivo exige a comprovação do
dano causado no indivíduo para a sua vulneração. Esse Estado não pode
desconhecer a significação que por si mesma implica extensão social de um
determinado interesse, mas, de outro lado, não pode prescindir de reclamar
como mínimo uma determinada gravidade na repercussão do interesse
coletivo na esfera individual”. PRADO, Luis Régis. Bem jurídico-penal e a
Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 91.

54
Capítulo II

de normas de natureza diversa80. Para exemplificar podem-


se citar as normas civis ou administrativas que se utilizam do
caráter sancionador do direito penal para agravarem, ainda
mais, as condutas previstas nos seus ordenamentos, apesar de já
trazerem consigo um caráter repressor bastante severo.
Quem defende que o direito penal possa ser
utilizado como mecanismo meramente sancionador justifica-
se afirmando o direito penal é um meio realmente efetivo para
que se resguardem objetos jurídicos de qualquer natureza.
Porém, a utilização em excesso da norma pena e, em especial,
para a proteção de bens jurídicos que deveriam ser abrangidos
por normas jurídicas de outra natureza, é o que caracteriza a
máxima intervenção princípio este incoerente com o Estado
Democrático de Direito. Ou seja, a utilização do direito penal
com mera função promocional ou subsidiária ou, ainda, como
sancionador de outros ramos do direito, está em desacordo com
o princípio da intervenção mínima e com os demais corolários
que primam pela eficiência da utilização da norma penal.
O direito penal somente deve ser invocado para
intervir nos casos em que há uma grave violação social, já que
cuida ele dos bens mais caros para o homem, tais como a vida e
a liberdade. E a sua utilização só será legítima quando todos os
demais meios de controle social apresentarem-se ineficientes,
pois é nestes casos, ou seja, quando há uma grave violação a um
80
CALLEGARI, André Luis. O Princípio da Intervenção Mínima. Revista
dos Tribunais. São Paulo. 1998. v. 757. p. 459.

55
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

bem tutelado que se faz necessária à resposta estatal.


Assim, o princípio da intervenção é coerente com as
regras de utilidade da sanção penal prevendo que a intervenção
estatal não seja absoluta o que importaria em uma máxima
intervenção81. O Estado não deve fazer uso do Direito Penal
com a intenção de tutelar interesses coletivos que sejam alheios
aos interesses da norma penal, porque, assim, corre-se o risco de
restringir, em excesso, o direito à liberdade e à vida dos cidadãos.
A idéia de mínima intervenção significa proteger o direito
penal para que ele não seja utilizado de forma desvirtuada pelo
legislador que, nos últimos tempos, passou a tipificar condutas
cuja proteção pertence a outros ramos do direito.
O princípio da intervenção mínima surge, em
especial, como forma de proteção do próprio sistema penal,
isto é, para que haja o estrito cumprimento da sua função que
é a proteção dos bens jurídicos que precisam ser resguardados
por um ramo do direito que possui a aplicação de uma sanção
mais efetiva. O princípio da intervenção mínima dirige-se, em
especial, à atuação do legislador. O poder legislativo é quem
seleciona as condutas e realiza a tipificação. Nesta atividade
81
O modelo de direito penal mínimo e garantista previsto por Luigi Ferrajoli
“considera um direito penal maximamente condicionado e maximamente
limitado, isto é, limitado às situações de absoluta necessidade – pena mínima
necessária -, que corresponda não só ao máximo grau de tutela de liberdade
dos cidadãos frente à potestade punitiva do Estado [...] por “garantismo”
entende-se a tuetla daqueles valores ou direitos fundamentais cuja satisfação,
ainda que contra interesses da maioria, é o fim justificador do direito penal
[...]”. QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus
deslegitimação do sistema penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008, p. 71.

56
Capítulo II

o poder legislativo exerce uma função de avaliação dos bens


jurídicos e tipifica somente as condutas que julga capazes de
oferecer perigo à coexistência pacífica entre os homens em
sociedade.

O legislador ordinário deve sempre ter em conta as


diretrizes contidas na Constituição e os valores nela
consagrados para definir os bens jurídicos em razão
do caráter limitativo da tutela penal. Encontram-
se, portanto, na norma constitucional, as linhas
substanciais prioritárias para a incriminação ou não de
condutas. O fundamento primeiro da ilicitude material
deita, pois, suas raízes no texto magno. Só assim a
noção de bem jurídico pode desempenhar um função
verdadeiramente restritiva. [...] Nessa linha de pensar
os bens susceptíveis de proteção penal, por exemplo,
os direitos constitucionais do cidadão, os valores
objetivamente tutelados e outros que se inserem no
contexto de garantia do Estado de Direito democrático
e social ou lhe são conexos. O critério básico a partir
do qual se pode deduzir um quadro valorativo deve ser
fornecido pelos princípios constitucionais (v.g., arts.
1º, 2º, 3º e 4º da CF), reconhecidos como fundamento
da ordem política e social82.

Como dado importante referente ao princípio da


intervenção mínima está o fato de que a criminalidade no país
cresce ano após ano assim como os meios e os modos utilizados
pelos criminosos são a cada dia mais complexos e muitas vezes,
até mesmo, desconhecidos das autoridades responsáveis pela
82
PRADO, Luis Régis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 77-79.

57
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

investigação. Com o objetivo de solucionar-se esse problema


é que surge o legislador ansioso em dar uma resposta plena e
imediata à sociedade e para tanto passa a criar mais e mais tipos
penais e, consequentemente, tipificando novas condutas passa a
distanciar-se cada vez mais da real função do direito penal que
é a proteção dos direitos fundamentais do cidadão.
Os bens mais relevantes para uma determinada
sociedade são aqueles dispostos na Constituição Federal e é,
exatamente, a estes bens que a proteção estatal deve dirigir-se
tendo como pressuposto básico a mínima intervenção. Somente
respeitando-se esse preceito é que a sociedade desenvolver-se-á
conforme os estatutos da democracia vigente exigindo-se do
Estado àquela proteção que lhe é devida aos bens jurídicos que
ele mesmo tutelou. No Estado Democrático de Direito o direito
penal será sempre a ultima ratio só podendo ser invocado
quando todas as demais hipóteses falharem na proteção do bem
jurídico.
Assim, o princípio da intervenção mínima opera
no âmbito da seleção das condutas e dos bens penalmente
relevantes para o Direito Penal. Acentua ele a necessidade de
um maior rigorismo na escolha das condutas que devam ser
protegidas pelo ordenamento jurídico penal. Já o princípio da
insignificância age sobre o Direito Penal já construído, já posto,
objetivando a atualização dos tipos penais em razão do resultado
obtido ou da motivação do agir humano.

58
Capítulo II

O princípio da intervenção mínima83 possui atuação


mais precisa junto ao Poder Legislativo (porém considera-
se, também, a sua aplicação no âmbito judiciário a qual não
se pode excluir) que é o poder competente para a edição das
normas jurídico-penais. O seu grande objetivo é impedir que
o Direito Penal tipifique condutas que poderiam, muito bem,
estar contidas nos demais ramos do Direito. Já o princípio da
insignificância regula a aplicabilidade do conceito de tipicidade
material, ou seja, no momento da incidência da norma penal ao
caso concreto, haverá a sua incidência.

2.3. Descriminalização e Despenalização

O princípio da insignificância guarda uma relação


relevante, para que ocorra a sua efetiva aplicação, com outros
princípios que irão nortear a possibilidade de descriminalização84
83
“Como regra de determinação qualitativa abstrata para o processo de
tipificação das condutas. O Princípio da Insignificância, por sua banda, é
definido como regra de determinação quantitativa material ou intelectual o
processo de interpretação da lei penal para confirmação do preenchimento
integral do tipo”. LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Alternativas para o
direito penal e o princípio da intervenção mínima. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 757, 1998.
84
“A descriminalização é possível em dois sentidos: primeiramente, pode
ocorrer uma eliminação definitiva de dispositivos penais que não sejam
necessários para a manutenção da paz social. Comportamentos que somente
infrinjam a moral, a religião ou political correctedness, ou que levem a não
mais autocolocação em perigo, não devem ser punidos num estado social
de direito. Afinal, o impedimento de tais condutas não pertence às tarefas
do direito penal, ao qual somente incumbe impedir danos a terceiros e
garantir as condições de coexistência social. [...] Assim, distúrbios sociais
com intensidade de bagatela – pequenas infrações de trânsito, barulho não
permitido, ou incômodos à comunidade – não são mais sujeitos à pena, e sim,

59
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

e de despenalização de determinadas condutas no direito penal


brasileiro.

É sinônimo de retirar formalmente ou de fato do


âmbito do Direito Penal certas condutas, não graves,
que deixam de ser delitivas. Descriminalização formal,
de jure ou em sentido estrito, que em alguns casos
sinaliza o desejo e outorgar um total reconhecimento
legal e social ao comportamento descriminalizado,
como por exemplo no caso da relação homossexual
entre adultos, do aborto consentido e do adultério.
Outras vezes esse tipo de descriminalização responde
a uma “apreciação que difere do papel do Estado em
determinadas áreas”, ou a uma valoração diferente dos
direitos humanos que levam o Estado a abster-se de
intervir, deixando em muitos casos a resolução desse
fato em si mesmo indesejável às pessoas diretamente
interessadas (autocomposição). Descriminalização
substitutiva, casos nos quais as penas são substituídas
por sanções de outra natureza, como por exemplo, a
transformação de delitos e pouca importância em
infrações administrativas ou fiscais punidas com
multas de caráter disciplinar85.

A descriminalização é a renúncia formal (jurídica) de


agir em um conflito pela via do sistema penal. Isto é o
que propõe o Comitê Europeu para a Descriminalização
em relação a vários delitos: cheques, furtos em fábricas

como infrações de contra-ordenação, somente a uma coima (Geldbusse).


O direito penal do futuro tem aqui um extenso campo – especialmente as
numerosas leis extravagantes – para descriminalização”. ROXIN, Claus.
Estudos de direitos penal. Tradução de Luís Greco. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 12/13.
85
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Editoria
Revista dos Tribunais, 1995, p. 72/73

60
Capítulo II

pelos empregados, furtos em grandes lojas, etc. A


descriminalização pode ser “de fato”, quando o sistema
penal deixa de agir, sem que formalmente tenha
perdido competência para isto, o que entre nós ocorre,
por exemplo, com o adultério. Em alguns casos, com
a descriminalização, propõe-se que Estado abstenha-
se de intervir, como nos países que têm derrogado
as cominações penais contra a conduta homossexual
adulta, que haviam permanecido como um ranço em
suas leis. Mas na maioria dos casos, o que se propõe é
que o Estado intervenha apenas de modo não punitivo:
sanções administrativas, civis, educação, aborto, etc86.

Exemplo recente, referente à descriminalização na


legislação penal pátria, referem-se às condutas anteriormente
descritas nos artigos 217, 219, 220, e 240 que previam,
respectivamente, os crimes de sedução, rapto violento ou
mediante fraude, rapto consensual e adultério. Estes crimes
foram revogados pela Lei 11.106 de 28 de março de 2005. Assim,
as condutas previstas nestes delitos foram descriminalizadas,
pois, houve uma renúncia do Estado, que é o detentor do direito
de punir, em agir pela via do Direito Penal. “Art. 5o: ficam
revogados os incisos VII e VIII do art. 107, os arts. 217, 219,
220, 221, 222, o inciso III do caput do art. 226, o § 3o do art.
231 e o art. 240 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal87”.

86
ZAFFARONI e PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro,
volume 1, p. 310/311.
87
Lei nº 11.106 de 28.03.2005. Informação disponível no site <www.
planalto.gov.br>. Acesso em 17 de fevereiro de 2012.

61
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Há muito se estudam quais objetivos pretende-se


atingir com a aplicação de uma sanção penal ao agente que
infringe a norma penal. Independentemente das propostas
referentes à ressocialização, à prevenção ou à retribuição é
evidente que as penas, sejam elas de privação de liberdade,
restritivas de direitos ou de multa, de longa ou de curta duração,
não atingem o seu principal objetivo que é o de reabilitar o
condenado88.
Dada à concepção material da tipicidade – que
exige a ocorrência de lesão ou de perigo efetivo de lesão ao
bem jurídico tutelado – há determinadas condutas que apesar
de formalmente típicas não mais podem ser consideradas
materialmente típicas. Isso decorre – inicialmente – do grau
de aceitação de algumas condutas pela sociedade que passa a
considerá-las como decorrência natural da vida coletiva.
Todo esse processo leva – naturalmente – ao
desencadeamento e ao surgimento de certas correntes pregando

88
“Em muitos países, as penas longas privativas de liberdade, foram
descartadas, pela comprovação de que as prisões são fatores criminógenos
de alto poder, pois causam, irremediavelmente, a desintegração social e
psíquica do indivíduo e também do seu círculo familiar. Por outro lado,
às penas curtas tampouco conseguem prevenir a reincidência e muito
menos readaptar o delinquente. Um grande número de delinquentes são
ocasionais, de índole meramente circunstancial e não requerem reclusão
nem tratamento. Outras pessoas como os doentes mentais, os alcoólatras,
os farmacodependentes, não devem cair no âmbito da lei penal, devendo ser
feita a sua readaptação, caso possível, no plano médico, psiquiátrico, etc.
Desses e outros aspectos deriva o fracasso da política criminal tradicional
(prevenção, controle, tratamento e reabilitação)”. CERVINI, Raúl. Os
processos de descriminalização. São Paulo: Editoria Revista dos Tribunais,
1995, p. 68.

62
Capítulo II

a descriminalização e a despenalização89 de determinadas


condutas. Urge, então, fazer a correta distinção entre esses
dois importantes institutos que fazem parte do movimento
denominado de “Direito Penal Mínimo”.
Descriminalizar significa retirar da estrutura do
delito um dos seus três elementos: tipicidade, antijuridicidade
ou a culpabilidade. Através desse processo o delito deixaria de
ser punível e consequentemente deixaria de receber a incidência
de uma sanção penal. Esse processo está sob a égide do Poder
Legislativo que é o poder competente para descriminalizar
condutas90.
No entender de Maurício Antonio Ribeiro Lopes
descriminalização significa,

89
Juarez Cirino dos Santos defende, inclusive, a despenalização: “mediante
cancelamento da ilegal agravação dos limites penais mínimo e máximo dos
crimes respectivos, sob os seguintes fundamentos: a) violação do princípio
da resposta penal não contigente, pelo qual a lei penal deve ser resposta
solene a conflitos sociais fundamentais, gerais e duradouros, com debates
exaustivos do Poder Legislativo, mas também dos partidos políticos, dos
sindicatos e outras organizações da sociedade civil; b) violação do princípio
da proporcionalidade abstrata, pelo qual a pena deve ser proporcional ao
dano social do crime”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte
geral, 2007, p. 706.
90
“Descriminalizar “consiste em um processo de retirar o caráter ilícito ou
o de ilícito ”penal” de uma conduta. Despenalizar, por seu turno, significa
adotar institutos ou penas e medidas substitutivas ou alternativas, de
natureza penal ou processual, que visam a, sem rejeitar o caráter ilícito da
conduta, dificultar ou evitar ou restringir a aplicação da pena de prisão ou
sua execução ou, ainda, pelo menos, sua redução. Despenalizar guarda certa
correspondência também com o que Delmas-Marty chama de “desatar”. Pois
desatar é associar o homem da recusa à resposta do corpo social...levar o
marginal a participar do tratamento de sua marginalidade”. GOMES, Luiz
Flavio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. Coleção temas atuais de
direito criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1999, v.1. p. 57.

63
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Uma das vias de deflação penal para evitar a hipertrofia


do sistema. Pode-se banir aquela norma anacrônica
do sistema penal ou readaptá-la juridicamente,
transferindo-a da esfera penal para outra de grau
de ilicitude inferior. Chamamos esse processo de
re-tipificação da norma pela freqüente constatação
de que é no Direito Administrativo (embora não
necessariamente) que a conduta encontraria respaldo
punitivo adequado, conforme a eleição constitucional
dos valores fundamentais de tutela jurídico-penal91.

Pode-se citar, também, a importância das


denominadas Regras de Tóquio92, conhecidas como as Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas
não-privativas de Liberdade. “As presentes Regras Mínimas
enunciam um conjunto de princípios básicos para promover o
91
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Alternativas para o Direito Penal e o
Princípio da Intervenção Mínima. RT-757. nov. 1998. 87º ano. p. 408.
92
São objetivos mínimos das Regras de Tóquio: “1.1. As presentes Regras
Mínimas enunciam uma série de princípios básicos tendo em vista favorecer
o recurso a medidas não privativas de liberdade, assim como garantias
mínimas para as pessoas submetidas a medidas substitutivas da prisão.
1.2. As presentes Regras visam encorajar a colectividade a participar mais
no processo da justiça penal e, muito especialmente, no tratamento dos
delinquentes, assim como desenvolver nestes últimos o sentido da sua
responsabilidade para com a sociedade. 1.3. A aplicação das presentes
Regras tem em conta a situação política, económica, social e cultural de
cada país e os fins e objectivos do seu sistema de justiça penal. 1.4. Os
Estados membros esforçam-se por aplicar as presentes Regras de modo a
realizarem um justo equilíbrio entre os direitos dos delinquentes, os direitos
das vítimas e as preocupações da sociedade relativas à segurança pública e à
prevenção do crime. 1.5. Nos seus sistemas jurídicos respectivos, os Estados
membros esforçam-se por introduzir medidas não privativas de liberdade
para proporcionar outras opções a fim de reduzir o recurso às penas de prisão
e racionalizar as políticas de justiça penal, tendo em consideração o respeito
dos direitos humanos, as exigências da justiça social e as necessidades de
reinserção dos delinquentes”. Informação disponível em: <www.lgdh.org>.
Acesso em 10 de março de 2012.

64
Capítulo II

emprego de medidas não-privativas de liberdade, assim como


garantias mínimas para as pessoas submetidas a medidas
substitutivas da prisão93”. Através delas é que começaram as
discussões - nos ordenamentos jurídicos dos mais diversos países
- da possibilidade de inserção de medidas alternativas à pena de
prisão. O instituto da despenalização pode ser considerado um
destes exemplos.

O primeiro e fundamental objetivo das Regras de


Tóquio é “promover o emprego de medidas não privativas de
liberdade”. Esse objetivo encontra-se em total coerência com o
instituto da despenalização de condutas. Este pretende a punição
ao infrator de uma norma jurídico-penal por outras vias além
das penas privativas de liberdade. “As presentes Regras têm
por objetivo promover uma maior participação da comunidade
na administração da justiça penal e, muito especialmente,
no tratamento do delinquente, bem como estimular entre
os delinquentes o senso de responsabilidade em relação à
sociedade94”.

A prisão constitui-se em “um duplo erro econômico:


diretamente pelo custo intrínseco de sua organização
e indiretamente pelo custo da delinqüência que ela
não reprime”. Apesar do autor não defender de forma
expressa a despenalização de condutas pode-se concluir
93
GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. 2ª ed. rev.
atual. e amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. (Coleção
temas atuais de direito criminal – v. 1). p. 92.
94
GOMES, Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. p. 92.

65
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

- através do seu manifesto contra as penas privativas


de liberdade - ser ele um defensor das formas mais
adequadas e devidamente necessárias para punirem-se
infratores.95

Não se pode considerar que o princípio da


insignificância não guardaria nenhuma relação com o instituto
da “descriminalização” de condutas. Deve-se considerar que
muitas vezes a insignificância de um delito – e sua consequente
atipicidade – serve como uma forma de demonstrar ao Poder
Legislativo a necessidade da sua intervenção. O que poderá
conduzir – posteriormente – a um processo de supressão daquela
conduta considerada, anteriormente, típica.
O processo de descriminalização de condutas sofre
várias críticas e dentre elas destacam-se as que dizem respeito ao
fato de que a utilização de medidas alternativas à prisão poderia
gerar, em tese, a diminuição das garantias e formas de controle
menos seguras; as dificuldades pelas quais passará o legislador
para definição dos limites da descriminalização o que poderá
gerar insegurança jurídica; que o processo de descriminalização
poderá gerar dificuldades na busca pelas provas; a conduta
descriminalizada em um determinado país poderá gerar o
aumento da prática do fato em relação aos demais países que
continuam considerando-a como crime; uma das funções
declaradas da pena é a prevenção geral96 e a descriminalização
95
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Ligia Vassallo. 2 ed.
Petrópolis: Editora Vozes.
96
“A prevenção geral tradicionalmente identificada como intimidação –

66
Capítulo II

prejudica que essa opere os seus efeitos97.


Todos estes argumentos são facilmente combatidos
ao afirmar-se que o controle social não é realizado, apenas, pelo
Direito Penal. Este é um dos mecanismos de controle social98,
porém, ao lado dele podem-se destacar a família, a escola e a
temor infundido aos possíveis delinquentes, capaz de afastá-los da prática
delitiva – é, modernamente vislumbrada como exemplaridade (conformidade
espontânea à lei) – função pedagógica ou formativa desempenhada pelo Direito
Penal ao editar as leis penais. A concepção preventiva geral da pena busca
sua justificação na produção de efeitos inibitórios à realização de condutas
delituosos, nos cidadãos em geral, de maneira que deixarão de praticas atos
ilícitos em razão do temor de sofrer a aplicação de uma sanção penal. Em
resumo, a prevenção geral tem como destinatária a totalidade dos indivíduos
que integram a sociedade, e se orienta para o futuro, com o escopo de evitar
a prática de delitos por qualquer integrante do corpo social. A denominada
prevenção geral intimidatória, que teve clara formulação em Feuerbach
(teoria da coação psicológica), segundo a qual a pena previne a prática de
delitos porque intimida ou coage psicologicamente seus destinatários. Como
doutrina utilitarista, refuta as bases metafísicas da teoria retributiva, e, nesse
sentido, representa um avanço. A prevenção geral positiva considera que a
pena, enquanto instrumento destinado à estabilização normativa, justifica-
se pela produção de efeitos positivos consubstanciados no fortalecimento
geral da confiança normativa (“estabilização da consciência do direito”).
Consequentemente, a pena encontra sua legitimação no incremento e reforço
geral da consciência jurídica da norma”. PIERANGELI. Jose Henrique;
ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 629/630.
97
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Editoria
Revista dos Tribunais, 1995, p. 96/97.
98
“Assim, por exemplo, os meios de comunicação social de massa induzem
padrões de conduta sem que a população, em geral, perceba isso como
“controle social”, e sim como formas de recreação. Qualquer instituição
social tem uma parte de controle social que é inerente à sua essência, ainda
que também possa ser instrumentalizada muito além do que corresponde
a essa essência. O controle social se exerce, pois, através da família, da
educação, da medicina, da religião, dos partidos políticos, dos meios
massivos de comunicação, da atividade artística, da investigação científica,
etc. O controle social se vale, pois, desde meios mais ou menos “difusos”
e encobertos até meios específicos e explícitos, como é o sistema penal
(polícia, juízes, agentes penitenciários, etc.)”. PIERANGELI. Jose Henrique;
ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 59.

67
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Igreja. A relação entre prova e direito penal não se constitui em


argumento suficiente para o afastamento da descriminalização
“contesta-se esse argumento afirmando que a eficácia do
mecanismo probatório penal não é um fim em si mesmo e
que as necessidades processuais não constituem um critério
legítimo para determinar alcance e conteúdo do Direito Penal
substantivo99”.
Os limites da intervenção penal são definidos pelo
legislador, assim, não se pode atribuir à descriminalização
a ausência destes mesmos limites. O argumento de que a
descriminalização favoreceria a prática de condutas antes
descritas como típicas não merece prosperar. Basta que se
relembrem as condutas de adultério e sedução: houve acréscimo
na prática destes fatos após a descriminalização? É evidente que
não. Já em relação à prevenção geral, que significa a abstenção
da prática de determinados atos por medo do recebimento de
uma pena, devem-se levar em consideração alguns fatores: a
conduta descriminalizada passou a ser controlada por um dos
outros mecanismos de controle social que, também, realiza a
prevenção geral; sempre que há a descriminalização de uma
conduta os prováveis efeitos negativos são avaliados e sempre
que possível serão neutralizados; assim, verifica-se que quando
há descriminalização existem grandes possibilidades de redução
dos efeitos decorrentes da prevenção geral, porém, compensa-

99
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Editoria
Revista dos Tribunais, 1995, p. 96.

68
Capítulo II

se assumir o risco, pois, as vantagens da intervenção mínima


sobrepõe-se às desvantagens apresentadas por uma política
criminal de máxima criminalização.
A sistematização da descriminalização nos sistemas
penais encontra grandes dificuldades sendo que ora avança, ora
retrocede. Podem-se destacar como principais dificuldades de
ampliarem-se as hipóteses de descriminalização as que residem
nas razões de política criminal. Também os fatores sociais que
congregam, em grande parte, movimentos em que se busca o
aumento das penas e a, consequente, busca pelo acréscimo de
condutas amparadas pelo Direito Penal, ou seja, a realização
do movimento contrário, o favorecimento da criminalização
de condutas100. Por fim, “a descriminalização não significa
desinteressar-se da sorte da população, mas tratar sua situação de
maneira diferente, substituindo o sistema penal que nem sempre
é muito efetivo, por um leque diversificado de alternativas
extrapenais101”.

100
Cervini expõe os principais aspectos que levam ao favorecimento
da criminalização dentre os quais destacam-se: “a) A imagem que o
legislador e o juiz fazem do sistema penal e de seus efeitos sociais deriva
fundamentalmente dos pressupostos implícitos na própria doutrina penal e
não levam devidamente em conta as diferenças críticas que existem entre
esses pressupostos e a realidade social. Além disso, o equilíbrio entre
os custos e os benefícios se efetua de forma pouco realista e a favor da
criminalização; b) Podemos criminalizar sem levar em conta o custo ou o
preço que se paga. Não existe nenhuma obrigação de votar ao mesmo tempo
os meios adicionais que implicam os novos serviços penais. CERVINI,
Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Editoria Revista dos
Tribunais, 1995, p. 83/84.
101
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Editoria
Revista dos Tribunais, 1995, p. 83/84, p. 95.

69
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

A despenalização102 de condutas signiica,


Implica em elevação das permissividades jurisdicionais
face ao deferimento das prerrogativas de utilização
mais amiúde do perdão judicial. Assim, continuaria a
existir a figura delitiva, mas o prudente critério judicial
permitiria tornar isento de pena o autor de um crime
assim considerado insignificante. Trata-se de técnica
muito recomendada pela doutrina, mas de nefastas
consequências ao Princípio da Igualdade, mormente
porque ao longo dos tempos o Poder Judicial tem sido
porta-voz de tendências mais conservadoras do que
liberais (no sentido bom do termo), o que tende a um
amesquinhamento das considerações e interpretações
mais relevantes sobre a abrangência do princípio103.

Ou seja, o instituto da despenalização104 concebe


102
“A despenalização é o ato de “degradar” a pena de um delito sem
descriminalizá-lo, no qual entraria toda a possível aplicação das alternativas
às penas privativas de liberdade (prisão de fim de semana, multa, prestação
de serviços à comunidade, multa reparatória, semidetenção, sistemas de
controle da conduta em liberdade, prisão domiciliar, inabitações, etc”.
ZAFFARONI e PIERANGELI, Manual de Direito Penal brasileiro, volume
1, p. 310.
103
LOPES, Maurício Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 120.
104
“Por despenalização entendemos o ato de diminuir a pena de um delito
sem descriminalizá-lo, quer dizer, sem tirar do fato o caráter de ilícito penal.
Segundo Comitê do Conselho Europeu, este conceito inclui toda a gama de
possíveis formas de atenuação e alternativas penais:prisão de fim de semana,
prestação de serviços de utilidade pública, multa reparatória, indenização à
vítima, semidetenção, sistemas de controle de condutas em liberdade, prisão
domiciliar, inabilitação, diminuição de salário e todas as medidas reeducativas
dos sistemas penais (Informe del Comite Europeu sobre problemas de la
criminalidad, 1980). Às vezes considera-se mais conveniente manter a
ilicitude do fato, eliminando-se somente a pena, evitando um possível
excesso de conduta nessas áreas, e ratificando a suposta tarefa de docência
moral da legislação. Por isso, a chamada descriminalização integral, ou
desinteresse total do sistema por ações que antes eram puníveis, ocorre com

70
Capítulo II

a idéia de que o Estado continue a considerar crime uma


determinada conduta, porém, impondo-lhe uma forma de
sanção menos gravosa do que a pena privativa de liberdade, por
exemplo.
Não se pode confundir a descriminalização e
a despenalização com a diversificação105. Este fenômeno é
direcionado para o processo penal, ao contrário dos demais que
atuam no âmbito do direito penal. A diversificação significa
a possibilidade de suspensão do processo penal durante um
determinado período em que serão estabelecidas algumas
condições visando a solucionar o conflito com medidas
que não sejam punitivas. “É a possibilidade legal de que o
processo penal seja suspenso em certo momento e a solução
ao conflito alcançada de forma não punitiva. No Brasil a Lei

pouca frequência”. CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São


Paulo: Editoria Revista dos Tribunais, 1995, p. 75/76.
105
“Nas hipóteses em que a descriminalização não é possível – como no
furto –, poder-se-á evitar as desvantagens da criminalização através de
alternativas à condenação formal por um juiz. Tais métodos de diversificação
são utilizados em quantidade considerável na Alemanha, pois o juiz e
também o Ministério Público podem arquivar o processo quando se tratar
de delitos de bagatela em cuja persecução não subsista interesse público; tal
arquivamento pode ocorrer inclusive no âmbito da criminalidade média, se
o acusado prestar serviços úteis à comunidade (como pagamentos À Cruz
Vermelha ou a reparação do dano). Estes métodos de diversificação são
utilizados já hoje na Alemanha em quase metade de todos os casos, tendo
reduzido consideravelmente metade das punições”. ROXIN, Claus. Estudos
de direitos penal. Tradução de Luís Greco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 14.

71
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

9.099 de 26.09.1995106 retrata esta tendência107”. O conceito


de diversificação significa a suspensão dos procedimentos
criminais em casos em que o sistema de justiça penal mantém
formalmente a sua competência”108.
O processo de diversificação sofre algumas críticas,
em especial, pela indeterminação dos seus critérios de aplicação
e pelo fato de que ao Ministério Público é atribuída competência
decisória. Porém, crê-se tratar-se de um caminho sem volta para
o direito penal. Pois já se verificou que a aplicação da suspensão
do processo e o início da ação penal, em se tratando de criminosos
primários e que tenham praticado crimes de menor potencial
ofensivo, já se constitui, por si só, em forma eficiente para a
prevenção da prática de crimes109. A desinstitucionalização
106
Objetivando exemplificar: “art. 89. Nos crimes em que a pena mínima
cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei,
o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão
do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo
processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os
demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art.
77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na
presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo,
submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de
freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca
onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e
obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades”.
Informação disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 de março
de 2012.
107
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 310.
108
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Editoria
Revista dos Tribunais, 1995, p. 76.
109
“A diversificação é um meio de combater o crime mais humano do que
a pena, devendo portanto ser preferida a esta. Neste ponto está a parcial
razão do abolicionismo. Mas a diversificação só é possível dentro de certos

72
Capítulo II

caracteriza-se como mais uma hipótese dentre as possíveis


descritas no processo de intervenção mínima possuindo
como objetivo manter-se em cárcere somente as pessoas que
cometeram crimes e que se referiam a casos extremos, ou seja,
significa a busca pela diminuição do número de pessoas presas.
“Começa a ganhar força uma corrente reformadora que tende a
desinstitucionalizar, ou seja, a ter a menor quantidade de presos
possível, e a institucionalizar somente em casos extremos (ex.:
grandes furtos, homicídios, roubos)110”.
O princípio da insignificância é a mais cara
expressão do nullum crimem nulla poena sine lege que visa
sempre assegurar à busca pelos fins perquiridos em um Estado
Democrático de Direito, ou seja, o caráter da mínima intervenção
do Direito Penal na esfera de liberdade das pessoas, pois, este só
legitima-se quando houver uma ofensa grave aos bens jurídicos
tutelados pelo Estado Democrático de Direito111.
limites, e ainda assim sob a vigilância estatal. [...] A descriminalização e a
diversificação tampouco irão tornar supérflua a pena. Mas esses institutos
poderiam e deveriam reduzir as punições a um núcleo essencial de
comportamentos que realmente precisa ser punido”. ROXIN, Claus. Estudos
de direitos penal. Tradução de Luís Greco. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 14/15.
110
CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: Editoria
Revista dos Tribunais, 1995, p. 69.
111
“Em geral, todas estas tendências têm sido criticadas por parte dos
criminologistas contemporâneos, sob fundamento de que são produto
da crise fiscal do Estado, e tendem a trocar o controle institucional pelo
controle difuso na sociedade, o que levaria uma “extensão” da prisão a toda
a sociedade. Cremos que estas objeções não se dirigem às tendências em si
mesmas, mas às mudanças estruturais que podem ocorrer nas sociedades
centrais, e que em nada afetam o juízo que possam merecer do ponto de vista
de nossas sociedades periféricas”. ZAFFARONI e PIERANGELI, Manual
de Direito Penal brasileiro, volume 1, p. 311.

73
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

2.4. Princípio da Adequação Social

A teoria ou princípio da adequação social112 foi


idealizado e proposto por Hans Welzel significando que apesar
de uma conduta estar prevista no sistema penal sendo, portanto,
típica, quando socialmente adequada deverá ser considerada
atípica. Assim surge o princípio da adequação social como
um princípio geral de interpretação e compreensão dos tipos
penais. “A partir da premissa de que o direito penal somente
tipifica condutas que têm certa “relevância social”, posto
que do contrário não poderiam ser delitos, deduz-se, como
consequência, que há condutas que, por sua “adequação social”,
não podem ser consideradas como tal113”.
Para o princípio da adequação o direito penal só
poderá tipificar aquelas condutas que tenham “relevância
social”, caso contrário não poderiam transformar-se em delitos.
Àquelas condutas consideradas “socialmente adequadas” não
podem ser tipificadas, e, portanto devem ser excluídas do
âmbito do direito penal114. “O princípio da adequação social
112
“A adequação social é de certo modo uma espécie de pauta para os tipos
penais: representa o âmbito “normal” da liberdade de atuação social, que
lhes serve de base e é considerada (tacitamente) por eles. Por isso, ficam
também excluídas dos tipos penais as ações socialmente adequadas, ainda
que possam ser a eles subsumidas – segundo seu critério literal”. WELZEL,
Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal: Uma Introdução à doutrina da ação
finalista. Tradução Luis Regis Prado. São Paulo: revista dos tribunais, 2001,
p. 43
113
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 485.
114
“No primeiro nível da adequação social, é considerada uma série de
fatores – como, por exemplo, a utilidade social da conduta – no processo

74
Capítulo II

demonstra sua necessidade em situações de “esclerotização


legislativa”, quando os velhos esquemas normativos são
dificilmente adequáveis, só com os instrumentos exegéticos à
realidade econômica e social em radical transformação”115.

O tipo penal implica uma seleção de comportamentos


e, ao mesmo tempo, uma valoração (o típico já é
penalmente relevante). Contudo, também, é verdade,
certos comportamentos em si mesmos típicos carecem
de relevância por serem correntes no meio social, pois
muitas vezes há um descompasso entre as normas
penais incriminadoras e o socialmente permitido ou
tolerado116.

O princípio da adequação social exprime-se em


condutas já tipificadas e que com o passar do tempo tornaram-
se socialmente adequadas117 agindo-se, assim, como uma forma
de valoração da tolerabilidade social de uma conduta. Toma-se, portanto,
como ponto de partida inicial uma ponderação de interesses entre o valor e
o interesse que despertam determinada atividade social e os riscos que ela
acarreta. No segundo nível (concreto) de justificação da conduta, também há
uma ponderação de interesses (a ser realizada pelo juiz diante de uma ação
real)”. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 154.
115
LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da Insignificância no
Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997.
116
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,
p. 53.
117
“A teoria da adequação social, formulada por Welzel, exprime o
pensamento de que ações realizadas no contexto da ordem social histórica
da vida são ações socialmente adequadas – e, portanto, atípicas, ainda que
correspondam à descrição do tipo legal. Não há duvida de que a adequação
social é um princípio geral que orienta a criação e a interpretação da lei penal,
mas sua atribuição à antijuridicidade pressupõe a ultrapassada concepção
do tipo livre-de-valor, e sua compreensão como exculpante pressupõe uma
inaceitável identificação entre a adequação social de determinadas ações e
a natureza proibida do injusto”. SANTOS. Juarez Cirino dos. A Moderna

75
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

de compreensão e de adequação das normas penais118.


As consequências geradas pela adequação social
ainda não se constituem em unanimidade entre os penalistas.
Há quem sustente que a sua incidência exclui a tipicidade119,
já outros pregam que a adequação social poderia figurar
como uma causa de justificação. “Que há críticas à adequação
social no sentido da sua imprecisão derivada do conceito de
“socialidade”, que não oferece um parâmetro “jurídico” para
a aferição da tipicidade120”. Assim, deve-se considerar que
dada a sua imprecisão e relativização muitos penalistas não a
reconhecem como causa de justificação e nem como causa de
exclusão da tipicidade.
Teoria do Fato Punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora. 2007, p.
37/38.
118
“Porém, hoje, sabe-se que há uma diferenciação conceitual entre ambos:
enquanto a Teoria da Adequação Social é constituída pela aprovação social
da conduta praticada pelo agente, o Princípio da Insignificância é regido pela
tolerância da sociedade e do sistema penal em face da ocorrência de uma
conduta de pouca gravidade. Enquanto aquela se regula sobre o desvalor
da ação; este age sobre o desvalor do resultado”. SANGUINÉ, Odone.
Observações sobre o Princípio da Insignificância. Fascículos de Ciências
Penais. Porto Alegre. Fabris. 1990. v3. n.1.
119
“Esta teoria, ao menos quando colocada nestes termos, implica um
corretivo da tipicidade legal, mas de natureza da que aqui postulamos por via
da tipicidade conglobante, porque remete diretamente à ética social. [...] Sua
menção aqui tem apenas como objetivo estabelecer que ela nada tem a ver
com a tipicidade conglobante, entendida esta como corretivo da tipicidade
legal e com ela configuradora da tipicidade penal. Nossa concepção não
escapa do normativismo além da medida em que cremos oportuno fazê-
lo, para não nos fecharmos totalmente ao realismo social, pois, estamos
convencidos de que estas soluções “assépticas” costuma desembocar num
formalismo estéril”. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio.
Manual de Direito Penal Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009,
p. 485-486.
120
SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o Princípio da Insignificância.
Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre. Fabris. 1990. v3. n.1, p. 39.

76
Capítulo II

Porém, deve-se considerar que quando a ação é


socialmente adequada ela está, desde já, excluída do âmbito de
incidência do tipo penal, porque se realiza dentro das regras
de normalidade social. Ao passo que a ação amparada for uma
causa de justificação só não é crime, apesar de socialmente
inadequada, em razão de uma autorização especial para a
realização da ação típica121. “As condutas socialmente adequadas
não são necessariamente exemplares, mas apenas condutas que
se mantém dentro dos limites da liberdade de atuação social122”.

O costume desenvolvido no tráfego viário constitui


exemplo claro do aspecto funcional da adequação
social: a idéia de que a social existência comunitária é
um mundo funcional, no qual todos os bens jurídicos
estão uns necessariamente junto a outros e desde o
início em um intercâmbio de efeitos e contraefeitos
(quer dizer no trânsito), isto é, estão em função viva,
exteriorizando suas existências como bens sociais e
vitais123.

Há diferenças entre a “conduta socialmente

121
Dentre as hipóteses de excludentes da ilicitude podem-se destacar as
previstas no art. 23 do Código Penal: “não há crime quando o agente pratica
o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo
único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo
excesso doloso ou culposo”. Informação disponível no site <www.planalto.
gov.br>. Acesso em 07 de janeiro de 2012.
122
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico penal: uma introdução à doutrina
da ação finalista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 60.
123
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 178.

77
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

adequada” e “causa de justificação124”. “A adequação social


exclui desde logo a conduta em exame do âmbito de incidência
do tipo, situando-a entre os comportamentos normalmente
permitidos, isto é, materialmente atípicos” 125. A adequação
social vem confirmar aquela máxima de que o direito penal não
pode tipificar condutas que são socialmente adequadas e que,
portanto encontram-se excluídas do tipo penal desde o início126.
A adequação social assim como o princípio da
insignificância guarda relação com a tipicidade, já que ambos
ingressam no sistema penal pela mesma via. Porém enquanto
o Princípio da Insignificância relaciona-se com fatos que
resultaram em consequências ínfimas aos bens jurídicos
tutelados pelo Estado o princípio da adequação social vincula-
se ao fato de que certas situações, e determinadas condutas,
124
“Uma lesão corporal cometida em legítima defesa, embora o fato esteja
justificado por uma causa excludente da ilicitude, tratando-se de uma ação
que foge aos padrões normais de comportamento social, o juízo de tipicidade
formal autoriza submeter-se o agente aos ônus e dissabores do processo, no
qual se irá averiguar e proclamar a existência da legítima defesa. Veja-se,
agora, o caso de um ferimento resultante de um pontapé durante um jogo
de futebol. Embora também possa ocorrer uma lesão corporal dolosa, se o
agente, apesar disso, agiu dentro do que é normalmente aceito e tolerado, em
disputas dessa natureza, não há que se falar, desde o início, em tipicidade
material, dispensando-se o agente de ter que recorrer a uma causa de
justificação para alcançar a impunidade do fato”. TOLEDO, Francisco de
Assis. Princípios básicos do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 131
125
WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal: Uma Introdução à
doutrina da ação finalista. Tradução Luis Regis Prado. RT.
126
“A adequação social é de certo modo uma espécie de pauta para os tipos
penais: representa o âmbito “normal” da liberdade de atuação social, que
lhes serve de base e é considerada (tacitamente) por eles. Por isso ficam
também excluídas dos tipos penais as ações socialmente adequadas, ainda
que possam ser a eles subsumidas – segundo seu conteúdo literal”. WELZEL,
Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal: Uma Introdução à doutrina da ação
finalista, p. 28.

78
Capítulo II

passaram a ser aceitos pela sociedade que não os vê mais como


atos contrários à norma jurídica.
É possível considerar-se a adequação social em
dois níveis diversos. Em um primeiro nível considera-se como
“ponto de partida inicial uma ponderação de interesses entre
o valor e o interesse que despertam determinada atividade
social e os riscos que ela acarreta127”. Em um segundo nível,
este concreto, a ponderação de valores é realizada pelo juiz no
momento da aplicação da norma ao caso concreto.

O exercício de um dever legal pela polícia exige os


requisitos de necessidade, congruência, oportunidade
e proporcionalidade, delimitados pelo cuidado
objetivamente devido, para que não acarrete riscos
desnecessários a outros bens jurídicos. Assim também,
o exercício regular da profissão de advogado, jornalista
ou médico e a prática de determinados esportes
coletivos devem levar em consideração a necessidade
da atuação e a observância estrita do dever de cuidado
objetivamente devido – quem coincide geralmente
com o disposto na normativa que disciplina o exercício
profissional ou a prática esportiva -, além do ânimo ou
127
“A adequação social nesse primeiro nível, de ordem geral, corresponde a
um juízo feito pelo legislador mediante o qual se procede a uma valoração do
comportamento, constituindo, na realidade, um critério externo no âmbito da
interpretação de sentido dos tipos e de caráter extrassistemático, e funciona
como uma causa de exclusão do desvalor penal do resultado. Esse é o caso,
por exemplo, da lesão corporal representada pela incisão cirúrgica quando
um médico opera um paciente, bem como a hipótese dos efeitos colaterais
produzidos pelo consumo de determinados medicamentos receitados pelo
médico para combater certa doença. Também são socialmente adequadas,
por exemplo, as privações de liberdade decorrentes do uso dos meios de
transporte coletivo”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro,
2011, p. 189/190.

79
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

da vontade de exercer legitimamente a profissão ou


esporte128.

É importante também salientar que não se pode


confundir o princípio da adequação social com o risco
permitido. Há um ponto em comum entre ambas as situações,
pois, a ausência de resultado típico encontra-se presente em
ambos: naquele excluído pela interpretação e neste pelo fato de
não ser possível desvalorar-se penalmente um resultado em que
a produção não tenha acontecido por dolo ou culpa129.

A tipicidade de um comportamento proibido é


enriquecido pelo desvalor da ação e pelo desvalor do
resultado lesando efetivamente o bem juridicamente
protegido, constituindo no que se chama de tipicidade
material. Donde se conclui que o comportamento
que se amolda a determinada descrição típica formal,
porém, materialmente irrelevante, adequando-se
ao socialmente permitido ou tolerado, não realiza
materialmente a descrição típica130.

128
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 1180/181
129
“A adequação social e o critério do risco permitido assumem como
premissa fundamental a existência de um resultado lesivo e analisam sua
repercussão no tocante à valoração da ação. Nos casos de adequação social, a
exclusão da lesão produzida do âmbito do resultado penalmente típico ocorre
em virtude de uma interpretação teleológica restritiva dos tipos. De outro
lado, nas hipóteses de risco permitido, a ausência de desvalor do resultado se
explica porque o resultado produzido não pode ser imputado a título de dolo
ou de culpa, isto é, a falta de desvalor da ação repercute sobre o desvalor do
resultado, e não há desvalor do resultado sem desvalor da ação”. PRADO,
Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 155/156.
130
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,
2011, p. 50.

80
Capítulo II

Em última instância dada à inexistência de critérios


claros, precisos e determinados para a aplicação da adequação
social ressalta-se que é preferível a aplicação de outros sistemas
de interpretação cujas condições e efeitos sejam conhecidos.

2.5. Princípio da Ofensividade ou da Lesividade

O princípio da ofensividade131 encontra-se baseado


em uma concepção realística de crime, classificando os delitos
como lesivos e não lesivos. Há a necessidade que ocorra a
ofensividade ao bem jurídico tutelado para que uma conduta
seja considerada típica. Restando ofendido o interesse tutelado
pela norma, exclui-se a punibilidade daqueles fatos, em face da
ausência de ofensividade ao bem tutelado.
Os fatos lesivos são os considerados penalmente
relevantes e importantes para o direto penal. Já os fatos não
lesivos não são considerados como tal pelo sistema jurídico-
penal. Porém, como se distinguem os fatos lesivos dos não
lesivos? A contextualização desses conceitos é permeada de
conceitos jurídicos que de alguma forma foram acolhidos pelo

131
“O Princípio da ofensividade no Direito Penal tem a pretensão de que seus
efeitos tenham reflexos em dois planos: no primeiro, servir de orientação
à atividade legiferante, fornecendo substratos político-jurídicos para que o
legislador adote, na elaboração do tipo penal, a exigência indeclinável de
que a conduta proibida represente ou contenha verdadeiro conteúdo ofensivo
a bens jurídicos socialmente relevantes; no segundo plano, servir de critério
interpretativo, constrangendo o intérprete local a encontrar em cada caso
concreto indispensável lesividade ao bem jurídico protegido”. Bitencourt,
Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, p. 22.

81
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

sistema penal.
Assim, a existência do princípio da ofensividade ou
da lesividade imprime a certeza de que as criminalizações de
condutas só podem acontecer quando o bem jurídico tutelado
sofrer uma lesão relevante, ou seja, o Estado não está autorizado
a agir, tipificando condutas, quando as lesões produzidas forem
irrelevantes. Este princípio deve ser entendido sob duas óticas
distintas: uma qualitativa e outra quantitativa: naquela verificar-
se-á a natureza jurídica do bem violado; já nesta a extensão da
lesão causada ao bem jurídico protegido132.
A intervenção do Estado na esfera de liberdade dos
indivíduos, no âmbito penal, somente se justifica quando houver
uma lesão ao bem jurídico tutelado ou um perigo de lesão a
este mesmo bem jurídico. Ou seja, inexistindo, ao menos uma
possibilidade de que uma determinada conduta poderá causar a
um bem jurídico um perigo concreto de lesão à atuação estatal
não poderá ser legitimada. “O legislador deve abster-se de
tipificar como crime ações incapazes de lesar ou, no mínimo,
colocar em perigo concreto o bem jurídico protegido pela norma
132
[...] “Essas liberdades constitucionais individuais devem ser objeto da
maior garantia positiva como critério de criminalização e, inversamente, da
menor limitação negativa como objeto de criminalização por parte do Estado.
[...] Do ponto de vista quantitativo da extensão da lesão do bem jurídico, o
princípio da lesividade exclui a criminalização primária ou secundária de
lesões irrelevantes e bens jurídicos. Nessa medida o princípio da lesividade
é e expressão positiva do princípio da insignificância em Direito Penal:
lesões insignificantes de bens jurídicos protegidos, como a integridade ou
saúde corporal, a honra, a liberdade, a propriedade, a sexualidade etc., não
constituem crime”. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral.
Curitiba: ICPC; Lúmen Júris, 2007, p. 25/26.

82
Capítulo II

penal133”
Não se deve confundir a lesividade ou ofensividade
com o critério da perigosidade. O critério denominado de
“perigosidade social da ação”, que é comum nos Códigos
Penais dos Países Socialistas, significa que para uma conduta
ser considerada típica não basta que se amolde ao tipo
penal e sim deverá trazer um “perigo real” à sociedade. A
conceituação de perigosidade ou periculosidade social da ação
está intrinsecamente atrelada à concepção material de crime.
Já que o fato além de preencher as “notas” contidas no tipo
penal deve, também, ser “perigoso” para a sociedade. A atuação
da perigosidade da ação, portanto, na hipótese acima descrita,
constitui-se em mais um elemento para o conceito material de
crime.
Nos ordenamentos jurídicos em que há previsão
da necessidade de perigosidade social, para a ocorrência da
tipicidade, não basta que haja um perigo concreto de lesão ao
bem jurídico tutelado e sim é necessária a existência, também,
da periculosidade social da ação. Porém, é importante verificar
quem será incumbido da tarefa de determinar o conteúdo da
denominada perigosidade social da ação. Nos países socialistas
quem irá definir o conteúdo da perigosidade social é quem detém
o poder e como na maioria dos casos quem ocupa o poder é a
classe dominante chegar-se-á, facilmente, à conclusão de que
os fatos considerados “perigosos” para a sociedade são aqueles
133
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, p. 22.

83
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

eleitos pela classe dominante e não aqueles que traduzam os


anseios da sociedade.
Essas legislações, muitas vezes, restringem ou
não respeitam princípios extremamente caros para o Direito
Penal da atualidade tais como a Legalidade, a Igualdade e a
certeza jurídica que restam muito prejudicados pelo conteúdo
da “perigosidade” que é determinado, muitas vezes, pela classe
dominante134. Muitas vezes não há respeito ao Princípio da
Legalidade e a todos os seus desdobramentos – especialmente
a anterioridade – e também à imparcialidade, que sempre se
mostram tão necessários para a efetivação dos direitos e
garantias fundamentais135. Nesses casos, isto é, com a adoção da
perigosidade social da ação, o nível de arbitrariedade atinge o seu

134
Exemplificando: “o art. 8º da Constituição chinesa estabelece em seu
segundo período que “o Estado proíbe que qualquer pessoa prejudique, seja
por que meio for, a ordem econômica e social, sabote o plano econômico do
Estado, subtraia ou dilapide os bens do Estado e da coletividade, e prejudique
os interesses públicos”. A proibição referida no texto constitucional não
exige a lei como parâmetro, mas o mero senso de oportunidade do Partido
Comunista da China que, nos termos do art. 2º da Constituição, “é o núcleo
dirigente de todo o povo chinês...”. Em outro dispositivo, este o art. 18, “o
Estado defende o regime socialista, reprime todas as atividades de traição
nacional e contra-revolucionárias...todos os novos elementos burgueses e
outros maus elementos. LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípio da
Insignificância no Direito Penal, p. 125.
135
“Aqui trazer à colação a atual situação da República Popular da China,
posto que constituições outras existem que, apesar de bastante recentes,
quando a consagração do princípio da legalidade penal é reconhecida
constitucionalmente na maioria dos Estados, não apenas omitiram sua
declaração, como inviabilizaram sua adoção no plano da interpretação
imediata, como a Constituição da República Popular da China, de
05.03.1978, na qual em pelo menos dois dos seus dispositivos encontram-
se perigosas lacunas sobre a legalidade penal”. LOPES, Maurício Antonio
Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais. 1997, p. 125.

84
Capítulo II

ápice já que se possibilita ao juiz criar/estabelecer novos tipos


penais no instante do julgamento. O conteúdo da perigosidade
social da ação é preenchido por fatores externos – além de ser
extremamente ambíguo - o que enseja uma preocupação muito
grande nos juristas que veem nesses fatores um retorno ao
tempo da “escola positivista”. O fato é visto não apenas como
um fato dotado de tipicidade, mas também como um fato que
rouxe “perigo” para a coletividade136.
O princípio que na Itália recebe a nomenclatura
de “ofensividade” e no Brasil de “lesividade” preocupa-se em
prever que somente as infrações à norma penal que causem um
136
“Es la inadecuación estructural de las formas del Estado de derecho a
las funciones del Welfare State, agravada por la acentuación de su carácter
selectivo y desigual que deriva de la crisis del Estado social. Como se sabe,
esta crisis ha sido con frecuencia asociada a una suerte de contradicción entre
el paradigma clássico del Estado de derecho, que consiste en un conjunto
de límites y prohibiciones impuestos a los poderes públicos de forma
cierta, general y abstracta, para la tutela de los derechos de libertad de los
ciudadanos, y el Estado social, que, por el contrario, demanda a los proprios
poderes la satisfacción de derechos sociales mediante prestaciones positivas,
no siempre predeterminables de manera geral y abstracta y, por tanto,
eminentemente discrecionales, contingentes, subtraídas a los principios de
certeza y estricta legalidad y confiadas a la intermediación burocrática y
partidista. Tal crisis se manifiesta en la inflación legislativa provocada por la
presión de los intereses sectoriales y corporativos, la pérdida de generalidad
y abstracción de las leyes, la creciente producción de leyes-acto, el processo
de descodificación y el desarrollo de una legislación fragmentaria, incluso en
materia penal, habitualmente bajo el signo de la emergencia y la excepción.
Es claro que se trata de un aspecto de la crisis del derecho que favorece al
señalado con anterioridad. Precisamente, el deterioro de la forma de la ley,
la falta de certeza generalizada a causa de la incoherencia y la inflación
normativa y, sobre todo, la falta de elaboración de un sistema de garantías
de los derechos sociales equiparable, por su capacidad de regulación y de
control, al sistema de las garantías tradicionalmente predispuestas para la
propiedad y la libertad, representan, en efecto, no sólo un factor de ineficacia
de los derechos, sino el terreno más fecundo para la corrupción y el arbitrio”.
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias: La Ley del más débil. Editorial
Trotta, S.A.: Madrid. 1999.

85
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado ou uma lesão


possam ser punidos criminalmente. Diferentemente do conteúdo
contido na expressão “perigosidade social” as concepções
de ofensividade ou de lesividade buscam fornecer requisitos
mínimos para a intervenção do Estado no âmbito penal.
Há quem sustente a impossibilidade do princípio
da ofensividade ou da lesividade consistir-se em um princípio
autônomo considerando-o como associado à intervenção
mínima.

Porém, não vemos o nomeado princípio da lesividade


como algo autônomo, com vida própria, distinto,
pois, do princípio da intervenção mínima. Afinal,
em homenagem à ultima ratio, deixa-se ao direito
penal o âmbito da tipificação das condutas mais
sérias, efetivamente lesivas a interesses relevantes.
Punir pensamentos, por exemplo, seria o ápice da
invasão de privacidade do indivíduo. Ofenderia o
denominado princípio da lesividade? Na realidade,
atacaria a intervenção mínima. O Estado deve respeitar
a esfera íntima do cidadão. Defendemos, portanto,
que a ofensividade ou lesividade deve estar presente
no contexto do tipo penal incriminador, para validá-
lo, legitimá-lo, sob pena de se esgotar o direito penal
em situações inócuas e sem propósito, especialmente
quando se contrasta a conduta praticada com o tipo de
sanção para ela prevista como regra, ou seja, a pena
privativa de liberdade. Há enorme desproporção.
Porém, a ofensividade é um nítido apêndice da
intervenção mínima ou subsidiariedade do Direito
Penal Democrático137”.
137
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:

86
Capítulo II

Assim, trata-se de um princípio essencial no Estado


Democrático de Direito, seja ele considerado como princípio
autônomo ou como consequência da intervenção mínima, trata-
se da impossibilidade do Estado exercer de maneira excessiva
o jus puniendi. Se não há lesividade não há que se cogitar na
possibilidade de tipificação de uma determinada conduta.
A lesividade, conjuntamente, com a intervenção mínima
atua como critério limitador do direito de punir exigindo-se,
assim, que “o direito penal deve se ocupar de condutas graves,
ofensivas a bens jurídicos relevantes, evitando-se a intromissão
excessiva na vida privada de cada um, cerceando em demasia
a liberdade alheia e expondo ao ridículo, muitas vezes, o ser
humano, buscando puni-lo por fato nitidamente irrelevantes aos
olhos da imensa maioria da sociedade138”.

editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 48.


138
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 48.

87
Capítulo III

CAPÍTULO III

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E CRIMINALIDADE


DE BAGATELA

3.1. A necessidade do grau mínimo de reprovabilidade da


conduta

O Direito Penal exprime os desejos, anseios


e temores de uma determinada sociedade. É ele o espelho
principal dos bens que esta sociedade, em um determinado
momento histórico, elege como os seus mais caros, pois,
foram merecedores da tutela penal demonstrando que para
a convivência social ser possível foi necessária a tipificação
destas condutas e a atribuição de uma sanção penal139.
A criminalidade de bagatela140 caracteriza-se
139
“Não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um
bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de
tutela jurídica desses bens. Embora seja certo que o delito é algo mais – ou
muito mais – que a lesão a um bem jurídico, esta lesão é indispensável para
configurar a tipicidade. É por isso que o bem jurídico desempenha um papel
central na teoria do tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico (de telos,
fim) à lei penal. Sem o bem jurídico não há “para quê” do tipo e, portanto,
não há possibilidade alguma de interpretação teleológica da lei penal. Sem
o bem jurídico, caímos num formalismo penal, numa pura “jurisprudência
de conceitos””. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio.
Manual de Direito Penal Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009,
p. 398/399.
140
“A doutrina apresentou dois modelos destinados a concretizar o conceito
do crime de bagatela. O ”clássico” constituído pelos índices de “desvalor
da ação”, “desvalor do resultado” e “culpabilidade”, para precisar a global
insignificância e com a possibilidade de graduação do ilícito penal. O
modelo que utiliza todos os critérios de uma “antecipada medição da

89
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

pela incidência de infrações de pouca reprovabilidade, pela


pequena ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal e
pela já habitualidade com que esses fatos ocorrem na sociedade.
“Os bens jurídicos são os direitos que temos a dispor de
certos objetos141”. A conceituação de reprovabilidade de uma
determinada conduta está ligada ao grau de censurabilidade
que a sociedade impõe sobre esta ou aquela ação ou omissão
do agente. A sociedade estabelece um juízo de desvalor sobre
a conduta do agente o que faz com que esta demonstre a sua
incompleta inadequação social, isto é, a sociedade já não mais
estabelece um juízo de reprovabilidade desta conduta.
É possível verificar-se que não há normas
penais universais, ou seja, estas são pensadas para cada
sociedade objetivando a preservação dos bens jurídicos que
são considerados relevantes. Isso decorre dada às diferenças
culturais, religiosas, políticas, econômicas e sociais que se
apresentam em um e em outro Estado. Esses traços particulares
acabam por individualizar a intervenção estatal em matéria
jurídico-penal. Pois cada Estado possui seus próprios conflitos
o que gerará as suas próprias normas jurídicas. Estas deverão
– necessariamente – estar de acordo com a realidade daquela
sociedade. Já que são elas as responsáveis pelas características
pena” (atualmente predominante na doutrina alemã), para estabelecer
o “merecimento de pena”. SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o
Princípio da Insignificância. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre,
Fabris. 1990. v3, n.1, p.40.
141
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de
Direito Penal Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009, p. 399.

90
Capítulo III

que irão individualizá-la no mundo do direito. A particularização


dos sistemas penais é incentivada pelo mundo jurídico, já que
cada Nação deve conservar as suas próprias características, ou
seja, o seus valores, que a tornam única no mundo.
O Direito Penal possui determinados princípios que
devem estar presentes em todas as legislações que prezem pela
mínima intervenção do direito penal na esfera de liberdade dos
indivíduos. O respeito à dignidade humana142 e ao princípio
da humanidade143 é algo que nenhuma legislação penal poderá
deixar de abraçar. As eventuais divergências que possam existir

142
“A noção de dignidade humana, como dado inerente ao ser humano
enquanto tal, encerra, também, a promoção do desenvolvimento livre e
pleno da personalidade individual, projetando-se, assim, culturamente. [...]
O Estado democrático de direito e social deve consagrar e garantir o primado
dos direitos fundamentais, abstendo-se de práticas a eles lesivas, como
também propiciar condições para que sejam respeitados, inclusive com
a eventual remoção de obstáculos à sua total realização. [...] A dignidade
da pessoa humana antecede, portanto, o juízo axiológico do legislador e
vincula de forma absoluta sua atividade normativa, mormente no campo
penal. Daí por que toda a lei que viole a dignidade da pessoa humana deve
ser reputada como inconstitucional. [...] A força normativa desse princípio
supremo se esparge por toda a ordem jurídica e serve de alicerce a todos
os demais princípios penais fundamentais. Desse modo, por exemplo, uma
transgressão aos princípios da legalidade ou da culpabilidade implicará,
também, em última instância, uma lesão ao princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal
brasileiro, 2011, p. 164-166.
143
“O princípio da humanidade, deduzido da dignidade da pessoa humana
como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CR), exclui
a cominação, aplicação e execução de penas (a) de morte, (b) perpétua, (c)
de trabalhos forçados, (e) banimento, (c) cruéis,como castrações, mutilações,
esterilizações, ou qualquer pena infame ou degradante do ser humano (art.
5º, XLVIII, CR). Entretanto , o princípio da humanidade não se limita a
proibir a abstrata cominação e aplicação das penas cruéis ao cidadão livre,
mas proíbe também a concreta execução cruel de penas legais ao cidadãos
condenado [...]” SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral,
2007, p. 29-30.

91
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

devem ser encaradas como uma noção de complementaridade


do sistema e não de contraposição de um sistema para o
outro. O ser humano deve manter os seus direitos e garantias
fundamentais em qualquer lugar em que ele se encontre144.
Assim, pode-se concluir que as diversas legislações
de todas as Nações podem manter determinadas características
que as diferenciam umas das outras – em função das
particularidades de cada país. Porém elas jamais poderão atentar
contra aqueles pressupostos básicos que tornam o homem
digno de sua condição humana145. O respeito às noções básicas
144
Importante sinalizar que em 25 de setembro de 2002 através do Decreto nº
4.388 o Brasil promulgou o Estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal
Internacional que estabeleceu, dentre outras normativas: “(1º) é criado, pelo
presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional (“o Tribunal”). O
Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas
responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de
acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais
nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo
presente Estatuto; (4º) 1. O Tribunal terá personalidade jurídica internacional.
Possuirá, igualmente, a capacidade jurídica necessária ao desempenho
das suas funções e à prossecução dos seus objetivos. 2. O Tribunal poderá
exercer os seus poderes e funções nos termos do presente Estatuto, no
território de qualquer Estado Parte e, por acordo especial, no território de
qualquer outro Estado. (5º) 1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos
crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto.
Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os
seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade;
c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão. 2. O Tribunal poderá exercer a
sua competência em relação ao crime de agressão desde que, nos termos dos
artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e
se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente
a este crime. Tal disposição deve ser compatível com as disposições
pertinentes da Carta das Nações Unidas. www.planalto.gov.br acesso em 22
de março de 2012.
145
“O homem deixa de ser considerado apenas como cidadão e passa a valer
como pessoa, independentemente de qualquer ligação política ou jurídica. O
reconhecimento do valor do homem enquanto homem implica o surgimento
de um núcleo indestrutível de prerrogativas que o Estado não pode deixar de

92
Capítulo III

presentes nos pressupostos do Direito Natural – composto de


princípios básicos, imutáveis, perpétuos, transcendentais, que
não sofrem alterações de geração para geração – constitui-se
na garantia de que se estará livre de arbítrios no que tange a
natureza da condição humana146.
Portanto, o grau de reprovabilidade de uma
determinada conduta sofre alterações em função da maior
ou menor intervenção do Estado na esfera de liberdade dos
indivíduos. E esta intervenção está correlacionada ao Estado
Democrático de Direito ou a um Estado Socialista147, por

reconhecer, verdadeira esfera de ação dos indivíduos que delimita o poder


estatal”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p.
164.
146
“O princípio impõe que todas as relações humanas que o Direito Penal
faz surgir no mais amplo sentido se regulem sobre a base de uma vinculação
recíproca, de uma responsabilidade social frente ao delinqüente, de uma
livre disposição à ajuda e assistência sociais e de uma decidida vontade de
recuperação do condenado”. JESCHECK, H. H. Tratado de Derecho Penal.
Traduzido por Mir Puig e Muñoz Conde, Barcelona: Bosch, 1981, v.1-2.
147
“[...] A aproximação soviética aos princípios do Estado de Direito, com a
reforma de 1958-1960, foi explicada ideologicamente através do argumento
de que a União Soviética estava madura para iniciar a etapa do comunismo,
isto é, a etapa em que se inicia o paulatino desaparecimento do Estado, por
ter cessado a luta de classes, tal como havia declarado o XII Congresso em
1959. A reforma caracterizou-se pela atenuação das penas. A pena de morte
vinha prevista alternativamente com a privação de liberdade. Não obstante,
uns meses depois – entre 1961 e1962 -, a pena de morte foi estendida a vários
delitos e eliminou-se a liberdade condicional para outros, agravaram-se as
penas privativas de liberdade e foram criados novos tipos penais. O sistema
de penas da legislação soviética lembrava muito o da república platônica.
É reconhecido o caráter retributivo da pena. [...] Seu “conceito material de
delito” continuava sendo fundamentado na “periculosidade social”. [...] Se
todo aquele que não participa das “relações” é inimputável, o conceito de
inimputabilidade se estadia a todo aquele que não participava da cultura
soviética”. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual
de Direito Penal Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2011, p. 294-
295.

93
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

exemplo. A intervenção faz parte daquelas características


próprias de cada ordenamento jurídico. Assim é o Estado –
através do seu poder competente – que irá determinar quais
condutas devem conter a marca da reprovabilidade do direito
penal148.
Além do Estado a sociedade desempenha papel
fundamental nesse processo. Pois ela também detém a função de
conceder a nota de reprovabilidade para esta ou aquela conduta.
Ao Poder Legislativo compete a escolha das condutas, porém é
a sociedade que irá definir a reprovação ou não um determinado
comportamento149.

3.2. Afetam de Forma Ínima o Bem Jurídico Tutelado pela


Norma Jurídico-Penal

148
“Se a intervenção penal implica, como regra, mera tecnização dos
conflitos, subtraindo-lhe toda a carga de dramaticidade e humanidade, além
de importar em despenalização e descontextualização, é preciso buscar,
na medida do possível, re-politizá-lo, re-contextualizá-lo e re-humanizá-
lo segundo o sistema de valores e princípios (garantias) da Constituição
Federal. Cumpre reaproximar, enfim, o Direito do Homem, pois mais que
a “verdade processual”, importa a “verdade existencial”. QUEIROZ, Paulo.
Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema
penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 125.
149
“Só as proibições para a vida social merecem adotar o caráter de normas
penais. Só as infrações de tais normas merecem a consideração de delitos.
As normas penais mais indiscutíveis, as que integram o núcleo do Direito
Penal, contam com uma tradição imemorial e tem conseguido um profundo
enraizamento na consciência social. A consideração social do que é um
delito e um delinqüente supõe um juízo de desvalor correspondente àquele
enraizamento e qualitativamente diferenciado do que se atribui à infração
de qualquer outra classe de normas”. MIR PUIG, Santiago apud LOPES,
Maurício Antônio Ribeiro . Derecho Penal – Parte General. 5.ed Barcelona:
PPU, 1998.

94
Capítulo III

Os crimes de bagatela, além de caracterizarem-


se por serem de pouca reprovabilidade podem ser descritos,
também, como aqueles que causam pouca ofensa ao bem
jurídico tutelado pela norma penal150.
Essa concepção decorre de que cabe ao Direito Penal
a função de proteger os bens que a Constituição Federal elegeu
como sendo os mais relevantes para a sociedade. Disso decorre
o direito – exclusivo – do Estado de punir, também conhecido
como jus puniendi151. Ao mesmo tempo em que a Constituição
Federal concede ao Estado o poder máximo de punir, limita-o e
restringe-o. E é através do Princípio da Exclusiva Proteção dos
bens jurídicos que decorre essa limitação. A valoração de um
determinado bem jurídico é realizada, inicialmente, pelo Poder

150
“O pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e
primordial do Direito Penal reside na proteção de bens jurídicos – essenciais
ao indivíduo e à comunidade -, dentro do quadro axiológico constitucional
ou decorrente da concepção de Estado de Direito democrático. Reveste-se tal
orientação de capital importância, pois não há delito sem que haja lesão ou
perigo de lesão (princípio da lesividade ou ofensividade) a um bem jurídico
determinado”. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro:
parte geral. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011,p.
151
“Definir os fins e os limites do direito de punir pressupõe, por conseguinte,
conhecer os fins e os limites dom próprio Estado. E o faz a Constituição
Federal, explícita ou implicitamente, fixando as bases e os limites do direito
penal, que é o braço armado da Constituição Nacional. Os limites do direito
penal são os limites do Estado. [...] A questão decisiva consiste em saber,
portanto, quando a intervenção penal é legítima e conveniente, isto é, saber
se, quando e como deve ter lugar semelhante estratégia, sempre condicionada
pelos valores e princípios constitucionais que, expressa ou tacitamente,
imediata ou mediatamente, regem o direito de punir. Desnecessário dizer
que o juízo de conveniência ou utilidade constitui critério necessário, mas
insuficiente para justificar a intervenção jurídico-penal, pois a pena deve ser
a um tempo justa e necessária”. QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal:
legitimação versus deslegitimação do sistema penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008, p. 113/115.

95
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Constituinte e na sequencia pelo poder legislativo152.


Reza a Constituição Federal brasileira de 1988153 em
seu art. 1º฀ e em seu art. 5º: “Todos são iguais perante a Lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Assim a Constituição Federal de 1988 estabeleceu
como bens jurídicos maiores do Estado Democrático de Direito
brasileiro os direitos à vida, à liberdade, à igualdade além de
possuir como fundamento primordial à dignidade da pessoa
humana.
Percebe-se, portanto, que é com esses bens que
o Direito Penal deve ter uma preocupação maior, já que o
legislador constitucional erigiu-os dentre os mais importantes
para o Estado, sendo esses aqueles que demandam uma maior
proteção154.
152
“O conceito material de bem jurídico reside na realidade ou experiência
social, sobre a qual incidem juízos de valor, primeiro do constituinte, depois
do legislador ordinário. Trata-se de um conceito necessariamente valorado
e relativo, isto é, válido para um determinado sistema social e um dado
momento histórico-cultural. Para defini-lo, o legislador ordinário deve
sempre ter em conta as diretrizes contidas na Constituição e os valores nela
consagrados, em razão do caráter limitativo da tutela penal”. PRADO, Luiz
Régis Prado. Bem jurídico penal e a constituição. 2.ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2011, p. 169.
153
Disponível em <www.planalto.gov.br> acesso em 12 de fevereiro de
2012.
154
“Nas sociedades contemporâneas, em que, como em geral, o papel do
Estado e de suas instituições estão previamente definidos pelas Constituições
promulgadas, as quais,por sua vez, estabelecem os pressupostos de criação,
vigência e execução do resto do ordenamento jurídico, convertendo-se assim
em elemento de unidade, e em cujos textos já se acham constitucionalizados

96
Capítulo III

É neste contexto que se percebe a importância do


princípio da insignificância funcionando ele como basilar do
Direito Penal em um Estado democrático de direito. Para que
haja crime é necessário – primeiramente – que exista uma lesão
ao bem jurídico tutelado pelo Estado pela sua Constituição.
O ingresso do princípio da insignificância dá-se
justamente nesse instante: é necessária uma lesão penalmente
relevante ao bem jurídico – não basta qualquer lesão. “[...]
A tutela penal só é legítima quando socialmente necessária,
imprescindível para assegurar as condições de vida, o
desenvolvimento e a paz social, tendo em conta os ditames
superiores da dignidade e da liberdade da pessoa humana”.155
“As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o
depósito da salvação pública são, por sua própria natureza,
injustas; e tanto mais justas são as penas, quanto mais sagrada
e inviolável é a segurança e maior a liberdade que o soberano

os direitos e garantias fundamentais (entre nós, CF, art. 5º), o papel do direito,
e em particular, do direito penal, parece estar, por consequência, ao menos em
linhas gerais, já constitucionalmente definido”. QUEIROZ, Paulo. Funções
do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 112.
155 “Não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um
bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de
tutela jurídica desses bens. Embora seja certo que o delito é algo mais – ou
muito mais – que a lesão a um bem jurídico, esta lesão é indispensável para
configurar a tipicidade. É por isto que o bem jurídico desempenha um papel
central na teoria do tipo, dando o verdadeiro sentido teleológico (de telos, fim)
à lei penal. Sem o bem jurídico, não há um “para quê?” do tipo e, portanto,
não há possibilidade alguma de interpretação teleológica da lei penal. Sem o
bem jurídico, caímos num formalismo legal, numa pura “jurisprudência de
conceitos”. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual
de Direito Penal Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009, p. 397.

97
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

conserva para com os seus súditos”.156


A necessidade de que uma conduta cause uma lesão
a um determinado bem jurídico tutelado para que se possa falar
em crime decorre do princípio da lesividade que atua sob o
aspecto do poder legislativo, pois, funciona como um regulador
em que se autoriza a criminalização de condutas desde que
exista a lesão ao bem jurídico.
Já no âmbito do Poder Judiciário significa que
compete ao juiz de direito excluir a incidência da norma penal
nos casos em que não houver ofensa ao bem jurídico tutelado.
“Toda pena que não derive da necessidade absoluta, diz o grande
Montesquieu, é tirânica; proposição essa que pode ser assim
generalizada: todo ato de autoridade de homem para homem
que não derive da necessidade absoluta é tirânico”. 157
Assim, os crimes de bagatela também se caracterizam
pelo baixo índice de lesividade que causam aos bens jurídicos
tutelados. O grau de ofensa - quando há - é mínimo. O poder
constituinte é quem “seleciona” os bens jurídicos mais
importantes para a o Estado democrático de direito. Cabendo
ao legislador ordinário tipificar essas condutas concedendo-lhes
um caráter maior ou menor de reprovabilidade de uma conduta.
A ofensa aos bens jurídicos tutelados deve ser
relevante pelo simples fato de que o Direito Penal constitui-
156
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução Lucia Guidicini
e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p. 97
157
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, p. 64.

98
Capítulo III

se em “ultima ratio” e somente deverá ser requisitado quando


a solução do conflito não ocorrer por nenhuma outra área do
Direito Penal. O Direito Penal só está legitimado a agir quando
for estritamente necessário.

3.3. Habitualidade da Criminalidade de Bagatela

Além do baixo índice de reprovabilidade, ou seja, da


pouca ofensa aos bens jurídicos tutelados, os crimes de bagatela
caracterizam-se, ainda, pela habitualidade de suas condutas.
Como já citado anteriormente, a Constituição
Federal de 1988 em seu art. 5º estabeleceu que “todos são iguais
perante a Lei” além da inviolabilidade do direito à igualdade.
Assim, não se pode punir certos segmentos ou protegerem-
se excessivamente outros interesses das vítimas sob pena de
deflagrar-se um processo de discriminação de cunho social
e étnico, violando-se gravemente o princípio da isonomia158
essencial para a sobrevivência do Estado Democrático de
158
“Em Direito, o princípio da igualdade torna-se de mais difícil
conceituação porque o que ele assegura não é a mesma quantidade de direito
para todos os cidadãos. A igualdade nesse sentido é uma utopia.Nela todos
disporiam de igual quantidade de bens, seriam remunerados igualmente e
todas as profissões teriam a mesma dignidade. Nesse mundo, todos seriam
efetivamente iguais. Esta idéia, de uma igualdade absoluta, nunca pode
traduzir-se numa maneira real de alguma sociedade se organizar. Há sempre
distinções pessoais. Alguns são mais talentosos; outros mais esforçados;
outros, ainda, possuidores de um dom especial. A própria habilidade das
pessoas não é igual, o que faz com que algumas se insinuem mais e ascendam
à posição de mando. Enfim, o quadro natural predispõe o homem para ser
desigual”.BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 287.

99
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Direito.
A sanção criminal dada a sua gravidade – interfere
na liberdade das pessoas – deve ser utilizada de forma mínima.
Portanto, melhor punir menos vezes, porém respeitando-se os
princípios da igualdade, lesividade, bem jurídico, intervenção
mínima e é claro a insignificância do que fazê-la de forma a
causar alguma espécie de discriminação. A intervenção penal só
será legítima quando estritamente necessária para a manutenção
da ordem social e econômica.
A problemática dos delitos de bagatela é instigante,
pois ao mesmo tempo em que se retira à tipicidade dos delitos que
causam lesões mínimas aos bens jurídicos tutelados permanecem
eles com uma nota de antijuridicidade ou de ilicitude. Apesar do
grau de ilicitude ser inferior à ilicitude dos demais delitos ela
existe e ainda se faz presente. Como solucionar, então? Está-se
diante de delitos que em função da incidência do Princípio da
Insignificância restam com a sua tipicidade excluída, porém a
nota de contrariedade ao direito permanece159.
Há quem pregue como solução o remanejo desses
159
“A atipicidade conglobante não surge em função de permissões que
a ordem jurídica resignada concede, e sim em razão de mandatos ou
fomentos normativos ou de indiferença (por insignificância) da lei penal. A
ordem jurídica resigna-se a que um sujeito apodere-se de uma joia valiosa
pertencente ao seu vizinho, e que a venda para custear o tratamento de um
filho gravemente enfermo, que não tem condições de pagar licitamente, mas
ordena ao oficial de justiça que apreenda o quadro e lhe impõe uma pena se
não o faz, fomenta as artes plásticas, enquanto que se mantém indiferente à
subtração de uma folha de papel rabiscada”. PIERANGELI. Jose Henrique;
ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 398.

100
Capítulo III

delitos para a esfera civil ou administrativa não permitindo que


se crie na sociedade à sensação de impunidade, haja vista que
apesar do Princípio da Insignificância retirar-lhes a tipicidade
permanece a “contrariedade ao direito”160.
Analisando-se a situação sob um ponto de vista
sociológico os delitos de bagatela causam prejuízos que
não ocasionariam nenhum tipo de caos, seja ele social ou
econômico. Porém, não está escrito em lugar nenhum que as
vítimas de crimes de bagatela devam suportar sozinhas os ônus
decorrentes dessa violência.
Assim, há certos comportamentos que embora
típicos deixam de ser em função do Princípio da Insignificância.
São comportamentos que ferem sim os conceitos sociais e
morais de uma coletividade – além da norma jurídica, pois é
um comportamento tipificado - porém não possuem grau de
reprovabilidade suficiente que enseje a aplicação de uma norma
jurídico-penal e a movimentação de todo o aparato jurídico
visando o seu esclarecimento e a sua posterior condenação.
160
“[....] o minimalismo penal propõe, imediatamente, a máxima contração
do âmbito de atuação do sistema penal, preservando-o, assim, residualmente
[...]; essa contração do sistema operar-se-á principalmente por meio da
descriminalização de condutas para cuja repressão seja inadequada a
intervenção do sistema penal, seja pelos custos sociais que dela resultam,
seja pela ineficácia dessa intervenção, seja, ainda, pela possibilidade de se
poder submeter a controles mais apropriados, jurídicos (civil, administrativo,
processual) ou não, como educação, assistência social, intervenções
comunitárias, etc; outras tantas formas de contração do sistema são propostas:
despenalização, diversificação, adoção do princípio da oportunidade, adoção
de penas alternativas à prisão, com vistas a sua abolição, etc”. QUEIROZ,
Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do
sistema penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 99.

101
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

3.4. Bens Jurídico-Penais que Admitem a Criminalidade de


Bagatela e Espécies de crimes de Bagatela

Em seu artigo 5º161 a Constituição da República


Federativa do Brasil elencou os bens jurídicos considerados
de grande importância para o Estado Democrático Brasileiro
e dentre eles pode-se destacar o respeito à vida e à liberdade.
Assim, este mesmo artigo, por ordem de importância, prevê
que são invioláveis o direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade. A Constituição Federal de 1988
também instituiu o Estado Democrático de Direito. Para José
Afonso da Silva162
Uma análise cuidadosa do bem jurídico penal
reveste-se de grande importância já que o legislador ordinário
somente poderá tipificar determinadas condutas – e determinar
a sua menor ou maior extensão - dentro dos limites previamente
fixados pelo legislador constitucional163. “O bem jurídico
161
Art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes”. <www.planalto.gov.br> acesso em 14
de março de 2012.
162
Os princípios e as tarefas do Estado Democrático de Direito são as
seguintes: “a) princípio da constitucionalidade; b) princípio democrático;
c) sistema de direitos fundamentais; d) princípio da justiça social; e)
princípio da igualdade; f) princípio da divisão de poderes; g) princípio da
legalidade e h) princípio da segurança jurídica. A tarefa fundamental do
Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais
e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.”
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. rev.
São Paulo: Malheiros Editores,1998.
163
“Para defini-lo o legislador deve sempre ter em conta as diretrizes

102
Capítulo III

cumpre duas funções, que são duas razões fundamentais pelas


quais não podemos dele prescindir: a) uma função garantidora,
que emerge do princípio republicano; b) uma função teleológico-
sistemática, que dá sentido à proibição manifestada do tipo
e a limita164”. Há doutrinadores que reconhecem a existência
de outras funções dos bens jurídicos e dentre elas pode-se
destacar: a) a função de garantia ou de limitar o direito de punir
do Estado; b) função teleológica ou interpretativa; c) função
individualizadora; d) função sistemática165.
Disso decorre a importância da lesividade causada
ao bem jurídico. Para que uma conduta seja considerada crime
– concepção material de delito – além da tipicidade deve haver
lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Cuidados
devem-se ter no sentido de elaborarem-se tipos penais baseados
em noções de perigo abstrato supervalorizando-se determinados
bens jurídicos. O que poderá resultar na perda de credibilidade
na norma jurídico-penal.
contidas na Constituição e os valores nela consagrados, em razão do caráter
limitativo da tutela penal. Portanto, encontram-se na norma constitucional
as linhas substanciais prioritárias para a incriminação ou não de condutas.
O fundamento primeiro da ilicitude material deita, pois, suas raízes no texto
magno. Só assim a noção de bem jurídico pode desempenhar uma função
verdadeiramente restritiva”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal
brasileiro, 2011, p. 170.
164
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 402
165
“Em suma, a função limitadora opera uma restrição na tarefa própria do
legislador, a função teleológica-sistemática busca reduzir a seus devidos
limites a matéria de proibição e a função individualizadora diz respeito à
mensuração da pena/gravidade da lesão ao bem jurídico”. PRADO, Luis
Régis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1997, p. 48/49.

103
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

A norma jurídico-penal em um Estado Democrático


de Direito não é aquela que somente descreve formalmente
uma conduta e sim aquela que seleciona dentre muitas
condutas aquelas mais relevantes e principalmente aquelas
que trazem consigo uma ofensividade real (Princípio da
Lesividade e da Ofensividade). Se assim não ocorrer estar-se-á
agindo contrariamente aos princípios basilares previstos pela
Constituição Federal, dentre eles o do Estado Democrático de
Direito.
A teoria do bem jurídico166 penal é muito bem
vinda, pois consegue estabelecer parâmetros para a atuação do
legislador ordinário frente aos limites impostos pelo legislador
constitucional. Esse mesmo legislador deve nortear o seu agir
segundo critérios de justiça e clareza deixando, assim, fora do
espectro de incidência do Direito Penal todos aqueles casos
que nada tenham a ver com a proteção de bens jurídicos. “Toda
manifestação irracionalista no campo do direito penal tem
tentado arrasar com o conceito de bem jurídico167”. Lembrando
166
Considera-se bem jurídico-penal “como sendo um ente (dado ou valor
social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade
individual ou metaindividual reputado como essencial para a coexistência e
o desenvolvimento do homem. Não há como confundi-lo com objeto da ação
ou material que é o elemento sobre o qual incide o comportamento punível
do sujeito ativo da infração penal. O objeto material não é uma característica
comum a qualquer delito, pois só tem relevância quando a consumação
depende de uma alteração da realidade fática ou do mundo exterior”.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 170.
167
“De uma maneira geral todas as manifestações do direito penal autoritário
tenham desacreditado este conceito. O tipo implica o dever de abster-se da
realização da conduta que a norma proíbe. “Quando não se pergunta para
que a norma proíbe essa conduta, só nos resta dizer que o dever se impõe
por si mesmo, porque é capricho, o preconceito, o empenho arbitrário de um

104
Capítulo III

sempre que o Direito Penal só estará legitimado a agir quando


todos os demais meios de solução dos conflitos falharem.
Constitui-se ele em última ratio168.

A - Crimes Contra a vida

Os denominados crimes contra a pessoa, mais


precisamente objetiva-se com esta análise o estudo dos crimes
contra a vida (homicídio, induzimento, instigação e auxílio ao
suicídio, infanticídio e aborto previstos, respectivamente, nos
artigos 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127 e 128, todos do Código
Penal brasileiro) e, dentre estes destaca-se o crime de homicídio,
encontram-se presentes desde as épocas mais remotas no que
se refere à história das sociedades e do próprio direito. Já na
Roma antiga punia-se o que hoje se conhece como homicídio
com o nome de parricidium que naquela época não possuía o
significado que conhecemos hoje, morte dada ao ascendente,
e sim matar qualquer pessoa. A lei das XII Tábuas previa que
legislador irracional. Resultará violado o princípio republicano de governo
(art. 1º da CF), que impõe a racionalidade de seus atos. O direito imporá
um dever pelo próprio dever”. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI.
Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2009, p. 402.
168
“O bem jurídico, como bem do direito, conjuga o individual e o social
(de natureza material ou espiritual) e tem suficientemente importância para
manter a livre convivência social. O conceito material de bem jurídico reside
na realidade ou experiência social, sobre a qual incidem juízos de valor,
primeiro do constituinte, depois do legislador ordinário. Trata-se de um
conceito necessariamente valorado e relativo, isto é, válido para determinado
sistema social e em um dado momento histórico-cultural”. PRADO, Luiz
Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 170.

105
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

juízes especialmente designados para o caso deveriam julgar


crimes de homicídio. Para o direito germânico antigo o direito
era sinônimo de paz e quando ocorria o delito considerava-se
a ruptura deste estado de paz, assim, quando se tratava de um
crime de homicídio o agente era entregue à família da vítima
para que esta pudesse exercer o seu direito de vingança. “O
homicídio considerado delito privado, originava para o ofensor
a perda da paz, situação que o excluía do grupo familiar, ficando
equiparado aos animais dos campos e à mercê de todos, que
tinham, inclusive, o direito de matá-lo169”. Na época de vigência
do direito penal canônico o homicídio era considerado um crime
em que se ofendia a ordem religiosa e a ordem dos homes, assim,
o julgamento era realizado pelo tribunal que primeiro tivesse
conhecimento do ocorrido. Já na Idade Média o homicídio era
punido com a pena capital. Com a época das luzes esta pena,
aos poucos, foi sendo substituída pela prisão celular e pela pena
de trabalhos forçados170.
O bem jurídico protegido pelo delito de homicídio
é a vida humana. A Convenção Americana sobre direitos
humanos, também denominado de Pacto de San José de Costa
Rica, já enunciava em seu art. 4º: “Toda pessoa tem o direito
de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela
lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode

169
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2, 2011,
p. 78.
170
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2, 2011,
p. 78.

106
Capítulo III

ser privado da vida arbitrariamente”. A Convenção europeia


para a proteção dos direitos do homem e do cidadão no artigo
2º ensina que “o direito de qualquer pessoa à vida é protegido
por lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida,
salvo em execução de uma sentença capital, pronunciada por
um tribunal, no caso do crime ser punido com esta penal pena
pela lei”.
O Código Criminal do Império foi sancionado no dia
16 de dezembro de 1830 e a “carta de lei” foi registrada no dia 07
de janeiro 1831 tendo sido publicada no dia seguinte. O Código
Criminal do Império foi recebido com grande entusiasmo na
Europa e teve grande influência sobre o Código Penal Espanhol
que vigorou entre 1848 e 1850. “O Código contemplava a pena
de morte. Não obstante, um caso em que ela foi imposta a um
inocente (Mota Coqueiro), impressionou tanto a D. Pedro II que
este comutou todas as sentenças posteriores em que ela seria
aplicada”.171
Com a proclamação da República em 15 de
novembro de 1889 o governo tinha pressa em revogar o
Código Criminal do Império e em publicar um novo que
171
“O Código Imperial apresenta um texto retributivo, marcado pelo
pensamento contratualista do seu tempo, ainda que apresentasse idéias
de BENTHAM. Seu sistema de “penas fixas”, tabuladas quase que
mateticamente, constitui herança do pensamento francês da revolução. Uma
de suas mais importantes contribuições está na maneira como regulava a
multa, que era estabelecida de acordo com o sistema do dia-multa, com uma
grande analogia com aquele que, no século XX, se conhece como sistema
nórdico”. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual
de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,
p. 191

107
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

fosse coerente com a República e, para tanto, encomendou ao


Conselheiro Baptista Pereira o projeto de um novo Código172.
Com o Decreto 847 de 11 de outubro de 1890 o referido Código
passou a vigorar, porém, no mesmo ano, em 06 de dezembro, o
Decreto 1.127, submetia-o à uma reforma. Na sequencia houve
uma consolidação das leis penais realizada pelo Desembargador
Vicente Piragibe, para seu uso próprio. Esta foi sancionada pelo
Decreto 22.213 de 14 de dezembro de 1932 e vigorou até 31 de
dezembro de 1041. Este Código previa o homicídio doloso e o
homicídio culposo e várias modalidades de qualificadoras cujo
leque foi ampliado em relação ao Código Criminal do Império.
O Código Penal que passou a vigorar em 1º
de janeiro de 1942, inicialmente um projeto de Alcântara
Machado, e que foi revisado por uma comissão formada por

172
“O Código Penal de 1890 previa o delito de homicídio doloso, ao lado da
modalidade culposa, no Título X, ampliando consideravelmente o leque das
circunstâncias qualificadoras. Come feito eram considerados qualificados
o homicídio premeditado; o homicídio perpetrado por agente reincidente,
ou mediante emprego de diversos meios, veneno, substâncias anestésicas,
incêndio, asfixia, inundação, fraude ou abuso de confiança” dentre outras
hipóteses. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume
2, 2011, p. 80. “O Código de 1890 foi sumamente criticado, mas cremos
que essas críticas não possuem tanto fundamento como se tem apregoado.
Frequentemente se refere a ele como possuidor de um texto arcaico e
defeituoso, e essa afirmação não tem sido objeto de uma revisão séria. Muitas
dessas críticas exsurgem mais como fruto da vaidade e da incompreensão.
Não obstante às críticas, o primeiro código penal republicano possuía um
texto liberal, clássico, que simplificou o sistema de penas do código anterior,
ponto que, para seu tempo, significou um sensível avanço sobre o texto do
código imperial, inspirado que foi nos melhores modelos disponíveis (é
notória a influência do Código italiano de Zanardelli), de 1889 e do holandês
de 1881”. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual
de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,
p. 192.

108
Capítulo III

Nelson Hungria, Roberto Lyra, Narcélio de Queiroz e Vieira


Braga com a presidência do Ministro da Justiça Francisco
Campos. O Código Penal possuía uma estrutura similar a de seu
antecessor, na parte especial, ou seja, inicia-se com os crimes
contra a pessoa claramente influenciado pelo código italiano
de 1930. “É um código rigoroso, rígido, autoritário no seu
cunho ideológico, impregnado de “medidas de segurança” pós-
delituosas, que operavam através do sistema “duplo-binário”,
ou da “dupla via”173”.
Com o advento da Constituição Federal de 1988
restou clara a impossibilidade de instituição da pena de morte
no Brasil, abolindo-a de vez de todo o sistema penal. O direito
à vida, que está previsto no artigo 5ª da Constituição Federal
constitui-se no maior bem do ser humano e propaga-se para todo
o ordenamento jurídico. É considerado um direito fundamental
material, ou seja, inerente à condição de ser humano e
indispensável para o seu desenvolvimento. “O que Pontes de
Miranda chama de supra-estatal, procedente dos direitos das
gentes ou direito humano no mais alto grau174”.
173
“O Código de 1940 foi sancionado na vigência da Carta Política de
1937, esta claramente autoritária. Seu sistema de penas e de medidas de
segurança (que na prática constituem recursos formais para prolongar a
pena indefinidamente) não era compatível com a Constituição de 1946. Não
obstante, tal como na Itália, esse sistema se manteve, embora atenuado pela
ação da doutrina e da jurisprudência, mostrando sempre uma dualidade de
concepção do homem que, com o passar do tempo, foi se tornando mais
manifesta e intolerável”. PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI.
Eugênio. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2009, p. 194/195.
174
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 581.

109
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Porém, nenhum direito fundamental expresso na


Magna Carta de 1988, é absoluto e pode sofrer restrições que
permitam a sua convivência harmônica com os demais direitos
fundamentais descritos na Constituição. O direito à vida
encontra restrições na própria Constituição em seu artigo 5º,
inciso XLVII em que se diz que “não haverá penas de morte,
salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”,
ou seja, autoriza a pena de morte em caso de guerra declarada175.
O direito à vida, bem como a proibição da instituição de pena de
morte “não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir os direitos e garantias individuais” (art. 60 §
4º, IV). O que significa dizer que se está diante de uma cláusula
pétrea.

De nada adiantaria a Constituição assegurar outros


direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade,
a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana
num desses direitos. No conteúdo de seu conceito se
175
“Em regra, protege-se à vida, mas nada impede que ela seja perdida, por
ordem do Estado, que se incumbiu de lhe dar resguardo, desde que interesses
maiores devam ser abrigados. O traidor da pátria, em tempo de guerra, não
tem direito ilimitado à vida. A mulher, ferida em sua dignidade como pessoa
humana, porque foi estuprada, merece proteção para decidir sobre o aborto.
O sequestrador pode ser morto pela vítima que atua em legítima defesa.
Enfim, interesses podem entrar em conflito e, conforme o momento,a vida
ser o bem jurídico de menor interesse para o Estado, o que não o torna menos
democrático. Aliás os documentos internacionais que enaltecem os direitos
humanos fundamentais bem o demonstram. A vida é direito fundamental,
somente não podendo ser atacada arbitrariamente, o que não chega a abranger
nem mesmo a possibilidade de aplicação da pena d e morte. Admite-se,
pois, em tese, a existência da pena de morte, sem que isso, por si só, seja
uma violação dos direitos humanos fundamentais”. NUCCI, Guilherme de
Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: editora Revista dos Tribunais,
2008, p. 581/582.

110
Capítulo III

envolvem o direito à dignidade da pessoa humana, o


direito à privacidade, o direito à integridade físico-
corporal, o direito à integridade moral e, especialmente,
o direito à existência176.

O direito à vida é individual e isto decorre do fato de


que ninguém poderá sequer mensurar ou sentir da mesma forma
que um indivíduo a ofensa sofrida em relação ao seu bem maior,
qual seja, o direito à vida. Nesse instante poder-se-ia afirmar que
há um rompimento do princípio da igualdade formal já que o
direito à vida deve ser erigido a situações pessoais e individuais.
Porém caso a situação fosse analisada dessa forma correr-se-ia
o risco de conduzir-se o Direito Penal e um modelo autoritário.
Assim, deve-se sim analisar o direito à vida – sob
todos os seus aspectos – individualmente. Porém não se pode
negar o seu caráter social. O que difere é que cada membro da
sociedade dispõe de uma parcela maior de sua liberdade em prol
da coletividade. E é dentro dessa disposição individual que o
direito à vida desenvolve-se dentro de cada sistema penal.
Desta forma sendo o direito à vida o norteador e
balizador de todo o sistema jurídico do Estado Democrático de
Direito vigente não há que se falar em relativização suficiente
que possa abranger o direito à vida. Ou seja, não há que se falar
em aplicação do princípio da insignificância aos crimes previstos
no Código Penal brasileiro e que tutelam a vida: homicídio;
induzimento, instigação e auxílio ao suicídio; infanticídio
176
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 1998.

111
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

e aborto. Não há possibilidade de aplicação do princípio da


insignificância a um crime de tentativa de homicídio ou de
homicídio, pois, é inviável supor que uma lesão causada à vida
possa ser insignificante. Não há sequer registros na doutrina e
na jurisprudência da possibilidade desta aplicação, pois para
que se possa aplicar o princípio da insignificância e desta forma
promover o afastamento da tipicidade é necessário que se faça
uma análise do ordenamento jurídico como um todo, inclusive,
do princípio da proporcionalidade que, certamente, influencia
na impossibilidade de incidência do princípio da insignificância
a estes crimes.

B - Lesão Corporal

Historicamente, os romanos desconheciam o termo


lesão corporal e identificavam-na como injúria, ou seja, qualquer
ofensa à integridade corporal era assim denominada. “A injúria
consistia na ofensa intencional e ilegítima à personalidade de
outrem. A jurisprudência contribuiu para a denominada injúria
grave e a injúria leve, englobando aquela todas as lesões físicas
e demais ofensas [...]177”. Já na Idade Média as lesões corporais
eram, inclusive, passíveis de punição com a pena de morte e
eram classificadas em golpes, feridas, etc.
Já no Brasil o Código Criminal do Império
177
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, volume 2,
p. 156.

112
Capítulo III

dispunha sobre as lesões corporais no Título II e no Capítulo


I contemplando, com mais importância, as ofensas físicas. O
Código Penal de 1890 em nada alterou a previsão do código
anterior em relação à lesão corporal dispondo no Título X e
Capítulo V sobre a lesão corporal. No Código Penal de 1940 o
crime de lesão corporal está assim subdividido: lesão corporal
simples ou qualificada (grave, gravíssima e seguida de morte),
bem como a lesão corporal culposa. Todas estas modalidades
encontram-se previstas no artigo 129, caput, §1º, §2º, § 3º e
§ 6º, respectivamente. Ressalta-se que a Lei nº. 11.340 de 07
de agosto de 2006 inseriu o delito de violência doméstica no
ordenamento jurídico penal brasileiro, incluindo-se, no artigo
129 o § 9º.
O delito de lesões corporais178 – tanto o descrito
no art. 129 do Código Penal como aquele previsto no art. 303
do Código Brasileiro de Trânsito (Lei nº 9503/97) – tutela a
integridade corporal, ou seja, a incolumidade da pessoa humana
buscando, assim, proteger tanto a integridade física como a
psíquica do ser humano. “O bem jurídico penalmente protegido
é a integridade corporal e a saúde da pessoa humana, isto é,
a incolumidade do indivíduo. [...] Esse bem jurídico protegido
178
“Trata-se de uma ofensa física voltada à integridade ou à saúde do
corpo humano. Não se enquadra neste tipo penal qualquer ofensa moral.
Para a configuração do tipo é preciso que a vítima sofra algum dano ao
seu corpo, alterando-se interna ou externamente, podendo, ainda, abranger
qualquer modificação prejudicial à sua saúde, transfigurando-se qualquer
função orgânica ou causando-lhe abalos psíquicos comprometedores. Não
é indispensável a emanação de sangue ou a existência de qualquer tipo de
dor”. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 623.

113
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

é de natureza individual, devendo preponderar assim, pelo


menos teoricamente, o interesse particular perante o interesse
do Estado179”.
Na exposição de motivos do Código Penal o crime
de lesão corporal é descrito como sendo aquele que causa uma
“ofensa à integridade corporal ou à saúde, isto é, como todo
e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo
humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de
vista fisiológico ou mental”. “Lesão corporal consiste em todo
e qualquer dano produzido por alguém, sem animus necandi, à
integridade física ou a saúde de outrem. Ela abrange qualquer
ofensa à normalidade funcional do organismo humano, tanto do
ponto de vista anatômico quanto do fisiológico ou psíquico180”.
Assim, verificar-se-á a possibilidade ou a
impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao
aludido delito. Poderá ele ser aplicado a todas as modalidades de
lesão corporal? Dolosa? Culposa? Leve? Grave ou gravíssima?
Considerando-se que o direito penal não deve ocupar-
se de situações que tenham ocasionado danos de pequena monta
aos bens jurídicos tutelados poder-se-ia supor que é possível a
aplicação do referido princípio. “É viável não considerar fato
típico a lesão ínfima causada à vítima, pois o direito penal não
deve ocupar-se de banalidades, dependendo, naturalmente,
179
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial
– dos crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 186.
180
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial
– dos crimes contra a pessoa, p. 186.

114
Capítulo III

do caso concreto. Assim, exemplificando, pequenas lesões


causadas culposamente em acidentes de trânsito podem ser
consideradas atípicas181”.
Eis o surgimento de um critério para a aplicação
princípio da insignificância ao crime de lesão corporal. Sendo
esta culposa e o dano causado à incolumidade ser de pouca monta
há possibilidade de aplicação do referido princípio causando-
se assim a atipicidade da conduta. A lesão insignificante não
pode ser confundida com a lesão corporal leve que é punida no
artigo 129, caput, do Código Penal. “Lesão corporal leve (ou
simples) é aquela em que não se perfaz nenhum dos resultados
indicados pela lei como circunstâncias qualificadoras nos §§ 1º,
2º e 3º do artigo 129, ou seja, pode ser definida como a ofensa à
integridade corporal ou à saúde de outrem182”.
Para que haja tipicidade é necessário que a conduta
esteja subsumida à norma e, além disso, deve causar uma lesão
ao bem jurídico tutelado causando uma ofensa de alguma
gravidade para que haja interesse do Direito Penal em tutelar
referida conduta. Assim, para que haja imposição de uma sanção
penal deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade entre a
gravidade da sanção e a efetiva lesão causada ao bem jurídico
tutelado. “A irrelevância ou insignificância de determinada
conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância

181
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 624.
182
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 167.

115
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação


ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão
produzida183”.
Ou seja, muitas situações que se amoldam ao tipo
penal não possuem relevância suficiente que seja capaz de
ensejar a aplicação da sanção penal. Nestes casos, impõem-
se a aplicação do princípio da insignificância objetivando-
se o afastamento da tipicidade, pois, pode-se afirmar que
sequer houve lesão ao bem jurídico tutelado. “Seguindo essa
orientação, sustentamos que à lesão à integridade física ou à
saúde deve ser, juridicamente, relevante. É indispensável, em
outros termos, que o dano à integridade física ou à saúde não
seja insignificante184”.
Através desse raciocínio pode-se concluir que o
princípio da insignificância pode ser aplicado aos delitos de
lesão corporal, pois o direito penal não deve preocupar-se com
bagatelas. Não é incumbência de um sistema penal moderno
estabelecer e punir condutas que causem ínfimas lesões aos
bens jurídicos tutelados pelo Estado. Apesar da conduta
“aparentemente” enquadrar-se na previsão legal não ocorre à
lesão “necessária” para que se possa efetuar a punição. Além
do ajuste à norma é necessário que haja uma lesão significativa
ao bem jurídico tutelado que possa ensejar a movimentação de
183
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte
especial – dos crimes contra a pessoa, p. 189.
184
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte
especial – dos crimes contra a pessoa, p. 189.

116
Capítulo III

todo o sistema jurídico-penal.

A lesão corporal leve pode, a meu ver, justificar a ação


penal, mas aquela que praticamente nada representa
tenho como não caracterizado delito penal. A levarmos
ao extremo rigor ao disposto no art. 129 § 6º do Código
Penal,as Varas Criminais de Trânsito não suportariam o
volume de processo que as onerariam.185

O princípio da insignificância foi acolhido, pela


primeira vez, em um julgamento ocorrido no Supremo Tribunal
Federal em 06 de dezembro de 1988. O Supremo decidiu pela
não instauração de ação penal a uma situação de lesão corporal
insignificante em que o ferimento, conforme a perícia, tratava-
se de uma diminuta lesão de menos de três centímetros de
diâmetro.

EMENTA: Acidente de transito. Lesão Corporal.


Inexpressividade da lesão. Princípio da Insignificância.
Crime não configurado. Se a lesão corporal (pequena
equimose) decorrente de acidente de trânsito é de
absoluta insignificância, como resulta dos elementos
dos autos – e outra prova não seria possível fazer-se
tempos depois – há de impedir-se que se instaure ação
penal que a nada chegaria, inutilmente sobrecarregando-
se as Varas Criminais, geralmente tão oneradas. 186
185
SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o Princípio da Insignificância.
v.3, n. 1, p.37, 1990.
186
Habeas Corpus nº. 66.869-1 oriundo do Tribunal de Alçada do Estado
do Paraná em que foi relator o Ministro Aldir Passarinho julgado em 06 de
dezembro de 1988. Informação disponível no site <www.stf.jus.br> acesso
em 07 de fevereiro de 2012.

117
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Portanto, verifica-se que há possibilidade de


aplicação do Princípio da Insignificância ao delito de lesão
corporal, porém, esta possibilidade deve ser verificada em cada
caso concreto analisando-se a intensidade da lesão provocada
no bem jurídico, bem como, o princípio da proporcionalidade.
Caso se verifique que a lesão produzida no bem jurídico
tutelado é tão ínfima que não chegou a ofendê-lo afastar-se-á a
incidência da tipicidade penal.

C - Crimes Contra a Honra

O Código Criminal do Império, em seus artigos 229


a 236 tipificava os crimes contra a honra: a calúnia e a injúria. O
Código Penal de 1890 manteve-se em idêntica linha de proteção
já aferida pelo Código Criminal do Império ao tipificar as
condutas que resultem em calúnia e injúria. Já o Código Penal
de 1940, em seu capítulo V, dispõe sobre os crimes contra a
honra tipificando as condutas ensejadoras de calúnia, difamação
e injúria previstas, respectivamente, nos artigos 138, 139 e 140
do mencionado diploma legal. A Constituição Federal em seu
artigo 5º, X, declara invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas.

A honra independentemente do conceito que se lhe


atribua, tem sido através dos tempos um interesse

118
Capítulo III

penalmente protegido. Na Grécia e Roma antiga


às ofensas à honra eram regiamente punidas. Entre
os romanos a honra tinha o status de direito público
do cidadão, e os fatos lesivos eram abrangidos pelo
conceito amplo de injúria. Na Idade Média, o Direito
Canônico também se ocupava das ofensas à honra,
como bem jurídico autônomo, não constitui interesse
exclusivo do indivíduo, mas da própria coletividade,
que tem interesse na preservação da honra, da
incolumidade moral e da intimidade, além de outros
bens jurídicos indispensáveis para a harmonia social.187

Em que se constitui a honra? “A honra é o conjunto


de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o
respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É direito
fundamental da pessoa resguardar essas qualidades”.188 “A honra
é um bem jurídico disponível. O consentimento do ofendido, in
casu, figura como causa de justificação, excluindo a ilicitude
da conduta189”. A doutrina divide o conceito de honra em dois
aspectos distintos: um objetivo e outro subjetivo possibilitando,
assim, a tipificação das condutas de calúnia, difamação e injúria
previstas no Código Penal.

É a faculdade de apreciação ou o senso que se faz


acerca da autoridade moral de uma pessoa, consistente
na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua
187
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial.
São Paulo: Saraiva, 2011, p. 314.
188
SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. São
Paulo: Malheiros Editores. 1998, p.212.
189
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2, São
Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 268.

119
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

respeitabilidade no seio social, na sua correção moral;


enfim, na sua postura calcada nos bons costumes.
Essa apreciação envolve sempre aspectos positivos
ou virtudes do ser humano, sendo incompatível
com defeitos e más posturas, embora não se trate de
um conceito absoluto, ou seja, uma pessoa, por pior
conduta que possua em um determinado aspecto, pode
manter-se honrada em outras facetas da sua vida.
[...] Não é demais ressaltar que sua importância está
vinculada á estima de que gozam as pessoas dignas e
probas no seio da comunidade em que vivem. Honra
é, portanto, um direito fundamental do ser humano,
protegido constitucional e penalmente190.

A honra objetiva constitui-se no conceito que a


sociedade ou a coletividade tem sobre o indivíduo. A calúnia
e a difamação ofendem a honra objetiva. Para que ambos os
crimes restem consumados há necessidade que terceiros tomem
conhecimento da ofensa. O sujeito resta ofendido perante a
sociedade. Dessa ofensa poderão ocorrer diversos prejuízos em
nível patrimonial e pessoal, o que poderá ensejar, inclusive, uma
reparação de danos na esfera cível. “Assim, a honra do ponto de
vista objetivo, seria a reputação que o indivíduo desfruta em
determinado meio social, a estima que lhe é conferida191”.
Já a honra subjetiva diz respeito ao amor-próprio.
Ela está vinculada ao conceito que o sujeito possui a respeito
dele mesmo. A injúria ofende a honra subjetiva, pois para que
190
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 658.
191
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2, São
Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 268.

120
Capítulo III

esse crime consume-se é necessário que o próprio sujeito tome


conhecimento da ofensa e sinta-se ultrajado. Não há necessidade
– para a consumação desse delito – que terceiros venham, a
saber, da ofensa.

Honra subjetiva é o julgamento que o indivíduo faz de


si mesmo, ou seja, é um sentimento de auto-estima,
de auto-imagem. É inequívoco que cada ser humano
tem uma opinião afirmativa e constritiva de si mesmo,
considerando-se honesto, trabalhador, responsável,
inteligente, bonito, leal entre outros atributos. Trata-se
de um senso ligado à dignidade (respeitabilidade ou
amor próprio) ou ao decoro (correção moral)192.

Considerando-se que o direito penal não deve


preocupar-se com bagatelas deve-se verificar a possibilidade
ou não de punição das condutas que afetam a honra objetiva e
a honra subjetiva por outros ramos do direito. Esse raciocínio
decorre do fato de que o Direito Penal só deve preocupar-se
com aqueles fatos excepcionalmente lesivos aos bens jurídicos
tutelados pela Constituição Federal.
Os crimes contra a honra são permeados pela
subjetividade e estão atrelados diretamente a um elemento
subjetivo, ou seja, a capacidade ou não da pessoa abstrair
certos fatos do dia-a-dia ou levar em consideração e sentir-se
maculada em sua honra. Porém – apesar da existência desse

192
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 658.

121
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

elemento subjetivo – não há como se afirmar que o princípio da


insignificância não possa ser aplicado aos crimes contra a honra.
Há determinados casos em que não há dificuldade nenhuma em
mensurar-se o prejuízo causado à vítima – ainda que esse seja
de cunho subjetivo. Haverá inúmeros casos em que o prejuízo
causado à vítima é tão insignificante, tão ínfimo que a aplicação
de uma sanção penal torna-se totalmente desproporcional em
relação ao fato.

D - Crimes Contra o Patrimônio

O art. 5º, caput, da Constituição Federal preconiza


que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade”. Desta forma o
direito à propriedade situa-se junto com os demais direitos
fundamentais.
O bem jurídico protegido pelos crimes contra o
patrimônio descritos no título II, capítulo I, da parte especial
do Código Penal, é o patrimônio. “Bens jurídicos protegidos
diretamente são a posse e a propriedade de coisa móvel, como
regra geral, e admitimos também a própria detenção como
objeto da tutela penal, na medida em que usá-lo, portá-lo ou
simplesmente retê-lo já representa um bem para o possuidor ou

122
Capítulo III

detentor da coisa193”.
Os delitos contra o patrimônio são aqueles que
mais instigam o estudo acerca da possibilidade de afastamento
da tipicidade pela incidência do Princípio da Insignificância.
Para que haja a incidência da norma penal protegendo os bens
jurídicos os ataques devem ser significativos e que realmente
causem um dano expressivo ao bem jurídico tutelado.
Baseando-se nos princípios da subsidiariedade, da lesividade e,
em especial, da proporcionalidade, é que se chega à conclusão
de que o Direito Penal só deve ocupar-se daqueles casos em
que os demais ramos do direito não tenham sido capazes de
solucionar, dado o seu caráter fragmentário.
No direito romano, inicialmente, o furto era tratado
como um crime privado. Foi com a Lei das XII Tábuas194 que
193
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial
– dos crimes contra o patrimônio até dos crimes contra o sentimento
religioso e o respeito aos mortos. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 03. Em igual
sentido: “[...] figurando como objeto de proteção tanto a propriedade como
a posse e a detenção, pois mostra-se evidente quanto aos dois últimos casos
a existência de interesse na coisa furtada”. PRADO, Luiz Régis. Curso de
Direito Penal brasileiro, volume 2. São Paulo: editora Revista dos Tribunais,
2011, p. 409. Em sentido contrário: “O objeto jurídico é o patrimônio do
indivíduo, que pode ser constituído de coisas de sua propriedade ou posse,
desde que legítimas. A mera detenção, em nosso entender, não é protegida
pelo direito penal, pois não integra o patrimônio da vítima”. NUCCI,
Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: editora Revista
dos Tribunais, 2008, p. 724..
194
“Dispunha textualmente a tábua oitava: inciso XII – se alguém cometeu
um furto à noite e foi morto, seja o causador da morte absolvido. Inciso
XIII – Mesmo que o ladrão esteja roubando a pleno dia, não terá direito de
se defender com armas. Inciso XIV – O ladrão confesso (preso em flagrante
delito) sendo um homem livre, será vergastado por aquele a quem roubou;
se é um escravo será vergastado e precipitado da Rocha Tarpéia; mas, sendo
impúbere será apenas vergastado a critério do magistrado e condenado a

123
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

o furto deixou de ser um delito privado e passou a ser tratado


como crime. “O direito germânico distinguia o furto do roubo,
definindo aquele como a subtração clandestina de uma coisa que
se encontra sob a custódia alheia, enquanto este era enfocado
como a subtração pública da coisa195”. Na época do Brasil
colonial o crime de furto foi severamente punido, seguindo-se
a tendência das legislações da época, inclusive, com pena de
morte em caso de reincidência. O Código Criminal de Império
previa o crime de furto no seu artigo 275 “tirar a cousa alheia
contra a vontade de sue dono, para si ou para outro: Penas – de
prisão com trabalho por dous mezes a quatro annos e de multa
de cinco e vinte por cento do valor furtado”. O Código Penal
em vigor prevê no artigo 155 no delito de furto com a conduta
de “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Pena –
reclusão de 1 (um) a 4 (anos), e multa”.
O núcleo do tipo é composto pelo verbo “subtrair”
e significa “tirar, fazer desaparecer ou retirar e, somente
em última análise, furtar (apoderar-se) [...] o simples fato de
alguém tirar coisa pertencente a outra pessoa não quer dizer,
automaticamente, ter havido um furto, já que se exige, ainda,o
ânimo fundamental, componente da conduta de furtar, que é o

reparar o dano. Inciso XVI – No caso de um furto manifesto, que a pena


contra o ladrão seja do duplo do objeto furtado”. PRADO, Luiz Régis.
Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2. São Paulo: editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 404.
195
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2. São
Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 405.

124
Capítulo III

assenhorear do que não lhe pertence196”.


O furto constitui-se na subtração de coisa alheia
móvel, com ânimo de apoderar-se definitivamente, porém, sem o
emprego de violência e de grave ameaça. Assim, trata-se de uma
das hipóteses em que suscita-se a possibilidade de afastamento
da tipicidade com a utilização do Princípio da Insignificância.
“Coisas de ínfimo valor e princípio da insignificância podem
ser objeto do crime de furto, embora se deva agir com cautela
nesse contexto, em face do princípio da insignificância (crimes
de bagatela). O direito penal não se ocupa de insignificâncias
(aquilo que a própria sociedade concebe ser de somenos
importância), deixando de considerar fato típico a subtração de
pequeninas coisas de valor nitidamente irrelevante197”.
Há várias situações em que a conduta foi considerada
atípica por conta do princípio da insignificância justamente em
função da ausência de violência contra a pessoa – a violência no
delito de furto é contra a coisa.
O Direito Penal não cuida de bagatelas e a ele não
interessam os delitos que causam lesões consideradas ínfimas
ao bem jurídico tutelado. Assim, os danos que causam pouca ou
nenhuma lesão ao bem jurídico tutelado não merecem a atenção
do Direito Penal. O motivo é o de que haveria um desrespeito
aos princípios da proporcionalidade e da lesividade. Por menor
196
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 717.
197
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 719.

125
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

que fosse a pena aplicada ao caso concreto ainda assim não


haveria como se mensurar adequadamente a lesão, a conduta e
a sanção efetivamente aplicada.
Há muitas divergências em relação ao critério a ser
mensurado para que se possa determinar que um determinado
delito de furto resultou em uma lesão ínfima ao patrimônio. O
primeiro critério refere-se ao valor do maior salário mínimo
vigente à época do fato. Outros, ainda, entendem que a situação
econômica da vítima não pode ser levada em consideração. Em
oposição há quem diga que é a situação econômica da vítima
que deve ser mensurada.
Não há, ainda, um critério pré-estabelecido no que
se refere ao valor da coisa subtraída pelo agente para que a sua
conduta seja considerada insignificante. Utiliza-se, também,
como critério auxiliador para a aferição da insignificância o
valor em que a Fazenda Pública não ingressa com execução
fiscal.
Por fim, não se pode confundir o fruto privilegiado
previsto no artigo 155 § 2º com a atipicidade da conduta cujo
efeito decorre da incidência do Princípio da Insignificância. Ou
seja, o valor reduzido198 da coisa subtraída juntamente com a
198
“Há controvérsias em relação ao que se poderá considerar de “pequeno
valor”: “em geral a doutrina compreendia como pequeno valor aquele
aquele cuja perda pudesse ser suportada sem muitas dificuldades ou que
não causasse dano à generalidade dos homnes. Mais recentemente, tem sido
aceito o critério do valor do salário mínimo para delimitá-lo. [...] Acredita-
se que a melhor solução seja mitigar as circunstâncias do caso concreto, ou
seja, analisar as condições financeiras da vítima e comparar com o salário

126
Capítulo III

primariedade do agente, resultam na possibilidade de mensurar-


se a conduta do agente com um grau menor de reprovação.
Ressalta-se, ainda, que tal figura típica é uma causa especial de
diminuição de pena também conhecida como minorante e não
uma causa de absolvição do agente.
Assim, tratando-se de lesão pequena, ínfima ao
bem jurídico tutelado que não chega a ofendê-lo, ou seja, não se
podendo considerar que houve ofensa ao bem jurídico tutelado
considera-se possível a aplicação do princípio da insignificância
e o consequente afastamento da tipicidade199.
O delito de roubo, descrito pelo Código Penal em
seu artigo 157 prevê a conduta de “Subtrair coisa móvel alheia,
para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência
à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido
à impossibilidade de resistência”. A exposição de motivos da
Parte Especial do Código Penal disciplina que “a violência como
elementar do roubo, segundo dispõe o projeto, não é somente
a que se emprega para o efeito da apprehensio da coisa, mas
também a exercida post factum, para assegurar o agente, em
seu proveito, ou de terceiro, a detenção da coisa subtraída ou a

mínimo vigente ao tempo do fato, todavia sem critérios absolutamente


matemáticos”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro,
volume 2. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 415
199
“É praticamente pacífico que não haverá furto quando da subtração de
algo que tem valor econômico irrelevante, como nos casos de subtração de
um alfinete, um palito, uma flor vulgar, uma folha de papel. [...] Já tem
decidido, aliás, que não se configura o ilícito quando são subtraídas coisas de
ínfimo valor”. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal volume
2. São Paulo: Atlas, 2010, p. 197/198.

127
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

impunidade”.
Nas Ordenações Filipinas o delito de roubo
era previsto no Livro V, Título LXI200. Os Códigos Penais
brasileiros (1830, Império, 1890, Republicano e 1940, o atual)
sempre reconheceram as diferenças existentes entre o crime de
furto e o delito de roubo. Mas, “somente o atual Código Penal
purificou a figura do crime de roubo, ao afastar dela a violência
contra a coisa, que, com acerto, vai alojar-se no crime de furto
qualificado. A grave ameaça à pessoa foi inovação acrescentada
pelo atual diploma legal [...]201”.
O roubo é um crime complexo assim identifica-se
que com a sua prática ocorre violação a mais de uma espécie de
bem jurídico. Inicialmente, com a subtração verifica-se que o
bem jurídico protegido pelo Estado é o patrimônio e em relação
à violência e à grave ameaça tutela-se e liberdade individual e
a integridade corporal.Esse delito ofende a integridade física da
vítima, a sua liberdade individual além, é claro, da posse e da

200
“Pessoa alguma, de qualquer qualidade que seja, não tome cousa alguma
per força e contra vontade daquelle, que a tiver em seu poder. E tomando-a
per força, se a cousa assi tomada valer mais de mil reis, morra por isso morte
natural. E se valer mil reis, ou dahi para baixo, haverá as penas, que houvera,
se a furtara, segundo for a valia della. E a pessoa, a que for provado, que
em caminho, ou no campo, ou em qualquer lugar fora de povoação tomou
per força, ou contra a vontade a outra pessoa cousa, que valla mais de cem
reis, morra de morte natural. E sendo de valia de cem reis para baixo, seja
açoutado e degradado para sempre para o Brazil”. PRADO, Luiz Régis.
Curso de Direito Penal brasileiro, volume 2. São Paulo: editora Revista dos
Tribunais, 2011, p. 434.
201
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial
– dos crimes contra o patrimônio até dos crimes contra o sentimento
religioso e o respeito aos mortos. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 68.

128
Capítulo III

propriedade (para alguns autores a detenção).


Sendo o roubo, portanto, um crime em que há
violência ou grave ameaça à pessoa, além da subtração, há clara
impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância,
ainda, que o objeto subtraído constitua-se em um valor ínfimo202.
Apesar do mínimo prejuízo, este não consegue operacionalizar
o desvalor da ação frente à gravidade do delito praticado pelo
agente.
Ressalta-se ser amplamente majoritária a corrente
que prevê a inaplicabilidade do Princípio da Insignificância ao
crime de roubo. O Princípio da Insignificância “não pode ser
aplicado no contexto do roubo. Trata-se de crime complexo,
que protege outros bens além do patrimônio. De forma que a
violência ou a grave ameaça não podem ser consideradas de
menor relevância, configuradora do delito de bagatela203”.

E - Contrabando ou Descaminho

O crime de contrabando ou descaminho204 é previsto


202
“Evidentemente, não é possível no que relaciona ao roubo a aplicação do
princípio da bagatela, já que se trata de infração em que se pratica violência
ou ameaça. Tratando-se do uso de meios que podem lesar seriamente bens
jurídicos importantes, a integridade física e a tranquilidade psíquica, não se
pode considerar irrelevante o fato para os efeitos penais”. MIRABETE, Júlio
Fabbrini. Manual de direito penal volume 2. São Paulo: Atlas, 2012, p. 210.
203
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 735.
204
“O próprio direito romano não ignorou o crime de contrabando, impondo-
lhe penas severíssimas, sendo, inclusive, fortalecidas na Idade Média, com

129
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

no Código Penal brasileiro no Título XI, do Capítulo I, dentre


os crimes contra a administração pública. “O conceito de
Administração Pública abrange, atualmente, toda a “atividade
funcional do Estado e dos demais entes públicos”, trazendo
este Título do Código Penal juma gama de delitos voltados à
proteção da atividade funcional do Estado e seus entes, variando
única e tão-somente o objeto específico da tutela penal205”.
O objeto jurídico protegido por este crime é a
Administração Pública. “No contrabando, tutela-se o prestígio
da Administração Pública, o interesse socioeconômico do
Estado e, ainda, a saúde, moralidade e a segurança públicas e,
por vezes, o produto nacional. No descaminho, é o prestígio
da Administração Pública e o interesse socioeconômico do
Estado206”. “Não se discute que o crime de contrabando ou
a aplicação de confisco, mutilações, pena de morte, etc., especialmente se
o crime fosse cometido por quadrilha, à mão armada ou por reincidente, já
naquela época. [...] Na legislação brasileira, o Código Criminal do Império
(1830) tipificava o crime de contrabando (art. 177) como integrante “Dos
crimes contra o tesouro público e a propriedade pública”, inserto na segunda
parte do Título VI. O Código Penal de 1890, por sua vez, prescrevia o crime
de contrabando (art. 265) no Título VII que tratava “Dos Crimes contra a
Fazenda Pública”. Por fim, o legislador de 1940, seguindo as codificações
anteriores, manteve a criminalização de contrabando e descaminho no
mesmo dispositivo legal (art. 334), tratando-os como se tivessem o mesmo
significado, ignorando a realidade das coisas, inclusive o desvalor da ação,
uma vez que uma coisa é exportar ou importar coisa proibida e outra,
absolutamente distinta, é praticar a mesma conduta, somente tendo como
objeto coisa lícita, permitida”. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
Direito Penal: parte especial – 2011. Dos crimes contra a administração
pública e dos crimes praticados por prefeitos. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
218.
205
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo:
editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 1055.
206
PRADO, Luiz Régis. Comentários ao código penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, p. 948.

130
Capítulo III

descaminho ofende relevantes interesses públicos, não apenas


da Administração Pública, como também do erário público e da
própria soberania nacional207”.
Verifica-se que o legislador optou por inserir as
condutas ensejadoras dos delitos de contrabando e descaminho
no mesmo tipo penal e, aparentemente, tratando-as em situação
de igualdade. O contrabando está configurado pelos verbos
“importar” e “exportar” já o descaminho pela conduta de
“iludir”. Ou seja, tem-se o delito de contrabando quando o
agente importa (leva para fora do país) ou exporta (traz para
dentro do país) mercadoria proibida. E o descaminho ocorre
quando o agente frauda o pagamento de imposto devido total
ou parcialmente. O sujeito passivo do crime de contrabando
é a União enquanto que no delito de descaminho são sujeitos
passivos a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os
Municípios.
No delito de contrabando o agente importa (faz entrar
no país) ou exporta (faz deixar o país) mercadoria proibida. O
delito de descaminho caracteriza-se quando o agente importa
207
“O contrabando pode ofender a saúde, a moral, a higiene e até a indústria
nacional. A materialidade do crime de contrabando, em síntese, consiste na
exportação ou importação de mercadoria proibida. [...] O descaminho, por
sua vez, é, fundamentalmente, um ilícito de natureza fiscal, lesando somente
o erário - particularmente a aduana nacional -, constituindo, numa linguagem
não técnica, um “contrabando contra o fisco”. A simples introdução no
território nacional de mercadoria estrangeira sem pagamento dos direitos
alfandegários, independentemente de qualquer prática ardilosa visando
iludir a fiscalização, tipifica o crime de descaminho”. BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. Dos crimes contra
a administração pública e dos crimes praticados por prefeitos. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 219/220.

131
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

ou exporta mercadoria permitida, ou seja, cuja importação


ou exportação é autorizada pelo país, porém, frustra, total ou
parcialmente, o pagamento devido à título de imposto.
Portanto, verifica-se que são crimes (contrabando
e descaminho) praticados em detrimento da Administração
Pública sem a utilização de qualquer espécie de violência ou
de grave ameaça. Verifica-se que o crime de descaminho nada
mais é do que uma fraude ao pagamento de tributos aduaneiros
constituindo-se, assim, em um mero ilícito fiscal. “O Código
equiparou institutos que têm conteúdos distintos, tutela bens
jurídicos diversos e que têm objetos materiais e significados
igualmente diferentes, mas que, por opção político-criminal,
produzem as mesmas consequências jurídico-penais208”.
Assim, em relação ao crime de descaminho previsto
no artigo 334 do Código Penal que, em verdade, configura-se
em um verdadeiro ilícito administrativo209, aproximando-se dos
princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e do
caráter subsidiário e fragmentário do direito penal verificar-se-á

208
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial
– dos crimes contra a administração pública e dos crimes praticados por
prefeitos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 227.
209
É importante ressaltar o que dispõe o artigo 34 da Lei 9.249/1995
que se aplica a todos os crimes fiscais, inclusive o descaminho, exceto
ao contrabando em que não há tributo sonegado e sim a importação ou a
exportação de mercadoria proibida: “extingue-se a punibilidade dos crimes
definidos na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei 4.729, de 14
de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou
contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.
Informação extraída do site <www.planalto.gov.br> acesso em 08 de janeiro
de 2012.

132
Capítulo III

que há possibilidades concretas de aplicação do princípio da


insignificância objetivando a exclusão da tipicidade.

No delito de descaminho o bem jurídico tutelado é o


Erário Público, que deixa de arrecadar quando o tributo
é iludido. Portanto, a mercadoria apreendida não pode
ser critério informador do crime de bagatela, visto
que é sobre a mercadoria que incide o tributo e é este
tributo que o estado deixa de arrecadar. Então para que
se possa fazer incidir o Princípio da Insignificância
no delito de descaminho, deve-se analisar a alíquota
que incide sobre a mercadoria, e sobre este percentual,
ou seja, o tributo que deixou de ser recolhido, é dizer,
iludido, é que deve ser o critério considerado para a
apreciação do crime de bagatela.210

Para que se possa agregar a uma determinada


conduta a característica de tipicidade é necessário que haja
uma ofensa cuja gravidade seja significativa a um bem jurídico
tutelado pelo Estado. Não é qualquer ofensa que será suficiente
para ensejar a aplicação da sanção penal sendo necessária a
análise do princípio da proporcionalidade para que se verifique
se além da subsunção do fato à norma há lesão efetiva ao bem
jurídico tutelado.
Desta feita, tratando-se de crime de descaminho em
que a quantidade de mercadorias estrangeiras é ínfima trata-se de
hipótese passível de aplicação do Princípio da Insignificância,
210
CALLEGARI, André Luis. O critério da bagatela para o crime de
descaminho e o Princípio da Insignificância.. Estudos Jurídicos. v.30, n. 78,
p.78 jan./abril. 1997.

133
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

ou seja, em situações como esta é possível afastar a incidência


da tipicidade, pois, a lesão ao bem jurídico tutelado não foi
suficiente para que se pudesse aplicar a norma penal. Assim já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “O ingresso irregular
de mercadorias estrangeiras em quantidade ínfima por pessoas
excluídas do mercado de trabalho que se dedicam ao “comércio
formiga”, não tem repercussão na seara penal, à míngua de
efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a
hipótese no princípio da insignificância211”.
Há divergências doutrinárias em relação ao critério
utilizado para aferir a insignificância: valores das mercadorias
ou valores do tributo que deveria ter sido recolhido e não o foi.
Há autores que consideram o valor do tributo não recolhido,
pois, o valor da mercadoria apreendida será sempre superior
ao valor do tributo iludido, isto é, que deveria ter sido pago
à União e efetivamente não o foi. Há quem sustente que o
critério utilizado deverá ser o que corresponde ao valor das
mercadorias, pois, é sobre este que incidirá a alíquota referente
ao tributo devido. E, finalmente, outros defendem a posição
que é indiferente o critério a ser adotado, ou seja, poderá ser o
211
REsp nº 234.623/PR, Relator Ministro Vicente Leal, DJ. 3 abril.2000.
Disponível no site <www.stj.gov.br> acesso em 03 de março de 2012. No
mesmo sentido: “No caso sub examine (descaminho), a pequena quantidade
e o ínfimo valor da mercadoria de procedência estrangeira apreendida
em poder o acusado autoriza a aplicação do princípio da insignificância.
Peculiaridades do caso que evidenciam não ter o recorrido agido dolosamente
para fraudar o fisco. Absolvição que deve ser mantida, por se harmoniza
o arresto recorrido como jurisprudência desta Corte”. REsp. 124.897-CE,
5ª T., relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJU 21.02.2000, p.148.
Disponível no site <www.stj.gov.br> acesso em 03 de março de 2012.

134
Capítulo III

valor das mercadorias ou o valor do tributo devido, pois, o que é


relevante para a incidência do princípio da insignificância é que
o prejuízo causado seja ínfimo. “O princípio da insignificância
encontra aplicação neste delito. A introdução, no território
nacional, de mercadoria proibida, mas em quantidade ínfima,
ou o não pagamento de pequena parcela do imposto devido
configuram típicas infrações e bagatela, passíveis de punição
fiscal, mas não penal”.

Entretanto, é de destacar que como o tipo penal não


estabelece um valor para a aplicação do princípio da
insignificância ao delito de descaminho, os tribunais
vêm atrelando as suas decisões à parâmetros díspares
fixados pela oscilante política fiscal e econômica do
governo (v.g., ora R$ 5.000,00, ora R$ 10.000,00),
utilizados para fins meramente fiscais. Essa postura
tem gerado decisões aleatórias e contraditórias, sem
nenhum critério técnico-científico penal. A restrição
típica decorrente da aplicação do Princípio da
Insignificância – que elide a tipicidade da conduta –
não deve ficar ao sabor de tais elásticos critérios, ou
mesmo de simples interpretações pessoais do julgador,
mas sim deve ater-se à valoração socioeconômica
média vigente no país, em determinado momento
histórico212.

Grande parte dos delitos de descaminho relaciona-


se àquelas pessoas que estão na economia informal, ou seja,
cujos negócios não obedecem à tramitação regular. A economia
212
PRADO, Luiz Régis. Comentários ao código penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, p. 950.

135
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

informal existe em grande número no Brasil e estas pessoas, não


raras vezes, buscam em outros países ou mercados, mercadorias
cujos preços são mais convidativos do que no Brasil. O não
recolhimento destes impostos oriundos de descaminho, ou
seja, da economia informal, gera um prejuízo ínfimo à União,
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, que nem
sequer pagaria toda a movimentação da máquina administrativa
necessária para efetuar-se a cobrança do delito. “A irrelevância
ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não
apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido,
mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto
é, pela extensão da lesão produzida213”.
Desta forma, para que se possa realizar a incidência
da norma jurídica penal faz-se necessário que haja uma
introdução significativa de mercadorias sem o pagamento de
referido tributo, pois, na ausência de um valor suficiente não
há que se falar em incidência da norma penal. Insta ressaltar
que a própria Receita Federal somente ingressa com a execução
fiscal214 e realiza a inscrição na dívida ativa quando o seu prejuízo

213
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial.
Dos crimes contra a administração pública e dos crimes praticados por
prefeitos. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 235
214
A Lei 10.522/2002 em seu artigo 20 com as devidas alterações promovidas
pela Lei 11.033/2004 dispõe que “serão arquivados, sem baixa na
distribuição, mediante requerimento do procurador da Fazenda Nacional, os
autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União
pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor
consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)”. Informação
extraída do site <www.planalto.gov.br> em 08 de janeiro de 2012.

136
Capítulo III

atinge um valor determinado215. Há, também, as mercadorias


que ingressam no país como bagagem sendo que estas não são
tributadas. Assim, a conduta de quem ingressa com mercadorias
permitidas no país, porém, não realiza o recolhimento dos
tributos devidos, cujo valor seja inferior aquele em que a Receita
Federal sequer ingressa com isenção fiscal, será considerada
atípica pela incidência do Princípio da Insignificância.
A grande problemática envolvida na aplicação do
princípio da insignificância está no estabelecimento do critério
para a aferição da insignificância. Vários já foram expostos,
porém, como não há adoção de um critério único, bem como,
o tipo penal nada diz sobre este fato há muitas decisões
divergentes no que pode gerar insegurança jurídica. “Para
solucionar o impasse gerado pela divergência jurisprudencial,
215
Os bens de uso e consumo pessoal, e livros, folhetos e periódicos são
isentos de tributos; as unidades excedentes aos limites quantitativos serão
armazenadas para despacho comum de importação (mediante tributação
comum, utilizando-se, por exemplo, as alíquotas constantes da Tarifa
Externa Comum do MERCOSUL para o cálculo do imposto de importação);
os bens em quantidades que não excedam aos limites quantitativos serão
tributados a uma alíquota única de 50% (Regime de Tributação Especial),
aplicada sobre o valor global que exceda o limite estabelecido para a via de
transporte (US$ 500,00, para viajante que ingresse no País por via aérea ou
marítima; e US$ 300,00, para via terrestre, fluvial ou lacustre). – O limite
de valor (US$ 500,00, para viajante que ingresse no País por via aérea ou
marítima) foi mantido. Contudo devem ser observados ainda os seguinte
limites quantitativos: I - bebidas alcoólicas: 12 litros, no total; II - cigarros:
10 maços, no total, contendo, cada um, 20 unidades; III - charutos ou
cigarrilhas: 25 unidades, no total; IV - fumo: 250 gramas, no total; V - bens
não relacionados nos itens I a IV (souvenirs e pequenos presentes), de valor
unitário inferior a US$ 10,00: 20 unidades, no total, desde que não haja mais
do que 10 unidades idênticas; e VI - bens não relacionados nos incisos I a V:
20 unidades, no total, desde que não haja mais do que 3 unidades idênticas.
Informação do site <www.receita.fazenda.gov.br> acesso em 07 de janeiro
de 2012.

137
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

o ideal seria que o legislador penal fizesse inserir no tipo em


epígrafe o quantum mínimo exigível para a aplicação de tal
principio. Como lamentavelmente não há tal previsão legal,
tem-se a utilização de referências (em geral, extrapenais) as
mais variadas, com flagrante violação do princípio da segurança
jurídica, basilar em um Estado Democrático de Direito216”.
É certo que, se houvesse previsão, no próprio tipo do
delito de descaminho, dado quantum necessário para a incidência
da tipicidade penal não se estaria diante desta insegurança
gerada pela aplicação ou não do princípio da insignificância,
pois, não se sabe ao certo quais são os valores geram o delito
de descaminho e quais fazem incidir, exclusivamente a norma
fiscal já que se tratam de meros ilícitos fiscais.
Deve-se acolher o entendimento de que sendo
o valor do prejuízo mínimo e, portanto, não causando danos
relevantes ao Erário Público, não há porque se caracterizar o
delito e se aplicar qualquer sanção de natureza penal, haja vista
a grande desproporção que ocorreria entre a sanção aplicada e a
conduta praticada. É esse um autêntico caso em que a conduta é
formalmente típica, porém não o é materialmente, pois para que
seja há a efetiva necessidade de ofensa ou prejuízo relevante
ou significativo ao bem jurídico tutelado. Qualquer pena de
natureza penal aplicada a estes casos ensejaria uma grande
desproporção e consequentemente um grave desrespeito ao
216
PRADO, Luiz Régis. Comentários ao código penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, p. 951.

138
Capítulo III

Princípio da Proporcionalidade.
Assim, o princípio da insignificância deve ser
aplicado ao delito de descaminho levando-se em consideração
o valor do imposto devido ao Erário Público e não o valor das
mercadorias apreendidas. Valor esse que poderá chegar até
a cinco mil reais (segundo o entendimento da jurisprudência
majoritária).

F - Aplicação às situações previstas na Lei nº. 11.343 de 23 de


agosto de 2006.

A Lei 11.343 de 2006 entrou em vigor em


substituição à Lei 6.368 de 1976º bjetivando a punição das
condutas relacionadas às substâncias entorpecentes. Trata-se
de norma penal em branco, ou seja, norma que necessita de
complementação no seu preceito primário. A complementação
desta norma penal em branco é realizada por um órgão do
governo, ou seja, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) que é o responsável por informar quais são as
substâncias entorpecentes consideradas proibidas. Atualmente,
encontra-se em vigor a Portaria nº 344 de 12 de maio de 1998.
No artigo 28217, da referida lei, está prevista a
217
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer
consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à
comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso
educativo. § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo

139
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

conduta de quem “adquire, guarda, tem em depósito, transporta


ou traz consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização,
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
“Denominamos de ínfimo potencial ofensivo o crime previsto
no artigo 28 desta Lei, tendo em vista que, mesmo não sendo
possível a transação, ainda que reincidente o agente, com maus
antecedentes ou péssima conduta social, jamais será aplicada
pena privativa de liberdade218”.
Grande debate jurídico decorre do fato de que na
legislação anterior a conduta descrita no parágrafo anterior era
punida com pena de detenção no artigo 16 da Lei 6.368/76:
“adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substâncias
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica,
pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena
quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou
psíquica. § 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal,
o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local
e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e
pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3o As penas
previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo
máximo de 5 (cinco) meses. § 4o Em caso de reincidência, as penas previstas
nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo
de 10 (dez) meses. § 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida
em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais,
hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins
lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou
da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6o Para garantia do
cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II
e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo,
sucessivamente a: I - admoestação verbal; II - multa. § 7o O juiz determinará
ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente,
estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento
especializado. Informação extraída do site <www.planalto.gov.br> acesso
em 11 de janeiro de 2012.
218
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais
Comentadas. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 303.

140
Capítulo III

sem autorização ou em desacordo com determinação legal


ou regulamentar: Pena: detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa”
já a conduta descrita do artigo 28 da nova lei não prevê mais a
existência de pena e sim de outras medidas.
Uma das grandes divergências relativas ao artigo 28
está centrada na natureza jurídica da referida infração. Trata-
se de uma infração de natureza penal, administrativa? É um
crime ou uma contravenção? Parte da doutrina sustenta tratar-
se de infração sui generis, pois não se trata de crime e nem
de contravenção pelo motivo de que não há mais cominação
de pena de prisão e sim, apenas, de medidas alternativas.
Ocorre que no Brasil adota-se o sistema bipartido em relação às
infrações penais o que significa que estão divididos em crimes
e contravenções penais. Assim, a conduta descrita no artigo 28
da referida lei não se encaixa no conceito de crime e nem no
conceito de contravenção. “De qualquer maneira o fato não
perdeu o caráter de ilícito (recorde-se a posse de drogas não foi
legalizada). Constitui um fato ilícito, porém, não penal, sim sui
generis. Não se pode de outro lado afirmar que se trata de um
ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser
aplicadas não por uma autoridade administrativa, sim, por um
juiz. Em conclusão: nem é ilícito “penal” nem “administrativo”:
é um ilícito sui generis219”.

219
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais
Comentadas. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 302.

141
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Ressalta-se, ainda, que para a configuração da


reincidência o agente deve praticar um novo crime após o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Porém, as
condutas descritas no artigo 28 não se tratam de infrações em
que a natureza jurídica é penal e sim sui generis. Considerar
alguém reincidente pela aplicação das medidas constantes do
artigo 28 em uma infração que não é de natureza penal causaria
uma afronta ao Princípio da Legalidade e demandaria alteração
de todo o sistema penal brasileiro.
Quanto à aplicação do princípio da insignificância
à infração descrita no artigo 28 a doutrina manifesta-se
positivamente. Sendo ínfima a quantidade de droga apreendida
afasta-se a tipicidade pela incidência do princípio da
insignificância. Porém, com o advento da Lei 11.343 de 2006
a referida conduta tornou-se um delito de ínfimo potencial
ofensivo perdendo-se, assim, espaço a aplicação do princípio da
insignificância ao referido dispositivo. “Entretanto, pela atual
disposição legal, não nos soa mais razoável que assim se faça. O
delito de porte de drogas para consumo próprio adquiriu caráter
de infração de ínfimo potencial ofensivo, tanto que as penas são
brandas, comportando, inclusive, mera advertência220”.
Já em relação ao crime descrito no artigo 33221
220
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais
Comentadas. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 305.
221
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo,
guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda
que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação

142
Capítulo III

da Lei 11.343 de 2006, conduta configuradora do tráfico


ilícito de entorpecentes, a doutrina posiciona-se no sentido da
impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância
e posterior afastamento da tipicidade por se tratar de crime
cujo bem jurídico protegido é a saúde pública. Assim, ainda
que o sujeito seja surpreendido com quantidades ínfimas de
substâncias entorpecentes proibidas, não se pode considerar
como crime de bagatela, pois, a ofensa ao bem jurídico tutelado
já ocorreu. Leva-se em consideração, também, o fato de que se
trata de crime de perigo abstrato, assim, não há que se falar em
inexistência de tipicidade. “O tráfico ilícito de entorpecentes
[...] é um crime de perigo (há uma probabilidade de dano ao
bem jurídico tutelado) abstrato (independe de prova desta
probabilidade de dano, pois presumida pelo legislador na
legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e
pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. §
1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz,
fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito,
transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima,
insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia,
cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a
preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que
tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente
que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de
drogas. § 2o Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300
(trezentos) dias-multa. § 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo
de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena -
detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos)
a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no
art. 28.
Informação extraída do site <www.planalto.gov.br> acesso em 11 de janeiro
de 2012.

143
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

construção do tipo)222”.
Para parcela da doutrina os crimes de perigo abstrato
não ofendem os princípios garantistas previstos na Constituição
Federal e “devemos aplaudir o legislador, quando acerta na
construção de tipos penais de perigo abstrato, cujas condutas
são realmente arriscadas à integridade das pessoas que vivem
em sociedade. É o caso do tráfico ilícito de entorpecentes223”.

222
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais
Comentadas. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 314.
223
“O crime de tráfico ilícito de entorpecentes é infração penal de perigo,
representando a probabilidade de dano à saúde das pessoas, mas não se exige
a produção de tal resultado para a sua consumação. É de perigo abstrato,
pois não se permite ao infrator a prova de que seu comportamento pode
ser inofensivo, pois regras de experiência já demonstraram à saciedade não
ser conveniente à sociedade à circulação de determinados tipos de drogas,
pois geradores de maiores problemas do que vantagens a quem delas faz
uso”. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais
Comentadas. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 315.

144
Capítulo IV

CAPÍTULO IV

A FRAGMENTARIEDADE E A SUBSIDIARIEDADE DO
DIREITO PENAL: APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL
DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

4.1. O caráter Fragmentário e Subsidiário do Direito Penal

O caráter fragmentário224 do direito penal significa


que a proteção dos bens jurídicos não ocorre de maneira absoluta
e sim relativa, ou seja, somente as infrações mais graves
dirigidas aos bens jurídicos mais relevantes é que necessitam da
proteção do direito penal.
É através do caráter fragmentário do Direito Penal
que conceitos históricos, éticos, culturais e econômicos de um
povo influenciam e auxiliam na interpretação correta e adequada
dos tipos penais. Possibilitando, assim, o emprego de princípios
como o da insignificância para que se corrijam situações onde
há um desnível entre as penas cominadas abstratamente pelo
legislador - através de um padrão estático - e a conduta praticada

224
Para a fragmentariedade “a função maior de proteção dos bens jurídicos
atribuída à lei penal não é absoluta, mas sim relativa, visto que todo o
ordenamento jurídico dela se ocupa. O que faz com que só devam eles
ser defendidos penalmente ante certas formas de agressão, consideradas
socialmente intoleráveis. Isso quer dizer que apenas as ações ou omissões
mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de
criminalização”. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro,
2011, p. 171.

145
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

pelo agente que causou íntima lesão ao bem tutelado225.


Para a fragmentariedade o direito penal deve
ficar restrito àquelas condutas que representam uma grande
intensidade na ofensa ao bem jurídico, assim, não é possível
que se utilize o direito penal para a proteção de condutas cuja
ofensa não se revela suficientemente agressiva. Ou seja, o
direito penal deve selecionar as condutas causadoras de ofensas
agressivas aos bens jurídicos e diante disto criminalizar as
condutas protegendo-se, assim, os interesses mais relevantes
para a coexistência em sociedade. “Esse princípio impõe que o
Direito Penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas
no grande mar do penalmente indiferente”.

Nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são


proibidas pelo Direito Penal, como nem todos os
bens jurídicos são por ele protegidos. O Direito Penal
limita-se a castigar as ações mais graves praticadas
contra bens jurídicos mais importantes, decorrendo
daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa
somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos
pela ordem jurídica. O caráter fragmentário do Direito
Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar
todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão
somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas
225
“Note-se que a gradação qualitativa e quantitativa do injusto, referida
inicialmente, permite que o fato penalmente insignificante seja excluído da
tipicidade penal, mas possa receber tratamento adequado – se necessário –
como ilícito civil, administrativo, etc., quando assim o exigirem preceitos
legais ou regulamentares extrapenais. Aqui, mais uma vez, a maior amplitude
e a anterioridade da ilicitude em relação ao tipo legal de crime”. TOLEDO,
Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São Paulo: Editora
Saraiva, 2010, p. 134

146
Capítulo IV

praticadas contra bens mais relevantes226.

Dado o caráter fragmentário do direito penal é que


se permite o reconhecimento do princípio da insignificância.
Aquelas lesões que de tão ínfimas não merecem a atenção
do Direito Penal devem desde logo ser abstraídas do mundo
jurídico-penal. A conduta – que apesar de formalmente típica
– torna-se atípica em função da incidência do Princípio da
Insignificância. “Segundo o princípio da insignificância, que se
revela por inteiro pela própria denominação, o direito penal, por
sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para
a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se bagatelas227”.

A aplicabilidade do princípio da insignificância


no sistema penal brasileiro é possível em virtude do caráter
fragmentário e subsidiário do direito penal, que deverá guardar
sempre relação com o princípio da proporcionalidade. O
conceito de subsidiariedade no Direito Penal é outro fator que
autoriza o reconhecimento do Princípio da Insignificância no
sistema penal, pois a norma penal só deve ser utilizada quando
qualquer outro remédio sancionador revele-se ineficiente228.
226
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,
p. 45.
227
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos do Direito Penal. São
Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 133.
228
“Por ser a forma mais violenta de intervenção na vida dos cidadãos, os quais
são a razão e os fins do Estado, segue-se necessariamente que semelhante
intervenção somente deve ter lugar quando seja absolutamente necessária à
segurança desses mesmos cidadãos”. QUEIROZ, Paulo. Funções do direito

147
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Já o postulado de fragmentariedade prescreve que a


função maior de proteção dos bens jurídicos atribuída
à lei penal não é absoluta. O bem jurídico é defendido
penalmente só perante certa formas de agressão ou
ataque, consideradas socialmente intoleráveis. Isto
explica que apenas as ações mais graves dirigidas contra
bens fundamentais podem ser criminalizadas. Faz-se
uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela
tipologia agressiva que se revela dotada de indiscutível
relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa.
Esse princípio impõe que o Direito Penal continue
a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande
mar do penalmente indiferente. Esclareça-se, ainda,
que a fragmentariedade não quer dizer, obviamente,
deliberada lacunosidade na tutela de certos bens e
valores e na busca de certos fins, mas antes limite
necessário a um totalitarismo de tutela, de modo
pernicioso para a liberdade229.

O Direito Penal constitui a ultima ratio, portanto


sua invocação só será legítima quando outros ramos do direito
revelarem-se incapazes de proteger e de garantir um bem tutelado
pelo sistema. Isso se justifica em face da maior gravidade da
sanção aplicada pelo sistema penal vigente.

Também não se pode perder de vista a violência inerente


a essa forma de intervenção estatal, cuja atuação
não raro está associada a uma violência desregrada
e de difícil controle e ainda mais perigosa, que é a
sistemática violação dos direitos humanos pelos agentes
penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 116.
229
PRADO, Luis Régis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 58/59.

148
Capítulo IV

incumbidos desta função. Enfim, a pretexto combater a


criminalidade, o sistema penal acaba, muitas vezes, por
violar direitos humanos sistematicamente, praticando
violências iguais ou maiores. É de convir assim que, de
todas as formas de política social de que se pode valer
o Estado para condicionar a violência, franqueando
o exercício da liberdade, o direito penal representa a
mais inadequada dessas formas, seja pelas limitações
estruturais de sua atuação, seja pelos custos sociais que
ordinariamente implica, seja pela violência que lhe é
inerente230.

Desta forma, pelo caráter subsidiário do Direito


Penal pode-se, enfim, compreender que a intervenção do
Estado só será legítima, no âmbito penal, quando não houver
outras maneiras de proteção de um determinado bem jurídico.
“Mesmo nos casos em que um comportamento tenha que ser
impedido, a proibição através da pena só será justificada se não
for possível obter o mesmo efeito protetivo através de meios
menos gravosos231”.
230
QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus
deslegitimação do sistema penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008, p. 115.
231
O autor expõem três alternativas para a pena criminal: “a primeira
consiste em pretensões de indenizações de direito civil, que, especialmente,
em violações de contrato, bastam para regular os prejuízos; a segunda
alternativa são medidas de direito público, que podem comumente garantir
mais segurança do que o direito penal em casos, p. ex., de eventos e
atividades perigosas: controles, determinações de segurança, revogações de
autorizações e permissões, proibições e mesmo fechamento de empresas;
a terceira possibilidade de descriminalização está em atribuir ações de
lesividade social relativamente reduzida a um direito de contravenções
especial, que preveja sanções pecuniárias ao invés de pena, foi este o caminho
seguido pelo direito penal alemão nas últimas décadas, ao transformar, p.
ex., a provocação de barulho perturbador do sossego ou a perturbação da
generalidade através de ações grosseiramente inadequadas de fato punível

149
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

O direito penal deve ser enfim a extrema ratio de


uma política social orientada segundo os valores
constitucionais. Semelhante intervenção há de
pressupor o insucesso das instâncias primárias de
prevenção e controle social, família, escola, trabalho
etc., e de outras formas de intervenção jurídica, civil,
trabalhista, administrativa. Vale dizer: a intervenção
penal, quer em nível legislativo, quando da elaboração
das leis, quer em nível judicial, quando da sua
interpretação\aplicação, somente se justifica quando
seja realmente imprescindível232.

É relevante, ainda, que se busque relacionar o


princípio da insignificância com o princípio da proporcionalidade
que está consagrado na Constituição Federal brasileira de 1988,
no artigo 5º, p.ex., no princípio da individualização da pena (art.
5º, XLVI) e na impossibilidade de aplicabilidade de determinadas
sanções consideradas cruéis (art. 5º, XLII). O princípio da
proporcionalidade prega, resumidamente, que a gravidade
do delito praticado pelo agente deve guardar relação com a
natureza, quantitativa e qualitativa, da sanção a ele aplicada.
“O princípio da proporcionalidade, não como simples critério
interpretativo, mas como garantia legitimadora\limitadora de
todo o ordenamento jurídico infraconstitucional233”.
em contra-ordenações”. ROXIN, Claus. Estudos de direito penal. 2ª edição.
Tradução de Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 52/53.
232
QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus
deslegitimação do sistema penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2008, p. 116.
233
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,
p. 55.

150
Capítulo IV

A proporcionalidade é o cerne do Princípio da


Insignificância, pois a pena aplicada deve sempre
guardar uma relação de proporção com a conduta
praticada e com o grau de lesão causado ao bem
jurídico. Pois em muitos casos o prejuízo causado é
tão ínfimo, que se aplicando a pena mínima prevista no
tipo penal para o caso concreto, ainda assim estar-se-ia
diante de uma relação de desproporcionalidade234.

O princípio da proporcionalidade está presente


desde a época das luzes235 em que já se buscava limitar a
intervenção do Estado, apenas, ao que necessário fosse para que
as pessoas pudessem conviver em sociedade. Já a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 previa que se faz
necessário que a natureza da sanção imposta guarde proporção
com a gravidade do crime praticado pelo agente. O artigo 8º da
Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão prescreve que
“a Lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente
necessárias, em ninguém pode ser punido senão em virtude de
uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente
aplicada236”.
234
PIERANGELI. Jose Henrique; ZAFFARONI. Eugênio. Manual de
Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
235
“Não é apenas de interesse comum que não se pratiquem crimes, mas,
também, que sejam mais raros na proporção do mal que causem à sociedade.
Portanto, por via de consequência, mais fortes devem ser os obstáculos que
afastem os homens dos crimes, na medida que se apresentam contrários ao
interesse público e em razão dos estímulos que para eles os induzem. Desta
forma, deve haver uma proporção entre os delitos e as penas”. BECCARIA,
Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução Lucia Guidicini e Alessandro
Berti Contessa. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p. 226.
236
Informação disponível no site: < http://pfdc.pgr.mpf.gov.br> acesso em

151
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

O princípio da proporcionalidade possui “um


vínculo constitucional capaz de limitar os fins de um ato estatal
e os meios eleitos para que tal finalidade seja alcançada237”.
“O requisito da necessidade significa que o meio escolhido é
indispensável, necessário, para atingir o fim proposto, na falta
de outro menos gravoso e de igual eficácia238”.

Pode-se, desta forma, compreender que a


proporcionalidade não deve estar presente, apenas, entre a
gravidade da conduta praticada pelo agente e a natureza da
pena empregada e sim está relacionado, também, à imposição
de limites ao legislador que no momento em que realiza o ato de
criminalizar condutas precisa estar atento à proporcionalidade
impondo-se, apenas, sanções necessárias, utilizando-se dos
meios adequados e desde que proporcionais.

Então, no tocante à proporcionalidade entre os delitos


e as penas,deve existir sempre uma medida de justo

03 de fevereiro de 2012.
237
E esta limitação perfaz-se de três maneiras que se complementam: “a)
adequação telefológica: todo o ato estatal passa a ter uma finalidade política
ditada não por princípios do próprio administrador, legislador ou juiz,
mas sim por valores éticos deduzidos da Constituição Federal – vedação
do arbítrio (Übermassverbot); b) necessidade (Erforderlichkeit): o meio
não pode exceder os limites indispensáveis e menos lesivos possíveis à
conservação do fim legítimo que se pretende; c) proporcionalidade “scricto
sensu”: todo o representante do Estado está, ao mesmo tempo, obrigado a
fazer uso de meios adequados e de abster-se de utilizar meios ou recursos
desproporcionais. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Malheiros, 1994, p. 356-397.
238
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 174.

152
Capítulo IV

equilíbrio – abstrata (legislador) e concreta (juiz) –


entre a gravidade do fato ilícito praticado, do injusto
penal (desvalor da ação e desvalor do resultado), e
a pena cominada ou imposta. Em resumo, a pena
deve estar proporcionada ou adequada à intensidade
ou magnitude da lesão ao bem jurídico representada
pelo delito e à medida de segurança à periculosidade
criminal do agente. A proporção se torna uma
verdadeira conditio da legalidade239.
Há quem supunha que o princípio da
proporcionalidade é sinônimo do princípio da razoabilidade.
“Há que se admitir que se tratam de princípios fungíveis e que,
por vezes, utiliza-se o termo “razoabilidade” para identificar o
princípio da proporcionalidade, a despeito de possuírem origens
completamente distintas240”. A razoabilidade241 é uma criação
da Suprema Corte americana e, portanto, nasceu nos Estados
Unidos e a proporcionalidade surgiu na Alemanha. Aplicar a
razoabilidade significa a utilização dos meios necessários, no
caso do direito penal o emprego da pena, porém, de maneira
razoável, isto é, sem que se precise socorrer a qualquer excesso.

239
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro, 2011, p. 175.
240
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,
p. 57.
241
“É o princípio da razoabilidade que afasta a invocação do exemplo
concreto mais antigo do princípio da proporcionalidade, qual seja, a “lei
de talião”, que, inegavelmente, sem qualquer razoabilidade, também
adotava o princípio da proporcionalidade. Assim, a razoabilidade exerce
função controladora na aplicação do princípio da proporcionalidade. Com
efeito, é preciso perquirir se, nas circunstâncias, é possível adotar outra
medida ou outro meio menos desvantajoso e menos grave para o cidadão”.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, p.
57.

153
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Com base no princípio da proporcionalidade vê que


se pode afirmar que um sistema penal somente estará
justificado quando a soma das violências – crimes,
vinganças e punições arbitrárias – que ele pode
prevenir for superior à das violências constituídas
pelas penas que cominar. Enfim, é indispensável que os
direitos fundamentais do cidadão sejam considerados
indisponíveis (e intocáveis), afastados da livre
disposição do Estado, que, além, de respeitá-los, deve
garanti-los242.

Através da fragmentariedade e da subsidiariedade


do Direito Penal é que se pode concluir que ele não deve
preocupar-se com bagatelas, com danos de pequena monta
aos bens jurídicos tutelados. O Direito Penal somente estará
legitimado a agir quando todos os demais mecanismos de
controle social não se mostrarem eficientes na busca pela
tutela do bem jurídico (última ratio) e, desde que a imposição
da sanção realize-se de forma proporcional (sob o aspecto
legislativo e judicial) à gravidade do crime e à aplicabilidade da
sanção. Assim, pode-se concluir desejando que o Direito Penal
deixe de lado características como o intervencionismo estatal e
a supervalorização da prevenção.

4.2. Aplicação Jurisprudencial do Princípio da Insigniicância

O princípio da insignificância é uma criação


242
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral,
p. 58.

154
Capítulo IV

doutrinária e jurisprudencial que está harmonizada com o sistema


penal vigente, com as orientações de política criminal, bem como,
com a teoria do crime e em especial com a tipicidade. Porém,
ainda, não há previsão legal para o reconhecimento do princípio
da insignificância. Desta forma, a análise da sua aplicação
jurisprudencial faz-se necessária e de grande importância para
a sedimentação do princípio na teoria do crime, pois, trata-
se de um princípio que possui como efeito o afastamento da
tipicidade. A primeira manifestação jurisprudencial favorável
a aplicação do princípio da insignificância, reconhecendo-se
o afastamento da tipicidade, pela sua aplicação, foi julgado
pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Especial nº 66.869-
1243. O caso envolvia um acidente de trânsito em que a lesão
provocada na vítima era inferior a 3 (três) centímetros de
diâmetro. O Supremo considerou que a lesão provocada no bem
jurídico tutelado não foi suficiente para provocar a incidência
da tipicidade, pois se tratou de lesão ínfima ou insignificante.

243
“Deste modo, tendo-se que o acórdão inegavelmente admite, conforme
considerações que antes reproduzi, o princípio da insignificância da lesão,
e que a prova dos autos – e seguramente outras já não seria possível obter
mais de um ano depois – mostram que inexpressiva foi realmente a lesão
sofrida pela vítima, tenho que não é de deixar-se prosseguir a ação penal
que a nenhum resultado chegaria, só mais sobrecarregando os serviços da
justiça e incomodando inutilmente a própria vítima. A lesão coporal leve
pode, a meu ver, justificar a ação penal, mas aquela que praticamente nada
representa tenho-a como não caracterizando delito penal. Pelo exposto, dou
provimento ao recurso. A levarmos extremo rigor o disposto no art. 129 §
6º, da Lei Penal, as Varas Criminais de Trânsito não suportariam o volume
de processos que as onerariam”. Recurso de Habeas Corpus nº 66869-
1, julgado pela 2ª Turma, Relator Ministro Aldir Passarinho, em 06 de
dezembro de 1988. Informações extraídas do site <www.stj.gov.br> acesso
em 17 de janeiro de 2012.

155
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

O Supremo Tribunal Federal utilizou de muita


cautela ao aplicar o princípio da insignificância a um caso
envolvendo lesão corporal culposa decorrente de um acidente
de trânsito. Todas as ponderações foram feitas no sentido de
que não se pode considerar como típica uma conduta causadora
de lesão ínfima ao bem jurídico tutelado. Entendeu-se que a
lesão não foi suficiente para ensejar a ocorrência de tipicidade
optando-se assim pelo trancamento da ação penal.
A análise jurisprudencial que se fará a seguir
pretende demonstrar que, em alguns casos, há ausência de
critérios por parte dos tribunais para a aplicação do princípio
da insignificância e o consequente afastamento da tipicidade
gerando ora o trancamento da ação penal ou, ainda, a absolvição
do agente. Este é um dos grandes entraves encontrados pelo
princípio da insignificância. A insegurança jurídica decorre
justamente da ausência de critérios efetivos e concretos que
possam balizar a sua aplicação.

A - O Princípio da Insigniicância e sua aplicação no


Supremo Tribunal Federal

Conforme já se verificou o Supremo Tribunal


Federal, no ano de 1988, fez incidir o princípio da insignificância
em um caso concreto afastando-se a tipicidade da conduta e
promovendo o trancamento da ação penal. Na sequencia serão

156
Capítulo IV

apresentados algumas ementas e, em determinadas situações,


analisar-se-ão os votos, buscando a identificação de critérios
que possam assegurar a segurança jurídica e coerência nas
decisões judiciais.

Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO (ART.


171, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE
DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EX-
PRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. TIPICI-
DADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.
1. O princípio da insignificância incide quando
presentes, cumulativamente, as seguintes condições
objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do
agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c)
grau reduzido de reprovabilidade do comportamento,
e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Precedentes: HC 104403/SP, rel. Min. Cármen Lúcia,
1ªTurma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010;
HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma,
DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen
Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009) 2. O princípio da
insignificância não se aplica quando se trata de paciente
reincidente, porquanto não há que se falar em reduzido
grau de reprovabilidade do comportamento lesivo.
Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª
Turma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min.
Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 23/11/2010; HC 103359/
RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ 6/8/2010.
3. In casu, a vantagem ilicitamente obtida mediante
a utilização de cheque furtado tinha valor próximo
à metade do salário mínimo, que era de R$ 300,00
conforme Lei 11.164/2005, mercê de o paciente ser

157
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

reincidente em crimes contra o patrimônio, consoante


afirmado na sentença condenatória, e ostentar extensa
ficha criminal na qual arrolados vários processos e
inquéritos policiais instaurados com o fito de apurar
crimes de estelionato, falsificação de documentos,
recepção e delitos de trânsito, tudo a evidenciar que
a aplicação do princípio da insignificância no caso
concreto servirá de estímulo à contumácia delituosa.
Ordem denegada. HC 108056/RS – Rio Grande do Sul.
Relator Ministro Luiz Fux. Julgamento 14/02/2012.
Órgão julgador: Primeira Turma244.
Ementa: Habeas Corpus. Penal. Furto tentado. Incidência
do princípio da insignificância. Inviabilidade. Crime
praticado em concurso de agentes e mediante o ingresso
na residência da vítima durante a noite. Reincidência e
habitualidade delitiva comprovadas. Ordem denegada.
É entendimento reiterado desta Corte que a aplicação
do princípio da insignificância exige a satisfação dos
seguintes vetores: (a) mínima ofensividade da conduta
do agente; (b) ausência de periculosidade social da
ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento; e (d) inexpressividade da lesão
jurídica provocada. As peculiaridades do delito, o qual
foi praticado por criminoso reincidente, em concurso
de agentes e com ingresso na residência da vítima sem
seu consentimento e em período noturno, demonstram
significativa reprovabilidade do comportamento e
relevante periculosidade da ação, fato este suficiente
ao afastamento da incidência do princípio da
insignificância. Ordem denegada. HC 108282/MG
– Minas Gerais. Relator Ministro Joaquim Barbosa.
Julgamento em 14/02/2012; Órgão Julgador: Segunda
Turma245.

244
Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 17 de janeiro
de 2012.
245
Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 17 de janeiro

158
Capítulo IV

Nos dois julgados anteriores verifica-se que


o Supremo Tribunal Federal estabeleceu critérios para o
reconhecimento do princípio da insignificância e o posterior
afastamento da tipicidade. Estes critérios são necessários para
que as decisões que reconhecem ou afastam a incidência do
princípio da insignificância. Através destes critérios é que se
poderá afastar a mais contundente das críticas sofridas pela
aplicação deste princípio que é a insegurança causada pela sua
aplicação.

O Supremo estabeleceu quatro critérios: (a)


mínima ofensividade da conduta do agente; (b) ausência
de periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da
lesão jurídica provocada. A cumulação destes critérios autoriza
o Supremo a afastar a tipicidade e, consequentemente, ordenar o
trancamento da ação penal ou a absolvição do agente. Todos os
critérios são coerentes com a concepção que se tem do princípio
da insignificância nos dias atuais, ou seja, além da ínfima lesão
causada ao bem jurídico tutelado que é incapaz para gerar
tipicidade deve-ser analisar o princípio da proporcionalidade.
O Supremo Tribunal Federal, ao fixar critérios para a aplicação
do princípio da insignificância, estabelece a segurança jurídica
necessária para que se possa afastar a tipicidade quando a
de 2012.

159
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

lesão ao bem jurídico tutelado não for suficiente para ensejar a


incidência da tutela penal.

Na ementa que segue o Supremo manteve a aplicação


cumulativa dos mesmos critérios para a aplicação do princípio
da insignificância e a consequente absolvição pelo afastamento
da tipicidade material. O voto do Ministro Dias Toffoli246
246
Tenho por aplicável, desse modo, ao caso, o princípio da Insignificância [...]
Cumpre assinalar, neste ponto, que esse entendimento encontra suporte em
expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência
(GOMES, Luiz Flávio. Delito de Bagatela: princípios da insignificância
e da irrelevância penal do fato. In: Revista dosTribunais, v. 789/439-456;
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 2002. p. 133/134, item nº 131; BITENCOURT, Cezar
Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 6, item nº
9; JESUS, Damásio E. de. Direito Penal - Parte Geral. 26. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 1/10, item nº 11, h; LOPES, Maurício Antonio Ribeiro.
Princípio da Insignificância no Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2002.
p. 113/118, item nº 8.2, v.g.). Na realidade, considerados, de um lado, o
princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário
o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se
dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto),
na precisa lição do eminente Professor René Ariel Dotti (Curso de Direito
Penal – Parte Geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 68, item nº 51),
cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que
produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa
a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da
própria ordem social. Sabe-se que a configuração da atipicidade, que permite
o trancamento da persecução penal em face da aplicação do princípio da
insignificância, tem lugar quando é possível verificar, no tocante à conduta
perpetrada pelo agente, uma ofensividade mínima, quando a ação, apesar
de encontrar tipificação no ordenamento jurídico pátrio, além de não
representar periculosidade social, também revelar grau de reprovabilidade
irrelevante, a par da ofensa levada a efeito não implicar lesão expressiva
ao bem jurídico penalmente tutelado. Em tais circunstâncias, permite-se o
reconhecimento do crime de bagatela, o qual é desprovido de caráter penal
de maior relevância. Relativamente ao usuário de substância entorpecente,
o tema ainda suscita discussões quanto à aplicação da tese de bagatela. O
fato é que, com acertos e desacertos, a legislação penal especial avançou

160
Capítulo IV

traz elementos de grande relevância, pois a fundamentação


utilizada para reconhecer o princípio da insignificância mostra-
se eficiente no sentido de afastar-se a tipicidade a um caso
referente ao artigo 28 da Lei 11.343/2006.

EMENTA PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28


DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBS-
TÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDA-
DE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICA-
BILIDADE. WRIT CONCEDIDO.
significativamente no trato da questão, não mais permitindo a imposição de
pena privativa de liberdade. Atualmente, a Lei nº 11.343/06 prevê tratamento
diferenciado ao usuário, de molde a possibilitar a sua recuperação. [...] Nesse
contexto, a conduta tida por criminosa, para além da adequação típica formal
do revogado art. 16 da Lei nº 6.368/76, merece, nos dias atuais, acurado exame
à luz da garantia da dignidade da pessoa humana, que impõe uma atuação
seletiva, subsidiária e fragmentária do Direito Penal, conferindo-se, desse
modo, maior relevância à proteção de valores tidos como indispensáveis à
ordem social, a exemplo da vida, da liberdade e da propriedade, quando
efetivamente ofendidos (tipicidade material). Assim, há que se averiguar a
tipicidade material da conduta tida por criminosa, pois “crime não é apenas
aquilo que o legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma
conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo,
não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade”. (CAPEZ,
Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009.
v. 1, p. 8). O princípio da insignificância, como destacado pelo eminente
Ministro Celso de Mello por ocasião do julgamento do HC nº 94.809/RS.
(Segunda Turma, DJe de 24/10/08), deve ser analisado em correlação com
os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em
matéria penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal,
examinada em seu caráter material, observando-se, ainda, a presença de
certos vetores, como (a) mínima ofensividade da conduta, (b) nenhuma
periculosidade social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade
do comportamento incriminado e (d) inexpressividade da lesão jurídica
provocada. Sendo assim, pelas razões expostas, defiro o pedido de habeas
corpus, para determinar o trancamento do procedimento penal instaurado
contra o ora paciente (Processo nº 008.06.006996-9, da 3ª Vara Criminal da
Comarca de Blumenau/SC), invalidando todos os atos processuais desde a
denúncia, inclusive, até a condenação imposta ao paciente, por ausência de
tipicidade material da conduta que lhe foi imputada, considerando, para esse
efeito, o princípio da insignificância.

161
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo


a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos,
de forma concomitante, os seguintes requisitos:
(i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii)
nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido
grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv)
relativa inexpressividade da lesão jurídica. 2. O
sistema jurídico há de considerar a relevantíssima
circunstância de que a privação da liberdade e a
restrição de direitos do indivíduo somente se justificam
quando estritamente necessárias à própria proteção das
pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que
lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em
que os valores penalmente tutelados se exponham a
dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa
lesividade. O direito penal não se deve ocupar de
condutas que produzam resultado cujo desvalor - por
não importar em lesão significativa a bens jurídicos
relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado,
seja à integridade da própria ordem social. 3. Ordem
concedida. HC 110475 SC – Santa Catarina. Relator
Ministro Dias Toffoli. Julgamento 14/02/2012. Órgão
julgador: Primeira Turma247.

Percebe-se no voto do Ministro Dias Toffoli que os


argumentos por ele utilizados para fundamentar a aplicação do
princípio da insignificância coadunam com os já previstos nos
julgados recentes do Supremo, ou seja, admite-se o afastamento
da tipicidade de pela incidência do princípio referido desde
que haja mínima ofensividade ao bem jurídico tutelado. Assim,

247
Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 17 de janeiro
de 2012.

162
Capítulo IV

tratando-se de lesão ínfima esta não possui o condão de ensejar


a incidência da tipicidade sobre o fato. Pois é certo que, para um
fato ser considerado crime, não basta a existência da tipicidade
formal sendo necessária a ocorrência da tipicidade material.
Ainda, que haja a subsunção do fato à norma penal, inexistindo
lesão significativa ao bem jurídico tutelado, não há que se falar
em conduta típica. Também sustenta o seu voto no fato de que o
Direito Penal não deve ocupar-se de bagatelas já que pressupõe
obediência aos critérios da subsidiariedade, da fragmentariedade
e, em especial, ao princípio da intervenção mínima.

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. APRO-


PRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. NÃO
REPASSE À PREVIDÊNCIA SOCIAL DO VALOR
DE R$ 7.767,59 (SETE MIL SETECENTOS E SES-
SENTA E SETE REAIS E CINQUENTA E NOVE
CENTAVOS). INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: ALTO
GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA E
OFENSA AO BEM JURÍDICO PENALMENTE TU-
TELADO. ORDEM DENEGADA.
1. A tipicidade penal não pode ser percebida como
o trivial exercício de adequação do fato concreto à
norma abstrata. Além da correspondência formal,
para a configuração da tipicidade, é necessária análise
materialmente valorativa das circunstâncias do caso
concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de
lesão grave e penalmente relevante do bem jurídico
tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o
âmbito de proibição aparente da tipicidade legal,
tornando atípico o fato na seara penal, apesar de haver
lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.

163
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

3. Para a incidência do princípio da insignificância,


devem ser relevados o valor do objeto do crime e os
aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade
da conduta do agente, a ausência de periculosidade
social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica
causada. 4. Não repassar à Previdência Social R$
7.767,59 (sete mil, setecentos e sessenta e sete reais
e cinquenta e nove centavos), além de ser reprovável,
não é minimamente ofensivo. 5. Habeas corpus
denegado. (HC 110124 – SP – São Paulo – Habeas
Corpus – Relatora: Ministra Carmem Lúcia. Julgado
em 14/02/2012. Primeira Turma)248.

No caso narrado acima o Supremo não afastou a


tipicidade pela ocorrência do princípio da insignificância ao
entender que a ausência e repasse à Previdência Social do valor
de R$ 7.767,59 (sete mil, setecentos e sessenta e sete reais e
cinquenta e nove centavos) representa um grau de ofensividade
ao bem jurídico tutelado suficiente para ensejar a incidência
da norma penal e, consequentemente, há ocorrência da
tipicidade material. Neste caso não há que se falar em conduta
insignificante.

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS COR-


PUS. DECISÃO DE RELATOR, DO STJ, QUE INDE-
FERIU PEDIDO DE LIMINAR EM IDÊNTICA VIA
PROCESSUAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNI-
FICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE
248
Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 17 de janeiro
de 2012.

164
Capítulo IV

CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. RES


FURTIVA DE PEQUENO VALOR (SEIS BARRAS
DE CHOCOLATE AVALIADAS EM R$ 31,80). SUB-
TRAÇÃO DOS BENS PARA COMPRAR DROGAS:
CONDUTA DE CONSIDERÁVEL OFENSIBILIDA-
DE. ACENTUADO GRAU DE REPROVABILIDA-
DE DO COMPORTAMENTO DO PACIENTE. FUR-
TO PRIVILEGIADO (CP, ART. 155, § 2º):PACIENTE
REINCIDENTE. NÃO-CABIMENTO. SÚMULA
691-STF: AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA OU DE
PATENTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABE-
AS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O princípio da insignificância incide quando
presentes, cumulativamente, as seguintes condições
objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do
agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c)
grau reduzido de reprovabilidade do comportamento,
e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. A prática reiterada de furtos para comprar drogas,
independentemente do valor dos bens envolvidos,
não pode, obviamente, ser tida como de mínima
ofensividade, nem o comportamento do paciente
pode ser considerado como de reduzido grau de
reprovabilidade. Precedente: HC 101144/RS, rel.
Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 22/10/2010. 3.
O princípio da insignificância não se aplica quando
se trata de paciente reincidente, porquanto não há
que se falar em reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento lesivo. Precedentes: HC 107067, rel.
Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 26/5/2011; HC
96684/MS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de
23/11/2010; HC 103359/RS, rel. Min. Cármen Lúcia,
1ªTurma, DJ 6/8/2010; HC 100367, 1ªTurma, rel. Min.
Luiz Fux, DJ de 8/9/2011; 4. O § 2º do artigo 155 do
Código Penal (“§ 2º. Se o criminoso é primário, e é de
pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir

165
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la


de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de
multa.” - grifei), ao admitir o reconhecimento do
furto privilegiado a réu primário, traz ínsita a vedação
do benefício a reincidentes. 5. In casu, em que pese
o ínfimo valor dos bens furtados, a rejeição da tese
da insignificância restou plenamente fundamentado
pelo Juízo na existência de duas sentenças transitadas
em julgado contra o paciente por crimes contra o
patrimônio. 6. O paciente duplamente reincidente não
tem direito ao privilégio do art. 155, § 2º, do Código
Penal, benefício reservado a réus primários. 7. Parecer
do MPF pelo desprovimento do agravo regimental. 8.
Agravo regimental desprovido. (HC 107733 AGR/MG
– Minas Gerais – AG. REG. NO HABEAS CORPUS
– Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 07/02/2012.
Primeira Turma)249.

Na ementa acima se verifica a utilização pelo


Supremo Tribunal Federal de uma nova condição para a
aplicação do princípio da insignificância: não ser o agente
reincidente. Assim, tratando-se de réu primário é possível a
incidência do princípio da insignificância e o consequente
afastamento da tipicidade.

Portanto, segundo este julgado, quando há a presença


da reincidência, ainda que a lesão causada ao bem jurídico
tutelado seja ínfima, não há que se falar em aplicabilidade do
referido princípio: “O princípio da insignificância não se aplica
249
Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 17 de janeiro
de 2012.

166
Capítulo IV

quando se trata de paciente reincidente, porquanto não há que


se falar em reduzido grau de reprovabilidade do comportamento
lesivo. Precedentes: HC 107067, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª
Turma, DJ de 26/5/2011; HC 96684/MS, Rel. Min. Cármen
Lúcia, 1ªTurma, DJ de 23/11/2010; HC 103359/RS, rel. Min.
Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ 6/8/2010; HC 100367, 1ªTurma,
rel. Min. Luiz Fux, DJ de 8/9/2011250”.

Ocorre que o entendimento acima transcrito não se


constitui em unanimidade junto ao Supremo Tribunal Federal.
A situação que segue contempla um caso de um furto de fios
de cobre avaliados em R$ 100,00 (cem reais) em que o réu é
“multireincidente” e, ainda assim, obteve-se o trancamento da
ação penal com fundamento no princípio da insignificância em
que se afastou a tipicidade. Ou seja, verifica-se que o Supremo
utiliza-se de fundamentos diferentes ao conceder ou denegar
a aplicação do princípio da insignificância. No julgado acima
denega a ordem sob o argumento de que réus reincidentes não
podem ser beneficiados pelo princípio da insignificância. Já no
julgado que se segue concede a ordem.

No julgamento do Habeas Corpus 108.872251,


250
HC 107733 AGR/MG – Minas Gerais – AG. REG. NO HABEAS
CORPUS – Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 07/02/2012. Primeira
Turma Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 17 de
janeiro de 2012.
251 “HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO. RES FURTIVA:

167
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

CABOS DE COBRE DE PARARRAIOS AVALIADOS EM R$ 100,00.


ALTA REPROVABILIDADE DA CONDUTA. INADMISSIBILIDADE
DA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, NO CASO
CONCRETO. PACIENTE MULTIREINCIDENTE EM CRIMES CONTRA
O PATRIMÔNIO. PRECEDENTES DO STF E STJ. PARECER DO MPF
PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio
da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da
fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem
sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte,
quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de
exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente
ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada
atípica por força este postulado. 2. Entretanto, é imprescindível que a
aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão
pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima
ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade
social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e
(IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado
pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, DJU 19.04.04). 3. No caso em apreço, todavia, mostra-se de todo
inaplicável o postulado permissivo, visto que evidenciada a alta
reprovabilidade da conduta do paciente, sendo relevante anotar que é
multireincidente em crimes contra o patrimônio, o que o STF tem considerado
como fator relevante para o afastamento do referido princípio. (HC 103.359/
RS, Rel. Min. CARMEN LÚCIA, DJe 05.08.2010). 4. Ordem denegada, em
conformidade com o parecer ministerial”. SENHOR MINISTRO GILMAR
MENDES (RELATOR): Consigno que, no caso concreto, discute-se a
possibilidade da aplicação do princípio da insignificância, em virtude da
suposta prática de furto de bem cujo valor corresponde a R$ 100,00 (cem
reais). Evidencio, inicialmente, que após longo processo de formação,
marcado por decisões casuais e excepcionais, o princípio da insignificância
acabou por solidificar-se como importante instrumento de aprimoramento
do Direito Penal, sendo paulatinamente reconhecido pela jurisprudência dos
tribunais superiores e, também, por este SupremoTribunal Federal. [...] Para
que seja razoável concluir, em caso concreto, no sentido da tipicidade, mister
se faz a conjugação da tipicidade formal com a material, sob pena de
abandonar-se, assim, o desiderato do próprio ordenamento jurídico criminal.
Evidenciando o aplicador do direito a presença da tipicidade formal, mas a
ausência da material, encontrar-se-á diante de caso manifestamente atípico.
Não é razoável que o direito penal e todo o aparelho do Estado-Polícia e do
Estado-Juiz movimentem-se no sentido de atribuir relevância a hipótese de
tentativa de furto de um cabo de cobre de um para-raios, avaliado no
montante de R$ 100,00 (cem reais). Isso porque, ante o caráter eminentemente
subsidiário que o Direito Penal assume, impõe-se sua intervenção mínima,
somente devendo atuar para proteção dos bens jurídicos de maior relevância
e transcendência para a vida social. Em outras palavras, não cabe ao Direito
Penal — como instrumento de controle mais rígido e duro que é — ocupar-

168
Capítulo IV

se de condutas insignificantes, que ofendam com o mínimo grau de lesividade


o bem jurídico tutelado. Assim, só cabe ao Direito Penal intervir quando os
outros ramos do direito demonstrarem-se ineficazes para prevenir práticas
delituosas (princípio da intervenção mínima ou ultima ratio), limitando-se a
punir somente condutas mais graves dirigidas contra os bens jurídicos mais
essenciais à sociedade (princípio da fragmentariedade). [...] Dessarte, insta
asseverar, ainda, que, para chegar à tipicidade material, há que se pôr em
prática juízo de ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que
lhe será imposta como consequência da intervenção penal do Estado. A
análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode
justificar, dessa forma, a ilegitimidade da intervenção estatal por meio do
Direito Penal. Ademais, esta Corte tem entendido que, para incidência do
princípio da insignificância, alguns vetores devem ser objetivamente
considerados, quais sejam: a) a mínima ofensividade da conduta do agente;
b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica
causada (Cf. HC n. 84.412/SP, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime,
DJe 19.11.2004). Diante do exposto, destaco que, no caso em apreço, o
prejuízo material foi insignificante — tentativa de furto de bem avaliado no
valor de R$ 100,00 (cem reais) — e que a conduta não causou lesividade
relevante à ordem social, havendo que incidir, por conseguinte, o postulado
da bagatela. Nesses termos, tenho que — a despeito de restar patente a
existência da tipicidade formal (perfeita adequação da conduta do agente ao
modelo abstrato previsto na lei penal) — não incide, no caso, a material, que
se traduz na lesividade efetiva e concreta ao bem jurídico tutelado, sendo-lhe
atípica a conduta imputada. Ademais, malgrado os persuasivos fundamentos
invocados pelo Superior Tribunal de Justiça ao denegar a ordem, tenho para
mim que, ao invocar a condição de reincidente do paciente como obstáculo
à aplicação do princípio da insignificância, afastou-se da melhor
jurisprudência sufragada por esta Corte. É que, para a aplicação do princípio
em comento, somente aspectos de ordem objetiva do fato devem ser
analisados. E não poderia ser diferente. É que, levando-se em conta que o
princípio da insignificância atua como verdadeira causa de exclusão da
própria tipicidade, equivocado é afastar-lhe a incidência tão somente pelo
fato de o paciente ser reincidente. Partindo-se do raciocínio de que crime é
fato típico e antijurídico — ou, para outros, fato típico, antijurídico e culpável
—, é certo que, uma vez excluído o fato típico, não há sequer que se falar em
crime. É por isso que reputo mais coerente a linha de entendimento segundo
a qual, para a incidência do princípio da bagatela, devem ser analisadas as
circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em si, e não
os atributos inerentes ao agente, sob pena de, ao proceder-se à análise
subjetiva, dar-se prioridade ao contestado e ultrapassado direito penal do
autor em detrimento do direito penal do fato. [...] Por fim, destaco que a
jurisprudência desta Corte tem sido no sentido de que a insignificância da
infração penal, que tenha o condão de descaracterizar materialmente o tipo,
impõe o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC n. 92.411/

169
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

do Rio Grande do Sul, julgado em 06/09/2011, pela Segunda


Turma, no voto do Relator Ministro Gilmar Mendes, verifica-se
fundamentação coerente com os pressupostos do princípio da
insignificância. Este princípio objetiva a atipicidade da conduta
sempre que a lesão causada ao bem jurídico tutelado foi ínfima,
ou seja, insuficiente para que a tipicidade material configure-
se. Neste ínterim são analisados requisitos, exclusivamente,
objetivos, ou seja, que não dizem respeito às condições pessoais
do agente. Ou seja, para a aplicação deste princípio não devem
ser levados em consideração requisitos de ordem subjetivam,
tais como, antecedentes, conduta social e a reincidência. A
incidência do princípio da insignificância dá-se, apenas, pela
obediência a determinadas condições estabelecidas, não pela
legislação, e sim pela doutrina e pela jurisprudência.

RS, rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, unânime, DJe 9.5.2008; HC n. 88.393/
RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, unânime, DJe 8.6.2007; HC n. 84.687/
MS, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJe 27.10.2006; HC n.
84.412/SP, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJe 19.11.2004; e
HC n. 83.526/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1ª Turma, unânime, DJe
7.5.2004). Nesses termos, concedo a ordem para cassar a decisão emanada
do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, para trancar a ação penal movida contra o paciente, ante a
aplicação do princípio da insignificância. Habeas Corpus. 2. Tentativa de
furto. Bem de pequeno valor (R$ 100,00). Mínimo grau de lesividade da
conduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade.
Precedentes. 4. Reincidência. Irrelevância de considerações de ordem
subjetiva. 5. Ordem concedida. STF - Habeas Corpus 108.872 - julgado em
06/09/2011- Relator Ministro Gilmar Mendes. Disponível em <www.stf.jus.
br> acesso em 14 de março de 2012. Em igual sentido: STF – HC 107067 –
Relatora Ministra Carmen Lúcia – DJU 26/5/2011. STF – HC 96684 –
Relatora Ministra Carmen Lúcia – DJU 23/11/2010. STF – HC 103359 –
Relatora Ministra Carmen Lúcia – DJU 6/8/2010. Disponível em <www.stf.
jus.br> acesso em 14 de março de 2012.

170
Capítulo IV

Assim, para que a tipicidade possa ser afastada


pela incidência do princípio da insignificância os requisitos já
utilizados pelo Supremo, em outros julgados, são suficientes, já
que explicitam critérios, exclusivamente, objetivos: “(a) mínima
ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade
social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do
comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica
provocada252”. Verifica-se que o princípio da insignificância
pressupõe a inexistência de lesão efetiva ao bem jurídico
tutelado. A ausência de lesão grave ao bem jurídico tutelado
impede a incidência da tipicidade. Insta salientar, ainda, que
o princípio da proporcionalidade ressalta que é necessária a
existência de proporcionalidade entre a lesão provocada no
bem jurídico tutelado pelo Estado e a intensidade da sanção que
se pretende aplicar. Ou seja, a incidência ou não do princípio
da insignificância está relacionada, diretamente, a critérios
puramente objetivos.

Na decisão abaixo o Supremo Tribunal Federal


posicionou-se afirmando que para a aplicação do princípio da
insignificância só devem ser levados em consideração requisitos
de ordem objetiva e não de ordem subjetiva ou pessoais. A
insignificância da conduta independe da análise dos critérios
subjetivos ou pessoais.
252
HC 110475 SC – Santa Catarina. Relator Ministro Dias Toffoli. Julgamento
14/02/2012. Órgão julgador: Primeira Turma. Informações extraídas do site
<www.stf.gov.br> acesso em 28 de janeiro de 2012.

171
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

“[...] Descaminho considerado como “crime de


bagatela”: aplicação do princípio da insignificância”.
Para a incidência do princípio da insignificância só se
consideram aspecto objetivos, referentes À infração
praticada, assim é mínima ofensividade da conduta do
agente; ausência de periculosidade social da ação; o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC
84.412, 2ª T., Celso de Mello, DJ 19.11.04). A
caracterização da infração penal como insignificante
não abarca considerações de ordem subjetiva: ou o ato
apontado como delituoso é insignificante, ou não o é. E
sendo, torna-se atípico, impondo-se o trancamento da
ação penal por falta de justa causa (HC 77.003, 2ª T.,
Marco Aurélio, RTJ 178/310). Concessão de Habeas
Corpus de ofício, para cassar a condenação imposta à
recorrente, por falta de justa causa (Questão de Ordem
em Recurso Extraordinário 512.183-6 – Santa Catarina.
Relator Ministro Sepúlveda Pertence. 06/02/2007.
Primeira Turma)253”.

Destaca-se no voto do Relator Ministro Gilmar


Mendes o fato de que para a incidência do princípio da
insignificância devem considerar-se, apenas, requisitos de
ordem objetiva analisando-se a conduta do agente sob o critério
da bagatela e não deixar-se influenciar pelo direito penal do
autor e avaliar requistos e elementos de ordem subjetiva em
detrimento do direito penal do fato:

Ademais, malgrado os persuasivos fundamentos


253
Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 03 de fevereiro
de 2012.

172
Capítulo IV

invocados pelo Superior Tribunal de Justiça ao denegar


a ordem, tenho para mim que, ao invocar a condição
de reincidente do paciente como obstáculo à aplicação
do princípio da insignificância, afastou-se da melhor
jurisprudência sufragada por esta Corte. É que, para a
aplicação do princípio em comento, somente aspectos
de ordem objetiva do fato devem ser analisados. . É por
isso que reputo mais coerente a linha de entendimento
segundo a qual, para a incidência do princípio da
bagatela, devem ser analisadas as circunstâncias
objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em
si, e não os atributos inerentes ao agente, sob pena de,
ao proceder-se à análise subjetiva, dar-se prioridade
ao contestado e ultrapassado direito penal do autor em
detrimento do direito penal do fato.

A utilização de diferentes critérios para a aplicação


do princípio da insignificância, com o consequente afastamento
da tipicidade, leva à insegurança jurídica que, consequentemente,
limita a aplicação do referido princípio. Os requisitos ou
condições para a aplicação do princípio da insignificância são
estabelecidos pela doutrina e, em especial, pela jurisprudência.
Assim, a coerência na determinação destes é que possibilitará a
incidência mais frequente do referido princípio nas decisões que
envolvam situações de lesões ínfimas ao bem jurídico tutelado
pela norma penal.

No Habeas Corpus julgado abaixo a ordem foi


concedida no sentido de aplicar-se o princípio da insignificância
e, consequentemente, afastar-se a tipicidade. O Supremo

173
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

utilizou-se de fundamentos, senão idênticos, semelhantes aos


já referenciados em situações parecidas. Ou seja, fundou no
fato de que o direito penal não deve se ocupar de bagatelas,
nos princípios da proporcionalidade e da ponderabilidade e,
ainda, nas condições pessoais da ré (primária e com dezoito
anos de idade à época do fato). Há necessidade de que a
conduta do agente provoque uma lesão significante ao bem
jurídico tutelado para que a tipicidade material faça-se presente.
Somam-se às já citadas condições o fato de que a movimentação
de toda a máquina judiciária para a punição do fato mostra-se
proporcionalmente desnecessária.

Ementa: HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA LEGA-


LIDADE PENAL. TIPICIDADE PENAL. JUSTIÇA
MATERIAL. PONDERABILIDADE NO JUÍZO DE
ADEQUAÇÃO TÍPICA DE CONDUTAS FORMAL-
MENTE CRIMINOSAS, PORÉM MATERIALMEN-
TE INSIGNIFICANTES. SIGNIFICÂNCIA PENAL.
CONCEITO CONSTITUCIONAL. DIRETRIZES DE
APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-
CÂNCIA PENAL. ORDEM CONCEDIDA.
1. A norma legal que descreve o delito e comina a
respectiva pena atua por modo necessariamente binário,
no sentido de que, se, por um lado, consubstancia
o poder estatal de interferência na liberdade
individual, também se traduz na garantia de que os
eventuais arroubos legislativos de irrazoabilidade
e desproporcionalidade se expõem a controle
jurisdicional. Donde a política criminal-legislativa do
Estado sempre comportar mediação judicial, inclusive
quanto ao chamado “crime de bagatela” ou“postulado
da insignificância penal” da conduta desse ou daquele

174
Capítulo IV

agente. Com o que o tema da significância penal


confirma que o “devido processo legal” a que se
reporta a Constituição Federal no inciso LIII do art. 5º
é de ser interpretado como um devido processo legal
substantivo ou material. Não meramente formal. 2.
A insignificância penal expressa um necessário juízo
de razoabilidade e proporcionalidade de condutas
que, embora formalmente encaixadas no molde legal-
punitivo, substancialmente escapam desse encaixe.
E escapam desse molde simplesmente formal, como
exigência mesma da própria justiça material enquanto
valor ou bem coletivo que a nossa Constituição Federal
prestigia desde o seu principiológico preâmbulo.
Justiça como valor, a se concretizar mediante uma
certa dosagem de razoabilidade e proporcionalidade
na concretização dos valores da liberdade, igualdade,
segurança, bem-estar, desenvolvimento, etc. Com o
que ela, justiça, somente se realiza na medida em que
os outros valores positivos se realizem por um modo
peculiarmente razoável e proporcional. 3. A justiça não
tem como se incorporar, sozinha, à concreta situação
das protagonizações humanas, exatamente por ser ela
a própria resultante de uma certa cota de razoabilidade
e proporcionalidade na historicização de valores
positivos (os mencionados princípios da liberdade, da
igualdade, da segurança, bem-estar, desenvolvimento,
etc.). Daí que falar do valor da justiça é falar dos
outros valores que dela venham a se impregnar por se
dotarem de um certo quantum de ponderabilidade, se
por este último termo (ponderabilidade) englobarmos
a razoabilidade e a proporcionalidade no seu processo
de concreta incidência. Assim como falar dos outros
valores é reconhecê-los como justos na medida em que
permeados desse efetivo quantum de ponderabilidade
(mescla de razoabilidade e proporcionalidade, torna-
se a dizer). Tudo enlaçado por um modo sinérgico,

175
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

no sentido de que o juízo de ponderabilidade implica


o mais harmonioso emprego do pensamento e do
sentimento do julgador na avaliaçãoda conduta do
agente em face do seu subjetivado histórico de vida e
da objetividade da sua concreta conduta alegadamente
delitiva. 4. É possível extrair do ordenamento jurídico
brasileiro a premissa de que toda conduta penalmente
típica só é penalmente típica porque significante, de
alguma forma, para a sociedade e para a própria vítima.
Em tema de política criminal, a Constituição Federal
pressupõe lesão significante a interesses e valores
(os chamados “bens jurídicos”) por ela avaliados
como dignos de proteção normativa. 5. Ao prever, por
exemplo, a categoria de infrações de menor potencial
ofensivo (inciso I do art. 98), a Constituição Federal
logicamente nega a significância penal de tudo que ficar
aquém desse potencial, de logo rotulado de “menor”;
ou seja, quando a Constituição Federal concebe a
categoria das infrações de menor potencial ofensivo,
parece mesmo que o faz na perspectiva de uma conduta
atenuadamente danosa para a vítima e a sociedade, é
certo, mas ainda assim em grau suficiente de lesividade
para justificar uma reação estatal punitiva. Pelo que
estabelece um vínculo operacional direto entre o efetivo
dano ao bem jurídico tutelado, por menor que seja, e
a necessidade de uma resposta punitiva do Estado. 6.
A contrario sensu, o dano que subjaz à categoria da
insignificância penal não caracteriza, materialmente,
sequer lesão de pequena monta; ou seja, trata-se de
ofensividade factualmente nula, porquanto abaixo até
mesmo da concepção constitucional de dano menor.
Donde sua categorização como penalmente atípica. 7.
É possível listar diretrizes de aplicação do princípio da
insignificância, a saber: a) da perspectiva do agente, a
conduta, além de revelar uma extrema carência material,
ocorre numa concreta ambiência de vulnerabilidade

176
Capítulo IV

social do suposto autor do fato; b) do ângulo da vítima,


o exame da relevância ou irrelevância penal deve
atentar para o seu peculiarmente reduzido sentimento
de perda por efeito da conduta do agente, a ponto de não
experimentar revoltante sensação de impunidade ante
a não-incidência da norma penal que, a princípio, lhe
favorecia; c) quanto aos meios e modos de realização
da conduta, não se pode reconhecer como irrelevante a
ação que se manifesta mediante o emprego de violência
ou ameaça à integridade física, ou moral, tanto da
vítima quanto de terceiros. Reversamente, sinaliza
infração de bagatela ou penalmente insignificante
aquela que, além de não se fazer acompanhar do modus
procedendi que estamos a denunciar como intolerável,
revela um atabalhoamento ou amadorismo tal na sua
execução que antecipa a sua própria frustração; isto é,
já antecipa a sua marcante propensão para a forma não
mais que tentada de infração penal, porque, no fundo,
ditadas por um impulso tão episódico quanto revelador
de extrema carência econômica; d) desnecessidade do
poder punitivo do Estado, traduzida nas situações em
que a imposição de uma pena se autoevidencie como
tão despropositada que até mesmo a pena mínima de
privação liberdade, ou sua conversão em restritiva de
direitos, já significa um desbordamento de qualquer
idéia de proporcionalidade; e) finalmente, o objeto
material dos delitos patrimoniais há de exibir algum
conteúdo econômico, seja para efetivamente desfalcar
ou reduzir o patrimônio da vítima, seja para ampliar o
acervo de bens do agente. 8. No caso, a subtração de
bens alimentícios e de vestuário – tudo avaliado em
menos de R$ 200,00 –, por agente primária e de apenas
18 anos à época dos fatos, se amolda à ponderabilidade
de todas as diretivas listadas. O que legitima ou
autoriza a aplicação do princípio da insignificância,
pena de se provocar a mobilização de uma máquina

177
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como


é o aparato de poder em que o Judiciário consiste,
para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 9.
Ordem concedida. (HC 109134/RS – Rio Grande do
Sul – HABEAS CORPUS – Relator: Ministro Ayres
Britto – Julgado em 13/09/2011 – Segunda Turma)254.

Nas ementas que se seguem destaca-se o


posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à aplicação
do princípio da insignificância ao crime de descaminho. Este
delito é de competência da Justiça Federal, porém, o Supremo
auxiliou na fixação de critérios mínimos para a aplicação do
já citado princípio. Faz-se necessário o estabelecimento de
condições ou requisitos para que se possa afastar a tipicidade
pelo princípio da insignificância para que a sua utilização
traduza-se em segurança jurídica.

HABEAS CORPUS. TIPICIDADE. INSIGNIFICÂN-


CIA PENAL DA CONDUTA. DESCAMINHO. VA-
LOR DAS MERCADORIAS. VALOR DO TRIBU-
TO. LEI Nº 10.522/02. IRRELEVÂNCIA PENAL.
ORDEM CONCEDIDA.
1. O postulado da insignificâqncia é tratado como vetor
interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de
excluir da abrangência do Direito Criminal condutas
provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele
tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos
de uma válida medida de política criminal, visando,
para além de uma desnecessária carceirização, ao
descongestionamento de uma Justiça Penal que deve
254
Informações extraídas do site <www.stf.gov.br> acesso em 17 de janeiro
de 2012.

178
Capítulo IV

se ocupar apenas das infrações tão lesivas a bens


jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses
societários em geral. 2. Não é possível conceber a
existência de uma conduta típica que não afete um bem
jurídico, uma vez que as normas penais positivadas
constituem, em última análise, simples manifestação da
tutela que o Estado exerce sobre os bens que considera
relevantes. Sob esse ângulo, afirma-se que o conceito
de “bem jurídico” e, por consequência, de “lesão”
desempenham papel central na teoria do tipo, dando
sentido teleológico à lei penal e contribuindo para a
formação de um conceito material de tipo penal. 3. No
caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das
coordenadas traçadas pela Lei nº 10.522/02 (lei objeto
de conversão da Medida Provisória nº 2.176-79). Lei
que, ao dispor sobre o “Cadastro Informativo dos
créditos não quitados de órgãos e entidades federais”,
estabeleceu os procedimentos a serem adotados pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em matéria
de débitos fiscais. 4. Ordem concedida para restabelecer
a decisão no HC nº 2001.61.20.007920-1, do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região. (HC 96412, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em
26/10/2010, DJe-051 DIVULG 17-03-2011 PUBLIC
18-03-2011 EMENT VOL-02484-01 PP-00041)

Habeas Corpus. Descaminho. Tributos não pagos na


importação de mercadorias. Habitualidade delitiva não
caracterizada. Irrelevância administrativa da conduta.
Parâmetro: art. 20 da Lei n° 10.522/02. Incidência do
princípio da insignificância. Atipicidade da conduta.
Ordem concedida. A eventual importação de mercadoria
sem o pagamento de tributo em valor inferior ao
definido no art. 20 da Lei n° 10.522/02 consubstancia
conduta atípica, dada a incidência do princípio da

179
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

insignificância. O montante de tributos supostamente


devido pelo paciente (R$ 1.645,26) é inferior ao
mínimo legalmente estabelecido para a execução
fiscal, não constando da denúncia a referência a outros
débitos congêneres em nome do paciente. Ausência, na
hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma
conduta administrativamente irrelevante não pode ter
relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da
fragmentariedade, da necessidade e da intervenção
mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de
lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. Precedentes.
Habitualidade delitiva não caracterizada nos autos.
Ordem concedida para o trancamento da ação penal
de origem. (HC 96852, Relator(a): Min. JOAQUIM
BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 01/02/2011,
DJe-049 DIVULG 15-03-2011 PUBLIC 16-03-2011
EMENT VOL-02482-01 PP-00017).

O acórdão que segue abaixo traz uma decisão de


extrema relevância para o reconhecimento da incidência do
princípio da insignificância ao crime de descaminho, pois,
fixa como critério para a sua aplicação o valor estabelecido
pelo Fisco como mínimo para a propositura de ação fiscal (R$
10.000,00 – dez mil reais). Assim, o relator Ministro Joaquim
Barbosa expressa o seu posicionamento favoravelmente ao
reconhecimento da atipicidade da conduta pela incidência do
princípio da insignificância apontando como fundamentos o
fato de que se uma determinada conduta não possui relevância
para o Direito Administrativo porque teria para o Direito Penal?
Ou seja, o Direito penal possui dentre os seus fundamentos o
caráter fragmentário e subsidiário em que se considera legítima

180
Capítulo IV

a atuação do Direito Penal quando os demais meios de controle


e proteção mostrarem-se insuficientes. Porém, quando para o
próprio Direito Administrativo a referida conduta é irrelevante
quiçá para o Direito Penal.

“[...] Contudo, no caso em análise, a única acusação


que consta da denúncia contra o paciente é a de ter
deixado de recolher R$ 5.118,60, não havendo qualquer
alusão, no acórdão do Tribunal Regional Federal da
4ª Região, a uma possível continuidade delitiva ou
acúmulo de débitos, que conduza a superação do valor
mínimo previsto na Lei nº 10.522/02 – dez mil reais.
Ora, por maior que seja a irresignação do Ministério
Público ou do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
contra a norma antes transcrita, prevista na Lei Federal
nº 10.522/02, c/c Lei nº 11.033/04, não é possível
reconhecer, na hipótese, a existência de justa causa
para a ação penal. À luz de todos os princípios que
regem o direito penal, especialmente o princípio da
subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e
da intervenção mínima, é inadmissível que uma conduta
seja administrativamente irrelevante e, ao mesmo
tempo, seja considerada criminalmente relevante e
possível. A única conclusão a que se pode chegar, na
espécie, é a de que não houve lesão ao bem jurídico
tutelado. A meu ver, representa constrangimento ilegal
a conclusão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
[...] Torno a dizer: não é possível que uma conduta seja
administrativamente irrelevante e não o seja para o
Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente
necessário para a tutela do bem jurídico protegido,
quando falham os outros meios de proteção e não são
suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos
do direito. O raciocínio é simples: o Poder Judiciário

181
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

não tem legitimidade democrática para estabelecer


quais bens jurídicos são penalmente relevantes. Essa
tarefa cabe ao legislador, que, na hipótese, estabeleceu
a irrelevância da lesão inclusive para o próprio Fisco.
Do exposto, concedo a ordem para determinar o
trancamento da ação penal de origem, tendo em vista a
ausência de justa causa”. (HABEAS CORPUS 92438-
7. Relator Ministro Joaquim Barbosa. 19/08/2008.
Segunda Turma).

Pode-se concluir que o princípio da insignificância


possui aplicação junto ao Supremo Tribunal Federal que
compreende o seu significado como um mecanismo de
afastamento da tipicidade às situações em que a lesão ao bem
jurídico tutelado é ínfima e, portanto, insuficiente, para o
recebimento da tutela penal. Porém, o mais significativo nas
decisões do Supremo encontra-se na possibilidade de coerência
nas suas decisões, ou seja, na fixação de critérios para a
aplicação do Princípio da Insignificância. Um das grandes
críticas ao princípio da insignificância reside, justamente, na
ausência de segurança jurídica pela ausência de critérios para a
sua aplicação. Assim, a partir do instante em que estes começam
a estabelecerem-se, oriundos do Supremo, novos rumos
delineiam-se para o Princípio da Insignificância. Afastá-lo de
critérios subjetivos é o começo da sua incidência aos delitos que
causam lesões tão irrelevantes aos bens jurídicos tutelados que
a incidência da norma penal torna-se desnecessária.

182
Capítulo IV

B - O Princípio da Insigniicância e sua aplicação no Superior


Tribunal de Justiça

A aplicação do princípio da insignificância pelo


Superior Tribunal de Justiça encontra seus parâmetros nas
decisões do Supremo Tribunal Federal. Não raro, vários
acórdãos, mencionam os pressupostos, condições ou requisitos
já descritos pelo Supremo nos julgados em que se concede ou
denega a incidência do referido princípio. Resumidamente é
tarefa simples a identificação dessas condições e dentre elas
podem-se citar: a mínima lesividade da ação do agente; o valor
do prejuízo; a ofensividade; a bagatela.

No Agravo Regimental em Recurso Especial nº


255
1282906 (São Paulo), em que foi relator o Ministro Jorge
255
“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. TENTATIVA DE FURTO. LATA DE TINTA NO VALOR
DE R$130,00. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DENÚNCIA
REJEITADA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores
a mínima ofensividade da conduta, a nenhuma periculosidade social da ação,
o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade
da lesão jurídica provocada. 2. Se é certo que o princípio da insignificância
deve ser usado com parcimônia pelo julgador, visando sua não banalização
e incentivo ao cometimento de pequenos delitos, não menos certo que sua
aplicabilidade é casuística. 3. Com efeito, na hipótese em exame, embora a
ação do recorrido - tentativa de furto qualificado - se amolde à tipicidade
formal, que é a perfeita subsunção da conduta à norma incriminadora e à
tipicidade subjetiva, não há como reconhecer presente a tipicidade material,
que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face
da significância da lesão produzida ao bem jurídico tutelado pelo Estado.
Isso porque o objeto do delito - uma lata de tinta avaliada em R$ 130,00
(cento e trinta reais) - possui valor ínfimo, não havendo qualquer notícia de
que a vítima tenha logrado prejuízo, seja com a conduta do acusado ou com

183
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Mussi, julgado em 15/03/2012 e publicado em 22/03/2012,


verifica-se que a baixa lesividade da conduta do agente aliada
ao fato da insignificância da lesão produzida no bem jurídico
tutelado resultaram no afastamento da tipicidade pela aplicação
do Princípio da Insignificância. Destaca-se em seu voto256:

Certo que o referido princípio jamais pode surgir como


elemento gerador de impunidade, mormente em se
tratando de crime contra o patrimônio, pouco importando
se o valor da res furtiva seja de pequena monta, até
porque não se pode confundir bem de pequeno valor
com o de valor insignificante ou irrisório, já que para
aquela primeira situação existe o privilégio insculpido
no § 2º do art. 155 do Código Penal. Assim, a aplicação
do princípio da insignificância, causa excludente de
tipicidade material, admitida pela doutrina e pela
jurisprudência em observância aos postulados da
fragmentariedade e da intervenção mínima do Direito
Penal, demanda o exame do preenchimento de certos
requisitos objetivos e subjetivos exigidos para o seu

a conseqüência dela - mormente porque a res foi recuperada e restituída -, o


que evidencia
a dispensabilidade do prosseguimento da ação, pois o resultado jurídico, qual
seja, a lesão produzida ao bem jurídico tutelado, mostra-se absolutamente
irrelevante. 4. Ademais, o valor da res furtiva, diferentemente da forma
como a jurisprudência vem entendendo em relação ao crime de descaminho,
deve ser agregado a outros parâmetros de análise, adotando-se o valor de
R$ 100,00 apenas como valor referência e não valor limite. Precedentes.
5. Agravo regimental não provido”. (AgRg no REsp 1282906/SP – Agravo
Regimental no Recurso Especial – 2011/0231321-4 – Relator: Ministro
Jorge Mussi – T5: Quinta Turma – Data do julgamento: 15/03/2012 – Data
da publicação: 22/03/2012). Informações extraídas do site <www.stj.gov.br>
acesso em 25 de março de 2012.
256
AgRg no REsp 1282906/SP – Agravo Regimental no Recurso Especial –
2011/0231321-4 – Relator: Ministro Jorge Mussi – T5: Quinta Turma – Data
do julgamento: 15/03/2012 – Data da publicação: 22/03/2012. Informações
extraídas do site <www.stj.gov.br> acesso em 25 de março de 2012.

184
Capítulo IV

reconhecimento, traduzidos no reduzido valor do


bem tutelado e na favorabilidade das circunstâncias
em que foi cometido o fato criminoso e de suas
consequências jurídicas e sociais, pressupostos que,
no caso, se encontram preenchidos. Com efeito, na
hipótese em exame, embora a ação do recorrido -
tentativa de furto qualificado - se amolde à tipicidade
formal, que é a perfeita subsunção da conduta à norma
incriminadora e à tipicidade subjetiva, não há como
reconhecer presente a tipicidade material, que consiste
na relevância penal da conduta e do resultado típicos
em face da significância da lesão produzida ao bem
jurídico tutelado pelo Estado. bem jurídico tutelado
pelo Estado. Isso porque o objeto do delito - uma lata
de tinta avaliada em R$ 130,00 (cento e trinta reais) –
possui valor ínfimo, não havendo qualquer notícia de
que a vítima tenha logrado prejuízo, seja com a conduta
do acusado ou com a conseqüência dela - mormente
porque a res foi recuperada e restituída -, o que evidencia
a dispensabilidade do prosseguimento da ação, pois o
resultado jurídico, qual seja, a lesão produzida ao bem
jurídico tutelado, mostra-se absolutamente irrelevante.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, o princípio da insignificância tem como
vetores a mínima ofensividade da conduta, a nenhuma
periculosidade social da ação, o reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade
da lesão jurídica provocada. Se é certo que o princípio
da insignificância deve ser usado com parcimônia pelo
julgador, visando sua não banalização e incentivo ao
cometimento de pequenos delitos, não menos certo que
sua aplicabilidade é casuística. Ademais, o valor da res
furtiva, diferentemente da forma como a jurisprudência
vem entendendo em relação ao crime de descaminho,
deve ser agregado a outros parâmetros de análise,
adotando-se o valor de R$ 100,00 apenas como valor

185
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

referência e não valor limite.

O voto do Ministro Jorge Mussi elenca os


principais pressupostos já utilizados na aplicação do Princípio
da Insignificância. A ausência de tipicidade material significa
que para que ocorra a incidência da norma penal não basta
a subsunção do fato à norma (tipicidade formal) e sim há
necessidade de que a conduta do agente provoque no bem
jurídico uma lesão que seja suficiente para ensejar a tutela
penal. Lesões ínfimas ou insignificantes, bem como, crimes
de bagatela não interessam ao Direito Penal que deles não
deve ocupar-se. A concepção de tipicidade material aliada
aos pressupostos da fragmentariedade, da subsidiariedade e
da intervenção mínima é quem garantem a segurança jurídica
necessária para a incidência do referido princípio. Um dado
relevante no voto de Ministro refere-se ao valor adotado para
a aplicabilidade do Princípio da Insignificância. Em seu voto
explica que o valor de R$ 100,00 (cem reais) deve ser utilizado
apenas como referência e não como limite para a incidência do
princípio.

No julgado que segue o Ministro Gilson Dipp


considerou insignificante a conduta dos pacientes que
subtraíram um objeto avaliado em R$ 60,00 (sessenta reais). Os
argumentos utilizados foram o fato de que tal objeto pertence à
pessoa jurídica, que foi integralmente restituído e que, portanto,

186
Capítulo IV

não há que se falar em qualquer prejuízo sofrido decorrente da


conduta dos pacientes. O fato, portanto, apesar, de amoldar-se à
conduta descrita no caput do artigo 155 do Código Penal carece
de tipicidade material diante do fato de que a lesão produzida
ao bem jurídico tutela é insignificante e incapaz de possibilitar
a incidência da norma penal. Assim não há que se falar em
lesividade e tampouco justifica-se a movimentação da máquina
judiciária para buscar uma solução para o caso em apreço.

Inicialmente, registre-se que a verificação da lesividade


mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar
em consideração a importância do objeto material
subtraído, a condição econômica do sujeito passivo,
assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a
fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não
relevante lesão ao bem jurídico tutelado. No presente
feito, os pacientes estão sendo investigados pelo furto
de um cone de sinalização, em 13.2.2011, avaliado
em setenta reais pela Federação Paulista de Ciclismo,
proprietária do bem. Consta das informações, ainda,
que o objeto foi recuperado pela Polícia Militar
no momento em que abordaram os indiciados, ora
pacientes. [...] Verifica-se que o bem subtraído -
um cone de trânsito - possui importância reduzida,
devendo ser ressaltada a condição econômica do
sujeito passivo, pessoa jurídica - Federação Paulista de
Ciclismo - que recuperou o bem furtado, inexistindo,
portanto, repercussão social ou econômica. Além do
valor da res furtiva não ser parâmetro único à aplicação
do princípio da insignificância, as circunstâncias e o
resultado do crime em questão demonstram a ausência
de relevância penal da conduta, razão pela qual deve se
considerar a hipótese de delito de bagatela. Registra-

187
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

se, ainda, a inconveniência de se movimentar o Poder


Judiciário para solucionar a questão em comento.
(HC 218234/SP – Relator Ministro Gilson Dipp – T5
– Quinta Turma – Data do julgamento: 13/03/2012 –
Data da publicação: 20/03/2012)257.

No julgamento do Habeas Corpus que se segue,


a conduta da Paciente em subtrair objetos avaliados em sua
totalidade em R$ 84,89 (oitenta e quatro reais e oitenta e
nove centavos), não foi considerada por si só insignificante.
Em seu voto a Relatora Ministra Laurita Vaz esclareceu que
insignificância não é a mesma coisa que bens de pequeno valor.
Ou seja, para a incidência do princípio da insignificância, e o
consequente afastamento da tipicidade, não basta que os objetos
sejam de pequeno valor, o que irá determinar a não incidência
da norma penal é a análise da tipicidade material e, no presente
caso, entendeu-se que à lesão produzida no bem jurídico tutelado
foi suficiente para ensejar a necessidade de tutela penal.

A conduta imputada à Paciente – subtração, em


concurso de agentes, de “01 ferro de passar roupa,
01 carregador de celular marca Samsung, 01 fone de
ouvido, 01 fita isolante de 5 metros, parafuso e pregos
e 02 chaves de cadeado de marca Pado, avaliados
em R$ 84,89 (oitenta e quatro reais e oitenta e nove
centavos” da residência da vítima – não se insere
na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime
de bagatela. O delito em questão não se insere na
257
HC 218234/SP – Relator Ministro Gilson Dipp – T5 – Quinta Turma – Data
do julgamento: 13/03/2012 – Data da publicação: 20/03/2012. Informações
extraídas do site <www.stj.gov.br> acesso em 22 de março de 2012.

188
Capítulo IV

concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de


bagatela. No caso do furto, não se pode confundir bem
de pequeno valor com de valor insignificante. Este,
necessariamente, exclui o crime em face da ausência
de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe
o princípio da insignificância. Aquele, eventualmente,
pode caracterizar o privilégio insculpido no § 2º do
art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a
possibilidade de pena mais branda, compatível com
a gravidade da conduta. Frise-se que a subtração de
valores não considerados ínfimos, não pode ser tida
como um indiferente penal, na medida em que a falta
de repressão a tais condutas representaria verdadeiro
incentivo à prática de pequenos delitos que, no
conjunto, trariam lesividade ao bem jurídico tutelado
pela norma penal. Na hipótese, a conduta perpetrada
pela Paciente não pode ser considerada irrelevante
para o direito penal. Com efeito, o comportamento
do acusado – que subtraiu, juntamente com outro,
pertences da casa da vítima – revela-se incompatível
com a aplicação do princípio da insignificância, por
apresentar significativo grau de reprovabilidade258.

C - O Princípio da Insigniicância e sua aplicação no Tribunal


Regional Federal da Quarta Região

No que se refere aos crimes de competência da


Justiça Federal maior ênfase merece o crime de descaminho
previsto no artigo 334 do Código Penal. Para que se dê a
tipificação deste crime o agente ao ingressar no País com
258
STJ – Habeas Corpus nº 207361 – Quinta Turma – Voto Relatora Ministra
Laurita Vaz – DJU 19.03.2012. Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso
em 31 de março de 2012.

189
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

mercadorias permitidas deixa de recolher os tributos. O Código


Penal prevê a conduta de descaminho no mesmo artigo que
a conduta configuradora do crime de contrabando, porém,
são delitos completamente diferentes. Há muitas discussões
doutrinárias e jurisprudenciais acerca da aplicação do princípio
da insignificância e consequente afastamento da tipicidade ao
delito de descaminho. Na sequencia analisar-se-ão algumas
decisões provenientes do Tribunal Regional Federal da Quarta
Federal nas quais se privilegia a abordagem em relação à
possibilidade ou impossibilidade de aplicação do princípio da
insignificância ao crime de descaminho.
No voto do Relator Desembargador Paulo Afonso
Brum Vaz259 houve a aplicação do princípio da insignificância
259
A tendência generalizada na doutrina e na jurisprudência é a de limitar ao
máximo o âmbito de atuação do Direito Penal, por seu caráter fragmentário,
reservando-o apenas para a proteção dos bens jurídicos mais importantes.
Consequência prática dessa nova política criminal é a adoção do princípio da
insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade. Conforme
a tese despenalizante, ligada aos chamados crimes de bagatela, o Direito
Penal, pela adequação típica, só deve intervir nos casos de lesão jurídica
de gravidade relevante. Se a perturbação social decorrente da conduta
praticada for mínima, não há óbice para que se possa reconhecer a sua
atipicidade. Certas ações, em que pese sua tipificação pelo legislador, não
apresentam caráter penal relevante e deveriam estar excluídas da área de
proibição estatuída pela lei penal. Pois bem. No crime de descaminho, a
2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do Habeas
Corpus nº 92.438/PR, firmou orientação de que a tese despenalizante, na
modalidade infracional em comento, deve incidir até o parâmetro de R$
10.000,00 (dez mil reais) instituído pela Lei nº 11.033/04. Entendeu-se, na
ocasião, não ser admissível que uma conduta fosse irrelevante no âmbito
administrativo e não o fosse para o Direito Penal, que só deve atuar quando
extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando
falharem os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas
estabelecidas nos demais ramos do Direito (Rel. Ministro Joaquim Barbosa,
DJe 19.12.2008). Também a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em
sessão realizada em 09 de setembro de 2009, ao julgar recurso repetitivo,

190
Capítulo IV

ao crime de descaminho ao considerar-se que o Direito Penal


deve ocupar-se, apenas, das situações em que haja lesão
significativa ao bem jurídico tutelado sendo que isto decorre
da fragmentariedade e da subsidiariedade do Direito Penal que
não pode ocupar-se de bagatelas. Ou seja, ações em que a lesão
a o bem jurídico tutelado pela norma penal seja irrelevante,
ainda que revestida de tipicidade formal, por razões de política
criminal, devem ser excluídas do âmbito de incidência da norma
penal. Ressalta-se, ainda, o fato de que o agente é pessoa que
reiteradamente envolve-se em igual prática criminosa. Porém,
este dado não foi levado em consideração diante do entendimento
majoritário de que na análise do princípio da insignificância
somente os requisitos objetivos devem ser avaliados e que sua
incidência independe da análise dos requisitos subjetivos ou
pessoais.
entendeu que, em atenção à jurisprudência predominante do STF, deve-se
aplicar o princípio da insignificância ao crime de descaminho quando os
delitos tributários não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
adotando-se o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com a redação
dada pela Lei nº 11.033/2004 (Informativo nº 406 do STJ). Quanto às
condições pessoais do agente, especialmente a sua inclinação de reiteração
na conduta delitiva específica, este Regional vem seguindo a orientação
formada no Supremo Tribunal Federal (QORExt nº 514530 e QORExt nº
512183, julg. 06.02.2007, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, e RE 536486,
Rel. Ministra Ellen Gracie, julg. 26.08.2008) acerca da matéria, segundo a
qual circunstâncias de caráter eminentemente subjetivo não interferem na
aplicação do princípio. Este, inclusive, foi o posicionamento adotado pela 4ª
Seção quando do julgamento dos EINACR nº 2002.70.04.003330-1, desta
Relatoria, e DJ 28.03.2007. Diante do valor dos tributos iludidos na espécie
(R$ 1.451,75 -mil quatrocentos e cinquenta e um reais e setenta e cinco
centavos), considero como de bagatela o crime que lhe foi imputado. (Recurso
Criminal em Sentido Estrito – Processo 5004790-41.2011.404.7005/PR
– Relator Paulo Afonso Brum Vaz - Data da decisão 14/03/2012 – Oitiva
Turma). Informações extraídas do site <www.trf4.gov.br> acesso em 27 de
março de 2012.

191
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Seguem outras situações em que se reconheceu a


aplicação do princípio da insignificância,

Trata-se de ação penal por imputado crime do art.


334, do Código Penal, com adequado processamento
recursal, pelo descaminho de mercadorias diversas
(rádios, fones de ouvido, pilhas...), onde o valor dos
tributos iludidos (II e IPI) foi de R$ 1.385,64 (um mil
e trezentos e oitenta e cinco reais e sessenta e quatro
centavos). O magistrado a quo, após o oferecimento
da denúncia, considerando que o total de tributos
iludidos é inferior ao limite de R$ 10.000,00,
reconheceu a atipicidade da conduta, em face da
aplicação do princípio da insignificância, e rejeitou a
denúncia em face do descaminho. Quanto ao limite da
insignificância penal, a segurança jurídica da decisão
esperada recomenda o prestigiamento dos precedentes,
especialmente da Suprema Corte, a dar a solução
definitiva em tema de tipicidade - na via do habeas
corpus. Desse modo, tendo já em dois precedentes
(HC92438 e HC95089) definido a 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, que o
desinteresse fazendário na execução fiscal torna certa
a impossibilidade de incidência do mais gravoso e
substitutivo direito penal, veio a acolher também esta
Corte (EI 2006.70.07.000110-1) a compreensão de
que o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), do art.
20 da Lei n.º 10.522/02, é objetivamente indicador da
insignificância para o crime de descaminho - ainda
que tal fato se verifique em mais de uma oportunidade
(STF/HC 77003 e AI-QO 559904), pois não cabe o
exame de condições pessoais do agente, inclusive
reiteração no crime, em questão de tipicidade, como
é o caso da tese da insignificância. Sendo o montante
de tributos iludidos inferior a R$ 10.000,00 (dez mil

192
Capítulo IV

reais), é de se reconhecer a atipia da conduta. Novos


posicionamentos jurisprudenciais acerca do não
cabimento da insignificância ante a vivência delitiva
do agente, citados no parecer ministerial, ainda não
se constituem em efetiva jurisprudência, a justificar
alteração do posicionamento até hoje firmado de que
a tipicidade não é mensurada por fatores subjetivos,
como acima mencionado. Assim, não merece reforma
a sentença que rejeitou a denúncia pelo crime de
descaminho. ANTE O EXPOSTO, voto por acolher a
questão de ordem de tema exclusivamente de direito
com reiterada jurisprudência desta Corte, para negar
provimento ao recurso. (Recurso Criminal em Sentido
Estrito – Processo 5004485-57.2011.404.7005/PR –
Relator Néfi Cordeiro – Data da decisão: 06/03/2012
– Sétima Turma)260.

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A


ORDEM TRIBUTÁRIA. IMPOSTO DE RENDA RE-
TIDO NA FONTE - IRRF. SONEGAÇÃO FISCAL.
ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI 8.137/90. PRINCÍ-
PIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ARTIGO 20 DA LEI
10.522/02. APLICABILIDADE.
As multas tributárias e os juros de mora devem ser
desconsiderados para a aferição da relevância penal e
da adequação típica da conduta. Na linha consolidada
pela 4ª Seção desta Corte, adotando orientação das
instâncias extraordinárias, inexiste justa causa para a
persecução penal pela suposta prática do crime contra a
ordem tributária, quando o imposto sonegado for igual
ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos
do art. 20 da Lei 10.522, de 2002, com a redação dada
pela Lei 11.033, de 2004, uma vez que, nessa linha,
resta caracterizada a atipicidade da conduta combatida.

260
Informações extraídas do site <www.trf4.gov.br> acesso em 14 de março
de 2012.

193
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

Em face da insignificância dos valores devidos a título


de imposto de renda retido na fonte - IRRF, cabível a
absolvição da ré, com base no artigo 386, III, do Código
de Processo Penal. (TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL
Nº 0005442-63.2008.404.7001, 7ª Turma, Juiz
Federal LUIZ CARLOS CANALLI, POR MAIORIA,
VENCIDO PARCIALMENTE O RELATOR, D.E.
23/09/2011)261.

PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁ-


RIA. MULTA E JUROS. DESCONSIDERAÇÃO.
VALOR ILUDIDO INFERIOR A R$ 10.000,00. IN-
SIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTE DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL.
1. As multas tributárias e os juros de mora devem
ser desconsideradas tanto para efeito da mensuração
das consequências do delito, como para aferição
da lesividade e da adequação típica da conduta.
Precedentes. 2. Aplica-se o princípio da insignificância
jurídica, como excludente da tipicidade do delito de
sonegação fiscal (artigo 1º da Lei n.º 8.137/90), quando,
para fins de persecução penal, o valor dos tributos
iludidos é inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais),
montante estabelecido pela Administração como sendo
o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça e desta Corte. (TRF4, QUESTÃO
DE ORDEM NA ACR Nº 2007.72.07.000057-9, 8ª
Turma, Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA,
POR UNANIMIDADE, D.E. 30/07/2010)262.

O princípio da insignificância é coerente com o


261
Informações extraídas do site <www.trf4.gov.br> acesso em 14 de março
de 2012.
262
Informações extraídas do site <www.trf4.gov.br> acesso em 14 de março
de 2012.

194
Capítulo IV

Estado Democrático de Direito em que a intervenção estatal


na esfera penal só estará legitimada quando houver uma lesão
ao bem jurídico tutelado suficiente para demandar a incidência
da norma penal. O princípio da insignificância não é gerador
de impunidades e nem de insegurança jurídica, pois, basta a
existência de critérios ou condições mínimas para que a sua
incidência seja plena. O princípio da insignificância é uma
construção dogmática que auxilia na solução de questões em
que há uma grande desproporção entre a conduta reprovada e
a pena aplicada. Porém, há quem sustente a desnecessidade do
princípio da insignificância diante da existência de previsão
legislativa residual, ou seja, o sistema já criminaliza as condutas
consideradas de menor relevância com figuras denominadas de
privilegiadas (como, por exemplo, o furto de pequeno valor
previsto no Código Penal, artigo 155, parágrafo 2º e a Lei
9.099/95). Ocorre que o princípio da insignificância propõe a
atipicidade destas condutas e não a sua criminalização, ainda
que residual, diante da inexistência de tipicidade material.
Assim, ainda que se aplique uma pena mínima ou uma figura
privilegiada, haverá desproporção diante da lesão produzida ao
bem jurídico tutelado. Ou seja, o princípio da insignificância
já é aplicado pelos tribunais pátrios que objetivam a incidência
da tipicidade material e consequentemente a aplicação da lei
penal apenas às situações em que todos os demais mecanismos
de controle não tenham logrado êxito e desde que haja o
preenchimento de algumas condições. Independentemente do

195
O Princípio da Insigniicância no Direito Penal Brasileiro

princípio da insignificância estar ou não legislado constitui-se


ele em um importante mecanismo de afastamento de condutas
em que não haja tipicidade material. A idéia de que o Estado
deva perseguir e punir toda e qualquer infração à norma jurídica
penal constitui-se em uma falácia que já não condiz com a
realidade do direito penal. E é neste contexto que o princípio da
insignificância deve ser entendido, ou seja, como um mecanismo
de interpretação restritiva. Com a sua aplicação é possível
alcançar-se, sem que haja insegurança jurídica, os ideais da
política criminal de descriminalização de condutas que, apesar
de formalmente típicas, não causam uma lesão suficiente para
ensejar a incidência da norma penal. A utilização do princípio
da insignificância reafirma o caráter fragmentário e subsidiário
do direito penal, reservando-o, assim, apenas para as condutas
em que se protejam bens jurídicos que carecem da proteção
penal indiscutivelmente.

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