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Morgana

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resumo
O objetivo desse projeto é explicar e acompanhar
o processo de criação de uma história em
quadrinhos que usa os signos da bruxaria como
uma metáfora para refletir sobre a importância do
exercício de empoderamento das mulheres tanto
quanto o empoderamento de outras identidades
de resistência.

Palavras-chave: História em quadrinhos,


Ilustração, Bruxaria

ABSTRACT
This project’s objective is to explain the creation
process of a graphic novel that uses witchcraft as a
metaphor to reflect on the importance of women’s
empowerment, as well as the empowerment of
other opressed identities.

Keywords: Graphic novel, Illustration, Witchcraft

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sumário
introdução 8
a mulher e a bruxa 8
O ASPECTO HISTÓRICO GLOBAL E BRASILEIRO DA CONDIÇÃO FEMININA 8
A BRUXA COMO SIGNO 8
EMPODERAMENTO: COMUNIDADE, ESTRATÉGIA E AUTONOMIA 8

HISTÓRIA EM QUADRINHOS 8
HISTÓRICO DA REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS QUADRINHOS
LINGUAGEM DOS QUADRINHOS
CASOS ANÁLOGOS
REFERÊNCIAS VISUAIS E NARRATIVAS

PÚBLICO ALVO E ESTRATÉGIAS


MERCADO MUNDIAL E BRASILEIRO DOS QUADRINHOS
LEITORES
VIABILIZAÇÃO: CROWDFUNDING
UM POUCO SOBRE A NARRATIVA
ROTEIRO
PROTAGONISTAS
MORGANA
SABRINA
LUNA
SERENA
ANTAGONISTAS
SARGENTO LEAL
FERNANDO SALGADO
DR. ZEMAN
YGARTH, O DRAGÃO

SÉRIE (VOLUMES 1-10)


NOME DA HQ
DESIGN
MERCADO MUNDIAL E BRASILEIRO DOS QUADRINHOS
LEITORES
VIABILIZAÇÃO: CROWDFUNDING
INTRODUÇÃO
Como abordar os dilemas da identidade enfrentados por meninas e
mulheres na contemporaneidade? A pergunta pode soar complexa, mas
a hipótese na qual esse projeto é baseado não é surpreendente: por meio
da representatividade e da construção e conceituação, para os leitores,
do que conhecemos por “empoderamento”.

Quando crianças, interagimos com revistas em quadrinhos


constantemente, e aprendemos diversas coisas lado a lado com
o nosso aprendizado cotidiano – desde a moral até o caráter dos
indivíduos. Crescendo, nem todos se mantêm fieis aos quadrinhos, mas
improvavelmente esquecem o que leram - uma das várias vantagens de
aliar imagem a palavras. Foi graças a essa percepção da linguagem dos
quadrinhos que veio a inspiração de explorar a questão de identidade
feminina por esse mesmo viés.

Por trás de uma motivação passional, Morgana é construído a


partir de uma pesquisa histórica da condição feminina, do significado
oculto na conhecida caça às bruxas e da explicação do que é, de fato, o
empoderamento, principalmente para mulheres latino-americanas.

É decompondo uma estrutura histórica que conhecemos e


aprendemos na escola para ir atrás de uma área pouco explorada – a
figura da mulher, posta à sombra do homem e suas conquistas – que se
revela a necessidade de atacar as grandes questões e problemáticas do
patriarcado que vêm sendo carregadas pela mulher ao longo dos séculos.

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Não somente revela-se essa necessidade, mas expõe-se também um
grande descuido de certos setores e pesquisadores na hora de analisar
a grande conclusão da opressão de gênero, raça e religião que foi o
fenômeno conhecido por caça as bruxas que aconteceu durante o século
XIV até meados do século XVII - inclusive no Brasil. Esse projeto, logo,
trata de resgatar o significado por traz de um fenômeno que muitas vezes
é tratado como pouco importante para a situação atual da sociedade
e colocar luz em não somente o que o causou, mas o que influenciou
outras formas de opressão ao longo da história e perpetuou até os dias de
hoje, influenciando famílias da contemporaneidade.

Embasado em questões profundamente enraizadas na nossa


sociedade, propõe-se um universo fantástico com personagens de
personalidades fortes. Apesar do conteúdo mágico, as protagonistas não
se deixam ser ofuscadas e são inspiradas pelo símbolo da bruxaria na
história da mulher com o objetivo de instigar o pensamento reflexivo
nos leitores para com as diferentes formas de opressão do feminino que
ainda existem no nosso meio.

Morgana é uma bruxa extremamente forte, mas que vive nas


sombras de sua lendária mãe; Sabrina é uma garota que se descobre
poderosa e aparenta confiante, porém nunca deixa transparecer suas
fraquezas; Luna é a menina focada e determinada que não se permite
ser sua versão mais forte e imponente; Serena é a bruxa que vive em
medo de se levantar contra as vontades dos outros sobre a sua própria
vida – e juntas, elas seguem numa jornada de autoconhecimento
e empoderamento com o grande objetivo de derrotar as pessoas
responsáveis pela sua própria opressão social e psicológica, e como
consequência, inspirar e encorajar os leitores a traçarem e desbravarem
o mesmo caminho que elas.

Pode-se pensar nesse projeto como um corpo humano, completo de


uma forma que consiga andar por si próprio. Dessa forma, é montado
um esqueleto completo e funcional, que dá à história a amplitude e
complexidade necessária para o sucesso da mesma.

Nessa metáfora, uma das pernas é o tema, aqui chamado de “a mulher


e a bruxa”, que parte de três pilares: a conceituação de empoderamento, a

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historiografia da mulher e o símbolo que é a bruxaria.

A outra perna é a história em quadrinhos, subdividida de tal forma que


seja explicificado o histórico da representação feminina em quadrinhos, a
linguagem que será utilizada, casos análogos ao meu projeto e referências
visuais e narrativas.

Em seguida temos os dois braços, o capítulo chamado público alvo


e estratégias, que pretende analisar três parâmetros: o mercado dos
quadrinhos, o perfil dos meus leitores e a viabilização do projeto, ou seja,
como ele seria lançado no mercado.

A cabeça do meu projeto se encontra no capítulo quatro, onde se revela


a narrativa: o roteiro, as protagonistas, o antagonista, o universo, o enredo
e o título da HQ.

Por último, o grande sistema do projeto é o capítulo cinco, onde são


explicadas as minhas escolhas de design, desde o desenho, diagramação,
arte final, paleta de cores etc. até o projeto editorial dessa monografia.

Durante esse projeto eu decidi utilizar diferentes argumentos para


comprovar a minha hipótese, mas mais presente estão os métodos de
dedução e análise a partir dos materiais das minhas referências.

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The Magic Circle, de John W.
Waterhouse
a mulher
e a bruxa
PARTE I: O ASPECTO HISTÓRICO
GLOBAL E BRASILEIRO DA
CONDIÇÃO FEMININA
Para o embasamento teórico da minha história, diversas coisas precisam
ser conceituadas – mas antes disso, há uma necessidade histórica de traçar
os passos da mulher ao longo dos séculos para entender porque eu quero
resolver o problema que foi explicitado na introdução. Tudo começa com
uma pergunta: quando e onde se iniciou o termo designado para o regime
de dominação-exploração das mulheres (SAFFIOTI, 2004) conhecido por
patriarcado?

É nos ensinado que, durante a pré-história, mulheres e homens viviam


em harmonia; mulheres tinham um papel destacado na sociedade por
acreditar-se que elas tinham um poder mágico, o dom da vida, devido sua
fecundidade. Sabe-se muito pouco da mulher nesse momento histórico
porque muitos historiadores desconsideraram as mulheres na construção
da história da humanidade (ALAMBERT, 2004, p.27).

É possível que a invenção do arado, que vem para substituir a enxada


primitiva utilizada pela mulher, tenha aberto um caminho para o início
do patriarcado. O arado, por ser mais pesado, precisava de tração animal e
da força do homem para dar direção ao seu movimento – neste momento,
o trabalho do homem passou a ser mais valorizado. A partir disso, os
grupos começaram a se tornar sedentários, dividindo a terra e formando
as primeiras plantações. Mais tarde, estabeleceram as primeiras aldeias,
que deram espaço as cidades, as cidades-estado, os primeiros Estados e
por fim impérios.

Gerda Lerner, citada por Saffioti (2004), chega a dizer que, em certo
ponto na história, o conhecimento do homem de seu papel na reprodução
humana lhes dá mais poder aos homens e finalmente dá início ao
patriarcado – isto é, ao se descobrir participante na reprodução da espécie,
o homem passa a atribuir a si o papel primordial e dá início a um problema
demográfico: quanto mais filhos, mais soldados e mais mão de obra barata.

Em um momento em que a superpopulação entra em cena, quando


bens começam a se acumular na mão de alguns, nasce o comércio – e com
isso, os dominados e seus dominadores.

A partir desse ponto, desaparecem a igualdade existente nos clãs e


consequentemente surge a necessidade de garantir a transmissão da
herança a mãos legítimas e daí a vigilância sobre as mulheres. “Um dos
elementos nucleares do patriarcado consiste no controle da sexualidade
feminina, a fim de assegurar a fidelidade da esposa ao marido” (SAFFIOTI,
2004, p.49). Edgar Morin, citado por Oliveira (1999), “sugere que a afirmação
da superioridade masculina coincide com o nascimento da família quanto
microestrutura social”.

Durante o nascer da Idade Média, o período da humanidade onde


predominavam os valores éticos cristãos, a mulher tinha seu papel baseado
em estereótipos que reforçavam sua presença restrita no lar. A mulher era

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atribuída ao símbolo da roca, uma atividade na vida privada, enquanto o
homem era atribuído à espada, denotando atividade no campo de batalha
(MACEDO, 2002).

Em Roma, mulheres foram excluídas de suas funções públicas. Suas


relações, limitadas ao lar, a tornaram submetidas ao poder do homem
dentro de sua família, seja este o pai, marido ou o sogro. Juridicamente,
eram consideradas incapazes e dificilmente podiam requerer à justiça.

O código de leis mais antigo que se tem notícia, chamado Edito de


Rotário, desenvolvido pelo povo Lombardo no século VII, continha diversos
dispositivos relacionados direto ou indiretamente à mulher. O artigo 204,
por exemplo:

“A nenhuma mulher livre habitante do nosso reino e


governada pela Lei dos Lombardos seja permitido viver
de acordo com a sua vontade, como selpmundia, mas
que permaneça sob o poder de um homem ou um rei.
Não poderá vender ou dar nenhum dos seus bens móveis
ou imóveis sem a autorização daquele que detém seu
mundio.” (MACEDO, 2002, p.18).

Nesse tipo de ordenamento, as mulheres também eram completamente


excluídas da sucessão de bens. Quando filhas, não tinham direito à herança
e quando viúvas, manteriam a posse apenas dos bens doados pelo pai ou
do marido quando dados por matrimônio ou contradote.

Outra estratégia clássica da época se baseava em mandar mulheres


para conventos, através da justificativa que essas sofriam por amor ou
desobedeciam seus “senhores”:

“Quando o valor do dote colocava em perigo a


estabilidade do patrimônio familiar, a fim de diminuir o
número de prováveis casamentos, os pais ou os chefes
de casa enviavam as jovens aos mosteiros para que se

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tornassem freiras. (...) a diminuição de solteiras aptas
ao matrimônio protegia os bens, já que não haveria
necessidade de dotá-las para o casamento. (...) Assim,
de todos os lados, o processo de transmissão de bens
determinou o destino das mulheres” (MACEDO, 2002,
p.22).

Na percepção da Igreja, no matrimônio cabia ao homem a direção e


a mulher a submissão. Dentro da moral cristã, o prazer era pecaminoso
pois mantinha o espírito prisioneiro do corpo e longe de Deus. Dessa
forma a mulher acaba por ser considerada fraca e inferior, de “natureza
pérfidas, frívolas, luxuriosas, impulsionadas para a fornicação”. Por isso
lhes era tirado até mesmo a expressão de seu desejo sexual. Nesta época
aos homens era permitido castigá-las com punições físicas em nome da
honra familiar.

Entre o final do século XIV até meados do século XVII, houve o fenômeno
conhecido como caça às bruxas – um emblemático fenômeno de repressão
do feminino. Nesse fenômeno nos aprofundaremos mais no próximo
subcapítulo.

Com a chegada do renascimento, houve um momento de renovação da


cultura e da moral clássica. Na Europa, muitas mulheres se destacaram
em diversas áreas, tal como Izabel, “a Católica” na Espanha, estimuladora
de viagens marítimas. Representada pelas grandes navegações, o
renascimento também é caracterizado por grandes conquistas no meio
artístico e cientifico, dos descobrimentos, da centralização monárquica e o
absolutismo, guerras religiosas, a nova política econômica e principalmente
a formação de potências modernas e a expansão colonial.

No meio dessa efervescência, chegam ao Brasil Cabral e seus navios. É


a partir desse período que temos alguns poucos registros das mulheres na
colônia além de suas antepassadas.

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Negra tatuada vendendo
caju, de Jean-Baptiste
Debret, 1827

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“(...) souberam estabelecer formas de sociabilidade e de
solidariedade que funcionavam, em diversas situações,
como uma rede de conexões capazes de reforçar seu
poder individual ou de grupo, pessoal ou comunitário”
(PRIORE, 2003).

Na chegada ao Brasil, foi encontrado mulheres muito diferentes das


que os portugueses conheciam, não somente de aparência como também
nos hábitos. Seu cotidiano era marcado pelo cuidado com o corpo, os filhos
e a sobrevivência em geral; quando meninas seguiam suas mães e quando
mais velhas podiam ser oferecidas pelos pais aos colonizadores. Quando
casadas, acompanhavam os maridos nas longas jornadas, carregando
utensílios. Fiavam algodão, faziam redes, vasilhames e ainda cuidavam
da roça e das refeições.

Muitas índias somaram-se as mulheres portuguesas – algumas se


casavam com funcionários da coroa, outras viviam de costura e comércio.
Algumas chegavam a fabricar doces que eram vendidos pelas escravas.

A presença feminina no comércio, ressalta Figueiredo (2002), foi sempre


destacada no pequeno comércio no Brasil colonial, principalmente o
ambulante, onde se consumiam gêneros a varejo, produzidos na própria
região. Isso se deve as duas grandes referências culturais determinantes
no Brasil; a cultura africana, onde as mulheres tradicionalmente
desempenhavam tarefas de alimentação e distribuição, e a influência
portuguesa, onde as mulheres “mais poderosas negociavam gado e
escravos que iam buscar nas cidades litorâneas, montadas em lombo de
burro escoltadas por subalternos” (PRIORE, 2003, p.16).

É nesse momento na análise histórica que se faz necessário diferenciar


o tratamento que mulheres brancas e negras tinham no Brasil colonial;

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onde as mulheres brancas eram enclausuradas, recatadas e guardiãs
da honra de sua família, as negras eram divertimento do “sinhozinho” e
deleite dos senhores. As africanas, embora reduzidas a objetos sexuais,
trabalhavam com a foice e enxada, semeavam, catavam ervas daninhas,
enfeixavam e moíam cana, cozinhavam o melado, manufaturavam o
açúcar, ocupavam-se das tarefas domésticas da casa-grande, lavavam,
cozinhavam, além de cuidarem de seus maridos e filhos, onde ainda por
cima serviam de parteiras e benzedeiras.

Nos centros das cidades, as conhecidas por “negras do tabuleiro”, que


vendiam doces, bolos, queijos, hortaliças, leite, agulhas, alfinetes, polvilho,
prestando contas do dia de trabalho aos seus senhores, eram alvo da
preocupação das autoridades por levar recados dos quilombolas, traficar
ouro roubado e preveniam fugitivos. Muitas negras que se prostituíam,
outras, através do comércio ambulante, economizaram para acumular o
suficiente para comprar sua liberdade e a partir do século XVIII, era grande
o numero daquelas que eram livres e alforriadas (PRIORE, 2003, p.20).

Além dessa situação e meio a um discurso moralizador sobre o corpo


da mulher, instaura-se a ideia de normalizar a sexualidade dentro do
casamento, e na colônia foi incentivada a multiplicação da família. Há,
logo, um modelo “ideal” da mulher – recatada, sem ardores sexuais,
submissa e católica. Esse modelo, entretanto, não atendia às mulheres
negras, mulatas e brancas pobres que apesar de livres, não deixavam de
ser escravas da sua precária condição de vida. E é assim que se criam
alternativas de superação, mecanismos para elaborar regras e éticas
próprias: algumas se prostituíam, outras viviam em concubinato – união
não formalizada pelo civil – e ligações transitórias, que, apesar de fora da
ordem, ainda mantinham espaço para maternidade (SEIXAS, 1998).

Foi a partir do século XVIII que o status da mulher começa a mudar em


função do desenvolvimento da sociedade. Ideias liberais começaram a ser
difundidas e homens e mulheres assumem novas atitudes no privado e
coletivo.

Em 1971, na França, Olympe de Gouges escreveu a Declaração dos


Direitos da Mulher e da Cidadã, onde pede a abolição dos privilégios

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Girl Reading, de Cochran
Lambdin

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masculinos. Entretanto, foi guilhotinada dois anos depois.

No Brasil, a chegada da família real, em 1808, trouxe uma sequência de


reformas administrativas, culturais e socioeconômicas. Foram instaladas,
somente no Rio de Janeiro, indústrias, instituições de ensino superior,
a Imprensa Régia, a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, e, acima de
tudo, o lifestyle europeu. Dessa forma, a vida da mulher de classe superior
muda radicalmente, principalmente as urbanas, que apesar de estarem
sempre acompanhadas, deixaram de ser enclausuradas no lar.

Ao final do século XIX e no início do século XX, novas transformações


ocorrem ao que se diz respeito à organização social. Há um aumento
crescente de trabalhadores assalariados; aumenta-se a migração europeia;
dissolve-se o trabalho escravo. Emerge ainda, mais na capital, a nova
classe média – médicos, advogados, militares, comerciantes e burocratas –
muitos dos quais trazendo de universidades europeias ideias iluministas
que vão de encontro com o processo de modernização no Brasil. “Todas
essas mudanças, que fortaleciam o poder do Estado, acarretaram em um
declínio da família patriarcal antiga, a instituição mais importante para a
formação da sociedade brasileira” (ROCHA-COUTINHO, 1994, p.77).

É compreensível que a família conjugal tivesse seus papeis


transformados ao longo dessas mudanças nas relações sociais; e assim
funda-se a escolha livre de parceiro, além de um estímulo de novos
modelos comportamentais masculinos e femininos. Entretanto, é
importante ressaltar que tal processo não acontece homogeneamente
em todo o país, de forma que ainda encontramos na sociedade brasileira
diversos tipos de formação familiar (SAFFIOTI, 1994).

Durante as últimas décadas do século XIX, meninas ricas, de


escolarização atrasada em relação aos meninos, passaram a receber
aulas de piano, francês, canto e dança, com o objetivo único de fornecer
companhia atraente em funções sociais. Apesar disso, essas meninas
continuaram a ser tiradas da escola muito cedo, já que o objetivo que
jazia ao fundo era o casamento. De acordo com Rocha-Coutinho (1994), as
primeiras escolas normais começaram a surgir ao final do século XIX. No
sertão nordestino, mulheres ricas, mesmo com certo grau de instrução,

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eram restritas ao espaço privado e à vida doméstica – extremamente
diferente dos rapazes, que frequentavam escolas particulares e eram
encaminhados para os grandes centros para concluírem o ensino médio.

Apenas 22.776 pessoas na província - de um total de 202.222 habitantes


– eram alfabetizadas, e dessas pouco mais de 10 mil eram mulheres,
menos da metade. Apesar desses dados, é preciso destacar aquelas que
fugiram a regra:

• Dionísia Gonçalves Pinto, através do do


pseudônimo Nísia Floresta Brasileira:
educadora, escritora, autora de vários
livros, entre eles Conselhos a Minha
Filha. Percursora de ideias de igualdade e
independência feminina, faleceu na França
em 1885.

• Maria Firmina dos Reis, escritora mulata


maranhense. Professora pública e autora de
contos e romances.

• Luíza Amélia de Queiroz Brandão, poetisa,


nascida em 1838 no Piauí: foi a primeira
mulher a ocupar a Academia Piauiense de
Letras.

Entretanto, não podemos nos esquecer de onde estavam as mulheres


pobres enquanto as mulheres de classes abastadas recebiam essas
mudanças. Estas, além de não saber dizer quem eram seus ancestrais,
não frequentavam salões, mas ainda sofriam pressão para com que
tivessem o mesmo comportamento que as classes dominantes. Sendo
assim havia uma forte repressão com aquelas que não seguissem as regras
estabelecidas, e a violência estava muitas vezes presente.

Mulheres de classes populares tinham um padrão muito diferente de


comportamento, tendo em vista a sua condição de existência. Trabalhavam
para seu sustento e prole; logo, transitavam com menos inibição pelos

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centros, uma vez que era nas praças e largos que se reuniam-se para
conversar, discutir ou se divertir e onde “cotidianamente improvisavam
papeis informais e forjavam laços de solidariedade” (SOIHET, 2002, p.367).

Vem naturalmente que, em um contexto histórico que se preocupava


cada vez mais com afrancesar a cidade, essas mulheres pobres sofriam
intense repressão somente por transitarem na rua. “Essa exigência era
impossível de ser cumprida pelas mulheres pobres que precisavam
trabalhar e que, para isso, deveriam sair à procura de possibilidades de
sobrevivência” (Ibid).

Em conclusão, ao fazer essa recapitulação da história da mulher


na sociedade, vemos o quanto sua condição social está ligada às
transformações econômicas e aos interesses políticos da classe dominante.
Dessa forma, com a expansão capitalista, alterações nas relações sociais
se refletem nas relações familiares e consequentemente nos papeis dos
homens e mulheres, e faz sentido que esses papeis passam a ter mais
peso levando em consideração quem mais contribui economicamente na
renda familiar. É claro que esse efeito faz prevalecer a figura masculina, e
acaba por dando mais legitimidade ao masculino como provedor.

No Brasil, após a década de 30, o desenvolvimento capitalista gerou


uma sociedade urbana baseada na superconcentração de atividades
produtivas. Com isso vieram grandes aglomerados humanos – e tal fato se
tornou responsável por diversas contradições sociais e politicas especificas
que vemos hoje em dia: desemprego, miséria, falta de moradia e violência.

Após meados dos anos 50, com a expansão industrial e a modernização


econômica, é criado novas expectativas para a mão de obra, impondo
demandas que crescem de acordo com o avanço tecnológico. Assim vai
criando-se um nível de ansiedade e outra série de enfermidades que
atacam o trabalhador, principalmente o popular. A incorporação da mulher
à força de trabalho gera uma necessidade de uma criação de infraestrutura
social de apoio à mulher e à criança, desde creches a escolas.

É a partir de uma observação nessa linha histórica que podemos ver que
o modo de produção capitalista resulta de mecanismos que o antecedera,

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trazendo em seu cerne as mesmas determinações e contradições. Dessa
forma, apenas faz sentido que o patriarcado é substancial ao modo de
produção capitalista, centrada na propriedade privada dos meios de
produção. Posteriormente ao patriarcado, surge o racismo – e é desses três
sistemas (patriarcado-racismo-capitalismo) que emerge o grande sistema
de dominação/exploração que conhecemos nos tempos atuais, que de
uma forma ou de outra continua trabalhando sobre essa tríade.

O maior dos efeitos do patriarcado nos dias de hoje se mostra no lar e


no ambiente de trabalho. Vide os Anais da I Conferência de Políticas para
as Mulheres (2004, p.212):

“No Brasil, pesquisas recentes indicam que as mulheres


permanecem respondendo, em média, por cerca de 30
horas semanais de trabalho doméstico, contra menos de
10 horas dos homens“.

De acordo com Soihet (2000, p.15), “pelo efeito da dominação masculina,


(...) as mulheres são o objeto de uma manipulação particular no seio da arte
de governar. Essas artes (...) expressar-se-iam por variações dos discursos e
das práticas, ligadas aos interesses da família, do civil e do Estado”. Muitas
vezes tendo interiorizado esses interesses, as mulheres, submetidas em
códigos e deveres, de culpabilidade e vergonha, são levadas à uma revolta
que só consegue ser expressa através da loucura.

No dizer de Teles (2002, p.28):

“Discriminação é o ato de distinguir ou restringir que tem


como efeito a anulação ou limitação do reconhecimento
de direitos fundamentais no campo político, econômico,
social, ou em qualquer outro domínio da vida (...). É
uma ação deliberada para excluir segmentos sociais do
exercício de direitos humanos. É segregar, pôr à margem,
pôr de lado, isolar“.

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Considerando o termo, pode-se dizer que a mulher e a figura feminina
tem sido discriminada durante o longo processo da vida humana, através
de constructos sociais que objetivaram sua submissão.

A importância de analisar a história da mulher se mostra evidente


no momento que vemos como essa discriminação tem sustentado e
justificado atos violentos contra as mulheres para além da violência física;
gradativamente vemos a introdução de mecanismos de discriminação
através da religião, da lei, da filosofia, cultura, ciência, política, etc. Vários
são os exemplos, desde a venda e troca de mulheres como mercadorias,
escravizadas, vendidas à prostituição até a “mutilação genital feminina
(amputação do clitóris) cuja prática deixou aleijadas 114 milhões de
mulheres em todo o mundo” (Ibid, p.29).

Entretanto, podemos ver muitos exemplos de mulheres que


transgrediram as regras e normas ao tomar consciência da discriminação
que sofriam, em diferentes épocas e lugares. Hoje se apresentam como
exemplos de mulheres que mudam o cotidiano e que vão à luta em busca
de melhores condições de vida, situação muito diferente da vivenciada
por milhares de mulheres que foram executadas por bruxaria na Europa e
colônias entre os séculos XV e XVIII.

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PARTE ii: a bruxa
como signo
The Witch, de Luis Ricardo
Falero, 1882 A famosa e infame caça às bruxas foi uma
perseguição religiosa e social que começou no
século XV e atingiu seu apogeu nos séculos XVI
a XVIII, principalmente na Europa, apesar de
também haver casos de execuções por bruxaria
no Brasil e outros países de terceiro mundo.
Mas o que realmente estava por trás de uma
perseguição desse âmbito?
Frederici (2017, p.300) começa a discussão sobre a origem do estudo
do fenômeno da caça às bruxas lembrando que os antigos estudiosos
as retratavam como miseráveis que sofriam de alucinações ou outros
distúrbios mentais. Dessa forma, muitos documentos que vemos até hoje
descrevem esse momento da história como um “pânico”, “loucura”, uma
“epidemia” que deslegitimam a culpa dos caçadores das bruxas. Não
apontado somente por Frederici mas também por Mary Daly, boa parte da
literatura desse tema foi escrita de um ponto de vista favorável à execução
das mulheres, desacreditando as vítimas e as retratando como fracassos
sociais – mulheres “desonradas” ou frustradas no amor (DALY, 1978, p.
213). Entretanto, foi somente com o início do movimento feminista que as
bruxas e o que elas representam na história emergiram da clandestinidade,
quando elas começaram a ser adotadas como um símbolo da revolta
feminina (BOVENSCHEN, 1978, p. 83).

Mas o que elas de fato representam? Historicamente falando, a caça às


bruxas constituiu um dos acontecimentos mais importantes na transição
e construção da sociedade capitalista, além da formação da estrutura do
proletariado moderno. Através do desencadeamento de uma campanha de
terror contra a figura da mulher, houve uma debilitação da capacidade da
resistência do campesinato europeu contra a dominação da aristocracia
latifundiária e o Estado, durante uma época na qual os camponeses já
sofriam devido ao impacto da privatização da terra, do aumento de impostos
e do controle estatal sobre os aspectos da vida social que já vimos no
subcapítulo anterior. No final, observamos um aprofundamento da divisão
entre homens e mulheres - quando os homens se encontram intimidados
pelo poder da mulher e, em consequência, destroem uma sequência de
práticas, crenças e indivíduos cuja existência era incompatível com a
disciplina e valores do trabalho capitalista – que se mostra responsável
pela redefinição dos principais elementos da estrutura social (FEDERICI,
2017, p.301).

Curiosamente, ao contrário do que pensam ou sugerem os estereótipos,


a caça às bruxas não foi somente um resultado do fanatismo religioso ou
das maquinações da Inquisição – considerando que essa sempre dependeu
da cooperação do Estado para levar adiante as execuções perante e à corte.
A colaboração entre a Igreja e o Estado foi ainda maior nas regiões que a

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Reforma levou o Estado a se tornar Igreja (como no caso da Inglaterra) ou
vice-versa (FEDERICI, 2017, p. 307).

Se levarmos em conta o contexto histórico no qual nasce a caça às


bruxas, como já visto no subcapítulo anterior, não é impossível concluir
que a caça às bruxas na Europa foi um ataque à resistência e identidade
que as mulheres apresentaram contra a difusão das relações capitalistas e
ao poder que obtiveram em virtude de sua sexualidade, seu controle sobre
a reprodução e suas capacidades em geral, principalmente a de curar.

Dessa forma, a caça às bruxas tornou-se um instrumento de construção


de uma nova ordem patriarcal onde os corpos das mulheres, seu trabalho,
sua sexualidade e reprodução foram reduzidos a objetos, colocados sob
o controle do Estado e transformados em recursos econômicos (FEDERICI,
2017, p. 310).

É significativo que a maior parte das acusadas de bruxaria eram mulheres


camponesas pobres e trabalhadoras assalariadas em contraposição com
os que as acusavam; abastados e prestigiosos membros da comunidade,
muitas vezes seus próprios empregadores ou senhores – indivíduos que
formavam parte das estruturas locais de poder e que, com frequência,
tinham laços estreitos com o Estado.

Na Inglaterra, as bruxas eram normalmente mulheres velhas que


viviam de assistência pública ou mulheres que sobreviviam indo de casa
em casa mendigando pedaços de comida, um jarro de vinho ou leite; se
estavam casadas, seus maridos eram trabalhadores diaristas, mas, na
maioria das vezes, eram viúvas e viviam sozinhas. Era em tempos de
necessidade que o diabo aparecia para elas, para assegurar-lhes que
a partir daquele momento “nunca mais deveriam pedir”, mesmo que o
dinheiro que lhes seria entregue rapidamente se transformasse em cinzas
– detalhe possivelmente relacionado com a experiência de hiperinflação
na época (LARNER, 1983, p. 95).

Quanto ao que se diz respeito aos crimes das bruxas, não se parece
nada mais que a luta de classes desenvolvida em escala de vilarejo: o
“mau-olhado”, a maldição do mendigo a quem se negou a esmola, a

31
inadimplência no pagamento de aluguel, a demanda por assistência
pública (MACFARLANE, 1970, p. 97). A luta de classes contribuiu na criação
da figura da bruxa inglesa, e tal hipótese pode ser observada nas acusações
contra Margaret Harkett, uma senhora viúva de sessenta e cinco anos
enforcada em Tyburn em 1585:

“Ela colheu uma cesta de peras no campo


do vizinho sem pedir autorização. Quando pediram que
as devolvesse, atirou-as no chão com raiva; desde então,
nenhuma pera cresceu no campo. Mais tarde, o criado
de William Goodwin negou-se a lhe dar levedura, ao que
seu tonel para fermentar cerveja secou. Ela foi golpeada
por um oficial de justiça que a havia visto roubando
madeira do campo do senhor; o oficial enlouqueceu.
Um vizinho não lhe emprestou um cavalo; todos os
seus cavalos morreram. Outro pagou-lhe menos do que
ela havia pedido por um par de sapatos; logo morreu.
Um cavalheiro disse ao seu criado que não lhe desse
leitelho; ao que não puderam fazer nem manteiga nem
queijo.” (THOMAS, 1971, p. 556)

Esse mesmo padrão é encontrado nos relatos de mulheres que foram


apresentadas ante a corte em Chelmsford, Windsor e Osyth. Waterhouse,
enforcada em Chelmsford em 1566, por exemplo, era uma “mulher muito
pobre”, descrita como alguém que mendigava um pouco de bolo ou
manteiga e “brigada” com muitos dos seus vizinhos (ROSEN, 1969, p. 76).

Torna-se claro, então, que a caça às bruxas estava atrelada diretamente


com a revolta de classes. Dessa forma, pessoas que se voltavam à rituais
pagãos, de acordo com Stephen Wilson em The Magical Universe (O universo
mágico), eram majoritariamente pobres e lutavam para sobreviver, sempre
tentando evitar o desastre e com o desejo, portanto, de “aplacar, persuadir
e inclusive manipular essas forças que controlam tudo (...) para se manter
longe de danos e do mal, e para obter o bem, que consistia na fertilidade,
no bem-estar, na saúde e na vida” (WILSON, 2000, p. 18).

32
Witches Sabbath de Goya,
1798

33
Entretanto, e como já vimos anteriormente, aos olhos da nova classe
capitalista, uma concepção tão anárquica e distribuidora do poder no
mundo era, e ainda é, insuportável. É viável assumir que a magia era uma
espécie de rejeição do trabalho, de insubordinação, e um instrumento de
resistência de base ao poder.

Essa é apenas um dos diversos signos atrelados à imagem criada de


bruxaria, mas, como todas as outras, são um sinal de que é necessário
para a figura feminina uma base de força, de poder. E é justamente sobre
essa questão que se forma a discussão a seguir.

34
Sukeban, cultura
japonesa que coloca
mulheres no poder

PARTE iii: empoderamento,


comunidade, estratégia e
autonomia
35
Empoderamento, até os dias de hoje, não é uma palavra formalizada no
dicionário português – e sim uma tradução livre do termo empowerment,
que significa, de acordo com dicionário Cambridge, “o processo de ganhar
liberdade e poder do que você quer ou controlar o que acontece com você”
(livre tradução).

A partir da perspectiva feminista, o empoderamento das mulheres


se trata tanto de um processo quanto um fim em si. Nesse processo,
é desenvolvido a autonomia da mulher, ao mesmo tempo que um
instrumento para a libertação das amarras da opressão de gênero como
vistas no primeiro subcapítulo.

Para as feministas latino-americanas, como explica Sardenberg (2006,


p.2), o objetivo geral do empoderamento é questionar, desestabilizar e, por
fim, acabar com a ordem que sustenta a opressão.

Uma das questões que o movimento traz é a união dos aspectos


individualistas de seu fim com o aspecto comunitário e cooperativos
de seu processo. Isto é, tanto quanto uma mudança individual, o
emponderamento também inclui ações coletivas. Magdalena Leon coloca
isso da seguinte forma:

“Uma das contradições fundamentais do uso do


termo ‘empoderamento’ se expressa no debate entre o
empoderamento individual e o coletivo. Para quem o
uso o conceito na perspectiva individual, com ênfase nos
processos cognitivos, o empoderamento se circunscreve
ao sentido que os indivíduos se autoconferem. Tomo um
sentido de domínio e controle individual, de controle
pessoal. E ‘fazer as coisas por si mesmo’, ‘ter êxito sem
a ajuda dos outros’. Esta é uma visão individualista,
que chega a assinalar como prioritários os sujeitos
independentes e autônomos com um sentido de domínio
próprio, e desconhece as relações entre as estruturas
de poder e as práticas da vida cotidiana de indivíduos
e grupos, além de desconectar as pessoas do amplo

36
contexto sócio-político, histórico, do solidário, do que
representa a cooperação e o que significa preocupar-se
com o outro” (LEON, 2001, p. 95).

Leon chega a acrescentar que, se esse tipo de empoderamento individual


não se relaciona com ações coletivas, pode se tratar de uma ilusão, tendo
em mente que o verdadeiro empoderamento traz os elementos individuais
e coletivos como indivisíveis:

“O empoderamento como autoconfiança e autoestima


deve-se integrar-se em um sentido de processo com a
comunidade, a cooperação e a solidariedade. Ao ter em
conta o processo histórico que cria a carência de poder,
torna-se evidente a necessidade de alterar as estruturas
sociais vigentes; quer dizer, se reconhece o imperativo
da mudança” (LEON, 2001, p. 97).

Considerando este um dos grandes pilares para a definição do termo


base para este projeto, ainda há um grande espaço para ser definido
quanto ao que significa. Isso dá-se porque há muita divergência, até
mesmo dentro do próprio movimento feminista, em relação ao que venha
a ser empoderamento. Sarah Mosedale (2005, p. 243-244) delineia alguns
pontos que ajudam a trazer ainda mais luz a questão.

Entre eles, não se “empodera” outrem – ou seja, trata-se de um ato


auto-reflexivo. Entretanto, pode-se facilitar o desencadear desse processo,
através da criação das condições para tal. Esse processo culmina na
construção de autonomia, da capacidade de tomar decisões e enfim
assumir controle sobre suas vidas.

Tendo isso em vista, podemos levar em conta também a semântica


do termo para percebermos que a questão do poder é central ao seu
significado, mas somente dividindo a ideia do termo “poder” em partes.
Mosedale (2005, p. 249) separa esses de tal forma que temos:

37
• Poder sobre: como conhecemos, a exemplificar como A tem
poder sobre B, referindo-se à dominação, o que Luciano
dos Santos (2011, p.150) considera como um dos lado da
polaridade entre dominação-resistência.

• Poder de dentro: o que se refere a autoestima, autoconfiança.

• Poder para: ou seja, o que se refere a capacidade de fazer


algo; do poder que alarga os horizontes do que pode ser
conquistado por uma pessoa, sem necessariamente estreitar
os limites de outrem. Um exemplo pode ser aprender a
pintar.

• Poder com: uma espécie de poder solidário, dividido por


entre uma comunidade.

A partir dessa divisão, é compreensível o porquê das feministas


escolherem o termo empoderamento em preferência à poder; segundo
Shirin Rai, citada por Stromquist (2002, p.134), o termo foca mais nos
oprimidos ao invés dos opressores; além disso, há mais ênfase no “poder
para” ao invés de começar com “poder sobre”, e, portanto, sua insistência
em poder como algo que capacita, que cria competência.

É importante ressaltar o importante papel das feministas do chamado


Terceiro Mundo para o desenvolvimento do termo, e as críticas e debates
que elas trouxeram para a mesa. O mesmo diz Srilatha Batliwala (1994,
p.127); para ela, as origens do empoderamento estão na proposta das
feministas com os princípios da educação popular, o que Paulo Freire
chama de “pedagogia do oprimido” em seu livro. Freire (1987, p. 45)
fundamenta o diálogo educativo no amor e também aborda a práxis,
tendo como dimensões a ação, a reflexão e a ação transformadora. “Nosso
papel não é falar ao povo sobre nossa visão do mundo, ou tentar impô-
la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa” (FREIRE, 1987, p.
49). Além disso, Batliwala também traz a importância de criar mecanismos
participativos para se construir democracias mais equitativas.

A partir desse ponto, torna-se evidente que o conceito de empoderamento

38
se atrela também a essa noção de interesses estratégicos. Molyneux
destaca a importância da organização e mobilização das mulheres para a
conquista dos seus interesses, ou seja, uma conquista resultante da ação
comunitária.

Esse aspecto político do movimento foi ainda mais articulado quando


Gita Sen e Caren Grown escreveram um livro que culminou na ideia de
que o empoderamento das mulheres implicava numa transformação de
estruturas de subordinação através de mudanças radicais na legislação,
direitos de propriedade, e outras instituições que reforçam e reproduzem
a dominação masculina (1987, p.129).

Para Batliwala, “poder” é definido como “controle sobre recursos


materiais, intelectuais e ideológicos”, onde:

“Recursos materiais – incluem recursos físicos,


humanos, financeiros, tais como: terra, água, corpos,
mão de obra, dinheiro, acesso à dinheiro, crédito;
Recursos intelectuais – conhecimento, informação,
ideias; Ideologia – capacidade de gerar, propagar,
sustentar e institucionalizar determinados quadros de
crenças, normas, valores, atitudes e comportamentos –
ou seja, praticamente controlando como as pessoas se
percebem e agem dentro de determinados contextos
socioeconômicos e políticos” (1994, p.125).

Segundo a autora, grande parte do controle sobre esses recursos tem


estado sob o controle masculino. E é a partir dessa percepção que dá-se
início ao processo que é, em base, o empoderamento:

“O termo empoderamento se refere a uma gama de


atividades, da assertividade individual até a resistência,
protesto e mobilização coletiva, que questionam as bases
das relações de poder. No caso de indivíduos e grupos
cujo acesso aos recursos e poder são determinados por

39
classe, casta, etnicidade e gênero, o empoderamento
começa quando eles não apenas reconhecem as forças
sistêmicas que os oprimem, como também atuam no
sentido de mudar as relações de poder existentes.
Portanto, o empoderamento é um processo dirigido
para a transformação da natureza e direção das forças
sistêmicas que marginalizam as mulheres e outros
setores excluídos em determinados contextos” (1994,
p.130).

Logo, empoderamento é tanto o processo quanto o resultado desse


mesmo. Falando em mulheres, esse processo tem os seguintes objetivos: a)
questionar a ideologia patriarcal; b) transformar as estruturas e instituições
que reforçam e perpetuam a discriminação de gênero e desigualdades
sociais e c) criar condições para que as mulheres pobres possam ter acesso
– e controle – sobre recursos materiais e informacionais (SARDENGERG,
2006, p.6).

Outro ponto crucial que definitivamente deve ser levantado é como este
processo deve se dirigir a todas as estruturas e fontes de poder relevantes,
do mais alto ao mais baixo. Nelly Stromquist cruza esse caminho quando
traz a existência de dimensões ao termo:

“O empoderamento consiste de quatro dimensões,


cada uma igualmente importante, mas não suficiente
por si própria para levar as mulheres para atuarem em
seu próprio benefício. São elas a dimensão cognitiva
(visão crítica da realidade), psicológica (sentimento de
autoestima), política (conscientização das desigualdades
de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e
a econômica (capacidade de gerar renda independente)”
(2002, p.232).

Outra forte perspectiva que Naila Kabeer (1999) introduz é a importância


da construção de autonomia. De acordo com ela, empoderamento é o

40
Joana D’Arc é
considerada uma
das mulheres mais
poderosas da história,
e foi condenada por
bruxaria

41
processo através do qual aqueles a quem escolhas eram negadas adquirem
a capacidade estratégica para tal. Kabeer divide em três dimensões que
vem com a possibilidade de fazer escolhas de maiores consequências –
recursos (pré-condições), agência (processo) e realizações (resultados e
consequências).

Quando se fala de recursos, aqui, não se deve entender somente


recursos materiais, mas também recursos humanos e sociais que criam as
condições para se fazer escolhas. De acordo com Kabeer, o acesso a esses
recursos reflete as normas e regras que governam a distribuição e troca
em diferentes arenas institucionais – família, comunidade, etc. (1999,
p. 437). Entretanto, é preciso ter em mente que esse acesso depende da
nossa posição no grupo – seja como chefe de família, tribo, etc. – como é
chamado os “recursos de autoridade”.

Voltando a linha de pensamento de Batliwala, independentemente da


definição para o termo, o empoderamento e seu processo deve questionar
relações patriarcais e, portanto, implica em mudanças no que se refere ao
controle dos homens sobre as mulheres. Logo, o empoderamento se baseia
completamente na implicação da perda da posição e privilégio concedido
aos homens pelo patriarcado (1994, p.131). É plausível que esse processo
culmine justamente em conflito.

“O empoderamento das mulheres representa um desafio


às relações patriarcais, em especial dentro da família, ao
poder dominante do homem e a manutenção dos seus
privilégios (...). Significa uma mudança na dominação
tradicional dos homens sobre as mulheres, garantindo-
lhes a autonomia no que se refere ao controle dos seus
corpos, da sua sexualidade, do seu direito de ir e vir,
bem como um rechaço ao abuso físico e a violação sem
castigo, o abandono e as decisões unilaterais masculinas
que afetam toda a família” (COSTA, 2000, p. 9).

42
Existem uma sequência de fases para o processo de empoderamento,
mas podemos também subtrair esses para conseguir uma versão resumida
dos passos necessários para uma mulher obter sua autonomia empoderada.

De acordo com Batliwala (1994) e pontuado novamente por Sardenberg


(2006), para uma mulher questionar sua situação subordinada, ela deve
reconhecer a existência de uma ideologia que legitima a dominação
masculina e compreender como a opressão é perpetuada através dela. Logo
concluímos que o primeiro passo é a conscientização. Isso é fundamental
e até certo ponto muito difícil, levando em conta que a interiorização da
opressão é um elemento muito forte na sociedade.

Para tal acontecer, é necessários agentes do empoderamento que


facilitem esse processo trazendo informações e ideias que não somente
conscientizem como encorajem a ação. Como já foi levantado anteriormente,
esse processo não é individual pois mudanças não ocorrem sem ações
coletivas. A partir de um apoio comunitário e de um elemento facilitador,
mulheres podem desenvolver uma consciência crítica e se mobilizar para
a ação. “Conscientizando, identificando áreas para mudança, planejando
estratégias, atuando para mudança, e analisando a ação e os resultados,
que levam a estágios mais elevados de conscientização e a ações mais
pontuais” (BATLIWALA, 1994, p.132).

“Transformação das estruturas requer movimento


em várias frentes: de ações individuais a coletivas, de
negociações no âmbito privado à públicas, e da esfera
informal para as arenas formais de lutas nas quais o
poder é exercido legitimamente” (KABEER, 2005, p.16).

43
história em
quadrinhos
PARTE I: histórico da
representação femina nas
revistas em quadrinhos

Mística na capa
do quadrinho do
Capitão América, por
Kevin Wada

44
45
Aliando o contexto do meu projeto com sua forma, é inicialmente
necessário aprofundar ainda mais a importância da figura feminina para
com o mesmo. Para tal, precisamos mergulhar no contexto histórico dos
comics para entender exatamente de onde veio a figura feminina e onde
ela está agora.

Voltemos aos anos 30 até os anos 50, época conhecida como os anos
de ouro dos quadrinhos. O arquétipo do super-herói é criado e vários
personagens famosos são introduzidos, desde o Superman até a Wonder
Woman – ou Mulher Maravilha. De acordo com historiadores, uma das
principais funções dos quadrinhos na época da pós-guerra era acalmar
o medo de jovens de guerras nucleares e neutralizar a ansiedade sobre
questões voltadas ao poder atômico (ZEMAN, 2004, p. 11).

Entretanto, nessa mesma época, as personagens mulheres que não


tinham a sorte de serem super-heroínas, eram primariamente retratadas
em papéis secundários - colegas de trabalho, heroínas de romance
ou simplesmente adolescentes alegres (TRINA, 1999, p. 7). Heroínas de
romance tipicamente eram divididas entre “garotas boas” e “garotas más”,
famosas no gênero de romance. Foram exploradas pela primeira vez
por Joe Simon e Jack Kirby; Betty e Veronica é um exemplo, com duas
protagonistas obcecadas por garotos e que brigavam constantemente por
um encontro com Archie.

Mulheres vigilantes também estavam entre as personagens dessa


época. Uma das primeiras super-heroínas apareceu em tiras de jornal
do Chicago Daily em 1940 - a Invisible Scarlet O’Neil, antiga assistente de
Chester Gould em Dick Tracy. Uma editora em particular, a Fiction House,
publicou diversas heroínas progressivas como a rainha da selva Sheena,
cujo sex appeal foi responsável pela venda e inicial sucesso da série.

Apesar de várias outras super-heroínas pioneiras, a personagem que


de fato ficou para a história foi a Mulher Maravilha em Outubro de 1941 da
All-American Publications – uma das três companhias que mais tarde se
uniriam para formar a DC Comics. Max Gaines, co-editor da All-American
teve sua atenção atraída por um artigo escrito por William Moulton
Marston que descrevia o que ele via de um grande potencial educativo

46
nos quadrinhos (RICHARD, 1942) e acabou contratando Marston como um
consultor educacional para a All-American Publications. Foi ideia de sua
esposa, Elizabeth, de criar uma mulher super-heroína (LAMB, 2007). Dessa
forma nasceu a Mulher Maravilha, quem Marston acreditava ser o modelo
da mulher não-convencional e liberal para a época. Deve-se levar em
conta que a Mulher Maravilha é uma princesa amazona, grupo criado por
Afrodite para serem mais fortes e inteligentes que homens.

Algumas das histórias originais de Marston incluíam a Mulher


Maravilha como a presidente dos EUA (Wonder Woman #7), uma deusa
do sol inca dos tempos modernos (“The Secret City of the Incas”, Sensation
Comics #18), entre outros papeis não-tradicionais para mulheres.

Porém o editor Sheldon Mayer não apreciava as imagens recorrente de


bondage (DANIELS, 2000, p. 6) que apareciam ao longo das histórias. Se os
braceletes da Mulher Maravilha fossem acorrentados, ela se tornava tão
fraca quanto outras mulheres – em uma revista, a Mulher Maravilha perde
o controle porque seus braceletes quebraram. Ela perde o controle porque
os braceletes representavam a limitação e fala, “power without self-control
tears a girl to pieces” - “poder sem autocontrole destrói uma menina” (“The
Unbound Amazon”, Sensation Comics #19). Em outra revista, a Mulher
Maravilha diz a uma mulher que ela tem inveja da vida de mãe e esposa
(LEPORE, 2014).

Durante a Segunda Guerra Mundial, muitas mulheres assumiram


trabalhos uma vez tomados por homens – caminhoneiras, estiradoras e
soldadoras. Isso se refletiu na indústria dos quadrinhos quando heróis
precisavam de ajuda e se voltavam para suas esposas ou namoradas,
criando mais uma possibilidade de heroínas (MADRID, 2009). Após a
guerra, muitas mulheres recusaram voltar as suas vidas de donas de casa,
gerando uma crise nas antigas formadas definições de feminilidade e
masculinidade. A femme fatale (recorrente nos quadrinhos do Espírito de
Will Eisner) é um exemplo dessa crise (ANDRAE, 2006, p. 95).

No que ficou conhecido como os anos de prata dos quadrinhos, entre


1956 e 1970, a popularidade dos quadrinhos de super-heróis caiu e
quadrinhos dos genêros de horror, crime e romance tomaram conta do

47
mercado. Quando nasceu uma controvérsia que ligava quadrinhos à
delinquência juvenil, foi implementado, em 1954, o Código de Autoridade
dos Quadrinhos, que proibia a apresentação de policiais, juízes, oficiais
do governo e instituições respeitadas “de maneira a criar desrespeito pela
autoridade estabelecida”, entre outras regras desse mesmo gênero.

Depois de implementado o código, a DC Comics implementou suas


próprias regras de editorial ao que diz respeito à reprodução de personagens
mulheres, onde relata:

“A inclusão de mulheres nas histórias é especificamente


desencorajada. Mulheres, quando usadas em estruturas
de enredos, dever ter importância secundária, e devem
ser desenhadas realisticamente, sem exagero das
qualidades físicas femininas” (USLAN, 2002, p.5).

A maior parte dos super-heróis da DC durante os anos de prata tinham


uma importante personagem feminina ao seu lado; Lois Lane para o
Super-homem, Jean Loring para Ray Palmer a.k.a O Átomo, Carol Ferris
para o Lanterna Verde, e assim em diante.

Nessa época, os quadrinhos publicados pela Marvel e DC eram


suficientemente diferentes para que, caso você gostasse de uma, a outra
não seja do seu gosto. Se você era fã dos super-heróis clássicos dos anos
40, você estaria inclinado às publicações da DC. Se você era fã de ação
rápida misturada com questões sociais da época, era mais provável que
fosse ler as publicações da Marvel (THOMAS, 2004, p. 5).

Quando a Atlas Comics se tornou a Marvel Comics, em 1961, uma série


de novas super-heroínas foram introduzidas. A primeira super-heroína
da Marvel foi Susan Storm, a.k.a. Garota Invisível, membra do Quarteto
Fantástico.

Apesar de personagens femininas um dia se tornarem pilares do


universo da Marvel, seu tratamento inicial pode ser definido como uma

48
49
luta para serem reconhecidas como iguais em relação aos personagens
masculinos. Enquanto isso, na DC Comics, a Supergirl passava por uma luta
similar enquanto tentava apagar o título de “prima caçula do Superman”
para adquirir seu próprio nome (MADRID, 2009).

A partir dos anos 70, é dado início aos anos de bronze dos quadrinhos,
exatamente quando as tensões feministas começaram a ser refletidas nas
histórias. O número de personagens mulheres aumentou substancialmente
nessa época, tanto como resposta à essa tensão quanto numa tentativa de
diversificar leitores. Entretanto não se pode esquecer que muitas dessas
personagens eram estereotipadas, como a detestadora de homens Thundra
ou a paródia antifeminista Man-killer (WRIGHT, 2001, p. 250).

Durante maior parte das eras de prata e bronze, mulheres nos


quadrinhos não tinham posições de liderança. Foi a partir dos anos 80, sob
direção do escritor e artista John Byrne que Susan, antes Garota Invisível,
encontra novas funções para seus poderes e desenvolve a autoconfiança
necessária para usar seus poderes mais agressivamente, e eventualmente
muda seu pseudônimo para Mulher Invisível. Futuramente, se tornaria
líder do Quarteto Fantástico, enquanto nos Avengers, a Vespa toma controle
do grupo.

Um grande impacto toma conta da indústria dos quadrinhos com o


relançamento da série Uncanny X-Men. Personagens mulheres existentes
foram dadas incríveis aumentos quanto aos níveis de seus poderes, novos
nomes, novas roupas e personalidades fortes e assertivas - Jean Grey foi de
Marvel Girl para a onipotente Fênix, uma das personagens mais poderosas
do univers da Marvel; Lorna Dane virou a Polaris, filha do Magneto. A nova
personagem Tempestade, Ororo Monroe, foi inovadora de diversas formas,
sendo a mais famosa super-heroína negra na história e uma personagem
incrivelmente poderosa e assertiva desde sua primeira aparição.

Jovens e adolescentes femininas com poderes quando antes só eram


retratadas como ineptas ou limitadas quanto a seus poderes foram
alteradas com a chegada de Kitty Pryde, que se junta aos X-Men com 13
anos e mostra-se muito poderosa e capaz de evolução e amadurecimento
quanto sua personalidade ao enfrentar adversidades (MADRID, 2009).

50
Muitas das mudanças quanto a representação feminina nos
quadrinhos se deve ao escritor dos X-Men, Chris Claremont; seus retratos
de Tempestade, Jean Grey, Emma Frost, Kitty Pryde, Rogue e Psylocke no
The Uncanny X-men (além de seus trabalhos sobre Ms. Marvel, Mulher-
aranha, Misty Knight e Coleen Wing) ficou conhecido na indústria e entre
fãs como as “Mulheres Claremont”: super-heroínas inteligentes, poderosas,
capazes e multifacetadas.

Enquanto isso, na DC Comics, durante o trabalho icônico de Alan Moore


em Batman: The Killing Joke, Barbara Gordon, a.k.a. Batgirl é aleijada pelo
Coringa e eventualmente faz o melhor de sua situação para se tornar
Oracle, uma personagem vital no universo da DC para a reprodução de
informações entre super-heróis e também lidera seu próprio grupo, Birds
of Prey.

Chegando aos anos 90, a era moderna dos quadrinhos é marcada pela
popular Tank Girl, criada por Jamie Hewlett e Alan Martin, recheada de
influências punk além de uma cabeça raspada. Sua popularidade foi tanta
que um filme acabou sendo feito, representando a nova mulher moderna
que não mais tem que viver sob os signos tradicionais da sociedade.

Durante o século 21, como já vimos anteriormente, os papeis de


muitas mulheres mudaram; mães solteiras, mulheres LGBT e reflexos
como posições de poder no trabalho e na família se tornaram cada vez
mais comuns no meio social. Como efeito, esses papeis entraram para os
quadrinhos também.

Lesbianismo também se tornou um tema crescente nos quadrinhos


modernos. Em 2006, a DC Comics anunciou uma nova reencarnação
lésbica da famosa Batwoman (FERBER, 2006). Isso tomou as rédeas do
mercado pois, apesar de já existirem personagens secundárias LGBT,
nenhuma delas foi personagem principal.

Em 1999, Gail Simone lançou um site chamado Womens In Refrigerators,


ou Mulheres Em Geladeiras. Esse site tem como objetivo listar personagens
mulheres nos quadrinhos que foram torturadas, machucadas, assassinadas
ou que perderam seus poderes e enviar para criadores de quadrinhos.

51
Além disso, Gail oferece alguns possíveis motivos de porque isso acontecia
tão frequentemente – poucas leitoras em comparação com o público
masculino, personagens femininas que eram apenas spin-offs de heróis
masculinos que serviam como ‘bagagem’, entre outros.

Representação feminina como objetos sexuais perpetuam na indústria,


porém atraindo mais controvérsia; em 2007, a Sideshow Collectibles
produziu uma estatueta extremamente sexualizada desenhada por Adam
Hughes retratando Mary Jane lavando a roupa do Homem-Aranha à mão,
em uma pose objetificadora. Harley Quinn da DC Comics é famosa não
por suas habilidades, mas sim por seu romance com o Coringa e seu sex
appeal exagerado para a audiência – tanto nos quadrinhos quanto nos
filmes.

Entretanto, a caracterização de mulheres como objetos sexuais diminuiu


nas décadas recentes desde os anos 80, assim como o retrato de mulheres
como vítimas de brutalidade física. De fato, quadrinhos recentes indicam
uma possível reversão dessa tendência de representar personagens de
acordo com estereótipos de gênero.

Harley Quinn em
Esquadrão Suicida

52
53
PARTE II: LINGUAGEM DOS
QUADRINHOS
Nesse subcapítulo é importante explicar como os quadrinhos funcionam
em seus meios e fins e no caso do meu projeto, justificar minhas escolhas
para alcançar um modelo de quadrinho onde todos os elementos
funcionam em união e encaixam-se entre si, formando uma revista
que consegue comunicar sua proposta de forma única, compreensível
e especial. Podemos dividir de tal forma que seja discutido a linguagem
imagética proposta e também a linguagem temporal e como as duas se
combinam uma vez que é criado o quadrinho.

Para falar de imagem, começa-se a discussão a partir do desenho.


O traçado, mais especificamente. A escolha do traçado se mostra
extremamente importante na hora de desenhar, pois, como já mostrou
os expressionistas, o traçado é uma das melhores formas de expressar
sentimentos e transferi-los para quem vê a obra – um exemplo é Van Gogh,
com linhas dramáticas, pessoais e emocionais. Outro exemplo diferente,
mas que vem do mesmo lugar sinestésico, seria Kandinsky com formas

54
que poderiam ser interpretadas como barulhentas, frias, rápidas, entre
outras. Essa era uma ciência que ele queria explorar; unir formas e traços
para atrair os sentidos humanos.

É possível concluir que, quando aliamos essa ciência à história em


quadrinhos, todas as linhas e traçados carregam um potencial expressivo
(MCCLOUD, 2004, p. 124). Ou seja, uma linha pontiaguda pode exprimir o
sentimento de perigo ou dor, enquanto uma linha redonda e rechonchuda
pode passar o sentimento de conforto e maciez. Todo quadrinho passa
um sentimento através de seu traço; nas obras da Marvel de Jack Kirby, os
arte-finalistas procuravam traços dinâmicos, enquanto nos trabalhos de
Rob Liefeld vemos linhas hostis e perigosas.

Tendo em vista que as linhas em si têm um poder de expressão,


podemos passar a assumir que o traço pode tomar diferentes símbolos, ou
signos. Como coloca Daniele Barbieri:

55
“1. a linha (o signo) pode representar ela mesma o
corpo do objeto, como no caso de uma linha que
representa uma corda ou o braço de uma pessoa em um
desenho infantil; 2. a linha (o signo) pode representar o
contorno de um objeto; pensemos em um círculo que
representa uma bola ou na linha do perfil de um rosto;
3. a linha (o signo) pode, enfim, ser usada para criar
um preenchimento, uma retícula que dê uma ideia da
intensidade luminosa de uma superfície (...)” (BARBIERI,
2017, P. 32)

Dessa forma, o traçado se torna responsável por muito se não todo o


conteúdo do quadrinho. Aqui podemos explorar até mesmo o fundo do
quadrinho, uma ferramenta importante para indicar ideias invisíveis,
principalmente ao que diz respeito ao mundo das emoções. Enquanto é
possível distorcer um personagem, o fundo distorcido pode falar muito mais
sobre o estado do personagem para o espectador. Isso acontece muito nos
quadrinhos japoneses, que se utilizam muito de fundos expressionistas
para expressar emoções.

Outra ferramenta importante que vem junto com o pacote do traçado é o


balão de fala, que contém inúmeras possibilidades tanto de forma quanto
de conteúdo. Se por um lado as figuras podem induzir sensações fortes
no leitor, as palavras podem oferecer a especificidade que a primeira não
consegue alcançar – entretanto, as palavras não contêm a carga emocional
imediata das figuras, e, juntas, oferecem uma experiência única com
somente o traçado (MCCLOUD, 2004, p. 134).

O traçado não somente é encarregado do conteúdo do quadro, mas


também do traçado do quadro, ou o que é chamado de requadro, em
si. É importante, principalmente neste projeto, que o traçado do quadro
converse com o traçado do conteúdo, de tal forma que se o desenho for frio
e reto, que o requadro responda da mesma forma.

Quanto ao requadro, um dos mais essenciais elementos na criação


dos quadrinhos, há uma responsabilidade de resolver e “trabalhar com o

56
problema da disciplina de leitura” (EISNER, 1999, p. 52). A disposição dos
requadros tem como função auxiliar o leitor na compreensão do conteúdo
e enredo – dessa forma, tomando as rédeas de uma sequência de outras
questões; tempo, espaço, expressão e emoção. A partir do requadro,
podemos borrar a linha que divide imagem e tempo – por exemplo, ao
colocar uma sequência de pequenos requadros um ao lado do outro,
criamos uma sensação de rapidez. Da mesma forma, ao colocarmos um
longo requadro em baixo desses, criamos um contraste que faz com
que a mente do leitor entenda como se esse quadro representasse uma
passagem de tempo mais longa (MCCLOUD, 2004, p. 101).

A ausência do requadro em si também tem um significado. Quando


retiramos o requadro, estamos expressando espaço ilimitado, de tal forma
a “abranger o que não está visível, mas que tem existência reconhecida”
(EISNER, 1999, p. 45).

Além de tudo, o requadro também pode ser utilizado como um recurso


narrativo em si mesmo, como coloca Will Eisner:

“O propósito do requadro não é tanto estabelecer um


palco, mas antes mudar o envolvimento do leitor
com a narrativa. Enquanto o requadro tradicional,
de contenção, mantém o leitor distanciado – ou fora
do quadrinho, por assim dizer -, o requadro (...) pode
convidar o leitor a entrar na ação ou permite que a ação
“irrompa” na direção do leitor” (EISNER, 1999, p. 46).

Tanto na fotografia quanto no cinema e televisão, os enquadramentos


(ou o que chamamos de requadro nos quadrinhos) foram classificados
e denominados de acordo com a distância que captam seus objetos. Os
mais distantes e, por consequência, mais amplos, são chamados de plano
geral e plano de conjunto – onde as figuras humanas aparecem muito
menores que toda a imagem. No plano médio e total, figuras humanas
erguidas adquirem uma dimensão significativa em relação à imagem,
enquanto na figura inteira preenchemos toda a imagem da cabeça aos
pés. O plano americano recorta a figura na altura dos joelhos, ao passo

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que o meio primeiro plano recorta na cintura. Por assimilação, o primeiro
plano recorta a figura à altura do peito, e o primeiríssimo plano enquadra
somente o rosto. O plano detalhe é autoexplicativo. O que se pode tirar
dessa informação é que muitos desses planos podem ser explorados
por meio de diferentes angulações (BARBIERI, 2017, p. 116). Dessa forma
podemos ver cenas de cima para baixo, como do topo de uma escada
olhando para os pés, ou também o contrário, como um pedestre olhando
para um arranha-céu.

Nos quadrinhos, a perspectiva tem como função primordial “manipular


a orientação do leitor para um propósito que esteja de acordo com o plano
narrativo do autor” (EISNER, 1999, p. 89). Dessa forma, ao vermos diversas
formas diferentes de captar o mesmo evento, é preciso saber as diferentes
opções de expressar sentimentos ao leitor. O que advém de uma teoria
de que a reação do espectador é influenciada pela sua posição em uma
determinada cena resulta no poder do autor de produzir vários estados
emocionais na audiência. Dessa forma quadrinhos estreitos evocam uma
sensação de encurralamento tanto quanto um quadrinho lardo sugere
espaço de sobra, ou uma oportunidade de fuga.

Entretanto não podemos contar somente com a perspectiva ou


enquadro para contar uma história; e é aqui que entra a importância da
anatomia e do gesto expressivo nos quadrinhos. Como dito na introdução,
uma das partes mais importantes das histórias em quadrinhos é como
as imagens são aliadas às palavras. Dessa forma vêm naturalmente que
a maneiras como são empregadas as imagens modificam e definem o
significado das palavras; ou seja, você pode usar as palavras de um certo
modo, e desacreditá-las de acordo com o maneirismo da expressão do
personagem; por meio da sua relevância, “podem invocar uma nuance de
emoção e dar inflexão audível à voz do falante” (EISNER, 1999, p. 103).

Aliando essa informação ao que já sabemos a respeito do enquadramento,


mostra-se importante escolher a posição certa do personagem na hora
de contar uma história, de tal forma que se, por exemplo, “a narrativa
exigir que o impulso final do escudo do guerreiro seja o ponto principal
nesse segmento de narrativa, então a postura selecionada é o desenho
final neste movimento de 30 segundos” (EISNER, 1999, p. 106). É preciso

58
considerar que os quadrinhos não necessariamente precisam mostrar
cada movimento de uma ação, portanto é preciso capturar quadros que
façam com que as ações intermediárias – isto é, as ações não desenhadas
– sejam subentendidas através de cada pose que é desenhada de fato.

Isso nos leva aos diferentes tipos de transição possíveis nos quadrinhos,
ou seja, o tempo que o autor escolhe para ser explorado entre requadros,
ou o que os aficionados de quadrinhos chamam de sarjeta. É a partir do
espaço da sarjeta que a imaginação do leitor entra em cena, em uma
conclusão mental automática que conecta os requadros. Scott McCloud
(2004, p. 70) divide seis tipos de transições:

1. Momento-a-momento: exige pouquíssima conclusão;

2. Ação-pra-ação: transições que apresentam um único tema


em progressão distinta;

3. Tema-pra-tema: permanece dentro de uma cena ou ideia,


mas dá um certo grau de envolvimento para o leitor dar sentido
a essas transições;

4. Cena-a-cena: é exigido maior raciocínio dedutivo na leitura,


que nos levam através de distâncias significativas de tempo e
espaço;

5. Aspecto-pra-aspecto: supera o tempo em grande parte e


estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos de um
lugar, ideia ou atmosfera;

6. Non-sequitur: não oferece nenhuma sequência lógica entre


os quadros.

Após falar de transições podemos abrir espaço para falar da importância


da cor nos quadrinhos. É bom relembrar quando foi abordado Kandinsky
e suas formas e traços para falar que sua paixão também se estendia às
cores; ele acreditava que as cores exerciam efeitos físicos e emocionais
nas pessoas, bem como hoje, quando escolhemos cores para pintar nossas
paredes, refletimos nos efeitos que elas podem nos causar.

Enquanto no começo da história da impressão em cores nos Estados

59
Unidos as cores
primárias se tornaram
um poder icônico
para simbolizar
personagens, na
Europa, onde a
impressão era
superior, artistas
como Claveloux Caza e
Moebius encontraram
uma oportunidade
de paletas subjetivas
e intensas, criando
várias possibilidades
que alcançaram os
Estados Unidos nos
anos 70 – quando
as cores passaram
a assumir um
papel central onde
expressavam desde
estados de espírito até
sensações.

Para explorar
mais exemplos
da linguagem em
quadrinhos com
profundidade, trago
uma sequência de
exemplos no próximo
subcapítulo.

Um exemplo de
cores em Moebius

60
61
sobre a
narrativa

62
parte i: roteiro
Morgana é a última de uma notória linhagem de bruxas, sendo a mais
notória de todas sua mãe, Ana. Após o fim da guerra contra os dragões e
uma longa era de convivência tranquila com a raça humana, Morgana
nasce e apenas alguns anos depois sua mãe é brutalmente assassinada
enquanto dormia, assim como diversas de suas cúmplices e irmãs. Ela crê
que teria sido assassinada também não fosse pela sua tia, Eva, que usou
dos seus poderes para esconder e levar não somente ela, mas diversas de
outras crianças cujas mães foram assassinadas na conhecida Noite Escura.
Entre essas outras crianças, também foram salvas Sabrina, Luna e Serena.

Após esse evento, bruxas passaram a ser marginalizadas pela sociedade


e tratadas como criminais e mulheres cruéis. Dessa forma, muitas bruxas
migraram para outras cidades ou países com maior aceitação, e as que
ficaram tomaram um posicionamento de resistência, buscando a igualdade
que um dia tiveram. As crianças salvas cujas mães foram assassinadas,
foram mandadas para a adoção e adotadas por famílias humanas para
serem protegidas, e, consequentemente, não tem conhecimento de sua
ancestralidade mística.

Morgana e sua tia Eva fazem parte da resistência, morando em partes


afastadas do centro da cidade, enquanto Sabrina, Luna e Serena vivem
mais para o centro, envolvidas com os humanos como se fossem parte
deles, raramente sendo vítimas do preconceito contra o místico.

Morgana, entretanto, alimenta um latente ódio pelos humanos, e desde


criança jura encontrar quem fosse responsável pelo massacre não só de
sua mãe, mas também de todas as outras bruxas da época. Seu desejo por
vingança é tão forte que consegue conjurar a atenção da Deusa Triplíce,
e se mostra determinada a formar um pacto para destruir as pessoas
responsáveis pela morte da sua mãe, contanto que Morgana entenda que
tudo isso vem com o seu preço.

63
A Deusa promete retornar no seu 18o aniversário com as diretrizes
necessárias para sua missão, e assim faz. Na data marcada, a Deusa instrui
Morgana a encontrar três garotas, mas que ela só pode fornecer o nome
de cada uma delas e um lugar, um de cada vez, e o resto é por parte dos
seus próprios poderes. A primeira delas é chamada Sabrina, e o lugar é
chamado simplesmente de Boutique Cherry. Com um pouco de pesquisa
e utilizando seus poderes, Morgana encontra Sabrina e entra em detalhes
sobre a sua desconhecida ancestralidade. Sabrina passa por um choque
ao descobrir a brutalidade que sua mãe biológica passou, e mais tarde
aceita participar da missão de Sabrina.

Ao passo dessa união, uma explosão ocorre na cidade, nas proximidades


de onde Morgana e sua tia Eva moram. Isso invariavelmente causa um
efeito nos poderes de Morgana que a fazem desmaiar e, mais tarde, ela
descobre que sua tia estava na área e agora está em coma. Após isso,
Sabrina oferece sua casa para Morgana ficar enquanto sua tia não acorda.
Uma ação tática militar anti-bruxa é responsável por isso, e Morgana,
extremamente abalada e fraca, segue com sua missão quando a Deusa
reaparece com as próximas diretrizes. Antes de tomar qualquer decisão
brusca, é preciso encontrar a segunda garota; um nome, Luna, e um outro
nome, A Crescente. Revelado que esse é o nome de uma banda, Morgana
usa seus poderes novamente para saber exatamente onde ela está, e
Morgana e Sabrina saem em busca dela.

Luna é abordada pelas garotas no intervalo de seu show em um clube


e se mostra extremamente desinteressada em qualquer coisa que elas
poderiam falar. Mesmo com uma tentativa desesperada de convencer
Luna a se interessar por seu lado bruxa, Morgana não consegue convencê-
la a ver sua ancestralidade, e é contra seu código moral e ético usar seus
poderes em alguém que não a permitiu. Isso a leva a quase abandonar sua
missão, já fraquejando desde o ataque à sua tia, e lhe traz de volta uma
sequência de memórias de sua mãe e pensamentos autodestrutivos que a
deixam em um estado deprimido, se não suicida. É com a ajuda e impulso
de Sabrina que Morgana, mais sensibilizada, vai atrás de Luna e a conta
sobre o que aconteceu com sua mãe e tia, além de o porquê de estar atrás
dela. É somente com essa estratégia que Morgana consegue acordar o lado
empático de Luna, que finalmente concorda em ver o que aconteceu com

64
sua mãe.

Luna se mostra chocada com as imagens que ela vê, mas não surpresa,
e se conecta com os ideais de sua mãe, reforçando seu apoio à missão de
Morgana que, por sua vez, está mais confiante que tudo vá da forma que
ela espera. Faltando somente uma menina, a Deusa reaparece com mais
um nome, Serena, e uma universidade. Morgana usa seus poderes mais
uma vez, mas está visivelmente mais fraca e seu nariz sangra.

Encontrando com Serena, torna-se claro que ela é uma pessoa muito
ocupada, e as meninas a veem no telefone com sua mãe, chorando
enquanto abria mão de sair no final de semana. Isso deixa Sabrina muito
abalada, que impulsivamente vai atrás dela e tenta a convencer que isso
não estava certo, e a convida para ficar com as outras meninas. Serena,
envergonhada, sai correndo para o banheiro mais próximo.

Para a surpresa das outras garotas, Luna se oferece para ir sozinha ao


banheiro, e conversa tranquilamente com Serena através da porta, o que a
acalma profundamente. Serena topa passar a tarde com Luna, que acaba
abordando a questão da bruxaria, de suas mães, da Morgana e, mais tarde,
a importância da rebelião. Serena, maravilhada com Luna e sua força de
vontade, volta a chorar enquanto fala dos seus medos infundados de
desapontar seus pais e da frustração que é sua vida e como, apesar de
tudo, não chega nem aos pés do sofrimento que pessoas como Morgana
passam. Luna a abraça e, impulsivamente, Serena a beija. Isso choca Luna,
mas ela retribui antes de trocar números e pedir para Serena a ligar.

No dia seguinte, Serena aparece na casa de Sabrina, determinada a


entender a vida de sua mãe biológica e carregando uma mala. Após ver
quem era sua mãe Serena fica quieta ao lado de Luna. Mais uma tática
anti-bruxa ocorre e muitas acabam feridas. Em seguida a Deusa reaparece,
dessa vez com o nome de um homem, Sargento Leal, e uma justificativa.
As garotas bolam uma estratégia e unem seus poderes para derrotar o
homem responsável pelas ordens das táticas, além do exército anti-bruxa.

Após ser derrotado, Luna está ferida e várias notícias entram para um
certo canal de reportagens alegando terrorismo por parte das bruxas, e

65
um terror em massa começa a se espalhar entre os humanos, até mesmo
aqueles que um dia apoiaram a igualdade de suas raças. Isso leva
Morgana a pensar que seu plano está indo por água a baixo, apenas para
ser lembrada por Serena que, algumas vezes, as coisas precisam piorar
para poderem melhorar novamente.

A Deusa reaparece mais uma vez para anunciar o nome de Fernando


Salgado, político e dono de diversos canais de comunicação responsáveis
por pintar bruxas como mulheres vis e cruéis contra humanos, além de
usar muito do seu dinheiro para fundar pesquisas em armas químicas que
não somente neutralizam poderes de bruxas, mas também as torturam
e as matam. Mais uma vez as garotas constroem uma estratégia para
derrotar o inimigo.

Uma vez derrotado, Sabrina é quem é abatida, porém canais menores


de notícias começam a repassar os crimes horrendos que Fernando
Salgado fundava, causando a massa a ter sentimentos mais empáticos
com as bruxas dado o sofrimento que isso trazia. Morgana está feliz,
mas visivelmente bem mais fraca do que anteriormente, o que leva as
outras garotas a começarem a questionar o destino de Morgana até o final
dessa empreitada. Ao abordarem a questão, Morgana não quer responder
e apenas se mostra determinada a chegar ao fim, o que as angustia
terrivelmente.

A Deusa faz mais uma aparição, apenas para soltar o nome do Dr. Zeman,
culpado por criar as armas que Salgado fundava, além de experimentos
ilegais e cruéis em bruxas de todas as idades. O resultado desse encontro
é uma Serena abatida, e todas as garotas extremamente cansadas –
principalmente Morgana, que consegue sentir que o fim está próximo.

Ao receber o último nome, Ygarth, Morgana sabe o que tem que fazer,
e, com a ajuda das outras garotas, consegue derrotá-lo. Após isso, a Deusa
revela que o preço a ser pago por tamanha mudança na história da
humanidade é a sua própria vida, e Morgana já sabia.

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parte II:
PERSONAGENS

MORGANA
Morgana é a última de uma notória linhagem
de bruxas, sendo a mais notória de todas sua
mãe, Ana. Após o fim da guerra contra os dragões
e uma longa era de convivência tranquila com a
raça humana, Morgana nasce e apenas alguns
anos depois sua mãe é assassinada enquanto
dormia. Ela crê que teria sido assassinada
também não fosse pela sua tia, Eva, que usou dos
seus poderes para esconder e levar não somente
ela, mas diversas de outras crianças cujas mães
foram assassinadas na conhecida Noite Escura.

Seu temperamento é severo como a de uma


séria professora o que faz dela muito engraçada
para Sabrina. Entre a comunidade bruxa
revolucionária ela é muito respeitada, apesar
de muitas vezes ela sentir uma pressão por isso
e crer que todo o respeito é direcionado à sua
mãe e não a ela. Apesar de parecer muito séria e
estoica, Morgana é muito empática e cuidadosa
com outras pessoas, principalmente bruxas, por
mais que ela não reconheça essa parte de si. Ela
acidentalmente se torna uma figura materna

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para muitas pessoas da sua comunidade e mais tarde, das meninas que
ela encontra. Seu maior desafio é reconhecer que ela não precisa fazer
tudo sozinha.

Morgana é uma bruxa psíquica, um dos tipos de bruxa mais poderosos


que existem. Ela é capaz de vários níveis de poderes e encantamentos que
se tornam mais fortes a medida que ela treina. Através de sua telepatia
ela pode manipular a mente de outras pessoas para diversos fins, desde
comunicação até controlá-los contra sua vontade. Além disso ela pode
lançar raios psiônicos para atordoar seus inimigos. Morgana também
possuí o poder de telecinese, e, de acordo com Eva, é a única bruxa viva
que tem esse poder. Ela pode mover objetos com a força de sua mente,
incluindo ela mesma. Quando não em controle de seus poderes, o que
pode acontecer em um momento de fraqueza emocional, física ou
psicológica, Morgana recebe uma carga psíquica de pessoas ao seu redor
que a atordoam, podendo ser possível até matá-la. Seu familiar é uma
pantera.

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