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Questões Centrais da TNT 1

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO:


ALGUMAS DAS QUESTÕES CENTRAIS

Filipe Dunaway

1. Que quer dizer a expressão “teologia do Novo Testamento” e quais são os


pressupostos dela?

Fundamentalmente, a “teologia do Novo Testamento” denota a disciplina que


procura interpretar criticamente a reflexão sobre theos (qeo,j) que se encontra nos
documentos que compõem o NT. Entretanto, não há concordância no que diz respeito
à metodologia e o conteúdo desta disciplina por parte dos estudiosos que trabalham
nesta àrea de pesquisa. Será nossa tarefa nas próximas aulas examinar os vários
aspectos deste problema. Por enquanto, vamos refletir mais acerca das
pressuposições da teologia do NT.

a. A teologia do Novo Testamento assume a existência e significado de uma


entidade chamada o Novo Testamento, isto é, o cânone aceito pela igreja cristã
como normativo para sua fé e prática. Entretanto, pergunta-se: não seria melhor
procurar a “teologia da igreja primitiva” e, consequentemente incluir em nosso
estudo outros escritos fora do cânone? A noção de cânone pressupõe a existência e
autoridade da igreja como uma comunidade histórica que tem continuado por vinte
séculos e cujas decisões administrativas e litúrgicas da época patrística ainda estão
em vigor.

b. A teologia do Novo Testamento pressupõe a inteligibilidade do termo


“teologia” (= discurso sobre o divino). Contudo, é questionável se tal discurso ou
raciocínio sobre o divino ainda faz sentido para o ser humano do século XXI, um ser
que está se tornando cada vez mais secular e cada vez menos religioso. Para o
homem secular, o conceito de Deus é considerado simplesmente desnecessário, pois
ele pode fazer sentido de sua existência no universo sem Ele. [Para mais informação
sobre a secularização da cultura de nossa época, veja Langdon Gilkey, Naming the
Whirlwind (= Nomeando o Redemoinho), uma parte do qual existe em português na
forma de uma apostila.] Portanto, pode-se indagar hoje: não seria melhor tratar do
NT e outros antigos escritos “mitológicos” e religiosos como interpretações da
existência humana (não divina), exprimidas em termos de uma cosmologia
sobrenaturalista obsoleta?

c. A teologia do Novo Testamento pressupõe que haja uma distância histórica,


cultural, cosmológica e metafísca entre os autores dos documentos do NT e os seus
leitores atuais, sobre a qual se deve construir uma ponte, se a intenção dos textos do
NT puder tornar-se inteligível para nós hoje. Isto é, escrever uma teologia do NT
necessariamente mete o teólogo no meio da tarefa hermenêutica. Há
inevitávelmente uma necessidade de tentar fazer os pensamentos do NT, que se
expressam na forma arcaica do mundo helenístico-hebraico, inteligíveis às pessoas
da nossa época pós-moderna.

d. A disciplina da teologia do Novo Testamento, então, assume que é legítimo,


inteligível, útil e defensável procurar explicar o raciocínio acerca do divino que se
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manifesta dentro do limites dos 27 documentos que compõem o que é nomeado o


NT.

e. Na igreja cristã, a existência da teologia do Novo Testamento pressupõe que os


dogmas da tradição eclesiástica não são idênticos com os ensinos do NT e, por isso,
eles devem ser reavaliados, julgados e talvez reformulados à luz da reflexão sobre o
conteúdo teológico do NT. Portanto, a teologia do NT pode ter um efeito
revolucionário, ou pelo menos reformador, dentro da igreja que alega ser uma serva
fiel aos seus ensinos. Tomar seriamente esta disciplina pode e, de fato, deve
perturbar as instituições eclesiásticas e os indivíduos que compõem as igrejas, tanto
“católicas” como “evangélicos.” Ela tem o efeito de fazer muito claro, às vezes, a
distância entre o qúerigma e prática da igreja primitiva e aquilo que é ensinado e
feito nas igrejas de hoje.

2. Qual é a tarefa fundamental da teologia do Novo Testamento? Hà várias


respostas possíveis:

a. Sua tarefa é apoiar e sustentar um sistema de teologia dogmática já existente.


Conforme esta concepção, ela é somente um auxiliar subordinado a uma outra
disciplina superior, a da teologia eclesiástica oficial, e serve só para fundamentar
suas doutrinas “verdadeiras” e talvez para purificá-las, de vez em quando, de
algumas pequenas impurezas.

b. Sua tarefa é criar uma nova teologia verdadeiramente bíblica que sirva como a
base para criticar e reformular radicalmente as teologias tradicionais que se
desviaram dos ensinos bíblicos devido às influências filosóficas, culturais e
eclesiásticas.

c. A tarefa da teologia do Novo Testamento é descrever o que os textos do NT


significaram para os leitores do século I. Ela é uma ciência histórica descritiva que
se preocupa apenas com o sentido do texto na sua situação vivencial (Sitz em Lebem)
no século I (a tese de Gabler). Ela não se ocupa com o sentido do texto para nós
hoje, mas, sim, apenas com seu sentido para os primeiros leitores do primeiro século
da era cristã.

d. A teologia do Novo Testamento tem como sua tarefa principal a de explicar o


que os textos do NT podem ou devem significar para nós hoje. Segundo esta
posição, ela é uma ciência normativa ou dogmática com finalidades práticas e
existenciais. Ela visa tornar o NT inteligível e relevante ao homem do nosso tempo.
Ela é uma serva da igreja atual no seu trabalho evangelístico, educativo e litúrgico.

3. Quem pode legitimamente fazer a teologia do Novo Testamento?

O cristão, o agnóstico, o ateísta, o adepto a outra religião? Por um lado, o cristão


tem mais empatia para com o conteúdo do texto, mas sua fé pode compelí-lo a
modernizar suas idéias, pois ele pode ocupar-se demais com a aplicação do texto do
NT à sua vida. Por outro lado, os não cristãos não têm esta tentação de modernizar
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o texto, ou pelo menos ela é minguada no seu caso; contudo, normalmente lhes falta
a empatia necessária para penetrar profundamente no sentido do texto.1

4. Quantas teologias do NT existem? Uma só ou muitas?

Entre as várias interpretações do evento Cristo no NT, por exemplo, as de Paulo,


João, os Sinóticos, Pedro, Hebreus, há alguns fatores comuns que as unem de modo
que se possa dizer que há uma teologia compartilhada por todos os escritores do
Novo Testamento? Ou a diversidade entre os intérpretes do evento Cristo é tão
enorme que é impossível falar inteligivelmente de uma unidade teológica dos
escritos dos quais é composto o NT?

5. Qual é o lugar da pregação de Jesus na teologia do Novo Testamento?

A pregação de Jesus de Nazaré é apenas a pressuposição da teologia do Novo


Testamento (assim F. C. Bauer e R. Bultmann)? Ou ela é a parte fundamental da
teologia do Novo Testamento (assim J. Jeremias)? Em outras palavras, esta
disciplina deve ocupar-se somente com a teologia da igreja primitiva ou ela deve
ocupar-se tanto com a teologia de Jesus de Nazaré quanto com a teologia da igreja
primitiva? A este respeito, devemos perguntar também: temos, de fato, acesso à
teologia de Jesus? Ou só conhecemos o que a igreja do primeiro século colocou na
boca dele no período da transmissão oral da tradição acerca de Jesus?

1Este é o argumento de K. Stendahl, “Biblical Theology, Contemporary,” Interpreter’s


Dictionary of the Bible, I:422c).

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