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TRANSTORNOS CONVERSIVOS
E DISSOCIATIVOS
Elisa Brietzke
Graccielle Rodrigues da Cunha
Elson Asevedo
Epidemiologia
Estima-se que a prevalência de transtornos conversivos na população em
geral seja inferior a 1%. Nos serviços de saúde gerais, chegam a represen-
tar de 5 a 14% dos casos referenciados ao psiquiatra. Já em serviços espe-
cializados de psiquiatria, a prevalência desses transtornos pode variar entre
5 e 25%.1
Classificação
A Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde
(CID-10)8 compreende os Transtornos Conversivos como tendo mecanis-
mos similares aos dos Transtornos Dissociativos, classificando-os nesse gru-
po diagnóstico.
Avaliação do paciente
Em um contexto de emergência, muitas vezes a equipe de atendimento pré-
-hospitalar não tem condições de realizar um diagnóstico diferencial entre
essas situações e doenças orgânicas. Por isso, o paciente costuma ser enca-
minhado à emergência com hipóteses diagnósticas de acidente vascular ce-
rebral (AVC) ou outras doenças neurológicas graves. Após avaliação e des-
carte de condições desse tipo, geralmente é cogitada uma causa psiquiátri-
ca para os sintomas.
A avaliação do paciente com transtornos conversivos pode ser bas-
tante difícil, especialmente naqueles indivíduos que recusam com convic-
ção a possibilidade de uma origem emocional para seus sintomas e que
não aceitam sequer uma avaliação psiquiátrica. Em geral, a avaliação é
solicitada a partir de uma queixa que sugere alterações neurológicas, mas
que não segue as características que costumam ser encontradas nesse tipo
186 QUEVEDO E CARVALHO (Orgs.)
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico de um transtorno conversivo exige a exclusão de doenças
clínicas gerais. Os sintomas podem ser semelhantes a quadros de disfagia,
paralisia, parestesia, ataxia, crises convulsivas, cegueira ou surdez. Exame
físico e investigação complementar devem ser conduzidos para excluir qua-
dros como esclerose múltipla, miastenia grave, epilepsia e outros transtor-
nos neurológicos periféricos e centrais.
O segundo diagnóstico diferencial é das condições em que a produção
de sintomas físicos pode ser intencional, com o objetivo de produzir bene-
fícios. Estes podem ser representados pela obtenção de atenção e cuidado
(transtorno factício) ou de ganho mais concreto, como o financeiro (simu-
lação).
Manejo
A primeira medida no manejo de pacientes com transtornos conversivos é
explicar-lhes, de forma clara e coerente, a natureza psicogênica de seus sin-
tomas, deixando claro que ele/ela não está “inventando um sintoma” ou
produzindo-o voluntariamente. Para muitos, o apoio e o reasseguramen-
to são suficientes para a resolução do quadro. Em geral, exames normais
favorecem a aceitação do diagnóstico e a ideia de uma origem emocional
EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS 187
QUADRO 10.1
Diagnóstico diferencial de sintomas conversivos comuns
e doenças clínicas gerais
Convulsões11
Pseudocrises
Epilepsia convulsivas
Prevenção
Atividades que aliviam o estresse podem ser úteis na prevenção de sintomas
conversivos. Estas incluem exercício físico, meditação e ioga.
Epidemiologia
A prevalência de transtornos dissociativos na população em geral varia de
10 a 20%, mas em pacientes psiquiátricos esses transtornos podem estar
presentes em até 30%, como demonstram alguns estudos. Apontando a
estreita relação existente entre transtorno conversivo e transtornos disso-
ciativos, diagnósticos comórbidos podem ocorrer em até 47% dos pacien-
tes.14 Outros transtornos psiquiátricos também assinalam maior incidência
de quadros dissociativos, como transtornos da personalidade, ansiedade e
depressão.
Avaliação do paciente
Em geral, a avaliação é solicitada a partir da presença de um paciente evi-
denciando perda de memória ou mudanças drásticas de comportamento
quando em condições de estresse. Queixas como sensação de que a iden-
tidade ou o mundo ao redor está confuso ou irreal são sugestivas de um
transtorno dissociativo.
Indivíduos com transtornos dissociativos apresentam mais risco de
desenvolver complicações, como automutilação, tentativas de suicídio,
abuso de substâncias e depressão, os quais, por sua vez, podem ser a queixa
principal em um atendimento de emergência.
Diagnóstico diferencial
Sintomas dissociativos são bastante prevalentes em outras condições que não
são classificadas entre os transtornos dissociativos, incluindo transtornos do
humor, de ansiedade (p. ex., em ataques de pânico) e transtornos psicóticos.
Características que distinguem ambas as condições incluem a presença de
dissociação da memória e identidade, que são características dos transtornos
dissociativos e a proximidade com eventos traumáticos. Independentemente
do diagnóstico, a exposição ao trauma, em especial nas primeiras fases da
vida, é fortemente associada à presença de dissociação.16 Outro aspecto a ser
considerado no diagnóstico diferencial são as alterações comportamentais
ou emocionais ligadas a contextos culturais ou religiosos específicos. Se os
sintomas são completamente explicados por uma experiência culturalmente
sancionada, esse diagnóstico não é realizado. Exemplos incluem “visões” ou
transes que ocorrem em rituais religiosos.
Manejo
Uma vez feito o diagnóstico, a psicoterapia é o tratamento primário para os
transtornos dissociativos, a fim de propiciar ao paciente mais entendimento
de sua condição e desenvolvimento de novas estratégias de enfrentamento
do estresse (coping).
Embora não exista um tratamento medicamentoso específico para os
transtornos dissociativos, uma estratégia útil é determinar sintomas-alvo
que podem ser abordados farmacologicamente. Dessa forma, antidepressi-
192 QUEVEDO E CARVALHO (Orgs.)
Prevenção
A prevenção dos transtornos dissociativos, assim como de outras doenças
relacionadas ao estresse e ao trauma, passa pela identificação e encami-
nhamento de pessoas, especialmente de crianças, que foram vítimas de si-
tuações de maus-tratos, violência ou catástrofes. Psicoterapia, intervenções
com grupos de pais, terapia de família ou o incremento de medidas de su-
porte na comunidade têm sido considerados eficazes em reduzir a vulne-
rabilidade da criança a esses transtornos, aumentar o repertório de estra-
tégias de coping funcionais e reduzir o risco da ocorrência dessas doenças
na vida adulta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os médicos que atuam em atendimento de emergência devem estar cien-
tes da possibilidade de estabelecer um diagnóstico de transtorno conver-
sivo ou dissociativo. A presença de um transtorno conversivo não exclui a
comorbidade com outras doenças clínicas gerais, e o diagnóstico exige a
anamnese, o exame físico e do estado mental e exames complementares,
não devendo ser feito somente pela exclusão de alterações nos exames. A
Figura 10.1 apresenta um algoritmo que pode ser usado para a avaliação
desses pacientes.
Os transtornos dissociativos e conversivos são condições de gravidade
variada que podem afetar muito a qualidade de vida, os relacionamentos
interpessoais, o funcionamento do paciente e até mesmo colocar sua vida
em risco. Deve-se lembrar que os sintomas não são conscientes, e aborda-
gens acolhedoras são mais efetivas que confrontos diretos, pois o paciente
pode não ser capaz de lidar com a natureza de seus sintomas.
Para todo paciente que é admitido em emergência com transtornos
conversivos e dissociativos recomenda-se o seguimento em ambulatório, a
fim de acompanhar o curso e determinar o prognóstico.
EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS 193
História clínica
Queixas múltiplas e incongruentes com vias anatômicas e fisiológicas
Sim Não
Produção intencional
Não Sim
dos sintomas?
Encaminhamento ao serviço
psiquiátrico de referência
FIGURA 10.1
Algoritmo de avaliação do paciente com transtorno conversivo ou dissociativo.
EEG: eletrencefalograma; RMN: ressonância magnética nuclear; TEPT: transtorno de estresse pós-
-traumático; LCR: líquido cerebrospinal.