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Mas, o que isso quer dizer? Não sei. Não consigo dormir há alguns meses: a cabeça com mil
pensamentos, ansiedade, medo de falhar e cair? Não sei ao certo!
Hoje acordei em 1998 com uma tristeza tão grande, uma solidão... Pensando em algo que
não li nos textos antropológicos, nem em matérias de jornais. Um sentimento ruim de ser
adulto cedo e se ver sozinho contra o mundo.
Lembrei dos meus 15 anos, quando saí do Rio Negro pela primeira vez. Ao mesmo tempo
que me despedia de um amigo da mesma idade, morto por um acidente, praticamente um
suicídio. Aliás, o final dos anos 90 foram de muitas dores por suicídios. Quinze anos, sabe!
Quinze anos e ele nem tinha visto o básico da nossa capacidade. Eu nem sei se o que estou
relatando faz sentido para as pessoas desta rede social, mas sei que faz sentido para vários
jovens indígenas que estão com 15 anos e os da minha idade agora.
Os antropólogos não sabem mas, nós vivemos um rancor contra tudo e contra o mundo, que
até poderiam explicar várias coisas que a antropologia tenta entender faz tempo: O porquê
dos jovens não quererem mais falar a própria língua ou estarem com vergonha de serem
indígenas, por exemplo. Temos que fazer uma revitalização cultural, dizem os
pesquisadores, tal como jesuítas falando que deveriam ensinar Tupi aos índios, para que
estes não perdessem sua cultura. Tudo muito sem sentido pra quem é indígena.
Ninguém fala da violência, das gangues, da raiva contra os brancos que nos torturam com
chacotas, só pelo fato de sermos diferentes. Da raiva dos meninos contra as meninas que
preferem os brancos, da raiva que as meninas têm dos meninos indígenas porque não se
parecem com os brancos. Não se fala das drogas que são um alívio, da 51 que é um lazer,
dos pequenos furtos como "Capitães da Areia Amazônicos" tentando encontrar um jeito de
burlar a miséria humana, das brigas e mortes violentas. Ninguém fala das cicatrizes dos
combates entre gangues de crianças, nem do choro das mães e dos irmãos levando marmita
para crianças de quatorze, quinze anos presos na delegacia.
Querem falar de suicídio de um ponto de vista cristão, querem falar da violência por culpa
dos mais velhos não ensinarem a cultura para os mais novos. Eles querem tudo, sabe? Mas
e o que nós queremos? O que os jovens indígenas querem? Talvez, não sei, um par de
tênis? É complicado né, morrer por um par de tênis em Santa Isabel do Rio Negro, ou por um
boné em São Gabriel da Cachoeira ou numa briga por causa de ciúmes em Barcelos.
Ah, sei lá! Esse texto nem faz sentido, sabe. Eu só queria escrever, desabafar. As pessoas
acham que por ser indígena a gente é mais feliz, tudo é maravilhoso, tudo é diferentemente
melhor: melhor água, melhor, comida, melhores relacionamentos, melhor mundo. Mas, não
sabem o que se passa de verdade: o desespero e a falta de perspectiva. Talvez a melhor
saída seja mesmo o abuso de drogas, o suicídio, a prisão, é o que o mundo preparou pra
gente né? É essa realidade que precisa ser vista.
As aldeias estão cercadas por cidades, por gente querendo explorar, por jovens cada dia
mais desesperados sem saber o que será no futuro. Não há possibilidades na aldeia porque
daqui a pouco tudo estará acabado. De que adianta demarcar uma terra, se o rio que passa
por ela vem com veneno ou se a caça está acabando?
Meu amigo tinha o sonho de sair do Rio Negro, talvez ser ator, igual ao Bruce Lee ou ao Van
Damme, o Dragão Branco. Ele seria o Dragão Maku, a gente ria. Era engraçado e a gente
brincava de boxe e Telecatch. É, Telecatch!. A TV era mesmo uma vitrine de possibilidades,
e essa possibilidade não era para nossa gente, talvez nem para os brancos. A TV era uma
ideia, uma possibilidade de mudança real e a gente pensava em como seria legal ter um
filme, um programa de TV, um espaço. Mas, ao desligar o aparelho, tudo o que sobrava era
a realidade, onde não tínhamos que lutar contra um vilão, mas contra vários vilões, que se
transvestiam de escárnios de professores e colegas, da miséria, da impossibilidade de
mudança.
Que solução seria boa pra resolver isto? Não sei. Se soubesse eu tentaria, mas não sei!
Talvez posso falar: estudem! Talvez a solução seja estudar mesmo, pois os meus amigos
que estão vivos foram os que estudaram. Mas eu sei que não é só isso, é preciso que se
tenha uma oportunidade também. Não adianta o desejo, a vontade de mudar. É preciso que
se tenha referências, as quais nos identifiquemos, para olharmos e esperançarmos.
Não sei ao certo, repito, o que quero com este texto, talvez segurar a caveira do meu amigo
como Hamlet fez com a de Yorick e falar:
"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e flechas
com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja. Ou insurgir-nos contra um mar de provocações e
em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono, a angústia e as mil pelejas naturais, herança do homem:
Morrer para dormir… é uma consumação que bem merece e desejamos com fervor".
Às vezes, é preciso ser louco para ver além do que nos mostram e enxergam a vida real,
lugar onde podemos de verdade fazer as mudanças, e que solitários, possamos vislumbrar
o futuro para onde as nossas escolhas de hoje nos levará.
A felicidade pode não ter sido feita pra nós, mas a vitória sim. Então aprendam a usar as
ferramentas, aprendam o que puderem pois, a luta será intensa todo os dias e se você tiver
conhecimento sobre as ferramentas e suas forças, você terá uma chance de manter-se em
pé.