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Universidade Federal de Pernambuco

Centro de Artes e Comunicação


Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística

Seleção pública para professor substituto – 2019


Área: Ensino das Artes Visuais
Candidata: Bruna Rafaella do Carmo Ferrer de Morais

ROTEIRO DE AULA | PROVA DIDÁTICO-PRÁTICA

10. Interculturalidade no ensino das Artes Visuais

 Interculturalidade no ensino das Artes Visuais: Noções iniciais

- Princípio do debate: luta pelo reconhecimento político por parte de minorias e


grupos imigrantes pós Segunda Guerra Mundial (na Europa e América do Norte no
final dos anos 1960). O tema do multiculturalismo surgiu com conflitos étnicos e/ou
raciais, se estendendo para dimensões tais como: religião, idade, gênero, orientação
sexual, classe social.
-> Urgência por aprender a conviver articulando igualdade e diferença (CANDAU,
1994);
-> No campo educacional, uma concepção antropológica de educação e cultura (que
abrangem processos formais e não formais de transmissão da cultural) são
instaurados nesse direcionamento. LDBEN (Nº 9.394/1996);
-> Desnaturalizar saberes escolares de artes visuais hegemonizados na concepção
de arte erudita. Adoção de posturas pós-colonialistas;
-> Incorporação dos referenciais culturais dos/as alunos/as nos processos de
ensino-aprendizagem em Artes Visuais. Abarcando sua estética do cotidiano
(RICHTER, 2003);
-> Mas não se trata apenas de “onde somos”, e sim “onde estamos”. E assim mudar
a posição da Arte/Educação multicultural de “celebratória” para “insurgente”. Só
assim capaz de aceitar as mudanças das experiências migratórias transculturais.
(CHALMERS, 2010)
-> Entrelaçamento entre arte e cultura; compreensão dos códigos culturais como
códigos de poder; apropriação crítica de códigos visuais pertencente a artefatos
legitimados ou não como arte; preocupação com a herança artística e estética
dos/as aluno/as; diversidade cultural.

- Revisão de termos: Multiculturalismo (países de língua inglesa) X


Interculturalismo (América Latina) (CARDOS JUNIOR, 2017).
-> Multicultural e pluralidade cultural – termo adotado pelos PCN 97/98 como tema
transversal – trata da diversidade, da coexistência de diferentes culturas numa
mesma sociedade. Tendem a valorizar a diferença sem problematizar relações de
poder.
-> Intercultural trata da interação entre diferentes culturas (BARBOSA, 2002). No
ensino de artes, abordagem propositora de inter-relação entre códigos culturais de
diferentes grupos culturais (RICHTER, 2003). A diferença é abordada a partir das
forças que a atravessam. Conjunto de propostas de convivências democráticas de
saberes.
- Interculturalidade crítica (Catherine Walsh e Tubino). Havveriam para esses
autores três perspectivovas da interculturalidade: o relacional, onde as relações são
reduzidas ao interpessoal e os conflitos minimizados; o funcional, instrumento
retórico do neoliberalismo multicultural com objetivo de manter a ordem
estabelecida; e o crítico, que questiona as diferenças construídas ao longo da
história, opera para a transformação de estruturas, instituições e relações existentes.
-> a interculturalidade crítica articula-se, assim, com o pensamento decolonialista,
que entende que as relações de colonialidade (econômica e política) não se
desfizeram com o fim do colonialismo.
-> abordagem triangular, como precursora do ensino das artes pós-modernistas no
Brasil. (Ana Mae Barbosa). Abre a perspectiva para estudos além da cultura erudita,
ampliando o debate que ressoa na ideia de uma educação para a cultura visual, que
considera a expansão multimidiática da arte na vida social.
-> autores desse bojo (RICHTER; BARBOSA), combatem a visão modernista de
ensino da mera apreensão de uma gramática visual (formalista) e a
supervalorização de objetos artísticos de valor estético incontestável, independente
do contexto que foram produzidos ou onde são apreciados. Seria a firmação de um
local autônomo da arte (“pureza visual” – Basbaum, 2007). Mas essa autonomia
hoje, em tempos de pós-autonomia (CANCLINI, 2012), ainda se afirma em um
processo de deslocamento “para fora”, para se autoafirmar.
-> negociações permanentes sobre conhecimentos e valores transculturais.
-> aposta em práticas dialogais com emprego de narrativas de história de vida dos
sujeitos indo além dos aspectos formais da arte a fim de estabelecer uma
interlocução entre arte e outras áreas de conhecimento e temas do mundo atual.

Critérios característicos do multiculturalismo crítico ou insurgente (NIETO, 1999


apud CHALMERS, 2010)
- Reforça a cultura (em permanente mudança) do/a aluno/a, sem trivializar o
conceito de cultura;
- Desafia o conceito hegemônico;
- Complica a pedagogia;
- Problematiza o enfoque simplista em autoestima;
- Encoraja “discursos perigosos”;
- Admite que a educação multicultural não consegue fazer tudo.

Breve conclusão: Sendo a diversidade cultural buscada, especialmente a partir dos


anos 1960, nas nações ocidentais, uma arte-educação multicultural deveria ser
preocupada com interesses sociais e políticos e não apenas com arte. (MANSON,
1999). Num contexto onde se contradizem a padronização de modelos culturais e o
aumento de conflitos culturais, se faz urgente revisões no campo da arte-educação
de modo a aumentar a tolerância e respeito entre grupos.
Indicamos como a noção de interculturalidade nos atuais estudos sobre processos
de ensino das Artes Visuais impulsionam o debate no tocante a multiplicidade de
construções culturais, abrangendo perspectivas transformadoras que incitam uma
revisão nos dispositivos de poder, baseado em pressupostos hegemônicos do saber
para a construção da justiça cognitiva do ensino que seria, pois da justiça social,
econômica, política e cultural.
O que os jovens indígenas querem?
Por Denilson Baniwa | Rádio Yandê (10 de dezembro de 2017)
"Às vezes é preciso ser louco para se dizer o óbvio", essa é uma frase que lembro ser dita
por uma professora do ensino médio que algum tempo depois aqui no Facebook descobri
que era do Erasmo de Roterdã, escrito em um livro chamado "O elogio da loucura".

Mas, o que isso quer dizer? Não sei. Não consigo dormir há alguns meses: a cabeça com mil
pensamentos, ansiedade, medo de falhar e cair? Não sei ao certo!

Hoje acordei em 1998 com uma tristeza tão grande, uma solidão... Pensando em algo que
não li nos textos antropológicos, nem em matérias de jornais. Um sentimento ruim de ser
adulto cedo e se ver sozinho contra o mundo.

Lembrei dos meus 15 anos, quando saí do Rio Negro pela primeira vez. Ao mesmo tempo
que me despedia de um amigo da mesma idade, morto por um acidente, praticamente um
suicídio. Aliás, o final dos anos 90 foram de muitas dores por suicídios. Quinze anos, sabe!
Quinze anos e ele nem tinha visto o básico da nossa capacidade. Eu nem sei se o que estou
relatando faz sentido para as pessoas desta rede social, mas sei que faz sentido para vários
jovens indígenas que estão com 15 anos e os da minha idade agora.

Os antropólogos não sabem mas, nós vivemos um rancor contra tudo e contra o mundo, que
até poderiam explicar várias coisas que a antropologia tenta entender faz tempo: O porquê
dos jovens não quererem mais falar a própria língua ou estarem com vergonha de serem
indígenas, por exemplo. Temos que fazer uma revitalização cultural, dizem os
pesquisadores, tal como jesuítas falando que deveriam ensinar Tupi aos índios, para que
estes não perdessem sua cultura. Tudo muito sem sentido pra quem é indígena.

Ninguém fala da violência, das gangues, da raiva contra os brancos que nos torturam com
chacotas, só pelo fato de sermos diferentes. Da raiva dos meninos contra as meninas que
preferem os brancos, da raiva que as meninas têm dos meninos indígenas porque não se
parecem com os brancos. Não se fala das drogas que são um alívio, da 51 que é um lazer,
dos pequenos furtos como "Capitães da Areia Amazônicos" tentando encontrar um jeito de
burlar a miséria humana, das brigas e mortes violentas. Ninguém fala das cicatrizes dos
combates entre gangues de crianças, nem do choro das mães e dos irmãos levando marmita
para crianças de quatorze, quinze anos presos na delegacia.

Querem falar de suicídio de um ponto de vista cristão, querem falar da violência por culpa
dos mais velhos não ensinarem a cultura para os mais novos. Eles querem tudo, sabe? Mas
e o que nós queremos? O que os jovens indígenas querem? Talvez, não sei, um par de
tênis? É complicado né, morrer por um par de tênis em Santa Isabel do Rio Negro, ou por um
boné em São Gabriel da Cachoeira ou numa briga por causa de ciúmes em Barcelos.

Ah, sei lá! Esse texto nem faz sentido, sabe. Eu só queria escrever, desabafar. As pessoas
acham que por ser indígena a gente é mais feliz, tudo é maravilhoso, tudo é diferentemente
melhor: melhor água, melhor, comida, melhores relacionamentos, melhor mundo. Mas, não
sabem o que se passa de verdade: o desespero e a falta de perspectiva. Talvez a melhor
saída seja mesmo o abuso de drogas, o suicídio, a prisão, é o que o mundo preparou pra
gente né? É essa realidade que precisa ser vista.

As aldeias estão cercadas por cidades, por gente querendo explorar, por jovens cada dia
mais desesperados sem saber o que será no futuro. Não há possibilidades na aldeia porque
daqui a pouco tudo estará acabado. De que adianta demarcar uma terra, se o rio que passa
por ela vem com veneno ou se a caça está acabando?
Meu amigo tinha o sonho de sair do Rio Negro, talvez ser ator, igual ao Bruce Lee ou ao Van
Damme, o Dragão Branco. Ele seria o Dragão Maku, a gente ria. Era engraçado e a gente
brincava de boxe e Telecatch. É, Telecatch!. A TV era mesmo uma vitrine de possibilidades,
e essa possibilidade não era para nossa gente, talvez nem para os brancos. A TV era uma
ideia, uma possibilidade de mudança real e a gente pensava em como seria legal ter um
filme, um programa de TV, um espaço. Mas, ao desligar o aparelho, tudo o que sobrava era
a realidade, onde não tínhamos que lutar contra um vilão, mas contra vários vilões, que se
transvestiam de escárnios de professores e colegas, da miséria, da impossibilidade de
mudança.

Sem superpoderes as gangues, ou galeras, como são chamados no Amazonas, eram de


bairros diferentes, como naquele filme The Warriors, de 1979 (ainda hoje é assim em várias
cidades por lá) lutavam pelo espaço de poder imaginário. Dos vários amigos que eu tinha,
hoje somos uns cinco resistindo neste mundo, outros estão presos ou jazem. Sabe o que
isso trouxe de benefícios pra gente? Nada.

Que solução seria boa pra resolver isto? Não sei. Se soubesse eu tentaria, mas não sei!

Talvez posso falar: estudem! Talvez a solução seja estudar mesmo, pois os meus amigos
que estão vivos foram os que estudaram. Mas eu sei que não é só isso, é preciso que se
tenha uma oportunidade também. Não adianta o desejo, a vontade de mudar. É preciso que
se tenha referências, as quais nos identifiquemos, para olharmos e esperançarmos.

Dessa forma, penso que os antropólogos, indigenistas e comunidades podem trabalhar


juntos para encontrar e mostrar possibilidades. Foram as possibilidades mostradas para mim
que me fizeram mudar o caminho. Em 1999, eu fui mandado pra FOIRN para fazer um curso
de Comunicação e Multimeios, isso me mostrou um caminho diferente a seguir. Outros
amigos também puderam seguir caminhos que lhes tiraram dos problemas. A palavra é
possibilidade!Oportunidade e possibilidade! Infelizmente isto só é possível com ajuda
externa, pois não temos mais força nem autoestima que nos faça vislumbrar a possibilidade
de futuro.

Não sei ao certo, repito, o que quero com este texto, talvez segurar a caveira do meu amigo
como Hamlet fez com a de Yorick e falar:
"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e flechas
com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja. Ou insurgir-nos contra um mar de provocações e
em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir: não mais.
Dizer que rematamos com um sono, a angústia e as mil pelejas naturais, herança do homem:
Morrer para dormir… é uma consumação que bem merece e desejamos com fervor".

Às vezes, é preciso ser louco para ver além do que nos mostram e enxergam a vida real,
lugar onde podemos de verdade fazer as mudanças, e que solitários, possamos vislumbrar
o futuro para onde as nossas escolhas de hoje nos levará.

Jovens, de quinze anos hoje: Estudem!

A felicidade pode não ter sido feita pra nós, mas a vitória sim. Então aprendam a usar as
ferramentas, aprendam o que puderem pois, a luta será intensa todo os dias e se você tiver
conhecimento sobre as ferramentas e suas forças, você terá uma chance de manter-se em
pé.

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