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Autores:

Lucas Lovato
Médico psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela UFRGS.
Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima
Médico psiquiatra. Mestre em Farmacologia pela UFCSPA. Doutor em Ciências Biológicas: Bioquímica pela
UFRGS.
Última revisão: 29/01/2014
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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na


Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

Caso Clínico
Uma paciente do sexo feminino, 40 anos, relata insônia ao seu clínico. O médico já
acompanha a paciente há alguns anos e percebe que ela está preocupada sempre que
realiza exames ou necessita de alguma medicação. Ao ser questionada sobre essa
preocupação, afirma que desde a faculdade sente-se ansiosa em relação a vários
assuntos, tais como trabalhos que precisa entregar, finanças no final do mês (mesmo
sem nunca ter tido problemas financeiros), assuntos de família com os quais suas
irmãs lidam de forma mais tranquila ou mesmo questões do dia a dia. Ela relata que vir
ao médico é um problema, pois precisa desmarcar compromissos, não sabe como vai
fazer para buscar os filhos na escola, tem que chegar na hora marcada, etc. Às vezes
sente dor de cabeça e tensão muscular com tanta preocupação. Ela diz não ver
necessidade de realizar rituais para aliviar as preocupações ou as crises espontâneas
de medo intenso. A paciente sente que seu modo de ser a sobrecarrega e, nos últimos
meses, tem-se sentido cansada e triste.

Definição
O principal sintoma do transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é a preocupação
excessiva e crônica, difícil de ser controlada, relacionada a diversas áreas que fazem
parte do cotidiano normal das pessoas. Associados a ela, há uma série de sintomas
físicos e psicológicos. Para o clínico, os pacientes podem apresentar queixas de fadiga,
insônia, irritabilidade, tensão muscular e sintomas somáticos. O TAG está associado a
incapacidades, redução na qualidade de vida, automedicação, suicídio e um alto uso
do sistema de saúde.1,2

Epidemiologia
A prevalência de TAG ao longo da vida é de cerca de 6%. Afeta mulheres com mais
frequência (2:1) e está relacionado a uma alta prevalência de comorbidades
psiquiátricas (68%), sendo as mais comuns depressão, outros transtornos de ansiedade
e abuso de substâncias.2 Em geral, apresenta-se inicialmente em pacientes por volta
dos 30 anos.3

Etiologia e Patogênese
Os fatores etiológicos e os fisiopatológicos do TAG estão entre os menos estudados
nos transtornos de ansiedade. Especula-se que alterações na estrutura e na função da
amígdala, como ocorre também em casos de outros transtornos em que o medo é o
sintomas central, podem estar associadas ao TAG. Anormalidades no complexo GABA-
benzodiazepínico e serotonérgico também parecem estar implicadas nesse transtorno.
Como em outros transtornos psiquiátricos, a hipótese de uma etiologia mediada por
vulnerabilidade genética e fatores ambientais é a mais aventada.3,4

Hereditariedade
A herdabilidade e a genética do TAG são ainda pouco estudadas. A literatura aponta
para uma maior prevalência em famílias que já apresentam o transtorno.4

Sinais E Sintomas
Os Critérios diagnósticos para TAG são:2
•Excessiva ansiedade e preocupação (expectativa apreensiva) durante, no mínimo, seis
meses a respeito de uma série de atividades da vida diária.
•Reconhecimento da dificuldade para controlar as preocupações.
•Ansiedades e preocupações associadas a, pelo menos, três dos seguintes sintomas:
inquietude, sensação de "estar no limite", cansaço, dificuldade de concentração,
irritabilidade, tensão muscular, distúrbios do sono.
•Os sintomas não devem estar relacionados a outros transtornos psiquiátricos ou
clínicos.
•Há sofrimento e prejuízo associado aos sintomas.

Algumas perguntas que podem auxiliar a triagem de pacientes com TAG:2


•Com que tipo de coisas você se preocupa?
•Você se preocupa de forma excessiva com situações do cotidiano, por exemplo,
família, saúde, trabalho, dinheiro?
•As pessoas próximas o veem como preocupado demais?
•É difícil controlar suas preocupações? Elas dificultam o sono e/ou o fazem sentir-
se fisicamente doente, cansado?

Sob perspectiva cognitiva, o TAG apresenta algumas características que o diferenciam


dos demais transtornos de ansiedade. Nesses pacientes, existem, de modo geral, mais
cognições relacionadas a confrontos interpessoais, competência, aceitação e
preocupações com os outros ou com questões menores. Os pacientes com transtorno
do pânico, por exemplo, apresentam mais preocupações relacionadas a sintomas
físicos. Distorções nos processamentos da informação também caracterizam o TAG:
tendência a selecionar e registrar informações relacionadas a ameaças e dificuldades
perante o confronto com ambiguidades. A metapreocupação (preocupação com a
própria preocupação) soma-se aos demais sintomas.4

Diagnóstico
A existência de outros transtornos psiquiátricos deve sempre ser avaliada se houver
hipótese diagnóstica de TAG em um paciente, devido ao elevado grau de comorbidade
(inclusive com o transtorno de humor bipolar). Alguns transtornos clínicos também
devem ser descartados, como doenças endócrinas ou cardiológicas, reação a
determinado medicamento ou síndrome de retirada.
Tratamento
Medicamentos antidepressivos devem ser administrados inicialmente em doses
baixas, pois podem piorar a ansiedade e assustar o paciente. Por exemplo, iniciar com
meio ou um quarto de comprimido de paroxetina, 20 mg.

Farmacoterapia 2,3,5,6

Tratamentos de primeira linha:


•ISRS*, venlafaxina, mirtazapina, duloxetina, pregabalina.
•Os antidepressivos, além de reduzirem os sintomas do TAG, tratam também o
transtorno depressivo frequentemente associado.
•Apesar do alívio rápido e significativo dos sintomas com benzodiazepínicos, estudos
sugerem que, após quatro a seis semanas, seus efeitos não sejam superiores aos do
placebo. Podem ser utilizados em situações agudas ou durante períodos curtos (até 4
semanas).
•O tempo de resposta dos sintomas ao tratamento em geral é mais longo que o da
depressão, ao menos 6 a 12 semanas.
•Recomenda-se manter o tratamento durante, pelo menos, um ano, possivelmente
muitos pacientes necessitarão de tratamento por mais tempo.

* ISRS, inibidores seletivos da recaptação de serotonina.

Terapia cognitivo-comportamental(TCC) 2,3

•É mais efetiva na redução dos sintomas de TAG do que terapias não específicas.
•A redução de sintomas pode ser comparada ao benefício do tratamento com
medicação.
•Mantém benefícios a longo prazo.
•Pode ser realizada de forma individual ou em grupo.
•Alguns elementos da TCC no TAG são os seguintes: técnicas de relaxamento,
psicoeducação (explicações sobre o transtorno e o tratamento, leituras),
intervenções cognitivas (reavaliação das crenças, questões a respeito de tolerância à
incerteza e perfeccionismo, probabilidades e realidade a respeito das preocupações),
exposições (desenvolvimento gradual de tolerância diante das situações de
ansiedade), técnicas para regular a emoção (estratégias de relaxamento), técnicas e
estratégias de resolução de problemas e prevenção de recaídas.

Caso Clínico Comentado


O quadro descrito é típico de TAG. É importante ressaltar que o diagnóstico
dificilmente será estabelecido se o médico não cogitar a ocorrência do transtorno,
nem fizer perguntas mais específicas. Existem diversas queixas físicas que, se
medicadas de forma sintomática, não resolvem o problema. Deve-se descartar a
possibilidade de a preocupação estar relacionada a outro transtorno de ansiedade
(compulsões e crises espontâneas de ansiedade são negadas) e investigar depressão.
Embora essa paciente tenha se sentido triste (pode-se investigar mais especificamente
episódio depressivo maior) nos últimos meses, ela apresenta o quadro de
preocupações há mais tempo. Devido a associação de sintomas de TAG e sintomas
depressivos, um antidepressivo é uma boa opção de tratamento (excluindo-se sempre
o transtorno do humor bipolar). Os efeitos colaterais e as especificidades do paciente
são importantes na escolha do medicamento. Pode-se indicar também TCC.

Referências
1.American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental
disorders: DSM-IV. 4th ed. rev. Washington: APA; 2000.
2.Canadian Psychiatric Association. Clinical practice guidelines. Management of anxiety
disorders. Can J Psychiatry. 2006;51(8 Suppl2):9S-91S.
3.Zohar J, Hollander E, Kasper S, Möller HJ, Bandelow B, Allgulander C, et al. World
Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) guidelines for the
pharmacological treatment of anxiety, obsessive-compulsive and post-traumatic stress
disorders - first revision. World J Biol Psychiatry. 2008;9(4):248-312.
4.Hales RE, Yudofsky SC, editores. Tratado de psiquiatria clínica. 4. ed. Porto Alegre:
Artmed; 2006.
5.Taylor D, Paton C, Kapur S. The South London and Maudsley NHS Foundation Trust
and Oxleas NHS Foundation Trust: prescribing guidelines. 10th ed. London: Informa
Healthcare; 2009.
6.Ravindran LN, Stein MB. The pharmacologic treatment of anxiety disorders: a review
of progress. J Clin Psychiatry. 2010;71(7):839-54.

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