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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico


The pain of mourning and its psychoanalytical reception

Vera Esther Ireland

Resumo
O trabalho versa sobre um caso clínico em que se acolhe o processo de luto de uma mãe
que perdeu uma filha adolescente por suicídio. A principal postura de fundo, durante esse
acolhimento, foi possibilitada principalmente pelo conhecimento antecipado da teoria win-
nicottiana, mas cuja explicitação, no que tange à sua vinculação com este caso específico, foi
facilitada após a interrupção da análise, sob a forma de après-coup da analista durante a escrita
do texto.

Palavras-chave: Luto, Suicídio, Dependência, Caso clínico, Psicanálise.

Introdução mento. O segundo acontecimento foi o suicí-


O caso clínico que este trabalho apresenta é o dio mesmo, que Marta consumou oito meses
de uma senhora, que aqui chamo de Antônia, após aquela primeira tentativa.
que me chegou ao consultório aos 49 anos de
idade. O atendimento perfez um total de 350 O primeiro eixo
sessões, durante um período de 2 anos. A in- – a tentativa de suicídio da filha
terrupção foi por minha iniciativa, motivada Por ter sua chegada ao consultório impul-
pelo fechamento do consultório em virtude de sionada pela tentativa de suicídio da filha,
mudança para uma cidade longínqua. Foi uma ocorrida 4 meses antes, Antônia já adentrava
interrupção dolorosa para paciente e analista. o mundo dessa análise pela porta metafóri-
Enquanto durou, houve dois aconteci- ca da morte: nem chegou, na verdade, a for-
mentos que, de modo dramático, funciona- mular uma demanda própria de tratamento,
ram como eixos organizadores da análise: o vinha a reboque do que lhe recomendavam.
primeiro foi uma tentativa de suicídio de sua Mas o impacto daquela tentativa foi muito
filha do meio, de 18 anos de idade - a quem forte: mais tarde, sucessivas vezes, Antônia
chamarei de Marta. Isto desencadeou eventos se referia àquele acontecimento não como
extremamente dolorosos na vida da paciente “tentativa”, mas como “o primeiro suicídio
e deu origem a um périplo à busca de ajuda. de Marta” – atos falhos esses que não eram
A filha Marta ficou internada no hospital por percebidos por Antônia, nem apontados pela
17 dias e, à saída, não quis voltar para a casa analista, esta à espera do que mais viesse a
dos pais. Desde a internação, Marta sequer acontecer no decurso do tratamento.
permitia ser contatada pelos pais, e Antônia Essa filha parecia ter sido marcada pela
não atinava sobre as razões desse comporta- morte desde antes de nascer. Antônia rela-

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tou que estava grávida, quando, assistindo ao nascimento, foi relatado mais de uma vez,
noticiário pela TV, presenciou reportagem fazendo Antônia se perguntar se essa era a
sobre assalto a um estabelecimento bancário razão dos problemas que Marta veio a ter.
em hora de seu funcionamento ao público, Na sequência dessa dúvida, Antônia fala,
no decorrer do qual uma pequena criança, não pela primeira vez, sobre o aborto do pri-
no colo da mãe, foi atingida pelo disparo de meiro filho – ela achava que era um menino,
uma arma de fogo. Essa criança, morta no que o marido queria que fosse – acontecido,
assalto, chamava-se Marta e foi em sua ho- conforme seu relato, aos quatro meses de
menagem que Antônia escolheu, ali mesmo gravidez. Antônia se internara no hospital
frente à TV, o nome que seu bebê, já em ges- por dores que sentira na barriga, mas duran-
tação, viria a ter: Marta. te a noite foi ao banheiro e, depois de usar
Postulei que houve, nesse episódio, uma o vaso sanitário, percebeu que abortara ali o
identificação de Antônia com a mãe daque- feto. Deu descarga. Quando, depois, contou
la criança, sentindo sua dor e tentando fazer o que tinha acontecido, ninguém acreditou
com que ela não perdesse sua filha pequena: que tivesse abortado e fizeram-na passar
Antônia, simbolicamente, a abrigaria viva a noite tomando soro para não abortar. Só
em seu útero, permitindo àquela pequena o marido havia visto esse bebê na privada,
Marta continuar sua existência. Mas postu- mas não acreditou que seria o bebê aborta-
lei, também, que houve uma identificação de do. “Bebê, não! Feto” – ela se corrige. Antônia
Antônia com a própria criança morta, ao lhe disse guardar o exame que comprovou não
prestar essa homenagem da forma que o fez: ter mais nada na barriga, e que isso compro-
Antônia operou, no ato, uma regressão mas- vava que ela abortara. Pergunto eu aos meus
siva e realizou uma incorporação simbólica botões: “Uma gravidez ao contrário? Um
dessa criança a seu próprio corpo. Como exame que comprova o aborto, quando a pra-
Freud (1917) diz, xe é comprovar a gravidez?”. Antônia se cul-
pava muito por ter dado descarga sem antes
A identificação é uma etapa preliminar da es- chamar a enfermeira. Essa gravidez tinha um
colha objetal, que é a primeira forma – e uma estatuto de realidade a ponto de Antônia, às
forma expressa de maneira ambivalente – pela vezes, me dizer que tinha tido quatro filhos.
qual o ego escolhe um objeto. O ego deseja in- Voltemos, agora, ao impacto da tentati-
corporar a si esse objeto e, em conformidade va de suicídio de Marta na vida de Antônia.
com a fase oral ou canibalista de desenvolvi- Como mencionado, um primeiro momento
mento libidinal em que se acha, deseja fazer da sua análise foi pautado, até certo pon-
isso devorando-o (i 1974, p.282). to, por essa tentativa, que representou uma
morte simbólica de sua filha. Pauta essa que
No que se refere à própria filha, em sua criava, no setting analítico, uma sombra de
existência real no útero de Antônia, houve morte a rondar as histórias ali contadas por
alguns percalços: Antônia sofreu ameaça de Antônia, quer se referissem exclusivamente
aborto e, como suporte para a gravidez, vol- à filha, quer a outras pessoas do seu círculo.
tou a morar na casa dos seus pais por algum Nesse contexto, em uma das sessões em que
tempo. Com oito dias de nascida, Marta teve se lembrava de alguém que morrera prema-
infecção no umbigo e quase morreu. Mas, turamente por câncer, Antônia disse textual-
ainda antes, quando chegou na maternidade, mente: “uma sombra de morte me persegue”.
a médica de plantão demorou para atender E, na sequência, falou de seus antigos medos:
Antônia – ela lembra que “precisou fechar as de morte, de avião e de alturas, de elevador
pernas para o bebê não sair”. Esse fechamen- e outros ambientes fechados ... e de metrô –
to de pernas, como medida para retardar o “por andar debaixo da terra”. Essa sombra da

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morte parecia ter um caráter claustrofóbico, Dependência de sustento:


uma angústia menos ligada ao recalque do uma grande questão
sexual e mais à morte como castigo, talvez. Na sua primeira consulta, Antônia me infor-
Nos seus relatos, havia, às vezes, um tom mou de sua grande dificuldade financeira,
insípido, apresentando um cotidiano sem quem pagaria o tratamento seria “sua famí-
brilho, insosso. Além disso, era como se a lia”. Família “de origem”, digo eu, mas, a An-
Antônia faltasse percepção da extensão do tônia mesma, essa categoria de entendimen-
dramático vivido: para alguns aspectos de to parecia faltar. Era como se não houvesse
sua vida, ela parecia estar alerta, mas para muita importância em diferenciar entre “sua
outros, contados de forma meio monótona, família” – composta por Antônia e seu mari-
parecia estar como que anestesiada, sofrendo do, mais as 3 filhas, agora adolescentes, des-
de embotamento afetivo. Isto não quer dizer se casal – e a família composta pelos pais de
que não houvesse, também, muitos relatos Antônia, agora idosos, com seus 12 filhos já
em que a claridade da vida afastava as som- adultos.
bras da morte e Antônia, de certa forma, bri- Antônia era uma filha casada que, de tem-
lhava no consultório. Principalmente duran- pos em tempos, precisava ser amparada por
te os primeiros 4 meses da análise, Antônia, seus familiares de origem. No momento atual,
às vezes, parecia jovem, talvez uma menina sua mãe e alguns irmãos estavam dividindo
se descobrindo no espelho e gostando do todas as suas despesas financeiras, e era com
que via. Seu rosto era forte e inquisitivo, e, placidez que os beneficiários pareciam viver
se às vezes se mostrava marcado de incerte- essa condição de vida. Antônia e seu mari-
zas radicais e agonias profundas, de quando do não tinham trabalho agora, mas essa não
em vez chispava um olhar eloquente, meio era a primeira vez que isto acontecia, mesmo
matreiro, a fazer brilhar os pedaços da sua que o marido fosse, como era, detentor de
história mais antiga, pedaços que me eram formação universitária relativamente com-
oferecidos, buscados por Antônia com ar de petitiva no mercado de trabalho; e, mesmo
quem era despertada por uma curiosidade que Antônia fosse diplomada também em
exploradora, reluzente, febril. nível superior, na verdade, ela não chegara a
É importante que eu diga que houve uma fazer carreira profissional. Assim, de tempos
transferência bastante positiva a nos ligar e em tempos, viviam em dependência aguda
que, de sua poltrona – ela recusou o divã, sem- dos pais/irmãos, sogros/cunhados, avós/tios,
pre – Antônia me fitava diretamente enquanto mas a Antônia mesma isso parecia ter ares
falava. Seus olhos às vezes pareciam faiscar em de irrelevância: pois embora ela expressasse,
minha direção, às vezes era quase um flerte, no geral, sofrimento por uma vida não-satis-
mas, ao mesmo tempo, era uma sedução não- fatória, em nenhum momento uma luta real
erótica, era uma senha de vida, de esperança. pelo fim dessa dependência financeira pa-
E houve relatos, para os quais, por mais recia ser uma questão a mobilizar Antônia;
que eu me esforçasse, não parecia inicial- muito pelo contrário, havia até o que eu con-
mente haver, de minha parte, uma compre- siderava um admirável senso de altivez nessa
ensão sobre qual poderia ser a racionalidade. adversidade. Assim, Antônia parecia encarar
Dentre esses, destaco agora o que chamo de com naturalidade que sua mãe lhe pagasse o
“dependência de sustento”. E, como se verá aluguel e a escola particular de uma ou outra
a seguir, não se trata, aqui, da classificação filha, que uma irmã pagasse o plano de saú-
diagnóstica que o DSM 4/ Manual Diagnós- de, que a Faculdade particular da filha mais
tico e Estatístico de Transtornos Mentais 4 velha ficasse a cargo de um irmão, que o tra-
(1994) faz de um transtorno de personalida- tamento psicoterápico de alguns ficasse por
de dependente. conta de outros e que as reivindicadas e au-

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torizadas aulas de computação, de inglês, de logo possível pressentir que era só a partir de
natação e de dança fossem pagas por quem aí, desse presente doloroso, que outros vôos
quer que fosse, desde que da família de ori- poderiam ser construídos.
gem de Antônia. A si mesma, ao seu marido
ou à família de origem do marido, Antônia O setting analítico
não cobrava qualquer função de provedores. A transferência positiva que aconteceu no
Por pseudo que fosse, que tipo de tranqui- setting serviu de pano de fundo para a sus-
lidade era essa, gerada no fulcro de tamanha tentação de um clima ameno, de aceitação
dependência? Quando havia verbalização de recíproca entre analista e paciente, de confi-
algum sentimento, era a de indignação por guração de uma aliança terapêutica.
entender que estava sendo injustiçada pelos Por algum motivo que eu não sabia en-
pais e irmãos, sentidos como não lhe ajudan- tão explicitar, o fato é que eu me abstinha de
do o suficiente em relação à filha que tentara questionar, de levantar dúvidas, muitas vezes
suicídio. Talvez lhe escapasse que Marta, no de oferecer insights interpretativos, embora
auge de uma crise relativamente silenciosa, eu me disponibilizasse para apoio, solidarie-
ao sair do hospital refugiou-se na casa de dade e desculpabilização. Era como se minha
uma tia materna e, depois, na dos pais de função ali fosse a de possibilitar a redução do
Antônia, o que, de certa forma, sugeria que sofrimento, mesmo que eu nem sempre sou-
a resolução dos problemas da vida passava besse dizer de onde ele realmente vinha. Ao
pela relação existente entre as duas famílias mesmo tempo, era como se eu vivesse em es-
de Antônia - a nuclear e a de origem. Sugeria, tado de espera: eu apenas aguardava que An-
também, uma certa geografia, uma tópica, tônia se compusesse no interior do setting e,
que levava a que me perguntasse sobre qual no seu tempo, pudesse comunicar algo sobre
era o meu lugar em tal configuração. as raízes de sua camuflada aflição.
Diga-se, de passagem, que a crise mais Isto não quer dizer que a história de An-
aguda que se abateu sobre a família de An- tônia deixasse de ter questões que me mobi-
tônia ocorreu quando seu marido, depois lizassem. Como já mencionei, algo que par-
de meses desempregado, conseguiu traba- ticularmente me intrigava era uma certa aco-
lho em outra cidade, para a qual se mudou, modação à dependência financeira, aqui e ali
acompanhado de esposa e filhas. O aparta- mesclada com cenas que eu entendia serem
mento próprio já tinha sido vendido, a des- bastante humilhantes, mas nunca explicita-
capitalização familiar vinha acontecendo há das por Antônia como tais. Ela parecia não
certo tempo. A descrição que Antônia fazia se alterar quanto a essa dependência, embo-
desse período morando fora da cidade natal ra eu hipotetizasse que havia outro tipo de
foi a de uma séria depressão, além de fobias sofrimento por ali soterrado. Será que essa
muito claras. A solução foi, aos poucos, irem placidez, aparentemente dessexualizada, po-
voltando, hospedarem-se, primeiramente, deria ser a da “bela indiferença” de que fala
com os pais de Antônia e depois, ajudados Charcot (apud FREUD, 1915, p.179)? Que
no aluguel, morarem em um pequeno apar- segredo será que ali se escondia, o qual An-
tamento por perto. tônia não estava disposta a revelar tão cedo?
A análise de Antônia foi criando uma es- Minha atitude era, então, a de espera.
trutura em que se podia refletir sobre esse co- Algumas pistas importantes de enten-
tidiano, esse aqui e agora, mais do que uma dimento só vieram a me ocorrer quando o
liberdade de associação que levasse, de forma tratamento já tinha sido interrompido (pelas
mais metódica, à exploração dos fenômenos razões mencionadas), quando eu já estava
inconscientes. Pois era massivo o peso de seu longe do setting e do olho da paciente a me
dia-a-dia, mesmo que camuflado. E me foi fitar em busca de apoio. Foi na tentativa de

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escrita do caso, iniciada logo depois da inter- possibilitasse a Antônia recolher seus cacos,
rupção, que essas pistas começaram a tomar iniciar a retomada de um processo de dife-
forma, como se eu mesma, pela provocação renciação psíquica, interrompido lá atrás,
da escrita, estivesse vivendo, no lugar de An- cujo sintoma tardio era o de uma falta de au-
tonia, um segundo tempo dessa análise, o de tonomia, uma dependência aguda dos pais e
um après-coup. Assim, no início, senti difi- dos irmãos. Foi aqui que renovei meu apego
culdades imensas quanto ao tom, ao estilo, à teoria de Winnicott e, a partir de então, fui
aos aspectos redacionais e, acima de tudo, re-ler o material clínico e começar tudo de
quanto à construção de sua inteligibilidade. novo. Era como se, no setting, eu estivesse
Além disso, uma grande dificuldade que me estado grávida de Antônia, a qual esperava de
parecia ridícula, mas que eu sentia como mim uma maternagem suficientemente boa.
real, era quanto à nomeação da paciente, isto
é, não havia jeito de eu me contentar com os O setting winnicottiano
pseudônimos que, na escrita, eu lhe atribuía. Qualquer setting psicanalítico supõe um
Muitas vezes, eu precisava re-escrever partes certo tipo de intervenção que não descure
do texto ainda em construção e aproveitava do ensinamento freudiano – este inclui mé-
para trocar o nome fictício que eu havia lhe todos e técnicas de trabalho, além de uma
dado na versão anterior. certa perspectiva teórica, claro. Winnicott
Até que essa briga interna quanto à sua partia de Freud, aceitando sua doutrina. Mas
nomeação eventualmente me fez parar e sua história pessoal de vida e de trabalho
pensar: por que isso? Qual o problema quanto possibilitou-lhe uma elaboração que não se
ao nome? Foi aí que eu comecei a trabalhar prende estritamente à repetição do formula-
com a hipótese de eu estar lidando com uma do por Freud. Por exemplo: a primazia que
paciente que, tanto quanto sua filha, tinha Winnicott dá ao ambiente humano, baseada
problemas na área do próprio nome, isto é, no trabalho direto com bebês e com certos
na área da autonomia. Era como se essa pa- tipos de pacientes adultos, é um terreno que,
ciente, sem nome ainda, estivesse por nascer, digamos, Freud não necessitou priorizar
precisando antes ser gestada, depois nome- (WINNICOTT, 1978, p.481).
ada, depois sustentada no seu “desenvolvi- Um dos conceitos próprios de Winnicott
mento emocional primitivo”, conforme pala- (1963) foi o da regressão à dependência.
vras de Winnicott (1945). Aí se entrelaçam dois conceitos-chave, que
Para mim, deixou, então, de haver surpre- marcarão um certo estilo de fazer clínica, de
sa no fato de que Antônia ainda dependesse trabalhar no setting. Re-lembremos: (1) De-
tanto de sua família de origem, que sua fa- pendência, no sentido dado por Winnicott
mília nuclear fosse tão amalgamada aos pais/ (1963), é um estágio inicial no desenvolvi-
sogros, irmãos/cunhados, avós/tios. Como mento do ser humano em que o mesmo de-
fazia um certo sentido, agora, que fosse a pende de um ambiente facilitador para que
família de origem de Antônia – e não a sua possa sobreviver, existir psiquicamente. Há,
própria, ou a família de origem de seu mari- de início, uma dependência absoluta, nos
do – que ocupasse o lugar de provedora do lembra Winnicott, que se caracteriza por
seu sustento e de seus dependentes. Nessas um extremo desamparo físico e emocional, a
alturas, eu senti que sua vida estava estilha- ponto de não existir um bebê (conforme seu
çada, em cacos, distribuída pelas vidas dos famoso aforisma), mas um par – mãe/bebê –,
seus irmãos e dos seus pais. E, se antes eu do qual o bebê nada sabe. Depois, se tudo
me perguntava qual o meu lugar nessa con- correr bem, progride-se para uma dependên-
figuração, isso agora ficava mais claro: mi- cia relativa e, finalmente, se caminha rumo
nha função era a de oferecer um setting que à independência (que tampouco é absoluta,

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Winnicott vem a acrescentar). (2) Regressão, escreveu ao próprio Winnicott, o seguinte:


para Winnicott (1963), é regredir àquela de- “Eu entendo que a regressão que você, no
pendência. Nesse sentido, o conceito se apóia geral, tem em mente é a regressão psicótica.
em Freud, mas difere do que Freud postulou Mas eu passei a me interessar muito na re-
(ver, para o que segue, Laplanche e Pontalis, gressão que tende a ocorrer em contextos de
1992, p.441 – tanto no que se refere à regres- histeria. Esses casos requerem um bom tanto
são tópica, quando Freud (1900) está expli- do que você descreve como ‘manejo’” (apud
cando os sonhos (os pensamentos barrados RODMAN, 2003, p.199, nossa tradução).
do acesso à motilidade regridem ao sistema Para lidar com os fenômenos da regres-
perceptual), quanto no que refere à regres- são, a técnica analítica deverá tomar, no
são temporal libidinal, conforme os Três En- entendimento de Winnicott (1954-5) uma
saios (1905), isto é: a libido regressa a fases configuração distinta, na qual terão vez con-
anteriores do desenvolvimento psicossexual ceitos tais como os do citado manejo e o de
infantil. Já em relação à regressão formal1, sustentação (“holding”). Haveria, então, dois
Winnicott (1954-5) a adota, mas acrescenta tipos de trabalho no setting, que são expres-
uma nuance – ele especifica que esses modos sados por Safra (1995) da seguinte forma:
primitivos de funcionamento psíquico são os
que existem no estágio de dependência a um [Winnicott] discrimina duas dimensões no
ambiente-facilitador. processo de análise: o trabalho interpretativo,
Esses conceitos, como se sabe, viriam a como postulado pela técnica clássica, e o tra-
provocar mudanças na técnica clássica, no balho que dá ao paciente a chance de encon-
setting. É a dependência de uma mãe – a mãe- trar na figura do analista um objeto que supra
ambiente – que está em causa. O analista pre- as funções necessitadas para que o desenvol-
cisará, então, levar em conta a possibilidade vimento psíquico possa se completar. Winni-
desse funcionamento primitivo do paciente, cott afirma que esses dois tipos de trabalho na
que requer um ambiente adaptado às suas ne- análise não são incompatíveis entre si. Esses
cessidades em termos do ego e do id. Note-se dois níveis podem acontecer durante o pro-
que, de início, Winnicott tende a considerar cesso de trabalho com um mesmo paciente e
esse funcionamento regredido como afeto até na mesma sessão (1995, p.26).
aos fenômenos da psicose, mesmo quando a
classificação mais geral do paciente esteja no O entendimento que construí, em re-
domínio da neurose. Nesse sentido, Winni- ferência ao que acontecia no percurso de
cott (1978) vê a “doença psicótica como uma análise de Antônia, passa por esse registro:
organização defensiva cujo objetivo é prote- o do estabelecimento de uma relação trans-
ger o verdadeiro self ” (WINNICOTT, 1978, ferencial em que Antônia me colocava no
p.471) e compreende, ainda, que “a psicose lugar de sua mãe, agora pronta a segurá-la
se origina num estágio em que o ser humano (“holding”) e revesti-la narcisicamente, para
imaturo é inteiramente dependente do que que ela pudesse, por um lado, processar suas
o meio lhe propicia” (WINNICOTT, 1983, necessidades regressivas e, a partir de então,
p.114). Mas, mesmo nesse início da vida, continuar seu processo de diferenciação psí-
autores que aceitam esse conceito não o res- quica; por outro lado, que ela pudesse trazer
tringem à psicose. Fairbairn, por exemplo, para esse setting analítico, as expressões da

1. Segundo Laplanche e Pontalis (1992), Freud (1900) acrescenta esta noção, em 1914, à Interpretação dos So-
nhos, entendendo a regressão formal como aquela em que os modos de expressão e de figuração habituais são
substituídos por modos primitivos (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, p.441).

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dependência que, por falta de um continen- Obviamente que o tratamento de Antô-


te, haviam se espalhado por sua vida cotidia- nia, desse momento em diante, foi direcio-
na como um sintoma. nado para a cicatrização de uma ferida ino-
minável, tudo passou a existir em função da
O suicídio da filha: elaboração do impacto desse encontro que
um segundo eixo do trabalho analítico Antônia teve com a morte, talvez a sua pró-
A análise de Antônia parecia estar se des- pria, simbolizada agora na morte violenta da
colando daquilo que a levou ao consultório, filha.
vagamente entendido como ligado à tentati- Seus olhos que, antes, podiam até ser
va de suicídio da fi lha. Eram, desde o início, flertantes, agora se enevoaram. Começa-
duas sessões semanais e alguns progressos va ali a necessidade de um período de luto
haviam sido alcançados: Antônia, por exem- mais intenso – digo “mais intenso” porque
plo, já lidava melhor com a recusa (depois hipotetizo que esse luto começou bem antes
amenizada) que Marta lhe fazia e uma rotina da morte real de Marta. Creio que houve o
nova parecia ir aos poucos se estabelecendo que chamarei de “um luto por antecipação”,
em sua vida. Nisto, Antônia se dividia entre iniciado 8 meses antes, quando da tentativa
o apartamento em que morava e a casa dos de suicídio. Mesmo tendo Marta sobrevivi-
seus pais onde morava Marta, ocupando aí, do então, aquela tentativa colocara, de uma
em primeiro plano, o cuidado com essa fi lha. forma já violenta, a possibilidade da morte
Mas isso aconteceu até o dia em que re- da filha no cenário em que Antônia se mo-
cebi, de Antônia, um telefonema lancinante, via. Assim, não era à-toa que, ao longo do
enlouquecido de dor. Eram cerca de 9 horas tempo, Antônia não deixava de se referir, em
de uma manhã, Antônia tinha ido visitar atos falhos, ao “primeiro suicídio de Marta”.
Marta, foi diretamente ao quarto que já pa- Esse “luto por antecipação” era vivido como
recia ser da filha, na casa dos avós maternos. um estado de espera pela morte real, possível
Antônia abriu a porta e ... presenciou a ter- de acontecer a qualquer momento, como de
rível, excruciante, trágica cena da filha mor- fato acabou acontecendo.
ta, em um estado lastimável de exposição. A Veja-se, então, o paradoxo com o qual
essa cena Antônia voltará muitas vezes, e a se convivia no setting: por um lado, havia
descreverá de diferentes maneiras, em que o a possibilidade de encontrarmos a vida de
real e a ficção alucinativa às vezes pareciam Antônia, seu bem-vindo renascimento psí-
co-existir. Mas Antônia foi forte naquela ma- quico, configurando-se um estado de espera,
nhã: primeiro avisou as pessoas que estavam de gravidez dessa nova Antônia, conforme
na casa, fez telefonema chamando o marido, mencionado antes. Mas por outro lado, ha-
sentou e rezou enquanto alguma providência via a possibilidade de se encontrar o oposto
começava a se organizar. Cerca de uma hora da vida – no caso, a morte de Antônia atra-
depois, ela era trazida para o consultório, vés de sua filha, configurando-se, também,
praticamente carregada nos braços de fami- um estado de espera, mesmo que exorciza-
liares. Note-se que, uma hora depois, talvez do, não bem-vindo – de novo, uma gravidez
ela devesse estar partilhando sua dor com a ao contrário, como aquela do primeiro filho
mãe, as irmãs, o marido, as filhas, a família abortado na privada, evacuado. Não é de
em geral. O recurso tão rápido ao profis- causar surpresa o fato de que Antônia tenha
sional poderia sugerir que, na sua infância, lembrado, no enterro de Marta, daquele seu
a babá assumiu frequentemente o lugar da bebê – ou feto – que não chegou a nascer.
mãe (Antonia vez por outra já tinha mencio- Esse estado entre a vida e a morte foi um
nado, de modo meio superficial, a babá de palco em que não só um, mas muitos lutos
sua infância). precisavam acontecer.

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

Os lutos de Antônia cia” – oposta à “neurose de transferência”


André Green (1988), em seu texto “A mãe – no contexto da qual o paciente vai reali-
morta”, diz: “Se tivermos que escolher um zar a repetição de uma depressão infantil.
único traço para marcar a diferença entre as A partir daí, a hipótese que faço de Antônia
análises atuais e o que imaginamos ser outro- ter sofrido uma depressão infantil vinculada
ra, é provável que concordaríamos em situá- a alguma depressão materna vem da forma
la em torno dos problemas de luto” (GREEN, como Antônia se referia à própria infância e
1988, p.239). A respeito do título “A mãe mor- à presença da mãe em sua vida: para assun-
ta”, o autor esclarece que não se trata da morte tos mais complexos, não se podia contar com
real da mãe, mas de uma “imago que se cons- essa mãe – uma pessoa boa, mas “inocente”,
titui na psique da criança, em consequência “distraída”, “banda voou”, “ingênua”, enfim,
de uma depressão materna” (idem, ibidem). uma mãe que também precisava ser prote-
Green chega a postular um “complexo da mãe gida dos perigos dessa vida. Minha hipótese
morta”, a se revelar na transferência. Na forma é, ainda, a de que uma depressão infantil de
como ele explica esse complexo, parece-me es- Antônia poderia estar, agora, associada ao
tar falando do caso clínico de Antônia. Cito-o: luto, antecipado ou real, pela morte da filha.
Green (1988) chega a ensinar que, no
Quando o sujeito se apresenta pela primeira caso de uma criança – para mim, a hipotéti-
vez frente a um analista, os sintomas de que ca criança Antônia – se defrontar com uma
se queixa não são essencialmente de tipo de- depressão materna, não importam muito os
pressivo. Na maior parte das vezes, esses sin- motivos que levaram a mãe a se deprimir,
tomas refletem o fracasso de uma vida afeti- há muitas possibilidades para que isso tenha
va amorosa ou profissional, subentendendo acontecido. Mas, “em todos os casos, a tristeza
conflitos mais ou menos agudos com os ob- da mãe e a diminuição do interesse pela crian-
jetos próximos. Não é raro o paciente contar ça [que, então, vai acabar se deprimindo] es-
espontaneamente uma história pessoal onde tão em primeiro plano” (idem, p.247). Green
o analista pensa consigo mesmo que lá, em (1988) julga “importante sublinhar que o caso
determinado momento, deveria, ou poderia mais grave [para a depressão materna] é o da
se situar uma depressão da infância que o pa- morte de um filho com pouco tempo de vida”
ciente não menciona. (...) Quanto aos sinto- (idem, ibidem).
mas neuróticos clássicos, eles estão presentes, Aqui devo dizer que, após rever esse texto
mas com valor secundário ou, mesmo se são de Green (1988), o que fiz foi procurar, em
importantes, o analista tem a sensação de que minhas anotações do material clínico, qual-
a análise de sua gênese não fornecerá a chave quer referência à época em que a mãe de An-
do conflito. Em contrapartida, a problemática tônia tivesse perdido bebês, pois eu lembrava
narcisista está em primeiro plano, sendo as de ela ter me relatado que a mãe tinha tido
exigências do Ideal do Eu consideráveis, em mais de 12 filhos, alguns não-sobreviventes
sinergia ou oposição com o Supereu. O sen- à fase inicial de vida. E relendo as anotações,
timento de impotência é claro. Impotência lá estava: entre o 4o e o 5o filhos, houve um
para sair de uma situação conflitiva, impotên- bebê que só sobreviveu 24 horas, o mesmo
cia para amar, para tirar partido de seus dotes, acontecendo entre o 9o e o 10o. Antonia era a
para aumentar suas aquisições, ou, quando 9a criança, depois dela houve um natimorto,
isto ocorreu, insatisfação profunda frente ao quando ela tinha cerca de 2 anos de idade.
resultado (Idem, 1988, p.246). Teria, assim, a mãe de Antônia sofrido essa
perda de modo intenso, captada pela peque-
Green (1988) vai, em seguida, cunhar na Antônia, ainda com poucas condições
o conceito de “depressão de transferên- psíquicas de elaboração do que estava acon-

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

tecendo à sua volta? Green (1988) ensina que idade que Antônia teria dormido no quarto
há certos acontecimentos dessa natureza que dos pais, expulsa agora pelo nascimento (e
precisarão ser reconstruídos pela análise, já sobrevivência) de um novo bebê. Antônia
que o conhecimento factual da criança será ainda lembrava, triste, das piadinhas que os
faltoso. irmãos mais velhos faziam de sua condição
De qualquer forma, aquele autor infor- de expatriada, dizendo-lhe que o recém-che-
ma que o desinvestimento de um filho vivo gado ocuparia seu lugar, que se ela quises-
por uma mãe enlutada provoca um trauma se permanecer no quarto dos pais, teria que
narcísico na criança, uma perda de sentido, dormir debaixo da cama deles.
pois essa criança não dispõe de meios nem É bem possível que, no conteúdo especí-
para dar conta do que aconteceu com a mãe, fico de relatos sobre isso, inclusive quanto à
muito menos para dar conta do que aconte- idade a que se referem, estejam em questão
ceu com o amor que até então lhe era devo- certas lembranças encobridoras. Pois, nos
tado. Essa criança passará a tentar várias es- primeiros 8 anos de vida de Antônia, exis-
tratégias de reação, mas, no final, seu Eu irá tiram dois bebês (nasceram três, incluindo-
pôr em ação uma série de defesas, que Green se o natimorto), cada qual possivelmente
(1988) explicita no seu texto. ocupando o lugar do anterior no quarto dos
Admito que não houve tempo, nessa análi- pais. Mas isso nunca foi questionado por
se, para investigar todas essas possibilidades. mim – creio que trabalhávamos no espaço
Mas fez muito sentido, para mim, a hipótese transicional de que fala Winnicott (1951),
de Antônia ter sofrido uma depressão na in- onde paradoxos são aceitos. Assim, a reali-
fância, e da sua necessidade de processar um dade externa e a interna se encontravam. Por
luto infantil pela morte de uma mãe provo- outro lado, essa possível mistura de datas a
cada pela morte de seu outro bebê. Era um respeito de até quando Antônia dormira no
luto “embrulhado” em outro luto, que talvez quarto dos pais é um indicador de que ali ha-
tenha encontrado expressão – ou escoamen- via problemas a serem pesquisados.
to - na cena daquele mencionado assalto ao Eventualmente eu lhe fiz uma provocação,
banco, bem como nos seus desdobramentos. pontuando que, nesse período que dormira
Então, a cena do assalto ao banco, da qual re- no quarto dos pais, ela teria presenciado ce-
sultou o nome dessa filha, foi uma reparação nas de conteúdo sexual entre os mesmos, já
ou uma substituição. Por essa cena passam que fulano e sicrano, seus irmãos/irmãs ti-
vários vetores. nham sido feitos. A provocação não rendeu
Ainda no sentido da necessidade de um coisa alguma, acho que a fiz em hora inopor-
luto infantil, relato o pesar com que Antônia tuna.
se referiu, em várias sessões, aos seus brin- Já em outra situação em que um material
quedos de infância, deixados para trás pela de ordem sexual despontava, senti que não
mãe quando a família se mudou para uma era mesmo a hora de pontuá-lo. Foi também
casa nova, maior, mais moderna. Antônia ti- em relação à idade de 8 anos, quando ela se
nha então 8 anos, mas não se refizera ainda curou de uma persistente enurese: Antônia
hoje dessa perda. relatou que a família toda veraneava em ou-
“Oito anos” eram, também para Antônia, tra cidade, duas empregadas novas tinham
uma idade mítica (digo “também”, por causa sido contratadas especificamente para esse
do famoso poema de Casimiro de Abreu, in- veraneio. Foi quando Antônia, ao passar por
titulado “Meus oito anos”: “Oh! Que sauda- elas enquanto arrumavam as camas, ouviu
des que eu tenho/ da aurora da minha vida,/ uma delas dizer para a outra: “mas, deste ta-
da minha infância querida, que os anos não manho, e ela ainda mija na cama?” Antônia
trazem mais!”). Foi, por exemplo, até essa disse que a vergonha que sentiu foi tão gran-

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

de, que se curou no ato. Quem sabe, pergunto abatida pelo golpe de uma perda violenta, re-
eu, houvesse a necessidade de existir alguém cusa-se categoricamente a encontrar-se com
externo à família para possibilitá-la crescer, aqueles que, antes do drama, estavam ligados
sair da infância? Aquela cura, inclusive, foi ao desaparecido” (NASIO, 1997, p.11).
relativa: no seu modo regressivo de agora vi- Nasio (1997) descreve a volta dessa pa-
ver, a enurese noturna se faz, de novo, algu- ciente ao seu consultório, que foi pratica-
mas vezes presente. mente igual ao que aconteceu com Antônia
A literatura fala muito de um luto que quando retornou ao meu. Diz Nasio:
acontece na adolescência pela perda da in-
fância, mas talvez fale pouco de um luto ne- [Clementina estava] esgotada ... incapaz de
cessário, ainda na infância, pela perda, por se locomover sozinha ... tiveram que acom-
exemplo, dos anos anteriores ao ingresso na panhá-la até a sala de espera. Indo ao seu
escola. Luto pela perda dos brinquedos mais encontro, vi uma mulher transformada pela
precoces, primeiras possessões que a vida se desgraça. Não era mais que um corpo impes-
encarrega de afastar de seus pequenos donos. soal, extenuado, esvaziado de qualquer força,
Dentre esses, a boneca grande, de louça, lin- agarrando-se apenas às imagens onipresentes
da, que o papai trouxe de uma viagem, pare- do bebê, em todas as cenas em que ele ainda
cia uma criança de verdade. Até que um dia, estava vivo. Seu corpo encarnava perfeita-
depois de muitos anos, a boneca começou a mente o eu exangue do ser sofredor, um eu
se desmanchar. A dor foi grande: a boneca prostrado, suspenso à lembrança muito viva
estava morrendo. do filho desaparecido; lembrança martela-
As lembranças de mortes ocuparam am- da por uma pergunta obsessiva: ‘De que ele
plo espaço nessa análise. A da avó materna, morreu? Por que, como ele morreu? Por que
quando Antônia tinha 3 anos de idade, ain- aconteceu comigo?’ (idem, p.12)
da era vívida: o corpo estendido numa cama
alta, um pano amarrado no seu rosto, os Nasio (1997) continua, agora refletindo:
adultos rezando ajoelhados na sala. Outras
lembranças sempre vinham: as cruzes nas es- Sabemos que esse estado de dor extrema,
tradas, sinalizando mortes no local; a amiga mistura de esvaziamento do eu e de contra-
da mesma idade que morreu na juventude; ção em uma imagem-lembrança, é a expres-
os parentes ou conhecidos que morreram são de uma defesa, de um estremecimento
por doença ou por acidentes de trânsito ... o de vida. Também sabemos que essa dor é a
aborto que Antônia sofreu de seu primeiro última muralha contra a loucura. No registro
bebê ... Todas essas e outras perdas se sub- dos sentimentos humanos, a dor psíquica é
sumiam agora na morte da filha Marta, tão efetivamente o derradeiro afeto, a última cris-
jovem, um bebê ainda. pação do eu desesperado, que se retrai para
não naufragar no nada. (idem, p.12)
A grande dor
de Antônia ... e da sua analista Mas aqui me separo um pouco de Nasio.
J. D. Nasio (1997), no seu livro “Da Dor e do Ele encontrou uma Clementina agarrando-
Amor”, descreve o sofrimento de uma pacien- se a imagens de seu bebê de quando ele ainda
te, Clementina, que lutara para engravidar e estava vivo. Já Antônia me chegou ao con-
que, 3 dias depois do parto, perdeu o bebê, sultório muito abalada pela cena trágica em
Lourenço, sem Clementina saber por quê. que encontrou a filha morta por um suicí-
Nasio até se surpreende que Clementina não dio anunciado. Neste caso, essa era uma cena
tenha interrompido a análise, porque “sabia, inelutável, dura em sua crueza, traumática,
por experiência, como a pessoa enlutada, a cena-síntese de uma dor. Que Antônia, de

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

certa forma, tentava reproduzir para mim diário que fez Antônia em direção ao meu
através de uma imagem exaurida, dobrando- consultório. Sim, diário: a partir da visão da
se repetidas vezes sobre si mesma – isto é, cena do suicídio da filha, Antônia foi atendi-
levantando e abaixando a parte superior do da, por certo tempo, todos os dias da sema-
corpo, buscando no meu olhar um suporte na, incluindo sábados, domingos e feriados.
para não cair, não enlouquecer. Meu supervisor do caso um dia se exaspe-
Essa descrição mais pelo corpo do que rou comigo e disse: “7 dias na semana? Nem
por palavras, pedia-me para ver, por ela, o no tempo de Freud se fazia isso! Como está
que ela mesma não podia ver. Mas eu tam- ficando a questão financeira?” Aproveito para
bém iria precisar de certas mediações – o dizer aqui que o pagamento que eu recebia
chão também me faltava pela dor que a notí- estava dentro dos valores da clínica social da
cia do suicídio me causou. Então, em algum SPP, embora Antônia não tivesse me chegado
momento mais tarde, precisaríamos, sim, de por essa via. Toco nessa questão do dinheiro
palavras que permitissem ver o que Antônia porque, para minha surpresa, isso apareceu
tinha visto e sentir o que ela tinha sentido, na sessão que aconteceu pouco depois da vi-
através de sucessivas aproximações. são da cena do suicídio de Marta. Uma das
A escrita do caso foi me trazendo lembran- primeiras coisas que Antônia me disse, cur-
ças importantes quanto aos meus próprios vada, quebrando palavras, gaguejando em
sentimentos em relação ao tema de uma gran- desespero, foi: “Não me deixe, por favor, não
de dor e do luto. Lembrei, assim, de meu en- me deixe. Mesmo que eu não lhe possa pa-
contro ao vivo com a escultura fenomenal do gar, você me atende? Pelo amor de Deus, você
grande Michelângelo, La Pietá, vista apenas promete que continua me atendendo, mesmo
uma vez em minha vida, há muitos anos, mas que eu não possa lhe pagar?” E creio que a
que me causou um impacto até hoje recorda- promessa de se fazer continuar existindo
do. A cena do Cristo morto no colo de Ma- esse tratamento, fosse o que fosse, nos deu
ria, a mãe fitando esse filho morto: essa cena também segurança para seguir em diante.
em mármore branco me fez ficar lá, parada, Aproveito para dizer que os pagamentos das
grudada ao chão, igualmente sem palavras, sessões passaram por aflições, mas, no final,
sem quase respirar, em estado de sideração. foram sempre honrados.
Sentimento semelhante me causara a mú- E agora retorno Nasio (1997). Ele diz na-
sica-lamento de Chico Buarque, em que se quele citado livro:
perguntava: “Quem é essa mulher, que can-
ta sempre esse estribilho?” Ao que a mãe, na Todo o meu saber sobre a dor - naquela épo-
música, responde: “Só queria embalar meu ca eu já estava escrevendo esse livro - não
filho, que mora na escuridão do mar”. Quan- me protegeu do impacto violento que recebi
do essa música me atormentou o juízo, eu ao acolher a minha paciente logo depois [da
não sabia que se tratava de uma homenagem morte do filho]. Naquele momento, o nosso
a Zuzu Angel, que procurava pelo filho desa- laço se reduziu a podermos ser fracos jun-
parecido, morto pela ditatura. tos: Clementina, arrasada pelo sofrimento,
Creio que essas lembranças apontam para e eu sem acesso à sua dor. Eu ficava ali, de-
uma identificação minha com a dor dessas sestabilizado pela impenetrável infelicidade
mães, como se às mulheres, de um modo do outro. As palavras me pareciam inúteis e
geral, pesasse a possibilidade tanto de gera- fiquei reduzido a fazer eco ao seu grito lan-
rem filhos dentro de seus corpos, quanto de cinante. Sabia que a dor se irradia para quem
perdê-los absurdamente. escuta. Sabia que, em um primeiro momen-
Desse modo, creio que essa identificação to, eu tinha apenas que ser aquele que, só por
a priori pode ter pavimentado o caminho sua presença – mesmo que silenciosa – po-

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

dia dissipar o sofrimento ao receber as suas fácil de explicar em termos de economia. É notá-
irradiações. E que essa impregnação aquém vel que esse penoso desprazer seja aceito por nós
das palavras poderia, justamente, inspirar-me como algo natural. Contudo, o fato é que, quan-
as palavras adequadas para expressar a dor e do o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra
acalmá-la enfim (op. cit., p.18/19). vez livre e desinibido (FREUD, 1974, p.277).

Nasio (1997) faz, naquele livro, o que ele Antônia, em seu trabalho de luto, teve
chama de uma metapsicologia da dor, mas avanços e recuos. Às vezes me chegava ao
que, aqui, não poderei apresentar – creio consultório novamente carregada e, muitas
que serei salva pelo gongo, que me sinaliza vezes, foi parar no hospital para atendimen-
que esse trabalho já está muito longo. to de emergência: mesmo que estivesse sob
medicação, apareciam sintomas como dores
O trabalho do luto de cabeça insuportáveis, vômitos, pressão
O período seguinte à cena traumática foi arterial na estratosfera. Houve vezes em que,
praticamente dedicado ao apaziguamento da em uma mesma semana, foi hospitalizada 2
alma de Antônia, revolvida que fora pelo sui- ou 3 vezes. Assim, houve dias em que temi
cídio da filha. por sua vida, um acidente vascular-cerebral
Freud (1974) mesmo ensina que o luto poderia acontecer.
não é uma patologia, mas que há um traba- Eu não percebi, de imediato, que o hospi-
lho psíquico necessário, que o luto realizará. tal também era um locus de realização de seu
Em seu texto de 1917, Freud assim apresenta trabalho psíquico, ela não ia lá só por causa
esse trabalho: da pressão arterial. Em uma vez, por exem-
plo, a queixa para buscar a emergência hospi-
O teste de realidade revelou que o objeto ama- talar era a de palpitações, dificuldade de res-
do não existe mais, passando a exigir que toda a pirar, os pés gelados. Quando foi examinada,
libido seja retirada de suas ligações com aquele o médico nada encontrou: a pressão estava a
objeto. Essa exigência provoca uma oposição 12 por 8, o eletrocardiograma deu normal,
compreensível – é fato notório que as pessoas a temperatura do corpo também. Antônia
nunca abandonam de bom grado uma posição pede para o médico checar novamente, ele
libidinal, nem mesmo, na realidade, quando um o faz e re-afirma que está tudo normal, mas
substituto já se lhes acena. Essa oposição pode Antônia continua a sentir os braços e os pés
ser tão intensa, que dá lugar a um desvio da re- gelados. E Antônia diz que dá trabalho no
alidade e a um apego ao objeto por intermédio hospital, não fica só, não aceita qualquer lei-
de uma psicose alucinatória carregada de desejo. to na emergência – há um, especialmente, no
Normalmente, prevalece o respeito pela realida- qual não se deita: ele foi ocupado por Marta,
de, ainda que suas ordens não possam ser obede- quando a família a levou para exames médi-
cidas de imediato. São executadas pouco a pou- cos, mas na verdade era por suspeita de que
co, com grande dispêndio de tempo e de energia Marta tivesse ingerido algo, em nova tenta-
catexial, prolongando-se psiquicamente, nesse tiva de suicídio. E embora estivesse sempre
meio tempo, a existência do objeto perdido. Cada precisando sair correndo para lá, Antonia di-
uma das lembranças e expectativas isoladas, atra- zia que tinha muito medo de hospital, achava
vés das quais a libido está vinculada ao objeto, é que não ia sair viva.
evocada e hipercatexizada, e o desligamento da Foi ligando seus relatos sobre as hospitali-
libido se realiza em relação a cada uma delas. Por zações que postulei que Antônia estava revi-
que essa transigência, pela qual o domínio da re- vendo cenas ligadas à morte, especialmente
alidade se faz fragmentariamente, deve ser extra- a do suicídio da filha. Assim, os braços e os
ordinariamente penosa, de forma alguma é coisa pés gelados eram os de Marta, Antônia ex-

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

perimentava o que foi aquela morte. Eram, E um dia, refletindo sobre essa atração que
também, uma introjeção de Marta, o objeto começou a sentir por bebês, Antônia disse
perdido, o que permite que se diferencie en- que, talvez, o que estava acontecendo era que
tre depressão e luto. ela, quem sabe, estivesse querendo ter netos
As idas aflitivas ao hospital eram, tam- ... ser avó.
bém, uma tentativa de fazer Marta nascer Quem sabe haveria aí uma saída sublima-
novamente: em uma das hospitalizações, tória? E então, novamente lembro o que Na-
Antônia sentiu tanto calor que tirou a blu- sio (1997) diz sobre o luto. Reproduzo:
sa, sentou-se na cama e pediu “a lata” (“Que
lata?” Perguntei. – “O cesto de lixo! O cesto A imagem do ser perdido não deve se apa-
estava limpinho, com um saco plástico den- gar; pelo contrário, ela deve dominar até o
tro”, respondeu). Antônia, sentada na cama, momento em que – graças ao luto – a pessoa
abriu as pernas, colocou a lata entre as per- enlutada consiga fazer com que coexistam o
nas e ficou vomitando dentro. A minha in- amor pelo desaparecido e um mesmo amor
terpretação foi a seguinte: “Isso foi uma cena por um novo eleito. Quando essa coexistência
de parto! No hospital, com as pernas abertas, do antigo e do novo se instala no inconscien-
o cesto entre as pernas, vomitando dentro...”. te, podemos estar seguros de que o essencial
Antônia só ficou me fitando como se preci- do luto começou (op. cit., p.13)
sasse pensar sobre o que eu tinha falado. Não
recusou a interpretação. A instalação desse essencial começou a se
Outras formas de lidar com o suicídio mostrar na própria forma de Antônia se apre-
eram por intermédio do ódio a algumas pes- sentar no consultório. Um dia, percebo, de
soas, e da culpa que sentia por não ter con- maneira mais nítida, a luta que ela travava pela
seguido impedir aquele desfecho fatal. Rezar, vida: eram pouco mais de 6 meses passados
rezar muito, ir à igreja, tudo isso fez parte. E da data do suicídio, Antônia chega à sessão e
havia os sonhos. Muitos sonhos. Em alguns, me parece muito bem. Ela mostra os brincos,
surgia outra pessoa no lugar de Marta, como a sandália nova. Vejo também a roupa de cor
se, assim, Antônia tentasse aplacar os deuses, bege claro que ela está usando – e aí me dou
dando-lhe alguém em troca da filha. Em ou- conta de que, até então, Antônia praticamen-
tros sonhos, substituía-se o suicídio por ou- te só usava roupa escura, embora não preta.
tro tipo de morte – de assassinato a câncer Mas esse re-início de vida vinha mesclado
– então, não era só a aceitação da morte que a dias de muito sono, muito choro. Uma vez,
era difícil, Antônia tinha, ainda, que lidar já terminada a sessão, Antônia, já do lado de
com o fato de que era uma morte por sui- fora da porta, desata a chorar. Recolho-a no-
cídio. De um modo geral, Marta estava viva vamente e fazemos mais alguns minutos de
nos sonhos, embora soubesse, também ali, sessão, até que ela possa ir, aliviada.
que ela já tinha morrido. Os primeiros aniversários mensais da
Quando fazia quase 1 ano que Marta havia morte – até mesmo o aniversário da tentati-
morrido, houve um sonho em que Antônia va de suicídio – eram lembrados ativamente,
apareceu grávida, estava feliz, alisava a barri- com ida à igreja. Até que, no 6o mês, esse ani-
ga, o bebê se mexia dentro. Foi um período versário de morte coincidiu com o aniversá-
em que também, em vigília, seus olhos eram rio de 50 anos de Antônia. E aí ela quebrou
atraídos para bebês que circulassem por onde aquela sequência de missas, não comemorou
Antônia estivesse passando. Falando sobre seu aniversário de vida, mas tampouco o da
esses bebês que encontrava, disse: “O que me morte de sua filha. Eu não a parabenizei por
faz lembrar de Marta não são os adolescentes não mais necessitar daquela obrigação ritual,
que vejo, são os bebês, eles me tocam mais”. mas admito que tive vontade de fazê-lo.

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

Com o passar do tempo, fui conseguindo mais precoces, mesmo com autorização das
iniciar uma redução no número de sessões mesmas. Ao final dessa sessão, já estávamos
semanais de Antônia, conforme metas que à porta de saída do consultório, mas ainda
lhe propus e que ela foi aceitando a contra- pelo lado de dentro, quando Antônia se vol-
gosto. Foi um trabalho equivalente a um des- tou para mim e disse que, no dia 31 de de-
mame: primeiro, ensaiei com ela que ficasse zembro daquele ano, ela gostaria de me dar
sem vir aos domingos, depois também aos um abraço por tê-la ajudado a atravessar tão
sábados, depois passamos para “apenas” 4 bem esse ano da morte de Marta. Eu lhe dis-
dias na semana. E menos que isso não con- se que ela poderia me abraçar hoje (estáva-
segui, embora eu quisesse chegar a um pon- mos ambas em pé, próximas uma da outra).
to, sem ter dito isso a ela, em que Antônia Abraçamo-nos, de maneira forte, emociona-
pudesse, então, vir ela mesma a pagar suas das, lágrimas me querendo saltar para fora.
sessões. No abraço, senti-a frágil, de um tamanho
No que se refere à quantidade de sessões menor do que aparentava aos olhos.
semanais, eu lembro novamente de Winni-
cott, que diferencia desejo de necessidade. Considerações finais
Assim, em carta de 1954 a Clifford Scott O trabalho do luto não tem tempo para ter-
(transcrita em Rodman, 2003, p.198), Win- minar – o que se percebe é que outros temas
nicott diz: começam, depois de certo tempo, a aparecer
na análise. No caso de Antônia, o luto por
(...) Desde que comecei a experienciar regres- essa filha pareceu simbolizar, com expressão
sões, eu tenho oferecido aos pacientes inter- máxima, todos os outros lutos que ainda pre-
pretações mais frequentemente em termos de cisa fazer. Confiei que ela pudesse continuar
necessidade e, menos, em termos de desejo. a fazê-los com a próxima analista, escolhida
Em muitos casos, parece-me suficiente dizer, por Antonia a partir de 3 nomes que lhe in-
por exemplo: ‘Nessas alturas, você precisa que diquei.
eu te atenda neste fim de semana’. A implica- Para minha surpresa, após meu retorno à
ção é que, de meu ponto de vista, eu poderia cidade, depois de 2 anos morando fora, um
me beneficiar de um fim de semana, o que, certo dia encontro Antonia à porta do meu
indiretamente, ajudaria o paciente; mas, do consultório, agora em novo endereço. Se-
ponto de vista do paciente, naquele momento gundo me disse, ela tinha “intuído” que eu
particular não há nada que não seja preju- estava de volta, procurou por meses até con-
ízo, se existir um vácuo na continuidade do seguir me encontrar. Pedi-lhe que, primei-
tratamento. Se, num momento como esse, o ro, conversasse com sua analista atual. Ela o
analista disser ‘Você quer que eu desista do fez e retornou daí a uns dias, mas o que está
meu fim-de-semana’, ele estará na pista errada acontecendo nesse novo período de análise
e estará, de fato, errado”. (tradução nossa). fica para uma próxima oportunidade.

Quando chegou o aniversário de 1 ano do


suicídio de Marta, Antônia passou a sessão
contando sobre as tentativas que fizera nos
últimos dias, sem sucesso, de se desfazer de
pertences de Marta. Mas se isso era algo que
Antônia tinha extrema dificuldade de fazer,
havia ali a expressão de um sintoma antigo:
ela não conseguia se desfazer de muitas coisas
das três filhas, inclusive dos seus brinquedos

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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

Abstract RODMAN, F. R. Winnicott - life and work. Cambrid-


The text presents a clinical case in which a ge: Perseus Publishing, 2003.
psychoanalytical reception is provided for a SAFRA, G. Momentos mutativos em psicanálise. São
mother who loses her adolescent daughter Paulo: Casa do Psicólogo, 1995.
from suicide. The main background posture,
during treatment, was made possible by pre- WINNICOTT, D. W. Desenvolvimento Emocional
vious knowledge of Winnicottian theory, but Primitivo. In Da pediatria à psicanálise. Rio de Janei-
ro: Francisco Alves, 1978, p.269-285.
its explication, with regard to its appropriate-
ness to this specific case, was facilitated after WINNICOTT, D. W. Aspectos clínicos e metapsicoló-
analysis was interrupted, as a form of defer- gicos da regressão dentro do setting analítico (1954-5).
red action, by the analyst, during the writing In WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise. Rio
of the text. de Janeiro: Francisco Alves, 1978, p.459-482.

WINNICOTT, D. W. Objetos transicionais e fenôme-


Keywords: Mourning, Suicide, Dependency, nos transicionais. In Da pediatria à psicanálise. Rio de
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obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de de Psicanálise. Psicóloga. Mestrado, Doutorado
Janeiro: Imago, 1974, v.VII, p.129-250. e Pós-doutorado em Educação. Professora
aposentada (atualmente colaboradora)
FREUD, S. (1915). Repressão. In FREUD, S. Edição da Universidade Federal da Paraíba.
Standard Brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v.XIV, Endereço para correspondência:
p.163-182. Av. Edson Ramalho, 100/501 – Manaíra
Edifício Empresarial Tambaú
FREUD, S. (1917). Luto e Melancolia. In FREUD, S. 58038-100 – João Pessoa/PB
Edição Standard Brasileira das obras psicológicas com- Tel.: (83)3247-1235
pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974, E-mail: veraireland@yahoo.com.br
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A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico

166 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 35 | p. 151–166 | Julho/2011

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