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Equipa de Investigação
Fátima Sousa
Rita Silva
Susana Baptista
Taciana Peão Lopes
F AC U L D AD E D E E C O N O M I A
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
2004
Índice
Agradecimentos ........................................................................................................................ XIX
Introdução geral ...................................................................................................................... XXIII
Capítulo I
Introdução .....................................................................................................................................1
1. A delinquência e a criminalidade juvenil: uma breve abordagem teórica ..............................3
2. Alguns factores explicativos da delinquência juvenil de hoje: a importância do contexto
e das instituições socializadoras ..........................................................................................11
A delinquência como fenómeno urbano ........................................................................13
Família e Escola: instâncias de controlo social..............................................................14
3. Os jovens e a (sua) justiça: prevenir, controlar e punir ........................................................22
3. 1. Alguns estudos sobre a justiça dos jovens que praticam factos qualificados como
crime...............................................................................................................................22
3. 2. Prevenção: agir a montante do problema...................................................................37
3. 3. O controlo formal da delinquência juvenil (controlar e punir): os modelos da
justiça de crianças e jovens ...........................................................................................40
Capítulo II
Introdução ...................................................................................................................................53
1. A ONU e o direito internacional das crianças e jovens ........................................................56
1. 1. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças............................56
O conceito de criança e a idade da imputabilidade penal na Convenção......................57
Os princípios de direito internacional quanto aos direitos das crianças.........................59
O artigo 40.º da Convenção e a justiça juvenil ..............................................................60
Entre a justiça penal e a justiça de crianças e jovens: os modelos previstos na
Convenção ....................................................................................................................61
1. 2. Outros instrumentos de direito internacional público relevantes em matéria de
justiça juvenil ..................................................................................................................62
1. 2. 1. As Regras de Beijing ............................................................................................63
1. 2. 2. Os Princípios Orientadores de Riade...................................................................67
1. 2. 3. As Regras para a Protecção de Menores Privados de Liberdade.......................68
2. O Direito Europeu .................................................................................................................70
2. 1. O Conselho da Europa e a delinquência juvenil.........................................................70
2. 1. 1. A Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças .................71
II Índice
Capítulo III
Introdução................................................................................................................................... 93
1. A reforma do direito de crianças e jovens em Espanha: Ley Orgánica Reguladora de la
Responsabilidad Penal de los Menores............................................................................... 93
1. 1. A evolução histórica do direito de crianças e jovens em Espanha............................ 93
1. 2. O actual direito de crianças e jovens em Espanha.................................................... 96
1. 2. 1. Os princípios gerais ............................................................................................. 96
1. 2. 2. A competência e o âmbito de aplicação da LORPM........................................... 98
A competência ...............................................................................................................98
O âmbito de aplicação ...................................................................................................99
1. 2. 3. As medidas aplicáveis aos jovens..................................................................... 100
Internamento em regime fechado ................................................................................100
Internamento em regime semiaberto ...........................................................................101
Internamento em regime aberto...................................................................................101
Internamento terapêutico .............................................................................................101
Tratamento ambulatório ...............................................................................................102
Assistência num centro de dia .....................................................................................102
Permanência em casa ou em centro durante o fim-de-semana...................................103
Liberdade vigiada.........................................................................................................103
Convivência com outra pessoa, família ou grupo educativo ........................................104
Trabalho a favor da comunidade .................................................................................105
Realização de tarefas sócio-educativas.......................................................................105
Admoestação ...............................................................................................................106
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa III
Capítulo IV
Introdução .................................................................................................................................127
1. Da Lei de Protecção à Infância à Organização Tutelar de Menores..................................127
2. O impacto da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças na
Organização Tutelar de Menores .......................................................................................136
3. O processo de reforma da Justiça Juvenil: os relatórios (Ministério da Justiça
/Ministério do Trabalho e da Solidariedade).......................................................................140
4. A preparação para a entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa.......................................151
5. A Lei Tutelar Educativa: parte integrante de um Novo Direito das Crianças e Jovens......154
6. Princípios Constitucionais e a Lei Tutelar Educativa..........................................................155
7. O Regime Jurídico da Lei Tutelar Educativa: Breve descrição ..........................................156
7. 1. A entrada em vigor do novo regime..........................................................................156
7. 2. O âmbito de aplicação ..............................................................................................158
IV Índice
Capítulo V
Entre dois olhares: a Lei Tutelar Educativa à luz dos dados oficiais e de
um estudo efectuado nos tribunais de família e menores de Lisboa e
Coimbra
Introdução................................................................................................................................. 199
Secção I – A Lei Tutelar Educativa à luz dos dados oficiais disponíveis ........................ 200
1. O movimento dos processos tutelares educativos ............................................................ 203
1. 1. O movimento processual na fase do inquérito......................................................... 203
1. 2. O movimento processual na fase jurisdicional......................................................... 206
2. Os jovens enquanto sujeitos do novo processo jurisdicional ............................................ 210
2. 1. O sexo, a idade e a nacionalidade dos jovens ........................................................ 210
2. 2. A situação e a residência do jovem ......................................................................... 213
2. 3. O grau de instrução e a situação perante o trabalho dos jovens ............................ 217
3. O processo tutelar educativo ............................................................................................. 219
3. 1. Os mobilizadores do processo tutelar educativo ..................................................... 219
3. 2. A suspensão do processo por parte do MP............................................................. 220
3. 3. A mediação .............................................................................................................. 221
3. 4. Perícias sobre a personalidade do jovem................................................................ 223
3. 5. Factos praticados pelo jovem qualificados como crime........................................... 224
3. 6. A duração do processo tutelar ................................................................................. 229
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa V
Capítulo VI
Introdução .................................................................................................................................279
1. As questões levantadas pelos olhares dos actores do processo tutelar educativo ...........280
1. 1. O Processo de Promoção e Protecção e o Processo Tutelar Educativo: duas
intervenções distintas para duas situações diferenciadas...........................................280
1. 1. 1. A ratio legis da LTE e da LPCJP........................................................................280
1. 1. 2. O consenso na bondade da diferenciação de respostas ...................................282
1. 1. 3. O dissenso na aplicação da lei: a aplicação das medidas tutelares
educativas para compensar a “falha” da lei de promoção e protecção ................285
1. 1. 4. As causas da subversão do sistema: da mentalidade dos magistrados à falta
de estruturas da Segurança Social .......................................................................288
1. 1. 5. A desadequação das medidas da LTE e da LPCJP às situações de
comportamentos desviantes não criminais ...........................................................292
VI Índice
Capítulo VII
Introdução................................................................................................................................. 365
1. As medidas não institucionais na LTE e as funções do Instituto de Reinserção Social ... 366
1. 1. Admoestação ........................................................................................................... 368
1. 2. Privação do direito de conduzir................................................................................ 368
1. 3. Reparação ao ofendido............................................................................................ 369
1. 4. Imposição de regras de conduta.............................................................................. 370
1. 5. Frequência de programas formativos ...................................................................... 370
1. 6. Imposição de obrigações ......................................................................................... 371
1. 7. Prestações económicas ou tarefas a favor da comunidade .................................... 372
1. 8. A Medida de Acompanhamento Educativo.............................................................. 377
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa VII
Capítulo VIII
Introdução................................................................................................................................. 477
1. As competências legais e a visão institucional do IRS no âmbito das medidas
institucionais....................................................................................................................... 478
1. 1. As competências do IRS.......................................................................................... 478
1. 2. A caracterização geral dos centros educativos ....................................................... 479
Equipa de Programas ..................................................................................................484
Equipa Técnica e Residencial......................................................................................484
2. As medidas tutelares educativas de internamento e os regimes de execução................. 486
2. 1. Regime Aberto ......................................................................................................... 487
2. 2. Regime Semiaberto ................................................................................................. 488
2. 3. Regime Fechado ...................................................................................................... 489
3. A organização da intervenção educativa........................................................................... 490
3. 1. Os instrumentos fundamentais da intervenção........................................................ 491
3. 1. 1. O Projecto de Intervenção Educativa ................................................................ 492
Estrutura-base do Projecto de Intervenção Educativa .................................................493
3. 1. 2. O PIE: as fases de intervenção nos centros educativos ................................... 497
A fase de acolhimento: a “Fase Regressiva” e a “Fase de Entrada”............................500
A “Fase Progressiva 1” ................................................................................................501
A “Fase Progressiva 2” ................................................................................................502
A “Fase de Saída”........................................................................................................503
3. 1. 3. O Regulamento Interno ..................................................................................... 504
3. 1. 4. O Projecto Educativo Pessoal ........................................................................... 505
3. 2. Os instrumentos auxiliares da intervenção .............................................................. 507
3. 3. Os programas educativos e terapêuticos ................................................................ 508
3. 3. 1. A formação escolar em Centro Educativo ......................................................... 508
Princípios orientadores da formação escolar ...............................................................510
Resultados escolares de jovens em centros educativos em 2001/2002......................513
3. 3. 2. A orientação vocacional e a formação pré-profissional em Centro Educativo.. 513
Os centros educativos e as ofertas de formação pré-profissional e despiste
vocacional ....................................................................................................................515
Resultados da avaliação das acções de formação pré-profissional e de despiste
vocacional de jovens em centros educativos em 2001/2002 .......................................518
3. 3. 3. Os programas terapêuticos e de educação para a saúde ................................ 520
3. 4. Os relatórios de execução da medida de internamento .......................................... 521
3. 5. O regime disciplinar ................................................................................................. 522
3. 6. A articulação dos centros educativos com outras entidades................................... 524
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa IX
Educação.....................................................................................................................525
Saúde ..........................................................................................................................526
Saúde mental...............................................................................................................527
Centro Protocolar de Formação Profissional para o Sector da Justiça........................528
Instituto de Emprego e de Formação Profissional .......................................................528
Outras articulações dos centros educativos ................................................................529
3. 7. O “Internamento como verdadeira oportunidade de mudança” no Centro
Educativo da Bela Vista ...............................................................................................529
4. Caracterização da situação e dos jovens internados nos centros educativos...................533
4. 1. Os internamentos, segundo o IRS (2001 a 2003) ....................................................533
Subtotal Masculino ......................................................................................................541
Subtotal Feminino........................................................................................................541
Total.............................................................................................................................541
4. 2. Os estudos de caso: o Centro Educativo da Bela Vista e o Centro Educativo dos
Olivais...........................................................................................................................542
4. 2. 1. Introdução e nota metodológica .........................................................................542
4. 2. 2. A caracterização sociológica dos jovens internados..........................................544
A idade ........................................................................................................................544
A nacionalidade ...........................................................................................................547
A área de residência....................................................................................................547
A situação familiar .......................................................................................................549
A situação escolar e/ou profissional ............................................................................551
O grau de escolaridade ...............................................................................................552
4. 2. 3. Outras intervenções judiciais conhecidas ..........................................................555
Processos de Promoção e Protecção..........................................................................555
Outros Processos Tutelares Educativos......................................................................556
4. 2. 4. A situação jurídica dos jovens............................................................................557
Medidas tutelares educativas de internamento ...........................................................558
A duração das medidas tutelares de internamento aplicadas .....................................559
Medidas cautelares de guarda em Centro Educativo ..................................................560
Os jovens a cumprirem medidas tutelares educativas antes sujeitos a medidas
cautelares de guarda ...................................................................................................561
A duração das medidas cautelares de guarda em Centro Educativo ..........................561
Internamento para realização de perícia sobre a personalidade .................................562
4. 2. 5. Os factos qualificados como crime.....................................................................562
Os factos praticados ....................................................................................................562
O número de factos qualificados como crime ..............................................................566
Os regimes de execução de internamento ..................................................................568
4. 2. 6. Análise dos tempos da execução das medidas de internamento......................574
Dos factos ao acolhimento em Centro Educativo ........................................................574
Do acolhimento ao envio do PEP para o Tribunal .......................................................575
X Índice
Capítulo IX
Conclusões e propostas
Conclusões................................................................................................................................643
Propostas de reforma................................................................................................................689
Capítulo III
Capítulo V
Entre dois olhares: a Lei Tutelar Educativa à luz dos dados oficiais e de
um estudo efectuado nos tribunais de família e menores de Lisboa e
Coimbra
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IV
Capítulo V
Entre dois olhares: a Lei Tutelar Educativa à luz dos dados oficiais e de
um estudo efectuado nos tribunais de família e menores de Lisboa e
Coimbra
Capítulo VII
Gráfico VII.1 – Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS (2001) 384
Gráfico VII.2 – Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS (2002) 385
Gráfico VII.3 – Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS, por
Direcção Regional (2002) .................................................................................................. 386
Gráfico VII.4 – Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS (2003) 387
Gráfico VII.5 – Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS, por
Delegação Regional (2003) ............................................................................................... 388
Gráfico VII.6 – Medidas tutelares educativas não institucionais em execução pelo IRS em
31 de Dezembro de 2003 .................................................................................................. 389
Gráfico VII.7 – Sexo dos jovens ............................................................................................... 391
Gráfico VII.8 – Idade do jovem à data dos factos .................................................................... 393
Gráfico VII.9 – Idade do jovem à data da aplicação da medida .............................................. 394
Gráfico VII.10 – Situação do jovem.......................................................................................... 395
Gráfico VII.11 – Grau de escolaridade do jovem antes da intervenção................................... 396
Gráfico VII.12 – Situação do jovem antes da intervenção ....................................................... 397
Gráfico VII.13 – Denúncia do facto qualificado como crime feita por (Centro) ........................ 406
Gráfico VII.14 – Denúncia do facto qualificado como crime feita por (Lisboa e Vale do Tejo) 407
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa XVII
Gráfico VII.15 – Distribuição dos factos qualificados como crime por tipo (Centro).................408
Gráfico VII.16 – Distribuição de factos qualificados como crime por tipo (Lisboa e Vale do
Tejo)....................................................................................................................................409
Gráfico VII.17 – Distribuição da criminalidade (agregada) .......................................................410
Gráfico VII.18 – Número de factos qualificados como crime cometidos pelo mesmo jovem ...411
Gráfico VII.19 – Número de factos qualificados como crime cometidos pelo jovem................413
Gráfico VII.20 – Medida tutelar educativa não institucional simples (mais significativa)..........421
Gráfico VII.21 – MP segue sugestão do IRS ............................................................................424
Gráfico VII.22 – Juiz segue a proposta do MP .........................................................................426
Gráfico VII.23 – Tempo decorrido desde os factos até à abertura do processo ......................427
Gráfico VII.24 – Tempo decorrido entre o pedido do relatório social pelo TFM e o seu envio
pelo IRS ..............................................................................................................................428
Capítulo VIII
Metodologia
A análise da aplicação da lei começou por ser feita com recurso à base de
dados das estatísticas oficiais da jurisdição tutelar do Gabinete de Política
Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça. Analisamos o volume de
processos pendentes, entrados e findos durante os anos de 2001 e 2002,
XXVI Introdução geral
assim como os motivos que determinaram o fim, quer dos inquéritos, quer dos
processos tutelares educativos que chegaram à fase jurisdicional. A análise
destes dados permite-nos, ainda, conhecer outras características da justiça de
menores, designadamente quem mobiliza o processo, quais os factos
qualificados como crime predominantemente praticados pelos jovens, qual a
duração do processo tutelar educativo na fase jurisdicional, qual a percentagem
de revisão das medidas aplicadas e em que sentido é efectuada essa revisão,
quais as medidas tutelares educativas mais aplicadas e qual o perfil social dos
jovens sujeitos desses processos.
Apresentação do Relatório
Introdução
1
Os dados relativos a esta questão parecem não ser consensuais e registam uma tendência
diferente consoante a natureza da criminalidade. Com efeito, se os dados da Polícia Judiciária,
que investiga a criminalidade mais grave, evidenciam um rejuvenescimento dos autores do
crime, no que se refere aos dados da GNR e da PSP, o escalão que pode ser conotado com a
delinquência juvenil - actos praticados por menores de 16 anos - vai diminuindo de 1993 a
1996 e tem uma maior incidência nas Áreas Metropolitanas, sobretudo na de Lisboa (Lourenço,
1998: 56-57). Em 2000, um relatório da Procuradoria-geral da República demonstrava que os
actos criminosos praticados por menores não têm vindo a aumentar. Em sentido contrário, o
Relatório de Segurança Interna, referente a 2000, refere que a delinquência juvenil assume um
papel cada vez mais importante na pequena criminalidade, tendo tido uma evolução crescente
nos últimos anos.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 3
2
Para a abordagem destes estudos, seguimos de perto Fillieule, 2001.
4 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
As teorias mistas, cujo autor mais célebre é Cohen, operam uma síntese
entre as teorias culturais e as teorias da tensão. Estas teorias admitem que a
delinquência juvenil constitui uma subcultura e que essa se transmite no seio
de gangs delinquentes, dos membros mais velhos para os mais novos.
Admitem, também, que a delinquência tem a sua fonte numa “tensão”, num
problema de ajustamento sofrido pelo futuro ou pelo potencial delinquente.
teoria do controlo social atinge o seu auge. Esta teoria funda-se na ideia de
que, uma vez que todo o indivíduo é um potencial delinquente - basta ceder à
tentação -, não é a delinquência que precisa de ser explicada, mas sim a sua
ausência. De acordo com esta teoria, cujo principal autor é Travis Hirschi, um
indivíduo torna-se delinquente se os laços que o ligam a outros membros da
sociedade, nomeadamente a família e a escola, estão enfraquecidos ou
quebrados. Quando um indivíduo está nessa situação (“sem controlo”) os
obstáculos que o poderiam impedir de realizar um acto delinquente estão
excluídos. Só resta agora o cálculo racional que o pode incitar a respeitar as
leis e as regras morais. Mas como a acção delinquente permite obter certas
gratificações mais rápida e facilmente que o respeito pelas leis, a racionalidade
instrumental pode levar o indivíduo a cometer actos delinquentes. A
delinquência pode, deste modo, surgir logo que o “laço” que liga o indivíduo à
sociedade se afrouxa ou quebra.
3
Giddens alerta-nos que, uma vez que a vida em sociedade é constituída por normas, qualquer
um de nós pode, em qualquer momento, transgredir uma norma. Refere, ainda, que “aquilo que
é visto como «desviante» pode variar ao longo do tempo e do espaço. O que é definido como
comportamento «normal» num determinado contexto cultural pode ser rotulado como
«desviante» noutro contexto” (1998: 28).
4
Ver Binder, Arnold (1987). “An historical and theoretical introduction” in QUAY, Herbert (ed.),
Delinquency and crime, current theories. New York: Cambridge University Press, pp. 149, 198.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 9
Pedro Moura Ferreira defende que é “um erro assumir que a maior parte
dos delinquentes são diferentes dos não-delinquentes” (1997: 917), até porque,
como mostram os inquéritos de delinquência auto-revelada, a adolescência é
caracterizada por um estado que não é nem de dependência absoluta nem de
responsabilidade completa, é um continuum entre a liberdade e o controlo.
Assim, “para a maior parte, a delinquência é, quando muito, uma experiência
esporádica e transitória e nunca um modo de vida” (Ferreira, 1997: 917). Deste
modo, o autor caracteriza a delinquência juvenil recorrendo a duas imagens: a
de delinquente subsocializado e a de delinquente socializado. O conceito de
delinquente subsocializado resulta das teorias do controlo social que apontam
como causa da delinquência a ausência de laços fortes entre o indivíduo e a
sociedade, nomeadamente no que se refere às relações com os outros e com
as instituições convencionais e à crença na legitimidade da ordem legal. A
manutenção destes laços inibe as práticas delinquentes uma vez que assegura
um controlo externo e interno do indivíduo, diminuindo as possibilidades de
este cair na delinquência (Ferreira 1997: 918).
5
Tal não significa que não exista delinquência juvenil no meio rural ou, tão pouco, que esta não
seja revestida de uma complexidade que mereça ser estudada. No entanto, sabemos que a
delinquência juvenil que ocorre no meio rural é menos visível. Por um lado, porque este meio
tem uma grande capacidade de inclusão dos seus membros que apresentam, ocasionalmente,
um comportamento desviante, conseguindo, as instâncias socializadoras exercer um controlo
mais eficaz. Por outro lado, a grande maioria dos estudos sobre delinquência juvenil debruça-
se sobre a delinquência urbana porque é esta que é susceptível de colocar em causa a
insegurança da maioria dos cidadãos, havendo uma maior necessidade de criar e de dotar de
eficácia instâncias formais de controlo nas áreas urbanas.
14 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
O próprio espaço exterior ao bairro passa a ser alvo de cobiça por parte
destes jovens que crêem ser possível nesse espaço satisfazerem de forma
mais imediata as suas necessidades. Assim, nas palavras de Maria João
Carvalho, “a imagem do espaço onde se reside contribui, de forma significativa,
para a construção de uma identidade social; se a imagem que o exterior tem de
um determinado local é depreciativa, essa adjectivação estende-se aos seus
residentes promovendo fenómenos de estigmatização que condicionam (...) os
processos de interacção social no reforço de situações de marginalização,
exclusão e desviância” (2000: 40-41).
6
Alguns autores referem ainda a influência dos media, considerando que a “televisão, cinema,
rádio e a música têm profundos efeitos no desenvolvimento da juventude. Antes de
estabelecerem o seu próprio sistema de valores e estarem aptos a fazerem as suas opções
éticas os jovens são sujeitos a uma promoção agressiva da violência como um aceitável e,
muitas vezes desejável, modo de vida” (Cabral, 1998: 90).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 15
7
Sobre estes estudos ver Groenseth (1991).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 17
aprendizagem e integração social por parte dos jovens, podendo mesmo levar
à delinquência ou, pelo menos, não evitando que esta surja.
8
De acordo com Walgrave, existe a matéria manifesta que é aquela que se pode ler nos
manuais, o que é dito abertamente, as regras oficiais, e existe a matéria latente que é menos
directa: as rotinas de todos os dias, as pressuposições não exprimidas que estão na base da
intervenção escolar (1991: 174).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 19
Por outro lado, este fracasso escolar contribui, frequentemente, para que
a própria escola seja uma produtora de rótulos estigmatizantes, uma vez que
os alunos que experimentam o fracasso escolar são, muitas vezes,
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 21
9
Este é, no entanto, um dos aspectos mais criticados da teoria de Hirschi, pois segundo o
modelo de associação diferencial, o grupo de pares constitui uma parte privilegiada que
favorece a iniciação a práticas delinquentes e a aprendizagem colectiva de atitudes
desfavoráveis à autoridade legal (Bégue, 2000).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 23
Num sentido mais amplo, o controlo social tem, também, uma dimensão
interna e antecipadora. A socialização e a interiorização das normas e valores
culturais garantem, parcialmente, o controlo da sociedade sobre os indivíduos.
Nesse sentido, o controlo social é o conjunto dos mecanismos de socialização,
vigilância e sanção do comportamento. O controlo social passa, assim, também
a ser exercido pelo direito10.
10
Sobre a relação dos jovens com o direito ver Costa-Lascoux, Jacqueline (2001).
11
No elenco destes estudos, seguimos de perto Pedroso e Fonseca, 1999.
24 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
Em Portugal, para além dos estudos que Eliana Gersão vem fazendo
desde os anos sessenta sobre as crianças que praticam factos qualificados
como crime, só muito recentemente, Martinez (1996), Santos Castro (1997) e
João Sebastião (1998) estudaram grupos de crianças que vivem sozinhos e na
rua, com comportamentos desviantes e dedicando-se à prática de “crimes”.
12
Seguimos de perto Pedroso et al, 1998 e Pedroso e Fonseca, 1999.
32 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
uma ponte de passagem para uma vida adulta marcada, igualmente, pela
prática de crimes” (idem).
pessoas ronda os 34%, tal como acontece com os relacionados com o tráfico
de estupefacientes. As medidas adoptadas neste país no ano de 2001
reflectem a tendência para o papel educativo e reabilitador assumido pelo
Estado. A liberdade vigiada é a medida adoptada com mais frequência (44%),
emergindo de forma crescente a opção pela prestação de serviços à
comunidade (21 %).
resultados, ainda para mais, não parecem ser alvo de avaliação objectiva”
(2004: 168). Deste modo, é recomendada a criação de mecanismos mais
eficazes que permitissem a transição entre os Centros e a vida "real", ajudando
os jovens a procurar alternativas e facultando-lhes recursos adequados. Isso
exigiria, todavia, “um trabalho integrado entre os profissionais dos Centros, os
técnicos de serviço social e outras organizações presentes nos bairros de onde
provêm os próprios jovens, o que não se afigura muito fácil quando se procura
que estes se distanciem geograficamente dos seus espaços de residência
habituais, ignorando que de futuro aí regressarão e que é, muito
provavelmente, aí que terão que decidir a sua trajectória de vida” (idem)
13
Para vários autores, qualquer política de prevenção deve envolver o menor na resolução dos
seus próprios problemas, seguindo o princípio do “ajuda-te a ti mesmo” (Hollstein, 1991: 113).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 39
14
Em Portugal existem alguns programas e associações que agem neste sentido, assumindo,
inclusive, o papel de mediadores sociais e comunitários dos conflitos. Podemos referir, a título
de exemplo, três projectos muito diferentes, mas igualmente importantes: a Associação Cultural
Moinho da Juventude, o Programa Escolhas e o Programa Escola Segura. A Associação
Cultural Moinho da Juventude, na Amadora, surgiu no início dos anos 80 e as suas actividades
desenvolvem-se a nível social, cultural e económico, envolvendo crianças, jovens e adultos.
Sendo acreditada como Centro de Formação pelo INOFOR, realizou, entre 1996 e 1998, um
curso de mediadores, com obtenção do 9º ano de escolaridade. No âmbito deste projecto,
foram estabelecidos contactos junto do Ministério da Educação no sentido de concretizar, em
termos institucionais, a presença efectiva dos mediadores numa área pouco explorada em
Portugal, as escolas, cabendo àquelas estabelecer a ponte entre a Escola, a Família e a
Comunidade, fundamental, sobretudo, quando falamos de comunidades imigrantes e culturas
minoritárias. Sabendo-se do papel fundamental da escola, nem sempre concretizado, como já
vimos, na prevenção da delinquência juvenil, o seu carácter massificador e a falta de
flexibilidade que esta, por vezes, assume ao lidar com a diferença, o papel do mediador torna-
se fundamental.
O Programa Escolhas, Programa de Prevenção da Criminalidade e Inserção dos Jovens,
aprovado mediante a Resolução do Conselho de Ministros n.º 4/2001, de 9 de Janeiro (com a
rectificação n.º 3-E/2001, de 31 de Janeiro), visava “em articulação com as medidas de política
social global e as medidas universais, formular medidas políticas selectivas para jovens que
vivem em bairros vulneráveis dos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, de modo a aproximá-los
de medidas de formação pessoal, escolar e profissional, que evitem a sua entrada no mundo
da prática de crimes” (Preâmbulo). Com o objectivo de prevenir a criminalidade nos bairros
seleccionados, este Programa procurava “dinamizar parcerias de serviços públicos e das
comunidades dos bairros seleccionados, de modo a desenvolver as áreas estratégicas de
intervenção de mediação social, de ocupação de tempos livres e de participação da
comunidade, de modo a possibilitar a valorização da formação escolar e profissional e da
formação parental dos jovens, de modo a evitar que venham a dedicar-se à prática de factos
que a lei penal qualifica como crime” e “articular a sua acção com as comissões de protecção
de menores e outras parcerias existentes no local”(Preâmbulo).
Embora o término deste programa estivesse previsto para 31 de Dezembro de 2003, a
Resolução do Conselho de Ministros n.º 60/2004, de 30 de Abril, procedeu à sua renovação.
Como referido nesse documento, o “Governo, consciente da importância e da existência de
condições que permitam continuar a intervir, articulando iniciativas das diversas entidades e
agentes locais, junto dos jovens provindos de contextos sócio-económicos mais desfavoráveis
e problemáticos, entende dever dar continuidade às acções que têm vindo a ser desenvolvidas
no âmbito do Programa Escolhas, dando-lhe claramente um novo impulso e dinâmica, tendo
em conta a experiência anterior” (Preâmbulo). Com esta resolução, alargou-se o âmbito
territorial do Programa Escolhas e definiu-se como objectivos, desde Maio do ano corrente, a
“promoção da integração social das crianças e dos jovens dos bairros mais vulneráveis,
40 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
15
De acordo com Santos et al, os tribunais desempenham nas sociedades contemporâneas
três tipos de funções primordiais: funções instrumentais, funções políticas e funções
simbólicas. No que se refere especificamente às funções instrumentais, estas são as
seguintes: resolução de litígios, controlo social, administração e criação de direito (1996: 51-
42 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
52).
16
Um outro elemento abalou as bases do modelo de protecção. O Supremo Tribunal dos
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 43
Concluiu-se, por fim, que os jovens não recebiam nem tratamento eficaz nem
sanções dissuasoras para combater o seu comportamento criminal
(D’Amours, 2000: 95-115).
18
Segundo Eliana Gersão (1997: 3), “na prática, só às crianças e aos adolescentes das
famílias mais pobres e desorganizadas são aplicadas medidas, nomeadamente de
internamento; os das classes mais favorecidas estão praticamente imunes a uma intervenção
judiciária sensível, mesmo que cometam infracções graves”.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 45
19
Pode-se afirmar que o lema do modelo de protecção é “educar o menor em substituição da
família” (Gersão, 1997: 3).
20
A medida-padrão aplicada aos casos que requeiram intervenção é o internamento numa
“instituição total” que tem a duração necessária à “readaptação social” do menor (Gersão,
1997: 4).
21
Situações de irregularidade social são, por exemplo, a mendicidade, a vadiagem, o
comportamento sexual inadequado.
46 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
“para a «justiça» menores que não deveriam ter qualquer contacto com ela -
menores em risco” (Rodrigues, 1997: 367-368). Este modelo parece
secundarizar os direitos fundamentais do menor, tornando-se ineficaz num
quadro de crise do Estado Providência. No limite, o modelo de protecção “(…)
radica numa perspectiva empobrecedora da personalidade. Uma perspectiva
que vê no menor apenas um cidadão em potência, que o segrega do
ordenamento jurídico a pretexto de melhor o proteger, que o guarda à vista de
um Estado-tutor que, não podendo, pela natureza das coisas, substituir-se ao
meio familiar, cria um arsenal de meios paliativos que, em muitos casos, mais
não fazem que vigiar burocraticamente o seu crescimento” (Exposição de
motivos da Lei n.º 166/99, de 14 de Dezembro, que aprovou a Lei Tutelar
Educativa).
É assim que a justiça de crianças e jovens tem vindo, por exemplo, nos
últimos tempos, em muitos Estados, a dirigir um apelo à comunidade, como
forma de superação da crise do Estado Providência e com o objectivo de criar
parcerias entre o Estado e a comunidade de forma a estabelecer redes de
desenvolvimento social (Pedroso, 1998: 26). Embora a intervenção da
comunidade seja defendida por muitos, outros há, tal como Foucault (1975),
que consideram que este apelo à intervenção comunitária pode ter uma
vertente não desejada, na medida em que o controlo comunitário poderá
comportar, em si, o efeito de alastramento da rede de controlo social, quanto à
sua dimensão e ao estreitamento das suas malhas, com uma intensidade de
filtragem mais baixa, que abrangerá sobretudo os grupos e as pessoas com
menor poder social (apud Pedroso, 1998: 26-27).
ser vistos com particular acuidade, a fim de que da sua utilização não resulte a
corrupção dos princípios subjacentes a uma nova filosofia. Nesse sentido,
Eliana Gersão (1997: 4) considera que a “natureza educativa e interesses das
crianças devem ser encarados com seriedade – lembrando que, sob a capa da
«educação do menor», se tem dado guarida, ao longo dos tempos e um pouco
por toda a parte, tanto a medidas vagas de simples controlo, desprovidas de
real conteúdo, como a práticas de internamento opressivas e violadoras dos
mais elementares direitos das crianças – e reelaborados à luz do nosso
tempo”22.
Na verdade, o direito de crianças e jovens não pode ser visto como algo
composto por compartimentos estanques, em que a dimensão assistencial e a
dimensão educativa se encontram fechadas em si mesmas. Ou seja, não pode
assumir-se como um direito meramente de protecção uno que trate da mesma
forma crianças em risco e crianças que praticam factos qualificados como
crime, mas também não deve dividir-se num regime puro dual composto, por
um lado, por um direito de protecção de natureza exclusivamente civil e, por
outro, por um direito tutelar educativo sucedâneo de um direito penal de
22
Alguns autores têm questionado se o modelo de protecção tem constituído “um direito para
menores sem penas ou penas para menores sem direito” (Walgrave, 1992: 175).
50 Capítulo I – Os Jovens, o crime e a justiça
Introdução
23
A Declaração de Genebra continha cinco princípios, relacionados com o bem-estar das
crianças, o seu normal desenvolvimento, a alimentação, a saúde e a protecção contra a
exploração (Sottomayor, 2003: 12).
54 Capítulo II – A justiça juvenil no Direito Internacional
24
Como refere Maria Clara Sottomayor, na Declaração de 1959 das Nações Unidas “a criança
era vista como objecto de preocupação e de uma política social de protecção, mas não como
uma pessoa autónoma, capaz de decidir o seu próprio destino” (Sottomayor, 2003: 12).
25
Por exemplo, o artigo 10.º, n.º 2, alínea b) deste Pacto prevê a separação entre jovens e
adultos que cometam crimes, e o artigo 14.º, n.º 4, estabelece a necessidade de adoptar
procedimentos adequados à idade dos jovens, tendo em vista a sua reabilitação.
26
A Polónia apresentou esse projecto para que fosse adoptado em 1979, no Ano Internacional
da Criança. O projecto seguia de perto a Declaração de 1959, não tendo obtido reacções muito
favoráveis. Em 1979 a Comissão dos Direitos do Homem decidiu submeter a proposta a uma
análise cuidadosa. Para o efeito, foi criado um Grupo de Trabalho de Composição Ilimitada
sobre a Questão de uma Convenção acerca dos Direitos da Criança. Todos os Estados
membros da Comissão dos Direitos do Homem podiam participar no Grupo de Trabalho, assim
como “observadores” dos demais Estados membros das Nações Unidas. Estava aberta a
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 55
29
De acordo com o artigo 43.º da Convenção, o Comité dos Direitos da Criança tem por função
examinar os progressos realizados pelos Estados-parte no cumprimento das obrigações que
lhe cabem e é composto por dez peritos de alta autoridade moral e de reconhecida
competência no domínio abrangido pela Convenção, eleitos por escrutínio secreto de entre
uma lista de candidatos designados por Estados Partes, podendo cada país designar um perito
de entre os seus nacionais. O texto da Convenção prevê, ainda, no artigo 45.º, a possibilidade
de Agências das Nações Unidas, incluindo a UNICEF e outros organismos competentes,
poderem contribuir com a sua experiência para o processo de monitorização e de
implementação das directrizes da Convenção.
58 Capítulo II – A justiça juvenil no Direito Internacional
30
No entanto, parece resultar da combinação entre as Regras de Beijing e as da Convenção
que um limite etário mínimo deverá estar intimamente relacionado com o estádio de
desenvolvimento e de maturidade da criança. Nesse sentido, a Convenção sugere a criação de
sistemas de justiça especiais para as crianças de idade inferior a 18 anos que pratiquem
crimes, que estejam em conformidade, quer com a protecção dos direitos humanos, quer com a
protecção das garantias processuais da criança, mas que sejam distintos dos sistemas penais
aplicáveis aos adultos.
31
Por exemplo, nas Regras de Beijing que adiante analisaremos, o significado da expressão
“menor” está relacionado com o tipo de sistema penal a aplicar. Assim, nos termos da Regra
2.2 a), menor “é qualquer criança ou jovem que, em relação ao sistema jurídico considerado,
pode ser punido por um delito, de forma diferente da de um adulto”. A definição, em termos
concretos, do conteúdo da expressão cabe, no entanto, a cada sistema jurídico nacional, de
forma a respeitar os sistemas económicos, jurídicos, políticos e culturais de cada Estado-parte
o que, se por um lado tem a vantagem de permitir a aplicação destas regras a um grande leque
de ordens jurídicas, traz, por outro lado, a desvantagem de uma definição circular. A Regra 4.1,
relativa à idade da responsabilidade penal acrescenta que esta “não deve ser fixada num nível
demasiado baixo”, por razões de falta de maturidade.
Por pressão de algumas organizações não governamentais, a definição do conceito de
menor foi, entretanto, concretizada no decorrer do processo de elaboração das Regras das
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 59
Nações Unidas para a Protecção dos Jovens Privados de Liberdade, de acordo com as quais
menor “é qualquer pessoa que tenha menos de 18 anos (…)”, acrescentando, nos termos do
preceituado no artigo 11.º, alínea a), que “(…) a idade limite abaixo da qual não deve ser
permitido privar uma criança de liberdade deve ser fixada por lei”.
32
O artigo 6.º, n.º 2 da Convenção determina que os Estados parte assegurem, na máxima
medida possível, a sobrevivência e o desenvolvimento da criança. Note-se, todavia, que este
princípio é temperado pelo princípio da reserva do possível, na medida em que, face aos
direitos económicos, sociais e culturais, os Estados apenas se comprometem a tomar as
medidas legislativas, administrativas e/ou outras no limite máximo dos seus recursos
disponíveis e, se necessário, no quadro da cooperação internacional.
60 Capítulo II – A justiça juvenil no Direito Internacional
33
Cf. artigos 5.º, 9.º, 18.º, 19.º, 20.º, 25.º em matéria de crianças em perigo e artigo 40.º
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 61
Por fim, o n.º 4 do artigo 40.º, sugere aos Estados-partes, com o fim de
proporcionar à criança um tratamento adequado ao seu bem-estar e
proporcional à infracção e à sua situação, a criação de um conjunto de
disposições relativas à assistência, orientação e controlo, conselhos, regime de
prova, colocação familiar, programas de educação geral e profissional, bem
como outras soluções alternativas às medidas de institucionalização.
Esta nova abordagem dos direitos da criança tem como objectivo reforçar
a posição legal do jovem enquanto sujeito de direitos e deveres, englobando,
quer as suas garantias jurídicas, quer as suas necessidades e expectativas,
limitar ao mínimo a aplicação de medidas privativas da liberdade e, ao mesmo
tempo, responsabilizar os jovens.
1. 2. 1. As Regras de Beijing
34
Em termos gerais, também as Regras Mínimas para a Elaboração de Medidas não Privativas
da Liberdade (“Regras de Tóquio”), adoptadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na
Resolução n.º 45/110, de 14 de Dezembro de 1990, vieram enunciar um conjunto de princípios
com o objectivo dos Estados membros introduzirem “medidas não privativas de liberdade para
proporcionar outras opções a fim de reduzir o recurso às penas de prisão e racionalizar as
políticas de justiça penal, tendo em consideração o respeito dos direitos humanos, as
exigências da justiça social e as necessidades de reinserção dos delinquentes” (Regra 1.5).
Para a concretização deste objectivo, os Estados membros deverão encorajar a colectividade a
participar mais no processo da justiça penal, especialmente, no tratamento e reinserção do
delinquente e tentar conciliar, através da aplicação destas regras, os direitos dos delinquentes,
os direitos das vítimas e as preocupações da sociedade relativas à segurança pública e à
prevenção do crime. A aplicação de medidas não privativas de liberdade obedece ao princípio
da intervenção mínima e respeita os esforços de despenalização e descriminalização. Por outro
lado, a decisão de aplicação deste tipo de medidas reveste-se de particulares garantias
jurídicas e funda-se em critérios, definidos por lei, relativos à natureza e gravidade da infracção,
à personalidade e antecedentes do delinquente, ao objectivo da condenação e aos direitos das
vítimas. A aplicação destas regras não exclui, contudo, segundo a cláusula de protecção da
Regra 4.1, a aplicação das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da
Justiça de Menores.
64 Capítulo II – A justiça juvenil no Direito Internacional
35
Exemplos deste tipo de delitos são o absentismo escolar, a indisciplina escolar e familiar, a
embriaguez pública, etc.
66 Capítulo II – A justiça juvenil no Direito Internacional
próprio das crianças e dos jovens, devendo estes ser integralmente aceites
como parceiros iguais nos processos de socialização e integração”.
2. O Direito Europeu
2. 1. 2. A Recomendação (87) 20
2. 1. 3. A Recomendação (88) 6
2. 1. 4. A Recomendação (00) 20
36
Do artigo 4.º resulta que as medidas com o fim de promover os factores de protecção deviam
ser dirigidas, designadamente, ao reforço das competências sociais e cognitivas, aos valores e
atitudes favoráveis; a uma vida familiar orientada por princípios claros, coerentes e desprovida
de autoritarismo; a um ambiente escolar que conceda a todos os jovens oportunidades de
sucesso; e ligações à comunidade local. O documento em análise, em suma, recomenda a
tomada de medidas legislativas ou outras que prevejam programas de intervenção precoce
76 Capítulo II – A justiça juvenil no Direito Internacional
2. 1. 6. A Recomendação (03) 20
37
Quer o Plano de Acção Contra a Criminalidade Organizada, de 1997, quer o Plano de Acção
de Viena, de 1998, versavam sobre medidas no domínio da prevenção da criminalidade
organizada (Eur-Lex, 2004).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 83
38
Antes de apresentar as conclusões dos debates sobre a delinquência juvenil, João
Figueiredo (2001a) apresentou dois dados (ainda sem rigor estatístico): a grande maioria dos
jovens da União Europeia não cometia crimes e a maioria dos crimes praticados por jovens
84 Capítulo II – A justiça juvenil no Direito Internacional
são soluções tidas como importantes para evitar ou para minorar o contacto do
jovem com os sistemas de justiça.
39
O Prémio Europeu de Prevenção da Criminalidade, existente desde 1997, deve-se a uma
iniciativa dos Países-Baixos, da Bélgica e do Reino Unido, com o objectivo de proporcionar um
incentivo aos intervenientes no âmbito da prevenção da criminalidade. Todos os anos são
seleccionados os dois melhores projectos de prevenção da criminalidade. Em 2003 este prémio
foi atribuído ao Programa de Prevenção da Criminalidade e Inserção dos Jovens criado em
Portugal em 2001, denominado “Programa Escolhas”.
40
Cf. Jornal Oficial da União Europeia, n.º C92, de 16 de Abril de 2004.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 89
As necessidades actuais
41
Um dos casos relatados dá conta que “iniciativas bem documentadas e avaliadas, destinadas
aos jovens na faixa etária dos 10-16 anos, permitem concluir que programas eficazes de
desenvolvimento e de intervenção precoce produzem benefícios significativos a longo prazo.
Conclui-se, decorridos 16 anos, que o risco de prisão para os participantes no programa era
claramente inferior ao dos participantes no grupo de controlo”; outro caso relata um programa
desenvolvido nos Estados Unidos, nos anos 70, o programa pré-escolar Perry, que previa
classes pré-escolares de desenvolvimento para crianças entre os 3 e os 4 anos de idade,
oriundas de famílias de baixos rendimentos, classes essas associadas a visitas domiciliárias
realizadas pelos técnicos. Ora, constatou-se, mais tarde, que os participantes no programa,
quando jovens e adultos, apresentavam taxas de prisão bastante mais baixas e taxas de
sucesso escolar mais elevadas. Este programa, para além destes bons resultados, teve
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 91
também uma avaliação positiva quanto à análise de custos-benefícios (Jornal Oficial, n.º C92,
de 16 de Abril de 2004).
Capítulo III
Introdução
Até 1992, foi o Decreto de 1948 que regulou o sistema de justiça juvenil.
O Texto Refundido de 1948 continha uma série de medidas de segurança,
como reacções do Estado ao jovem infractor, medidas que eram aplicadas não
apenas como respostas à prática de delitos mas também a certos estados
considerados de perigosidade social.
Aquela lei foi alvo de duras críticas doutrinais e, com a entrada em vigor
da Constituição, o sistema revelou-se insustentável, pois considerava-se que
colocava em causa os mais elementares direitos e garantias do jovem e que
representava um atentado contra os princípios do Estado de Direito social e
democrático. Foram levantadas várias questões de inconstitucionalidade,
promovidas por juízes de menores, sobretudo a partir de 1991, levando a
várias decisões de inconstitucionalidade, salientando-se a sentença do Tribunal
Constitucional 36/1991, de 14 de Fevereiro, que declarou inconstitucional uma
norma daquele documento legal. Como consequência dessa sentença, em 5 de
Junho de 1992 entrou em vigor a Ley Orgánica 4/92, que revogou o anterior
regime legal.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 95
42
A Lei 4/92 previa as seguintes medidas: admoestação, internamento de um a três
fins-de-semana, liberdade vigiada, acolhimento por outra pessoa ou núcleo familiar, privação
do direito de conduzir ciclomotores ou veículos com motor, prestação de serviços em benefício
da comunidade, tratamento ambulatório ou entrada num centro terapêutico e internamento.
96 Capítulo III - A reforma da justiça juvenil em Espanha
1. 2. 1. Os princípios gerais
43
A LORPM tem a natureza de disposição sancionatória, pois desenvolve a exigência de uma
verdadeira responsabilidade jurídica dos jovens infractores, referida à prática de factos
tipificados no Código Penal e demais leis penais especiais. Ao ter também natureza educativa,
a LORPM socorre-se de outras finalidades essenciais do direito penal dos adultos, como a
proporcionalidade entre o facto e a sanção, evitando todo o efeito contraproducente para o
jovem.
44
Designadamente a especial intervenção do Ministério Público – cabe ao Ministério Público a
defesa dos direitos das crianças e jovens, assim como o controlo das acções a empreender no
seu interesse e a observância das garantias do procedimento, razões pelas quais dirige a
investigação dos factos.
45
A lei acolhe o sistema biológico puro (responsabilidade penal dos jovens entre os 14 e os 18
anos), distinguindo-se duas faixas etárias (dos 14 aos 16 anos e dos 17 aos 18 anos), por se
entender que esses estratos etários apresentam diferenças características que exigem um
tratamento distinto, do ponto de vista científico e jurídico. Por outro lado, a lei poderá também
ser aplicada a maiores de 18 anos e menores de 21 anos, atendendo às circunstâncias
pessoais e ao grau de maturidade do autor e à natureza e gravidade dos factos. Algumas
situações especiais exigem uma resposta específica, designadamente os casos de problemas
mentais ou de ocorrência de outras circunstâncias modificativas da responsabilidade, situações
em que o Ministério Público deve promover a adopção de medidas mais adequadas ao
interesse do jovem.
46
Mediante solicitação das partes e ouvidas as equipas técnicas, o juiz dispõe de amplas
faculdades para suspender ou para substituir as medidas por outras ou para permitir a
participação dos pais do jovem na sua aplicação.
47
A execução das medidas cabe a entidades públicas de protecção e de reforma de crianças e
jovens das Comunidades Autónomas, com o controlo do juiz de menores.
48
Quanto ao ressarcimento de danos e prejuízos, a lei introduziu o princípio da
responsabilidade solidária com o jovem, de seus pais, tutores ou de quem tenha a sua guarda.
98 Capítulo III - A reforma da justiça juvenil em Espanha
A competência
O âmbito de aplicação
49
Excepcionalmente, e tendo em conta a personalidade e o grau de maturidade, podem
permanecer em centros destinados a jovens aqueles que, tendo cumprido 21 anos, não
tenham ainda alcançado os 25 anos. A lei determina, ainda, que os jovens que ainda não
tiverem completado 21 anos devem cumprir as penas privativas da liberdade separados dos
adultos, em estabelecimentos distintos ou em departamentos separados.
100 Capítulo III - A reforma da justiça juvenil em Espanha
50
O internamento em regime fechado apenas é aplicado nos casos em que na prática dos
factos tiver havido recurso a violência ou a intimidação ou se tiver havido risco para a vida ou
para a integridade física. Esta limitação das situações em que é possível a aplicação de
internamento em regime fechado está de acordo com os princípios internacionais relativos à
privação da liberdade de jovens, inscritos designadamente na Convenção sobre os Direitos da
Criança e nas Regras de Beijing.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 101
Internamento terapêutico
Tratamento ambulatório
Liberdade vigiada
Ao aplicar esta medida, o juiz deve ter em conta a valoração jurídica dos
factos praticados, a idade, as circunstâncias familiares e sociais, a
personalidade e o interesse do próprio jovem. Por essa razão é uma medida
adequada a crianças e jovens que apresentam carências escolares,
educativas, familiares e pessoais, que necessitam de uma intervenção
prolongada no tempo.
Admoestação
Esta medida consiste na repreensão dada, pelo juiz, para que o jovem
compreenda a gravidade dos factos praticados e as consequências que
aqueles tiveram ou que poderiam ter tido, instando-o a não voltar a praticar tais
factos.
Esta medida pode ser imposta como acessória quando o delito tiver sido
cometido com a utilização de um ciclomotor, de um veículo com motor ou com
uma arma.
Em Espanha, tal como Nieves Mulas refere (2003: 375), desde há alguns
anos, nota-se que a incidência da “era do automóvel” na delinquência juvenil é
muito elevada, designadamente a condução de ciclomotores ou de veículos a
motor sob a influência de drogas e de bebidas alcoólicas e a utilização,
sobretudo de motos, para a prática de roubo por esticão.
Inabilitação absoluta
51
Como refere o estudo “Violência Juvenil – Histórias e Percursos”, de 2004, realizado pela
Fundação da Juventude, a mediação e a reparação são expedientes que exigem especial
formação dos técnicos e que “podem ser muito eficazes na prevenção de futuras transgressões
no caso dos mais jovens”, pois “aumentam a percepção da justiça da vítima e envolvem uma
abordagem das suas preocupações que, provavelmente, têm sido um pouco descuradas na lei
criminal tradicional” (Fundação da Juventude, 2004: 46). Outro objectivo em vista consiste em
encorajar a comunidade, através do voluntariado, para participar na elaboração de medidas e
de programas, mesmo ao nível da detenção, pois acredita-se que em alguns casos seja uma
acção muito eficaz.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 109
sua prática, foi utilizada violência ou intimidação ou que se actuou com grave
risco para a vida ou para a integridade física das vítimas. Esta grande redução
das possibilidades de aplicação da medida de internamento em regime fechado
é coerente com os princípios plasmados na doutrina internacional sobre
privação da liberdade dos jovens, os quais consideram o internamento em
regime fechado como o último recurso e apenas durante o mais curto período
de tempo possível (cf. artigo 37.º, b), da Convenção sobre os Direitos da
Criança).
A duração das medidas não poderá ser superior a dois anos - nesse
período será sempre contabilizado e descontado o tempo já cumprido em
medida cautelar. A prestação trabalho a favor da comunidade não poderá
ultrapassar as 100 horas e a medida de permanência de fim-de-semana não
pode exceder oito fins-de-semana.
Concurso de infracções
Segurança e ordem
52
Os direitos dos jovens internados são, entre outros, os seguintes: direito a que a entidade
pública da qual depende o centro zele pela vida do jovem, pela sua integridade física e saúde;
116 Capítulo III - A reforma da justiça juvenil em Espanha
Regime disciplinar
Nos termos da LORPM, aos jovens internados pode ser aplicada uma
medida disciplinar, desde que seja respeitado o regulamento disciplinar e a
dignidade dos jovens, nunca podendo estes ser privados do direito à
alimentação, ensino obrigatório, comunicações e visitas.
direito a receber uma educação e formação integral em todos os âmbitos; direito a que se
preserve a sua dignidade e intimidade, a ser designado pelo seu próprio nome e que a sua
condição de internados seja estritamente reservada frente a terceiros; direito ao exercício dos
seus direitos civis, políticos, sociais, religiosos, económicos e culturais, salvo quando sejam
incompatíveis com o objecto da detenção ou com o cumprimento do internamento; direito a
estar no centro mais próximo do seu domicílio e a não ser transferido para fora da sua
Comunidade Autónoma, excepto nos casos e com os requisitos previstos na lei; direito a
assistência sanitária gratuita, a receber formação básica obrigatória que corresponda à sua
idade, qualquer que seja a sua situação no centro e a receber uma formação educativa ou
profissional adequada às suas circunstâncias; direito dos jovens internados terem na sua
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 117
companhia os seus filhos menores de três anos, nas condições e com os requisitos que se
estabeleçam.
118 Capítulo III - A reforma da justiça juvenil em Espanha
Quadro III.1
Quadro III.2
2001
Medidas tutelares educativos Nº %
Admoestação 814 55,0
Internamento
em centro
educativo
em regime semiaberto em fim de
27 1,8
semana
Ora, dos dados constantes nos Quadros III. 1 e III. 2, podemos concluir
que a justiça juvenil em Espanha é mais repressiva, recorrendo muito mais ao
internamento do que em Portugal (25,7% das medidas de internamento em
Espanha para 7,7% das medidas em Portugal). Acresce que, em Portugal
aposta-se muito na aplicação da admoestação, enquanto em Espanha a sua
aplicação tem um valor insignificante (ou seja, 55% das medidas em Portugal
para 1,6% em Espanha).
Introdução
53
A título exemplificativo, veja-se o livro 3.º, título 88 das Ordenações Manoelinas, segundo o
qual “quando o dito delinqüente fôsse menor de dezassete anos compridos, em tal caso, posto
que o delito mereça morte natural, nom lhe será dada em nenhüu caso, mas ficará em seu
arbítrio dar-lhe outra menor pena”.
54
Note-se, no entanto, que é com o surgimento dos primeiros Códigos Penais (1837, 1852 e
1886) que aparece a referência à prevenção e correcção educativa dos jovens delinquentes.
128 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
Como refere Beleza dos Santos, “obedecendo a esta nova corrente, as leis começam com
maior ou menor decisão e amplitude a desviar a aplicação da escala penal ordinária aos
menores responsáveis e a substituí-la por medidas educativas. Por outro lado, não se
desinteressam inteiramente dos menores que absolvem por falta de imputabilidade ou de
discernimento; procuram – embora com medidas deficientes, rígidas e acanhadas – remediar a
sua miséria moral, o seu abandono, a sua educação viciosa” (Santos, 1923-1925: 150-151).
55
Com o Estatuto Judiciário de 1944, as tutorias de infância passaram a designar-se tribunais
de menores.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 129
56
Este estudo intitula-se “Menores agentes de infracções criminais – que intervenção?
Apreciação crítica do sistema português”.
57
A referência à categoria de menores em perigo moral manteve-se com a entrada em vigor,
em 1962, da Organização Tutelar de Menores, tendo, no entanto, sido afastada em 1967, pelo
Decreto-Lei n.º 47 727. O Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, que operou uma revisão
da OTM, reintroduziu aquela categoria.
130 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
Os factos praticados não eram valorados por si, o que fazia com que as
medidas aplicadas às crianças e jovens agentes de crimes fossem, por um
lado, determinadas exclusivamente pela personalidade e circunstâncias de vida
e, por outro, indeterminadas quanto à duração e à possibilidade da sua
substituição. As situações previstas na lei só tinham valor enquanto sintoma de
inadaptação ou da existência de tendências criminosas, e todo o processo se
caracterizava pela insuficiência de garantias processuais que assistiam ao
jovem. Com efeito, raramente o jovem ou os seus pais e/ou representantes
eram ouvidos; o jovem não tinha a possibilidade de requerer diligências de
prova ou de indicar testemunhas, violando-se assim o princípio do contraditório;
e não lhe era reconhecido o direito de constituir advogado60.
58
Segundo Anabela Rodrigues (1997: 6), “a consagração da finalidade de ‘protecção’ a orientar
a intervenção judicial dos menores nos termos maximalistas em que o faz o nosso direito não é
a solução em geral seguida na Europa”.
59
Estes tribunais também tinham competência em matéria cível, designadamente quanto ao
exercício e regulação do poder paternal.
60
Note-se, todavia, que o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 870/96 (publicado no
Diário da República, I série – A, de 3 de Setembro de 1996), declarou inconstitucional esta
norma do artigo 41.º da OTM com força obrigatória geral, por violar os artigos 20.º, n.º 2, e 18.º,
n.ºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, na parte em que não admite a intervenção
de mandatário judicial fora da fase de recurso. A questão da inconstitucionalidade do artigo 41º.
da OTM já havia sido levantada através dos Acórdãos n.ºs 488/95, de 27 de Setembro, 556/95,
de 17 de Outubro, de 611/95, de 8 de Novembro.
132 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
61
Em Espanha desde 1948, na Bélgica, a partir de 1965, e no Luxemburgo, desde 1971.
Entretanto, no contexto de um movimento de evolução e alteração de algumas legislações em
matéria de juventude e delinquência, alguns destes países alteraram as suas legislações: a
Bélgica, através das Leis de 24 de Dezembro de 1992, de 2 de Fevereiro de 1994 e de 30 de
Junho de 1994, que vieram alterar a anterior Lei de Protecção da Juventude; a Espanha, com a
Lei Orgânica 4/1992, de 5 de Junho, sobre a competência dos julgados dos menores. Também,
no Canadá, a Loi sur les jeunes contrevenents/Young Offenders Act, de 1986; e no Brasil, a Lei
n.º 8 069, de 13 de Julho de 1990, que aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 133
62
Nesta categoria incluíam-se os jovens agentes de crimes, desde que os pais consentissem
na intervenção, e os jovens com idade inferior a 14 anos.
63
Segundo o disposto no artigo 14.º da OTM, “a competência dos tribunais de menores é
extensiva a menores com idade inferior a 12 anos quando: a) os pais ou o representante legal
não aceitem a intervenção tutelar ou reeducativa de instituições oficiais ou oficializadas não
judiciárias; b) as instituições referidas na alínea anterior admitam que o menor agiu com
discernimento na prática de facto qualificado pela lei penal como crime”.
134 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
64
Cf. artigos 36.º n.ºs 5 e 6 da CRP.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 135
65
Segundo Anabela Rodrigues (1997: 367), a OTM depara-se com uma perversão do modelo,
por força da selecção feita dos jovens carecidos de intervenção protectiva: “não os que
cometem factos tipificados pela lei penal como crime, o que pouco interessa para legitimar
essa intervenção; mas os marginais, os carecidos de apoio familiar, os mais desfavorecidos do
ponto de vista sócio-económico”.
136 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
66
A Convenção sobre os Direitos da Criança foi ratificada por Portugal, através do Decreto do
Presidente da República n.º 49/90, de 12 de Setembro.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 137
67
Nos termos do artigo 43.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças, o
Comité “é composto por dez peritos de alta autoridade moral e de reconhecida competência no
domínio abrangido pela Convenção, eleitos por escrutínio secreto de entre uma lista de
candidatos designados por Estados Partes, podendo cada país designar um perito de entre os
seus nacionais”. No entanto, a Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n.º
50/155, de 21 de Dezembro de 1995, adoptou uma emenda àquele normativo, aumentando o
número de membros do Comité de 10 para 18, sob proposta do Governo da Costa Rica.
68
O relatório foi entregue ao Comité dos Direitos da Criança, em 16 de Setembro de 1994, e a
sua discussão ocorreu a 9 e 10 de Novembro de 1995.
69
O regime de então, como já referimos, estava regulamentado na Organização Tutelar de
Menores de 1978, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro.
70
Segundo este artigo, “(…) os Estados Partes garantem que: b) A criança suspeita ou
acusada de ter infringido a lei penal tenha, no mínimo direito às garantias seguintes: i)
presumir-se inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida; ii) a ser
informada pronta e directamente das acusações formuladas contra si ou, se necessário,
através de seus pais ou representantes legais, e beneficiar de assistência jurídica ou de outra
138 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
assistência adequada para a preparação e apresentação da sua defesa; iii) a sua causa ser
examinada sem demora por uma autoridade competente, independente e imparcial ou por um
Tribunal, de forma equitativa nos termos da lei, na presença do seu defensor ou de outrem,
assegurando assistência adequada e, a menos que tal se mostre contrário ao interesse
superior da criança, nomeadamente atendendo à sua idade ou situação, na presença de seus
pais ou representantes legais; iv) a não ser obrigada a testemunhar ou a confessar-se culpada;
a interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter a comparência e o
interrogatório das testemunhas de defesa em condições de igualdade; v) no caso de se
considerar que infringiu a lei penal, a recorrer dessa decisão e das medidas impostas em
sequência desta para uma autoridade superior, competente, independente e imparcial, ou uma
autoridade judicial nos termos da lei; vi) a fazer-se assistir gratuitamente por um intérprete, se
não compreender ou falar a língua utilizada; vii) a ver plenamente respeitada a sua vida privada
em todos os momentos do processo”.
71
Despacho de 13 de Dezembro de 1996 publicado no Diário da República n.º 301, II série, de
30 de Dezembro de 1996.
72
O processo de reforma no sistema judiciário de menores português, justificado em grande
parte pelas orientações presentes na Convenção sobre os Direitos das Crianças, será tratado
de forma autónoma no ponto seguinte.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 139
73
A Comissão para a Reforma do Sistema de Execução das Penas e Medidas. Para mais
informações ver infra.
74
Documento CRC/C/15/Add.162, de 6 de Novembro de 2001.
140 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
75
A intenção de proceder à execução de uma nova política em matéria de Justiça de Menores
já constava do programa do XII Governo Constitucional, tendo, contudo, somente sido dado o
primeiro passo durante o mandato do XIII Governo.
76
Cf. Plano do XIII Governo Constitucional.
77
Despacho publicado no Diário da República, II Série, n.º 35, de 10 de Fevereiro de 1996.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 141
78
Desta Comissão faziam parte a Prof. Doutora Anabela Rodrigues, que presidia, o Juiz
Conselheiro Dr. J. Gonçalves da Costa, o Juiz Desembargador Dr. J. V. Soreto de Barros, o
Procurador-Geral Adjunto Dr. Rui Epifânio, o Dr. Pedro Caeiro, o Dr. António Ganhão e a Dra.
Eliana Gersão.
142 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
Este Relatório é composto por oito secções e uma conclusão que versam
sobre: a) a legitimação, os fins e os pressupostos da intervenção estadual junto
de menores; b) as medidas tutelares educativas; c) processo tutelar educativo;
79
Nas palavras da Comissão: “há que lembrar que o actual modelo de protecção assenta numa
visão paternalista e monolítica do chamado ‘Interesse do menor’ como algo de dado. Assim, à
luz dessa perspectiva, se a intervenção é imposta pelo ‘Interesse do menor’, a oposição do
visado ou de quem o represente não pode prosseguir, logicamente, esse interesse. Desta
forma, a concreta posição do titular do interesse perante a intervenção é pouco relevante, pois
que esta é determinada, precisamente, em atenção ao seu próprio bem” (1999a: 48-49).
80
Cf. Conclusões Gerais do 1.º Relatório da Comissão.
144 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
81
A CRP dispõe no artigo 70.º, n.º 2, que “o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a
criação de condições para a sua efectiva integração na vida activa (…) e o sentido de serviço à
comunidade”.
146 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
82
Despacho conjunto publicado no Diário da República, II série, n.º 262, de 12/11/96.
83
A comissão foi composta pelos Drs. João Pedroso, Maria Cândida Duarte e António Santos
Luís, em representação do Ministério da Solidariedade e Segurança Social, e os Drs. Eliana
Gersão, Gonçalo Melo Breyner e Rosa Clemente, em representação do Ministério da Justiça.
150 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
84
Despacho publicado no Diário da República, II série, n.º 13, de 16/01/98.
85
Esta Comissão foi constituída pela Prof. Doutora Anabela Miranda Rodrigues, que a presidiu,
pelas Dras. Joana Marques Vidal, Eliana Gersão, Manuela Baptista Lopes e Maria Teresa
Rapazote Trigo de Sousa e pelo Dr. António Carlos Rodrigues Duarte Fonseca.
86
A Comissão de Reforma da Legislação de Protecção de Crianças e Jovens em Risco era
composta pelo Prof. Doutor Guilherme Oliveira, pelos Drs. Rui Epifânio, João Pedroso e
António Amaro Rodrigues e pelas Dras. Eliana Gersão, Maria do Rosário Correia de Oliveira,
Maria Carla Fonseca Costa Oliveira e Rosa Clemente. Tinha como objectivo, nos termos do
Despacho Conjunto n.º 524/97, “a elaboração da proposta de lei de protecção das crianças e
jovens em risco”, “a reforma da legislação relativa aos processos tutelares cíveis”, “a reforma
do regime jurídico das comissões de protecção de menores”, “a revisão do enquadramento
legal das famílias de acolhimento e dos lares para crianças e jovens desprovidos de meio
familiar” e “a elaboração do quadro legal de aprovação e implementação de programas e
projectos destinados ao apoio de crianças e jovens em risco”.
87
Despacho publicado no Diário da República, II Série, de 22/12/1997.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 151
88
Resolução publicada no Diário da República, I Série – B, n.º 191, de 19/08/2000.
152 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
Como se referiu, a Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de
14 de Setembro, não entrou imediatamente em vigor, dispondo desse diploma
que o momento da sua entrada em vigor coincidiria com a da legislação que
regulamentasse a criação, organização e competência dos órgãos dos centros
educativos e seu funcionamento, e que aprovasse o regulamento geral e
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 153
disciplinar dos centros educativos89 (cf. artigo 6.º da Lei n.º 166/99, e 144.º, n.º
4, da Lei Tutelar Educativa).
89
O Regulamento Geral e Disciplinar dos Centros Educativos foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º
323-D/2000, de 20 de Dezembro, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2001 (cf. artigo
4.º). Sobre este diploma falaremos mais especificamente adiante.
90
A referida Portaria previa que o Centro Educativo Navarro de Paiva se destinaria, até 31 de
Março de 2001, a acolher, ainda, jovens do sexo feminino em regime fechado (cf. ponto 4.º).
91
Relativamente ao Centro Educativo de São Bernardino, a referida Portaria previa que o
mesmo se destinava a acolher, até ao dia 31 de Março de 2001, também jovens do sexo
masculino em regime semiaberto (cf. ponto 4.º).
154 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
implementadas. Mas, por outro lado, tal Programa ficou aquém do necessário,
como parece resultar dos capítulos seguintes do presente estudo.
Neste sentido, Eliana Gersão (1997: 150) afirma que a Lei Tutelar
Educativa rompeu profundamente, do ponto de vista processual, com o
estabelecido na Organização Tutelar de Menores, que previa um processo
muito desformalizado, privando os jovens de garantias fundamentais, o que era
92
Norberto Martins chama a atenção para a importância do Direito dos Menores, uma vez que
estes são “(...) os verdadeiros actores sociais (...) cuja protecção deve ser sinónimo de
promoção dos seus direitos individuais, económicos e culturais (...)” (2002: 175).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 155
Quanto ao Direito dos Menores, a CRP, no seu artigo 69.º, sob a epígrafe
“Infância”, estabelece que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e
do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra
todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o
exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” (n.º 1);
que “o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou
156 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal” (n.º 2); e que “é
proibido, nos termos da lei o trabalho de menores em idade escolar” (n.º 3)93.
93
Sobre a questão da compatibilização dos direitos constitucionalmente consagrados ver Souto
Moura, 2000: 107 e ss.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 157
94
Na reclassificação dos processos, a lei manda aplicar o disposto no artigo 43.º da LTE,
segundo o qual “em qualquer fase do processo tutelar educativo, nomeadamente em caso de
arquivamento, o Ministério Público: a) participa às autoridades competentes a situação do
menor que careça de protecção social; b) toma as iniciativas processuais que se justificarem
relativamente ao exercício ou ao suprimento do poder paternal; c) requer a aplicação de
medidas de protecção” (n.º 1). Em caso de urgência, as medidas de protecção “podem ser
decretadas provisoriamente no processo tutelar educativo, caducando se não forem
confirmadas em acção própria proposta no prazo de um mês” (n.º 2).
158 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
7. 2. O âmbito de aplicação
95
As medidas tutelares previstas na Organização Tutelar Educativa eram as seguintes:
admoestação; entrega aos pais, tutor ou pessoa encarregada da sua guarda; imposição de
determinadas condutas ou deveres; acompanhamento educativo; colocação em família idónea;
colocação em estabelecimento oficial ou particular de educação; colocação em regime de
aprendizagem ou de trabalho junto de entidade oficial ou particular; submissão a regime de
assistência; colocação em lar de semi-internato; colocação em instituto médico-psicológico;
internamento em estabelecimento de reeducação (artigo 18.º da OTM).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 159
7. 3. As regras de competência
96
Estes jovens são, nos termos do disposto no artigo 19.º do Código Penal, considerados
inimputáveis para efeitos criminais. Os jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 21
anos que pratiquem factos qualificados pela lei penal como crime ficam sujeitos ao regime
especial dos jovens adultos, previsto no Decreto Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
97
Este é o caso, designadamente, do consumo de estupefacientes e de substâncias
psicotrópicas. A LTE previa, no artigo 78.º, n.º 2, o arquivamento liminar se o facto qualificado
como crime fosse de consumo de estupefacientes. No entanto, com a descriminalização
superveniente deste tipo de ilícito, aquela norma deixou de fazer sentido.
98
No âmbito da legislação anterior, as medidas tutelares eram aplicadas a jovens agentes, não
só de algum facto qualificado pela lei como crime, mas também como contravenção (cf. artigo
13.º, al. c), da OTM).
160 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
lei como crime, praticados por menor com idade compreendida entre os 12 e os
16 anos, com vista à aplicação de medida tutelar”; “a execução e a revisão das
medidas tutelares”; e “declarar a cessação ou a extinção das medidas
tutelares” (artigo 28.º, n.º 1, da LTE). Esta competência cessa sempre que ao
jovem for aplicada uma pena de prisão efectiva ou quando o jovem completar
18 anos de idade antes da data da decisão em primeira instância. Nestes caso,
quando já haja um processo a correr, o mesmo é arquivado (cf. artigo 28.º, n.º
2 e 3, da LTE).
Mapa IV.1
Localização dos Tribunais de Família e Menores
Fonte: OPJ
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 161
99
O Mapa IV.1 não contem a representação da competencia territorial dos Tribunais de Família
e Menores do Funchal e de Ponta Delgada por, de momento, não termos tido acesso aos
ficheiros vectoriais cartograficos dos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
100
Com excepção dos tribunais de família e menores de Cascais, com competência nos
círculos judiciais de Cascais e Oeiras; de Faro, com competência no círculo judicial e na
comarca de Loulé; do Funchal, com competência somente na área da respectiva comarca; de
Lisboa, com jurisdição nas comarcas de Amadora e de Lisboa; de Ponta Delgada, com
jurisdição nas comarcas de Lagoa, Ponta Delgada, Ribeira Grande e Vila Franca do Campo; de
Portimão, com competência no círculo judicial e comarca de Albufeira; do Porto, com
competência nas comarcas de Gondomar, Maia, Porto e Valongo; e do Seixal, com
competência para o círculo judicial de Almada (cfr. Mapa VI anexo ao Decreto-Lei n.º 186-A/99,
de 31 de Maio, sucessivamente alterado pelos Decreto-Leis n.ºs 27-B/2000, de 3 de Março,
178/2000, de 9 de Agosto, 332/2000, de 30 de Dezembro, 246-A/2001, de 14 de Setembro,
148/2004, de 21 de Junho, e 219/2004, de 26 de Outubro).
101
No caso de ser desconhecida a residência do jovem, o Tribunal competente é, conforme as
situações,ou o da residência dos titulares do poder paternal, ou da pessoa à guarda de quem o
jovem estiver confiado, ou da pessoa com quem resida. Nas situações em que não seja
possível determinar nenhum daqueles casos, o Tribunal competente é o do local da prática do
facto ou, caso este não esteja determinado, do local onde o jovem for encontrado (cf. artigo
31.º, n.º 2 a 4, da LTE).
162 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
7. 5. As medidas cautelares
O prazo máximo desta medida é de três meses, prorrogável por mais três
meses em casos de especial complexidade, devidamente fundamentados
(artigo 60.º, n.º 1, da LTE). Nos restantes casos, o prazo de duração é de seis
meses até à decisão do Tribunal de primeira instância e de um ano até ao
trânsito em julgado da decisão (artigo 60.º, n.º 2, da LTE).
102
O artigo 18.º do Decreto Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM), consagrava as seguintes
medidas tutelares: admoestação, entrega aos pais, tutor ou pessoa encarregada da sua
guarda; imposição de determinadas condutas ou deveres; acompanhamento educativo;
colocação em família idónea; colocação em estabelecimento oficial ou particular de educação;
colocação em regime de aprendizagem ou de trabalho junto de entidade oficial ou particular;
submissão a regime de assistência; colocação em lar de semi-internato; colocação em instituto
médico-psicológico; internamento em estabelecimento de re-educação.
103
Nas medidas de internamento em regime aberto, os jovens, apesar de residirem e serem
educados dentro do Centro Educativo, frequentam no exterior as actividades previstas no seu
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 165
projecto educativo pessoal. Podem, ainda, ser autorizados a sair dos centros educativos e a
passar períodos de férias ou fins-de-semana com os seus pais ou representante legal (artigo
167.º da LTE).
104
Nas medidas de internamento em regime semiaberto, os jovens, para além de residirem e
serem educados dentro do centro, desenvolvem as suas actividades também dentro do Centro
Educativo. No entanto, podem ser autorizados a desenvolver certas actividades fora do centro,
normalmente acompanhados por pessoal de intervenção educativa. Podem ainda ser
autorizados a passar fins-de-semana e períodos de férias com os seus pais ou representantes
(artigo 168.º da LTE).
105
A medida de internamento em regime fechado exclui, em regra, qualquer possibilidade de
saída do Centro Educativo, com excepção das estritamente necessárias para cumprimento de
obrigações judiciais, para satisfação de necessidades de saúde ou por outros motivos
ponderosos, sempre sob acompanhamento (artigo 169.º da LTE).
106
Esta medida tutelar não institucional pode ser cumulada com outra medida tutelar educativa
(artigo 19.º, n.º 2, da LTE).
166 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
107
Esta instituição não pode ser dependente do Ministério da Justiça.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 169
108
Rui do Carmo Fernando indica, no âmbito do inquérito, algumas diferenças e
especificidades relativamente ao processo penal: a prova; o reforço do princípio da imediação
(nomeadamente através da presença obrigatória do juiz), a cooperação das entidades de
mediação (a elaboração e execução do plano de conduta do jovem), a existência de uma
ampla fase de contraditório (relativamente aos factos e à personalidade do jovem) (2000: 126 e
ss.).
Outro elemento relevante consiste no facto de o processo ser secreto até ao despacho que
designar data para audiência (artigo 41.º).
109
Como diferença fundamental de estrutura entre o processo penal e o processo tutelar
educativo destaca-se, desde logo, a ausência, neste último, da fase facultativa de instrução.
110
Artigo 40.º, n.º 1, al. a), da LTE.
111
Artigo 74.º da LTE.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 171
7. 7. 1. A fase de inquérito
112
Segundo o disposto no artigo 72.º, n.º 4, da LTE, “a denúncia apresentada a órgão de
polícia criminal é transmitida, no mais curto prazo, ao Ministério Público”.
113
Nos termos do artigo 113.º, n.º 1, do Código Penal, considera-se ofendido “o titular dos
interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”.
172 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
114
Segundo o disposto no artigo 75.º, n.º 3, a assistência dos serviços de reinserção social ao
Ministério Público durante a fase de inquérito tem por objecto a realização de informação e
relatório social, que constituem meios de obtenção da prova. Nos termos do artigo 71.º da LTE,
tanto a informação como o relatório social “têm por finalidade auxiliar a autoridade judiciária no
conhecimento da personalidade do jovem, incluída a sua conduta e inserção sócio-económica,
educativa e familiar” (artigo 71.º, n.º 2, da LTE). Aquela é solicitada quer aos serviços de
reinserção social quer a outros serviços públicos ou privados, “devendo ser apresentada no
prazo de 15 dias” (artigo 71.º, n.º 3, da LTE). O relatório social, por outro lado, é solicitado aos
serviços de reinserção social, “devendo ser apresentado no prazo máximo de 30 dias”,
podendo “solicitar-se a sua actualização ou informação complementar e ouvir-se, em
esclarecimentos e sem ajuramentação, os técnicos que o subscreveram” (artigo 71.º, n.º 4, da
LTE).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 173
Como se referiu supra, o processo tutelar educativo não prevê uma fase
semelhante à fase de instrução no processo penal. No entanto, à semelhança
daquele direito adjectivo, prevê a possibilidade de intervenção do superior
hierárquico do Ministério Público, no sentido de, “no prazo de 30 dias contado
da notificação do despacho de arquivamento, determinar o prosseguimento
dos autos, indicando as diligências ou a sequência a observar” (artigo 88.º da
LTE). Como referem Anabela Rodrigues e Duarte-Fonseca “este preceito
introduz um meio de reapreciação hierárquica (...). A hierarquia pode
determinar que as investigações prossigam – indicando as diligências a
efectuar – ou determinar que o Ministério Público formule o requerimento para
abertura da fase jurisdicional” (2000: 204).
115
Antes da descriminalização do consumo, aquisição e detenção de estupefacientes para
consumo próprio operada pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, que entrou em vigor em 1
de Julho de 2001, a LTE previa que se o facto qualificado pela lei como crime fosse de
consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, o Ministério Público deveria arquivar
liminarmente o processo (artigo 78.º, n.º 2, da LTE). Como refere Rui do Carmo Fernando, “o
facto de o consumo, aquisição e detenção para consumo próprio de estupefacientes ou
substâncias psicotrópicas passarem a ser qualificados como contra-ordenação terá como
consequência a derrogação deste preceito da LTE, que apenas se continuará a aplicar no caso
de cultivo para consumo próprio. É que a inexistência do pressuposto prática de facto
qualificado pela lei como crime, deixa de ser legítimo o procedimento tutelar educativo baseado
apenas no perigo do seu cometimento” (2002: 133-134).
176 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
7. 7. 2. A fase jurisdicional
ou seja, quando o facto seja qualificado pela lei como crime punível com pena
de prisão de máximo superior a três anos, está vedado ao Ministério Público
arquivar os autos, devendo requerer a abertura de fase jurisdicional, indicando
no respectivo requerimento “as razões por que se torna desnecessária” a
aplicação de medida tutelar (artigo 90.º, al. e), da LTE). Recebido o
requerimento de abertura da fase jurisdicional, o juiz, caso concorde com a
proposta do Ministério Público no sentido da desnecessidade de aplicação da
medida tutelar, arquiva, pondo, deste modo, termo ao processo (artigo 93.º, n.º
1, alínea b), da LTE).
116
A decisão deve conter obrigatoriamente, sob pena de nulidade, a designação das entidades
a quem é deferida a execução da medida tutelar e o seu acompanhamento (artigo 110.º, n.º 3,
al. b), e 111.º, al. a), da LTE.
180 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
117
Os juízes sociais também são notificados deste despacho, juntamente com o requerimento
de abertura da fase jurisdicional, nos casos em que devam intervir (artigo 116.º, n.º 2, da LTE).
Sobre a intervenção dos juízes sociais no processo tutelar ver infra.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 181
30.º da LTE). Nestes casos, a deliberação é tomada por maioria (artigo 119.º,
n.º 1, da LTE).
FASE DE INQUÉRITO
- Abertura do Inquérito
- Audição do jovem
Suspensão do Requerimento de
Arquivamento Arquivamento
processo abertura de fase
Liminar
jurisdicional
FASE JURISDICIONAL
Aceitação da
Audiência preliminar
proposta do
Ministério Público ou
Prosseguimento dos
autos
Audiência
Decisão final
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 183
118
Rui do Carmo Fernando refere, também, que “a aplicação de uma medida tutelar educativa
tem (…) como pressupostos: a prova da prática de um daqueles factos [qualificados pela lei
como crime]; a necessidade de educação do menor para o direito, subsistente no momento da
decisão; não ter o menor completado 18 anos até à data da decisão em 1ª instância; e,
relativamente a menor com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos, não lhe ter sido
aplicada pena de prisão efectiva em processo penal (arts. 1.º, 7.º, n.º 1, 28.º, n.º 2, 87.º, n.º 1, e
110.º, n.º 2)” (2002: 122-123).
184 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
Nestes casos, quando haja aplicação de mais do que uma medida tutelar
educativa a um jovem, “o Tribunal determina o seu cumprimento simultâneo,
quando entender que as medidas são concretamente compatíveis”, ou, quando
assim não entenda, ouvido o Ministério Público, “substitui todas ou algumas
medidas por outras ou determina o seu cumprimento sucessivo”, não podendo,
no entanto, o tempo de duração total de cumprimento das medidas exceder o
“dobro do tempo de duração da medida mais grave aplicada” (artigo 8.º, n.ºs 1,
2 e 5, da LTE).
7. 7. 3. A fase de recurso
119
Os serviços de reinserção social devem prestar estas informações ao Tribunal num prazo
máximo de 20 dias (artigo 21.º, n.º 2, da LTE).
186 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
120
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência é admitido quando, no domínio da
mesma legislação, forem proferidos dois acórdãos de tribunais superiores que estejam em
oposição. Assim, o fundamento do recurso será, somente, a oposição com acórdão
anteriormente transitado em julgado (artigo 437.º do Código de Processo Penal). O recurso
extraordinário de revisão tem como fundamento a existência de factos ou circunstâncias
supervenientes ao momento da prolação da sentença e do trânsito em julgado, como, por
exemplo, a existência de uma outra sentença que tenha considerado falsos os meios de prova
determinantes para a decisão, que tenha provado crime cometido por juiz ou jurado e
relacionado com o exercício da sua função no processo, a descoberta de factos novos que, de
per si ou combinados com os apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça
da condenação (artigo 449.º do Código de Processo Penal).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 187
121
O legislador fixou o critério a atender para a determinação da hierarquia do grau de
gravidade das medidas tutelares educativas. Assim, segundo o disposto no artigo 133.º, n.º 3 e
4, da LTE, consideram-se, por um lado, mais graves as medidas institucionais relativamente às
não institucionais, sendo que de entre aquelas são mais graves as medidas institucionais com
regime mais restritivo. Por outro lado, a hierarquia entre as medidas não institucionais
estabelece-se pela “ordem crescente da sua enumeração no n.º 1 do artigo 4.º, e relativamente
às modalidades de cada uma, pelo grau de limitação que, em concreto, impliquem na
autonomia de decisão e de condução de vida do menor”.
188 Capítulo IV - O “novo” direito tutelar educativo em Portugal
obrigatoriamente destruído logo que sejam decorridos cinco anos após o jovem
perfazer vinte e um anos de idade(artigo 132.º da LTE).
Por outro lado, as medidas tutelares aplicadas devem, ainda, ser revistas
quando ocorra um outro conjunto de situações, a saber: colocação intencional
por parte do jovem em situação de impossibilidade de cumprimento da medida;
violação, de modo grosseiro ou persistente, pelo jovem dos deveres inerentes
ao cumprimento da medida; ou cometimento pelo jovem com idade superior a
16 anos de infracção criminal (artigo 136.º, n.º 1, al. e) a g) da LTE). Nestes
casos – com excepção do último enunciado –, quando se trate de revisão de
medidas não institucionais, o juiz pode: “advertir solenemente o menor para a
gravidade da sua conduta e para as eventuais consequências daí decorrentes”;
“modificar as condições da execução da medida”; “substituir a medida por outra
mais adequada, igualmente não institucional, mesmo que tal represente para o
menor uma maior limitação na sua autonomia de decisão e de condução da
sua vida”; ou “ordenar o internamento em regime semiaberto, por período de
um a quatro fins-de-semana” (artigo 138.º, n.º 2, da LTE). Quando se trate de
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 191
Assim, o Tribunal deve proceder à sua revisão seis meses após o início da
execução ou a anterior revisão (artigo 137.º, n.º 4, da LTE).
além destes valores, o centro tem o dever de defender a ordem e a paz social
(artigo 1.º, n.º 2, do RGDCE).
Cada Centro Educativo tem, ainda, uma lotação máxima, que será fixada
no acto da sua criação, tendo em conta as condições físicas, os meios
humanos disponíveis, e o regime de execução a que se destina. Assim,
segundo o disposto no artigo 11.º, n.º 2, do RGDCE, as unidades residenciais
de regime aberto não podem exceder os 14 lugares, as de regime semiaberto
12, e as de regime fechado, bem como as unidades especiais, não podem
exceder o número de 10 lugares.
Caso o educando não cumpra os objectivos que lhe foram definidos, pode
regredir dentro do mesmo regime ou ser proposta ao Tribunal a revisão da sua
medida (artigo 12.º, n.º 3, do RGDCE).
Introdução
Secção I
A Lei Tutelar Educativa à luz dos dados oficiais disponíveis
122
http://www.pgr.pt/portugues/grupo_soltas/pub/relatorio/indice.htm, consultado em Julho de
2004.
123
http://www.gplp.mj.pt/estjustica/pdfs/metainf/inqueritos/judiciais/Just%20Tutelar/329.pdf,
consultado em Julho de 2004.
202 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.1
Movimento processual – Inquérito
2001-2002
9321
10000
9000
7526
7316
8000 6996
7000
6000
2001
5000 2002
4000 3021
2826
3000
2000
1000
0
Pendentes em 01/01 Entrados Findos
Em 2001, após a entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa (LTE) - Lei n.º
166/99, de 14 de Setembro - o Ministério Público iniciou 9 321124 processos
tutelares educativos, finalizou 6 996 e tinha pendentes 3 021, dos quais 107
(3,5%) por aplicação da suspensão do processo (artigo 84.º e ss. da LTE).
124
De acordo com os dados da PGR, o MP recebeu, do ano 2000, 302 inquéritos de processos
tutelares educativos. Dado que só em 2001 entrou em vigor a LTE é de supor que, em bom
rigor, aos 9 321 inquéritos entrados se devem somar estes 302 que, se admite, serão,
provavelmente, conversões dos chamados “processos administrativos” em processos tutelares,
o que necessitará de posterior confirmação.
204 Capítulo V - Entre dois olhares
125
Como já referimos no Capítulo I, em Portugal existem alguns programas e associações que
agem no sentido de prevenir a criminalidade juvenil, assumindo, também, o papel de
mediadores sociais e comunitários de determinados conflitos. Podemos referir, a título de
exemplo, três projectos muito diferentes, mas igualmente importantes: a Associação Cultural
Moinho da Juventude, o Programa Escolhas e o Programa Escola Segura (cf. Capítulo I).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 205
Gráfico V.2
Causas de extinção dos inquéritos tutelares educativos
2001-2002
5522
6000
5113
5000
4000
3000
2000 1244
1169
843
631
1000
0
Remessa para tribunal Arquivado Remetido para outro MP
2001 2002
da prática do acto qualificado como crime, por parte das polícias e do Ministério
Público.
Gráfico V.3
Processos tutelares educativos pendentes, entrados e findos
(2001-2002)
7000
6030
6000
4954
5000
4000
2470
3000
1905
1731
1495
2000
1000
0
Entrados Findos Pendentes
2001 2002
126
Note-se que a discrepância entre os dados da PGR relativos aos inquéritos findos por
remessa para fase jurisdicional e os dados do GPLP relativos aos processos tutelares
educativos entrados na fase jurisdicional em 2001 apresentam uma diferença de 136,9% (de
631 para 1 495) e, em 2002, de 48,1% (de 1 169 para 1 731). Haverá, por isso, que analisar,
em detalhe, quais as razões desta discrepância e, se for esse o caso, realizar um esforço de
harmonização destes dados.
208 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.4
Motivos de extinção dos processos tutelares educativos
2001 2002
Arquivamento Liminar Arquivamento Liminar
579 47
12% 2% Arquivamento
Aplicação de Medida 390
1444
20%
29%
Arquivamento
1498
30%
Aplicação de Medida
1071
Remessa para outro 57% Remessa para outro
Tribunal Tribunal
1433 397
29%
21%
Gráfico V.5
Sexo dos jovens
2001 2002
172 136
12% 12%
1227 1001
88% 88%
Nos anos de 2001 e de 2002, de entre os jovens aos quais foi aplicada
uma medida tutelar, é manifesta a prevalência daqueles que, à data do início
da fase jurisdicional do processo tutelar, tinham 14 ou 15 anos (51,8%, em
2001, e 52,1%, em 2002) (Gráfico V.6).
127
Como já referimos no início desta secção, a caracterização dos jovens sujeitos de um
processo tutelar educativo em fase jurisdicional findo em 2001 e em 2002 foi realizada através
dos dados recolhidos pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da
Justiça, com base no boletim de notação estatística para o processo tutelar educativo (Modelo
329). Conforme já referimos, este boletim, contudo, é apenas preenchido “para os processos
findos com aplicação de medida”, sendo que relativamente ao mapa do movimento mensal de
processos tutelares educativos, modelo 228/GPLPMJ/DSEJ, “apenas os processos findos com
aplicação de medida (1ª medida ou revisão de medida aplicada – colunas 9 e 10 do quadro III
do mapa modelo nº 228/GPLPMJ/DSEJ) determinam o preenchimento do boletim para
processos tutelares educativos”. Assim, dos 4 954 processos tutelares educativos findos em
2001, as bases de dados do GPLP correspondentes ao Modelo 329 apenas contêm a
caracterização de 1 387 processos, a que correspondem 1 399 sujeitos processuais. Em 2002
a discrepância é já menor. Dos 1 905 processos dados como findos na base de dados
referente ao movimento processual é possível fazer a caracterização de 1 034 processos
findos em 2002 a que correspondem 1 137 sujeitos processuais.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 211
Gráfico V.6
Idade dos jovens
(2001-2002)
35,0
31,3
29,0
30,0
25,0 22,8
20,8
15,6
14,1
15,0
11,2
9,2
10,0
6,5
3,7
5,0
0,0
12 13 14 15 16 17 ou mais
2001 2002
Como se pode ver pelo Gráfico, o peso relativo dos jovens que à data do
início da fase jurisdicional do processo tutelar tinham 12 ou 13 anos é ainda
relevante (em média, cerca de 28%) embora, num ano, diminua 10% (de
33,3%, em 2001, para 23,3%, em 2002).
128
A LTE aplica-se também aos menores de 18 anos à data da decisão em primeira instância,
desde que os factos classificados como crime tenham sido cometidos antes de completar os 16
anos (artigo 28.º da LTE).
212 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.7
Nacionalidade dos jovens
(2001-2002)
97,6 97,0
100,0
90,0
80,0
70,0
60,0
Portuguesa
50,0 Estrangeira
40,0
30,0
20,0
2,4 3,0
10,0
0,0
2001 2002
Gráfico V.8
Situação dos jovens
(2001-2002)
83,6
90,0 81,6
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0 9,5
7,4
4,5 3,1 4,8
1,5 2,4 1,7
10,0
0,0
2001 2002
129
Cf. alínea h) das instruções de preenchimento do boletim de notação estatística referente à
caracterização dos processos tutelares educativos findos (Modelo 329): “Preencher reportando
a informação à data do início do processo”.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 215
tutelar nos anos de 2001 e 2002, a residência da grande maioria dos jovens
delinquentes situava-se no litoral do país (73,4%) (Quadro V.1).
Quadro V.1
Residência dos jovens
(2001-2002)
Porto 236 17,5 17,5 234 20,8 20,8 470 19,0 19,0
Lisboa 218 16,2 33,7 249 22,2 43,0 467 18,9 37,9
Setúbal 107 7,9 41,6 76 6,8 49,8 183 7,4 45,3
Faro 103 7,6 49,3 67 6,0 55,7 170 6,9 52,2
Braga 96 7,1 56,4 66 5,9 61,6 162 6,6 58,8
Aveiro 97 7,2 63,6 52 4,6 66,3 149 6,0 64,8
Coimbra 43 3,2 66,8 67 6,0 72,2 110 4,5 69,2
Leiria 70 5,2 72,0 33 2,9 75,2 103 4,2 73,4
Funchal 39 2,9 74,9 63 5,6 80,8 102 4,1 77,5
Ponta Delgada 55 4,1 78,9 15 1,3 82,1 70 2,8 80,4
Outros 284 21,1 100,0 201 17,9 100,0 485 19,6 100,0
Total Geral 1348 100 1123 18 2471 20
N.a. ou n.e. 51 14 65
Dos jovens julgados em processo tutelar educativo findo e aos quais foi
aplicada uma medida tutelar, em 2001 ou 2002, residentes em Lisboa, a maior
percentagem (29,6%) residia no concelho de Lisboa, 12,6% em Loures, 11,4%
na Amadora e 10,5% em Cascais. No que se refere ao distrito do Porto, 33,8%
residia no concelho do Porto, 14% em Matosinhos e 8,7% em Vila Nova de
Gaia.
216 Capítulo V - Entre dois olhares
Quadro V.2
Residência das crianças e jovens – Distritos de Lisboa e Porto
(2001-2002)
130
Consideramos criminalidade juvenil registada como o número de jovens aos quais, sendo
sujeitos de um processo tutelar educativo, foi aplicada uma medida tutelar educativa.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 217
Gráfico V.9
Grau de instrução dos jovens
2001 2002
Sabe ler Não sabe ler, nem escrever
38 13 Não sabe ler, nem escrever
Sabe ler 15
3% 1%
47 1%
4%
Ensino Secundário
329
24% Ensino Secundário
295
26%
131
É possível ainda que, embora sejam resolvidos por recurso ao Tribunal, devido às normas
de preenchimento dos boletins Modelo 329, por findarem sem a aplicação de uma medida
tutelar educativa esses processos não figurem nas estatísticas oficiais de caracterização de
processos tutelares findos.
218 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.10
Condição perante o trabalho dos jovens
(2001-2002)
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
A estudar A trabalhar e a estudar A trabalhar Outras, ignoradas ou n.e.
2001 2002
132
Cf. artigo 74.º da LTE.
220 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.11
Mobilizadores do processo tutelar educativo
(2001-2002)
60,0
50,0
40,0
30,0
20,4
20,0 17,4
10,4
10,0 7,9
6,0
2,9
1,4 1,6
0,0
Partic. de autoridade Partic. de outras Partic. de outra pessoa Partic. da CP de Partic. dos pais ou de
policial entidades Menores familiares
2001 2002
133
Cf. infra, secção II, em relação aos dados recolhidos pelo Observatório Permanente da
Justiça Portuguesa no estudo efectuado nos tribunais de família e menores de Lisboa e de
Coimbra.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 221
Gráfico V.12
Processos suspensos pelo Ministério Público que chegaram à fase jurisdicional
2001 2002
93
68
1306
1069
3. 3. A mediação
Gráfico V.13
Recurso à mediação
(2001-2002)
100% 3,7
6,9
90%
80%
96,3
70%
93,1
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
2001
2002
Não Sim
Gráfico V.14
Perícias sobre a personalidade do menor
(2001-2002)
988
1000
863
900
800
700
600
500
400
300 176
124
200
100
0
2001 2002
134
Os artigos 68.º e 69.º da LTE definem o regime dos exames e das perícias, referindo que as
perícias sobre a personalidade do menor são ordenadas pelo juiz aos serviços do instituto de
reinserção social “quando for de aplicar medida de internamento em regime fechado”.
224 Capítulo V - Entre dois olhares
135
Embora o boletim (Modelo 329) permita o preenchimento múltiplo da variável “medida
aplicada”, a diferença entre medidas aplicadas, revisões de medida em que aquela foi
substituída e o número de jovens não é relevante para a análise em questão.
136
Embora não existam dados oficiais podemos questionar se, para os processos tutelares
educativos findos por outro motivo que não a aplicação de medida tutelar, também são pedidas
perícias sobre a personalidade e se o seu número é, também, tão relevante como para os
casos em que é aplicada uma admoestação.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 225
Quadro V.3
Factos qualificados como crime – 10 tipos mais representativos
(2001-2002)
137
O agrupamento dos tipos de crime foi realizado tendo em atenção a sistematização do
Código Penal, individualizando-se o crime de condução sem habilitação legal devido ao seu
peso relativo.
226 Capítulo V - Entre dois olhares
tutelar educativo findou em 2001 ou 2002, podemos referir que três categorias
englobam, em média, cerca de 87% da criminalidade juvenil: crimes contra a
propriedade (67,8%), crimes contra a integridade física (9,7%) e crime de
condução sem habilitação legal (9,2%).
Quadro V.4
Factos qualificados como crime agrupado
(2001-2002)
Quadro V.5
Factos qualificados como crime por sexo
(2001-2002)
Masculino
2001 2002 TOTAL
Tipo de Crime
Nº % Nº % Nº %
Furto simples e qualificado 607 49,5 480 48,0 1087 46,6
Dano simples e qualificado 165 13,4 64 6,4 229 10,7
Condução sem habilitação legal 127 10,4 87 8,7 214 10,0
Ofensa à integridade fisica simples e privilegiada 115 9,4 79 7,9 194 9,1
Roubo ou violência depois da subtracção 52 4,2 130 13,0 182 8,5
Outros crimes 161 13,1 161 16,1 322 15,1
Total 1227 100 1001 100 2228 100
Feminino
2001 2002 TOTAL
Tipo de Crime
Nº % Nº % Nº %
Furto simples e qualificado 87 50,6 65 47,8 152 49,4
Ofensa à integridade fisica simples e privilegiada 25 14,5 16 11,8 41 13,3
Roubo ou violência depois da subtracção 1 0,6 24 17,6 25 8,1
Dano simples e qualificado 17 9,9 3 2,2 20 6,5
Condução sem habilitação legal 14 8,1 6 4,4 20 6,5
Outros crimes 28 16,3 22 16,2 50 16,2
Total 172 100 136 100 308 100
Total Geral 1399 1137 2536
Quadro V.6
Cinco tipos de factos qualificados como crime por idade
(2001-2002)
Como se pode ver no Quadro V.7, cerca de 24% dos processos tutelares
educativos em que foi aplicada uma medida tutelar e que findaram em 2001 ou
2002 demoraram, desde o início da fase jurisdicional até à aplicação da
230 Capítulo V - Entre dois olhares
Quadro V.7
Duração dos processos tutelares
(2001-2002)
138
Seria interessante analisar, embora não disponhamos de dados oficiais a esse respeito qual
a duração do processo tutelar educativo desde o início do inquérito até à decisão em primeira
instância, dado que é esse o tempo em que o jovem está em contacto com o sistema de justiça
sem que a sua situação se encontre resolvida (cf. infra secção II).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 231
Gráfico V.15
Casos de aplicação e de revisão da medida aplicada
2001 2002
Aplicação simples de
medida(s) Aplicação simples de
1015 medida(s)
73% 862
76%
Quadro V.8
Revisão da medida aplicada
(2001-2002)
139
Cf. Capítulo IV.
140
Cf. artigo 6.º da LTE.
141
Cf. artigos 19.º e 16.º n.º 2 da LTE. A OTM consagrava a aplicação isolada ou cumulativa
das medidas tutelares previstas no seu artigo 18.º.
234 Capítulo V - Entre dois olhares
Quadro V.9
Medidas tutelares aplicadas
(2001-2002)
142
De 2001 para 2002, a aplicação da medida tutelar de acompanhamento educativo cresceu
1%, a frequência de programas formativos, 2%, a imposição de regras de conduta, a imposição
de obrigações, 2,9%, a realização de prestações económicas e a prestação de trabalho a favor
da comunidade, 1,8%, a reparação ao ofendido, 1,1% e o internamento em Centro Educativo,
1,7%.
143
Como se referiu no ponto 3.5, registou-se um aumento muito significativo dos factos
qualificados como crime de roubo.
144
A audiência preliminar ocorre quando tiver sido solicitada a aplicação de uma medida não
institucional, e “a natureza e gravidade dos factos, a urgência do caso ou a medida proposta
justificarem tratamento abreviado” (artigo 93.º n.º 1, alínea c) da LTE).
236 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.16
Medidas aplicadas na audiência preliminar e na audiência de julgamento
(2001)
Audiência
Audiência preliminar - Por
19%
decisão do juíz (Sem
consenso)
2%
Gráfico V.17
Medidas aplicadas na audiência preliminar e na audiência de julgamento
(2002)
Audiência preliminar - Por
decisão do juíz (Sem Audiência
consenso) 16%
1%
145
Cf. artigo 104.º da LTE.
238 Capítulo V - Entre dois olhares
terá, por certo, consequências positivas, não só na eficácia das decisões, mas
também na celeridade processual.
Considerando o sexo dos jovens aos quais foi aplicada uma medida
tutelar em processo tutelar educativo findo em 2001 ou 2002, constatamos que
há duas grandes diferenças (cf. Quadro V.10).
Quadro V.10
Medidas aplicadas a jovens por sexo
(2001-2002)
Masculino
2001 2002 TOTAL
Medidas Aplicadas
Nº % Nº % Nº %
Admoestação 715 55,0 390 35,4 1105 46,0
Acompanhamento educativo 319 24,5 283 25,7 602 25,1
em regime semiaberto 33 2,5 46 4,2 79 3,3
em regime fechado 26 2,0 35 3,2 61 2,5
Internamento em em regime aberto 24 1,8 33 3,0 57 2,4
centro educativo em regime semiaberto em fim
23 1,8 17 1,5 40 1,7
de semana
Total 106 8,1 131 11,9 237 9,9
Frequência de programas formativos 39 3,0 79 7,2 118 4,9
Imposição de regras de conduta 32 2,5 46 4,2 78 3,2
Realização de prestações económicas ou de
15 1,2 59 5,4 74 3,1
trabalho a favor da comunidade
Imposição de obrigações 14 1,1 60 5,4 74 3,1
Reparação ao ofendido 20 1,5 42 3,8 62 2,6
Privação do direito de conduzir 2 0,2 6 0,5 8 0,3
Medidas da OTM 39 3,0 6 0,5 45 1,9
Total 1301 100 1102 100 2403 100
Feminino
2001 2002 TOTAL
Medidas Aplicadas
Nº % Nº % Nº %
Admoestação 99 55,6 54 32,7 153 44,6
Acompanhamento educativo 49 27,5 61 37,0 110 32,1
em regime semiaberto 1 0,6 6 3,6 7 2,0
em regime fechado 1 0,6 6 3,6 7 2,0
Internamento em em regime semiaberto em fim
4 2,2 1 0,6 5 1,5
centro educativo de semana
em regime aberto 2 1,1 1 0,6 3 0,9
Total 8 4,5 14 8,5 22 6,4
Frequência de programas formativos 4 2,2 12 7,3 16 4,7
Imposição de regras de conduta 3 1,7 8 4,8 11 3,2
Reparação ao ofendido 2 1,1 7 4,2 9 2,6
Imposição de obrigações 2 1,1 7 4,2 9 2,6
Realização de prestações económicas ou de
0 0,0 2 1,2 2 0,6
trabalho a favor da comunidade
Medidas da OTM 11 6,2 0 0,0 11 3,2
Total 178 100 165 100 343 100
Total Geral 1479 100,0 1267 100,0 2746 100,0
Quadro V.11
Medidas aplicadas a jovens por idade
(2001-2002)
2001
12 13 14 15 16 17 ou + Total
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Admoestação 117 51,8 144 53,3 189 56,3 238 55,7 95 57,2 31 57,4 814 55,0
Acompanhamento educativo 48 21,2 77 28,5 87 25,9 107 25,1 33 19,9 16 29,6 368 24,9
Internamento em centro educativo 31 13,7 24 8,9 18 5,4 27 6,3 11 6,6 3 5,6 114 7,7
Frequência de programas formativos 7 3,1 10 3,7 5 1,5 15 3,5 6 3,6 0 0,0 43 2,9
Imposição de regras de conduta 4 1,8 8 3,0 8 2,4 9 2,1 5 3,0 1 1,9 35 2,4
Reparação ao ofendido 4 1,8 1 0,4 5 1,5 9 2,1 3 1,8 0 0,0 22 1,5
Imposição de obrigações 4 1,8 1 0,4 6 1,8 3 0,7 2 1,2 0 0,0 16 1,1
Realização de prestações económicas ou
1 0,4 2 0,7 5 1,5 6 1,4 1 0,6 0 0,0 15 1,0
de tarefas a favor da comunidade
Privação do direito de conduzir 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 2 1,2 0 0,0 2 0,1
Medidas da OTM 10 4,4 3 1,1 13 3,9 13 3,0 8 4,8 3 5,6 50 3,4
Total 226 100,0 270 100,0 336 100,0 427 100,0 166 100,0 54 100,0 1479 100,0
2002
12 13 14 15 16 17 ou + Total
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Admoestação 45 38,8 48 26,8 98 38,0 148 37,2 75 32,3 30 35,7 444 35,0
Acompanhamento educativo 38 32,8 53 29,6 69 26,7 100 25,1 63 27,2 21 25,0 344 27,2
Internamento em centro educativo 7 6,0 24 13,4 28 10,9 49 12,3 29 12,5 8 9,5 145 11,4
Frequência de programas formativos 7 6,0 13 7,3 13 5,0 27 6,8 22 9,5 9 10,7 91 7,2
Imposição de obrigações 4 3,4 18 10,1 9 3,5 20 5,0 11 4,7 5 6,0 67 5,3
Realização de prestações económicas ou
4 3,4 7 3,9 11 4,3 18 4,5 15 6,5 6 7,1 61 4,8
de tarefas a favor da comunidade
Imposição de regras de conduta 7 6,0 8 4,5 11 4,3 13 3,3 11 4,7 4 4,8 54 4,3
Reparação ao ofendido 4 3,4 7 3,9 17 6,6 16 4,0 4 1,7 1 1,2 49 3,9
Privação do direito de conduzir 0 0,0 0 0,0 0 0,0 5 1,3 1 0,4 0 0,0 6 0,5
Medidas da OTM 0 0,0 1 0,6 2 0,8 2 0,5 1 0,4 0 0,0 6 0,5
Total 116 100,0 179 100,0 258 100,0 398 100,0 232 100,0 84 100,0 1267 100,0
Quadro V.12
Regimes de internamento aplicados a jovens por idade
(2001-2002)
2001
12 13 14 15 16 17 ou + Total
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
em regime semiaberto 11 35,5 6 25,0 7 38,9 7 25,9 3 27,3 0 0,0 34 29,8
em regime fechado 5 16,1 5 20,8 3 16,7 9 33,3 3 27,3 2 66,7 27 23,7
Internamento em em regime aberto 5 16,1 6 25,0 3 16,7 7 25,9 4 36,4 1 33,3 26 22,8
centro educativo em regime semiaberto
10 32,3 7 29,2 5 27,8 4 14,8 1 9,1 0 0,0 27 23,7
em fim de semana
Total 31 100,0 24 100,0 18 100,0 27 100,0 11 100,0 3 100,0 114 100,0
2002
12 13 14 15 16 17 ou + Total
Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
em regime semiaberto 1 14,3 12 50,0 11 39,3 14 28,6 12 41,4 2 25,0 52 35,9
em regime fechado 2 28,6 4 16,7 9 32,1 14 28,6 8 27,6 4 50,0 41 28,3
Internamento em em regime aberto 3 42,9 4 16,7 6 21,4 14 28,6 6 20,7 1 12,5 34 23,4
centro educativo em regime semiaberto
1 14,3 4 16,7 2 7,1 7 14,3 3 10,3 1 12,5 18 12,4
em fim de semana
Total 7 100,0 24 100,0 28 100,0 49 100,0 29 100,0 8 100,0 145 100,0
Quadro V.13
Medidas aplicadas considerando os cinco tipos de factos qualificados como crime mais
representativos
(2001-2002)
Secção II
Os tribunais de família e menores de Lisboa e Coimbra: duas
realidades de uma mesma justiça?
1. Os jovens
Gráfico V.18
Idade dos jovens
34,7 34,4
35,0
32,0
30,0
25,3
25,0
21,6
21,3
20,0
16,0
15,0
9,7
10,0
5,0
1,3 1,2 1,3
0,0 0,8 0,4
0,0
10 11 12 13 14 15 16
Gráfico V.19
Nacionalidade dos jovens
98,7
100,0
90,0 78,7
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
21,3
30,0
20,0 1,3
10,0
0,0
Portuguesa Estrangeira
146
De acordo com um estudo do Observatório da Imigração, de 2003, de Maria João Valente
Rosa, Hugo Seabra e Tiago Santos, “a população de nacionalidade estrangeira equivale a
2,2% (Censo de 2001) do total de residentes em Portugal” (Rosa, Seabra e Santos, 2003:48).
248 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.20
Situação dos jovens
80,0 73,2
70,7
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
18,7
17,2
20,0
10,7
6,8
10,0
0,0 1,6 0,0 1,2
0,0
a viver com pai e/ou internado em a viver com outro abandonado a viver com outra
mãe instituição familiar pessoa
Gráfico V.21
Grau de instrução dos jovens
50,0 46,2
45,0
38,7
40,0
35,0
28,0
30,0 26,7
25,3
25,0
20,0
12,2
15,0 11,1
8,0
10,0
0,0
ensino básico (1.º ensino básico (2.º ensino básico (3.º outro ou não sabe ler nem ensino recorrente
ciclo) ciclo - 5.º e 6.º ciclo - 7.º 8.º e 9.º desconhecido escrever
anos) anos)
Quadro V.14
Grau de instrução dos jovens por idade
COIMBRA
Idade 12 13 14 15 Total
Grau de instrução Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
não sabe ler nem escrever 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0,0 0,0
ensino básico (1.º ciclo) 4 25,0 4 33,3 3 11,5 8 42,1 19,0 25,3
ensino básico (2.º ciclo - 5.º e 6.º anos) 7 43,8 4 33,3 11 42,3 7 36,8 29,0 38,7
ensino básico (3.º ciclo - 7.º 8.º e 9.º anos) 3 18,8 4 33,3 11 42,3 3 15,8 21,0 28,0
Idade 12 13 14 15 Total
Grau de instrução Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Menores com grau de instrução adequado à idade 10 62,5 4 33,3 11 42,3 3 15,8 28,0 38,4
Menores com grau de instrução não adequado à idade 6 37,5 8 66,7 15 57,7 16 84,2 45,0 61,6
LISBOA
Idade 12 13 14 15 Total
Grau de instrução Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
não sabe ler nem escrever 0 0,0 1 1,8 2 2,4 2 2,2 5 1,9
ensino básico (2.º ciclo - 5.º e 6.º anos) 9 36,0 23 41,1 41 49,4 47 52,8 120 46,7
ensino básico (3.º ciclo - 7.º 8.º e 9.º anos) 0 0,0 5 8,9 13 15,7 14 15,7 32 12,4
Idade 12 13 14 15 Total
Grau de instrução Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
Menores com grau de instrução adequado à idade 9 36,0 5 8,9 13 15,7 14 15,7 41 16,2
Menores com grau de instrução não adequado à idade 16 64,0 51 91,1 70 84,3 75 84,3 212 83,8
Como se pode ver pelo Quadro V.14, dos jovens da nossa amostra, com
idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos, um número significativo não
tinha ou frequentava o grau de instrução adequado à sua idade. Esta
percentagem é menor no Tribunal de Família e Menores de Coimbra.
Gráfico V.22
Condição perante o trabalho dos jovens
80,0 73,3
67,6
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,6
17,3
20,0
9,5
5,3
10,0 4,0
1,9
0,0 0,4
0,0
a estudar sem ocupação desconhecida a trabalhar a estudar e trabalhar
Quadro V.15
Idade dos jovens por condição perante o trabalho
COIMBRA
Idade 10 11 12 13 14 15 16 Total
a estudar e trabalhar 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0
sem ocupação 0 0,0 0 0,0 2 12,5 2 16,7 1 3,8 7 36,8 1 100,0 13 17,3
LISBOA
Idade 10 11 12 13 14 15 16 Total
a estudar 1 50,0 1 33,3 21 84,0 40 71,4 56 67,5 57 64,0 1 100,0 177 68,3
a estudar e trabalhar 0 0,0 0 0,0 0 0,0 0 0,0 1 1,2 0 0,0 0 0,0 1 0,4
sem ocupação 0 0,0 1 33,3 2 8,0 11 19,6 21 25,3 19 21,3 0 0,0 54 20,8
Total 2 100,0 3 100,0 25 100,0 56 100,0 83 100,0 89 100,0 1 100,0 259 100,0
De notar, contudo, que uma percentagem significativa dos jovens nos dois
tribunais (17,3% em Coimbra), mas, em especial, no Tribunal de Família e
Menores de Lisboa (20,8%, em Lisboa), embora em idade escolar,
encontrava-se desocupada. Esta diferença é, também, provavelmente,
indiciadora de uma das causas da divergência do grau de instrução entre os
jovens do Tribunal de Coimbra e do Tribunal de Lisboa. Neste Tribunal
regista-se uma percentagem mais elevada de jovens sujeitos de processos
tutelares educativos que tinham entre os 13 (19,6%) e os 14 (25,3%) anos e
que se encontrava desocupada, do que no Tribunal de Coimbra, 16,7% e 3,8%,
respectivamente.
1. 4. Processos anteriores
Gráfico V.23
Processos tutelares educativos e/ou de promoção e protecção anteriores
45
45 40
40 35
35 31
30
25
16 16
20
13
15
10
4
0
Coimbra Lisboa
com PPP & PTE com PPP com PTE sem PPP ou PTE
Gráfico V.24
Mobilizadores do processo tutelar educativo
60,0
53,0
50,0
41,3
37,3
40,0 35,2
30,0
20,0 16,0
0,0
polícias ofendido denúncia feita por escola outro pais
mais de uma
entidade/pessoa
147
Os crimes públicos são aqueles em que “a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura
de um inquérito" (artigo 262.º n.º 2 do Código de Processo Penal) ao contrário dos crimes
vulgarmente designados por semi-públicos e particulares em que o exercício da acção penal
está dependente de queixa para os primeiros e de acusação particular para os segundos.
148
Cf. artigo 45.º e 46.º da Lei Tutelar Educativa, em especial, os n.ºs 4 “O defensor é
advogado ou, quando não seja possível, advogado estagiário” e 5 “A nomeação de defensor
deve recair preferencialmente entre advogados com formação especializada, segundo lista a
elaborar pela Ordem dos Advogados”.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 257
Gráfico V.25
A escolha de Advogado
100%
90%
80%
70%
60%
97,2 97,5
50%
40%
30%
20%
10%
2,8 2,5
0%
Coimbra Lisboa
Constituído Oficioso
Gráfico V.26
Quem defende o jovem: Advogado estagiário ou Advogado?
69,4
70,0 58,5
60,0
41,5
50,0
30,6
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
Coimbra Lisboa
Estagiário Advogado
Gráfico V.27
Número de factos qualificados como crime, relativo a cada jovem, constante nos
requerimentos de abertura da fase jurisdicional
Coimbra Lisboa
5 ou +
4 2,7 5 ou +
2,7 9,9
3
2,7
4
4,7
2
12,2
3
10,7
1
60,5
2
14,2
1
79,7
Como resulta do Gráfico, dos jovens da nossa amostra que foram sujeitos
de um processo tutelar educativo que chegou à fase jurisdicional no Tribunal de
Família e Menores de Lisboa, 40% foram indiciados, no requerimento de
abertura da fase jurisdicional, pela prática de mais do que um facto qualificado
como crime relevante para o processo em causa; enquanto que no Tribunal de
Família e Menores de Coimbra essa percentagem foi apenas de 20%. É de
notar que, em Lisboa, uma percentagem ainda significativa de jovens (10%) foi
indiciada, no requerimento de abertura da fase jurisdicional, pela prática de
cinco ou mais factos qualificados como crime, havendo mesmo 5 jovens que
foram foram indiciados, no requerimento de abertura da fase jurisdicional, pela
prática de 10, 11, 12, 16 e 20 factos qualificados como crime, respectivamente.
Para uma análise mais fina desta situação, dividimos a nossa amostra de
cada Tribunal em jovens indiciados, no requerimento de abertura da fase
jurisdicional, pela prática de apenas por um ou dois factos qualificados como
crime (facto ocasional) e em jovens indiciados, no requerimento de abertura da
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 261
Gráfico V.28
Percentagem de factos ocasionais ou de factos plúrimos por jovem
91,9
100,0
90,0 74,7
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0 25,3
30,0
8,1
20,0
10,0
0,0
Coimbra Lisboa
ocasional plúrimos
Gráfico V.29
Factos ocasionais ou plúrimos por grau de escolaridade
Coimbra
93,1 95,2
100,0 89,5
90,0
80,0
70,0
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0 10,5
6,9
4,8
10,0
0,0
primeiro ciclo segundo ciclo terceiro ciclo
Gráfico V.30
Factos ocasionais ou plúrimos por grau de escolaridade
Lisboa
70,0
60,0
50,0
40,0
26,7
26,5 25,0
30,0
20,0
10,0
0,0
primeiro ciclo segundo ciclo terceiro ciclo
Quadro V.16
Factos qualificados como crime
Nº % Nº %
149
Na categoria dos “crimes contra as pessoas” considerámos os factos qualificados como
crimes de ofensa à integridade física simples e privilegiada, ofensa à integridade física grave,
agravada e qualificada, ameaça ou coacção, sequestro, rapto e tomada de reféns, violação
simples e agravada, injúria e violação de domicílio e introdução em lugar vedado ao público. Na
categoria “crimes contra o património sem violência”, englobámos os factos qualificados como
crimes de furto, furto qualificado, furto de uso de veículo, apropriação ilegítima em caso de
acessão ou de coisa achada, dano simples e qualificado, burla simples e qualificada e
receptação ou auxilio material ao criminoso. Na categoria de “crimes contra o património com
violência”, incluímos os factos qualificados como crimes de roubo ou violência depois da
subtracção. Na categoria dos “crimes contra a sociedade” incluímos os factos qualificados
como crimes contra os sentimentos religiosos e o respeito devido aos mortos; como crimes de
falsificação de documentos ou de notação técnica, sua danificação ou subtracção e atestados
falsos; de contrafacção de moeda ou titulo de crédito, depreciação do seu valor, passagem e
aquisição de moeda falsa; de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas;
de substâncias explosivas ou análogas e armas; de condução perigosa de veículo rodoviário
simples e agravada; de tráfico e actividades ilícitas, simples ou agravado e de tráfico de
quantidades diminutas, de menor gravidade ou tráfico-consumo; e, por fim, os factos
qualificados como crimes de condução sem habilitação legal. Na categoria de “crimes contra o
Estado” englobámos os factos qualificados como crimes de resistência e coacção sobre
funcionário e de falsidade de depoimento, declaração, testemunho, perícia, interpretação ou
tradução. Na categoria “outros crimes” incluímos apenas os factos qualificados como “crimes
fiscais e aduaneiros”.
266 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.31
Factos qualificados como crime agrupado
Coimbra Lisboa
Devido à grande maioria dos jovens ser do sexo masculino, não há, em
relação a estes, diferenças significativas em relação à percentagem total dos
factos qualificados como crime em cada Tribunal.
Gráfico V.32
Factos qualificados como crime por grau de escolaridade150
Coimbra
100% 8,3
19,4 17,9
80%
60%
79,2
64,5 66,7
40%
20% 5,1
12,9
10,3 12,5
3,2
0%
primeiro ciclo segundo ciclo terceiro ciclo
150
Analisamos apenas os jovens que tinham ou frequentavam o ensino básico (primeiro,
segundo e terceiro ciclo) porque só em relação a esses temos um número adequado de jovens
em ambos os tribunais para que possamos comparar os dados.
268 Capítulo V - Entre dois olhares
Gráfico V.33
Factos qualificados como crime por grau de escolaridade151
Lisboa
35,6
60%
58,3
40% 55,5
37,3
20%
19,6
8,2 6,8
0%
primeiro ciclo segundo ciclo terceiro ciclo
crimes contra as pessoas crimes contra o património (com violência)
crimes contra o património (sem violência) crimes contra a vida em sociedade
crimes contra o estado
151
Cf. nota anterior.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 269
Gráfico V.34
Factos qualificados como crime por jovem com processo de promoção e protecção e/ou
outro processo tutelar educativo anterior
Coimbra
80,0 77,8
73,8
70,0
57,1
60,0
50,0
42,9
40,0
40,0
30,0
30,0
20,0
20,0
11,9
11,1 10,0
7,1 7,1 8,3
10,0
2,8
0,0 0,0 0,0 0,00,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
0,0
crimes contra as crimes contra o crimes contra o crimes contra a crimes contra o outros crimes
pessoas património (com património (sem vida em estado
violência) violência) sociedade
com PPP & PTE com PPP com PTE sem PPP ou PTE
Gráfico V.35
Factos qualificados como crime por jovem com processo de promoção e protecção e/ou
outro processo tutelar educativo anterior
Lisboa
70,0
60,5
60,0 55,3
50,0 47,1
40,0
29,9
27,3 27,3 27,3
30,0 25,8 25,6
18,1 18,2
20,0
8,4
10,0 6,6 7,8 7,0
6,2
0,6 0,00,8 0,0 0,0 0,4 0,0
0,0
0,0
crimes contra as crimes contra o crimes contra o crimes contra a crimes contra o outros crimes
pessoas património (com património (sem vida em estado
violência) violência) sociedade
com PPP & PTE com PPP com PTE sem PPP ou PTE
152
Durante a recolha de dados nos tribunais de família e menores de Coimbra e de Lisboa,
deparámo-nos com algumas lacunas referentes às datas da audiência em que é decidido o
processo, assim como às datas da comunicação ao IRS da medida tutelar aplicada. Desta
forma, utilizámos as datas da audiência, quando existentes, e as datas da comunicação ao
IRS, quando aquelas não existiam.
272 Capítulo V - Entre dois olhares
Quadro V.17
Duração dos processos tutelares educativos
Nº % Nº %
Quadro V.18
Duração dos processos tutelares educativos
Nº % Nº % Nº % Nº %
Nº % Nº %
Como podemos ver pelo Quadro V.18, o tempo que medeia entre a
prática do facto e a abertura do processo é, na grande maioria dos casos,
inferior ou igual a três meses e, em cerca de metade, inferior a um mês. Esta
situação estará relacionada com as circunstâncias do cometimento do facto,
muitas vezes em flagrante delito, e com o exercício do direito de queixa, que
pode ser mais ou menos tardio.
153
Cf. nota de rodapé anterior.
274 Capítulo V - Entre dois olhares
Quadro V.19
Medidas tutelares aplicadas
Nº % Nº %
Como se pode ver pelo Quadro, há uma grande diferença entre o peso
relativo das medidas tutelares educativas aplicadas aos jovens sujeitos de um
processo tutelar educativo no Tribunal de Família e Menores de Coimbra e de
Lisboa. Essa diferença, resulta, em larga medida, do número e do tipo de facto
qualificado como crime pelos quais são “condenados” os jovens, dado que em
Lisboa, como já vimos, há uma percentagem maior de “condenados” por factos
qualificados como crimes plúrimos e por factos qualificados como crimes contra
o património com violência (roubo) o que implica, por si só, uma adequação da
medida à maior gravidade das infracções. Não surpreende, por isso, que o
peso relativo das medidas de maior gravidade (internamento em Centro
Educativo e acompanhamento educativo) seja maior em Lisboa.
Quadro V.20
Regime de internamento em Centro Educativo
Nº % Nº %
Introdução
154
A identificação dos operadores judiciários faz-se pela expressão Ent., seguida de um
número atribuído a cada um dos entrevistados, de forma a garantir o anonimato.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 283
Apesar de no plano do direito positivo, o legislador ter sido bem claro nas
opções que tomou, e de tal opção ser bem aceite pela generalidade dos
operadores, da investigação por nós levada a cabo notaram-se na aplicação
concreta desvios à orientação definida por lei.
O miúdo fugiu daqui para (…), onde terá estado, mas agora
perguntei pelo paradeiro dele e ninguém sabe. O único relatório que
lá tenho - nem sequer consigo fazer o relatório oficial porque não o
conseguimos localizar - é o último relatório que eu pedi à Comissão
de (…). O último relatório social que lá havia do acompanhamento
daquele menor e onde claramente se diz que é previsível que o
caminho daquele miúdo, se não for enquadrado num ambiente
estruturante com algumas regras, vai ser o caminho da
marginalidade e da delinquência. Ele não tem alternativa, porque
não tem nenhuma espécie de família. Portanto, ontem quando
estava a fazer aquele requerimento pensei: a única hipótese que
tenho de fazer alguma coisa por este miúdo, é metê-lo num regime
aberto num Centro Educativo do Ministério da Justiça, porque se
esse miúdo tivesse uma família normal, estável, não precisava de ir
para uma medida de internamento, nem iria. Mas a este miúdo, cujo
paradeiro se desconhece e que, quando for localizado, vai
desaparecer outra vez, estar-lhe a aplicar uma medida de
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 287
“Há menores que praticam factos que não cabem na LTE, por não
terem idade ou por não terem cometido crimes graves, nem na
LPCJP, por ser um regime muito aberto. É preciso um regime
intermédio, talvez no âmbito da LPCJP, mas mais fechado. Fica aqui
uma zona de ninguém. As medidas de promoção e protecção não
são suficientes e as da LTE também não são as adequadas” (Ent.
42).
Eu penso que a questão de fundo tem a ver com o que é que nós
entendemos efectivamente da educação para o direito e, isso é que
nós devíamos discutir a fundo. Porque se o objectivo é educar o
menor para o direito, eu acho que a Lei é positiva mas tem,
provavelmente, algum excesso de formalismo, que pode bloquear o
processo. Por exemplo, eu até admito que o juiz com alguma
capacidade e alguma criatividade possa chegar a este objectivo, que
é assim: se eu sei que aquele menor cometeu em sítios diversos,
mas no mesmo contexto, no mesmo contexto de vida, no mesmo
circunstancialismo familiar, determinados crimes e,
independentemente do estado em que o processo está, deveria ser
possível enquadrar globalmente as condutas. Eu acho que era
possível fazer esse enquadramento global para melhor fazer a
análise das medidas a tomar com vista à educação para o direito.
Isto só é possível fazer-se se tivermos uma visão global, isto é, se o
legislador com essa concepção global, desse ao aplicador uma
amplitude e uma liberdade que lhe permitissem enquadrar
globalmente conjunto das condutas do menor e perante elas lhe
aplicasse uma medida. Eu acho que é possível fazer isso com muita
imaginação mas tendo a consciência que não é o que está na lei.
Mais, que será mesmo contra o texto da lei” (P-7).
“Uma outra questão que também queria colocar, e que, aliás, me foi
solicitado que colocasse, é a que se prende com a denúncia e
desistência da queixa de crimes semi-públicos, ao abrigo da LTE.
Isto porque, no mesmo Tribunal, temos três magistrados do
Ministério Público e cada um deles está a fazer de seu modo. Ou
melhor, dois estão a fazer de uma maneira e um está a fazer de
outra maneira. A questão é a seguinte: quando o ofendido desiste da
queixa o que é que se faz? Arquiva-se o processo, não se arquiva?
O Ministério Público tem o dever de iniciar o processo, mas depois
se desistirem, o que é que acontece ao processo? Esta é uma das
questões que se tem colocado com bastante frequência no âmbito
da presente lei (…).
Rodrigues na anotação que tem à Lei Tutelar Educativa diz que não
deve relevar e eu concordo, por causa da filosofia de intervenção, e
o Dr. Rui do Carmo, num artigo que tem na Revista do Ministério
Público, diz precisamente o contrário, desistiu da queixa tem que
seguir a lógica processual penal, arquiva-se o processo” (P-6).
“(…) com a filosofia desta Lei, acho que não precisava da queixa
para nada, e por haver o artigo que me diz que precisa de queixa é
que há estes problemas. Há estes problemas, sobretudo, por causa
do fim, que fazer a um processo quando alguém me vem dizer que
quer acabar com esse processo (…).
(…) Tendemos mais uma vez a fazer com que só fiquem no sistema
tutelar educativo aqueles que não têm possibilidade de pagar aos
ofendidos através dos seus pais pelos danos que vão praticando cá
fora, os outros pais até vão pagando. «se pagam eu desisto da
queixa» - que sistema é este? (…) São sempre os mesmos
desgraçados que chegam ao Tribunal e são a esses que vamos
aplicar medidas, quando os meninos que furtam Benetton (…)
também precisavam e se calhar muito, mas nunca lá chegam porque
se há queixa, há desistência de queixa.
(…) Penso que os juízes também têm de contar com um certo grau
de certeza das normas, para que não andem todos os dias "a fazer
diferente jurisprudência" (P-3).
De facto, a lei, tem que clarificar. (…) Para quem entenda que não
há lugar ao desconto, deve fazer ver claramente na decisão ou
transmitir a decisão ao jovem que, de facto, o cumprimento de
medida cautelar de guarda em Centro Educativo, foi considerado
para a medida concreta da medida tutelar. (…)
Portanto, para mim, isso passa por uma alteração legislativa em que
se diga: «É assim ou não é» e, portanto, fazerem todos igual. Não
há este limbo” (Ent. 47).
“Tal como o meu colega Dr. Paulo Guerra escreveu há muito pouco
tempo na revista “Infância e Juventude”, isto é quase um bónus. Se
não se continua o acompanhamento...
155
Constituem excepção a esta regra, como referimos no Capítulo IV, os tribunais de família e
menores de Cascais, com competência nos círculos judiciais de Cascais e Oeiras, de Faro,
com competência no círculo judicial e na comarca de Loulé, do Funchal, com competência
somente na área da respectiva comarca, de Lisboa, com jurisdição nas comarcas de Amadora
e de Lisboa, de Ponta Delgada, com jurisdição nas comarcas de Lagoa, Ponta Delgada,
Ribeira Grande e Vila Franca do Campo, de Portimão, com competência no círculo judicial e
comarca de Albufeira, do Porto, com competência nas comarcas de Gondomar, Maia, Porto e
Valongo, e do Seixal, com competência para o círculo judicial de Almada (cf. Mapa VI anexo ao
Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, sucessivamente alterado pelos Decreto-Leis n.º 27-
B/2000, de 3 de Março; 178/2000, de 9 de Agosto, 332/2000, de 30 de Dezembro, 246-A/2001,
de 14 de Setembro, 148/2004, de 21 de Junho e 219/2004, de 26 de Outubro).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 331
E é também por isso, que posso dizer, que, neste momento, temos
apenas 4 processos pendentes ao abrigo da Lei Tutelar Educativa.
Este reduzida pendência é sintomática daquilo que realmente nos
chega que, já é muito pouco, porque se tenta fazer essa filtragem ao
nível do Ministério Público” (P-3).
“Se se achar que ao miúdo não deve ser aplicada qualquer medida,
então use-se o arquivamento liminar e, mais do que isso, use-se,
cada vez mais, a suspensão do processo. Usem-se os critérios de
oportunidade, o princípio da oportunidade que esta Lei prevê e,
talvez, aumentando a possibilidade de se aplicar a suspensão nos
termos do 84.º que, actualmente, só admite a aplicação daquele
instituto a crimes puníveis com penas não superiores a cinco anos.
Para o juiz, basta que haja uma qualificação, mesmo que ridícula, do
artigo 204.º ao artigo 212.º ou artigo 213.º, para o crime passar logo
156
Segundo o disposto no artigo 84.º, n.º 1, da LTE, a suspensão do processo pode ser
utilizada quando, verificando a necessidade de medida tutelar educativa, o facto praticado pelo
jovem for qualificado pela lei como crime punível com pena de prisão de máximo não superior a
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 341
cinco anos, e se for apresentado um plano de conduta “que evidencie estar disposto a evitar,
no futuro, a prática de factos qualificados pela lei como crime”.
342 Capítulo VI – Análise do discurso dos actores judiciais
“Houve, de facto uma coisa extraordinária, nesta Lei, que foi ver os
Srs. Advogados preocupados com matérias relativas às crianças.
Acho que isso é uma coisa muito boa para o processo. Ver não só
os magistrados, mas também os advogados nos Tribunais de
Menores, foi uma coisa pela qual sempre lutei porque a Lei anterior
muitas vezes não o permitia e, portanto, acho que foi um avanço.
Ouvir o que o menor sente, acho que ele tem o direito à audição” (P-
10).
Um magistrado judicial afirma que uma das ideias que “se podem realçar
e que traduzem uma mais valia face ao sistema anterior”, é a “exigência de
maior intervenção dos advogados no âmbito deste processo, o que se traduz
na atribuição da mais garantias para os menores. Com efeito, para além do
papel do Ministério Público, que tem a dupla função de defesa dos interesses
do Estado e do menor, surge o advogado com o estrito fim de defesa dos
interesses deste último” (P-4).
Por outro lado, o mesmo entrevistado entende que “logo que é requerida
a abertura da fase jurisdicional ou quando o MP está a encaminhar o processo
para internamento, aí sim, é compreensível a presença de advogado”,
acrescentando que, “por vezes, o advogado desempenha quase o papel de pai
ou de mãe do menor” (Ent. 23).
“(…) foi bastante bom (…) ter uma sala cheia de advogados e no fim
fui inundado de dúvidas que os advogados têm todos os dias ao
serem confrontados com o processo. Sedentos, porque realmente é
uma área que não está trabalhada. Era bom que, de facto, houvesse
uma especialização na nomeação dos defensores oficiosos e dos
patronos. A Lei diz que deve existir uma lista, mas claro que isso irá
mexer com o Estatuto da Ordem dos Advogados que cada vez
trabalha menos a especialização.
(…) É interessante ver que são sempre os mais novos que vão, por
exemplo, a acções de formação sobre esta matéria no Cestro de
Estudos Judiciários. Eu acho graça porque penso que os grandes
tubarões, peço desculpa do termo, não estão interessados. É desde
logo uma ideia de cultura dizem «Vais tu, é uma Lei nova, estuda-la
melhor». Eu sinceramente agradeço, porque não estão tão viciados
pelos arquétipos dos processos penais e o advogado novo, do
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 353
contacto que vou tendo e do que os meus colegas que estão nos
tribunais dizem, cada vez mais os que aparecem são os mesmos,
especializam-se muito nisto, começam a gostar e ao começar a
gostar começam a trabalhar muito, mas são sempre muitos poucos.
Em Lisboa é o Dr. X, é o Dr. Y, mesmo aqui em Coimbra também
me têm chegado bons ecos, mas é curioso vermos que, a nível do
grande advogado, isto lhe não interessa” (Ent. 25).
“Não é por acaso que a Lei, e chamo a atenção para o artigo 46.º,
expressamente, refere a necessidade de ao menor ser nomeado um advogado,
ou um advogado estagiário, mas em princípio um advogado, preferencialmente
com formação especializada nesta matéria. (…) a Lei quis que, de facto,
expressamente, o advogado fosse particularmente preparado nesta área
específica” (P-7).
Afirmando ainda:
157
Cf. Ordem dos Advogados 2004. «Acordo de Cooperação entre o Instituto de Reinserção
Social, a Ordem dos Advogados e a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos
Advogados». http://www.oa.pt/genericos/detalheArtigo.asp?idc=68&ida=22594. Julho de 2004.
356 Capítulo VI – Análise do discurso dos actores judiciais
“Creio que nenhum de nós tem uma resposta absoluta sobre isso
porque haverá situações em que o silêncio poderá implicar uma não
procedência do requerimento de abertura da fase jurisdicional e
creio que deixámos, portanto, ali um menor, com fundamento nesse
silêncio, que não foi educado e, provavelmente, irá ter um outro
problema qualquer. Mas haverá situações em que o silêncio possa
ser útil, mesmo em termos de educação para o direito” (P-2).
“Vai levar a que haja uma diminuição (…) dos poderes do Ministério
Público que até aí exerciam em relação ao menor. O Ministério
Público deve defender os interesses do Estado e o advogado deve
defender os interesses do menor. Isso implica um maior
acompanhamento, uma intervenção muito maior do advogado em
todo o processo (não só no processo judicial individualizado, mas no
processo de desenvolvimento do menor, no qual, por vezes,
convergem vários processos judiciais)” (P-8).
Introdução
158
Foi assim, por exemplo, na Bélgica, Canadá e Espanha.
366 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
1. 1. Admoestação
1. 3. Reparação ao ofendido
1. 6. Imposição de obrigações
Os dados fornecidos pelo IRS, que veremos mais adiante, mostram que
são vários os casos de medidas de imposição de obrigações acompanhados
pelas equipas do IRS. Pelo que nos foi dito, nesse acompanhamento as
equipas tentam que o jovem cumpra as obrigações impostas, assumindo,
também, a articulação entre o jovem, a sua família e a escola ou entidade
formadora.
372 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
Como nos foi dito por parte do IRS, sempre que este acompanha a
execução de uma medida de tarefas a favor da comunidade, o técnico
responsável pelo processo assume não só a função de mediador entre o
Tribunal e as EBTs, indicando e assegurando as colocações dos jovens, como
também procura controlar a execução, visando um acompanhamento
pedagógico tendo em conta as especificidades e expectativas do jovem e as
suas necessidades de educação para o direito.
Pode dizer-se que o papel do IRS na execução das TFC, inicia-se, desde
logo, no apoio à decisão judicial, quando se determina a forma da prestação
(IRS, 2001c). Esse apoio é fornecido mediante a elaboração do relatório social
que é entregue ao Ministério Público e ao juiz e onde constam informações
relativas ao contexto sócio-familiar do jovem, o seu percurso escolar e/ou
profissional e a contextualização da prática dos factos ilícitos, entre outras
informações consideradas relevantes. Nesse relatório é, frequentemente,
apresentada uma proposta de medida tutelar que se mostre adequada e que
represente a menor limitação na condução de vida do jovem. Para a realização
deste relatório, a equipa do IRS elabora um dossier individual do jovem que lhe
permite, então, perceber o seu percurso e recolher elementos para a avaliação
da sua situação pessoal e familiar.
159
É importante referir que para a obtenção dos elementos necessários à concreta
determinação da tarefa, o Tribunal pode solicitar ao IRS a informação que considere
necessária, antes da tomada de decisão.
Mas, o IRS também pode definir a forma de prestação de tarefas em momento posterior à
decisão judicial, por iniciativa do Tribunal, dando a conhecer àquele o processo de colocação
do menor.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 377
Cabe também ao IRS, sempre que tal seja indicado pelo Tribunal,
proceder à avaliação da execução da medida, informando o Tribunal através de
relatórios de execução. Para tal, o TRS vai mantendo contactos periódicos com
o jovem, a sua família e com a EBT.
160
Pode haver a elaboração de relatório intermédio com vista à revisão da medida.
378 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
Nestas fases, o IRS procura envolver não só o jovem, mas também a sua
família e a escola ou entidades formativas, uma vez que também estas são
instâncias importantes de socialização e de controlo social.
Por outro lado, ao jovem pode ser aplicada cumulativamente, por mais do
que um facto, uma medida de acompanhamento educativo e uma qualquer
outra medida não institucional a executar simultamentate. Nesse caso, o IRS,
para além da articulação com o Tribunal, pode articular-se com outras
entidades que assegurem a realização das respectivas acções. Se o
cumprimento de uma outra medida, como, por exemplo, uma medida de
prestação de tarefas a favor da comunidade, for simultâneo à execução de uma
medida de acompanhamento educativo e o Tribunal encarregar outra entidade
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 381
Quadro VII.1
Projecto Educativo Pessoal (PEP)
N.º
Fases de intervenção Duração Conteúdo Estratégias
sessões
Familiar
1ª sessão: acolhimento; Envolvência do
informação sobre regras e familiar, ou outro
limites desta medida; elemento
actualização do diagnóstico significativo, que
efectuado em sede de participará na
Diagnóstico/actualização 3 relatório social ou na execução do PEP,
30 dias
e planificação do PEP sessões sequência da revisão de devendo estar
outras medidas. presente na 1ª e 3ª
2ª sessão: estruturação do sessão
PEP em conjunto com o jovem Interinstitucional
3ª sessão: finalização do PEP Individual Contactos/articulação
e sua remessa ao Tribunal. Envolvência com outros serviços
do jovem/ a envolver
Módulo I entrevista Familiar
6
Comportamento Intervenção motivacional Envolvência do
sessões
delituoso de suporte/ familiar, ou outro
Módulo II gestão do elemento
7+6
Competências quotidiano significativo, que
sessões
específicas participará na
Até
Execução do PEP execução do PEP,
2 anos
sempre que
Módulo III
N.º de necessário.
Competências Vivenciais
sessões Interinstitucional
Consolidação da estruturação
a definir Contactos/articulação
do quotidiano
com outros serviços
a envolver
Periódica
- trimestral ou semestral, em função da duração da medida
- Registo das alterações verificadas relativamente aos parâmetros da grelha de avaliação
utilizada na fase da actualização do diagnóstico; elaboração do relatório de avaliação/
execução periódica e sua remessa ao Tribunal.
Avaliação do PEP Final
no termo da medida
registo das alterações verificadas relativamente aos parâmetros da grelha de avaliação
utilizada na fase da actualização de diagnóstico, interpretadas de acordo com o impacto da
execução da medida no comportamento do jovem
elaboração do relatório de avaliação/execução final e remessa ao Tribunal
Fonte:IRS,2003d
Gráfico VII.1
Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS (2001)
outras medidas
acompanhamento educativo
Colocação em estabelecimento
83% educativo
Colocação em regime de trabalho ou
de aprendizagem
161
De acordo com a Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro (que aprovou a LTE), os processos
tutelares pendentes em 1 de Janeiro de 2001, que tivessem por objecto a prática, por menor
com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime,
deveriam ser reclassificados como processos tutelares educativos e as medidas revistas em
caso de necessidade. No caso de medidas de internamento essa revisão era obrigatória (artigo
2.º, n.º 3 e 4, alínea a) e b)). Ao abrigo deste diploma legal, era, ainda, possível aplicar aos
menores com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos que tivessem praticado acto
qualificado pela lei penal como crime antes da entrada em vigor da LTE, as medidas tutelares
previstas no artigo 18.º da OTM, com excepção da medida de colocação em instituto médico-
psicológico (artigo 2.º, n.º 6).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 385
De referir que, em 2001, não foram executadas pelo IRS, 62 medidas por
motivo de ausência, falecimento ou falta de colaboração do jovem, decisão da
entidade solicitante, perda de oportunidade, anulação do registo ou outro
motivo justificado.
Gráfico VII.2
Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS (2002)
outras medidas
Imposição de obrigações
Frequência de programas
81% formativos
acompanhamento educativo
Gráfico VII.3
Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS, por Direcção
Regional (2002)
400
350
300
Reparação ao ofendido
250 Realização de prestações económicas a favor da comunidade
Realização de tarefas a favor da comunidade
200 Imposição de regras de conduta
Imposição de obrigações
150 Frequência de programas formativos
acompanhamento educativo
100
50
0
DRC DRLVT DRN DRS DSRS Açores
Gráfico VII.4
Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS (2003)
outras medidas
Realização de tarefas a
2% 13% favor da comunidade
2%
Imposição de regras de
12%
conduta
Imposição de
61% 10% obrigações
Frequência de
programas formativos
acompanhamento
educativo
Gráfico VII.5
Medidas tutelares educativas não institucionais executadas pelo IRS, por Delegação
Regional (2003)
Reparação ao ofendido
250
Realização de prestações
200 económicas a favor da
comunidade
Realização de tarefas a favor da
150 comunidade
Gráfico VII.6
Medidas tutelares educativas não institucionais em execução pelo IRS em 31 de
Dezembro de 2003
outras medidas
3% 7% Realização de tarefas a
19% favor da comunidade
Imposição de
Fonte: Difusão Estatística IRS
obrigações
64% 7% Frequência de
programas formativos
acompanhamento
educativo
162
De referir que em alguns processos certas variáveis não foram preenchidas já que o
processo não continha a informação desejada.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 391
O Gráfico VII.7 diz respeito ao sexo dos jovens nas duas equipas
analisadas.
Gráfico VII.7
Sexo dos jovens
90
80 81,8
76,9
70
60
50
40
30
20 23,1
18,2
10
0
Masculino Feminino
Estes dados podem evidenciar que, pelo menos nas zonas analisadas, a
delinquência juvenil é, ainda, predominantemente masculina, embora com um
peso significativo de jovens do sexo feminino.
Gráfico VII.8
Idade do jovem à data dos factos
60
59,1
50
40
39,4
30
27,3
20
21,2 21,2
18,2
10
Gráfico VII.9
Idade do jovem à data da aplicação da medida
35
34,6
30
28,6
25 26,9
25,0
23,1
20 21,4
15
5
0,0 3,8 3,6
0
12 13 14 15 16 17
Gráfico VII.10
Situação do jovem
80
78,1 76,0
70
60
50
40
30
20
20,0 18,8
10 3,1 4,0
0
a viver com pai e/ou mãea viver com outro familiar internado em
estabelecimento
educativo
4. 1. 5. Escolaridade
Gráfico VII.11
Grau de escolaridade do jovem antes da intervenção
50,0
45,0 48,0
43,8
40,0
32,0
35,0
30,0 31,3
25,0
20,0 16,0
15,0
15,6
10,0
4,0 0,0
5,0 6,3
3,1
0,0
não sabe ler ensino básico ensino básico ensino básico ensino
nem escrever (1.º ciclo) (2.º ciclo - 5.º (3.º ciclo - 7.º recorrente
e 6.º anos) 8.º e 9.º anos)
Gráfico VII.12
Situação do jovem antes da intervenção
80,0
77,4
70,0
60,0
50,0
48,0
40,0 40,0
30,0
20,0
16,1
10,0 6,5
0,0 8,0 4,0
0,0
a estudar a estudar e trabalhar a trabalhar desocupado
4. 1. 6. Nacionalidade
Quadro VII.2
Nacionalidade do jovem
lisboa e vale do
Centro Total
tejo
Nº % Nº % Nº %
n.a. ou n.e.: 0 2 2
Com vista a traçar, ainda que de forma muito breve, um percurso destes
jovens, quisemos, também, saber se já tinham tido anteriormente algum
processo de promoção e protecção (Quadro VII.3).
Quadro VII.3
Jovens que tiveram algum processo de promoção e protecção
n.a. ou n.e.: 2 4 6
Quadro VII.4
Jovens com outros processos no âmbito da Lei Tutelar Educativa
n.a. ou n.e.: 4 4 8
Caso 1:
163
O relato destes casos procura ser o mais próximo possível dos relatórios sociais na sua
íntegra. Contudo, o facto de serem muito extensos, bem como a necessidade de
confidencialidade dos jovens e das suas famílias, levou a que omitíssemos alguma informação
e fizéssemos sínteses.
402 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
Caso 2:
dos jovens. A mãe não aceita ter apoio económico para evitar ter de
assumir compromissos a nível de inserção social, continuando a
negligenciar a educação e os cuidados essenciais com os filhos, que
chegaram a passar fome e privações de todos os tipos. A escola
tentou minorar a situação, contudo todos os jovens registavam
elevado absentismo escolar, o que ainda hoje se verifica. A
permissividade, desinvestimento maternal e consequente falta de
autoridade permitem à jovem e seus irmãos uma vida isenta de
regras, sendo frequente a jovem acompanhar indivíduos mais
velhos. A relação entre mãe e filhos caracteriza-se por uma
constante falta de respeito e agressividade.
Caso 3:
Caso 4:
Caso 5:
Caso 6:
Gráfico VII.13
Denúncia do facto qualificado como crime feita por
(Centro)
pais
0%
escola
0%
ofendido
3% outro polícias
0% 97%
164
Embora numa percentagem com pouco significado estatístico, encontrámos alguns casos
em que os próprios jovens entregaram os objectos que tinham furtado na esquadra de polícia.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 407
Gráfico VII.14
Denúncia do facto qualificado como crime feita por
(Lisboa e Vale do Tejo)
pais
0%
escola
0%
ofendido
3% outro polícias
0% 97%
Gráfico VII.15
Distribuição dos factos qualificados como crime por tipo
(Centro)
Outros crimes
Injúria 3%
2%
Furto qualificado
Condução sem
31%
habilitação legal
3%
Ofensa à
integridade física
simples e
privilegiada
3%
Dano simples e
qualificado Furto
12% 34%
Violação de
domicílio /
introdução em
lugar vedado ao
público
12%
Gráfico VII.16
Distribuição de factos qualificados como crime por tipo
(Lisboa e Vale do Tejo)
Outros crimes
7%
Roubo ou
violência depois
da subtracção
Injúria 69%
2%
Condução sem
habilitação legal
7%
Ofensa à
integridade física
simples e
privilegiada
7%
Furto qualificado
8%
165
Na categoria “crimes contra as pessoas” consideramos os seguintes factos qualificados
como crime: ofensa à integridade física simples e privilegiada, ameaça ou coacção, injúria,
violação de domicílio e introdução em lugar vedado ao público; na categoria “crimes contra o
património sem violência”, englobámos os crimes de furto, furto qualificado, furto de uso de
veículo, dano simples e qualificado e burla simples e qualificada; na categoria de crimes contra
o património com violência, incluímos os crimes de roubo ou violência depois da subtracção; na
categoria “outros crimes” foram incluídos os crimes de contrafacção de moeda ou título de
crédito, depreciação do seu valor, passagem e aquisição de moeda falsa, tráfico de
quantidades diminutas, de menor gravidade ou tráfico-consumo e condução sem habilitação
legal. Quanto aos crimes contra o património, entendemos que seria conveniente distinguir
aqueles que foram praticados com violência daqueles em que não houve recurso a violência.
410 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
Gráfico VII.17
Distribuição da criminalidade
(agregada)
80
77,6
70 68,3
60
50
40
30
20
17,2
10 12,2 9,8 9,8
0,0 5,2
0
crimes contra as crimes contra o crimes contra o outros crimes
pessoas património (com património (sem
violência) violência)
Uma vez que, como já referimos, o mesmo jovem pode ter cometido, no
âmbito do mesmo processo, mais do que um facto qualificado como crime,
decidimos mostrar essa distribuição no Gráfico que se segue:
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 411
Gráfico VII.18
Número de factos qualificados como crime cometidos pelo mesmo jovem
70
60 60,9
56,3
50
40
30
25,0
20
17,4
10 12,5 13,0
6,3 0,0 4,3
4,3
0
1 2 3 4 6
Como nos mostra o Gráfico VII.18, a maioria dos jovens cometeu apenas
um facto qualificado como crime, quer nos processos analisados no Centro
(56,3%), quer nos processos analisados em Lisboa e Vale do Tejo (60,9%).
Seguem-se, no Centro, os jovens que cometeram 3 factos qualificados como
crime (25%), e, em Lisboa e Vale do Tejo, os jovens que cometeram 2 factos
qualificados como crime (13%). A percentagem de jovens que cometeu mais do
que três factos qualificados como crime é reduzida, o que não surpreende, uma
vez que estamos a analisar processos no âmbito de medidas tutelares não
institucionais.
Gráfico VII.19
Número de factos qualificados como crime cometidos pelo jovem
80
66,7
60 55,0
45,0
40 33,3
20
0
centro lisboa e vale do tejo
considera que esta será uma tarefa difícil. O João não manifesta
qualquer intenção de retomar qualquer tipo de actividade escolar e
diz que só frequentará um curso de formação se o valor da bolsa for
igual ao do salário mínimo nacional, caso contrário pretende
continuar a ajudar a mãe. Neste contexto, e atendendo à idade do
jovem, o IRS considera que será fundamental assegurar que o
jovem dê continuidade a uma actividade profissional, seja a que ele
desenvolve com a mãe ou outra.
4. 3. Medidas Aplicadas
Quadro VII.5
Medidas tutelares não institucionais
lisboa e vale do
Centro Total
tejo
Nº % Nº % Nº %
reparação ao ofendido+acompanhamento
2 6,1 1 3,8 3 5,1
educativo
realização de prestações económicas ou de
1 3,0 1 3,8 2 3,4
tarefas
admoestação+obrigações+programas
0 0,0 1 3,8 1 1,7
formativos
prestações económ.ou
0 0,0 1 3,8 1 1,7
tarefas+acompanhamento educativo
reparação ao ofendido+regras de
1 3,0 0 0,0 1 1,7
conduta+obrigações
n.a. ou n.e.: 0 0 0
qualificado como crime, pode-lhe ser aplicada mais do que uma medida tutelar.
O caso que se segue é um exemplo de tal prática:
Olhemos, agora, para o Gráfico VII. 20, que mostra as medidas tutelares
não institucionais simples mais significativas em execução nas equipas
seleccionadas.
Gráfico VII.20
Medida tutelar educativa não institucional simples (mais significativa)
60
57,7
50
40 42,4
39,4
30
26,9
20
15,2
10 11,5
3,0 0,0
3,8 0,0
0
acompanhamento imposição de realização de frequência de reparação ao ofendido
educativo obrigações prestações programas formativos
económicas ou de
tarefas
Gráfico VII.21
MP segue sugestão do IRS
60
55,0
50
40 40,0 42,9
38,1
30
20
19,0
10
5,0
0
sim não sem sugestão
Gráfico VII.22
Juiz segue a proposta do MP
100
95,8
90
88,2
80
70
60
50
40
30
20
10 4,2 11,8
0
Sim N ão
Gráfico VII.23
Tempo decorrido desde os factos até à abertura do processo
60 58,1
57,1
50
40
30
20 19,4 21,4
16,1
14,3
10 0,0 6,5 0,0 7,1
0
Até 3 meses 3 a 6 meses 6 meses a 1 ano 1 a 2 anos Mais de 2 anos
Gráfico VII.24
Tempo decorrido entre o pedido do relatório social pelo TFM e o seu envio pelo IRS
60
50 51,6
40
30 33,3
28,6 29,0
20 19,0
10 9,7 0,0 9,5
6,5 9,5 3,2 0,0
0
Até 1 mês 1 a 2 meses 2 a 3 meses 3 a 4 meses 4 a 5 meses Mais de 5
meses
“É óbvio que o Direito não deve regulamentar tudo, mas deve pelo
menos dar armas aos juízes, e digo aos juízes porque são eles que
aplicam as medidas, para poder escolher de entre um maior número
de «alíneas» possíveis mesmo que o juiz num caso concreto
entenda que casuisticamente a situação do João ou do Manuel não
justificará uma tão grande regulamentação. Acho que sofremos
ainda por não ter essa regulamentação cá fora, não é desconfiar de
nenhum serviço, mas de alguma forma ficamos muito à mercê do
Instituto de Reinserção Social que, no fundo, é quem vai de facto
executar as medidas. Talvez fosse melhor que o juiz tivesse na sua
mão uma panóplia maior de possibilidades de intervenção dentro da
moldura exacta que cada medida deve ter para que a sua
intervenção seja bastante mais activa” (Ent. 25).
dessas medidas, sem prejuízo de uma necessária flexibilidade por parte do juiz
na sua aplicação, bem como do indispensável e vantajoso envolvimento dos
pais ou outros familiares e da comunidade na execução das mesmas.
“Tenho pouca fé porque, não é pela medida em si, é por aquilo que a
figura nos oferece no texto da lei” (Ent. 47).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 435
“Há muito trabalho que tem que ser feito com a família e com a
escola – não há mediação escolar, não há psicólogos; a Escola julga
que o IRS é a tábua de salvação para tudo, porém, o IRS é o fim da
linha e ao chegar à escola está a procurar o que não foi encontrado
na família” (Ent. 7).
exemplo os jovens levam para casa umas fichas para preencherem com a
concepção que têm de crime, para reflectirem sobre o acto que praticaram, só
que alguns mal sabem ler...“ (Ent. 7).
Pelo que nos foi dito, com este novo modelo, que está a ser
implementado desde Outubro de 2003, pretende-se analisar o comportamento
do jovem, fazer com que este seja capaz de ganhar responsabilidade, de se
colocar no papel da vítima e dotá-lo de algumas competências especiais que
se adquirem através do diálogo com o técnico responsável e do cumprimento
de tarefas específicas (Ent. 36; 37; e 33). Alguns técnicos descreveram-nos,
assim, as principais mudanças que este novo modelo acarreta:
Embora ressalvando que este programa está, ainda, numa fase inicial e
de experimentação, alguns entrevistados mostraram algum cepticismo em
relação a este novo modelo:
“A filosofia que está inerente ao novo modelo é útil, mas devia ter
menos burocracia, em termos de fichas que eles têm de preencher e
depois torna-se um pouco maçudo e repetitivo” (Ent. 33).
Importa, também, dar conta de uma outra crítica apontada por vários
entrevistados relativamente aos efeitos da revisão desta medida tutelar. De
acordo com a LTE, e como já referimos, uma medida tutelar é revista quando,
entre outros aspectos, o jovem se tiver colocado intencionalmente em situação
que inviabilize o cumprimento da medida ou o jovem tiver violado os deveres
inerentes ao cumprimento da medida (artigo 136.º, alíneas e) e f)). Nesses
casos, o juiz pode, de acordo com o artigo 138.º da LTE, advertir o jovem para
a gravidade do seu comportamento, modificar as condições da execução da
medida, substituir a medida por outra não institucional mais adequada ou
ordenar o internamento em regime semiaberto por período de um a quatro fins-
de-semana. Uma vez que a medida de acompanhamento educativo é a medida
não institucional mais grave, a opção de revisão é, maioritariamente, aquela
última hipótese, opção que suscita várias críticas e diferentes procedimentos
nos diferentes tribunais, como vimos no Capítulo VI.
Para o seu sucesso contribui, ainda, o facto desta medida ter contornos
de execução explícitos e bem definidos, como nos é relatado por uma técnica
de reinserção social:
“Fizemos uma primeira lista das instituições que nos disseram «Sim,
senhor. Nós aceitamos jovens com esta medida para execução
desta medida», e demos essa indicação ao Tribunal. Em geral, o
Tribunal aplica esta medida em breves traços. O Tribunal, em regra,
nem define em que instituição a medida vai ser executada. Define
sempre, isso sim, o número de horas e depois deixa toda a
execução à instituição e à equipa. O que não quer dizer que, por
exemplo, o Tribunal num caso ou noutro diga: «gostaríamos que
medida fosse executada numa família, ou numa escola, etc”. O
Tribunal pode sugerir o local, em função do motivo. O que não quer
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 447
5. 2. 3. Imposição de obrigações
Há, ainda, uma outra condicionante importante que nos foi amplamente
referida pelos técnicos de reinserção social e que diz respeito aos níveis de
escolaridade exigidos pela entidade formadora, que nem sempre os jovens
possuem sendo, por isso, excluídos:
“Muitas vezes, o IRS não pode propor a medida, uma vez que não
há programas adaptados à idade e à escolaridade dos jovens – os
limites etários para trabalhar não permitem que jovens com 13 anos,
por exemplo, frequentem esses cursos, nem jovens com graus de
ensino muito baixos. Porém, alguns jovens nunca vão conseguir o
nível de escolaridade necessário para o efeito” (Ent. 41).
“(...) Dizer a um miúdo que não vai à escola, que não gosta da
escola, mas que, se calhar, gostava de ter uma profissão manual,
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 453
5. 2. 5. Programas formativos
desta depende, pelo que nos disseram, da sua adequação ao perfil do jovem,
às suas necessidades específicas, ao facto qualificado como crime praticado e
ao seu contexto sócio-familiar (Ent. 7). Na análise que efectuámos de
processos deparámo-nos com o seguinte caso de insucesso desta medida que
nos parece ilustrativo:
5. 2. 6. Reparação ao ofendido
“(...) Se o jovem pede desculpa e ainda por cima esse pedido não é
aceite, aumenta mais o ressentimento, então num jovem
adolescente... pedir desculpa a alguém e o outro não aceitar é
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 459
“Ainda há poucos casos, mas, por exemplo, uma das coisas que eu
acho que se deve chamar à atenção, e já se faz lá fora, é que a
mediação também deve existir no âmbito da reparação. Nós
sabemos como muitas vezes se faz nos tribunais, é ali com a vítima
e com o infractor, sem aquele ambiente que a mediação promove e
que é mais educativo. Ou seja, antes de aplicar uma medida de
reparação ao ofendido, o magistrado juntar vítima e ofensor para
que eles próprios cheguem a um consenso relativamente à
reparação. Isso era muito mais educativo. Tinha efeitos muito mais
pedagógicos do que uma medida imposta (...)” (Ent. 40).
5. 2. 7. Admoestação
“ (...) por exemplo nós tivemos aí um caso do miúdo que anda com
os pais nos carrosséis, hoje estão num sítio e amanhã estão noutro
sítio, é evidente que este miúdo tem todas as condições para não ir
462 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
Temos uma situação concreta ali de ... de um pai que era madeireiro
que disse «Fez a 4.ª classe, chega muito bem, não tem nada que
fazer mais coisa nenhuma. Agora fica lá ao pé da minha mãe a
aprender a cozinhar» e vira-se para mim e para o Dr. ... e diz que
«Isto precisava era de trezentos Salazares para acabar com esta
coisa da escola». Chamámos a miúda com dez anos, tinha acabado
a 4.ª classe com dez, onze anos, e perguntámos «Gostavas de ir à
escola?» «Gostava» «Só não vais porque o teu pai não te deixa?»
«Sim só não vou porque o meu pai não me deixa» «Então pronto
vais à escola». E eu disse «tenho muita pena mas esta miúda tem
que ir para uma instituição para poder continuar a estudar e este pai
vai bracejar para onde quiser mas temos que meter a miúda numa
instituição». Penso que as assistentes sociais lhe disseram que
aquela medida já estava promovida e ele, nessa perspectiva, acabou
por condescender e deixar ir a miúda à escola e como não temos
tido nenhuma informação em contrário presumo que ela continue a
ir” (Ent. 10).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 463
Deste modo, como nos disseram, “nós, técnicos, vamos também a casa
do jovem e à escola. Portanto, não são só os miúdos que vêm cá à equipa e as
suas famílias. Nós também vamos ao encontro deles. Quando não colaboram,
pronto, vamos arrancando «cabelo por cabelo». Vamos idealizando estratégias,
formas para que haja alguma implicação” (Ent. 39).
464 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
Parece, por isso, resultar da nossa pesquisa que, na maioria dos casos,
não é fácil que a família participe, pelo menos de uma forma mais activa e
menos reactiva, na execução da medida do jovem, até porque, como nos foi
relatado, “são muitos os casos em que são os próprios pais a pedir que o
jovem seja fechado, dizendo «É melhor fechar o menino porque já não temos
mão nele»” (Ent. 47).
466 Capítulo VII – As medidas tutelares não institucionais
Considerando que o IRS não tem que fazer proposta de medida no seu
relatório social:
“O ano passado fizemos uma sessão que até foi num colégio da
Casa Pia. Fizemos uma sessão de informação de divulgação. Nós
temos vindo a fazer isso. Mas só para terem a noção, por exemplo,
no ano passado, das medidas não institucionais que foram
aplicadas, em todas elas, decresceu o número relativamente aos 2
anos anteriores” (P-6).
“Só queria dizer uma coisa porque do muito que foi dito, considero
pertinente para a discussão, e que era o seguinte: acho que o
Ministério da Justiça devia estabelecer protocolos com outras
entidades para possibilitar que depois as medidas de
acompanhamento educativo possam ter aplicação prática. Falou-se
aqui muito no Instituto de Emprego e Formação Profissional mas não
será só essa entidade que pode dar saídas profissionais a esse
jovens. Portanto, assim há um outro problema. Quer dizer, não se
trata só de não se aplicar uma medida, às vezes os próprios
magistrados comprometem certos jovens, por exemplo, na
subscrição de um plano que constitui uma solução sobre a sua
situação no processo, e depois os jovens sentem-se enganados
porque afinal de contas, no médio prazo, não há saída e o
magistrado também não as pode inventar. Agora isso, pronto, é um
dos problemas que em Portugal, normalmente, existem: há muita
legislação mas depois não há estruturas de suporte” (P-9).
“Há casos, que podem ser casos fronteira, mas para os quais devia
haver uma perspectiva de intervenção integrada, não só do IRS, na
situação do controlo da medida propriamente dita, mas no plano de
intervenção, por exemplo, de outro tipo, que devia ocorrer
simultaneamente (...) em parceria, numa visão integrada do caso,
com intervenções sistemáticas de diferentes serviços” (Ent. 7).
Introdução
1. 1. As competências do IRS
166
O Centro Educativo Corpus Christi entrou em desactivação, segundo informação do IRS, em
Dezembro de 2001 (IRS, 2002a: 15).
482 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
Mapa VIII.1
Localização dos Centros Educativos e classificação por regimes de execução
V i la d o C o n d e
P o r to
V i la N o v a d e G a ia
V is e u
A v e i ro (F e m in i n o )
C o i m b ra
G ua rd a
P e n ic h e ( F e m in in o )
C a s t e lo B r a n c o
L is b o a (N a v a rro d e P a iv a )
O e i ra s
E lv a s
L is b o a ( B e la V is ta )
Fonte: OPJ
167
No Centro Educativo dos Olivais, à data da realização do estudo de caso, o lugar de
Subdirector não se encontrava provido.
168
Na secção de economato inserem-se as áreas de limpeza, lavandaria e cozinha.
484 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
Equipa de Programas
Como exemplo, damos conta que, no Centro Educativo dos Olivais, o PIE
de 2001 previa os seguintes recursos humanos na Equipa técnica e residencial:
1 coordenador, 6 TSRS (sendo 4 de psicologia, 1 de serviço social e 1 de
filosofia), 36 TPRS e 2 funcionários de apoio administrativo (PIE, 2001: 8-9).
486 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
2. 1. Regime Aberto
2. 2. Regime Semiaberto
2. 3. Regime Fechado
Neste regime de execução, nos termos do n.º 4 do artigo 15.º, “as saídas
são estritamente limitadas ao cumprimento de obrigações judiciais, satisfação
de necessidades de saúde ou outros motivos igualmente ponderosos e
excepcionais” sendo os educandos “sempre acompanhados por funcionários
do centro” e as saídas “limitadas ao tempo mínimo indispensável e precedidas
de autorização escrita do director do centro”.
490 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
169
Quanto aos recursos humanos, é descrito o pessoal afecto ao Centro Educativo e o pessoal
contratado ou colocado por outras entidades; no que aos recursos físicos diz respeito, são
descritas as infra-estruturas disponíveis.
494 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
Nos objectivos gerais do PIE deve ser referido como se visam alcançar a
promoção e aquisição de competências sociais básicas e a educação para o
direito, bem como a consolidação da coesão da intervenção educativa-
terapêutica, sob a forma de comunidade pedagógica170. Todos os agentes
educativos, de acordo com a “Proposta de estrutura-base”, participam na
elaboração do PIE, sendo co-responsáveis activos na definição de programas,
de actividades e de elementos formativos. Todos os profissionais, educandos e
pessoas externas que visitam o Centro Educativo estão vinculados ao PIE,
como decorre do artigo 19.º do Regulamento Geral, devendo o mesmo ser
divulgado. A intervenção educativa, de acordo com a “Proposta de estrutura-
base do PIE”, pretende desenvolver “processos de reestruturação e retribuição
cognitiva e reorganizar aspectos afectivos e relacionais, facilitadores da sua
inserção social, consciencializando-o de que ele é «sujeito da sua própria
história», permitindo-lhe o confronto consigo próprio, a compreensão do seu
presente e a perspectivação do seu futuro, e ensinando-o a responder
assertivamente aos estímulos sociais, pela aprendizagem de novos
comportamentos”.
170
Este último objectivo geral, de consolidação da coesão da intervenção educativa-
terapêutica, sob a forma de comunidade pedagógica baseia-se, de acordo com as orientações
do IRS, num “ambiente acolhedor, securizante, estruturado e organizado, com regras e limites
bem definidos, que se pretende potencializador de alteração de atitudes associais pela
aprendizagem de outras adequadas à vida em sociedade, permitindo a inserção social dos
educandos de forma digna e juridicamente responsável, respondendo às suas necessidades de
educação e formação relativamente à reestruturação do seu funcionamento psicossocial” (cf.
“Proposta de estrutura-base do Projecto de Intervenção Educativa”).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 495
171
Os educandos são sujeitos a “avaliações diárias realizadas pelos TPRS de serviço e pelos
profissionais da área escolar e pré profissional”, através da sinalização por meio de cores em
mapas ou grelhas de avaliação. O código utilizado é o seguinte: a cor vermelha corresponde a
avaliação negativa; a cor amarela significa avaliação suficiente; a cor verde corresponde a
avaliação boa; e a cor azul significa avaliação excelente. A avaliação diária, na unidade
residencial ocorre em três momentos do dia: de manhã, à tarde e à noite, de acordo com o
artigo 14.º do Anexo IV do RI do Centro Educativo dos Olivais. A avaliação semanal “que é da
responsabilidade da subequipa técnica de cada Unidade e da coordenadora de turma na área
formativa, é o resultado das avaliações quotidianas ou seja, é feita em função dos resultados
obtidos diariamente e eventualmente outros relevantes, procurando sempre uma harmonização
de critérios de justiça individual e de justiça relativa” (Regulamento Interno do Centro Educativo
dos Olivais, de 2001).
De acordo com o PIE do Centro Educativo dos Olivais, de 2001, os comportamentos
correspondentes a cada uma das cores utilizadas para a avaliação são os seguintes: a
atribuição da cor vermelha corresponde a “praticar acto de violência física ou de coacção
contra colegas e funcionários; ameaçar colegas ou funcionários; insultar ou faltar ao respeito a
colegas ou funcionários; participar em motins ou em actos colectivos de insubordinação;
instigar companheiros a actos de insubordinação ou desobediência; resistir ou desobedecer às
ordens dos funcionários; não comparecer nas actividades previstas; tentar a fuga da Unidade
Residencial; instigar a fuga de companheiros; destruir ou danificar bens da Unidade
Residencial; escrever em portas, paredes, camas, armários, mesas, cadeiras, etc.; destruir ou
danificar bens de companheiros e funcionários; introduzir, distribuir, transaccionar ou guardar
na Unidade Residencial objectos proibidos; apoderar-se de bens e valores de outrém; práticas
sexuais com companheiro”. A atribuição de avaliação de cor amarela significa: “faltar ao
respeito a funcionário a companheiro ou outra pessoa; não cumprir os horários das actividades;
dirigir-se a companheiros ou funcionários por alcunha; comunicar com companheiro em língua
que não o português; perturbar o normal funcionamento das actividades; entrar no quarto de
um companheiro; estar em zona para a qual não recebeu autorização; entrar no gabinete dos
Srs. Monitores; entrar na arrecadação; sair do quarto, da sala de refeições, da sala de aulas,
atelier e ginásio sem autorização; quarto mal arrumado; quarto mal limpo; cama mal feita;
executar mal tarefas de limpeza que lhe sejam destinadas; esbanjar artigos de higiene a ele
distribuídos; sujar propositadamente as instalações; afixar posters ou outro material em local
indevido; recusa de banho diário”. A avaliação de cor verde significa “bom comportamento das
regras e normas instituídas”. A cor azul tem o significado de “excepcionalmente bom
cumprimento das regras e normas instituídas”, acrescentando o PIE que seguimos que “a
atribuição da cor azul é excepcional. Só deve ser atribuída quando o menor se evidencie pelo
extraordinário: desempenho nas actividades; respeito pelo outro; colaboração com os
funcionários; espírito de interajuda; aprumo pessoal” (Plano de Intervenção Educativa do
Centro Educativo dos Olivais, de 2001).
500 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
A “Fase Progressiva 1”
172
Após a entrada no Centro Educativo, no mais curto prazo possível, o técnico superior de
reinserção responsável pelo seu acompanhamento assegura a respectiva inscrição no centro
502 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
A “Fase Progressiva 2”
de saúde da área do Centro Educativo, para efeitos de emissão do cartão de utente do Serviço
Nacional de Saúde, como decorre do Despacho n.º 22/PRESS/2001.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 503
A “Fase de Saída”
3. 1. 3. O Regulamento Interno
173
Importa referir que dos jovens inscritos, alguns não frequentaram a acção até ao final, em
virtude de terem sido transferidos para outro Centro Educativo ou por terem mudado de acção
de formação na sequência de mudança de regime de execução de medida. Apenas 344
educandos concluíram as acções de formação profissional, ou seja, 66% do total.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 519
174
Cf. Formação Profissional - Acções de Pré Profissionalização e Despiste Vocacional”.
520 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
175
Segundo expressão de Finkelstein-Rossi, J (1999), in Violence dans la cité – Mineur Délit et
incivilités. Paris: Collection Question du Temps, citado no Programa “Intervenção
psicoterapêutica – Psicoterapia individual e psicoterapia de grupo”, de 2003.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 521
3. 5. O regime disciplinar
176
Em 16/07/2004, o IRS, a Ordem dos Advogados e a Comissão de Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados celebraram um Acordo de Cooperação, com o objectivo de definir “uma
articulação que garanta a efectiva intervenção do advogado no âmbito da aplicação e o
acompanhamento regular dos centros educativos pela Comissão dos Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados” (Ordem dos Advogados, 2004).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 525
Educação
Saúde
Saúde mental
177
Cf. Diário de Coimbra, 15 de Maio de 2004. “Cruz Vermelha voluntária com Colégio dos
Olivais”.
528 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
178
No protocolo de criação do CPJ estiveram envolvidos o Instituto do Emprego e da Formação
Profissional, a Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores, a Direcção-Geral dos
Serviços Prisionais, o Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga e o
Instituto de Reinserção Social.
O CPJ tem financiamentos do Ministério do Trabalho e da Solidariedade (85%) e do Ministério
da Justiça (15%). No IRS, porém, paira a incerteza em relação ao apoio futuro do CPJ.
179
Quanto aos centros educativos, o CPJ detém algum do material utilizado em ateliers e paga
a alguns profissionais que aí vão prestar formação.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 529
sociedade deixe de ser uma entidade abstracta para passar a ser uma rede
com funcionamento e vontade própria à qual ele pertence. Ao criarmos um
espaço que contemple a transmissão de determinados conteúdos podemos
contribuir para que o vazio deixado pelo desconhecimento não seja preenchido
com confabulações de ordem afectiva, onde o lugar em que nada existe é
oportunamente preenchido com a revolta e agressividade que oferece quem
pouco recebeu” (Macedo, 2003: 5).
180
Como é descrito no Programa, atendendo “ao carácter progressivo e faseado da
intervenção (...) os educandos que partilhem uma mesma fase estarão mais próximos entre si
ao nível da maturidade e capacidade de compreensão e adaptação a novas realidades” e é na
2ª fase da intervenção “quando se deve materializar toda a função educativa e de tratamento
porque é quando verdadeiramente se está no internamento. Depois de se ter chegado e antes
de se ter partido” (Macedo, 2003: 11).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 533
Quanto ao grau de ensino, o IRS refere que o 2.º ciclo do Ensino Básico
era o mais frequentado pelos jovens internados – correspondendo a 48,4%,
encontrando-se no 3.º ciclo 21% do total. No que diz respeito às áreas de
formação pré-profissional, 85,4% dos jovens frequentavam alguma das áreas
existentes, sendo as mais frequentadas as de Artes Visuais e Decorativas, por
39,3%; a área de Electricidade, por 29,2% dos educandos e a de Cerâmica,
que ocupava 26,9% do total de jovens internados.
Quadro VIII.1
Lotação dos centros educativos em 31/12/2003
Alberto de Souto 17 17
Bela Vista 39 39
Mondego 33 33
Navarro de Paiva 19 19
Olivais 28 28
Santa Clara 27 27
Santo António 38 38
São Bernardino 12 12
São Fiel 21 21
São José 6 6
Vila Fernando 31 31
Quadro VIII. 2
Jovens internados em 31/12/2003 segundo a situação jurídica e o regime de execução
Alberto de Souto 17 3 4 10
Bela Vista 39 5 12 22
Mondego 33 1 6 20 6
Navarro de Paiva 18 4 14
Olivais 28 1 3 1 16 7
P. António de Oliveira 23 2 14 7
Santa Clara 26 11 15
Santo António 38 7 2 23 6
São Fiel 21 2 19
Vila Fernando 31 2 20 9
São Bernardino 12 3 4 4 1
São José 6 1 1 4
Subtotal Feminino 18 4 5 8 1
Quadro VIII. 3
Jovens internados, em 31/12/2003 segundo o motivo da intervenção (tipo de ilícitos
penais dominantes)
Motivo da
Crime contra a Crime contra a Crimes
intervenção Crimes contra Crimes respeitantes Outros
integridade liberdade e contra a Total
a propriedade a estupefacientes crimes
física autodet. sexual vida
Sexo
Feminino 12 1 1 1 3 18
Quadro VIII.4
Duração das medidas de internamento em 30/04/2003
Navarro de Paiva 11 _ 1 1 2 7 _
Vila Fernando 17 _ _ 3 2 10 2
P.e António de
16 _ 1 3 3 8 1
Oliveira
Bela Vista 32 _ 3 7 7 15 _
Olivais 22 _ 1 3 7 9 2
Mondego 20 _ 1 8 4 7 _
São Fiel 14 _ 1 5 2 6 _
Alberto de Souto 6 _ 1 2 1 2 _
Santo António 22 1 2 3 6 10 _
Santa Clara 20 _ 4 9 2 5 _
São Bernardino 8 _ _ 4 _ 4 _
São José 6 1 1 2 _ 2 _
Subtotal Feminino 14 1 1 6 _ 6 _
Fonte: IRS
Quadro VIII.5
Duração das medidas cautelares de guarda – 30/04/2003
Navarro de Paiva 6 4 _ _ 2
Vila Fernando 11 6 _ _ 5
Bela Vista 7 6 1 - _
Olivais 6 4 _ 1 1
Mondego 7 6 _ _ 1
São Fiel 2 2 _ _ _
Alberto de Souto 5 4 _ _ 1
Santo António 8 7 _ _ 1
Santa Clara 3 3 _ _ _
Subtotal Masculino 61 48 1 1 11
São Bernardino 4 2 _ _ 2
São José 3 _ _ 1 2
Subtotal Feminino 7 2 _ 1 4
Fonte: IRS
Quadro VIII.6
Duração das medidas de internamento por regime de execução
Regime Aberto 31 1 6 7 3 14
Regime Fechado 31 2 4 3 18 4
Fonte: IRS
181
Não foi possível proceder à recolha, em todos os processos consultados, de todos os dados
que tínhamos seleccionado para a nossa análise, por em alguns processos esses elementos
não constarem. Esses casos estão identificados como desconhecido, n.a ou n.e.
544 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
A idade
Comecemos por analisar a idade dos jovens, quer à data da prática dos
factos qualificados como crimes, quer à data do internamento nos centros
educativos.
Gráfico VIII.1
Idade à data dos factos (centros educativos dos Olivais e da Bela Vista)
60 58,3
50
40
30 33,3
27,8 25,0
22,2
20 16,7
16,7
10
0,0
0
12 13 14 15
Gráfico VIII.2
Idade à data do internamento
Centros educativos dos Olivais e da Bela Vista
50
47,1 46,2
40
30 29,4 30,8
20
15,4
10 11,8 11,8
7,7
0,0 0,0
0
13 14 15 16 17
De registar que nenhum jovem foi internado com 12 anos, apesar de uma
percentagem considerável (cf. Quadro VIII.1) ter praticado, com essa idade, os
factos qualificados como crime na base do processo tutelar educativo e de nos
processos consultados no Centro Educativo dos Olivais nenhum jovem aí ter
dado entrada antes dos 14 anos.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 547
A nacionalidade
A área de residência
Quadro VIII.7
Área de residência antes do internamento
Total 13 100,0
Apesar de uma das normas da LTE (artigo 150.º, n.º 2) determinar que
deve ser tentada a colocação do jovem no Centro Educativo mais próximo da
sua residência, a verdade é que, não raras vezes, os jovens são internados em
centros educativos muito distantes da sua área de residência e dos seus
familiares. A explicação dada para esta situação resulta da sobrelotação que se
regista em alguns centros educativos, sendo difícil ao IRS enquadrar os jovens
em unidades residenciais com o regime de execução definido pelo Tribunal e
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 549
A situação familiar
Gráfico VIII.3
Situação antes da intervenção em Centro Educativo
100
80 84,2
76,9
60
40
20
15,4 10,5
7,7 5,3
0
a viver com pai a viver com internado em
e/ou mãe outro familiar instituição
Destes dados, o que se destaca é que a maioria dos jovens vivia, pelo
menos, com um dos pais. Resulta, contudo, de muitos relatórios sociais
consultados que estes jovens eram oriundos de famílias desestruturadas,
vivendo em habitações degradadas, exíguas, habitadas por agregados
familiares numerosos (num relatório social era referido que o jovem em causa
partilhava o quarto com mais dois irmãos e a cama com a avó acamada), sem
qualquer higiene ou conforto, sendo recorrente a designação das suas casas
como “casa abarracada de auto-construção clandestina”, inseridas em bairros
referenciados como muito problemáticos.
Gráfico VIII.4
Situação escolar e/ou profissional antes da intervenção
70
63,2 63,6
60
50
40
36,4 36,8
30
20
10
0,0 0,0 0,0 0,0
0
a estudar a estudar e a trabalhar desocupado
trabalhar
O grau de escolaridade
Gráfico VIII.5
Grau de escolaridade antes da intervenção
70
66,7
60
50
40
38,5
30 30,8
22,2 23,1
20
10
0,0 5,6 0,0 5,6 7,7 0,0
0,0
0
não sabe ler sabe ler e ensino ensino ensino ensino
nem escrever básico (1.º básico (2.º básico (3.º recorrente
escrever ciclo) ciclo) ciclo)
Gráfico VIII.6
Grau de escolaridade / Idade de internamento - Centro Educativo dos Olivais
100 100,0
80
60
50,0 50,0 50,0 50,0
40
25,0 25,0
20
16,7 16,7 16,7
0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
0
ensino básico (1.º ciclo) ensino básico (2.º ciclo) ensino básico (3.º ciclo) ensino recorrente
13 % 14 % 15 % 16 % 17 %
Gráfico VIII.7
Grau de escolaridade / Idade de internamento – Centro Educativo da Bela Vista
80 80,0
70
60
57,1
50 50,0 50,0 50,0 50,0
40 42,9
30
20 20,0
10 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
0
não sabe ler nem escrever sabe ler e escrever ensino básico (1.º ciclo) ensino básico (2.º ciclo)
13 % 14 % 15 % 16 % 17 %
Gráfico VIII.8
Existência de Processos de Promoção e Protecção
90
84,6
80
70 68,8
60
50
40
31,3
30
20
15,4
10
0
Sim Não
Gráfico VIII.9
Outros processos no âmbito da Lei Tutelar Educativa
Centros educativos dos Olivais e da Bela Vista
80
76,9
70
60 61,1
50
40 38,9
30
23,1
20
10
0
Sim Não
182
A propósito de internamento para realização de perícias sobre a personalidade apenas
referiremos os casos dos jovens a cumprirem medidas tutelares de internamento que antes
foram sujeitos a internamento para realização dessas perícias.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 559
Quadro VIII.8
Medidas tutelares educativas e cautelares de guarda
Medida tutelar -
0 0,0 6 30,0 6 18,2
Regime Aberto
Medida Tutelar -
8 61,5 12 60,0 20 60,6
Regime Semiaberto
Medida Tutelat -
3 23,1 0 0,0 3 9,1
Regime Fechado
Medida Cautelar de
2 15,4 2 10,0 4 12,1
Guarda
Muitos dos jovens que à data dos estudos de caso realizados estavam a
cumprir medida tutelar de internamento, antes tinham sido sujeitos a
internamento para cumprimento de medida cautelar de guarda. Vejamos como
esses jovens se distribuíam pelos dois centros educativos.
atrás referimos, não há uma prática uniforme dos tribunais. A nossa análise
detectou que apenas em alguns processos havia referências expressas ao
desconto do período decorrido em cumprimento de medida cautelar na fixação
da duração da medida tutelar educativa, havendo casos em que se referia que
não se procedera a esse desconto.
Os factos praticados
Quadro VIII.9
Distribuição da totalidade dos factos praticados por educando, por situação de
internamento e por regime de execução – Centro Educativo dos Olivais
Furto qualificado 4 . 3 . 1 . . 8 . 2 . 2 . . 10
Extorção . . . . . . . . . . . .
Falsificação de documentos ou de
. . . 1 1 . . 2 . . . . . 2
notação técnica, sua danificação ou
Substâncias explosivas ou
. . . . . . . 1 . . 1 . . 1
análogas e armas
Tráfico e actividades ilícitas,
. . . . . . . . . . . .
simples ou agravado ( inclui
Condução sem habilitação legal . . . . 1 . . 1 . . . . . 1
Total 0 8 3 4 3 8 2 1 29 9 2 1 12 4 1 5 46
Quadro VIII.10
Distribuição da totalidade dos factos praticados por educando, por situação de
internamento e por regime de execução – Centro Educativo da Bela Vista
Furto qualificado 1 . . . . . 1 . . . . . . . . . 1 1 2 4 . .
Extorção . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 . 1
Falsificação de documentos ou de
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
notação técnica, sua danificação ou
Substâncias explosivas ou
. . . . . . . . . . . . 1 . . . . . 1 . .
análogas e armas
Tráfico e actividades ilícitas,
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 . 1
simples ou agravado ( inclui
Condução sem habilitação legal . 1 . 1 . . 2 . . . . . . . . . . . . . .
Total 1 4 0 8 1 1 15 3 1 2 5 2 4 9 6 1 2 3 4 42 0 4 4 8
Fonte: OPJ
183
Na categoria “crime contra as pessoas” consideramos os seguintes factos qualificados pela
lei penal como crimes: ofensa à integridade física simples e privilegiada, ofensa à integridade
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 565
física grave, agravada e qualificada, ameaça ou coacção, abuso sexual de crianças e menores
dependentes, outros crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, publicidade e
calúnia e violação de domicílio e introdução em lugar vedado ao público; na categoria “crimes
contra o património sem violência”, englobámos os factos qualificados como crime de furto,
furto qualificado, furto de uso de veículo, dano simples e qualificado e burla simples e
qualificada; na categoria de crimes contra o património com violência, incluímos os factos
qualificados como crime de roubo ou violência depois da subtracção e extorsão; na categoria
dos “crimes contra a sociedade” incluímos os factos qualificados como crime de falsificação de
documentos ou de notação técnica, sua danificação ou subtracção e atestados falsos,
substâncias explosivas ou análogas e armas, tráfico e actividades ilícitas, simples ou agravado
e condução sem habilitação legal. Quanto aos crimes contra o património, entendemos que
seria conveniente distinguir aqueles que foram praticados com violência daqueles em que não
houve recurso a violência.
566 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
Quadro VIII.11
Categorias de factos qualificados como crime – os 2 centros educativos
Lisboa (Bela
Coimbra (Olivais) Total
Vista)
Nº % Nº % Nº %
nos centros educativos não praticou apenas um facto qualificado como crime,
mas um conjunto de factos qualificados pela lei como crimes, e terá sido esse
conjunto de situações a desencadear a aplicação das medidas tutelares
educativas privativas da liberdade.
Quadro VIII.12
Crimes ocasionais e plúrimos nos centros educativos dos Olivais e da Bela Vista
Nº % Nº % Nº % Nº %
Lisboa (Bela
1 5,0 8 40,0 11 55,0 20 100,0
Vista)
Total 2 13 18 33
regime semiaberto (14 casos), e, a par dos factos qualificados como crime de
ameaça ou coacção, igualmente o mais praticado entre os educandos em
regime fechado; os factos qualificados como crime de roubo ou violência
depois da subtracção, com 4 casos em regime semiaberto e 2 em regime
fechado (cf. Quadro VIII.9).
Nos dois centros educativos, 4 dos 18 jovens que tinham praticado factos
qualificados como crimes plúrimos tinham processos de promoção e protecção
e 3 dos 13 educandos que praticaram factos qualificados como crimes
ocasionais também.
Como atrás referimos, admitimos que alguns dos jovens em relação aos
quais não existia qualquer referência a processos de promoção e protecção na
documentação que consultámos no Centro Educativo pudessem, contudo, ter
um processo desta natureza.
574 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
Nos dois centros educativos, entre a prática dos factos qualificados pela
lei penal como factos qualificados como crime e a data do acolhimento no
jovem no Centro Educativo, em 4 dos 27 casos em que dispomos desta
informação, decorreram entre 12 a 18 meses, num dos casos esse intervalo
temporal foi de 6 a 12 meses, tendo havido 2 casos em que o tempo decorrido
desde a prática dos factos ao acolhimento foi até 6 meses, sendo de salientar
que em 9 situações o período entre os dois momentos foi entre 18 e 24 meses.
Ao ir viver com a mãe, Alberto foi inscrito, em 2001, numa escola, porém,
a mudança “não trouxe aparentes alterações, repetindo os anteriores padrões
de comportamento”. O relatório social destaca “alguns sintomas indicadores de
mau estado emocional que, pela sua persistência, se revelam preocupantes:
fugas de casa com episódios de ausências prolongadas por vários dias;
enurese nocturna; episódios de auto-agressão; absentismo escolar e atitudes
provocatórias e perturbadoras dentro da escola; experiências com consumos
de substâncias tóxicas nem sempre assumidas pelo menor (tabaco, álcool e
haxixe); pequenos furtos; agressões físicas”.
sentido de que Alberto “ainda necessita de apoio para reforçar o seu equilíbrio
e estabilidade emocional”, sendo “importante continuar a envolver a família no
seu processo educativo, mantendo visitas e fomentando o normal
relacionamento, com vista a uma adequada reinserção no seu meio de origem”.
Análise / comparação
Os dois casos relatados, para além das suas especificidades (no primeiro
caso houve uma institucionalização falhada no sistema de protecção social,
enquanto o segundo jovem não teve institucionalização), têm muito em comum:
famílias carenciadas (uma mais disfuncional outra mais vulnerável
economicamente); uma má relação com a escola e baixo nível de escolaridade;
584 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
Dois anos após a entrada em vigor da LTE, o IRS, no âmbito das medidas
institucionais, levantou algumas questões.
“Nós sempre sentimos que, talvez com esta lei se tenha criado um
novo elan e um novo impulso (...). O miúdo vai a Tribunal e a coisa
tem o sentido que tem que ter. A seriedade das audiências, do
julgamento, tudo isso é muito importante (...), esta lei trouxe coisas
fundamentais, como a definição do tempo da medida. É
extremamente importante, é organizador do ponto de vista psíquico
para eles. Era terrível não saber nunca quando é que iam embora”
(Ent. 26).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 591
“(...) a única hipótese que tenho de fazer alguma coisa por este
miúdo, é metê-lo num regime aberto num Centro Educativo do
Ministério da Justiça, porque se esse miúdo tivesse uma família
normal, estável, não precisava de ir para uma medida de
internamento, nem iria. Mas a este miúdo cujo paradeiro se
desconhece e que quando for localizado vai desaparecer outra vez,
estar-lhe a aplicar uma medida de acompanhamento educativo, por
exemplo, é a mesma coisa que não lhe estar a aplicar coisa
nenhuma porque ele não vai cumprir nada” (Ent. 10).
“Às vezes eles têm ideia que grande parte daqueles miúdos que
têm medida cautelar de guarda são miúdos que passaram para a
Segurança Social, que depois se portaram mal na Instituição, e,
portanto... alguns ficaram muito perturbados com a gravidade do que
fizeram e queriam-se desviar. E a medida aplicada, no fundo, tem
um bocadinho a ver com a tal falta de estruturas da Segurança
Social e familiares (Ent. 28).
os dados todos, mas eu era tentada a dizer que nenhum menino que
entrou em regime fechado cumpriu a medida toda em regime
fechado” (P-6).
“Vão ao artigo 128.º, como vêem que o artigo 128.º da LTE manda
apenas aplicar as normas do Código de Processo Penal «Aplica-se
subsidiariamente às disposições deste título do Código de Processo
Penal» e como a questão do desconto da prisão preventiva do artigo
80.º está no Código Penal, logo não está no CPP, não aplicam o
mesmo regime de desconto. Não nos esqueçamos que o artigo 80.º
do CP é uma medida adjectiva colocada num código substantivo e
que estamos a falar de medidas que limitam a liberdade. Eu penso
que tem fatalmente que haver desconto. É a minha opinião pessoal
sob pena de inconstitucionalidade de tratamento de miúdos de forma
mais gravosa” (Ent. 25).
E dá um exemplo:
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 613
A área escolar
“Tenho a ideia de que temos que conquistar estes miúdos que não
têm ritmos de trabalho. Tem havido necessidade de estabelecer uma
relação muito próxima e directa, e isso consegue-se numas aulas,
por exemplo, com uma tábua de madeira porque, passadas duas
horas temos qualquer coisa... E isso é indispensável para conseguir
cativar, envolver, motivar. Estamos com alguma dificuldade na área
da carpintaria e da mecânica-auto, estamos a ver se conseguimos
ligar a mecânica com a parte da serralharia civil. São pequenos
trabalhos em que também ao fim de algumas horas se vê o
618 Capítulo VIII - As medidas tutelares educativas institucionais
Mas, de acordo com algumas opiniões, há que dar o salto para modelos
de formação / educação que dêem certificação escolar e que proporcionem
fácil inserção no mercado laboral:
“Há que dar o salto, até pelas idades, para outro tipo de formação,
pelo menos uma turma para trabalhar os conteúdos escolares. Isto
não se coaduna com as necessidades educacionais que temos.
Precisamos de formação/educação para jovens adultos que dêem
certificação escolar. O problema é que estes cursos demoram muito
tempo e temos de ver o tempo da duração da medida” (Ent. 48).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 619
“O que me choca é que a Lei, com outro tipo de cursos, com outro
tipo de formação, poderia permitir o desenvolvimento do jovem, mas
com estes programas todos, porque os cursos são, neste momento,
carpintaria, olaria, não é permitida tal formação. Há um fosso muito
grande entre essa preparação e a realidade social. Há outras formas
muito mais atraentes aos jovens para se desenvolverem, para serem
ajudados no seu crescimento (...). Deve poder haver essa
ressocialização, que devia ser possível a partir deste sistema
independente dos moldes. Tem que haver um empenhamento muito
maior das entidades para atingirem esse objectivo, e não é, acho eu,
com esse tipo de cursos que se vai conseguir fazer uma preparação
correcta do jovem“ (P-8).
“Um outro aspecto que não posso deixar de referir, e foi o que me
desagradou, efectivamente, no Centro Educativo, e que mais achei
muito próximo das prisões, foi a questão das «celas disciplinares»,
chama-se quarto de isolamento do menor, quando o menor se porta
mal lá dentro. É, sem dúvida, uma situação que está legalmente
prevista e é uma das coisas que no regime fechado não se devia
suscitar, mas se há uma situação destas em que há um quarto onde
o menor porque fez determinada coisa fica fechado, não posso
concordar... e que é posto lá por um determinado período de horas
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 623
uma clínica privada, mas não é na clínica privada que temos que
tratar os 38 que aqui estão, a não ser que tenhamos um orçamento
principesco para andar a tratar dos dentes... Agora não há uma
resposta pública decente. Se eu tiver um miúdo com uma dor
apertada, tenho que esmifrar o orçamento para o levar à clínica
porque no hospital não me atendem. E no hospital o que é que
depois lá fazem? É arrancar o dente, agora tratamentos... Portanto,
a resposta é muito fraquinha. Na intervenção que é feita no hospital,
fazem o básico dos básicos” (Ent. 26).
A saúde mental
Quanto à saúde mental, não existe qualquer resposta específica por parte
do Ministério da Saúde, apesar de ser desejável que todos os centros
educativos estivessem, pelo menos, apetrechados com apoio psicológico:
de Paiva tem trabalhado nesta área, mas devia haver uma resposta
específica do Ministério da Saúde” (Ent. 1).
“ (...) com vista a essa educação para o direito, nós criámos aqui,
desde Dezembro passado, a sub-equipa de clínica terapêutica. Nós
temos aqui médico psiquiátrico e médico de clínica geral, não é bem
de clínica geral mas faz esse papel, e, entretanto, criámos uma
equipa mais de apoio psico-terapêutico individualizado. Nas reuniões
que temos tido, fizemos um levantamento de alguns jovens que,
entre todos, (...) podiam estar mais necessitados de beneficiar desse
apoio na globalidade. Neste momento, estamos a acompanhar oito e
gostaríamos de alargar mais, com uma outra equipa, para o
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 627
A família
“(...) não com muita frequência (...), mas temos tido visitas de
magistrados judiciais. Magistrados do Ministério Público tivemos
uma visita aqui (...), uma vez, no âmbito de um Seminário que aí
houve, uma visita de grupo. Mas, por mote próprio, nenhum
magistrado do Ministério Público, que eu saiba...” (P-6).
“Eu só fui uma vez, mas não falei com menor nenhum, fomos visitar
o Centro, fomos todos aqui do Tribunal, mas não falámos com
menores. Com a nossa vida no Tribunal é difícil...” (Ent. 10).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 633
Para alguns, não só seria benéfica uma maior articulação, como também
a presença do magistrado no Centro Educativo:
“(...) devia haver uma fase final de adaptação ao meio exterior. Devia
ser obrigatória uma fase transitória do final da medida até a inserção
na sociedade. Por vezes, os próprios menores pedem para ficar
mais tempo no Centro Educativo. No âmbito da LPCJP, por
exemplo, quando o menor atinge 18 anos pode pedir para continuar
no Centro de Acolhimento até aos 21 anos – ora, isto também devia
ser possível na LTE, como prolongamento do Internamento. A ideia
de que o menor não quer ser internado não é correcta. A transição
do Centro Educativo para a vida completamente autónoma devia ser
feita com acompanhamento” (Ent. 22).
Conclusões e Propostas
Conclusões
das medidas aplicadas pelos tribunais aos jovens que praticam factos
qualificados como crime. Por um lado, estas medidas não são, em muitos
casos, suficientemente eficazes para evitar a reincidência e, por outro, há
um importante número de jovens, com determinadas características
sociais, que ficam fora deste sistema. Concluem, ainda, que há medidas
tutelares cujas potencialidades na educação para o direito não têm sido
maximizadas.
14. Este modelo de protecção, que só viria a ser alterado com a reforma
de 1999, assente judicialmente em Tribunais de Menores de competência
especializada, tinha como objectivo a protecção judiciária no domínio da
prevenção criminal, através da aplicação aos jovens com dificuldades de
adaptação a uma vida social dita normal ou que revelassem tendências
para a mendicidade, vadiagem, prostituição ou delinquência, de medidas
cujo fim essencial assentava na protecção e reeducação e não na sua
punição ou reprovação social, não distinguindo na aplicação destas
654 Conclusões e propostas
30. Há uma grande diferença entre o peso relativo das medidas tutelares
educativas aplicadas aos jovens sujeitos de um processo tutelar educativo
no Tribunal de Família e Menores de Coimbra e de Lisboa. Essa
diferença, resulta, em larga medida, do número e do tipo de facto
qualificado como crime pelos quais são condenados os jovens, dado que
em Lisboa há uma percentagem maior de condenados por factos
qualificados como crimes plúrimos e por crimes contra o património com
violência (roubo) o que implica, por si só, uma adequação da medida à
maior gravidade das infracções. Não surpreende, por isso, que o peso
relativo das medidas de maior gravidade - internamento em centro
educativo e acompanhamento educativo - seja maior em Lisboa. Merece,
também, referência o facto de no Tribunal de Família e Menores de
Coimbra os juízes aplicarem mais medidas combinadas, sendo residual o
peso relativo da medida de admoestação, que, em Lisboa, tem uma
percentagem de cerca de 15%.
dados. Uma referente aos dados oficiais, a nível nacional, fornecidos pelo
IRS sobre a sua actividade operativa para os anos 2001, 2002 e 2003;
outra, resultante de dados, recolhidos pelo Observatório Permanente da
Justiça Portuguesa, de uma amostra de processos em execução nas
equipas de família e menores do IRS no Centro e em Lisboa e Vale do
Tejo.
como Lisboa, que tendem a praticar factos qualificados como crime mais
graves.
59. De acordo com uma avaliação levada a cabo pelo IRS, foram
levantados alguns problemas no que respeita à execução das medidas
institucionais.
Propostas de Reforma
iii. a criação de uma cultura judiciária por acção dos juízes, advogados,
magistrados do Ministério Público e técnicos, designadamente:
CABRAL, Santos. 1998. «Espaço Urbano e Gangs Juvenis» in Sub Judice, n.º
13.
CARVALHO, Maria João Leote de. 2002. «Entre as malhas do desvio. Jovens,
espaços, trajectórias e delinquências». Dissertação de Mestrado em
Sociologia. Universidade Nova de Lisboa.
CASTRO, José dos Santos. 1999. «Socialização das crianças de rua e lógicas
de intervenção das redes de suporte social». Lisboa: Gabinete de Estudos
Jurídico-Sociais do Centro de Estudos Jurídicos.
DOUARD, Olivier; FICHE, Gisèle. 2001. «Les jeunes et leur rapport au droit»,
in Les jeunes et leur rapport au droit. Paris: L’Harmattan.
MOTA, José Luís Lopes da. 1999. «A Reforma do Direito de Menores: Síntese
e Linhas Gerais» in Reforma do Direito de Menores. Ministério da Justiça
e Ministério do Trabalho e da Solidariedade.
ROSA, Maria João Valente; SEABRA, Hugo de; SANTOS, Tiago. 2003.
«Contributos dos “Imigrantes” na Demografia Portuguesa: o papel das
populações de nacionalidade estrangeira». Lisboa: Alto Comissariado
para a Imigração e Minorias Étnicas/Observatório da Imigração.
Equipa de Investigação
Fátima Sousa
Rita Silva
Susana Baptista
Taciana Peão Lopes
Anexo
F AC U L D AD E D E E C O N O M I A
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
2004
Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei
Tutelar Educativa”
20/02/2004
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa 1
Intervenientes1:
Dra. Ana Maria Rodrigues, Dra. Clara Albino, Dra. Dulce Rocha, Dr. Fernando
Tordo, Dr. José Augusto Ferreira da Silva, Dra. Isabel Cunha Gil, Dra. Joana
Marques Vidal, Dr. José António de Carvalho, Dr. José Sousa Pinto, Dra. Olga
Maciel, Dr. Paulo Correia.
1
A identificação dos operadores judiciários faz-se pela letra P, seguida de um número atribuído
a cada um dos intervenientes, em função da ordem da sua primeira intervenção no respectivo
painel. Esta ordem é completamente diferente da que consta da lista de intervenientes, em que
os participantes foram identificados por ordem alfabética.
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 2
por ir e depois são dispensadas. Eu penso que nós não temos o direito de
proceder desta forma. Eu acho que numa futura alteração deveria ser
introduzida uma previsão no sentido da dispensa de testemunhas nessa fase, a
não ser que, à partida, fosse previsível que não houvesse aceitação da parte
do menor ou dos pais, da medida tutelar. Outro problema que também se me
tem colocado, tem a ver com a questão da contagem do tempo da medida
cautelar de guarda na duração da medida de internamento. (...) No âmbito do
processo penal típico, o tempo da medida de prisão preventiva é descontado
na pena. Em termos da Lei Tutelar Educativa não está nada previsto a esse
propósito, o que significa que há procedimentos dispares a este propósito... Eu,
pessoalmente, tenho feito repercutir a medida cautelar de guarda,
descontando-a, portanto, na medida de internamento mas sei que há tribunais
onde esse procedimento não é seguido.
Há outros aspectos de natureza legal como, por exemplo, a falta de
previsão de um regime que permitisse a suspensão da medida de
internamento, que me parecia muito útil nalgumas situações, que servisse
como uma advertência quase, quase uma advertência final ao menor, penso
que seria de alguma utilidade.
Uma outra questão tem a ver com as situações em que, findo o
inquérito, se conclui pela inimputabilidade do jovem e que, face à lei, isso
determina o imediato arquivamento do processo com a remessa do mesmo
para fins de aplicação, se houver necessidade disso, de um regime de
internamento, não já no âmbito da Lei Tutelar Educativa mas, e estou a falar do
artigo 49º da Lei Tutelar Educativa, e no âmbito do internamento, o
internamento de pessoas portadoras de deficiência e portadores de problemas
de natureza psiquiátrica. Parece-me que este sistema não está muito bem
organizado. A meu ver, poder-se-ia aproveitar o processo tutelar educativo
para dar seguimento a esse internamento, não já com fins educativos, mas
com fins de tratamento desses jovens. O que acontece é que um miúdo,
nessas condições, o processo ou termina com a aplicação de uma medida
tutelar de internamento ou com o arquivamento neste caso, e seguir-se-á um
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 3
OPJ: A Lei Tutelar Educativa deveria ter aqui uma maior flexibilidade? É
ou não excessivamente formal? Há ou não um paralelismo muito forte com a
Lei do Processo Penal?
P-2: Eu creio que essa foi a intenção do legislador e contra isso nós não
podemos fazer...
OPJ: Mas, nós estamos aqui também para reflectir sobre essa questão.
nos permitimos chegar foi a de que esta Lei foi feita a pensar, essencialmente,
na vivência das grandes cidades, como Lisboa, Porto, Coimbra, e que está
bastante distanciada da realidade dos menores da nossa comarca.
Na verdade, a realidade dos menores neste tipo de comarcas, e falo da
Guarda, Covilhã, Castelo Branco etc., e por aquilo que tenho constatado,
designadamente na troca de impressões com os colegas, é a realidade dos
factos e as situações ocorridas são totalmente distintas das dos grandes meios.
A nossa realidade é a dos menores que fazem um risco no carro do
vizinho, que tiram umas laranjas, que fazem uns pequenos furtos e, portanto,
conseguir conciliar esta realidade com a nova Lei Tutelar Educativa, torna-se
ainda muito mais difícil.
A OTM, nesse sentido, como a Sra. Dra. disse, dava-nos a possibilidade
de estarmos muito mais próximos dos menores. Aplicávamos uma pena de
admoestação sem termos que estar à espera de todo aquele processo com
audiência preliminar, com audiência final, com prova e só depois decisão.
É certo que há alguns mecanismos que pretendem resolver, de alguma
forma, esta morosidade, desde logo ao nível do Ministério Público, com a
suspensão provisória do processo.
Este instituto processual é o que mais se tem aplicado, pelo menos no
Tribunal da ..., pois, de facto, na maioria das vezes, é essa a solução mais
adequada.
E é também por isso, que posso dizer, que, neste momento, temos
apenas 4 processos pendentes ao abrigo da Lei Tutelar Educativa. Esta
reduzida pendência é sintomática daquilo que realmente nos chega que, já é
muito pouco, porque se tenta fazer essa filtragem ao nível do Ministério
Público.
Por todas estas razões, eu penso que esta formalização e este
paralelismo com o Processo Penal, para nós, ainda é, como já referi, muito
mais notório do que talvez o será no Tribunal de Família e Menores.
Uma outra questão que também queria colocar, e que, aliás, me foi
solicitado que colocasse, é a que se prende com a denúncia e desistência da
queixa de crimes semi-públicos, ao abrigo da LTE (Lei Tutelar Educativa).
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 5
P-4: Isso é um problema que nos levaria mais longe. Para o cidadão é
muito difícil de compreender. Penso que no que respeita ao Ministério Público
que tem uma estrutura hierarquizada, tendencialmente, a questão poderia ser
resolvida. Por banda da magistratura judicial, as coisas aí serão diferentes,
dada a independência da função, a sua não submissão a orientações
hierárquicas. Mas aí, temos a jurisprudência que, ao longo do tempo, irá
tentando uniformizar entendimentos sobre questões que vêm tendo decisões
diferentes. É evidente que nesta área do processo tutelar educativo, a acção da
jurisprudência também sofre muito com o facto de não se verem muitos casos
de recurso, o que poderia constituir uma verdadeira limitação à tal
uniformização.
P-5: A questão que a Sra. Dra. está a colocar não tem só a ver com a
Lei Tutelar Educativa. A discussão seria muito mais longa. Tem a ver com o
que é a hierarquia do MP (Ministério Público). O que é que é susceptível de ser
ordenado em termos superiores? Quais os limites de intervenção hierárquica?
Isto é uma questão bastante mais complicada. Há quem entenda que o Sr.
Procurador-Geral deve emitir orientações de natureza doutrinária nesta
matéria. Mas há quem entenda que não o deve fazer; ou, pelo menos não se
deve recorrer frequentemente deste meio (O MP não é propriamente uma
tropa). Não está na nossa tradição, e eu digo ainda bem, que haja orientações
frequentes. Repare, não são orientações de procedimento, são orientações de
interpretação da Lei, o que é um pouco distinto. Portanto, existe alguma
liberdade de interpretação da lei por parte do magistrado. E tem-se optado por
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 7
OPJ: Mas como é que duas crianças que praticam actos muito
semelhantes, podem ter tratamentos diferenciados? Como é que se pode
esperar que essas crianças possam compreender toda esta complexidade de
interpretações dos agentes e, sobretudo, em questões de natureza processual.
P-3: Há, segundo creio, que separar aspectos que são diferentes.
Quando se fala da natureza das medidas a aplicar ou quando se fala das
penas ou da medida da pena, aí cada um de nós tem o seu "peso", a sua
"bitola", tem o seu ponto de vista e toda a gente haverá de compreender isso.
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 8
um certo grau de certeza das normas, para que não andem todos os dias "a
fazer diferente jurisprudência".
P-7: Eu estou de acordo com muitas coisas que já foram aqui ditas, mas
começaria por dizer o seguinte: esta Lei é, no essencial, positiva. É verdade
que a OTM permitia, provavelmente, uma maior flexibilidade e aproximação,
mas também permitia muitos atropelos. Portanto, a necessidade da
comprovação da existência de facto delituoso para que possa ser aplicada uma
medida é algo inovador e absolutamente essencial. Eu acho que isso ficou
claro. Não se pode criar a ideia, não se pode generalizar a tendência, de que
tudo o que é denunciado se passou efectivamente. E, portanto, eu acho
extraordinariamente grave poder aplicar-se uma pena com base nessa ideia. E
eu digo isto pelo seguinte, ocasionalmente fui apanhado num Tribunal onde era
preciso um defensor para os menores, (...) e, não sei se já disse isto
publicamente, fiquei particularmente sensibilizado para a questão porque disse
ao magistrado: “Bom, primeiro terei de falar com os menores” porque isso era
essencial para saber tudo o que aconteceu, o que é que eles fizeram, em que
circunstâncias é que as coisas se passaram. Só assim estaria em condições de
participar na diligência. Eu achava que essa minha exigência era natural e
inquestionável. No entanto, vi que o magistrado ficou um pouco surpreendido
com a minha exigência de falar previamente com os menores. E constatei que
o normal era o magistrado fazer a audição dos menores sem que o Advogado
tivesse falado previamente com eles. O que é inaceitável.
P-7: Estou a falar só dos advogados. Não é por acaso que a Lei, e
chamo a atenção para o artigo 46º, expressamente, refere a necessidade de ao
menor ser nomeado um advogado, ou um advogado estagiário, mas em
princípio um advogado, preferencialmente com formação especializada nesta
matéria e, portanto, quer dizer, a Lei quis que, de facto, expressamente, o
advogado fosse particularmente preparado nesta área específica. A questão é
que a preparação, também já disse isso noutras circunstâncias, não existe; a
Ordem dos Advogados pura e simplesmente não tem nenhuma preparação. É
uma questão que se tem de corrigir rapidamente porque esse é um aspecto
absolutamente decisivo. Uma outra questão e eu fiz uma recolha, é o facto de
não haver jurisprudência praticamente nenhuma sobre esta matéria. O que é
significativo. Por exemplo, sobre a contagem, a forma de descontar as medidas
cautelares não há jurisprudência, porque praticamente não há recursos.
P-8: Uma coisa fundamental nesta Lei foi considerar que o menor é
sujeito processual. Isto é um ponto fundamental e inovador na nova Lei. E aqui
acho que isto vai levar a que haja uma diminuição, e eu peço desculpa, dos
poderes do Ministério Público que até aí exerciam em relação ao menor. O
Ministério Público deve defender os interesses do Estado e o advogado deve
defender os interesses do menor. Isso implica um maior acompanhamento,
uma intervenção muito maior do advogado em todo o processo (não só no
processo judicial individualizado, mas no processo de desenvolvimento do
menor, no qual, por vezes, convergem vários processos judiciais) e, nesta
situação, esta é uma coisa em que os meus colegas não concordam comigo,
mas é a minha opinião, é que o advogado não se deve cingir àquilo que o
próprio menor quer, mas a sua intervenção deve ter como objectivo
precisamente a educação para o direito. O advogado não deve fazer aquilo que
o menor quer. O menor não tem noção de que se chegar à Valentim de
Carvalho e roubar uns Cds, local onde há lá tantos, a sua conduta é
censurável. E esta ausência de censurabilidade resulta da falta de
interiorização de um conjunto de valores e normas que estiveram totalmente à
margem do seu precário processo de socialização. O poder distinguir o que é
bom e o que é mau. Não tendo o jovem essa capacidade de interiorização das
normas sociais (se esta lacuna lhe advêm de si próprio ou da própria
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 14
sociedade, é um outro problema), não pode ter a noção que a sua conduta é
desviante; ele não tem critérios que lhe permitam distinguir o bem do mal
socialmente considerado. O advogado não pode actuar como o menor quisera
desde que essa actuação seja em sentido contrário à “educação para o direito”.
Cabe ao advogado tentar não fazer o que o menor quer, não é? Porque é um
cliente especial, não é um cliente como outro qualquer e é essa ideia que o
advogado deve ter em mente.
P-2: Isso não, Sra. Dra., há pouco fez aquela interrupção que eu achei
oportuníssima, quando confrontou o Sr. Dr. ... com a questão “do direito ao
silêncio do menor?”. Creio que nenhum de nós tem uma resposta absoluta
sobre isso porque haverá situações em que o silêncio poderá implicar uma não
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 17
OPJ: A mim parece-me, Srs. Drs., que há aqui uma questão presente,
que, aliás, os Srs. Drs. já falaram, que é a questão da formação. É preciso que
nós tenhamos advogados absolutamente preparados, bem como magistrados
do Ministério Público e magistrados judiciais. Justamente para que possam, por
exemplo, sair do paradigma do processo penal. É preciso haver aqui uma outra
visão dos factos, do processo. E para isso, obviamente, é preciso formação.
familiar que lhe era hostil e, portanto, aplicava-se uma medida limitativa do
exercício do poder paternal; ao passo que, se o miúdo andasse com um
comportamento delinquente poder-se-ia aplicar desde a admoestação,
passando pelo acompanhamento educativo, até ao internamento em
estabelecimento do IRS (Instituto de Reinserção Social), decisão esta
precedida de uma audiência com juizes sociais, o que não sucedia no primeiro
caso. Portanto, na OTM, o que havia era uma forma de processo que se
iniciava de forma igual, mas acabava de forma diferente. Agora, é a própria Lei
que nos empurra para uma situação em que podem estar miúdos com
problemáticas diferentes e que reclamariam tratamentos diferentes dentro da
mesma estrutura. Eu penso que a Segurança Social em Portugal tem que
caminhar para uma situação em que terá de criar estruturas próprias para
miúdos difíceis, ou seja, em que não se permita que no mesmo espaço estejam
miúdos com práticas de consumos, miúdos que andam na rua e crianças
maltratadas. Tem que haver estruturas diferentes e a Segurança Social não se
pode demitir. No entanto, os adolescentes que já iniciaram um percurso
delinquente deverão estar noutro tipo de estrutura, no âmbito da Justiça.
A questão deste artigo 72º não permitir ao Ministério Público prosseguir
um processo ou iniciar um processo sem queixa do ofendido, penso que isso é
uma situação muito grave e que, na minha opinião, tem consequências
nefastas. Porque, muitas vezes, quando se requer a fase jurisdicional é porque
a situação já está bastante grave, quando evoluiu muito negativamente por
ausência de intervenção atempada e adequada e o miúdo já pertence a gangs
e já anda com facas, por exemplo, e então, assiste-se à aplicação demasiado
frequente do regime fechado. O miúdo vai directamente para o fechado sem
passar por outras medidas, ou sequer pelo regime aberto ou pelo semi-aberto.
P-4: Penso que aqui temos que ser rigorosos com os termos, qualquer
pessoa pode denunciar ao Ministério Público um facto. A legitimidade para a
denúncia não levanta problemas, a denúncia é a comunicação ao Ministério
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 20
Público do facto ilícito, sendo que a Lei exige que nos crimes semi-públicos e
particulares esta seja feita pelo ofendido.
Questão diferente é a de saber se depois é admissível ou não a
desistência da queixa.
P-10: E eu também.
P-9: Eu também acho que ela tem razão, só que eu penso que a Lei...
P-10: Houve, de facto uma coisa extraordinária, nesta Lei, que foi ver os
Srs. Advogados preocupados com matérias relativas às crianças. Acho que
isso é uma coisa muito boa para o processo. Ver não só os magistrados, mas
também os advogados nos Tribunais de Menores, foi uma coisa pela qual
sempre lutei porque a Lei anterior muitas vezes não o permitia e, portanto,
acho que foi um avanço. Ouvir o que o menor sente, acho que ele tem o direito
à audição. Portanto, há coisas boas nesta Lei. Agora, não vamos é dizer que
está perfeito, já sabemos que não está, vamos procurar melhorar.
portanto, o núcleo duro do formalismo, para mim, acho que tem que ser o
menor como sujeito de direitos, com direito a contraditar, com direito a ser
ouvido, com direitos iguais aos adultos e muitos destes menores, não estamos
a falar de meninos de 12, 13 anos, ou seja, esta Lei podia começar aos 14
porque de 12, 13 anos temos 10 miúdos, 12 miúdos, não é por aí e, portanto,
podia ser aos 14. E quando eu digo podia, é no sentido de que muitos destes
miúdos quando chegam ao sistema e aos tribunais já sabem muito mais destas
coisas do que era suposto saberem, até porque têm, muitas vezes, até por
força de relações familiares, muito conhecimento do formalismo processual dos
adultos e perguntam: “Porque é que a mim não me é aplicado isto ou aquilo”, e,
portanto, nessa matéria, eu diria o núcleo duro do formalismo é em honra dos
direitos dos menores e das garantias processuais se são reconhecidas aos
adultos, por maioria de razão, têm que ser reconhecidas aos menores. O direito
de estar calado, na minha perspectiva, deve ser um direito, porquê? Porque os
processos tutelares não podem continuar a alimentar-se daquilo que hoje se
alimentam em 90% dos casos que é da confissão do menor. O resto das
provas quase não existe. E o que existe é a confissão do menor. O resto das
provas quase não existe. E, portanto, a confissão do menor, muitas vezes
pergunto se ele sabe qual é a consequência jurídica da sua confissão. E isto
tem a ver com direitos dos menores.
P-6: O que eu quero dizer é que aquilo que se discutiu aqui há pouco de
convergência ou divergência de posições no processo dos vários intervenientes
e, designadamente, do Ministério Público, eu penso que não podemos, naquilo
que é a minha visão da filosofia deste processo, não podemos transpor para
aqui a lógica do processo de partes ou a lógica do processo penal acusatório,
digamos assim, na perspectiva mais pura e dura, mas, há, digamos assim,
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 24
algumas coisas do processo penal, daquilo que tem a ver com garantias
processuais que não se podem esquecer. Eu diria o Ministério Público também
deve acima de tudo nortear-se pelo interesse do menor, assim como, o
advogado, mas o Ministério Público ficou, no âmbito do processo tutelar
educativo, com uma outra responsabilidade que, às vezes, na minha
perspectiva e em casos concretos, digamos assim, coloca algumas reservas,
que é a questão de fazer a prova do delito. E ao apresentar a prova do delito,
digamos assim, até que ponto isso não precisa, na minha perspectiva, que uma
outra pessoa seja a intérprete mais próxima daquilo que são os interesses do
menor e que é o advogado. E, portanto, eu diria, nesta matéria, temos muito a
caminhar, temos três anos, acho que já se fez muito mas temos muito a
caminhar. Na questão da uniformização da jurisprudência e naquilo que se
começou por falar que eu gostaria que ainda que se, talvez se houvesse
tempo, se retomasse que é, por exemplo, a questão do desconto ou não
desconto da medida cautelar de guarda.
Isto é das coisas que mais revolta os miúdos. No mesmo centro
educativo, na mesma unidade residencial, um teve 6 meses em cautelar de
guarda e a seguir levou dois anos de regime semi-aberto; o outro, teve 6
meses em cautelar de guarda e levou ano e meio. E isto é das coisas que mais
efeitos perversos tem naquilo que é a filosofia da Lei.
OPJ: Nós não nos podemos esquecer que 2 anos quando se tem 14
anos não é a mesma coisa quando se tem 40, não é?
P-6: Ora bem. Uma última questão que eu levantaria também, em sede
de ajustamentos que poderão justificar-se na Lei, é, e alguém já falou também,
é a da execução sucessiva de medidas.
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 26
OPJ: Exactamente.
P-6: Não é necessariamente, mas, na prática, Sr. Dr., é isso que se faz
de facto. Na prática é isso que acontece.
P-10: Mas o Sr. Dr. podia ouvir, na anterior Lei, as pessoas aos 18, mas
sem ser...
OPJ: De ilícitos em vários locais do país e isso tem a ver, de facto, com
um problema da conexão processual, de juntar os processos, isto é, um jovem
quando é avaliado pelo Tribunal, e é-lhe aplicada uma medida, passado 2 ou 3
meses terá de voltar a ser avaliado para outra medida e por aí fora, e, portanto,
o que leva, provavelmente, a um menor estar a ser sujeito à aplicação de
várias medidas sucessivas desde os 12 até aos 18, até aos 20 anos. Eu
gostava de os ouvir sobre esta matéria. A mim parece-me, de facto, uma
questão em relação à qual devemos reflectir. É um problema da Lei ou é
sobretudo, uma questão no plano da prática?
P-6: Entre aquilo que estava previsto no sistema anterior e aquilo que
hoje está, eu penso que temos que encontrar uma terceira via. Porque é assim:
a solução disto não pode passar pelo sistema anterior em que tudo era
carreado para o mesmo processo e, digamos assim, em que os factos por si
não tinham relevância autónoma, porque o processo era único, ia acumulando
participações, mas mais nada acontecia e dava um sentimento de impunidade
a partir do momento em que era aplicada a primeira medida.
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 28
OPJ: A Sra. Dra. entende que não deve apagar o que está para trás, é
isso?
P-6: Este é o limite ao qual não devemos voltar. Primeiro ponto. Talvez
numa oposição muito forte a este tipo de situações, o legislador foi para uma
situação de extremo oposto que é um delito, um processo.
OPJ: Exacto.
P-5: É fundamental.
P-8: É fundamental.
P-10: Exacto.
P-7: Eu não.
Ministério Público tem notícia desse factos e começa um inquérito. Não pode,
não podemos estar constantemente a suspender.
P-5: Sra. Dra. estamos aqui a confundir coisas. Eu estou a dizer que
concordo que se deve ter em atenção todas as condutas do menor, mas têm
que se ter em conta as várias fases processuais. Nós não podemos estar a
suspender os processos sucessivamente à espera do último. Para quem está
nos Tribunais, é muito claro. Agora, é evidente que a intenção da lei foi essa,
tanto que obriga que na fase após a aplicação da medida, os processos sejam
juntos, e mais, obriga também a uma coisa que, habitualmente, não se faz
muito nos Tribunais, é que a medida seja revista, possa ser revista e possa ser
substituída por uma medida que o magistrado considere adequada às
necessidades actuais de educação do menor para o direito. E, portanto, esta lei
até prevê os mecanismos, necessários, para os casos de acumulação. Mas,
mais uma vez, temos uma questão do aplicador. A importância que é atribuída
a um processo arquivado? Claro que é importante, o juiz pode socorrer-se da
consulta do processo. Mas, se o processo está arquivado, em termos de
medida a aplicar não vai poder ser tido em consideração. Somente poderá ter
interesse para a avaliação que nos é transmitida pelos relatórios quanto à
necessidade da educação para o direito. Mas isso é evidente, tem esse como
têm todos, não é? Parece-me.
Gostaria de levantar a questão dos crimes semi-públicos que foi
colocada pela Dra. ... não pelas razões que ela defende, mas por outras, Aliás,
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 34
esta é uma posição minha desde sempre e escrevi-a várias vezes e defendia-a
também na Assembleia da República. Efectivamente acho que não devia haver
essa distinção na Lei relativamente à intervenção tutelar educativa. E não devia
haver porque nós estamos a discutir a questão da legitimidade do Estado para
intervir face aos objectivos e finalidades da intervenção, independentemente de
um maior aprofundamento e densificação, como agora se diz, dos conceitos de
intervenção tutelar educativa e da educação do menor para o direito. Mas se o
Estado se permite intervir, em nome do interesse público da comunidade,
limitando os poderes dos pais, constitucionalmente garantidos, se considera
que é essencial intervir quando o menor tem um determinado comportamento e
atitude, por considerar que é essencial a interiorização do dever ser jurídico
para aquele futuro cidadão, não pode fazer depender a legitimidade da
intervenção da vontade do ofendido, numa área tão importante como esta. E aí,
eu, efectivamente, concordo que a questão da desistência de queixa não devia
ser relevante.
P-6: Em alguns tribunais isso não é decidido assim. Nós temos imensos
casos em que está o processo a decorrer e é aplicada a medida e nem sequer
é levantada a questão da queixa... Por exemplo, na desistência de queixa há
dois entendimentos escritos diferentes. Na questão de desistência, a
Professora Anabela Rodrigues na anotação que tem à Lei Tutelar Educativa diz
que não deve relevar e eu concordo, por causa da filosofia de intervenção, e o
Dr. Rui do Carmo, num artigo que tem na Revista do Ministério Público, diz
precisamente o contrário, desistiu da queixa tem que seguir a lógica processual
penal, arquiva-se o processo.
P-3: Parece-me que quanto a esta questão, a Lei não deixa margem
para dúvida nem há qualquer ambiguidade. O legislador disse exactamente o
que quis dizer. O que disse foi: no início organiza-se um único processo, caso
não seja possível, logo no início, ter conhecimento de todos os factos, terão de
existir vários processos.
E então, quando se chega às várias fases processuais, exactamente
porque é impossível, na prática, os processos correrem todos em simultâneo,
quando se encontram em fases diferentes, são apensados e aí procede-se à
conexão e, portanto, nesse aspecto, penso que foi isso que quis dizer.
Depois da decisão transitar em julgado, coloca-se a questão da
execução, e voltamos a apensar os processos para se ponderar uma execução
conjunta, que será de todo o interesse.
Quanto à questão de saber se como é que é possível fazer tudo isto, aí,
e mais uma vez, não se trata de um problema legislativo, mas é um problema
prático, que é de falta de informatização. Porque muitas leis estão a partir do
princípio que nós temos uma rede informática distribuída por todo o país e que
está a funcionar em pleno e tal não acontece.
Nós podemos fazer isso dentro do Tribunal porque temos um programa
que é chamado o Habilus, que toda a gente nos Tribunais sabe o que é, e o
Habilus permite-nos introduzir o nome do menor e ver se está a correr no
tribunal. E, portanto, aí é fácil ver. Agora a nível de todos os tribunais do país, a
Lei parte do princípio que, possivelmente, estão a funcionar todos em rede e
isso não acontece.
P-6: Exactamente.
P-7: Pode custar menos nomear vários Advogados ou custar mais. Tem
a ver com a situação concreta. Mas, em regra, nomear vários Advogados
custará mais.
P-6: Não...
P-6: Exactamente.
P-6: ... e o Sr. Dr. seguramente sabe isso, são os próprios pais que
pedem que os internem, ou seja, “Levem-no daqui. Eu não o quero.” E,
portanto, digamos que temos que inverter isto ao contrário: “Este rapaz é seu
filho.” Portanto...
P-6: Deixe-me só dizer isto: basta que houvesse alguma sanção ao nível
da perda de direitos sociais.
P-2: Eu queria só alertar para mais um problema que penso que ficou
aqui solto e creio que toda a gente que intervém nesta área...
OPJ: Antes de terminar esta parte, gostaria de ouvir alguém falar sobre
a questão da mediação.
P-5: Obviamente.
Só para terminar com a questão da notificação. (...) Eu penso que teria
sido talvez bom que aqui a Lei especificasse o regime de notificação adequado
a este processo, porque o facto de ter previsto uma aplicação subsidiária
complica bastante a aplicação da Lei. Chamo a atenção para o facto da
notificação aqui não ser uma notificação, em muitos casos, idêntica, à
notificação do processo civil, nem mesmo ao processo penal em determinados
casos. Se as notificações têm a função de dar a conhecer o que foi decidido ou
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 41
P-5: Eu não estou a defender que sejam todas, eu estou a defender que
a questão das notificações devia estar prevista nesta legislação e que devia ter
em atenção, obviamente, esta matéria específica.
P-2: Como?
P-2: Não. Tem que ser feita, não tem é que ser feita através dos pais. A
carta é-lhes endereçada, mas a carta vem devolvida e é preciso pormos todo o
aparelho judiciário a funcionar, com polícias a tentar ir atrás daqueles pais para
lhes dizer: “Olhe, afinal o Sr. juiz disse que (...) o miúdo vai continuar na
situação em que estava. Vai continuar a cumprir as obrigações que lhe tinham
sido impostas”, muito bem. E com isto foi um dispêndio enorme de energias de
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 42
trabalho e, enfim, isto ao longo do processo é muito... Agora, que deve ser
levado ao conhecimento, claro.
P-6: Não é.
P-5: Tem a ver com aplicação da Lei. Tem a ver com a aplicação da Lei,
mas deixávamos esta discussão para o final, mas eu acho que há aqui,
também o Dr. ... já disse, há aqui outros pontos que são importantes, que é
importante ter em atenção. Foi intenção do legislador, entenda-se, do poder
político em geral, que esta Lei não fosse uma Lei isolada face a uma
determinada arquitectura legal relativa à intervenção do Estado face aos
menores, da qual é parte, igualmente essencial, a Lei de Protecção e a as
restantes já existentes, quanto ao enquadramento legal da situação dos
menores. Assim, a aplicação das leis deve ser complementar entre si e nunca
excludentes. A questão é saber até que ponto é que nós conseguimos
estabelecer as pontes que estão previstas em ambas as legislações. Estão ou
não estão a funcionar? Isto depois pode ter a ver com aquela discussão final da
separação...
OPJ: Exactamente.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 43
OPJ: Exactamente.
P-2: Isso é uma questão que eu tinha suscitado que era justamente, que
tem a ver com a execução das medidas, o não cumprimento das obrigações e
da escassez dos meios existentes.
P-6: Não. Posso dizer ineficaz. Até o menor voltar outra vez.
P-6: Sr. Dr. mas aqui, como noutras coisas, também há duas
perspectivas. Há magistrados que aplicam o internamento em fim-de-semana
para muscular o acompanhamento educativo e o acompanhamento educativo
continua e há juizes que aplicam o internamento em fim-de-semana e arquivam
o processo findos os 4 fins-de-semana. Portanto, há duas interpretações e há
duas práticas.
P-6: Mas Sr. Dr., o Sr. não está a partir do pressuposto que o
internamento em fim-de-semana é o fim do processo, ou seja, é uma fase de
musculação de voltar ao acompanhamento educativo.
um salto qualitativo grande que nós temos que dar no âmbito do sistema
judiciário globalmente considerado, e esta também é uma questão que eu
gostaria de ver tratada pelos Srs. Drs.. Uma outra questão tem a ver com a
filosofia, os objectivos da própria lei. Por exemplo, quando estamos perante
uma criança em que o facto ilícito era o furto de uns chocolates, a Sra. Dra.
referiu o furto de fruta. Nestes casos, porque há um ilícito, deve-se cair logo na
alçada da lei. Não estaremos em muitos casos perante situações a carecer de
protecção, como estabelecer a fronteira entre uma coisa e a outra? E aqui
voltamos à relação inter-institucional e essa relação tem a ver também com a
actuação nas causas, não é? De facto, o furto da maçã é furto, é claro. Mas é
claro que é substancialmente diferente de um assalto, de um roubo, de
violência física.
Por outro lado, detectámos vários casos, e queria vos dizer isto, em que
ao mesmo tipo de ilícito, as medidas aplicadas são muito díspares. Nós
verificamos casos de admoestação para um furto de um telemóvel, mas
também podemos ter internamento. E parece-nos que a diferença tem como
principal causa a situação familiar. Por exemplo, uma criança que praticou um
crime de dano, crime de ofensa à integridade física qualificada, crime de injúria
agravada, crime de abuso sexual de crianças, mas cujo enquadramento
familiar era de classe média alta, teve um tratamento, do ponto de vista
punitivo, muito mais “soft” do que um outro que furtou um telemóvel. A minha
questão é como e para que fim deve ser tido em conta o enquadramento
familiar?
Outra questão que me parece também importante, é o problema de
saber porque determinadas medidas são muito pouco aplicadas, como por
exemplo, pena de prestação de trabalho a favor da comunidade
comparativamente com outras? Nas medidas não institucionais não há, de
facto, uma clara prevalência da medida de acompanhamento educativo. As
outras são ou não são eficazes? Como é que os Srs. Drs. as avaliam? Qual é a
avaliação que se faz, qual a sua eficácia? Depois gostaria que discutíssemos
um pouco a questão das medidas de internamento. Qual é a eficácia das
medidas de internamento, nomeadamente, como é que, e esta é uma das
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 47
devida. A actuação não será porventura a mais correcta sob o ponto de vista
estritamente jurídico, havendo uma espécie de subversão do sistema.
P-4: Conseguir-se por via tutelar educativa o que não foi alcançado por
via de promoção e protecção.
OPJ: Aqueles que já têm mais de 12 anos já não pode mandar para a
protecção?
P-1: Eles não têm laço nenhum com a família. Nalguns casos foram
mandados para cem e mais quilómetros para longe da família.
P-6: Estava aqui a ver alguns dados estatísticos que vamos recolhendo,
para ajudar, sem dar a minha opinião sobre nada disto que a darei mais para a
frente, mas, por exemplo, sobre a composição do agregado familiar dos jovens
que estão internados. Isto são dados de 30 de Abril do ano passado, mas
digamos que não difere muito. 51% dos jovens que estavam internados, a
relação com o agregado familiar era de apenas com um progenitor. Com
ambos os progenitores só 30% dos casos. 10% estavam com os avós. Com
outro familiar 5%; 1% em famílias de acolhimento; em outras situações ou
desconhecidos 3%. Ou seja, mais de metade destes miúdos não tinham, no
momento em que foram para a instituição, uma família nuclear organizada. Só
para dizer, relativamente ao agregado familiar de onde provinham, podendo
51% ser só um dos pais, não obstante isso, a composição do número de
elementos dos agregados familiares, também é um elementos importante, é
assim: com 4 ou inferior a 4 elementos, 44%; de 4 a 6 elementos, 35%; com
mais de 7 elementos, 20%; e desconhecido 1%. Só para dar mais um dado que
pode ser útil, peço desculpa estar a roubar tempo, relativamente à cor do
crime, 62% dos miúdos são de etnia branca, europeia, sem problemas de
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 50
OPJ: Pela nossa investigação, e aliás, os seus dados vêm provar isso, a
maioria são crianças oriundas de famílias com problemas sociais e
económicos. Contudo, se nós olharmos para a comunicação social, muitos dos
crimes ou de violência com alguma gravidade são cometidos por jovens, que
não são só dessas famílias. Eu pergunto, onde é que eles estão? Como
também é óbvio, não chegam ao sistema judicial e porquê é que não chegam
ao sistema?
P-8: Estamos perante jovens que vêm de famílias estruturadas, que são
modelos sociais a seguir, o que leva logo as autoridades a encararem a
situação de modo diverso. A família “ até é boa”, não vale a pena estar a
intervir, é desnecessário e o que ocorreu foi “ um lapso “
P-5: Isso é a maneira prática de resolver uma coisa que a Lei não diz.
P-9: Eu não sei como é que os meus colegas fazem. Agora em todas as
minhas suspensões, o projecto fui eu que o propus, porque é como a Sra. Dra.
diz, eles não têm capacidade cultural para apresentar um projecto desses.
P-2: Mas o problema tem uma densidade maior. É que nós não
podemos olhar para esta situação com algum cunho paternalista. Muitas vezes,
por razões que as pessoas próprias criaram, não são capazes de se organizar.
E já não se trata de empurrar dinheiro, de empurrar apoios para aquelas
famílias. Por força de todo o conjunto de circunstâncias que atravessaram ao
longo do tempo, criaram uma inércia que dificilmente lhes consegue permitir
dar o impulso.
OPJ: O que é que lhe falta para ser diferente, Sr. Dr.? Para poder ser
diferente? O que é que lhe falta para nós termos, de facto, uma resposta
diferente mais eficaz?
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 52
OPJ: Então?
P-1: Sem dúvida e se não for possível alterar a situação, então sim
suscita-se a intervenção do Tribunal para assegurar outro tipo de protecção. O
que não podemos é ter que estar dependentes de autorização dos pais para
poder intervir.
P-5: Preciso compreender o que é que está a dizer. São dois níveis mas,
obviamente que aqui há um nível que está para além das decisões do Tribunal
que pode passar pelo julgamento do crime. O julgamento de crime não resolve
a questão essencial. Pode ajudar ou não, mas não resolve o essencial.
P-6: Eu acho que a Sra. Dra. tem razão. Nós confrontamo-nos todos os
dias com os colegas que intervêm no terreno em outras áreas. Efectivamente,
a dificuldade é a de conseguirmos conjugar esforços, no tempo e no espaço,
de modo que não se percam as intervenções todas. Porque quando um vai
intervir, o outro já interveio e o outro ainda só daqui a 2 anos é que pode
intervir. E, portanto, andamos a gastar todos dinheiro ao Estado...
OPJ: Exactamente.
OPJ: Mas, como é que a Sra. Dra. vê esta questão atrás referida da
subversão dos objectivos da Lei Tutelar Educativa?
OPJ: Como?
P-6: Têm visitas. Sra. Dra. não me pergunte isso que não fui eu que
inventei o regime fechado. Mesmo no regime fechado eles têm contacto com
pessoas e têm visitas e têm correio e fazem telefonemas, e têm a expectativa
de não ter que cumprir os 3 anos em regime fechado, que é uma coisa muito
importante... E, pronto. E o que eu lhe estou a dizer é assim: a família, as
famílias que nós temos são, na maior parte dos casos, famílias em que elas
próprias carecem de intervenção. E carecem de ajuda. É assim: o Instituto fará
alguma coisa mas não pode ir salvar aquelas famílias. Não é para isso que a
justiça serve.
P-6: Isso não tem nada a ver com as amizades. Tem a ver com uma
filosofia, uma concepção. O rendimento social de inserção deixa de ser
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 58
OPJ: Como é que a Sra. Dra. vê esta questão? Muitas vezes, no âmbito
da aplicação da Lei Tutelar Educativa encontramos situações que deviam voltar
para a protecção. Deveria haver aqui um chapéu. Como é que a Sra. Dra. vê
isso?
P-10: Não. Por amor de Deus. É para preparar os miúdos para a vida.
Para não se prolongar artificialmente nenhuma medida, porque o miúdo pode
estar educado para o direito e não estar preparado e não ter suporte familiar
para a verdadeira autonomia.
P-10: Porque nós temos que contar com algum equilíbrio por parte dos
magistrados. Nós não podemos pensar que eles não fizeram tudo o que estava
ao seu alcance para evitarem a medida de internamento. Portanto, quando se
chega à medida de internamento é porque já não há mesmo mais nada.
O internamento é o final. O que eu penso é que também temos de ver
que há muitas situações em que os miúdos já estão em instituições de inserção
continuamente, não é? E eu lembro-me de um caso que tive de uma
adolescente em que no processo de promoção andavam sempre a pressionar,
a perguntar quando é que eu providenciava no sentido do seu internamento em
PTE (Processo Tutelar Educativo). Os ofícios diziam que ela tinha cometido
crimes de roubo graves. Afinal não tinha cometido nada.
P-10: Ela era rejeitada na instituição, tinha sido abusada por um tio e
tinha fugido de casa porque a madrasta lhe batia, quer dizer, era um caso em
absoluto do sistema de protecção. O certo é que o sistema de protecção não
estava a responder de forma adequada e por isso os Magistrados no processo
de promoção pressionavam a guarda cautelar em inquérito. A rapariga acabou
por voltar para casa porque o pai entretanto se tinha separado. Isto é claro: por
um lado, não devia ir para a instituição onde não a queriam, por outro, também
não devia apenas por indisciplina ir para uma instituição da Justiça.
P-10: Como?
P-1: Para a instituição onde com certeza foi colocada pelo pai?
P-10: É isso que eu queria focar, é, quando a Sra. Dra. ... diz “Para que
é que serve o regime aberto?”, eu acho que há um lugar para o regime aberto,
quer dizer...
P-6: Isso aí, Sra. Dra., desculpe lá, é o Estado que tem que actuar.
P-9: Isso não é exacto. O que a Sra. Dra. disse há bocado é que nós
somos todos irresponsáveis no terreno...
P-10: Sim...
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 63
P-10: Não! Eu acho que deve ser feito. Agora não sei é se podemos
contar com isso porque nós neste momento não temos nada, não é?
P-10: Sim.
P-10: Sim...
P-10: Quer dizer, nós ainda não conseguimos, ainda não conseguimos
ter isso completamente esquematizado, como é óbvio. Eu não tenho esses
dados. A reflexão que tenho feito, é de que devíamos incentivar o regime
aberto se conseguíssemos actuar mais cedo.
OPJ: Mas Sra. Dra. deixe-me colocar-lhe uma questão muito concreta; a
Sra. Dra. tem responsabilidades ao alto nível nesse aspecto e deixe-me colocar
uma questão muito concreta. Na sua perspectiva...
P-10: Eu ainda só reuni a primeira vez com staff há dois dias, portanto...
P-10: Exacto.
dizer, o que é que está, o que é que levou àquela situação, do que
propriamente de uma punição no sentido da ...
Sra. Dra. não, não precisamos de alterar a Lei porque repare, já
verificámos que, por exemplo, ao mesmo facto, por exemplo um furto, podem
ser aplicadas medidas muito diferentes.
P-6: Mas a prática de crimes, o que é que, repara, a prática... Isso é uma
discussão...
P-10: Sim.
P-10: Exacto.
P-1: Sra. Dra. se ele furtou a maçã é porque anda com fome. É essa, é
essa... Quantas vezes... Não diga que nunca colheu uma flor no jardim!
OPJ: Mas Sra. Dra. deixe-me precisar para perceber a sua perspectiva.
Mas desde que haja o conhecimento do ilícito, estou-lhe eu a perguntar, não
estou a afirmar que a Sra. Dra. disse isto, estou-lhe a perguntar...
P-10: Sim...
(...)
P-2: É evidente que aqui o juiz tem que ter alguma lógica. Nós não
podemos ver se num roubo houve um conjunto de circunstâncias
completamente estranhas, que é um juiz completamente insensível e que
aplica uma medida tutelar extrema, a mais gravosa, a um ilícito até
aparentemente de menor gravidade sem um motivo que pareça especial. Que
haja um magistrado do Ministério Público completamente desatento e que
tenha requerido um internamento, que haja técnicos que tenham colaborado e
que tenham realizado perícias neste sentido e favorável ao internamento e,
portanto, há aqui qualquer coisa que tem que dar unidade a isto. E o que dá
unidade é o facto da inexistência de alternativas e é um problema de eficácia
mais do que estarmos a argumentar com (...) o enquadramento melhor ou pior
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 68
P-1: Exactamente.
P-2: E é esta a realidade com que nós nos debatemos. Podemos admitir
que subvertemos, nessas circunstâncias, a Lei mas porque o sistema
subverteu a forma como as coisas estão estruturadas. Se a Segurança Social
não tem, se eu peço à Segurança Social: “Indique-me uma instituição para
acolher este miúdo com problemas comportamentais gravosos”. Para estas
situações, a Segurança Social diz-nos: “Sr. Dr. não tenho. Nós não temos
instituições vocacionadas...” ou então tenho casos que, aquilo que vimos,
obviamente, que não aceitam este miúdo porque irá contribuir para problemas.
P-3: Só para acrescentar àquilo que o Sr. Dr. acabou de referir, está-se
a partir de um princípio, do meu ponto de vista, errado, que é a necessidade do
processo tutelar educativo e a necessidade do juiz aplicar determinada medida
só para punir o furto de uma laranja ou só para punir uma apropriação ilegítima.
Deu este exemplo, de um crime que não tem grande gravidade, a apropriação
ilícita de coisa achada, nem é crime de grande gravidade para os maiores, e
muito menos para os menores.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 69
P-6: Sra. Dra. entenda-me nesta perspectiva. Com isto nós nunca
questionamos decisões dos Tribunais na sua execução. Quando eu dou aqui
este exemplo, não é para isso. Nós existimos para servir os Tribunais e
executamos qualquer decisão independentemente do resto. O que não significa
que não compreendamos as motivações, eu disse-o já há bocado e volto a
dizer, e os dilemas que os magistrados têm. Nós próprios às vezes nas
avaliações temos esses dilemas porque não há alternativa e isso não significa
que não executemos o melhor possível e dentro de toda a lógica aquilo que
temos a executar. O que nós questionamos é: como é que explicamos isto aos
miúdos em termos de comparabilidade? Como é que estamos a usar, digamos
assim, o míssil tão alto para um problema que, se calhar não é tão grave.
P-4: Esta subversão, que eu continuo a achar que existe, da minha parte
e de alguns colegas, é porque, de facto, o processo tutelar não tem que ser
iminentemente um processo protector e, portanto, nós subvertemos a Lei
quando damos a tónica a essa noção de protecção. Agora, eu faço-o
assumidamente. As razões que me levam a isso são, precisamente, o facto de
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 70
chegam eles a casa, chegam lá e não está ninguém entram voltam a sair
também.
OPJ: O que a Sra. Dra. defende é fazer aqui uma maior intervenção...
OPJ: E como é que isso se faz? Os jovens estão ligados a quê? Qual é
a sua estrutura de ligação?
OPJ: A Sra. Dra. defende que exista uma rede de casas onde os jovens
sejam acolhidos.
P-5: Penso que existe, e isso já foi aqui dito claramente, que há
efectivamente, a utilização do processo tutelar educativo com intuito de
protecção. Isso acontece, fundamentalmente porque, como já foi dito, as
estruturas de protecção não correspondem adequadamente às necessidades.
Estou a falar, designadamente, daqueles casos mais problemáticos, os casos
fronteira, que não são casos em que seja possível aplicar o tutelar educativo.
Estes são casos que devem ser casos de protecção, devem ser resolvidos no
âmbito da protecção... Curiosamente, só falámos na medida de internamento.
Estamos a falar dos internamentos na área tutelar educativa e estamos a falar
nos internamentos na Lei de Promoção e Protecção. Eu queria chamar a
atenção para, em primeiro lugar, os internamentos e o seu tratamento na Lei de
Promoção e Protecção. Foi referido aqui - e é referido por muita gente porque é
uma discussão que está muito em cima da mesa, - a necessidade de a medida
de acolhimento institucional, aplicada ao nível de promoção e protecção ser
uma medida em que haja contenção. Aí, eu gostava de retomar a questão que
se debate em termos mais profundos: Como é que se socializa? É sempre
importante o internamento para atingir uma determinada inserção, face à
problemática do menor em causa? Agora já não sob o ponto de vista da
promoção e protecção, mas também do processo tutelar educativo. Até que
ponto é que essas coisas são ou não eficazes? Eu deixo-lhes um ponto de
interrogação. Eu acho que ao nível da promoção e protecção não devem existir
instituições fechadas, ainda que possam ser mais contentoras.
OPJ: Então como é que o magistrado aplica uma medida, se não está
dentro desses pressupostos...
P-7: Só para dizer uma coisa: eu sou do Norte, sou de perto de Paredes,
e havia um problema gravíssimo que era a questão das escolas técnico-
profissionais, as escolas técnicas...
P-7: Aquilo é uma terra de marceneiros, aos 10 anos havia aqueles que
queriam deixar a escola para ir trabalhar como marceneiros. Foi no tempo do
Roberto Carneiro. Na altura chegaram ao ciclo preparatório, que actualmente
acho que é 5º, 6º ano, e introduziram a vertente técnico-profissional na área de
marcenaria. E a fuga à escola diminuiu em valores absolutamente
inacreditáveis. Os miúdos passaram a ir para a escola.
P-7: Não são escolas profissionais, portanto, só que não têm esses
problemas que o Dr. disse. Não entra na escola profissional porque não tem
idade. Eu diria alguns miúdos não conseguem estar a estudar na base
daquelas teorias, daquelas conversas que ali estão a ter mas, se calhar, se
tiver uma coisa com que...
P-7: ... se divirtam, uma experiência prática, o trabalho manual que eles
aprendem, também estão a aprender simultaneamente o inglês, o português,
as contas, etc. Eu acho é que, de facto, não se pode trabalhar assim. Se, de
facto, o Tribunal entende que a medida adequada era aquela, mas, depois não
há possibilidade de a aplicar, por força da idade ou por força da escolaridade,
isso não tem qualquer sentido. Dizer a um miúdo que não vai à escola, que não
gosta da escola, mas que, se calhar, gostava de ter uma profissão manual, que
não a pode ter porque não tem idade ou a escolaridade adequada é um contra
senso.
OPJ: O IRS fornece os elementos para o Sr. Dr. saber se isso é possível
ou não, para avaliar?
P-4: Por vezes, não sempre. E o problema surge quando tal não sucede,
arrastando-se depois o caso.
OPJ: O que é que o IRS tem feito para fornecer essas informações?
melhores condições para a execução das medidas não institucionais, mas isto
não significa que todas as medidas não institucionais devam ser executadas
pelo Instituto. É a autoridade judiciária que as fixa, quem as avalia, e que
designa quem deve ser o responsável pela execução das medidas. Há
medidas que podem ser executadas no bairro, no clube de bairro.
OPJ: Tem falta de meios a Sra. Dra.? O que é que lhe falta?
P-6: Repare: não é sair ou não sair. Obviamente que, sempre que
possível, e às vezes são os próprios magistrados que nos pedem a avaliação
das hipóteses disto, daquilo ou do outro. E nós avaliamos. Há hipótese ou não
há hipótese. Mas, o Instituto não tem que ter, nem é essa a nossa filosofia,
disponibilizáveis, todos os meios para todas as medidas. Onde nós estamos a
fazer o investimento a sério é em duas áreas: no acompanhamento educativo,
que é a medida mais gravosa no âmbito das medidas não institucionais e que
estamos com um trabalho sério de experimentação de um modelo que nos
parece adequado mas ainda estamos na fase de experimentação e execução...
O nosso investimento sério é no acompanhamento educativo e nas
medidas de reparação ou de mediação. Nós desenvolvemos uma experiência
piloto de mediação em Processo Tutelar Educativo, precisamente para
começarmos a desbravar caminho naqueles casos que podem ser, digamos
assim, resolvidos de uma forma mais simples, mais rápida e, se calhar, menos
pesada para a máquina judicial e temos tido algum sucesso nisso, mas
precisaríamos, digamos assim, de várias coisas, uma delas é uma clarificação
do regime legal da mediação; segundo, é necessário saber qual o
entendimento do que é que o Ministério Público faz com o acordo que se
conseguir em sede de mediação, porque às vezes continua o processo depois
de termos o acordo, porque a Lei não é clara se o Ministério Público pode
arquivar ou não pode arquivar. E, portanto, lá temos mais uma área em que,
dependendo da interpretação, assim se consegue uma coisa ou outra.
Portanto, na mediação temos vindo a fazer um caminho de projecto
experimental, já temos quase 3 anos desse caminho. Estamos a avaliá-lo para
poder avançar, e a mediação é aqui não apenas como alternativa ao processo,
mas como actividade mediadora dentro do próprio processo, na ajuda, na
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 81
P-4: Essa rede de contactos que têm deveria, quanto a mim, ser
divulgada pelos Tribunais.
P-6: Sr. Dr., o ano passado fizemos uma sessão que até foi num colégio
da Casa Pia. Fizemos uma sessão de informação de divulgação. Nós temos
vindo a fazer isso. Mas só para terem a noção, por exemplo, no ano passado,
das medidas que foram aplicadas, não institucionais, em todas elas, decresceu
o número relativamente aos 2 anos anteriores. Reparação ao ofendido, 9
casos, no país todo. Prestações económicas a favor da comunidade, 2 casos.
Não foi o total que foram aplicados, é das que foram aplicadas aqueles em que
foi solicitada a intervenção do Instituto. Tarefas a favor da comunidade, 122
casos. Regras de conduta, imposição de regras de conduta, 21. Execução de
obrigações, 155 casos. Frequência de programas formativos, 81 casos e
acompanhamento educativo 425 casos. Provavelmente, um dos factores que
leva à não aplicação mais generalizada de medidas tutelares não institucionais
é aquilo que temos estado a falar, que é se o que era adequado como resposta
ao grau de gravidade do ilícito era esta medida. Esta será uma gota no oceano
se a ancoragem, digamos, deste menor e da família não mudar alguma coisa.
P-6: Eu não ia já para esse lado, mas se quer avançar já para esse lado,
o que eu ia explicar é o que é que fazemos relativamente à comunidade.
P-6: Não. Mas eu diria assim: magistrados judiciais têm ido, não com
muita frequência, digamos assim, muito, muito elevada, mas temos tido visitas
de magistrados judiciais. Magistrados do Ministério Público tivemos uma visita
aqui aos Olivais, uma vez que se organizou, no âmbito de um Seminário que aí
houve, uma visita de grupo. Mas, por mote próprio, nenhum magistrado do
Ministério Público, que eu saiba...
P-6: Não, não. É o Ministério Público, Sr. Dr. está a ver o titular do
Ministério Público.
P-6: A eficácia tem que ser avaliada segundo parâmetros que têm que
ser bem pensados. Voltando atrás, aquela questão que vimos há bocado da
sucessão de processos tutelares, que acabam por ser decididos em tempos
diferentes, mas relativamente a factos quase todos da mesma altura, são lidos
como reincidentes. Este é o primeiro ponto. Para quem quiser avaliar qualquer
coisa, se não tiver em conta o funcionamento da máquina judiciária e a data a
que se referem os factos que levam à aplicação de determinadas medidas, vai
dizer: isto não tem eficácia nenhuma porque acabou uma medida e foi cumprir
outra e, provavelmente, ambas têm a ver com a mesma situação. Portanto,
vamos avaliar as coisas mas vamos avaliá-las, digamos assim,
contextualizadas.
O segundo aspecto é que parece-me a mim que no âmbito das medidas
da Lei Tutelar Educativa é ainda muito cedo para fazer avaliações. A Lei está
em vigor há 3 anos, as medidas com maior aplicação demoram 2 anos a serem
executadas e, portanto, nós estamos a entrar no princípio do 4º ano, sendo que
o 1º ano foi o ano da transição. Portanto, acho cedo, aquilo que se vai avaliar
ou o que se pode estar a avaliar neste momento são intervenções ainda de
filosofia de OTM. Terceiro aspecto que me parece importante em termos de
cuidados para avaliação de eficácia. Outro aspecto que me parece importante
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 85
P-6: Não, mas é... Sra. Dra. eu sei que não tem a ver com as suas
palavras, eu não sei que não tem a ver com as suas palavras.
P-1: Não tem a ver com as minhas palavras, nem com a realidade, Sra.
Dra.. Eu posso-lhe dizer que, efectivamente, houve a passagem de 5
equipamentos a nível nacional mas os meninos realojados foram na sua
maioria para os lares das IPSS.
particulares que não têm técnicos e não foram preparados para enquadrar e
educar meninos com as características dos existentes.
P-6: ... tipo nómadas. O problema é que tivemos 6 meses para adaptar
os edifícios que tínhamos a uma Lei que por força da actriz Lídia Franco teve 6
meses para ser posta em vigor, até porque historicamente, é bom que não nos
esqueçamos como é que estas coisas se fizeram, a Lei foi aprovada, as Leis
foram aprovadas na Assembleia da República em Setembro de 99. Não houve
definição de política, de prazos para a entrada em vigor. Os serviços que
entenderam começar a trabalhar, a preparar-se, foram-se preparando, quem
não pôde não se preparou. Não havia nenhum calendário. Não havia nenhum
programa... Até ao dia em que a actriz Lídia Franco foi assaltada.
Tutelar Educativa mas, ainda assim, o espaço e a quinta era de Santo António
dos Olivais, das Águas Férreas que tinha a ver com também uma congregação
religiosa. E, portanto, digamos que não estamos satisfeitos, não era aquela a
localização que nós decidiríamos para a população que hoje servimos, mas
isso é um problema que a Segurança Social também já falou: tem aqui
meninos de Santarém e de outros lados em Coimbra e é um problema das
cadeias, como a Sra. Dra. sabe, e é um problema, se calhar, de várias
instituições...
P-6: Exactamente.
P-6: Eu não sei o que considera como contexto social. Eu penso que
valia a pena deixar-me explicar como é que os Centros Educativos funcionam e
como é que se relacionam com as instituições da sociedade e da comunidade
envolvente, porque nenhum deles funciona fechado, mesmo aqueles que têm
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 91
regime fechado, e por isso convido todos a ir, em qualquer dia, a um qualquer
Centro Educativo...
P-6: Não percebi o que é que a Sra. Dra. me quer dizer com isso.
P-8: Eles vão estar num Centro, fechados, com determinadas regras,
sim senhora, poder-se-á ter nisso um objectivo. Mas se não lhe é dada a
possibilidade de uma convivência normal, interactiva entre vários sujeitos, em
que se lhe põe permanentemente escolhas e que são nessas escolhas, nessas
possibilidades de opção, que se vai normalmente formar a personalidade,
estamos a coarctar a própria socialização. Caso contrário, quando estiverem
para vir cá para fora, e se não lhes foi dada essa possibilidade de escolha, de
optar, não souberam gerir...
P-6: Eu não sei o que é que a Sra. Dra. quer dizer com escolhas. O que
eu posso explicar é como é que funciona.
P-8: Não, as escolhas diárias. O que nós temos e que não nos
apercebemos num processo normal em convívio social.
P-6: Sim.
OPJ: Os Srs. Drs. entendem que sim? Deve ser regime fechado ou não
deve ser o regime fechado?
P-6: Sr. Dr., eu penso que nunca nestes 3 anos, o número de menores
em regime fechado nunca ultrapassou os 50, a nível nacional.
P-2: Exactamente.
P-6: Quando eu disse sim, disse sim porque nós precisamos de ter
sempre a válvula de escape. É preciso sabermos de quem estamos a falar.
P-1: Exactamente.
OPJ: E acha que neste momento ele está ultrapassado, que estes casos
estão contados e são excepcionais?
P-6: É um cocktail.
P-7: Exactamente. Por isso mesmo eu olhei aqui para aquilo que
inicialmente a gravidade deu, mas num regime desse tipo.
P-6: Sra. Dra. vá lá visitar. Já convidei, o Sr. Dr. sabe, não sabe?
P-7: Sei.
P-7: É pouco.
P-6: Claro.
P-5: Há pessoas que não acreditam sequer que mesmo nos casos mais
graves, a privação da liberdade tenha qualquer tipo de eficácia.
P-6: Sra. Dra. há sempre uma eficácia que é marginal, mas que não é
desprezível e que é...
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 96
P-2: Exactamente.
P-9: Porque é que os menores, eles próprios, pedem para ficar nas
instituições, conforme o Sr. Dr. disse, e eu constato que o fazem em cerca de
80% dos casos...
P-6: Sr. Dr., os ingleses têm uma expressão que não é a lógica
finalística, mas ainda assim não é desprezível. Eles usam o termo buying time,
ou seja, enquanto há um acompanhamento, enquanto há uma intervenção,
ganha-se tempo com aquela pessoa, evita-se que aumente a escalada do seu
comportamento criminal e ainda que não exista completamente a reincidência,
se reduzir a frequência, a gravidade e o tipo de delito, isso já é considerado
eficácia.
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 97
P-1: Exacto.
OPJ: Sim, mas a minha questão Sr. Dr. é o que está a ser dado neste
momento? Cria ou não cria competências?
OPJ: Naturalmente.
OPJ: O que é que lhes falta, Sra. Dra. para a execução desse
programa?
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 101
P-3: É, sem dúvida, uma situação que está legalmente prevista e é uma
das coisas que no regime fechado não se devia suscitar, mas se há uma
situação destas em que há um quarto onde o menor porque fez determinada
coisa fica fechado, não posso concordar....
P-6: ... e que é posto lá por um determinado período de horas sem ver
ninguém, com umas condições que, sinceramente, me desagradaram imenso,
acho que se esta situação também está prevista, é certo, a Sra. Dra. tem toda
a razão, mas essa situação surgiu provavelmente num caso que eles aplicam
em adultos. São situações que chocam e que são de evitar, muito mais com
menores e penso que essa situação é que não é nada boa para a
ressocialização de ninguém, seguramente. Na minha perspectiva, não é?
P-8: O que me choca é que a Lei com outro tipo de cursos, com outro
tipo de formação poderia permitir o desenvolvimento do jovem, mas com estes
programas todos, porque os cursos são, neste momento, carpintaria, olaria,
Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar 103
não é permitida tal formação. Há um fosso muito grande entre essa preparação
e a realidade social. Há outras formas muito mais atraentes aos jovens para se
desenvolverem, para serem ajudados no seu crescimento, porque eles quando
vão para lá têm noção da sociedade que têm cá fora. Deve poder haver essa
ressocialização, que devia ser possível a partir deste sistema independente dos
moldes. Tem que haver um empenhamento muito maior das entidades para
atingirem esse objectivo, e não é, acho eu, com esse tipo de cursos que se vai
conseguir fazer uma preparação correcta do jovem.
P-4: Tem que se confrontar com a realidade dos jovens, que lá estão.
Não se pode querer, com certeza, que saiam jovens licenciados quando não
entram muitas das vezes, sequer, com o ensino básico.
P-6: ... A saber ler e escrever. E é preciso dizer aqui uma coisa: a
formação não é uma formação exclusiva. O que nós temos são ateliers
polivalentes de despiste em que os menores não entram para a carpintaria e
estão a vida inteira na carpintaria. Cada Centro Educativo tem 5 áreas
formativas em ateliers onde eles vão passando e, portanto, eles têm desde
expressão dramática, expressão plástica...
OPJ: Mas Sra. Dra. é possível fazer outro tipo de intervenção? Acha que
precisa de outros meios? Que assim está bem?
P-11: Como há pouco foi dito, é um trabalho que está a ser feito há 3
anos. Não há um modelo estabilizado. Não há ninguém que tenha, por
exemplo, um modelo para este tipo de jovens, para o tempo de permanência e
para as suas características. Os Centros Educativos têm técnicos que fazem a
avaliação dos jovens que têm e propõem anualmente um conjunto de acções
de formação que nós tentamos viabilizar com as verbas disponibilizadas para o
efeito. Porém, a formação é feita em função das características dominantes e
também dos espaços físicos que dispomos. Daí quando há pouco dizia que as
educandas têm cabeleireiros, de facto, é aquilo que elas mais gostam de ter e
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 104
P-8: Eu pergunto uma coisa em relação a esses cursos, é isso que eles
mais gostam...?
P-11: Não são cursos protótipo, não. São cursos de despiste vocacional.
(...)
OPJ: ... e que tem a ver, de facto, com essa questão, a intervenção...
P-6: É um calvário.
P-6: É um bloqueio, por um lado, e, por outro, também tem a ver com
uma história de desenvolvimento destas coisas. Foi de dois ramos diferentes
que se criou a intervenção tutelar educativa. Um ramo de instituições que vinha
da Direcção-Geral, dos Serviços Tutelares de Menores e um ramo das equipas
do Instituto que já existiam. E estes dois ramos, embora trabalhem em
conjunto, ainda não estão completamente afinados numa lógica de parceria
desde o princípio ao fim. Esse é um projecto que nós temos como prioritário.
Porque um menino quando chega a um Centro Educativo, normalmente já teve
uma intervenção de uma equipa. Enquanto está no Centro Educativo é preciso
que a equipa continue a acompanhar, porque se ele vai de férias, se é preciso
articular com família, e ainda muito mais quando os meninos não estão na sua
zona de residência, é preciso que aquela equipa continue a apoiar o caso e é
preciso que aquela equipa prepare condições, antecipadamente, para a saída
do menor do Centro Educativo. Este é o projecto que nós temos no nosso
plano de actividades deste ano. É um projecto que, para além de boas
intenções exige orientações técnicas. Exige instrumentos de trabalho. Estamos
a trabalhar nisso. A orientação que temos, em termos de propostas de revisão
da medida, é no sentido de acompanhamento educativo na última fase. Por
exemplo, a Lei espanhola prevê, obrigatoriamente, uma liberdade vigiada no
terminus das medidas, ou seja, a Lei prevê isso. Nós não precisamos de prever
porque pelo mecanismo da revisão, os magistrados o farão, se assim o
entenderem e nós achamos que...
OPJ: Srs. Drs., estamos nós a educar para o direito? E o que é que é
isto de educar para o direito?
P-7: Eu já agora queria dizer alguma coisa sobre isso. Nós temos,
obviamente, percebido que todos nós, eu pessoalmente, os advogados que
trabalham mais nisso, se sentem preocupados com a situação. Eu acho que,
de qualquer forma, a ideia que tenho é que se avançou muito. Acho que se
está no bom caminho, acho que é positivo o caminho que está executado.
Acho que é pouco tempo para avaliar. Eu deixava aqui um apelo às pessoas
que estão mais envolvidas neste projecto, que é: há momentos em que é
necessário alterar a legislação. Mas não o façam de forma apressada e
precipitada. As coisas ainda não estão devidamente consolidadas para que se
alterem profundamente. Pode haver necessidade de uma ou outra alteração
cirúrgica. Mas então façam-se essas pequenas intervenções bem pensadas e
bem dirigidas e dentro dos limites estritamente necessários. Se não podem
resultar mais prejuízos que benefícios. E isso há que evitar.
OPJ: Sim. Nós vimos hoje aqui questões que, naturalmente, precisam,
de facto, de estudo relativamente a elas.
advogado com o estrito fim de defesa dos interesses deste último. Outro ponto
que interessará realçar é que a nível de estruturas de apoio deparamo-nos
ainda com grandes falhas, importando reduzi-las de forma a que o sistema
possa ser potenciado.
P-8: Uma coisa que eu gostava de dizer é que nós temos que não nos
esquecer da nossa permanente formação neste sentido, para que se possa
atingir uma educação para o direito, esse um objectivo da Lei e penso que de
nós próprios também.
P-5: Eu concordo com aquilo que acabou de ser dito e acho que com
certeza que quem faz os estudos sobre a Lei saberá responder-me a isto, mas
a minha intuição, é que existe um tempo de amadurecimento das próprias Leis
e que isso é necessariamente superior a 3 anos. Portanto, enquanto a Lei
começa a ser aplicada, começa a ser reflectida, começa a ser pensada. E há aí
um tempo que nós temos que dar e acho, sinceramente, que apesar de
algumas coisas que para mim, claramente deveriam ser de molde diferente,
não se deve mexer em nenhuma das Leis neste momento. Acho que é
essencial fazer aquilo, precisamente, que acabou de ser dito - criar as
estruturas que faltam para estas Leis entrarem efectivamente em
funcionamento e indo fazendo, obviamente, a avaliação da sua aplicação,
nomeadamente, se está ou não a dar resultado, fazendo também algum estudo
de aprofundamento doutrinário das matérias. É uma área em que continuamos,
ainda que se tenha melhorado, a ter uma grande deficiência de reflexão
doutrinária sobre estas matérias. É necessário melhorar a aplicação da Lei de
Promoção e Protecção, fazendo a regulamentação das medidas que faltam,
criando instituições, fazendo formação adequada dos técnicos que trabalham
aí. Eu acho que na área do Tutelar Educativo, também é importante continuar a
fazer esse esforço, sendo que na área da Promoção e Protecção está muita
coisa por fazer, nomeadamente as medidas de protecção e a formação.
Relativamente aos Tribunais, numa área que me é mais próxima, penso que se
continua a necessitar de formação, mas de uma maneira diferente daquela que
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 110
P-1: Eu vou dizer uma barbaridade porque não sei como funcionam as
magistraturas. O que eu gostaria, por exemplo, era, no distrito de Coimbra, que
houvesse só o Tribunal de Família e Menores. Não ter de estar, para questões
de menores, a trabalhar com o magistrado de Oliveira do Hospital ou de
Cantanhede ou da Figueira. Acho que era mais útil, para os menores e para a
aplicação da Lei que, efectivamente, tivéssemos só o Tribunal de Família e
Menores para todo o distrito.
P-9: Só queria dizer uma coisa porque do muito que foi dito, considero
pertinente para a discussão, e que era o seguinte: acho que o Ministério da
Justiça devia estabelecer protocolos com outras entidades para possibilitar que
depois as medidas de acompanhamento educativo possam ter aplicação
prática. Falou-se aqui muito no Instituto de Emprego e Formação Profissional
mas não será só essa entidade que pode dar saídas profissionais a esse
Anexo – Painel “A Avaliação da Aplicação da Lei Tutelar Educativa” 114