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Resumo:
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O retorno às fontes bíblicas e patrísticas foi decisivo para as conquistas e avanços do Vaticano II. De modo
especial, o movimento bíblico foi fator preponderante antes, durante e após o Concílio. Um retorno à leitura
popular da bíblia é caminho para a animação bíblica de toda a pastoral e para o fortalecimento das CEBs e da
ação social da Igreja.
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Neste texto optamos por manter as duas nomenclaturas: Círculos Bíblicos e Grupos de Reflexão por entender
que há uma grande proximidade entre elas, mas características distintas, sobretudo nos Grupos de Reflexão da
diocese de Caratinga-MG ou que usam os roteiros desta diocese. Esta distinção merece um estudo posterior para
explicitar o específico da dinâmica de cada um e favorecer um possível enriquecimento entre ambos. A
nomenclatura destes grupos também variam muito de acordo com cada região também chamados de: grupos de
família, equipe de reflexão, grupos de rua etc. Para facilitar vamos usar as siglas: GR = Grupo de Reflexão e CB
= Círculos Bíblicos
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Cf. BEOZZO, José Oscar. Pacto das Catacumbas: por uma Igreja servidora e pobre. São Paulo: Paulinas, 2015.
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Na América Latina, a leitura popular da bíblia tem seu maior destaque com o trabalho de Frei Carlos Mesters,
OC, que posteriormente deu origem ao CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), divulgador dos círculos bíblicos e
também pelo trabalho do SAB – Serviço de Animação Bíblica. Concomitantemente, na Diocese de Caratinga,
MG, surge o Movimento da Boa Nova com o trabalho dos grupos de reflexão e plenários que se espalharam para
algumas outras dioceses sobretudo de Minas, Espírito Santo e Mato Grosso. Estas práticas de leitura popular da
Bíblia permanecem até hoje, embora sem a abrangência e o brilho dos tempos áureos, nos anos 70 à década de
90.
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Não nos ocuparemos aqui da questão do método desta leitura popular da bíblia comparada com os métodos
histórico críticos; métodos linguístico estruturais; leitura materialista da bíblia. Há vários estudos nesta linha.
Um artigo sintético, claro e com boas referências é da colombiana Neftallí VELEZ, 1988. A autora trabalha a
diferença da leitura bíblica popular em relação à leitura materialista e sua semelhança com a leitura bíblica
espiritual dos Santos Padres.
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As Diretrizes Gerais de Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, apontadas pela CNBB colocam como
urgência fazer da Igreja um “lugar da animação bíblica da vida e da pastoral”. Isto foi apontado para o
quadriênio de 2011 a 2015 e retomado no de 2016 a 2019 (Cf. Doc. CNBB nº 94 e 102). Também a Exortação
Apostólica Verbum Domini trata da “animação bíblica da pastoral inteira” como caminho para evitar o “vazio
pastoral” (VD, nº 73).
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Desde 2011 a “Animação Bíblica da vida e da pastoral” figura como uma das cinco urgências da Igreja do
Brasil. Embora haja o apelo para que essas urgências sejam assumidas em seu conjunto, os resultados pastorais
advindos da aplicação das diretrizes e outros documentos da CNBB são ainda tênues, dá-se pouca ênfase prática
aos documentos do magistério, daí sua parca ressonância na prática pastoral. O mesmo acontece com o
Documento 97 da CNBB Discípulos e Servidores da Palavra de Deus na Missão da Igreja.
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Não há espaço aqui para desenvolver cada uma destas potencialidades que estão
presentes na dinâmica dos GR e CB. No entanto, outros estudos demonstram que, por meio
destes grupos, o encontro com a Palavra de Deus ilumina a vida e o contato com a vida
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“Todos os fiéis debrucem-se gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada liturgia, rica de
palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão louvavelmente por
toda a parte, com a aprovação e o estimulo dos pastores da Igreja.” (VD, 86 e DV, 25)
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ilumina o entendimento da Palavra, tornando mais forte a ação do Espírito Santo tanto na vida
das pessoas, quanto no seio das comunidades:
Apesar de toda essa riqueza e densidade de sentido, um “inverno eclesial” fez com
ocorresse um enfraquecimento na caminhada da leitura popular da bíblia, o consequente
enfraquecimento das comunidades e do nível de engajamento nas pastorais sociais e nas
organizações e movimentos de lutas a favor dos direitos e das garantias de vida dos mais
pobres e sofredores.
Se tivermos presentes os últimos documentos do Papa Francisco como Evangelii
Gaudium, Laudato Sí´; Amoris Laetitia; Gaudete et Exsultate e os dois últimos de maior peso
da CNBB como 105 Cristãos leigos e leigas, sal da terra e luz do mundo (Mt 5,14) e 107
sobre a Iniciação à Vida Cristã, temos diante de nós uma riqueza imensa de conteúdo. Essa
riqueza tem multiplicado os artigos em diversas revistas e periódicos; tem iluminado muitas
aulas, tem inspirado novos livros, iluminado programas televisivos, etc. Mas, a chegada deste
conteúdo até às bases de nosso povo é um processo ainda longo, demorado. E se torna mais
difícil quando a capilaridade que flui, sobretudo através dos GR e CB, anda enfraquecida.
Temos bons documentos, mas sua incidência prática sobre a vida eclesial de nossas
comunidades é tênue e em alguns setores, inexistente. A retomada da capilaridade através dos
GR e CB cria ambiente para que os documentos também sejam conhecidos, assimilados e
colocados em prática, a partir de baixo.9
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A Diocese de Caratinga-MG tem feito uma boa caminhada nesta direção. Os roteiros de reflexão da Diocese
articulam o estudo bíblico com o estudo dos documentos do Magistério, isto favorece para que o conteúdo destes
documentos chegue às comunidades e comece a fecundar mais a catequese, a liturgia, as pastorais e o
engajamento nas lutas a favor da vida. Uma amostra deste roteiro pode ser encontrada em http://
www.youblisher.com/p/606315-Roteiro-Para-os-Grupos-de-Reflexao-edicao-376-Julho-de-2013/ [Acesso em
07/08/2018].
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Pai, Filho e Espírito Santo. Outro fator é apontado pelo Papa Francisco: a autoreferencialidade
da Igreja (cf. EG nº 94 e 95), acompanhada de uma nova mudança de lugar social,
distanciando-se dos mais pobres em direção a setores da classe média, que faz a Igreja voltar-
se para si mesma, embaçando a sua missão de estar a serviço do povo e a serviço da vida (cf.
Jo 10,10), apegando-se a estruturas que a distanciam da necessária resposta que deve dar aos
anseios dos fiéis que têm fome da Palavra e sede de um culto que lhes encha a vida de
esperança e que os motive em sua busca constante de pão, justiça e solidariedade.
Ao lado a autoreferencialidade, o atual fortalecimento do clericalismo (cf. EG nº
102) que centra as ações e decisões na figura do ministro ordenado, que fecha os canais de
participação ativa na comunidade e reduz os leigos a “coroinhas” e “pessoas da sacristia”, na
contramão dos documentos que defendem o seu protagonismo e sua ação como verdadeiro
sujeito na Igreja e na sociedade (Cf. CNBB, Doc. 105).
No mesmo viés o fortalecimento de práticas devocionais, alimentadas pelas grandes
e também novas mídias, embaça a centralidade da Palavra de Deus e reduz o fiel a uma
espécie de consumidor no mercado religioso, direcionando a resposta a seus anseios para uma
espiritualidade muitas vezes desencarnada da sua realidade, desenvolvendo uma série de
práticas religiosas que não o levam a uma decisão ética e responsável baseada na fidelidade a
Jesus Cristo e a seu Evangelho. Permanecendo num nível ainda muito superficial da fé, o que
poderia ser evitado através de um encontro constante com a Palavra de Deus através dos
Grupos de Reflexão e Círculos Bíblicos.
Por outro lado, fatores internos à dinâmica e indispensáveis ao funcionamento dos
grupos têm contribuído para seu enfraquecimento e para a falsa ideia de que estes “já estão
ultrapassados” ou que “não funcionam na cidade”10. Elenco alguns elementos que resultam
nas causas de seu real enfraquecimento:
1. Falta de uma linguagem acessível e simbólica11. A linguagem não é uma questão
menor no tocante à proposta de elaboração de material para a reflexão da Palavra em grupos.
O uso de uma linguagem distante do universo do povo, com academicismos e falta de
sensibilidade ao simbólico, tornam os textos áridos e incompreensíveis e distantes da vida real
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Argumento frequentemente utilizado por quem se mostra contrário à caminhada dos grupos de reflexão na
Diocese de Caratinga-MG.
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Veja a importância desta questão da linguagem nas palavras de Paulo VI: “A evangelização perderia algo da
sua força e da sua eficácia se ela porventura não tomasse em consideração o povo concreto a que ela se dirige,
não utilizasse a sua língua, os seus sinais e símbolos; depois, não responderia também aos problemas que esse
povo apresenta, nem atingiria a sua vida real.” (EN nº 63).
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Neste sentido, o CEBI, que sempre foi o modelo de uma linguagem popular, acessível e de conteúdo, a olhar
pelos subsídios produzidos parece ter se afastado um pouco do viés propriamente popular, talvez por muitos de
seus colaboradores estarem muito enraizados no mundo acadêmico, distanciando-se do linguajar mais
efetivamente popular.
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“A Bíblia é como um espelho que capta a luz do sol e a joga nos cantos mais escuros da casa da gente. Ela
recebe a luz da vida do povo e joga-a de volta, clareando, por sua vez, a vida deste mesmo povo. Há uma
influência mútua da vida sobre a Bíblia e da Bíblia sobre a vida. Uma sem a outra, só se entende pela metade.”
(MESTERS, Flor sem defesa, p.109.)
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afugentar os peixes; Jesus era carpinteiro, com certeza entendia menos que Pedro da arte de
pescar. No entanto, Pedro avança confiando mais na força da Palavra de Jesus que em suas
certezas pessoais, e o resultado foi garantido. Isto nos leva a apostar na força da Palavra e, em
atenção a Ela, insistir na aposta da leitura popular da bíblia em pequenos grupos como
caminho de fortalecimento das Comunidades Eclesiais de Base, verdadeiro caminho de
iniciação à vida cristã; como forma de despertar e formar novas lideranças; como caminho de
fortalecimento das pastorais sociais; como meio de reagir ao “inverno eclesial” numa proposta
de Igreja verdadeiramente discípula missionária; uma Igreja comunidade de comunidades
com leigos e leigas verdadeiros sujeitos na Igreja e na sociedade.
Bibliografia
BENTO XVI, Papa. Exortação Apostólica Pós Sinodal Verbum Domini: ao epicospado, ao
clero, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos sobre a Palavra de Deus na vida da Igreja. 6ª
ed. São Paulo: Paulinas, 2011.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL [CNBB]. Diretrizes Gerais da
Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil 2011-2015. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2011. Col.
Documentos da CNBB nº 94.
_________. Discípulos e servidores da Palavra de Deus na Missão da Igreja. São Paulo:
CNBB, 2012. Documentos da CNBB nº 97.
_________. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil 2016-2019.
Brasília: Edições CNBB, 2016. Col. Documentos da CNBB nº 102.
_________. Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade. 1ª ed. Brasília: CNBB, 2016.
Col. Documentos da CNBB nº 105.
_________. Iniciação à Vida Cristã: Itinerários para formar discípulos missionários. 2ª ed.
Brasília: CNBB, 2017. Col. Documentos da CNBB nº 107.
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. ao epicospado, ao clero, às
pessoas consagradas e aos fiéis leigos sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São
Paulo: Paulus / Loyola, 2013.
MESTERS, Carlos, Flor sem defesa: uma explicação da bíblia a partir do povo. Petrópolis,
Vozes, 1983.
____________. O uso da Bíblia nas Comunidades Cristãs de Base. In: CONGRESSO
ECUMÊNICO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. A Igreja que surge da base:
Eclesiologia das comunidades cristãs de base. São Paulo: Paulinas, 1980.
PAULO VI, Papa. Evangelii Nuntiandi. A evangelização no mundo contemporâneo. São
Paulo: Loyola, 1976.
TEIXEIRA, Faustino. A fé na vida: um estudo teológico pastoral sobre a experiência das
Comunidades Eclesiais de Base no Brasil. São Paulo: Loyola, 1987. [Coleção Fé e Realidade
nº 23].
____________. A gênese das CEBs no Brasil: Elementos explicativos. São Paulo: Paulinas,
1988.
VELEZ, Neftali. A leitura da Bíblia nas Comunidades Eclesiais de Base. Revista de
Interpretação Bíblica Latino Americana. Petrópolis: Vozes. São Paulo: Imprensa Metodista;
São Leopoldo: Sinodal; Ano I, nº 1, p. 26-43.