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Curso de psicologia Geral

Volume 2
A presente obra compõe-se de quatro volumes, a
saber:
I. Introdução Evolucionista à Psicologia
II. Sensações e Percepção
III. Atenção e Memória
IV. Linguagem e Pensamento
A, R. Luria
Curso de Psicologia Geral
Volume II 2º Edição
Sensações e Percepção
Psicologia dos Processos Cognitivos
Tradução de PAULO BEZERRA
Revisão técnica de
HELMUTH R. KRÜGER
Professor de Psicologia da
UFRJ e da UERJ
Sociedade Unificada Paulista de Ensino renovado Objetivo – SUPERO data 13/01/98 Nº da chamada 159.9 – 1967c –
2.ed.v.2 e.4 Nº de volume 14.019/99 registrado por LILIANE

civilização brasileira
Título do original em russo: OSCHUSCHÊNIYA I VOSPRIYÁTIE
Capa: DOÜNÊ
Revisão:
UMBERTO F. PINTO e NILO FERNANDES
1991
Todos QS direitos reservados pela
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
Av. Rio Branco, 99 - 20° andar
20040 Rio de Janeiro, RJ.
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Impresso no Brasil Printed in Brazil
SUMÁRIO
I — SENSAÇÕES 1
O problema 1
A sensação como fonte de conhecimento 2
Teorias receptora e reflectora das sensações 6
Classificação das sensações 8
Classificação sistemática da sensações 9
Tipos de sensações exteroceptivas 14
Interação das sensações e o fenômeno da sinestesia 15
Níveis de organização das sensações 18
Medição das sensações. Estudos do limiar absoluto das sensações21
Estudo da sensibilidade relativa (diferencial) 27
Variação da sensibilidade (adaptação e sensibilização) 29
II — PERCEPÇÃO 37
A atividade perceptiva do homem. Características gerais 37
Percepção tátil 45
Formas simples de percepção tátil 45
Formas complexas de percepção tátil 49
Percepção visual 54
Estrutura do sistema visual 55
Percepção das estruturas 61
Percepção dos objetos e situações 64
Fatores determinantes da percepção de objetos complexos 68
Métodos de estudo da percepção visual falsa 72
Desenvolvimento da percepção material 75
Patologia da percepção material 77
Percepção do espaço 82
Percepção auditiva 86
Bases fisiológicas e morfológicas da audição 86
Organização psicológica da percepção auditiva 89
Patologia da percepção auditiva 93
Percepção do tempo 96
I
Sensações
O problema
As SENSAÇÕES constituem a fonte básica dos nossos conhecimentos atinentes ao mundo exterior e
ao nosso próprio corpo, Elas representam os principais canais, por onde a informação relativa aos
fenômenos do mundo exterior e ao estado do organismo chega ao cérebro, permitindo ao homem
compreender o meio ambiente e o seu próprio corpo. Se esses canais estivessem fechados e os
órgãos dos sentidos não fornecessem a informação necessária, nenhuma atividade consciente seria
possível.
Há fatos conhecidos segundo os quais o homem, privado da afluência constante de informação,
cai em estado de sonolência. Esses casos se verificam quando o homem perde subitamente a
visão, a audição e o oifato e quando suas sensações táteis são limitadas por algum processo
patológico.
/
Obtém-se resultado semelhante quando, durante algum tempo, coloca-se o homem numa câmara à
prova de som e luz, que o isola do contato com o mundo exterior e ele se mantém na mesma
posição (deitado) durante certo tempo. Essa situação a princípio provocava sono, tornando-se
mais tarde dificilmente suportável para os sujeitos experimentais*.
Inúmeras observações demonstraram que a interrupção da afluência de informação na tenra
infância, suscitada por surdez e cegueira, provoca bruscas contenções do desenvolvimento
psíquico. Se as crianças que nasceram cegas e surdas ou perderam a audição e a visão em idade
tenra não receberem educação por métodos especiais, que compensem esses defeitos à custa do
tato, tornar-se-á impossível seu desenvolvimento psíquico normal e elas não conseguirão
desenvolver-se com autonomia.
A sensação como fonte da conhecimento
As sensações permitem ao homem perceber os sinais e refletir as propriedades e os indícios dos
objetos do mundo exterior e dos estados do organismo. Elas ligam o homem ao mundo exterior e
tanto representam a fonte principal do conhecimento quanto a condição fundamental do
desenvolvimento psíquico do indivíduo.
No entanto, apesar da evidência dessa tese, essa afirmação fundamental foi reiteradamente posta
em dúvida na história da filosofia idealista.
Os filósofos idealistas expressavam freqüentemente a idéia segundo a qual a fonte autêntica da
nossa vida consciente não é constituída pelas sensações mas pelo estado interior da consciência e
pela capacidade do conhecimento racional, que são dados pela natureza e independentes da
afluência da informação que chega do mundo exterior.
Essas concepções serviram de base à filosofia do "ra-cionalismo" (eles tiveram expressão
nítida em Cristían
* Em testes psicológicos empregaremos sempre o termo "sujeito", subentendendo "sujeito experimental". (N, do T.)
2
Wolf, filósofo racionalista alemão). A essência dessa filosofia consiste em que os processos
psíquicos não são um produto do complexo desenvolvimento histórico e seus adeptos
interpretavam erroneamente a consciência e a razão não como o resultado de uma complexa
evolução histórica mas como uma propriedade primária e inexplicável do "espírito" humano. É
fácil perceber que todos os dados da ciência moderna, antes referidos, rejeitam radicalmente essa
tese.
Mas os filósofos idealistas e psicólogos a eles afetos tentaram reiteradamente refutar uma tese que
pareceria evidente — a tese segundo a qual as sensações colocam o homem em contato com o
mundo exterior— e demonstrar uma tese oposta e paradoxal, segundo a qual as sensações
separam o homem do mundo exterior por serem uma muralha intransponível entre ele e esse
mundo.
Essa tese partiu de filósofos idealistas como G. Ber-keley, D. Hume e E. Mach e psicólogos
como H. Heimholtz e Johannes Müller, que formularam a teoria da "energia específica dos
órgãos dos sentidos".
Segundo essa teoria, os órgãos dos sentidos (o olho, o ouvido, a língua e a pele) não refletem a
influência do mundo exterior nem informam acerca dos processos reais que ocorrem no meio
ambiente, limitando-se a receber das ações exteriores os impulsos que lhes estimulam os seus
próprios processos. Para essa teoria, cada órgão dos sentidos possui sua própria "energia
específica", que é estimulada por qualquer ação procedente do mundo exterior. Assim sendo,
basta: pressionar o olho, agindo sobre ele através de choque elétrico, para ele ter a sensação de
luz; é bastante uma ex-citação mecânica ou elétrica do ouvido para surgir a sensação do som.
Logo, os órgãos dos sentidos não refletem as influências exteriores mas são apenas excitados por
elas' e o homem não percebe os objetos do mundo exterior mas somente os seus próprios estados
subjetivos, que refletem a atividade dos órgãos dos sentidos. Noutros termos, isto significa que os
órgãos dos sentidos não põem o homem em contato com o mundo exterior mas, ao contrário, o
separam deste. Percebe-se facilmente que essa teoria levou à afirmação: "o
homem não pode perceber o mundo exterior e a única realidade são os processos subjetivos, que
refletem a atividade dos órgãos dos sentidos, ,estes sim criadores dos 'elementos do mundo'
subjetivamente perceptíveis".
3
Todas essas teses foram tomadas por base da filosofia do "idealismo subjetivo", por afirmarem
que o homem só pode conhecer a si mesmo e não dispõe de nenhuma prova de que existe
alguma coisa além dele. Essa teoria idealista recebeu o nome de "solipsismo" (do latim solus,
só, e ipse, eu próprio: existo só [um] eu próprio).
A teoria do idealismo subjetivo, inteiramente oposta às concepções materialistas da
possibilidade de representação objetiva do mundo (particularmente a "teoria do reflexo" de
Lênin) foi a fonte de um profundo equívoco cuja essência se torna cada vez mais evidente com
as sucessivas conquistas da ciência.
O estudo atento da evolução dos órgãos dos sentidos mostra de modo convincente que, no
processo de um longo desenvolvimento histórico, formaram-se órgãos especiais de percepção
(órgãos dos sentidos ou receptores), que se especializaram em refletir tipos especiais de formas
objetivamente existentes de movimento da matéria (ou "energias"); receptores da pele, que
refletem as influências mecânicas; receptores auditivos, que refletem as oscilações sonoras;
receptores visuais, que refletem certos diapasões das oscilações eletromagnéticas, etc.
Examinemos os dados atinentes à elevadíssima especialização dos órgãos receptores e aos tipos
concretos de movimento da matéria que cada um deles percebe.
A tabela 1 apresenta dados gerais.
Vemos que entre todos os possíveis tipos de movimento da matéria, dispostos em ordem de
redução do comprimento da onda e aumento do número de oscilações por segundo, apenas
alguns são refletidos por aparelhos altamente especializados dos órgãos dos sentidos. Assim,
ondas mecânicas de determinado diapasão são percebidas pela pele, provocando sensações de
tato ou pressão; oscilações sonoras com onda acima de 12mm de comprimento e freqüência
inferior a 20-30 oscilações por segundo e com onda de mais de 12mm de comprimento,
freqüência superior a 30000 oscilações, não são percebidas, ao passo que oscilações sonoras com
onda de 12-13mm de comprimento e freqüência de 20 a 20000 oscilações por segundo são
percebidas pelo ouvi do humano e provocam sensações auditivas.
4
TABELA 1
Característica das influências objetivas, dos aparelhos perceptivos e das sensações
Processos Compri- Número de Órgão per- Sensação

físicos mento das oscilações por cepíivo


ondas em segundo
mm

mecânicos até 1,5 mil pele tátil

oscilações
sonoras acima de abaixo de ouvido in- auditiva
12 12-13 20 terno
20-20000
ultra-som abaixo de acima de
12 30000 — —
ondas elétri- até 0,1 30.1012 _ —
cas 0,1-0.004 8.10" pele calor
ondas lumino- 0.008-0.004 4.10" retina luz, cor
sas 0.004- 8.1014 8.1014- olhos . —
—■

ondas radio- 0.00001 5.10" —


lógícas 0.0000008- 4.10? 6.1010
0.0000005

Oscilações elétricas com onda de 0,lmm de comprimento e 30.1014 de freqüência também não
são percebidas, embora a pele perceba como calor as mesmas oscilações com onda de 0.1 a
0.004mm de comprimento e freqüência de 8.1014 oscilações por segundo. É sobretudo
interessante o quadro que surge em relação à percepção das ondas sonoras: a retina do olho
humano percebe ondas sonoras de Ü.008-Q.OÜ4mm de comprimento com freqüência de 4.1014-
S.10!4 oscilações por segundo, provocando sensações ■ de luzv e cor. No entanto ela não percebe
ondas luminosas de 0.004 a O.OOOOlmm de comprimento e freqüência de 8.10l4-5.1015
oscilações por segundo; as ondas radiológicas também não têm receptores especializados nem
provocam sensação no homem. Uma análise atenta desses dados mostra que os nossos aparelhos
perceptivos se especializaram em distinguir apenas algumas influências e continuam imunes a
outras influências. Isto tem fundamento biológico. Se a retina percebesse influência abaixo e
acima do referido dia-
5
f
pasão, o homem perceberia o calor do seu próprio corpo como sensação visual e transformaria
em sensações visuais as influências que para ele não têm importância biológica. O mesmo se
refere ao funcionamento dos analisadores auditivos: se o homem percebesse com o ouvido
oscilações ultra-sonoras, suas percepções auditivas seriam acrescidas de muitos ruídos
excessivos que dificultariam a distinção de excitações sonoras essenciais para ele. ■
É característico o fato de que os animais têm outros limites de sensações: o morcego,
por exemplo, ao voar na escuridão e enfrentar obstáculos, o faz através do reflexo
de ondas ultra-sonoras, seu aparelho auditivo lhe serve de radar e ele percebe oscilações ultra-
sonoras que o homem não percebe.
Assim, na evolução dos organismos surgiram aparelhos especializados na percepção de diversos
tipos de movimento da matéria (diferentes "energias") e nós, em realidade, não possuímos
"energias específicas dos órgãos dos sentidos" mas órgãos específicos que refletem
objetivamente diversos tipos de energia.
O fato de que, quando estímulos inadequados ao olho ou ao ouvido agem sobre esses órgãos,
surge uma sensação "específica" (visual ou auditiva), alude apenas à alta especialização desses
dispositivos perceptivos e à incapacidade de refletir as influências em cuja recepção eles não são
especializados.
Como veremos adiante, a alta especialização de diversos órgãos receptores se baseia não só nas
peculiaridades da estrutura dos "receptores" periféricos (órgãos dos sentidos) mas também na
elevadíssima especialização dos neurônios que integram a composição dos aparelhos nervosos
centrais, aos quais chegam os sinais percebidos pelos órgãos periféricos dos sentidos. Este fato
será novamente focalizado quando abordamos os tipos especiais de sensações.
Teorias receptora e reflectora das sensações
Formou-se na Psicologia clássica a concepção segundo a qual um órgão dos sentidos (receptor)
reage passivamente às influências dos estímulos sendo essa reação passiva
6
constituída pelas sensações correspondentes. Chamava-se a essa concepção teoria receptora das
sensações, segundo a qual a sensação enquanto processo passivo se opunha ao movimento que
era visto como processo ativo.
Hoje essa teoria é considerada inconsistente e refutada pela maioria dos estudiosos, que a ela
opõem a concepção da sensação como processo ativo. Essa concepção serve de base a outra
teoria, denominada teoria reflecto-ra das sensações.
Ao examinar as sensações dos animais já observamos o fato de que estas não têm caráter
passivo, indiferente e que os animais distinguem ativamente entre as influências do mundo
exterior somente aquelas de grande importância biológica para eles. Já dissemos que a abelha
reage a cores mistas de modo bem mais ativo do que a cores puras; observamos que o esmerilhão
reage aos cheiros de podre, ignorando os cheiros de relva e grãos, ao passo que o pato revela
peculiaridades opostas em suas reações; o gato distingue ativamente o ruído do rato mas não
reage aos sons do diapa-são que lhe são indiferentes. Este fato indica o caráter ativo e seletivo
das sensações.
Os fatos posteriores mostram que, em termos fisiológicos, a sensação não é absolutamente um
processo passivo mas sempre incorpora à sua composição componentes motores.
Assim, as observações realizadas pelo psicolólogo americano Neff, há mais de quarenta anos,
deram oportunidade para que nos convencêssemos de que, se observarmos pelo microscópio a
parte da pele irritada por uma agulha, poderemos ver que o momento do surgimento da sensação
é acompanhado por reações reflectoras motoras dessa área da pele. Posteriormente, foi
estabelecido através de inúmeras pesquisas que a composição de cada sensação é integrada por
um movimento, às vezes em forma de reação vege-tativa (compressão dos vasos, reflexo
cutâneo-galvânico), às vezes em forma de reações musculares (virada de olhos, tensão dos
nervos do pescoço, reações motoras do braço, etc).
Foi estabelecido que as sensações complexas, que exigem a distinção ou identificação de um
objeto, são possíveis sem movimentos ativos. Assim, para distinguir, de olhos fechados, um
objeto, é necessário apalpá-lo ativamente; até indícios como os aspecto plano ou rugoso
de um objeto,
7
suas dimensões, etc, são percebidos apenas se a mão que os apalpa é ativa; as sensações que
surgem do objeto da superfície passiva da pele, são extremamente imperfeitas.
O mesmo foi estabelecido em relação à percepção visual. Setchenov já indicara que, para perceber
visualmente o objeto, é necessário que o olho o "apalpe". Ultimamente foi estabelecido que cada
percepção visual se realiza de fato com a participação ativa dos movimentos dos olhos, que às
vezes têm caráter de grandes "movimentos de apalpaçâo", tomando às vezes o aspecto de
pequenos movimentos dos olhos. Ainda abordaremos especialmente o fato de que a sensação
auditiva ocorre com a participação imediata dos componentes motores tanto no próprio aparelho
auditivo como no aparelho oral a ela relacionado. É sabido que para definir um som é necessário
cantá-lo e só neste caso o som será suficientemente preciso e separado dos sons semelhantes a ele.
Tudo isto mostra que as sensações não são absolutamente processos passivos, que elas têm
caráter ativo e a participação de componentes motores na sensação pode ser efetuada em nível
variado, ocorrendo, às vezes, como processo rejlector elementar (por exemplo, na redução dos
vasos ou das tensões musculares que surgem em resposta a cada excitação sentida), às vezes
como um complicado processo de atividade receptora intensa (por exemplo, durante a palpação
ativa do objeto ou a contemplação de uma imagem complexa).
A teoria rejlectora das sensações consiste justamente em indicar o caráter ativo de todos esses
processos.
Ainda veremos a grande importância dessa teoria tanto para a teoria dos processos cognitivos do
homem quanto para a análise das mudanças que ocorrem na sensação e na percepção durante os
estados patológicos do cérebro.
Classificação das sensações
Há muito tempo costuma-se distinguir cinco tipos básicos (modalidades) de sensações,
distinguindo-se o tato, o olíato, o paladar, a audição e a visão.
8
Para uma resposta suficientemente completa ao problema das modalidades principais de
sensações, devemos considerar que sua classificação pode ser feita pelo menos segundo dois
princípios básicos: o princípio sistemático e o genético, noutros termos, pelo princípio da
modalidade, por um lado, e pelo princípio da complexidade ou d& nível de sua construção, por
outro.
Classificação sistemática das sensações
Ao distinguirmos os grupos maiores e mais importantes de sensações, podemos dividi-las em três
tipos principais: sensações interoceptivas, proprioceptivas e extraceptivas. As primeiras reúnem
os sinais que nos chegam do meio interior do organismo e garantem a regulação das inclinações
elementares; as proprioceptivas garantem a informação sobre o corpo no espaço e a posição do
aparelho de apoio e movimento, assegurando a regulação dos nossos movimentos; as
extraceptivas constituem o maior grupo e asseguram a recepção de sinais do mundo exterior,
criando a base do nosso comportamento consciente.
Examinemos separadamente os três tipos básicos de sensações.
As sensações interoceptivas, que produzem sinais acerca do estado dos processos internos do
organismo, fazem chegar ao cérebro as excitações procedentes das paredes do intestino e do
estômago, do coração e do sistema sangüíneo, bem como de outros órgãos viscerais. Esse grupo
constitui o grupo mais antigo e mais elementar de sensações. Os aparelhos receptores dessas
sensações estão dispersos nas paredes dos órgãos internos que acabamos de citar. Os impulsos
que surgem passam pelos filamentos que integram parcialmente a composição do sistema
vegetativo, particularmente a composição das colunas laterais da medula espinhal. O aparelho
central, que recebe os impulsos interocep-tivos, é constituído parcialmente pelos núcleos das
formações subcorticais (núcleo mediai do tálamo ótico), parcialmente pelos órgãos do córtex
antigo (límbico) do encéfalo. É a isto que se deve o fato de que as sensações interoceptivas estão
entre as formas menos conscientes e mais
9
difusas e sempre conservam sua semelhança com os estados emocionais,
O caráter elementar e difuso dessa modalidade de sensações manifesta-se no fato de que, na
Psicologia, não existe uma classificação precisa desses fenômenos. Situam-se entre as
interoceptivas a sensação de fome, a "sensação de desconforto", que pode surgir como sintoma
inicial de doença dos órgãos internos, "a sensação de tensão" que surge com frustração de uma
necessidade qualquer e "a sensação de calma" ou "conforto" que indica a satisfação das
necessidades ou o desenvolvimento normal dos processos viscerais.
Vemos que, em todos esses casos, as sensações interoceptivas se manifestam como o ponto
intermediário entre as sensações autênticas e as emoções; apesar de a Psicologia ainda ter
estudado de modo muito insuficiente as manifestações subjetivas dessas sensações, incluindo-as
no campo das "sensações obscuras", o conhecimento destas é necessário tendo em vista que a sua
mudança pode desempenhar papel decisivo para a descrição do "quadro interior da doença" que
surge nos estados patológicos dos órgãos interiores e desempenha papel considerável no
diagnóstico das doenças interiores (A. R. Luria). Essas sensações não-conscien-tizadas podem
manifestar-se muito cedo, podendo sua expressão assumir formas originais: elas podem aparecer
em forma de "pressentimentos" que o homem não pode formular, podem manifestar-se nos sonhos
que, às vezes, é como se anunciassem a doença que está em início (em essência, elas apenas
refletem mudanças que começaram cedo e foram pouco conscientizadas, ou seja, mudanças das
sensações interoceptivas, que surgem em fases iniciais da doença). Elas se manifestam na
mudança do estado de espírito e nas reações emocionais, provocando na criança freqüentes
manifestações singulares no comportamento. Sabe-se, por exemplo, que uma criança doente, que
ainda não tem consciência das mudanças interoceptivas, apresenta indícios de mudança geral de
comportamento, ou começa a acalentar e dar remédio a uma boneca "doente", refletindo deste
modo mudanças em suas próprias sensações interoceptivas.
A importância objetiva das sensações interoceptivas é muito grande: elas são fundamentais na
regulação da balança dos processos internos de metabolismo ou daquilo a que se chama
homeostase dos processos de troca no organismo.
10
Os sinais que surgem por via interoceptiva provocam um comportamento voltado para a
satisfação de inclinações ou para a eliminação dos estados de tensão ("stress") que podem
manifestar-se em decorrência de fatores que perturbam o funcionamento equilibrado dos órgãos
internos. Por isto a consideração das sensações interoceptivas desempenha papel decisivo na
parte da medicina denominada "psicossomá-tica", que estuda a correlação dos processos
somáticos e viscerais e dos estados psíquicos.
Os mecanismos fisiológicos, com a participação da in-terocepção, foram minuciosamente
estudados por K. M. Bi-kov e V. N. Tchernigovsky, que descreveram os mecanismos da
atividade reflectora condicionada, que surgem à base d« sensações interoceptivas.
O segundo grande grupo é constituído pelas sensações proprioceptivas, que asseguram os sinais
referentes à posição do corpo no espaço e, em primeiro lugar, à posição do aparelho de apoio e
movimento no espaço. Elas representam a base aferente dos movimentos do homem e
desempenham papel decisivo na regulação destes.
Os receptores periféricos da sensibilidade proprioceptiva ou profunda encontram-se nos
músculos e superfícies ar-ticulatórias (tendões, ligamentos) e apresentam formas de corpos
nervosos especiais (corpos de Paccini). As excitações que surgem nesses corpos refletem as
mudanças que ocorrem na distensão dos músculos e na mudança da posição das articulações,
passam pelos filamentos que compõem as colunas posteriores da substância branca da medula
espinhal. As excitações irrompem nas zonas inferiores dos núcleos de Holl e Burdach e,
passando para o lado oposto, avançam, atingindo os nós subcorticais (do sistema talâmico-
estriado) e terminando na região parietal do córtex do hemisfério, oposto (particularmente na
região pós-central) a Por isto o intervalo entre os condutores da sensibilidade proprioceptiva ou
profunda, em qualquer ponto desta via (afecção das colunas posteriores dos núcleos de Holl e
Burdach, das .vias con-dutoras ou do córtex da circunvoíução pós-central), sem perturbar a
sensibilidade superficial (tátil), leva a perturbações da sensibilidade proprioceptiva ou profunda
cujos sintomas são perfeitamente conhecidos pelos neuropatologistas. A pessoa doente não é
capaz de determinar a posição do seu braço (ou perna) no espaço, sente às vezes indícios de
mudança do
//
"esquema do corpo" (o tamanho dos membros. ou do corpo começa a lhe parecer incomum, às
vezes imensamente grande). É natural que em decorrência da perturbação ou queda da
sensibilidade proprioceptiva (ou profunda), ela comece a experimentar grandes dificuldades nos
movimentos: os impulsos que costumam partir dos receptores muscular-articula-tórios e
constituem a base aferente dos movimentos, neste caso são perturbados e os movimentos,
privados do apoio sensorial, tornam-se incontroláveis.
Na fisiologia e psicofisiologia modernas, o papel da pro-priocepção como base aferente dos
movimentos nos animais foi detalhadamente estudado por A. A. Orbeli, P. K. Ano-khin; em
relação ao homem, o problema foi estudado por N. A. Bernstein.
Ainda voltaremos à análise do papel da sensibilidade proprioceptiva na construção dos
movimentos quando examinarmos, em caráter especial, a psicofisiologia dos processos motores.
O grupo de sensações, que indica a posição do corpo no espaço, tem entre seus componentes uma
modalidade especial de sensibilidade, denominada sensação de equilíbrio ou sensação estática.
Os receptores periféricos dessas sensações estão situados nos canais semicirculares do ouvido
interno, que estão distribuídos em três superfícies mutuamente perpendiculares: o
líquido que enche esses canais muda de posição dependendo da posição do corpo,
particularmente da cabeça, excita células "capilares" específicas que se misturam sob a influência
do fluxo desse líquido (endolinfa) e, deste modo, anuncia as mudanças da posição da cabeça no
espaço. A excitação, que surge como resultado dessas esti-mulações, é transmitida através dos
filamentos que compõem o nervo auditivo como parte especial deste (o chamado nervo
vestibular) e se dirige às regiões têmpo-parietais do cór-tex cerebral e do aparelho do cerebelo.
Ao contrário dos aparelhos da sensibilidade sinestésica (profunda), os aparelhos da sensibilidade
vestibular estão estreitamente relacionados com a visão, que também participa do processo de
orientação no espaço. Por isto o constante vislumbramento de excitações visuais (por exemplo,
quando se passa de carro ao longo de uma floresta densa) pode provocar a sensação de perda do
equilíbrio e enjôo. Sensação análoga (acompanhada da mudança do esquema
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do corpo) pode ser provocada também durante um vôo com rápidas mudanças da posição do
corpo no espaço. As mesmas perturbações da sensação de equilíbrio podem ser provocadas
também por processos patológicos, (inchações, por exemplo) localizados nas regiões têmporo-
parietais do cérebro ou no cerebelo.
O -terceiro — e maior — grupo de sensações é constituído pelas sensações exteroceptivas.
Estas fazem chegar ao homem a informação procedente do mundo exterior e são o principal
grupo de sensações que colocam o homem em contato com o meio exterior. É justamente entre
esse grupo que se situa o olfato, o paladar, o tato, a visão e a audição.
Convencionou-se dividir todo o grupo de sensações exteroceptivas em dois subgrupos: as
sensações de contato e distância.
Entre as sensações de contato, situam-se aquelas nas quais a ação que provoca a sensação deve
ser aplicada imediatamente à superfície de um corpo e ao respectivo órgão perceptivo. O
exemplo típico da sensação de contato pode ser visto no tato e no paladar. É perfeitamente
compreensível que os dois tipos de sensação possam ser provocados por ações à distância. Entre
as sensações de distância, ao contrário, situam-se aquelas nas quais o estímulo provoca'
sensações que atuam sobre os órgãos dos sentidos a partir de certa, distância. A estas pertencem
o olfato, e especialmente a visão e a audição. O estímulo situado às vezes à grande distância do
sujeito (por exemplo, o som de uma campainha, a luz de uma lâmpada) pode provocar sensações
mesmo que a fonte destas esteja distante e as respectivas ações (por exemplo, ondas sonoras ou
luminosas) devam percorrer uma grande distância antes de que possam atuar sobre os respectivos
órgãos dos sentidos.
A classificação de todos os tipos de sensações é representada no seguinte esquema:
Sensações interoceptivas
Sensações proprioceptivas
Sensações exteroceptivas — de contato
(paladar, tato)
de distância
(olfato, visão, audição)
13
Tipos de sensações exteroceptivas
Como se sabe, entre as sensações exteroceptivas situam-se as cinco "modalidades" acima
referidas: olfato, paladar, tato, audição e visão. Esta enumeração é correta mas não esgota os
cinco tipos de sensibilidade.
No entanto cabe acrescentar a essa relação duas categorias: as sensações intermediárias ou
intermodais e os tipos não específicos de sensação.
É fato notório que se o tato percebe sinais das influências mecânicas e a audição percebe sinais
das ondas sonoras com uma freqüência de vinte-trinta a vinte-trinta mil oscilações por segundo, o
homem é capaz de perceber oscilações de freqüência inferior à das ondas sonoras acima referidas.
Entre essas oscilações situam-se as vibrações cuja freqüência é calculada em aproximadamente
10-15 oscilações por segundo. Essas vibrações não são percebidas pelo ouvido mas pelos ossos
(do crânio ou dos membros), enquanto que as sensações que percebem essas vibrações são
denominadas sensibilidade vibrátil. O exemplo típico dessa sensibilidade é a percepção dos sons
pelos surdos. Sabe-se que os surdos podem perceber a música mantendo a mão na coberta do
instrumento de som, percebendo os sons, às vezes, até por meio de vibrações do piso ou de um
móvel. Deste modo, a sensibilidade vibrátil é um exemplo de sensação intermodal, que ocupa
posição intermediária entre a visão e o tato.
Outro exemplo de sensibilidade intermodal é a percepção de alguns cheiros agudos por
sensações agudas de sabor, bem como de sons ultrafortes ou luz ultraforte; todas essas ações
provocam sensações mistas, situadas entre as sensações táteis, auditivas ou visuais e as
sensações de dor que se difundem a filamentos sensoriais não específicos. Na neurologia esses
componentes não específicos dessas modalidades de sensibilidade são conhecidos como
"trigeminais" do nervo trifacial cuja excitação é incorporada à sensação básica em caso de
irritações superfortes.
O segundo acréscimo à classificação comum das sensações exteroceptivas é a existência de uma
forma não específica de sensibilidade. Essa "sensibilidade não específica" pode ser constituída
pela fotossensibilidade da pele, que é a
14
capacidade de percepção dos matizes de cor pela pele da mão ou das pontas dos dedos. Os
fenômenos da fotossensi-bilidade não específica foram descritos por A. N. Leontyev e outros.
Esse autor realizou um estudo preciso no qual a superfície da mão recebeu luz colorida (verde ou
vermelha), sendo que, neste caso, a temperatura dos raios luminosos foi igualada por um filtro de
água. Após várias centenas de combinações de determinado sinal colorido com o estímulo de dor,
foi demonstrado que, sob a condição de uma orientação ativa do sujeito, era possível ensiná-lo a
distinguir os raios luminosos pela pele da mão, embora essa distinção fosse dúbia e difusa.
A natureza da fotossensibilidade da pele continua obscura até hoje, embora se possa supor que
ela esteja relacionada com o fato de o sistema nervoso e a pele terem sido originados por um
embrião de folha (ectoderma) e na pele possam encontrar-se elementos fotossensíveis difusos e
rudimentares que começam a agir com êxito sob condições especiais (particularmente sob
excitação elevada dos sistemas subcorticais, palâmicos).
Existem formas de sensibilidade ainda não suficientemente estudadas às quais pertencem, por
exemplo, o "sentido de distância" (ou o "sexto sentido") dos cegos, que lhes permite perceber à
distância o obstáculo que surge à sua frente. Há fundamentos para supor que a base do "sexto
sentido'' é a percepção das ondas de calor pela pele do rosto ou o reflexo das ondas sonoras do
obstáculo distante (essas ondas atuam à semelhança do radar). No entanto essas formas de
sensibilidade ainda não foram suficientemente estudadas, sendo ainda difícil falar dos seus
mecanismos fisiológicos.
Interação das sensações e o fenômeno da sinestesia
Alguns órgãos dos sentidos que acabamos de descrever nem sempre funcionam isoladamente.
Eles podem estar em interação, podendo essa interação assumir duas formas.
Por um lado, algumas sensações podem influenciar-se mutuamente, sendo que o funcionamento
de um órgão do
15
sentido pode estimular ou reprimir o funcionamento de outro órgão do sentido. Por outro lado,
existem formas mais profundas de interação sob as quais os órgãos dos sentidos trabalham em
conjunto, condicionando uma nova modalidade materna de sensibilidade que em Psicologia
recebeu a denominação de Sinestesia.
Examinemos. separadamente cada uma dessas formas de interação. Os estudos efetuados pelos
psicólogos (particularmente o psicólogo soviético S. V. Kravkov) mostraram que o
funcionamento de um órgão dos sentidos não deixa de influir no processo de trabalho de outros
órgãos dos sentidos. Verificou-se, por exemplo, que a irritação sonora (um assobio, por exemplo)
pode aguçar o trabalho da sensação visual, aumentando-lhe a sensibilidade aos estímulos
luminosos. Assim alguns cheiros também influem, aumentando ou diminuindo a sensibilidade
sonora e auditiva. Ao que parece, semelhante influência de umas sensações sobre outras ocorre no
nível das regiões superiores do tronco cerebral e no tálamo ótico, onde os filamentos que
conduzem as excita-ções de diversos órgãos dos sentidos se aproximam, tornando possível uma
realização perfeita da transmissão das excita-ções de um sistema a outro. Os fenômenos do
estímulo mútuo e da inibição mútua do funcionamento dos órgãos dos sentidos constituem um
grande interesse prático em situações sob as quais surge a necessidade de estimular ou reprimir
artificialmente a sensibilidade desses órgãos (por exemplo, nas condições de vôo na hora do
crepúsculo quando não há direção automática).
Em Psicologia são bastante conhecidos os fatos da "audição colorida", que é acionada em
muitas pessoas e se manifestam com nitidez especial em alguns músicos (em Skryabin, por
exemplo). Assim sendo, é fato amplamente conhecido que os sons altos são considerados
"claros" enquanto os sons baixos são considerados "escuros". O mesmo ocorre eom os cheiros,
pois, como é sabido, uns são considerados "claros" e outros, "escuros".
Esses fatos não são casuais ou subjetivos; são regidos por lei, o que foi demonstrado pelo
psicólogo alemão Horn-bosteí que sugeriu aos sujeitos uma série de cheiros e propôs compará-
los a uma série de tons e uma série de tonalidades de luz. Os resultados foram muito
interessantes e de-
16
monstraram uma grande permanência; o que foi mais importante porém é que os cheiros das
substâncias cujas moléculas continham um grande número de átomos de carbono foram
comparados a tonalidades escuras enquanto que os cheiros das substâncias cujas moléculas
continham poucas moléculas de carbono foram comparados a matizes de luz. Isto mostra que a
sinestesia se baseia em propriedades objetivas (ainda não suficientemente estudadas) dos agentes
que atuam sobre o homem.
É característico que o fenômeno da sinestesia nem de longe se difunde em pessoas idênticas. Ele
se manifesta com nitidez especial nas pessoas de excitabilidade elevada das formações
subcorticais. Sabemos que ele predomina nos casos de histerismo, pode aumentar visivelmente no
período de gravidez e ser artificialmente provocado pelo uso de várias substâncias farmacológicas
(a mescalina, por exemplo).
Em alguns casos, os fenômenos da sinestesia se manifestam com absoluta nitidez. Um dos
sujeitos com manifestação muito acentuada de sinestesia, o conhecido mnêmico S., foi estudado
minuciosamente na Psicologia soviética (A. R. Luria). Esse homem percebia todas as vozes como
sendo coloridas e dizia freqüentemente que a voz da pessoa que a ele se dirigia era
"amarela e dispersa". Os tons que ele ouvia lhe provocavam sensações visuais de diversos
matizes (de amarelo-claro a negro-prateado ou violeta). As cores percebidas eram por ele
sentidas como "sonoras" ou "surdas", como "salgadas" ou "estaladas". Semelhantes fenômenos
são encontrados em formas mais obliteradas com muita freqüência como tendência direta a
"pintar" os números, dias da semana, nomes dos meses em diferentes cores.
O fenômeno da sinestesia representa grande interesse para a psicopatologia, onde a sua análise
pode adquirir importância diagnostica.
As formas descritas de interação das sensações são as mais elementares e parecem ocorrer
predominantemente no nível do tronco superior e das formações subcorticais. No entanto
existem formas mais complexas de interação dos órgãos dos sentidos ou, segundo Pavlov,
analisadores. Sabe-se que, às vezes, quase não percebemos as irritações táteis, visuais e
auditivas isoladamente: ao percebermos os objetos do mundo exterior, nós os vemos com os
olhos, sentimos
17
pelo contato, às vezes lhes percebemos o cheiro e o som, etc. É natural que isso exige a
interação dos órgãos dos sentidos (ou analisadores) e é determinado pelo trabalho sintético
deles. Esse trabalho sintético dos órgãos dos sentidos ocorre com a participação imediata do
córtex cerebral e antes de tudo das zonas "terciárias" ou ("zonas de cobertura") nas quais estão
representados os neurônios pertencentes a várias modalidades. Essas "zonas de cobertura" (a
elas já nos referimos) são as que asseguram as formas mais complexas de funcionamento
conjunto dos analisadores, as quais servem de base à percepção dos objetos. Adiante faremos
uma análise psicológica das formas básicas de funcionamento desses analisadores.
Níveis de organização das sensações
A classificação das sensações não se limita à descrição de sensações isoladas de "modalidades"
diversas. Paralelamente à classificação sistemática das sensações, existe a classificação patético-
estrutural, ou melhor existe uma relação com diferentes níveis de organização e a discriminação
das sensações que surgem em diversas etapas da evolução e tem uma estrutura de complexidade
variada.
Quando antes nos referimos às sensações interoceptivas, observamos o caráter primitivo e
difuso que se manifestava na sua semelhança com os estados emocionais e no fato de que é
difícil distribuí-las em categorias isoladas precisas.
Passando às sensações exteroceptivas, tivemos oportunidade de observar também a diferença de
complexidade destas. Assim as sensações olfativas e gustativas têm caráter bem mais subjetivo e
conservam uma relação bem maior com os estados emocionais (a sensação do agradável e do
desagradável) do que ás sensações visuais (particularmente as auditivas) que refletem os objetos
do mundo exterior, que podem ocorrer sem provocar obrigatoriamente problemas emocionais e
têm caráter bem mais objetivo e diferenciado, refletindo a forma, as dimensões e a disposição
espacial dos objetos que atuam sobre o homem. Por último as sensações táteis têm duplo
caráter, englobando tanto componentes primitivos, semelhantes aos problemas
emocionais

(por exemplo, a sensação do calor, do frio, de dor) quanto componentes complexos (sensação
das dimensões, da forma é da disposição dos objetos que atuam sobre a pele).
Isto levou os estudiosos a discriminar duas formas ou dois níveis de sensação e, por sugestão do
neurologista inglês H. Head, falar de sensações primitivas — protopâticas e complexas —
epicríticas.
Por sensações protopâticas (do grego protos —■ tenro e patos — emoção) costuma-se entender
as formas mais antigas de sensação que ainda não têm caráter objetivo diferenciado. Essas
sensações são separáveis dos estados emocionais e não refletem com a devida precisão os objetos
concretos do mundo exterior, têm caráter imediato, estão distante do pensamento é não podem ser
divididas em categorias precisas que se possam designar com certos termos genéricos. As
sensações interoceptivas são o exemplo mais nítido dessa sensibilidade protopática.
Por sensações epicríticas (do grego superior, superficial, suscetível de elaboração complexa)
entendem-se os tipos superiores de sensação que não têm caráter subjetivo, estão separados dos
estados emocionais, apresentam estrutura diferenciada, refletem as coisas objet ivas do mundo
exterior e estão bem mais próximos dos complexos processos intelectuais. Esse tipo de sensação
surgiu em etapas mais tardias da evolução e tem como exemplo mais patente as sensações visuais.
A sensibilidade protopática e a epicrítica têm organização cerebral diversa. Seus aparelhos
nervosos centrais se localizam em diferentes níveis. Os aparelhos cerebrais da sensibilidade
protopática estão localizados no nível do tronco superior, do tálamo ótico e do córtex límbico
antigo, ao passo que os aparelhos da sensibilidade epicrítica são representados nas áreas
respectivas do córtex visual, auditivo e tátil com sua organização complexa e suas zonas de
cobertura. Isto explica o fato de que as mudanças patológicas da sensibilidade protopática (por
exemplo, o alto tônus emocional das sensações, a estreita ligação entre estas e as sensações de
dor) surgem com a afecção do fálamo ótico e das paredes dos ventrículos cerebrais, ao passo que
a perturbação da sensibilidade epicrítica manifesta-se como resultado de afecções locais das
respectivas áreas do córtex cerebral.
19
Observações mostraram que no funcionamento de quase todos os órgãos dos sentidos há
elementos da sensibilidade tanto protopática como epicrítica, embora isso se verifique em
correlações diferentes. Assim sendo, nas sensações visuais os componentes protopáticos são
representados pelo tono emocional das cores "frias" e "mornas", enquanto os componentes
epicríticos são representados pela percepção de grupos de cores que podem ser designados pelos
conceitos genéricos de "vermelho", "amarelo", "verde", "azul", etc. Ocorrência análoga nas
sensações auditivas, onde o tônus emocional do som pertence à sensibilidade protopática e seu
caráter concreto (o som de uma campainha, das badaladas do relógio, etc.) se situa entre os
componentes epicríticos.
Os componentes protopáticos e epicríticos se manifestam com nitidez especial nas sensações
táteis. Os componentes protopáticos se manifestam acima de tudo nas sensações de frio e calor,
que sempre são agradáveis ou desagradáveis, bem como nas sensações de dor quais os elementos
das sensações quase não podem ser separados das manifestações emocionais. Os componentes
epicríticos atuam na precisa localização de cada excitação, na discriminação de dois contatos
simultâneos, na avaliação do sentido no qual se produz a irritação da pele (por exemplo, na
irritação da pele numa direção distante ou próxima) e, por último, na complexa avaliação da
forma dos riscos feitos na pele por via íátil. Os neuropatologistas conhecem perfeitamente todos
procedimentos especiais que permitem distinguir o estado da sensibilidade protopática e
epicrítica e os aplicam com êxito para revelar o nível em que se situa o foco patológico.
As sensibilidades protopáticas e epicríticas não estão apenas descritas mas também separadas
experimentalmente uma da outra.
O neuropatologista inglês Hed fez em si mesmo um teste clássico desta separação experimental
das sensibilidades protopática e epicrítica. Com fins experimentais, ele cortou em sua própria mão
uma ramificação de cada nervo sensível e observou o restabelecimento paulatino da sensibilidade
que começava na medida em que crescia o corte central do nervo seccionado em decorrência do
seu corte periférico. Esse experimento permitiu a Hed estabelecer certa ordem de restauração da
sensibilidade. Durante vários meses inexistiu inteiramente sensibilidade da pele na respectiva área
da mão.
20
Em seguida surgiram sensações vagas dificilmente localiza-veis, que apresentavam caráter
emocional expresso e se situava no limite entre as sensações táteis e as de dor: era o período em
que a sensibilidade protopática primitiva já começava a restabelecer-se e a complexa
sensibilidade epicrí-tica era capaz de localizar a irritação em determinado ponto da pele, de
distinguir a direção dessa irritação e suas formas. Nessa etapa mais tardia já se podia falar do
restabelecimento de uma sensibilidade mais nova — a epicrítica.
Os experimentos de Hed tiveram grande importância teórica e prática. Mostraram que a
sensação engloba mecanismos construídos em diversos níveis, deram fundamento para uma
classificação genética das sensações que permitiram estabelecer uma série de indícios da
perturbação da sensibilidade, que são de grande importância para o diagnóstico tópico das
afecções cerebrais.
Medição das sensações. Estudos do limiar absoluto das sensações
Até agora nós nos detivemos na análise qualitativa de diferentes modalidades de sensação. No
entanto não é menos importante o estudo quantitativo, noutros termos, a medição das sensações.
É sabido que os órgãos das sensações humanas são aparelhos que funcionam com uma precisão
impressionante. O olho humano, por exemplo, pode distinguir um sinal luminoso de 1/1000 velas
a um quilômetro de distância. A energia dessa excitação é tão insignificante que seriam
necessários 60 mil anos para com ela aquecer um centímetro cúbico de água a 1°C. O ouvido
humano é tão sutil que se o duplicássemos poderíamos ouvir o movimento browniano das
partículas. O nosso olfato e o paladar são capazes de sentir o cheiro ou gosto de uma partícula
de substância diluída um milhão de vezes.
Surge, porém, um problema: como medir a sutileza das sensações (ou dos limiares absolutos da
sensibilidade)? Que métodos podem ser aplicados para esse fim e em que unidades objetivas
pode-se expressar a sutileza das sensações?
21
Há dois métodos básicos de medição das sensações: o primeiro deles é o método direto (ou
método de avaliação subjetiva), o segundo, o método indireto (ou método objetivo de avaliação
dos indícios da existência da sensação).
O método direto (ou método das avaliações verbais das excitações) consiste no seguinte:
propõe-se ao sujeito um determinado estímulo (um contato de pele, um som, uma luz) que
inicialmente tem uma intensidade mínima que em seguida cresce paulatinamente. Propõe-se-lhe
responder quando sentir a primeira respectiva sensação.
Para medir a sensibilidade da pele, aplica-se um dispositivo especial denominado estesiômetro. A
sutileza da sensibilidade auditiva se mede por meio de um gerador de som ou audiômetro, que
permite definir sons de intensidade variada, ou por meio de um mecanismo mais simples no
qual o som é provocado pela queda de uma pequena esfera de diferentes alturas.
A sutileza da sensibilidade visual é medida por um instrumento que permite levar ao olho do
sujeito, situado em ambiente escuro, um raio de luz de intensidade variada, começando com um
de intensidade baixa ainda não percebida que aumenta paulatinamente.
A sutileza das sensibilidades paladar e olfativa é medida por meio de dispositivos especiais que
permitem anunciar ao sujeito crescentes excitações do paladar e do olfato, começando por
dissoluções mínimas de uma substância saborosa ou cheirosa com aumento paulatino da
concentração dessas dissoluções.
Variantes simples desses instrumentos são amplamente empregadas na prática clínica.
O sujeito, com o qual se faz semelhante experimento, deve observar o momento em que ele
começa a perceber pela primeira vez o estímulo. A excitação mínima, inicialmente denominada
sensação, que o sujeito ressalta no seu relatório verbal, denomina-se limiar inferior da sensação.
O limiar inferior das sensações da sensibilidade tátil é expresso em bares (unidade de pressão), o
limiar inferior da sensibilidade auditiva se traduz em decibéis (unidades de intensidade acústica),
o limiar inferior da sensibilidade à luz mede-se em luxos (unidade de intensidade da'luz), etc.
Quanto maior é a agudeza da sensibilidade tanto menor é o seu limiar, em outros termos, a
agudeza da sensibilidade é inversamente pro-
22
porcional aos índices do limiar inferior em unidades de intensidade do respectivo estímulo. I
E = -, ■■ P

sendo E a sensibilidade absoluta, P a grandeza do limiar inferior das sensações.


Os índices dos limiares inferiores das diversas sensações não constituem uma grandeza
nitidamente "delineada". Existe toda uma faixa de influências mínimas nas quais o sujeito ora
percebe, ora não percebe a presença do respectivo estímulo ou, por último, questiona que tenha
havido tal estímulo. Por isio adota-se como limiar inferior da sensação, habitualmente, uma
grandeza na qual o número de respostas positivas, que indicam que o sujeito teve a respectiva
sensação, é superior a 50%. Este limiar é denominado limiar inferior estatisticamente autêntico
das sensações.
É característico que os limiares inferiores das sensações não continuam constantes, mudando na
dependência de vários fatores: da habituação aos estímulos, do fundo inicial e das condições
suplementares que podem elevar ou reduzir a sensibilidade.
Paralelamente aos limiares inferiores das sensações podemos discriminar os seus limiares
superiores. Entende-se por limiar superior a grandeza máxima do estímulo além de cujos
limites o estímulo não é percebido ou começa a assumir um novo colorido, sendo substituído
pelo estímulo doloroso.
Já dissemos que o ouvido humano pode perceber oscilações sonoras num diapasão de 20 a
20000 oscilações por segundo, sendo que as baixas freqüências são percebidas como tons baixos e
as altas como tons altos. Se apresentarmos ao sujeito sons com freqüências acima de 20-30 mil
oscilações por segundo (hertz-Hz), i.e., ultra-sons, ele não os perceberá. Assim, os sons situados
além dos limites dos limiares superiores deixam de suscitar sensações.
Por sua intensidade, os sons provocam sensações auditivas apenas em certos limites. Sons de
intensidade inferior a 1 decibel podem não ser percebidos e constituem o limiar inferior das
sensações, ao passo que os sons de intensidade superior a 130 decibéis começam a suscitar
sensações dolo-
23
rosas e constituem o limiar superior das sensações auditivas.
A mensuração dos limiares superiores e inferiores das sensações são de grande importância
prática: ela permite distinguir as pessoas de sensibilidade reduzida de um ou outro analisador,
enquanto o sintoma de redução da sensibilidade pode ser empregado para os diagnósticos da
afecção (periférica ou central). Assim, a perturbação da sensibilidade tá-til pode ser sintoma de
afecção situada na circunvolução central posterior do hemisfério oposto ou numa das etapas de
suas vias condutoras. A redução da sensibilidade visual pode sugerir a afecção da retina, das
áreas centrais da via auditiva ou da região occipital (a redução da agudeza da visão, vinculada a
ocorrências de estagnação no fundo do olho, é freqüentemente um sintoma de aumento da
pressão craniana interna, que surge nos casos de tumor no cérebro). A redução da sensibilidade
auditiva em um ouvido pode indicar afecção do receptor auditivo periférico (ouvido interno) ou
um foco patológico na área temporal do hemisfério oposto. Neste caso é essencial o fato
(descoberto por G. V. Gershu-nil, A. V. Baru e T. A. Karaseva) de que, nos casos de afecção do
lobo temporal, cai acentuadamente no doente a sensibilidade aos sons breves (cuja duração é de
1 a 5 milisse-gundos), ou seja, aumentam os limiares da percepção desses estímulos. A
importância deste fato consiste em que ele é, amiúde, o único sintoma a indicar a afecção da
região temporal do cérebro.
Não é menos importante a medição dos limiares superiores das sensações.
Um exemplo do valor prático dessas medições é o estabelecimento de limiares superiores das
sensações auditivas nas pessoas de audição difícil.
É sabido que essas pessoas não percebem sons fracos. Poderia parecer que para a superação desse
defeito seria bastante aumentar a intensidade dos sons através de mecanismos de intensificação.
No entanto, a intensificação desmedida dos sons que chegam aos duros de ouvido logo começa a
provocar sensações de dor, pois a "zona de conforto" (isto é, o diapasão em cujos limites os sons
começam a provocar sensações auditivas plenas) é neles muito restrita. Por isto a medição
precisa dos limiares inferiores e superiores das sensações auditivas permite indicar os limites nos
quais se devem intensificar os sons para que estes conservem o efeito
24
necessário. É fácil perceber a grande importância que isto tem para a construção de aparelhos de
intensificação do som.
Até agora analisamos fatos obtidos com a mudança das sensações mediante a aplicação do
primeiro dos referidos métodos, ou seja, o método da avaliação subjetiva das sensações (ou
método do relatório verbal do surgimento ou desaparecimento das sensações). Existe,
entretanto, uma segunda via de medição das sensações, através da aplicação de métodos
objetivos ou indiretos, noutros termos, mediante a avaliação dos indícios objetivos do
surgimento das sensações.
Essa via é o resultado de pesquisas realizadas nos últimos decênios em Vários laboratórios
psicofisiológicos e foi elaborada de maneira especialmente minuciosa pelos psicólogos
soviéticos G. V. Guershuni, E. N. Sokolov, O. S. Vino-gradova e outros.
Como já indicamos, as sensações não constituem um processo passivo, são sempre
acompanhadas de uma série de mudanças dos processos vegetativos, eletrofisiológicos e
respiratórios e são reflectotes por natureza. É este fato que permite usar as mudanças
rejlectoras que acompanham as sensações como indicador objetivo da manifestação destas.
É sabido que cada estímulo, que leva ao surgimento das sensações, provoca processos que
surgem por via reflec-tora como o estreitamente dos vasos, o surgimento do reflexo pele-
galvânico (mudança da capacidade de resistência elétrica da pele), mudança das freqüências da
atividade elétrica do cérebro (antes de tudo o surgimento da depressão do alfa-ritmo, a virada do
olho em direção ao estímulo, a tensão dos músculos do pescoço, etc.)
Todos esses sintomas objetivos surgem quando o estímulo chega ao sujeito e provoca sensações.
São eles que podem ser usados como indicador objetivo do surgimento das sensações.
Os testes realizados por pesquisadores mostraram que se propusermos ao sujeito um estímulo
muito fraco, este não provoca nenhuma sensação e não se verificam as mudanças reflectoras
descritas. Se a intensidade do estímulo aumenta, ultrapassa os limites do limiar inferior e
começa a provocar sensações, surgem mudanças objetivas nas reações vasculares
eletrofisiológicas e musculares. É justamente por isto que o
25
surgimento das mudanças descritas pode servir de indicador objetivo dos limiares injeriores
da sensação.
É digno de atenção o fato de que quanto mais intensivo é o estímulo tanto mais forte é a reação
vascular e eletro-fisiológica que ele provoca. Isto dá fundamentos para empregar esses
procedimentos com o fim de medir objetivamente a intensidade das sensações, o que foi muito
difícil quando se aplicaram apenas os métodos subjetivos.
Cabe observar que as reações vasculares ou as eletro-fisiológicas a estímulos mal distinguíveis
("pré-liminares") podem ser expressas de modo bem mais acentuado do que aos estímulos
comuns-bem perceptíveis. Este fato reflete objetivamente as dúvidas que o sujeito experimenta
quando se lhe propõem excitações dificilmente perceptíveis è o fundo emocional em que
ocorrem as tentativas de distinguk nitidamente o estímulo dos sons neutros. Por isto a
intensificação das reações objetivas às excitações pré-liminares (mal perceptíveis) pode ser
utilizada como importante indicador complementar do diapasão pré-liminar das sensações.
É fácil notar que os métodos objetivos de medição das sensações aqui descritos são de
importância especialmente sérias nos casos em que, por motivos desconhecidos, é impossível a
obtenção de dados mediante enquête direta aos sujeitos (entre crianças pequenas, alguns doentes
mentais ou sob estímulo intencional).
No entanto surge uma pergunta natural: qual é a relação entre os dados obtidos por questionário
direto e os dados obtidos pelo estudo de indicadores fisiológicos objetivos? Da resposta a essa
pergunta depende a resposta a outra: seremos capazes de empregar com a suficiente
fidedignidade índices objetivos como sintomas seguros do surgimento de sensações subjetivas?
Pesquisas realizadas pelo psicólogo soviético J. V. Guer-shuni mostraram que é norma os
indicadores objetivos dos limiares das sensações corresponderem com precisão aos limiares
subjetivos, noutros termos, as mudanças descritas das reações pele-galvânicas e
eletroencefalográficas manifestam-se justamente quando, no sujeito, as sensações subjetivas
surgem pela primeira vez. As divergências entre os indicadores subjetivos e objetivos surgem
apenas em alguns casos especiais, por exemplo, nos estados inibitórios do córtex. Isto ocorre, por
exemplo, nos casos da chamada queda pós-contusão
26
da audição ou surdez pós-contusão, que começa como resultado do golpe de uma onda de ar.
Entre os sujeitos desse grupo, cujo córtex auditivo encontra-se em estado de inibição patológica, a
apresentação de estímulos sonoros não provoca quaisquer sensações subjetivas, embora leve ao
surgimento das mudanças fisiológicas objetivas das reações pele-galvânicas e eletroencefalo-
gráficas. Entre esses sujeitos, a apresentação do som (que o doente não registra) provoca um
nítido reflexo cócleo-pupi-lar (compressão da pupila em resposta à excitação sonora). Essa
divergência entre as reações objetivas e subjetivas às excitações auditivas permitiu a Guershuni
lançar a tese segundo a qual o homem tem um diapasão subsensorial especial, que indica as
reações fisiológicas não-conscientizáveis e estímulos não sensíveis. À medida da evolução
inversa da doença, os limiares das sensações subjetivas se restringem paulatinamente e no fim das
contas começam a coincidir.
As pesquisas do diapasão subsensorial, realizadas por Guershuni, são de grande importância
teórica e prática para o diagnóstico de algumas formas do estado inibitório do córtex.
Estudo da sensibilidade relativa (diferencial)
Até agora nós nos detivemos na mudança da sensibilidade absoluta dos nossos órgãos dos
sentidos: dos limiares superiores e inferiores das sensações. Existe, nãb obstante, a sensibilidade
relativa (diferencial), que também pode ser medida embora a medição apresente grandes
dificuldades.
Se nos encontrarmos num quarto escuro, iluminado por uma vela acesa, o acréscimo de outra
vela idêntica será facilmente percebido; neste caso a iluminação se duplicará e a diferença de
claridade será facilmente percebida. O contrário ocorre se estivermos numa sala muito
iluminada, com muitas lâmpadas acesas; neste caso não perceberemos não só o acréscimo de
outra vela como até mesmo de uma lâmpada de 100 velas (neste caso a iluminação aumentará
de 1/1000 e sua mudança permanecerá imperceptível).
O mesmo podemos dizer a respeito da audição: no silêncio absoluto distinguimos perfeitamenfe
um som mínimo; num lugar barulhento, esse mesmo som será imperceptível.
27
Isto significa que a sensibilidade relativa (ou diferencial) pode expressar-se em medidas
diferentes das que se empregam na sensibilidade absoluta. Se a sensibilidade absoluta se
expressa na intensidade de uma excitação mínima que gera a primeira sensação, a sensibilidade
relativa se manifesta no acréscimo relativo ao fundo inicial, acréscimo esse que é suficiente para
que o sujeito perceba a sua mudança.
É essencial que essa sensibilidade relativa, que pela primeira vez se torna distinguível, se
manifeste em números variados para os diversos órgãos dos sentidos: para as sensações visuais é
bastante acrescentar 1/100 da iluminação anterior para que a mudança desta seja perceptível; para
o ouvido esse acréscimo relativo deve superar em 1/10 o fundo sonoro inicial; para o tato é
bastante aumentar em 1/30 a força do contato inicial.
Os pesquisadores tentaram traduzir essa lei numa fórmula matemática única; esta foi encontr ada
pelos' pesquisa-* dores (os psicofisiologistas alemães Weber e Fechner) e foi expressa na
fórmula:

E=P (1)
Ap
onde E é o índice de sensibilidade variável, P é o fundo inicial e Ap é a magnitude da adição a
essa sensibilidade inicial, magnitude que é suficiente para que se manifeste a sensação de
mudança. É característico que a magnitude desse acréscimo (Ap) varia para diferentes
modalidades que se expressam na fórmula:
Ap
------ = K (2)
P
A possibilidade de medição da sensibilidade relativa é considerada pelos psicólogos como uma
grande conquista da ciência, pois verificou-se que emoções que pareceriam muito subjetivas
como o surgimento de diferenças no fundo inicial das sensações, são acessíveis à análise
quantitativa. Foi por isto que o psicofisiologista Fechner supôs que só esse aumento muito
pouco perceptível da excitação (ou o limiar dife-
28
rencial da sensação) deve ser considerado uma unidade de sensação. Nas suas pesquisas
posteriores ele chegou à conclusão de que esse limiar relativo (diferencial) pode ser traduzido
em fórmula matemática segundo a qual a magnitude da sensação é proporcional ao logaritmo
da intensidade da excitação ativa. Essa fórmula, que foi denominada lei de Fechner, foi uma
das primeiras leis exatas formuladas na Ciência Psicológica.
A regra de Weber-Fechner (as fórmulas 1 e 2) é adequada apenas numa zona média (embora
bastante ampla) de excitações. Nos casos em que a intensidade do estímulo é muito baixa (e se
aproxima do limiar) ou muito alta, a sensibilidade relativa é bem mais aproximada. Este fato
sugere uma certa condicionalidade biológica dos limiares relativos e exige ainda explicação
complementar.
Variação da sensibilidade (adaptação e sensibilização)
Seria errôneo pensar que tanto a sensibilidade relativa como a absoluta dos nossos órgãos dos
sentidos continuam invariáveis e seus limiares se manifestam em números permanentes. Como
mostraram as pesquisas, a sensibilidade dos nossos órgãos dos sentidos pode variar em limites
muito grandes. Essa variação da sensibilidade depende tanto das condições do meio exterior
como de uma série de condições interiores (fisiológicas e psicofisiológicas)," de influências
químicas das orientações do sujeito, etc.
Distinguem-se duas formas básicas de mudança da sensibilidade, entre as quais uma depende
das condições do meio e é chamada adaptação, e a outra das condições do estado do organismo
e é denominada sensibilização.
Examinemos separadamente cada forma de mudança da sensibilidade.
Adaptação. Sabe-se que na escuridão a nossa visão se aguça e sua sensibilidade diminui sob
iluminação forte. Isto nós percebemos quando passamos de um quarto escuro para um claro ou de
um ambiente muito iluminado para um escuro. No primeiro caso, os nossos olhos começam a
sentir
29
uma dor lancinante, ficámos "cegos" por um instante e é necessário algum tempo para que os
olhos se adaptem à claridade intensa. No segundo caso, observa-se um fenômeno inverso.
Quando passamos de um ambiente intensamente iluminado ou de um recinto aberto com luz
solar para um recinto escuro, inicialmente não enxergamos nada e precisamos de uns 20-30
minutos para nos orientarmos bem na escuridão.
Isto mostra que, dependendo da situação ambiente (da iluminação), a sensibilidade visual do
homem muda bruscamente. Como mostraram as pesquisas, essa mudança é muito grande e a
sensibilidade dos olhos se aguça em 200 mil vezes quando ele passa da iluminação intensa para
o escuro!
A fisiologia conhece bem os mecanismos que servem de base a essa grande mudança da
sensibilidade. No funcionamento dos olhos há vários mecanismos específicos dessa natureza.
Alguns destes, ao distinguirem a claridade, fazem mudar a faixa de luz da pupila (a pupila se
expande na escuridão e se restringe na claridade, podendo mudar sua faixa de luz em 17 vezes),
regulando, desse modo, o fluxo global de luz. Outro mecanismo consiste em que, na retina, ocorre
um deslocamento do pigmento, que é uma espécie de obstáculo protetor contra a penetração
excessiva de raios luminosos na camada sensível. É de igual importância para o aumento da
sensibilidade da retina na escuridão o processo de restabelecimento da púrpura visual, essa
importantíssima substância fotossensível, que faz parte na composição das células sensíveis à luz.
Como mostraram estudos especiais (P. G. Snyakh), a retina do olho possui ainda um mecanismo
especial de "mobilização" de um número máximo de elementos fotossensíveis ativos na escuridão
e de "desmobilização" ou inclusão de um número considerável de elementos fotossensíveis na
claridade; por este motivo, varia a sensibilidade da retina em horas diferentes do dia e da noite e
inclusive em períodos diferentes do ano. Por último, ocorrem na retina importantes reorganizações
funcionais que consistem em que, sob as condições de claridade (de dia) entram em ação
aparelhos fotossensíveis menos sensíveis — "pequenas ma-trazes" — que, não obstante, são
capazes de distinguir as cores. Continuam ativos outros aparelhos da retina — os bacilos, que
possuem maior sensibilidade mas não podem discriminar as tonalidades das cores; é exatamente a
isto que
30
se deve o fato de o homem deixar de distinguir as cores no crepúsculo, embora sua visão se
aguce.
Paralelamente aos mecanismos periféricos de mudança da sensibilidade aqui descritos, existem
mecanismos ceriT trais que permitem regular a agudez da sensibilidade dependendo das
condições ambientais. Situam-se entre eles os mecanismos que mudam o tônus do córtex sob a
influência dos impulsos que a estes chegam através dos filamentos da formação reticular.
As referidas mudanças da sensibilidade, que dependem das condições do meio e são chamadas
de adaptação dos órgãos dos sentidos às condições ambientes, existem também no campo do
olfato, do tato e do paladar (mudança da sensibilidade auditiva em condições de silêncio e
ruído).
A mudança da sensibilidade, que ocorre segundo o tipo de adaptação, não é imediata, requer
certo tempo e muda suas características temporais.
O importante é que essas características temporais são diferentes para os diversos órgãos dos
sentidos. Sabemos perfeitamente que para a visão adquirir a necessária sensibilidade no recinto
escuro, deve passar-se cerca de 30 minutos e só após isto o homem adquire a capacidade de
orientar-se bem na escuridão. O processo de adaptação dos ór-jãos auditivos é bem mais rápido.
O ouvido do homem se adapta ao fundo ambiente em 15 segundos. Com essa mesma rapidez,
ocorre a mudança da sensibilidade no tato (um contato fraco com a pele deixa de ser percebido
em alguns segundos).
São bem conhecidos os fenômenos de adaptação ao calor (adaptação à mudança de
temperatura); esses fenômenos, entretanto, se manifestam com nitidez apenas numa faixa média,
quase não ocorrendo adaptação ao frio intenso ou ao calor forte assim como às excitações de
dor. São conhecidos também os fenômenos de adaptação aos cheiros. Nestes casos, a mudança da
sensibilidade ocorre lentamente: o cheiro de cânfora deixa de ser sensível em 1-2 minutos. É
característico que a adaptação aos cheiros intensos que provocam excitações de dor (ou incluem o
componente trigemi-nal) não ocorre de modo algum.
A adaptação é um dos tipos mais importantes da sensibilidade, que sugere uma grande
plasticidade do organismo em seu processo de adaptação às condições do meio.
31
Sensibilização. O processo de sensibilização difere do processo de adaptação em dois sentidos.
Por um lado, se no processo de adaptação a sensibilidade muda em ambos os sentidos,
aumentando e reduzindo a sua agudez, já no processo de sensibilização muda apenas no sentido
do aumento da agudez. Por outro lado, se no processo de adaptação as mudanças de sensibilidade
dependem das condições do meio ambiente, no processo de sensibilização elas dependem
predominantemente da mudança do próprio organismo — de condições fisiológicas ou
psicológicas.
Distinguem-se dois aspectos básicos do aumento da sensibilidade conforme o tipo de
sensibilização: um desses aspectos tem caráter longo e permanente e depende
predominantemente de mudanças estáveis que ocorrem no organismo; o segundo tem caráter
provisório e depende de influências extraordinárias sobre o estado do sujeito — de influências
fisiológicas ou psicológicas.
Entre o primeiro grupo de condições que mudam a sensibilidade situam-se a idade, as condições
tipológicas, os deslocamentos endócrinos e o estado geral do sujeito relacionado com a estafa.
A idade do sujeito está nitidamente relacionada com a mudança da sensibilidade. As pesquisas
mostraram que a sutileza da sensibilidade dos órgãos dos sentidos aumenta com a idade,
atingindo o seu ponto máximo na faixa de 20-30 anos para, posteriormente, decair em termos
graduais. Esse processo reflete o dinamismo geral do funcionamento do sistema nervoso do
organismo.
As peculiaridades substanciais do funcionamento dos órgãos dos sentidos dependem do tipo de
sistema nervoso do sujeito. É sabido que pessoas dotadas de um forte sistema nervoso
apresentam grande resistência e estabilidade, ao passo que as pessoas dotadas de um sistema
nervoso fraco são-dotadas de menor resistência e maior sensibilidade (B. M. Teplov).
É de grande importância para a sensibilidade a balança endócrina do organismo. É sabido que
durante a gravidez a capacidade olfativa pode aguçar-se acentuadamente, ao passo que a agudez
da sensibilidade visual e auditiva decresce.
Devemos, evidentemente, mencionar os fenômenos essenciais do aguçamento da sensibilidade,
que se verificam duran-
32
te alguns distúrbios endócrinos, como, por exemplo, na hi-perfunção da tireóide. Mudanças
importantes da sensibilidade podem ocorrer, por último, em estado de esíafa. A estafa, que
provoca estados inibitórios (fásicos) do córtex, pode provocar inicial-t
mente o agravamento da sensibilidade para, em seguida,
com a evolução desse agravamento passar à redução da sensibilidade.
É necessário indicar ainda que as mudanças longas e i estacionárias da sensibilidade
podem começar durante o es-
tado astênico do sistema nervoso conhecido como "debilidade excitadora", por um lado, e das
manifestações clássicas de histerismo, por outro.
Dessas mudanças estacionárias da sensibilidade dependem as formas de mudança (de
agravamento) da sensibilidade, provocadas por fatores extraordinários e que, via de regra,
apresentam caráter relativamente breve.
Entre os fatores que provocam a sensibilidade extra situam-se antes de tudo as influências
jarmacológicas. É sabi-t do que existem substâncias que provocam o aguçamento da
sensibilidade. Entre tais fatores situa-se, por exemplo, a adrenalina, cuja ingestão provoca
excitação do sistema nervoso vegetativo e através da formação reticular pode suscitar um nítido
aguçamento da sensibilidade. Ação análoga, que aguça a sensibilidade dos receptores, pode ser
provocada por substâncias como fenalina (bengidrina) e várias outras substâncias. Ao contrário,
as substâncias cuja ingestão leva a uma nítida queda da sensibilidade; entre estas situa-se a
pilocarpina. ,
Nos últimos decênios, a aplicação de meios farmacológi-cos como vias de regulação do
funcionamento do sistema nervoso, particularmente de mudança da sensibilidade, acumulou
grande experiência e hoje podemos mencionar vários preparados que exercem grande influência
sobre a regulação do í funcionamento dos órgãos dos sentidos.
A ação farmacológica não é o único meio de provocar a sensibilização extra das sensações. O
segundo meio é a interação das sensações. Já lembramos que a ação sobre o órgão í
da percepção pode provocar aumento da sensibilidade de ou-
tro órgão. Assim, o acadêmico P. P. Lazarev mostrou que, se num auditório ecoa um som
demorado, a inclusão da luz faz com que a produção do tom comece a parecer mais intensiva.
33
Ao contrário, a ação de um ruído forte pode provocar a redução da sensibilidade à luz. Estímulos
bastante fracos de analisador idêntico podem possuir capacidade sensibilizadora para
mudar a sensibilidade. Assim, se a iluminação da periferia da retina por luz fraca pode aumentar a
sensibilidade de outras áreas da retina, a iluminação de um olho aumenta a sensibilidade do outro
olho. Por último, foi demonstrado numa série de experimentos que a excitação sonora e,
às vezes, a excitação da pele podem provocar aumento da sensibilidade visual.
Todos esses experimentos não só mostram a estreita interação de formas particulares de
sensação como também abrem caminho para um aumento mais complexo da sensibilidade por
reflexo condicionado. O famoso fisiologista soviético A. O. Dolin mostrou numa série de
experimentos essa possibilidade,
Verjficou-se que se dermos inicialmente ao sujeito um som metronômico, este não exerce grande
influência sobre a mudança da sensibilidade à luz; mas se combinarmos este som com a luz dos
olhos várias vezes seguidas, dentro de certo tempo a simples aplicação do som provocará uma
queda da sensibilidade.
É digno de nota que semelhantes mudanças da sensibilidade podem ser provocadas se usarmos
uma palavra qualquer como estímulo condicionado. Esse efeito é sobretudo nítido quando, antes
de testar a sensibilidade do olho, pronuncia-se uma palavra que tivera sentido de luz no teste
anterior do sujeito. Dplin mostrou em seus experimentos que mudança idêntica da sensibilidade
ocorria quando ante a medição da sensibilidade o sujeito pronunciava a palavra "drama", não
ocorrendo esse efeito quando o sujeito pronunciava uma palavra de som aproximado mas de
significado diferente como, por exemplo, a palavra "trama".
Todos esses experimentos mostram como são grandes as possibilidades através das quais
podemos provocar mudança da sensibilidade, aplicando procedimentos fisiológicos (inclusive o
reflexo condicionado).
Mudanças consideráveis da sensibilidade podem ser provocadas por via psicológica, mudando-
se os interesses ou os "objetivos do sujeito".
Já sabemos que o animal é especialmente sensível a ações substanciais de importância
biológica. O mesmo fe-
34
nômeno podemos verificar no homem se, sem mudar as particularidades físicas dos estímulos
que atuam sobre ele, nós lhe mudarmos o significado através da instrução verbal.
Podemos citar apenas alguns exemplos de como a mu-> <Iança do significado do estímulo pode
aumentar substancialmente a sensibilidade (ou reduzir os limiares absolutos da percepção da
excitação).
Podem servir de exemplo ilustrativo os testes de laboratório do conhecido psicofisiologista
soviético G. V. Guer-shuni. Nesses testes propuseram-se ao sujeito dois quadrados iluminados
entre os quais havia um ponto luminoso fraco (imperceptível). Em condições habituais o sujeito
não percebia esse ponto. O ponto luminoso fraco começava ser percebido pelo sujeito quando era
reforçado por um estímulo de dor, enquanto a outra combinação dos dois quadrados iluminados
entre os quais não havia esse ponto luminoso, não era reforçada por nenhum estímulo e,
conseqüentemente, as excitações luminosas subliminares pela intensidade se tornavam o único
indício pelo qual era possível distinguir a combinação acompanhada da dor da combinação
indiferente. É fácil perceber que esse experimento mostra de maneira patente a possibilidade de
aguçar a sensibilidade dando-se à excitação subliminar fraca o valor de sinal. Elevação análoga da
sensibilidade pode ser obtida, entretanto, por meio de uma simples instrução verbal, na qual se dá
o valor de "sinal" ao indício fracamente distinguido. Neste sentido os psicólogos soviéticos A. V.
Zaporojets e T. V. Endovitskaya fizeram um experimento interessante com crianças de idade pré-
escolar e estudaram a maneira pela qual a atribuição de significado a um certo estímulo aumenta a
agudez da percepção visual. Foram tomados como métodos de avaliação da agudeza da percepção
visual círculos não fechados, nos quais a ruptura se encontra ora em cima, ■ora embaixo (os
chamados círculos de Lamdoldt, aplicados pelos oculistas). Num experimento propõe-se às
crianças avaliar a posição da ruptura apertando um botão se a ruptura estiver situada embaixo,
apertando outro botão se a ruptura estiver na parte superior. Noutro experimento a avaliação da
posição da ruptura era incluída num jogo:
colocava-se o círculo de Lamdoldt sobre portões dos quais saía um automóvel de brinquedo
quando a avaliação da posição da ruptura era correta. O experimento mostrou que, se a ins-
35
trução verbal que dava à posição da ruptura o valor de sinal ainda não influenciava a agudeza
da sensibilidade visual das crianças pequenas, ela exercia influência substancial nas crianças em
idade igual e superior a 5-6 anos. As crianças que, sob as condições do teste indiferente
distinguiam a posição da ruptura do círculos de Lamdoldt apenas a uma distância de 200-
300cm, captavam a posição dessa ruptura a uma distância de 310-320 cm quando se dava a essa
posição valor de sinal correspondente.
Esses experimentos, que mostram o quanto a atribuição de valor de sinal ao estímulo pode
aguçar a sensibilidade, são de grande importância psicológica, constituindo um exemplo da
extraordinária plasticidade que existe no funcionamento dos órgãos dos nossos sentidos e varia
dependendo da importância do estímulo.
O aumento da sutileza da sensibilidade sob a influência do significado do indício perceptível pode
ocorrer tanto na sensibilidade absoluta quanto na relativa. Sabe-se que a discriminação dos
matizes da cor, das mudanças significan-tes do tom ou das mínimas variações gustativas pode
tornar-se acenruadamente aguda como resultado de atividade profissional. Foi estabelecido que os
pintores podem distinguir de 50 a 60 matizes do negro; os fundidores de aço distinguem os
matizes mais sutis do fluxo incandescente de metal, que indicam mudanças mínimas de impurezas
estranhas, cuja distinção é inacessível a observador de fora. É sabido que sutileza pode atingir a
discriminação de nuances gustativas entre os degustadores, que são capazes de determinar a
marca do vinho ou do tabaco pelos mínimos matizes da degustação, chegando às vezes até a dizer
de que lado do desfiladei-ro foi cultivada a uva usada para o preparo de um determinado vinho.
Por último, sabe-se a que sutileza pode chegar a capacidade dos músicos para distinguir os sons;
eles se tornam capazes de captar variações de tons absolutamente imperceptíveis para o ouvinte
comum.
Todos esses fatos demonstram que, sob as condições do desenvolvimento de formas complexas
de atividade consciente, a agudeza da sensibilidade absoluta e da diferencial pode mudar
substancialmente, e que a inclusão desse ou daquele indício na atividade consciente do homem
pode, em limites consideráveis, mudar a agudeza dessa sensibilidade.
36
II
Percepção
A atividade perceptiva do homem. Características gerais
ATÉ AGORA examinamos as formas mais elementares de reflexo da realidade, os processos
através dos quais o homem reflete indícios particulares do mundo exterior ou os sinais que
indicam o estado do seu organismo.
Vimos que esses processos, que são as fontes básicas da informação que o homem recebe dos
meios exterior e interior, são executados por órgãos dos sentidos pertencentes a modalidades
distintas; esses órgãos receptores pertencem aos grupos dos intero, próprio e extero-receptores,
dividindo-se o último grupo, por sua vez, em dois subgrupos de receptores de contato (tato,
paladar) e receptores de distância (olfato, visão e audição). Vimos ainda que os processos de
percepção dos indícios do mundo exterior e do meio interno podem distribuir-se em níveis
variados e apresentar complexidade diversa. À forma protopática estruturalmente
37
mais elementar de sensibilidade pertencem antes de tudo o olfato e o paladar, bem como as
formas mais simples de sensibilidade tátil; à forma de sensibilidade epicrítica estruturalmente
mais complexa pertencem a visão, a audição e os tipos mais complexos de atividade tátil.
Vimos, por último, que os processos de reflexo de indícios particulares que atuam sobre o
homem a partir do meio exterior ou interior ou os processos das sensações podem ser
objetivamente medidos; tomamos conhecimento dos meios de medição da sensibilidade
absoluta e relativa e dos fenômenos da variação dessa sensibilidade.
Nada do que falamos no capítulo anterior foi além dos limites do estudo das formas mais
elementares de reflexo ou dos limites do estudo de elementos particulares de reflexo do mundo
exterior ou interior. Mas os processos reais de reflexos do mundo exterior vão muito além dos
limites das formas mais elementares. O homem não vive em um mundo de pontos luminosos ou
coloridos isolados, de sons ou contatos, mas em um mundo de coisas, objetos e formas, em um
mundo de situações complexas; independentemente de ele perceber as coisa&^ue o cercam em
casa, na rua, as árvores e a relva dos bosques, as pessoas com quem se comunica, os quadros que
examina e os livros que lê, ele está invariavelmente em contato não com sensações isoladas mas
com imagens inteiras; o reflexo dessas imagens ultrapassa os limites das sensações isoladas,
baseia-se no trabalho conjunto dos órgãos dos sentidos, na síntese de sensações isoladas e nos
complexos sistemas conjuntos. Essa síntese pode ocorrer tanto nos limites de uma modalidade
(ao analisarmos um quadro, reunimos impressões visuais isoladas numa imagem integral) como
nos limites de várias modalidades (ao percebermos uma laranja, unimos de fato impressões
visuais, táteis e gustativas e acrescentamos os nossos conhecimentos a respeito da fruta).
Somente como resultado dessa unificação é que transformamos sensações isoladas numa
percepção integral, passamos do reflexo de indícios isolados ao reflexo de objetos ou situações
inteiros.
Seria profundamente errôneo pensar que esse processo de transição de sensações relativamente
simples a sensações complexas é um simples processo de soma de sensações iso-
38
láda ou, como costumam dizer os psicólogos, o resultado de simples "associações" de indícios
isolados.
Em realidade, o processo de percepção (ou o reflexo de objetos inteiros ou situações) é bem
mais complexo.
Esse processo requer que se discriminem do conjunto de indícios atuantes (cor, forma,
propriedades táteis, peso, sabor, etc.) os indícios básicos determinantes com a abstração
simultânea de indícios inexistentes. Requer a unificação do grupo dos principais indícios e o
cotejo do conjunto de indícios percebidos e despercebidos com os conhecimentos anteriores do
objeto. Se no processo dessa comparação a hipótese do objeto proposto coincidir com a
informação que chega, ocorrerá a identificação do objeto e o processo de percepção deste se
concluirá; se como resultado dessa comparação não ocorrer a coincidência da hipótese com a
informação que realmente chega ao sujeito, a procura da solução adequada continuará enquanto o
sujeito não encontrá-la, noutros termos, enquanto ele não identificar o objeto ou não inclüí-lò em
determinada categoria.
Na percepção de objetos conhecidos (um copo, uma garrafa, uma mesa), esse processo de
identificação do objeto ocorre com muita rapidez, bastando ao homem unir dois-três indícios
perceptíveis para chegar à solução adequada. Na percepção de objetos novos ou desconhecidos, o
processo de sua identificação é bem mais complexo e assume formas bem mais desenvolvidas.
Imaginemos que o homem examina um dispositivo his-tológico desconhecido para a obtenção de
delicadíssimos cortes de tecidos: o micrótomo. Inicialmente ele percebe uma complexa construção
instalada numa pesada base de ferro fundido, em seguida distingue partes metálicas isoladas e
pode ter a súbita impressão de tratar-se de uma balança. No entanto ele não vê os pratos
indispensáveis à balança ou as escalas que representam o peso. Ele continua a examinar esse
objeto desconhecido até que seus olhos distinguem a superfície plana do aparelho e uma lâmina
muito afiada. Então ele pode lembrar-se de que viu algo semelhante numa mercearia e que esse
aparelho era empregado para cortar presunto ou salame em fatias finas. Somente
depois disto a lâmina aguda, contígua à superfície metálica, torna-se indício determinante e o
sujeito começa a formar a idéia de que
39
o objeto percebido tem relação com os instrumentos de corte cujas hélices micrmétricas
parecem assegurar uma regulação precisa da espessura dos cortes. Deste modo, a percepção
plena do objeto surge como resultado de um complexo trabalho de análises e síntese, que
ressalta os indícios essenciais e inibe os indícios secundários, combinando os detalhes
percebidos num todo apreendido.
É a esse processo complexo de reflexo de objetos ou situações inteiras que em Psicologia se
chama sensação.
Vê-se facilmente que a sensação é o processo complexo e ativo que às vezes requer um
considerável trabalho de análise e síntese.
Eis porque a percepção, num grau ainda menor do que a sensação, pode ser considerada reflexo
passivo da realidade, registro passivo da informação que chega ao organismo.
Esse caráter complexo e ativo da percepção manifesta-se em toda uma série de indícios que
requerem uma análise especial.
O processo de informação não é, de modo algum, o resultado da simples excitação dos órgãos
dos sentidos e da simples chegada ao córtex cerebral das excitações que surgem nos receptores
periféricos (a pele, os olhos). No processo de percepção estão sempre incluídos componentes
motores em forma de apalpação do objeto, de movimento dos olhos que distingue os pontos
mais informativos, de emissão de sons correspondentes que desempenham papel essencial no
estabelecimento das peculiaridades mais importantes do fluxo sonoro. Ainda abordaremos essa
tese básica quando analisarmos os diversos tipos de percepção. Por isso é mais correto
considerar o processo de percepção como atividade receptora do sujeito.
A seguir o processo de percepção está intimamente ligado à reanimação dos remanescentes da
experiência anterior, à comparação da informação que chega ao sujeito com as concepções
anteriores, ao cotejo das ações atuais com as concepções do passado, com a discriminação dos
indícios essenciais, com a criação de hipóteses do valor suposto da informação que a ele chega e
com a sintetização dos indícios perceptíveis em totalidades e com a (tomada de decisão) a
respeito da categoria a que pertence o objeto per-
40
ceptível. Noutros termos, a atividade receptora do sujeito se assemelha aos processos de
pensamento direto e essa semelhança será tanto maior quanto mais novo e mais complexo for o
objeto perceptível.
Por isto é natural que a atividade perceptiva quase nunca se limita a uma modalidade mas
compreende o resultado do trabalho conjunto dos vários órgãos dos sentidos (analisadores) em
cujo processo formaram-se as concepções do sujeito. Por último é essencial, ainda, a
circunstância de que o processo de percepção do objeto nunca se realiza em nível elementar e
sua composição tem sempre como integrante o nível superior de atividade psíquica,
particularmente a fala (discurso).
O homem não contempla simplesmente os objetos ou lhes registra passivamente os indícios. Ao
discriminar e reunir os indícios essenciais, ele sempre designa pela palavra os objetos
perceptíveis, nomeando-os, e deste modo apreende-lhes mais a fundo as propriedades e as atribui
a determinadas categorias. Ao perceber o relógio e nomeá-lo mentalmente com essa palavra, ele
abstrai indícios secundários como a cor, o tamanho, a forma e põe em destaque o traço
fundamental representado no nome relógio, destaca a função de indicar o tempo (as horas); ao
mesmo tempo, ele situa o objeto perceptível em determinada categoria, separa-o de outros objetos
exteriormente semelhantes mas pertencentes a outras categorias (o telefone, por exemplo, que
também tem mostrador com os respectivos números mas sua função é inteiramente distinta).
Tudo isso torna a confirmar a tese segundo a qual a atividade receptora do sujeito pode, pela
estrutura psicológica, aproximar-se do pensamento direto. O caráter complexo e ativo da
atividade receptora do homem leva a uma série de particularidades da percepção humana que
pertencem, no mesmo grau, a todas as formas dessa percepção.
O primeiro traço peculiar da percepção consiste em seu caráter ativo e imediato. Como já
lembramos, a percepção do homem é mediada pelos seus conhecimentos anteriores, decorrentes
da experiência anterior e constitui uma complexa atividade de análise e síntese que compreende a
criação da hipótese do caráter do objeto perceptível e a decisão acerca da correspondência do
objeto perceptível, a essa hipótese.
41
A segunda peculiaridade da percepção do homem cogite em seu caráter material e genérico.
Como já indicamos, -homem percebe não só o conjunto de indícios que lhe gam mas também
analisa esse conjunto como um objeto terminado, não se limitando a estabelecer os traços indi
res desse objeto mas sempre atribuindo-o a certa cate considerando-o "relógio", "mesa",
"edifício", "animal", Esse caráter generalizado da percepção evolui com a id e o desenvolvimento
mental, tornando-se cada vez mais nítido e refletindo o objeto perceptível com profundidade cada
vez maior, englobando todo o grande número de traços essenciais que caracterizam o objeto e as
conexões e relações eu que este entra.
A terceira peculiaridade da percepção humana consisti cm sua constância e correção
(ortoscopicidade). A experiência .com objetos nos dá uma informação bastante precisa das suas
propriedades fundamentais; sabemos que o prato é redondo, que a caixa de fósforo é retangular,
que o lírio é branco, o rato é pequeno e o cavalo é grande.
Esse conhecimento, anterior do objeto incorpora-se à sua percepção direta e torna esta mais
constante e mais correta (ortoscópica); compreende certa correção às peculiaridades que a
percepção do objeto pode adquirir em condições variáveis.
É fato conhecido que se girarmos um prato para o qual o sujeito está olhando, a marca desse
objeto na retina mudará, assumindo paulatinamente um caráter oval ou até de um retângulo
alongado; mas continuamos por muito tempo a perceber a forma que muda a posição do prato
como "redondo" fazendo a respectiva correção do conhecimento real da forma desse objeto.
O mesmo ocorre na percepção da cor. É sabido que um pedaço de carvão colocado num
ambiente de iluminação clara, reflete mais raios luminosos do que um pedaço de papel branco
ao crepúsculo. No entanto continuamos a perceber o carvão como negro, corrigindo
imediatamente a impressão imediata que muda em decorrência da situação. Em suma, a última
peculiaridade da percepção humana consiste em sei ela móvel e dirigível.
O processo de atividade perceptiva é sempre determi* nado pela tarefa que se coloca diante do
sujeito. Ao exami-
42
nar um quadro, visando a determinar o método de trabalho do pintor, o homem ignora o
conteúdo e destaca a maneira da distribuição da tinta no quadro; propondo-se a tarefa de
determinar o tempo a que pertence o quadro, ele destaca as maneiras do desenho, a roupa dos
personagens representados, a forma arquitetônica dos edifícios; tentando analisar a imagem do
quadro ou o acontecimento nele representado, ele amplia o círculo de informações que vai
recebendo e analisa todo o quadro em conjunto; ao contrário, propondo-se a tarefa de captar a
mímica das pessoas representadas no quadro, ele restringe aparentemente o volume de sua
percepção e se concentra em detalhes isolados do quadro.
É natural que esse -determinismo da percepção pela tarefa que se coloca diante do homem ou do
seu objetivo torna a percepção elástica e dirigível, e essas peculiaridades da percepção humana
dependem altamente do papel que na atividade receptora desempenha a experiência prática do
sujeito e o seu discurso interior, que permite formular e mudar as tarefas.
É perfeitamente compreensível que tudo isto distingue essencialmente a atividade receptora do
homem da percepção do animal, que, apesar de toda a sua mobilidade, carece das qualidades
dirigíveis e arbitrárias que caracterizam a atividade perceptiva consciente do homem.
Todas as referidas peculiaridades da atividade receptora do homem permitem compreender
melhor as condições das quais ela depende.
É natural que a percepção correta dos complexos objetos não depende apenas da precisão do
funcionamento dos nossos órgãos dos sentidos mas também de várias outras condições essenciais.
Situam-se entre estas a experiência anterior do sujeito e a amplitude de profundidade das suas
concepções, a tarefa a que ele se propõe ao analisar determinado objeto, o caráter ativo, coerente e
crítico da sua atividade receptora, a manutenção dos movimentos ativos que integram a atividade
receptora, a capacidade de reprimir a tempo as hipóteses do significado do objeto perceptível se
estas não corresponderem à informação afluente.
A complexidade do desempenho perceptivo ativo permite explicar também as falhas que se
verificam na percepção da
43
criança nas etapas tenras do desenvolvimento bem como as peculiaridades do distúrbio da
percepção que podem surgir nos estados patológicos do cérebro. Essas peculiaridades podem
assumir caráter variado dependendo do elo da atividade receptora insuficientemente
desenvolvido ou perturbado.
Assim, a insuficiente agudez da sensibilidade (visual ou auditiva) pode acarretar erros de
percepção que, não obstante, podem ser compensados com êxito com o emprego de aparelhos
de reforço da sensibilidade ou pela concentração da atenção do sujeito.
As falhas, relacionadas com a distorção da síntese dos indícios perceptíveis (verificadas na
afecção das zonas ter-ciárias e sintéticas do córtex cerebral), podem levar a que alguns indícios
do objeto visível continuem a ser bem percebidos enquanto o sujeito se mostra incapaz de
perceber o objeto no conjunto e é forçado a fazer angustiantes conjetu-ras tentando descobrir o
que pode significar a combinação dos indícios por ele percebidos.
É inteiramente distinto o caráter das falhas da percepção durante a perturbação do processo de
percepção ativo. Nestes casos, todo o complexo processo de discriminação dos indícios
essenciais do objeto e a comparação da hipótese que surge com a informação que realmente
chega pode ser perturbado e o homem pode limitar-se a fazer suposições impulsivas do
significado do objeto perceptível com base nos indícios particulares deste e, às vezes, com base
em detalhes mais nítidos ou que mais saltam à vista, sem comparar a sua hipótese com a
informação que recebe nem corrigir as suas conjeturas errôneas.
Por último, podem adquirir novamente outro caráter as falhas da percepção nos casos em que o
objetivo do homem adquire inércia patológica e ele começa a perceber não o que corresponde às
peculiaridades do objeto que atua sobre ele quanto o que ele espera ver e que corresponde aos
seus objetivos inertes preconcebidos. Algumas formas de engano da percepção, que ocorrem em
determinados grupos de doentes com patologia cerebral, adquirem justamente esse caráter.
Analisamos as teses mais gerais da psicologia da atividade perceptiva do homem e agora
podemos passar ao exame de algumas formas isoladas de percepção humana.
44
Percepção tátil
Formas simples de percepção tátil
Como já dissemos o tato é uma forma de sensibilidade, que compreende tanto componentes
elementares (proto-páticos) quanto complexos (epicríticos).
Entre os primeiros situam-se a sensação de frio e calor e a sensação de dor, situando-se entre os
últimos as sensações propriamente táteis (contatos e pressões) e os tipos de sensibilidade
profunda e sinestésica que fazem parte da composição das sensações proprioceptivas.
Os aparelhos periféricos da sensação de calor e frio são os pequenos "bulbos" espalhados pelas
camadas da pele. O aparelho das sensações de dor é constituído pelas extremidades livres dos
filamentos nervosos finos, que percebem os sinais de dor; o aparelho periférico das sensações de
contato e pressão é constituído por formações nervosas sui generis conhecidas como
corpúsculos de Maysner, corpús-culos de Fater-Paccini, também distribuídas nas camadas da
pele. Os receptores da sensibilidade profunda (proprioceptivas) são os mesmos aparelhos
situados na superfície das articulações, dos ligamentos e no âmago dos músculos.
Os aparelhos receptores que acabamos de enumerar estão distribuídos na superfície da pele de
maneira desigual e a densidade de sua distribuição tem base biológica: quanto mais sutil é a
sensibilidade que se requer do trabalho de um órgão, tanto maior é a densidade com que se
distribuem em sua superfície os respectivos componentes receptores e tanto mais baixos são os
limiares da percepção que a eles chegam, noutros termos, tanto maior é a sua sensibilidade.
A tabela 2 apresenta um quadro da freqüência média com a qual se encontram os respectivos
receptores em 1 milímetro quadrado de pele de determinada região do corpo.
Verificamos que nas pontas dos dedos há freqüência máxima e um número relativamente grande
de receptores de dor, ao passo que não há um só receptor de frio e calor. Quadro diferente se
observa na pele do antebraço que, como se sabe, não tem participação ativa no apalpamento: aqui
o número de elementos táteis por mm2 diminui, aumentando o número
45
de receptores de dor, calor e frio. O mesmo se verifica na pele das costas.
TABELA 2
Número de diversos receptores da sensibilidade da pele em lmm2 de diferentes partes da pele
de dor táteis de frio de calor
Pontas dos
dedos 60 120 0 0
Do antebraço 203 15 6 0.4
Costas + +
Língua + 4- +
(Segundo Ananev.)
Nota-se que, se na ponta dos dedos, o número de aparelhos periféricos por mm2 de pele é igual a
120, este é de apenas 14 por mm2 de pele das costas da mão, 15 de pele da palma da mão, 29 do
peito, 50 da testa e 100 da ponta do nariz. Percebe-se facilmente a importância biológica dessa
distribuição dos elementos táteis em diversos pontos da pele.
A sutileza da sensibilidade de diferentes superfícies do corpo é assegurada não só pela
densidade da distribuição dos receptores periféricos nas respectivas áreas da pele mas também
pela área relativa das zonas pós-centrais do córtex cerebral, aonde chegam os filamentos
originários das respectivas áreas da periferia. Já dissemos que quanto mais sutil é a função dessa
ou daquela área da pele, tanto maior é a área que sua projeção ocupa no córtex cerebral.
Os fatos que acabamos de descrever mostram que a sensibilidade da pele constitui um sistema
especial, adaptado à análise tátil e sinestésica dos sinais oriundos do mundo exterior e do próprio
corpo. Lembremos que enquanto os impulsos^ táteis procedentes dos receptores da pele chegam
aos cornos posteriores da medula espinhal, fazem parte da composição das colunas laterais desta
e, mudando de rumo nos nós subcorticais, terminam no córtex da circunvolução posterior central,
os impulsos condutores dos sinais da sensibili-
zo
dade profunda (proprioceptiva) chegam inicialmente aos cornos posteriores da medula espinhal e
avançam pelas colunas laterais e, cessando nos núcleos de Holl e Burdach, chegam ao córtex da
circunvolução posterior central e às suas áreas secundárias. Cabe observar que a divergência das
vias con-dutoras da sensibilidade superficial, por um lado, e da sensibilidade profunda
(sinestésica), por outro, explica o fato de que, durante a afecção das colunas posteriores ou dos
núcleos de Holl e Burdach, mantém-se a sensibilidade superficial e perturba-se simultaneamente a
profunda. É justamente este caso que se verifica na tabe da espinha (tabes dorsalisj, na qual a
afecção atinge os sistemas da sensibilidade profunda sem se manifestar no sistema da
sensibilidade superficial. Merece destaque também a segunda divergência substancial que é
importante levar em conta por ter grande significado clínico.
Isto leva à possibilidade de distanciamento entre a sensibilidade tátil e a de dor, que surge nos
casos de afecção da substância parda situada ao redor do canal da medula espinhal
(siringomielia). Nestes casos, os filamentos portadores dos impulsos da sensibilidade tátil
podem chegar ao córtex, enquanto os filamentos que conduzem os impulsos da sensibilidade à
dor se interrompem e passam para o lado oposto.
Resulta daí a manutenção da sensibilidade superficial (tátil) do doente, desaparecendo a
sensibilidade à dor; o doente não percebe as queimaduras que recebe ao tocar objetos quentes
embora continue a sentir o contato com estes.
Por último, cabe observar que os impulsos da sensibilidade tátil, que são conduzidos através dos
filamentos sensíveis grossos, são percebidos mais rapidamente do que os sinais de dor que
passam através de filamentos mais finos. Esta tese é bem ilustrada pela observação atenta da
seqüência das sensações táteis e de dor que temos ao tocarmos uma chapa quente.
Como já dissemos, a sensibilidade tátil é de estrutura heterogênea: a ela pertencem as formas
mais simples de sensibilidade superficial (sensação de contato e pressão) e as formas mais
complexas de sensibilidade tátil como a sensação de localização do contato, a sensibilidade
distintiva (sensação da distância entre dois contatos em relação às áreas próximas da pele) e,
por último, a sensação do sentido do
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esticamento da pele (quando a pele do antebraço é esticada n& sentido da mão ou a partir desta) e
a sensação da forma feita pelo contato de uma lâmina que produz na pele uma figura de círculo,
triângulo, número ou letra (esta última é freqüentemente chamada em neurologia de
"sensação de Fõrs-ter"). Situam-se entre as formas complexas também a sensibilidade profunda
(sinestésica) que permite identificar a posição em que se encontra o braço direito que se move
passivamente, ou dá ao braço direito a posição que se dá passiva* mente ao esquerdo (e vice-
versa). Percebe-se facilmente que as últimas modalidades de sensibilidade são de caráter
especialmente complexo e de sua realização participam as complexas zonas secundárias das
áreas pós-centrais do córtex. Por isto, se a supressão das formas elementares de sensibilidade
tátil pode ocorrer com a afecção de quaisquer áreas da via tátil do lado oposto do cérebro, a
perturbação das formas superiores de sensibilidade tátil com a conservação de suas formas
elementares pode servir de sintoma da afecção de áreas secundárias mais complexas do córtex
pós-central do cérebro. Eis porque o estudo separado de diversas formas de sensibilidade tátil é
de grande importância para o diagnóstico tônico das afecções cerebrais.
Para estudar os diferentes tipos de sensibilidade tátil ou proprioceptivas, empregam-se
procedimentos simples que hoje integram solidamente o exame neurológico dos doentes.
Para estudar a sensibilidade tátil simples, toca-se uma área da pele com a ponta afiada ou
rombuda de um alfinete ou de um lápis e propõe-se ao sujeito responder se sente o contato, qual o
caráter deste e em que lugar ele sente a picada. Numa pesquisa exata, emprega-se o estenciômetro
ou um conjunto de fios de diferentes comprimentos.
Para estudar a sensação de localização, aplica-se a ponta a várias áreas do antebraço e propõe-
se ao sujeito indicar o lugar que foi tocado pelo pesquisador.
Para estudar a sensibilidade distintiva, aplica-se o estenciômetro de Weber cujas hastes são
colocadas em distâncias diferentes. Um índice da sutileza da sensibilidade distintiva é a
distância mínima na qual o sujeito distingue não um mas dois contatos separados.
Outro procedimento muito importante é o teste de Talber, no qual o pesquisador toca
simultaneamente dois pontos simétricos do peito e do rosto. A afecção de um dos hemisfé-
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rios manifesta-se no fato de que o doente que percebe bem cada contato isolado, ignora um dos
contatos com os pontos simétricos caso esses contatos sejam simultâneos. Neste caso, costuma
cessar a sensação de contato com ponto oposto ao hemisfério afetado. Por último, é muito
importante o estudo da sensibilidade pele-sinestésica (para cuja análise conduz-se a pele do
antebraço no sentido da mão ou a partir desta, devendo o sujeito determinar o sentido do
deslocamento passivo da pele) ou o estudo da sensibilidade profunda; aqui o pesquisador curva
(ou descurva) o braço ou um dedo do sujeito, propondo-lhe determinar em que sentido foi feito o
movimento, ou coloca o braço numa posição e propõe ao sujeito colocar o outro nessa mesma
posição. A perturbação da sensibilidade profunda em um dos braços sugere a afecção das áreas
sinestéticas complexas do córtex do hemisfério oposto. Por último, o estudo do sentido espacial
bidimensional (ou sentido de Forster) é feito da seguinte maneira: o pesquisador desenha com a
ponta de uma agulha ou de um fósforo uma figura (ou número) na pele do antebraço e propõe
determinar o tipo de figura ou número que foi desenhado. A impossibilidade de executar essa
tarefa com tentativas ativas do sujeito sugere a afecção das áreas secundárias do córtex parietal
do hemisfério oposto.
Formas complexas de percepção tátil
Até agora examinamos formas relativamente- simples de sensibilidade sinestésica e da pele, que
refletem apenas indícios relativamente elementares (pressão, contato, posição dos membros no
espaço).
No entanto existem formas mais complexas de percepção tátil, na qual o homem pode determinar
por apalpamento as formas do objeto e às vezes até identificar o próprio objeto. Essa forma de
sensibilidade tátil é de grande interesse para a Psicologia.
Já indicamos que a mão em estado de repouso pode captar apenas indícios isolados de um objeto
estático que atua sobre ela (a temperatura, o tamanho e as peculiaridades da superfície do objeto)
mas não pode lhe captar a forma nem o conjunto de indícios que o distinguem. É natural que em
tais condições não se pode falar de nenhuma percepção com-
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plexa do objeto. Para passar da avaliação de traços isolados à percepção tátil de todo o objeto, é
necessário que a mão esteja em movimento, isto é, que a percepção tátil passiva seja substituída
por apalpamento ativo do objeto.
É por isto que o estudo da maneira pela qual se desenvolve o processo de tateamento do objeto e
de como neste processo o homem passa paulatinamente da avaliação de indícios isolados à
identificação do objeto tateado constitui uma das questões mais importantes da Psicologia da
percepção tátiL
Na percepção tátil do objeto, a questão mais importante é a transformação paulatina da
informação que recebemos sucessivamente acerca de indícios particulares do objeto em sua
imagem integral (simultânea).
Suponhamos que tateamos de olhos fechados um objeto qualquer, uma chave, por exemplo. A
princípio temos a impressão de tocarmos algo frio, liso e comprido. Nesta fase podemos supor que
tateamos uma haste metálica ou um tubo ou mesmo um lápis metálico. Em seguida, nossa mão se
desloca e começa a tatear apenas o anel da chave; o primeiro grupo de suposições é
imediatamente afastado mas ainda não surge uma hipótese nova. Continuamos a tatear e o nosso
dedo se desloca no sentido do palhetão da chave com seu corte característico. Aqui distinguimos
os pontos mais informativos, a reunião de todos os indícios sucessivamente perceptíveis e então
surge â última hipótese: "é uma chave!"; esta hipótese será confirmada pela verificação posterior.
Vemos facilmente que o processo de identificação da imagem do objeto, que ocorre de imediato
na visão, no tato tem caráter desdobrado e ocorre por meio de uma cadeia sucessiva de testes
com a discriminação dos indícios particulares, a criação e a.formação de várias alternativas e a
obtenção da hipótese definitiva.
Por isto o processo de percepção tátil (ativa), a qual surge no processo de apalpação, pode servir
de modelo de qualquer percepção cujos elos particulares são aqui desdobrados e especialmente
acessíveis à análise.
O processo de percepção tátil foi minuciosamente estudado pelos psicólogos soviéticos B. G.
Ananev, P. F. Lomov, L. M. Vekker. As pesquisas desses autores revelaram vários fatos
essenciais.
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Confirmaram, antes de tudo, que a percepção da forma do objeto sem uma apalpação ativa e
sucessiva deste é absolutamente inacessível.
Mostrou ainda a pesquisa que a mão do sujeito deve apalpai ativamente o objeto, tentando
distinguir os pontos que oferecem maior informação e reuni-los numa só imagem. A passagem
passiva do objeto pela mão ou da mão sobre o objeto, excluindo movimentos ativos de procura,
não leva ao devido .resultado, possibilitando um reflexo do objeto apenas parcial e por isto falso.
Por isto, a apalpação ativa é realmente necessária para identificar os traços do objeto e reuni-los
numa imagem única. A pesquisa posterior mostrou ainda que a apalpação ativa do objeto é um
processo complexo.
A estrutura sutil dos movimentos tateantes permitiu um conhecimento mais aproximado do
processo destes. Verificou-se que os movimentos de apalpação se realizam com o papel
determinante do dedo médio, que, no processo de evolução, apenas no homem come.ça a opor- se
aos outros dedos, e do indicador, que no homem adquire mobilidade especial. Em seguida os
movimentos de apalpação se alternam com intervalos, sendo que o tempo gasto com o
movimento é uma vez e meia maior do que o movimento de retenção ou parada. Esses fatos
levam a pensar que durante essas paradas distin-guem-se os componentes menores ou "quantas"
da informação tátil (Ananev).
Cabe notar que, na percepção tátil do objeto, os movimentos de apalpação são heterogêneos, que
neles podemos distinguir os mínimos deslocamentos dos dedos (de 2 a lOOmm), que param nos
pontos "críticos" (ou mais informativos), durante os quais o sujeito continua a receber uma
informação fracionada dos traços do objeto, podendo-se distinguir grandes movimentos que
reúnem os indícios isolados e têm a função de verificar as hipóteses surgidas.
É importante que esse caráter dos movimentos se ma ntém inclusive nos casos em que o sujeito
tateia não com o dedo mas com uma haste (um lápis, por exemplo), ou nos casos em que, tendo
sido amputada a mão, a apalpação é feita por outras partes do braço, por exemplo pelo antebraço
estilhaçado (as chamadas "pinças de Krukenberg").
Na medida em que se desenvolve o exercício, o processo de apalpação, indispensável à
identificação tátil do objeto,
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pode reduzir-se paulatinamente; se nas primeiras etapas era necessário comparar muitos dos
indícios discriminados para identificar o objeto, numa segunda apalpação o número des-sses
indícios diminui cada vez mais, de forma que, ao término do processo, é bastante um indício
mais informativo para -que o objeto possa ser identificado. É interessante que esse processo de
redução paulatina do número de testes, nos quais se destacam os indícios informativos
necessários, ocorre de modo relativamente mais lento nas crianças pequenas e começa a ser mais
expressivo nas crianças de 6 a 7 anos de idade. Nos adultos é especialmente rápida essa redução
ou "retardamento" dos movimentos de busca, indispensáveis à identificação tátil do objeto. Na
tabela 3 apresentamos dados acerca da redução paulatina dos testes de orientação, durante a
percepção tátil do objeto; esses dados foram obtidos pelos psicólogos soviéticos V. P.
Zintchenko e B. F. Lomov em pesquisas com crianças de diversas faixas etárias.
TABELA 3
Número de testes necessários para a identificação tátil de um objeto por crianças de diferentes faixas etárias.
N.° idade de Anos Anos 4-5 Anos 5-6 Anos 6-9
testes 3-4

I apresentação IV 5,8 4.0 6,0 3,9 5,8 2,9 5,0 1,0!


apresentação

A percepção tátil, que começou nos testes com a apalpação dos objetos, prosseguiu numa série
especial de testes e pesquisas, propostos pelo psicólogo soviético E. N. Sokolov. Essa pesquisa
teve como finalidade estudar a estrutura provável do processo de percepção e consistiu no
seguinte: propunha-se ao sujeito tatear com o dedo uma letra, feita de alguns elementos isolados,
por exemplo, de botões. Via de regra, eram letras cujos traços se distinguiam apenas pela
posição de um ou dois elementos.
Propunha-se ao sujeito tatear sucessivamente com o dedo a estrutura que lhe fora dada e dizer a
qual dos dois botões
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ela pertencia. O teste mostrou que, a princípio, a apalpação tinha caráter desdobrado, que em
seguida o processo se desenvolvia paulatinamente e, por último, o sujeito dirigia logo sua
atenção aos pontos mais informativos cujo contato lhe dava de imediato informação positiva (a
existência do elemento que diferenciava uma letra da outra) ou informação negativa
(inexistência do elemento necessário), que lhe permitia chegar à solução necessária.
Cabe notar que a afecção de determinadas áreas do cérebro levava a perturbações originais do
processo aqui descrito de identificação tátil. Os doentes com afecção das áreas subparietais do
cérebro e privados da capacidade de sintetizar os elementos em um todo, mostraram-se incapazes
de utilizar a informação por eles obtida e criar mentalmente uma imagem integral de uma figura a
partir dos elementos separadamente percebidos. Os doentes com afecção dos lobos frontais do
cérebro revelaram inconsistência no próprio processo de obtenção da informação necessária: a
fase de ação orientada e planejada cessava ou em certo sentido se perturbava e os pacientes
começavam não raro a fazer conclusões impulsivas acerca da letra que tateavam, sem levar a
pesquisa até o fim nem distinguir os indícios de apoio necessários (O. K. Tikhomírov).
A complexa estrutura psicofisiológica do processo de identificação tátil do objeto leva a um
fenômeno amplamente conhecido na clínica como astereognose, chamado por alguns autores de
síntese amorfa (perturbação da percepção tátil tridimensional do objeto ou perturbação do
processo de síntese de uma imagem integral do objeto, constituída de elementos isolados). Esse
fenômeno consiste em que o doente, conservando a sensibilidade tátil elementar, revela-se
incapaz de identificar o objeto que tateia e sintetizar em um todo único indícios isolados. O
quadro clássico da astereognose surge nas afecções das áreas secundárias e terciárias da região
parie-tal do córtex e está relacionado com a perturbação da capacidade de reunir sinais táteis
isolados numa estrutura una. Esse quadro surge, via de regra, num braço do lado oposto do foco.
Em todos os casos de astereognose clássica, o paciente tateia ativamente o objeto que lhe foi dado,
tenta sintetizar-lhe os traços mas é incapaz de fazê-lo e identificar o objeto. Do quadro clássico de
astereognose distinguem-se essencialmente as dificuldades na identificação tátil de dado
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objeto, que surgem nos casos de afecção dos lobos frontais do cérebro. Nestas circunstâncias, que,
via de regra, provocam uma brusca queda da atividade do paciente e a impossibilidade de cotejar
o efeito da sua ação com a intenção inicial, é diferente o caráter da natureza da dificultação na
percepção tátil do objeto. Nestes casos, o doente não tenta tatear ativamente o objeto ou não faz
tentativas sistemáticas suficientes neste sentido, interrompendo em fase inicial o processo de
orientação e lançando prematuramente uma hipótese baseada simplesmente numa distinção
fragmentária do objeto. Observações atentas permitem perceber o elo preciso em que foi
perturbado o processo de identificação tátil do objeto e tirar desse fato conclusões diagnosticas.
Percepção visual
O sistema visual se caracteriza, à primeira vista, por traços grandemente opostos ao sistema
tátil.
Se na percepção tátil o homem capta apenas traços isolados do objeto e só posteriormente os
reúne numa imagem integral, por meio da visão ele percebe de uma só vez a imagem completa
do objeto; se o tato é um processo de captação desdobrada e sucessiva de traços e sua síntese
posterior, a visão dispõe de um aparelho para perceber simultaneamente as formas complexas do
objeto.
Essa característica da percepção visual, que pareceria evidente, suscitou o surgimento de uma
teoria que dominou durante muito tempo e segundo a qual a visão funciona como um sistema
receptor relativamente passivo, no qual a imagem das formas exteriores e das coisas se fixa na
retina e, posteriormente, sem quaisquer mudanças, se transmite inicialmente às formações
visuais subcorticais (corpo caloso superficial) e, em seguida, às áreas occiptais do córtex
cerebral.
No entanto, apesar da aparente evidência, essa teoria não foi capaz de responder a uma série de
questões.
Continuou obscuro o papel desempenhado na percepção visual por milhões de neurônios de que
dispõe o corpo caloso superficial (aparelho subcortical da visão) e principalmente o córtex visual
occipital dos grandes hemisférios. Ficou sem esclarecimento o papel desempenhado pela repetida
reprodu-
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jão da imagem, que antes se reflete na retina e depois se repete sem mudança nas formações subcorticais e
no córtex visual. Por último, ficou obscura a via de realização do processo de seleção dos componentes
necessários da percepção visual bem como a plasticidade da imagem perceptível, que permite distinguir uns
elementos, abstrair outros e adaptar a imagem refletível à tarefa que o sujeito coloca para a sua percepção.
Para compreender melhor os mecanismos internos da percepção visual e destacar a posição nela ocupada
pela representação integral das formas e dos objetos, por um lado, e a possibilidade de discriminar os
menores indícios e recodificá-los em quadros sintéticos elásticos, precisamos analisar, inicialmente, em
maiores detalhes, a estrutura do sistema visual (ou do "analisador" visual) para, em seguida, passarmos à
descrição das formas básicas de funcionamento desse sistema.
Estrutura do sistema visual
O sistema visual possui uma completa estrutura hierárquica que o distingue acentuadamente do sistema
de sensibilidade tátil.
Se as áreas periféricas da sensibilidade tátil representam membros simples dos nervos sensíveis e
corpúsculos ou novelos receptores relativamente simples, a área periférica da percepção visual — o olho
— representa um complexíssimo aparelho que se divide em vários componentes. No aparelho do olho
podemos distinguir a parte sensível à luz (retina) e vários dispositivos auxiliares de caráter motor; dentre
estes um (a íris e o cristalino) assegura a afluência dos raios luminosos que chegam à retina, a focalização
da imagem e a proteção do aparelho contra influências estranhas (a córnea) e permite realizar o movimento
do dispositivo complexo (os músculos do olho).
Examinemos mais detidamente as partes do olho aqui enumeradas.
A retina é um dispositivo muito complexo que, diferentemente dos membros periféricos do sistema tátil,
não tem absolutamente o caráter dos membros simples das células sensíveis mas constitui um aparelho
altamente complexo que inclui
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tanto, elementos especiais fotossensíveis como complexos elementos nervosos. Pela
caracterização de alguns autores, a retina do olho é uma minipartícul-a do córtex cerebral de
localização exterior, capaz de exercer, com autonomia, funções bastante complexas.
O componente mais importante da retina é a camada ií células sensíveis especiais, bastonetes e
matrazes, que ?1: complexos dispositivos fotoquímicos, capazes de distinguir \iii substância
fotossensível (a púrpura visual) e transformar i energia da luz em energia do nervo. Os
bastonetes se distir-guem por serem consideravelmente mais sensíveis do que n matrazes mas
não podem reagir separadamente às ondas luminosas de comprimentos variados, assegurando,
desta fonr.í. a visão da cor (cromática). O número de bastonetes na retina é muito grande, em
torno de 130 milhões, e estão dispostos em toda a área da retina, sobretudo na periferia.
Asseguram a visão noturna turva, que não consegue refletir a cc: sendo por isto uma visão
"acromática". O número de matrazes é bem menor (em torno de 7 milhões). Estas estão situadas
na parte centrai da retina, responsável pela visão colorida (cromática). É bem conhecida na
clínica a hemeralopic (cegueira noturna), que é um distúrbio da capacidade de enxergar na
penumbra. Isto se deve ao distúrbio do funcionamento do aparelho dos bastonetes, distúrbio
esse relacionado com a carência de vitamina AI, que impede a restauração ds púrpura visual nos
bastonetes. Já o distúrbio da capacidade de distinguir certas cores (caso dos daltônicos) se deve a
falhas no funcionamento do aparelho dos bastonetes.
É característico que o acúmulo de elementos fotossensíveis (sobretudo matrazes) na parte central
da retina faz desta uma ("mancha amarela" ou "mácula") especialmente sensível; ao contrário, na
parte da retina onde sai o nervo ótico e ela carece de elementos fotossensíveis, não há a
capacidade de perceber a luz que é chamada de "mancha cega".
O processo nervoso que surge nos bastonetes e nas matrazes sob a influência da luz é
transmitido ao sistema integral altamente complexo de células nervosas, que formam as partes
internas da retina. As camadas da retina, assim come as do córtex cerebral, se dividem em várias
películas, compostas por elementos nervosos de diversos tipos. Entre estes situam-se as células
bipolares, capazes de captar as excita-ções, surgidas em elementos fotossensíveis isolados, e
trans-
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portá-los para camadas mais profundas cujos dendritos estão situados na superfície horizontal e
são capazes de reunir a excitação surgida num grupo de elementos fotossensíveis; as células
ganglionares, situadas na camada interior da retina e capazes de reunir a excitação e transmiti-la
ao nervo óptico, que é o início da parte condutora do sistema visual. Na retina ocupam posição
especial as "células amácrinas", que se distinguem por apresentarem uma disposição dos dendritos
e axônios oposta à verificada em todas as células enumeradas: seus dendritos estão dispostos no
sentido da parte interna e os axônios na parte externa (fotossensível da retina). Há fundamentos
para se supor que elas são um aparelho efe-rente da retina, que, assegurando a chegada da retina
aos elementos fotossensíveis, garantem que cheguem aos elementos fotossensíveis as excitações
surgidas no centro, permitindo regular a sensibilidade dos aparelhos receptores aos objetivos
internos do sujeito.
A irritação da retina pela luz provoca nela ocorrências estáveis de excitação, ,que podem ser
registradas em forma de oscilação de potencialidades elétricas (eletrorretinogramas), que refletem
cada irritação luminosa que chega à retina. Cabe notar que a aceleração das excitações permite
observar aceleração rítmica das respostas elétricas da retina. O ele-trorretinograma pode ser
empregado com êxito para o diagnóstico de mudanças patológicas da retina.
O aparelho da retina aqui descrito é o primeiro dispositivo fotossensível básico que faz parte da
parte periférica do receptor visual. Mas para o funcionamento normal, é necessário um segundo
aparelho complementar do olho, que regula a afluência da excitação luminosa que chega aos
elementos fotossensíveis da retina e garantem os movimentos do olho, que poderiam produzir
uma imagem com o máximo de precisão na retina e permitiriam ao olho acompanhar os objetos
perceptíveis.
O aparelho que regula a afluência dos raios luminosos tem entre seus componentes a íris do olho,
que, graças aos nervos nela situados, pode restringir ou ampliar a pupila. É fato conhecido que,
sob iluminação forte, a pupila do olho se restringe e se amplia sob iluminação fraca, regulando a
afluência de luz na câmara interna do olho. É sabido que os aparelhos que regulam a compressão
e a ampliação da pupila estão situados nos corpos quadrigêmeos, razão pela qual o
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distúrbio da compressão da pupila na claridade pode servir de sintoma de afecção dessa área do
sistema nervoso central. Entre os aparelhos que regulam a afluência de luz aos elementos
fotossensíveis da retina, situa-se também o movimento do pigmento que, sob iluminação intensa,
se desloca para a parte externa da retina, formando uma espécie de obstáculo luminoso; sob
iluminação fraca, ele se desloca para as camadas internas da retina, tornando os elementos
fotossensíveis acessíveis à ação imediata da luz.
Uma parte importante do aparelho complementar do olho é o cristalino, que é uma lente móvel
refratária aos raios luminosos. Dependendo da distância do objeto examinado pelo sujeito, a
curvatura do cristalino pode mudar, de maneira que a imagem que cai sobre a retina se torna
nítida. O processo de mudança da curvatura do cristalino, que assegura a maior nitidez da
imagem na retina, é denominado acomodação. Na velhice, a regulação das mudanças da
curvatura do cristalino é perturbada, requerendo-se o emprego de lentes complemen-tares para
garantir a correta acomodação do olho.
Os aparelhos descritos asseguram a possibilidade do reflexo de imagens integrais na retina do
olho. Este fato é facilmente verificado se examinarmos o olho de um animal que acaba de ser
morto. Neste caso, aparecem nitidamente na retina os contornos do objeto que o olho percebeu
imediata» mente ante a morte. O procedimento de análise dessa imagem, que permanece na
retina da pessoa que acaba de morrer, vem sendo empregado com sucesso em crirninologia.
O terceiro aparelho complementar (motor) do olho é o sistema de nervos acionadores dos olhos
(nervos diretos e indiretos). Através deles asseguram-se os movimentos do globo ocular, que
permitem realizar os movimentos de coordenação (a convergência) de ambos os olhos, graças
ao que a imagem, obtida em ambas as retinas, cai num ponto (se esses movimentos de
coordenação dos olhos sofrem distúrbios, como ocorre na afecção das áreas superiores do tronco
cerebral, surge o fenômeno da "bifurcação"); ainda através deles tornam-se possíveis os
movimentos da visão, que permitem ao olho deslocar-se de um objeto para outro. Adiante
analisaremos mais os mecanismos centrais que regulam a vista e o papel do movimento dos olhos
na percepção visual.
A retina do olho e seu aparelho complementar (motor) são dispositivos periféricos do sistema
visual ou o início de
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uma via visual de construção hierárquica; esses dispositivos hierárquicos asseguram tanto a chegada dos
sinais recebidos aos dispositivos nervosos centrais (e com isto a codificação dos sinais visuais) como a
regulação do movimento dos olhos, que asseguram a correta orientação da vista.
Cabe ainda lembrar que os filamentos, oriundos de áreas diversas da retina, terminam em áreas
rigorosamente determinadas do campo visuat projetor, de forma que a afecção de uma pequena parte deste
campo leva à supressão de uma área perfeitamente determinada do campo de visão; essa supressão do
campo de visão é denominada escotoma. Como ocorre em outros analisadores, os filamentos, que
conduzem os impulsos das partes inferiores do campo de visão, terminam nas partes superiores do campo
visual primário (projetor) enquanto os filamentos que conduzem os impulsos das partes superiores
terminam nas partes inferiores do córtex visual projetor. Por isto a afecção das partes superiores do córtex
visual projetor provoca a supressão da parte inferior do campo de visão (hemianopsia quadrada inferior),
provocando a afecção de suas partes inferiores a supressão das partes superiores do campo de visão
(hemianopsia quadrada superior).
Vê-se facilmente a importância desses sintomas para um diagnóstico preciso do lugar (tópico) da
afecção cerebral.
Já dissemos que os neurônios, integrantes tanto do corpo caloso exterior como das áreas de projeção do
córtex visual, distinguem-se por uma elevadíssima especialização. Uns reagem apenas às linhas planas,
outros, apenas às linhas agudas; uns reagem apenas aos movimentos do objeto do centro à periferia,
outros, apenas aos movimentos do objeto da periferia ao centro, etc.
Esse caráter dos neurônios do córtex visual permite ^racionar a percepção em indícios mínimos, que, nas
etapas sucessivas do sistema visual, podem reunir-se formando quaisquer estruturas móveis. O processo de
percepção visual não termina, entretanto, quando os respectivos sinais chegam ao campo visual projetor.
Daqui as excitações são transmitidas aos campos visuais secundários (campos 18 e 19 de Broad- man),
onde predominam complexos neurônios associativos da segunda e terceira camada e os impulsos
fracionados obtidos podem ser unificados e codificados de acordo com as tarefas propostas ao sujeito. Já
apresentamos uma caracterização funcional desses campos e mostramos que os fenômenos, que
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surgem com a sua afecção, e as perturbações da percepçã visual, que surgem com essa afecção,
são bem conhecidos n clínica como fenômenos de agonia visual. Esses fenômeno consistem
em que o doente, com os campos visuais secundários afetados, não perde a agudez da visão,
distingue bem certos detalhes do objeto mas é incapaz de sintetizá-los num todo único,
experimentando as mesmas dificuldades que experimenta o doente com afecção das áreas
secundárias do córtex sensível e com ocorrências de asteriognose, que surgem quando ele tateia o
objeto.
As vias do sistema visual não se esgotam com as etapas de organização da percepção visual que
acabamos de descrever. O aparelho periférico da visão tem, entre seus componentes, tanto
dispositivos básicos (propriamente visuais) como dispositivos complementares (óptico- motores),
sendo que estes últimos também têm uma organização funcional absolutamente determinada.
É sabido que os filamentos dos nervos, que orientam tanto a redução e a ampliação da pupila,
como o processo de convergência, contatam os nervos do olhos com os aparelhos centrais das
áreas superiores do tronco, em cuja afecção surgem ocorrências de perturbação de reações da
pupila à claridade e fenômenos da "bifurcação" dos olhos.
Os filamentos do aparelho, que dirige os movimentos organizados da vista, estão incluídos num
sistema bem mais complexo e terminam no córtex cerebral. Constitui o maior interesse o fato de
existir no córtex cerebral não um "centro motor dos olhos" mas dois "centros" especiais que
dirigem os movimentos da vista. Entre estes, o centro posterior está situado nas áreas parietal-
occiptais do córtex cerebral e, ao que parece, serve à regulação refletora dos movimentos da vista,
assegurando o ato de fixação e acompanhamento do ponto em movimento. O centro
ântero-motor dos olhos está situado nas áreas intermediárias da zona pré-motora (campo 8 de
Broad-man) e, segundo todos os dados, é um aparelho que regula o deslocamento arbitrário dos
olhos e ativos movimentos de busca da vista. Esse fato é confirmado pela circunstância de que,
nas pessoas com afecção das áreas parietal-occipital posteriores do córtex, perturba-se o ato de
fixação do ponto imóvel e do acompanhamento refletor do ponto móvel pela vista, enquanto o
deslocamento ativo dos olhos é bem mais estável. Ao contrário, nos doentes com afecção do cen-
60
tro ântero-motor dos olhos, tanto o ato de fixação como o ato de acompanhamento do ponto
móvel continuam relativamente estáveis mas se perturba grosseiramente o deslocamento
arbitrário do olho segundo o comando visual, afe-tando-se fortemente os movimentos ativos de
busca dos olhos.
Percepção das estruturas
Descrevemos a estrutura morfológica do sistema visual e agora podemos passar à análise das
leis básicas da percepção visual.
Dissemos anteriormente que não vivemos em um mundo de pontos isolados ou pontos coloridos
perceptíveis visualmente mas em um mundo de figuras geométricas, objetos e situações.
Quais são as leis da ocorrência da percepção desses elementos?
Já vimos que tanto a estrutura da retina, com sua disposição plana das camadas de elementos
fotossensíveis 'e nervosos, como a disposição plana das camadas de células nervosas no córtex
visual projetor asseguram não só a percepção de indícios isolados como também a percepção de
formas geométricas integrais ou estruturas. As leis dessa percepção foram minuciosamente
estudadas em seu tempo por um grupo de psicólogos alemães, que criaram a corrente conhecida
como Psicologia da Gestalt ou Psicologia da forma. De acordo com as teses básicas do
gestaltismo, a percepção visual não é um processo de associação de elementos isolados mas um
processo integral estruturalmente organizado. Wolfgang Kõh-ler, um dos fundadores dessa
corrente, via no caráter integral do processo uma propriedade que une a percepção visual com os
processos físicos. Se lançarmos uma pedra na água parada de um lago, veremos que, na
superfície, surgirão círculos perfeitos que se desfazem paulatinamente sem perder sua forma
correta. Essa mesma estrutura corretamente organizada caracteriza os campos magnéticos.
Organização estrutural análoga podemos observar na percepção visual. Essa percepção integral
das figuras geométricas ocorre em iguais proporções no homem e nos animais.
61
Isto foi observado reiteradamente na literatura especializada e antes de tudo nos experimentos
dos psicólogos americanos K. Lashley e H. Küver.
Esses pesquisadores treinaram um animal (um rato ou um macaco) para reagir positivamente a
uma figura de um triângulo negro em fundo branco, verificando que, após o treinamento, o
animal reage imediatamente de modo positivo ao triângulo branco em fundo negro, a um
triângulo hachurado ou pontilhadó, reagindo inclusive às linhas que formam um ângulo agudo. É
evidente que o animal abrange não só os traços da figura mas toda a estrutura; aqui, o caráter
integral da percepção constitui o traço fundamental da atividade receptora do animal.
Experimento análogo foi realizado por Matilda Herz, discípula de Kõhler. Nesse experimento ela
colocou num lugar vários vidros, colocando uma noz sob um deles. Um pássaro era treinado para
voar até os vidros, virá-los com a asa e apanhar a noz. Se os vidros estivessem distribuídos de
maneira desordenada, virava-os ao acaso, se estivessem distribuídos em ordem circular, com um
deles separado, o pássaro derrubava invariavelmente este, talvez percebendo todos os outros
como uma estrutura fechada.
A percepção da cor tinha esse mesmo caráter integral. Num conhecido experimento de Kõhler,
treinou-se uma galinha para bicai grãos de fundo pardo-claro, colocando-se grãos num fundo
pardo-escuro. Se à galinha dava-se um teste de controle, no qual o quadrado pardo-escuro (antes
reforçado negativamente) era colocado ao lado do quadrado negro, ela começava imediatamente a
bicar os grãos nesse quadrado pardo-escuro. É evidente que a galinha percebia os matizes
coloridos não isoladamente mas em determinadas relações entre si, noutros termos, em
determinada estrutura.
Os gestaltistas descreveram várias leis às quais se subordina a percepção da forma.
A primeira delas é a lei da nitidez da estrutura, segundo a qual a nossa percepção distingue antes
de tudo as estruturas mais nítidas pelas propriedades geométricas.
Assim sendo, se ao sujeito propõe-se uma complexa estrutura geométrica, o primeiro que ele
distingue nestas são as imagens mais nítidas. A lei da nitidez da percepção visual desempenhou
importante papel na técnica de defesa, quando, ao
62
tentar-se camuflar uma figura complexa, era bastante ocultá-la em estruturas mais fortes.
A segunda lei da percepção visual das formas, formulada
pelos gestaltistas, foi a lei do fechamento (lei da complemen-tação do todo estrutural). Segundo essa lei, as
estruturas nítidas mas não acabadas eram sempre ampliadas até atingirem o todo £eométrico nítido. As
duas referidas leis permitiram explicar o processo de unificação de vários fenômenos da percepção visual
cuja explicação continua difícil.
O primeiro desses fenômenos pode ser o fato da unificação de figuras geométricas isoladas.
O caráter estrutural da percepção visual explica o fato de que, se percebemos as estruturas como dispostas
numa superfície, percebemos outras tridimensionalmente como folhas que ultrapassam a superfície
plana.
O caráter estrutural da percepção explica também um fenômeno denominado imagem dupla.
Por último, as leis da percepção estrutural integral explicam ainda algumas das chamadas ilusões ótico-
geométricas.
Todas essas peculiaridades das ilusões geométricas devem-se ao fato de que a nossa percepção
geométrica não é constituída de elementos isolados mas tem todos os traços de uma percepção integral
estruturalmente organizada.
A teoria da Psicologia estrutural (Psicologia da Gestalt) deu contribuição importante e inovadora à análise
da percepção integral das formas. Mas ela tem também as suas limitações. Concebendo as leis da percepção
das estruturas como o reflexo natural das leis integrais dos processos fisiológicos e até físicos, ela abstrai o
fato de que, todos os fenômenos da percepção humana, por ela descritos, formaram-se em determinadas
condições históricas e não podem ser interpretados definitivamente sem se levarem em conta essas
condições. Eis porque, como mostram os fatos, as leis da "nitidez da percepção", "da conclusão do todo"
(fechamento), apresentadas pelos partidários do gestaltismo como leis naturais de
cada percepção, na realidade revelaram-se plenamente úteis apenas •para a percepção do homem, formada
nas condições de uma determinada cultura; elas não são confirmadas no estudo da percepção dos homens
daquelas formações históricas nas quais a percepção das formas geométricas não tem o caráter abstrato que
a distingue atualmente. As pesquisas histórico-com-
63
parativas, realizadas nos últimos decênios, limitaram substancialmente as leis descritas na
Psicologia da Gestalt e permitiram que nos convencêssemos de que, em diferentes etapas do
desenvolvimento histórico e da prática social, os processos de percepção podem subordinar-se a
diferentes leis. Um exemplo disto pode ser visto no fato de que, em certas culturas, um círculo
não fechado não é percebido como um círculo não acabado mas como um "bracelete",
percebendo-se um triângulo não fechado não como um triângulo não acabado mas como um
"amuleto" ou <uma "medida de querosene", etc.
Um estudo da maneira pela qual se estrutura a percepção das figuras geométricas nas condições
do pensamento concreto direto ainda fará, indubitavelmente, correções substanciais das leis da
percepção estrutural, estabelecidas pelos psicólogos gestaltistas.
Percepção dos objetos e situações
Como acabamos de ver, a percepção visual das formas simples ocorre momentaneamente e
dispensa buscas longas e desdobradas com a discriminação dos indícios identificadores e com
sua síntese posterior numa estrutura integral.
É diferente o que ocorre na percepção dos objetos complexos, bem como de suas formas ou
situações plenas.
Nestes casos, apenas os objetos mais simples e bem conhecidos são percebíveis simultaneamente.
Na percepção de objetos complexos e mal conhecidos ou de situações inteiras, torna-se necessário
um processo de discriminação dos indícios identificadores com sua síntese posterior e a
comparação da hipótese inicial com a informação que realmente chega. Quanto mais complexa é a
imagem apresentada tanto mais desdobrado é o caráter desse processo de orientação prévia no
processo perceptivo ou situação e tanto mais ele se aproxima do processo sucessivo de
identificação que descrevemos ao observarmos o processo de percepção tátií de um objeto
apalpável.
O processo de percepção visual dos objetos complexos constitui uma atividade receptora
complexa e ativa e, embora ele se desenvolva de modo incomparavelmente mais resu-
64
mido do que o processo de identificação tátil do objeto, aquele, contudo, requer a participação
de componentes motores, aproximando-se assim da percepção tátil.
Este fato foi previsto por I. M. Setchenov, quando indicou que o olho que examina um objeto
realiza movimentos apalpadores basicamente idênticos ao da mão; mas só ultimamente tornou-
se claro porque os movimentos dos olhos são tão necessários no exame de um objeto.
Como mostrou o conhecido psicofisiologista soviético A. L. Yarbus, o problema consiste em
que o olho imóvel pode manter a imagem percebida apenas durante um tempo muito breve, após o
qual a imagem deixa de ser percebida e o homem passa a ver um "campo vazio". Para demonstrar
essa tese, o pesquisador fixou à córnea do olho uma ventosa, na qual se fixara um ponto luminoso.
Era fácil perceber que esse ponto se movia juntamente com o movimento do olho, noutros termos,
mantinha-se imóvel em relação ao olho e sua imagem caía sempre na mesma zona da retina. Pelos
resultados, obtidos por Yarbus, o sujeito percebia nitidamente a imagem do ponto luminoso
apenas durante uma fração muito pequena de tempo (1-2 segundos), após o que ela desaparecia e
o sujeito começava a perceber um "campo vazio".
Há fundamentos para pensar que esse efeito está ligado ao fato de que a longa excitação de um
mesmo ponto da retina provoca certa excitação Cparabiótica) nesse ponto e leva ao seu
desligamento funcional.
Por conseguinte, para assegurar a possibilidade de uma longa conservação da imagem, são
necessários movimentos do olho que desloquem a imagem de uns pontos da retina para outros.
O mesmo efeito pode ser obtido se o objeto imóvel começar a ser percebido numa rápida
alternância de cores de tonalidades iguais (V. P. Zintchenko). Neste caso, os movimentos do
olho são retardados pela excitação intermitente da retina por ondas de comprimentos variados.
O experimento de Yargus mostra que, para a longa percepção do objeto, são realmente
necessários pequenos movimentos dos olhos, que deslocam a imagem para zonas da retina
próximas umas das outras, bem como movimentos do olho que examina o objeto foram
realmente estabelecidos em pesquisa especial.
O método proposto por Yarbus apresentava grande precisão, mas é incômodo porque requer
uma anestesia prévia
65
do olho por solução de novocaína e o sujeito pode manter um espelhinho colado à esclerótica
por uma fração de tempo muito pequena (de 3-4 minutos). Por isto na prática da pesquisa
psicológica foram propostos outros métodos de registro dos movimentos do olho.
Um desses métodos consiste na filmagem dos movimentos do olho do sujeito que examina a
imagem e na análise dos quadros sucessivos. A dificuldade desse método consiste em que o
processamento dos resultados obtidos (transferência da posição do olho em alguns quadros para
uma curva) requer longo trabalho.
Essa dificuldade é evitada por dois outros métodos que -entraram solidamente na literatura
especializada.
O primeiro destes consiste em colar nos nervos do olho eletrodos fixados nas áreas temporal,
nasal, superior e inferior da pele; as mudanças nas correntes da ação, que surgem com
sucessivos movimentos dos olhos, são registradas numa película correspondente. Esse método
pode apresentar precisão suficiente, embora as curvas assim obtidas possam ser observadas
durante período relativamente curto e necessitem de correção.
O segundo método, proposto por A. D. Vladímirov, consiste no seguinte: sobre o olho do sujeito
deitam-se raios de luz que passam por um filtro infravermelho; o olho não percebe a ação seguinte
desses raios, sentindo apenas o calor. A diferença entre o reflexo da luz a partir de uma pupila
escura e uma íris clara se transforma em diferença de potenciais e deslocamento do ponto que
separa a pupila da íris; essa diferença é registrada em película. A vantagem desse método consiste
em que ele não requer nenhuma fixação da ventosa à esclerótica do olho, dando imediatamente o
registro da trajetória dos movimentos e esse registro pode ter longa duração.
Os testes com registro do movimento do olho durante o exame de objetos complexos permitiram
que nos convencêssemos de que, no processo de exame atento do objeto, ocorrem pelo menos dois
tipos de movimentos dos olhos.
O primeiro deles são micromovimentos dos olhos, que deslocam a imagem para os pontos
contíguos da retina; esses movimentos são notados até na fixação de um ponto imóvel pelo olho.
Sua importância para a conservação de uma imagem estável fica clara graças ao teste acima
descrito, que mostra que a imagem imóvel em relação ao olho se mantém na retina apenas durante
um tempo muito breve.
66
O outro tipo de movimento é de caráter bem diferente e tem outra importância funcional:
consiste em grandes movimentos do olho, que o deslocam de um ponto a outro e engloba tanto
movimentos em forma de salto como movimentos cadenciados (de deriva) do olho. Há
fundamentos para considerar que esses movimentos asseguram uma função sucessiva do olho
em pontos isolados do objeto perceptível e permitem discriminar sucessivamente os pontos mais
informativos (indícios do objeto), compará-los entre si e sintetizar um conjunto definitivo de
indícios indispensáveis à identificação do objeto.
O estudo dos movimentos dos olhos, através dos quais o sujeito se orienta no objeto que
examina, tornou-se um dos importantes métodos" de estudo da percepção dos objetos e imagens
complexas.
Os fatos mostraram que o olho, ao examinar um objeto complexo, nunca se movimenta sobre
ele de maneira uniforme mas sempre procura e discrimina os pontos mais informativos que
atraem a atenção de quem os examina.
Constitui interesse especial a aplicação desse método ao estudo do processo de análise da
composição de quadros complexos. Os dados assim obtidos mostram que o sujeito, ao examinar
um quadro complexo, não só destaca neste os detalhes essenciais como também muda o sentido
do seu exame e a discriminação de detalhes particulares, dependendo da tarefa que lhè foi
proposta.
Uma análise atenta mostra que mudam nitidamente os movimentos dos olhos da pessoa que
analisa um quadro com instruções variadas, que o olho começa a "tatear" a situação em uns
casos, as roupas, em outros, e os intensivos movimentos do olho, que fazem uma comparação
visual de figuras isoladas, surgem com as sucessivas instruções.
Tudo isto leva a entender o grande trabalho executado pelo olho no processo de percepção e o
quanto esse trabalho depende da complexidade da tarefa.
Esta última circunstância se torna especialmente nítida nos casos em que se dá ao sujeito a tarefa
de fazer um complexo trabalho mental como, por exemplo, avaliar no olho quantas vezes o
tamanho de um corte cabe numa determinada figura. Nesses testes, realizados por U. B.
Hippenreuder, foi demonstrado que os movimentos dos olhos parecem fixar
67
certa medida na superfície do objeto examinado, tornando assim possível a realização da tarefa.
Fatores determinantes da percepção de objetos complexos
Descrevemos o processo de percepção visual de objetos e situações complexas, vimos a
importância aqui desempenhada pelos ativos movimentos de busca dos olhos.
Surge uma questão: de que é que depende o caráter da percepção de complexos objetos visuais?
Quais são os fatores que determinam a percepção consciente dos objetos e situações?
O fator primeiro e mais importante, que determina a percepção de objetos complexos, é a tareja
que se coloca ao sujeito e a atividade prática que ele desenvolve com esse objeto.
A influência desse fator pode ser demonstrada num teste simples, realizado pelo conhecido
psicólogo soviético A. V. Zaporojets. Ele deu a um grupo de sujeitos a tarefa de traçar um círculo
còm compasso e em seguida representar esse compasso. Deu a um segundo grupo de sujeitos um
compasso desmontado; estes deviam inicialmente montar o compasso e só depois traçar com ele
um círculo; somente depois disfo propunha-se-lhes representar o compasso num desenho. Os
resultados dos testes com ambos os grupos de sujeitos foram inteiramente distintos. Para a
percepção de uma imagem complexa, é de suma importância a assimilação do tema da situação
em que ela está incluída.
Fatos análogos foram observados por outros psicólogos, que efetuaram testes com estudo do
processo de percepção em condições de culturas diferentes. Verificou-se que a conhecida ilusão
na qual, entre duas linhas-T de imagem de tamanho idêntico, a vertical sempre parece mais longa
do que a horizontal, ocorre apenas entre as pessoas que vivem em condições de estruturas
verticalmente dispostas, não se observando entre as pessoas que vivem em cabanas redondas e
não têm experiência acumulada no processo de habitação em construções verticalmente
orientadas. .>,,,
68
Para a percepção do objeto e sua forma, é de importância essencial o valor de indícios isolados.
Assim, em experimentos realizados durante a II Guerra Mundial, A. I. Bogoslovsky mostrou que
a precisão da percepção das formas aumenta substancialmente se à figura examinada atribuía-se
a significação de "nosso" avião ou avião "inimigo".
Vê-se facilmente que os traços essenciais para o trabalho profissional do homem (por exemplo,
os matizes do aço incandescente, que anunciam a existência de impurezas indesejáveis) são
percebidos pelo especialista de maneira bem superior à do homem para o qual tal traço não tem
importância.
É de grande importância para a percepção a experiência anterior do homem e a percepção
material das imagens correspondentes.
O primeiro grupo de fatos, que demonstram essa tese, foi obtido em testes pelo psicólogo
soviético D. N. Uzuadze e seu^ colaboradores.
Se durante longo tempo o sujeito tateia com a mão esquerda uma esfera grande e, com a direita,
uma esfera pequena e, se após 10-15 testes semelhantes, ele coloca nas mãos esferas idênticas, a
esfera que se encontra na mão direita parecerá maior em contraste com a esfera pequena.
Poderemos obter efeito análogo se apresentarmos visualmente ao sujeito duas circunferências,
sendo a da esquerda de diâmetro maior do que a da direita, e, depois de 10-15-exposições
semelhantes, sugerirmos duas circunsferências do mesmo tamanho. Neste caso, a circunferência
da esquerda parecerá menor pelo contraste com a experiência anterior. Os testes com a influência
da experiência anterior sobre a percepção posterior podem ser feitos também em forma mais
direta. Por exemplo, se mandarmos um sujeito ler um texto em latim e em seguida lhe
propusermos uma palavra formada por letras neutras (iguais no alfabeto russo e no latino), . como
a palavra PAMKA, ele a lera de acordo com a transcrição latina; se antes disto pedirmos que ele
leia o texto em_ russo, a mesma palavra será lida de acordo com a transcrição russa.
O mesmo poderemos obter se propusermos ao sujeito uma figura de interpretação dupla: a
percepção desta figura dependerá do objetivo criado pela experiência anterior. Por exemplo,
depois de uma rápida exposição do quadro "barcos à vela", mostrou-se aos sujeitos o quadro
"flores do lótus".
69
Via de regra eles também a perceberam como um barco; em outras condições se observava tal
ilusão.
O fenômeno que acabamos de descrever é muito conhecido em Psicologia como apercepção e
pode ser observado em muitos exemplos. Assim, por exemplo, a inscrição "NÃO CONSERVAR",
pendurada num auditório, é habitualmente lida pelas pessoas como "não conversar". São
conhecidos casos em que o homem muito faminto e procurando refeitório numa cidade estranha
lê o letreiro "ofeuv" (calçados) como "obedF (almoços). Um grande número de erros de
percepção, verificados em casos de elevada prontidão e reduzida crítica do sujeito tem caráter
análogo.
O fator da influência da experiência prática sobre a percepção serviu de base às conhecidas
pesquisas do psicólogo austríacos I. Kõhler com a reestrutura da organização espacial da
percepção. Este psicólogo pôs no sujeito óculos com lentes prismáticas, que reviravam a imagem
perceptível "de pernas para o ar" ou da direita para a esquerda. A princípio os sujeitos não
conseguiam, de maneira nenhuma, orientar-se no meio ambiente, permanecendo inteiramente
imobilizados; mas com o uso demorado e permanente de semelhantes óculos, eles se adaptaram
de tal forma a estes que a imagem assim obtida deixou de influenciar os seus movimentos e eles
não mais perceberam a irregularidade do quadro percebido pelos seus olhos. A influência de uma
sólida experiência anterior sobre a percepção pode levar a ilusões evidentes.
Podem servir de exemplo típico os famosos testes do psicólogo americano Ames. Este sugeriu ao
sujeito a maquete de um quarto onde as relações reais das paredes haviam sido modificadas de
tal modo que a sua projeção coincidia com a projeção das partes distantes e próximas do quarto
na retina. A noção das correlações reais das paredes do quarto dominou de tal forma que as suas
correlações distorcidas na maquete não foram percebidas e o sujeito que foi colocado junto à
parede distante começou aparecer bem menor do que o colocado junto à parede de entrada. No
entanto, a influência da experiência anterior pode levar não apenas a ilusões, como indicamos no
início do presente capítulo, mas também assegurar elevada constância e dar legitimidade (caráter
ortos-cópico) à percepção.
70
Já demos anteriormente um exemplo de como o conhecimento da forma do objeto (da forma arredondada
do prato, por exemplo) aumenta a constância da percepção da forma e torna o homem mais estável para a
percepção correta da forma durante a mudança da posição do objeto.
A mesma influência da experiência anterior pode manifestar-se no aumento considerável da constância da
percepção de suas dimensões. Um exemplo de semelhantes influências da experiência anterior e da
percepção material sobre a constância das dimensões pode ser visto no experimento do psicólogo soviético
E. S. Bein. É sabido que, na medida em que o objeto se distancia, sua imagem na retina do olho diminui
proporcionalmente à distância. Isto pode ser estabelecido se propusermos ao sujeito, afastando deste, uma
imagem indefinida (uma mancha de tinta, por exemplo) e igualá-la a manchas de tamanhos variados,
situadas diante dele. Se, porém, substituirmos a imagem indefinida por uma imagem material, pela figura de
um gato, por exemplo, o sujeito continuará a avaliar o seu tamanho de modo muito mais constante do que o
tamanho da mancha indefinida. Neste caso a noção constante do tamanho do objeto,
formada na experiência anterior, corrige o reflexo paulatinamente decrescente desse objeto na retina e cria a
possibilidade de conservar uma avaliação mais constante do tamanho, avaliação essa que se aproxima
do tamanho autêntico do objeto.
As diferenças individuais das pessoas podem constituir um fator essencial que influencia a percepção.
No início deste século, o famoso psicólogo francês A. Binet deu a dois grupos de sujeitos a tarefa de
descrever um cigarro que lhes havia sido mostrado. Uns sujeitos descreviam o cigarro em termos objetivos
("é um canudo de papel longo; de um de seus lados, aparece num papel fino uma massa marrom rusosa; tem
10-12cm": etc). O sesundo grano incorpora à descrição muitos componentes subjetivos emocionais ("é um
cigarro perfumado... na certa é muito agradável dar uma fumadinha; quando a gente está cansada, é
agradável sentir o seu cheiro"). Esses dados permitiram a Binet falar de um tipo objetivo e um subjetivo de
percepção, inerentes a pessoas diversas. Não são menos importantes outras diferenças individuais de
percepção, como o predomínio da percepção analítica com a discriminação de muitos detalhes em uns e da
percepção sintética integral, em outros.
71
Essas diferenças da percepção podem manifestar-se nitidamente quando se examinam manchas
indefinidas de tinta. Esse método, aplicado em seu tempo pelo psicólogo suíço Rorshach
(amplamente conhecido como "manchas de Rors-hach"), permitiu mostrar que, se uns sujeitos
manifestam a tendência a discriminar pequenos detalhes e, via de regra, ignoram o todo, outros
avaliam nas manchas de Rorshach apenas os contornos genéricos, omitindo detalhes isolados e
não se detendo nestes.
O método da percepção das manchas do Rorshach foi amplamente difundido na prática do
diagnóstico, revelando peculiaridades essenciais da percepção indireta e detalhada dos
epilépticos, da percepção emocional e variável dos histéricos, etc.
É natural que o processo de percepção sofre influência muito séria do nível intelectual do
sujeito.
É fato conhecido que o sujeito normal percebe o objeto que lhe é proposto, discriminando neste
uma infinidade de traços, incluindo-o em diferentes situações e generalizando-o numa categoria
com objetos exteriormente diferentes mas essencialmente semelhantes. Como mostrou o
conhecido psicólogo soviético I. M. Solovêv, os sujeitos intelectualmente atrasados discriminam
no objeto examinado um número consideravelmente inferior de traços, incluem com dificuldade o
objeto em exame em diferentes contextos e, por isto, sua percepção é bem mais pobre e indireta
do que a percepção do sujeito normal.
Métodos de estudo da percepção visual falsa
O estudo da percepção e sobretudo dos processos de discriminação da imagem de um fundo
ambiente, da constância e da generalidade da imagem perceptível pode ser de grande
importância para a avaliação do desenvolvimento psíquico geral da criança, o estabelecimento
das peculiaridades psíquicas importantes para alguns tipos de atividade profissional e para o
diagnóstico de alguns estados patológicos do cérebro.
É de importância especial para esse fim o estudo de diversas formas de percepção material, de
percepção das relações espaciais e percepção de quadros e temas complexos.
72
A Psicologia elaborou uma série de procedimentos para semelhantes pesquisas. Os
procedimentos básicos de estudo da percepção material consistem no seguinte: apresentam-se
ao sujeito imagens de objetos feitas às vezes de maneira realista, às vezes de maneira
esquemática ou apenas rascunhadas com os traços básicos; no último caso, empregam-se
quadros nos quais um objeto está representado com uma plenitude em ordem crescente e
propõe-se ao sujeito identificar a imagem que lhe é proposta.
Até pequenos desvios no processo pleno de percepção são facilmente verificados pelo fato de
que os sujeitos, que percebem facilmente as imagens realistas, são incapazes de identificar cr
objeto caso sua imagem seja apresentada em forma esquemática ou incompleta.
O segundo procedimento de estudo da percepção material consiste em apresentar ao sujeito
contornos de imagens dos objetos, sublinhados com linhas de fora ou superpostos uns aos outros
(as chamadas "figuras de Poppelroite").
Por último, os procedimentos aplicados com êxito para o estudo da precisão de percepção
material consiste em propor a imagem do objeto em condições de "ruído", noutros termos, em
condições nas quais é difícil distingui-lo do fundo cir-cundante.
Às vezes, até distúrbios insignificantes da percepção material, não percebidos em condições
normais, manifestam-se facilmente durante a aplicação desses testes.
O estudo da percepção espacial se propõe a estabelecer o quanto o sujeito está em condições de
orientar-se num "espaço assimétrico", sem confundir o lado esquerdo, o quanto o sujeito pode
conceber mentalmente a correlação espacial das partes num todo complexo.
Para a primeira tarefa, propõe-se ao sujeito um esquema de relógio sem os números do
mostrador e avaliar a hora indicada pelos ponteiros. Em testes dificultados, sugerem-se-lhe
avaliar duas imagens — a de um relógio e a de um mapa geográfico, num dos quais as imagens
são corretas e no outro

do epute 0 sujeiío m disíúr&jos da percepção


sspa-
ciai mistura facilmente as duas imagens e começa a sentir dificuldade de avaliá-las.
D vire) às percepção espsóa) pode ser avaliado tanto pelo número de erros cometidos como
pelo tempo gasto pelo sujeito na solução de determinado número de tarefas.
73
O estudo da possibilidade de imaginar mentalmente a correlação das partes no espaço é efetuado
com êxito através de um teste no qual se propõe ao sujeito a imagem esquemática de uma figura
composta de cubos, sugerindo-lhe indicar o número total de cubos incluídos nessa figura (testes
de Yerkes).
Para o estudo da percepção e do nível de seu desenvolvimento, são de grande importância os
testes de avaliação de quadros temáticos. A finalidade desses testes é fazer uma análise das
ligações que o sujeito estabelece entre os elementos particulares de uma complexa situação
evidente, da maneira pela qual ele procura os detalhes mais informativos, cria hipóteses,
compara estas com a imagem real e chega a uma solução correspondente. Pelo seu conteúdo,
esse estudo da percepção se assemelha ao estudo do pensamento direto.
Para esse fim, a Psicologia emprega dois procedimentos: o procedimento da análise de um
quadro temático e complexo e o procedimento de análise de uma série de quadros.
Para o êxito da aplicação do primeiro procedimento empregam-se quadros temáticos cujas idéias
não possam ser percebidas de imediato, de maneira unívoca, e para cuja interpretação correta é
necessário examinar atentamente detalhes isolados, compará-los entre si, distinguir os mais
importantes e criar hipóteses correspondentes do sentido geral do quadro que, posteriormente,
devem ser comparadas ao conteúdo real do quadro.
A avaliação prematura, sem base numa análise minuciosa do conteúdo do quadro, pode levar a
conjeturas inadequadas. A análise de semelhantes quadros pode produzir matéria importante para
avaliação do nível geral de desenvolvimento mental da criança. Pode ser uma indicação disto a
limitação da atividade pela simples nomeação de objetos isolados ou ações isoladas que se
verificam nas etapas tenras de desenvolvimento e se mantêm numa idade mais tardia em caso de
retardamento mental.
Um procedimento útil de estudo das formas complexas de percepção, situadas na fronteira com o
pensamento direto, é a análise de uma série de quadros nos quais as etapas de um tema ordenado
se refletem na série de quadros isolados. O desvio no desenvolvimento mental, bem como o
distúrbio do pensamento direto manifestam-se facilmente no fato de que cada um desses quadros
começa a ser avaliado separadamente
74
e o sujeito se revela incapaz de descrever um tema integral em desenvolvimento, incluindo
nesses quadros partes não representadas em quadros isolados.
O estudo da avaliação dos quadros temáticos e de suas séries é amplamente empregado na
prática e na Psicologia clínica.
Desenvolvimento da percepção material
Seria incorreto pensar que. desde o inícios a percepção tem as leis que observamos no adulto.
Como mostraram as pesquisas, a percepção percorre um longo caminho de desenvolvimento. A
essência desse desenvolvimento consiste não tanto no enriquecimento quantitativo quanto na
profunda reorganização qualitativa cujo resultado é a substituição das formas elementares
imediatas por uma complexa atividade percepíiva, constituída tanto pela atividade prática de
conhecimento do objeto quanto pela análise das particularidades essenciais deste, análise essa
que é feita com a participação imediata do discurso.
É sabido que a percepção de um bebê é muito difusa e ele percebe não tanto os objetos
destacados quanto os seus traços difusos particulares (matizes, traços expressivos, etc). Por isto
as reações do bebê diante do mundo depende em alto grau de um sorriso, uma pose ou da
maneira como a mãe está vestida, etc. Há fundamentos para se pensar que as primeiras
percepções constantes dos objetos começam a formar-se na criança no processo em que ela
agarra, manipula as coisas, etc. No entanto os vestígios do estágio difuso tenro de
desenvolvimento da percepção ainda persistem durante um tempo bastante longo,
Como mostraram as pesquisas do psicólogo soviético G. L. Rosengardt-Punko, a criança de 1,5-
2 anos continua a distinguir no objeto traços isolados, sem revelar a constância da percepção do
objeto que é própria da percepção dos adultos. Quando se pede a uma criança para trazer um«
brinquedo como o urso de pelúcia que lhe foi mostrado, ela pode trazer um pano macio de
pelúcia, reagindo à maciez, ao aspecto peludo e à cor e não ao objeto em conjunto. Quando se
lhe pede para trazer c pato de porcelana que lhe foi mostrado, ela pode
75
trazer qualquer figura de porcelana ou uma bola com uma ponta fina ("o bico"), etc. Somente depois que o
objeto começa a ser designado pela palavra ("urso", "pato") é que a percepção da criança adquire caráter
material constante e ela deixa de cometer os erros aqui descritos.
Os testes, realizados pelo psicólogo soviético A. A. Lyu-blinsky, mostraram que a incorporação da palavra
transforma radicalmente o processo de percepção, permite distinguir mais nitidamente as imagens com base
não em indícios isolados mas no seu caráter material complexo (após assimilar a representação verbal do
objeto, a criança deixa de cometer erros de percepção, elabora um processo bem mais preciso, rápido e
constante de diferenciação). Por conseguinte, sob a influência da linguagem, a percepção da criança se
transforma radicalmente numa percepção material complexa e concreta.
Pesquisas posteriores mostraram que, a par com a linguagem, participam da formação da percepção
complexa os movimentos (movimentos da mão que tateia o objeto) táteis e os movimentos dos olhos, que
distinguem os traços informativos essenciais do objeto e os sintetizam. Esses movimentos têm inicialmente
caráter amplamente desdobrado e caótico e só paulatinamente se tornam organizados e cada vez mais
reduzidos.
Deste modo, o desenvolvimento da percepção é essencialmente o movimento das ações voltadas para a
descoberta das particularidades essenciais dos objetos e a sua identificação. A identificação rápida e
simultânea dos objetos visualmente perceptíveis é, de fato, o resultado do desenvolvimento paulatino de
uma atividade desdobrada de orientação e pesquisa e sua transformação em "ação perceptiva" interna.
Processo análogo de redução dos movimentos analisadores e identificadores dos olhos, que se manifesta
no processo de desenvolvimento, pode ser visto também no estudo do processo de análise de complexos
quadros temáticos.
Dados igualmente essenciais foram obtidos no estudo do desenvolvimento de formas mais complexas de
atividade perceptiva nas crianças. Como mostraram os experimentos de A. V. Zaporojets e seus
colaboradores, atos como a avaliação de uma magnitude, da forma e até da cor dos objetos não são
funções congênitas simples mas se formam através de uma atividade de orientação e pesquisa que se
"desprende" da atividade prática e começa paulatinamente a apoiar-se na apli-
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cação de "medidas" ou "padrões" conhecidos e elaborados pela criança, sendo que a aplicação destes
"padrões" começa a ter caráter cada vez mais reduzido.
Tudo isto mostra que a percepção material do homem se forma no processo de uma ampla -atividade
perceptiva, sendo a própria percepção material um produto "reduzido" dessa atividade.
Ao estudarmos o desenvolvimento da percepção na infância, não podemos omitir um importante episódio
da história desse problema.
Em seu livro sobre Psicologia infantil, o famoso psicólogo alemão William Stern lançou a hipótese de que a
percepção de quadros e situações na criança revela quatro estágios básicos: no primeiro a criança percebe
apenas objetos isolados, no segundo, ações, no terceiro, as qualidades da coisa, no quarto, as complexas
relações entre as coisas.
Essa concepção das vias de desenvolvimento da percepção manteve-se na Psicologia durante um período
muito longo. Mas em meados da década de 20 do nosso século o psicólogo soviético S. Vigotsky mostrou
que essa hipótese estava em contradição com o fato de que a criança percebe inicialmente situações inteiras
e só depois é capaz de separar nela os componentes isolados. Vigotsky demonstrou essa afirmação
propondo a crianças não narrar mas representar ativamente o tema de um quadro. A criança, que através
das palavras podia designar apenas alguns objetos isolados, conseguia entender facilmente e
"representar" o tema do quadro.
Isto levou Vigotsky a levantar a hipótese de que os estágios descritos por Stern em realidade não são
estágios de desenvolvimento da percepção mas estágios de desenvolvimento do discurso infantil, no qual,
como se sabe, predominam inicialmente os substantivos e só mais tarde discriminam-se as palavras que
significam ações, qualidades e relações.
Esse fato (que analisaremos adiante) indica o grande papel desempenhado na percepção da criança pela
linguagem c constitui um dos fatos mais importantes da Psicologia atual.
Patologia da percepção material
Se a percepção do homem tem uma estrutura tão complexa e percorre uma via tão complexa de
desenvolvimento fun-
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Cional, compreende-se perfeitamente que em estados patológicos ela possa apresentar
distúrbios variados.
Em diverso estados patológicos do cérebro, esse processo pode apresentar distúrbio em
diferentes níveis: em uns casos o distúrbio é resultado do fato de que a informação sensorial não
chego ao córtex ou provoca excitação apenas insuficiente estáveis e excitações insuficiente
limitadas; noutros casos, as excitações que chegam ao córtex deixam, devidamente, de unificar-
se em sistemas e codificar-se; em terceiros, o distúrbio atinge o elo ativo da atividade perceptiva
e o doente ou não começa um ativo da atividade trabalho de procura, destinado a discriminar os
pontos mais informativos, ou não mantém a “tomada definitiva da decisão” a respeito do objetivo
que se encontra à sua frente e toma uma decisão prematura partindo apenas de um fragmento
parcial do quadro percebido. Por último, podem ocorrer formas de patologia nas quais o doente é
incapaz de separar as influências estranhas das propriedades fundamentais do objetivo
examinado e começa a cometer erros, confundindo o esperado com o real ou as excitações
casuais com os objetivos autênticos.
Essa patologia da percepção pode ser observada tanto nas afecções locais do cérebro como
nas clínicas de doenças psíquicas. Mencionaremos apenas os dados mais importantes que
permitem responder a essa pergunta.
A afecção das áreas occiptais do cérebro (áreas primarias do córtex visual) elimina a
possibilidade de perceber o objetivo visual, tendo em vista que as excitações que partem da
retina do olho não chegam, neste caso, ao córtex cerebral. Se essa afecção é de caráter parcial
e leva à abolição do ponto limitado do campo de visão, o sujeito pode compensar esse defeito
por meio de um ativo movimento dos olhos. São conhecidos os casos em que o doente, com
restrição muito grande do campo visual, pode executar com êxito o trabalho de arquivista,
reunindo ordenadamente manuscrito e em seguida reunindo desenhos complexos.
Distúrbios consideravelmente graves da percepção de objetos e imagens complexas surgem
durante o distúrbio das áreas secundarias do córtex (campos 18 e 19 de Broadman). Nestes
casos, o doente continua a perceber bem detalhes isolados do abjeto ou de sua imagem mas é
incapaz de sintetiza-los num todo único, razão pela qual ele não percebe todo o abjeto e é
forçado a conjeturar do significado do imagem
78
por indícios isolados. Alguns doentes, ao examinarem o desenho de um óculos, podem dizer: "... o
que é isto?... é ura círculo e mais um* círculo... e uma barra... na certa é uma bicicleta?"; ou
examinando o desenho de um galo ele pode dizer: "...mas o que é isto?... aqui tem um claro...
um vermelho... um verde... não serão lingüetas de fogo?..." Os ativos movimentos dos olhos,
incluídos por esses doentes no processo de exame dos objetos, freqüentemente não os aludam a
identificar o desenho complexo justamente porque, neste caso, está deformada a síntese dos
indícios isolados numa imagem integral.
Uma forma original de distúrbio da percepção visual surge durante a afecção das áreas paríetal-
occiptais do cérebro, que provoca os fenômenos da chamada "agnosia simultânea" (A. R. Luria).
Nestes casos, o doente é capaz de identificar bem objetos isolados ou imagens destes; no entanto,
o volume da percepção visual se reduz como resultado da patologia do córtex visual que o doente
fica em condições de operar simultaneamente com apenas um ponto excitado, ficando os pontos
restantes como que inibidos. Por isto esses doentes podem perceber apenas uma das duas figuras
que se lhes mostram simultaneamente e só após várias exposições rápidas
(de um triângulo e um círculo, por exemplo) eles declaram: "ora, €ií sei que aqui há duas
figuras, um triângulo e um círculo, mas vejo cada vez apenas uma...".
É característico, que nesses casos, as dimensões da figura percebida não têm importância para a
sua percepção e o doente pode perceber do mesmo modo uma agulha ou um cavalo mas é incapaz
de perceber simultaneamente duas ou várias imagens. É natural que um doente como este não
pode atingir o centro de um círculo com um lápis porque ele vê simultaneamente ou a ponta do
lápis ou o círculo, cometendo, por isto, erros característicos. Por esse mesmo motivo ele não
consegue traçar o contorno que lhe foi proposto nem ir além de uma linha ao escrever uma carta.
Os movimentos dos olhos desse doente são desorganizados e ele, ao acompanhar facilmente um
ponto em movimento^-não pode transferir a vista de um ponto a outro. Compreende-se que para
deslocar o olhar de um ponto a outro é necessário conservar a capacidade de perceber
simultaneamente dois pontos: um, para o qual o homem está olhando, e o outro, que se encontra
na periferia do campo de visão e para o qual o olhar deve ser deslocado.
79
Essa condição é abolida durante o estreitamento da percepção visual e sua limitação a um foco
acessível de excitação, tornando-se impossível o deslocamento organizado do olhar de um
objeto a outro.
É natural que se torne acentuadamente complexa para esses doentes a análise de quadros
temáticos difíceis. Eles deixam de "abranger" todo o quadro, percebem-lhe apenas fragmentos
isolados e são forçados a "conjeturar" o seu conteúdo onde o homem normalmente o percebe.
Uma forma especial de perturbação da percepção visual surge com a afecção unilateral (mais
freqüentemente do lado direito) das áreas occiptal-parietais do cérebro. Nestes casos, pode-se
observar um fenômeno sui generis, que na clínica recebeu o nome de agnosia ótica unilateral.
Este fenômeno consiste em que o doente deixa de perceber um lado (habitualmente o esquerdo)
do desenho ou da imagem complexa que se lhe apresenta. As peculiaridades dessa forma
consistem em que, diferentemente da percepção unilateral do campo visual primário, provocada
pela hemianopsia, esses doentes, não recebendo sinais do respectivo lado do campo perceptível,
simplesmente ignoram esse lado; por isto não conseguem contar o número de figuras
representadas no quadro e nos casos mais graves chegam a ignorar até o lado esquerdo de dado
objeto. É característico que, diante disto, nos movimentos dos olhos de semelhantes doentes
aparecem várias perturbações. Ao fixar o lado direito do objeto que examina e fazendo um
movimento complementar do olho no sentido desse lado direito, tais doentes não passam a vista
sobre o lado esquerdo do quadro, o que sugere uma original "diaferentação" da metade esquerda
da visão.
É inteiramente distinto o quadro do distúrbio que surge nos doentes com afecções maciças dos
lóbulos frontais do cérebro. Esses doentes conservam a percepção de detalhes isolados e imagens
inteiras. No entanto os movimentos ativos dos olhos, que efetuam a busca dos detalhes mais
informativos, são aqui grosseiramente perturbados e às vezes cessam inteiramente; o doente deixa
de examinar o quadro e não tenta orientar-se nele; pode sugerir uma hipótese do seu conteúdo
sem verificá-la, sem comparar os detalhes isolados do quadro e os erros de sua percepção não
estão vinculados a falhas da síntese visual mas de sua atividade de procura. Tudo isto se
manifesta no fato de que os movimentos de seus olhos
SO
são passivos e caóticos e em que as diversas instruções que lhes são dadas não mudam o sentido e
o caráter desses movimentos dos olhos.
Um dos fatores essenciais, que serve de base à patologia da percepção visual nos doentes com
afecção dos lóbulos frontais do cérebro, é a inércia patológica, que se manifesta tanto na
avaliação dos objetos visuais como no movimento dos olhos desses doentes.
A segunda fonte de perturbação da percepção visual de objetos complexos em doentes com
afecção dos lóbulos frontais do cérebro é a 'perturbação do processo de comparação da
informação real com a hipótese, informação essa que representa um fragmento de material
perceptível. Nestes casos, a causa do distúrbio da percepção é o processo defeituoso de
atividade perceptiva e a profunda perturbação do mecanismo da "ação aceptora".
Os distúrbios da percepção visual podem ocorrer também nos estados patológicos de atividade,
provocados por uma afecção geral do córtex cerebral e pelos deslocamentos funcionais que estão
relacionados com a patologia geral na estrutura da atividade psíquica.
Deste modo, entre os doentes com retardamento mental e demência orgânica, podemos observar
atraso ou desintegração da análise de uma situação complexa com degradação da percepção
visual de um quadro difícil até a enumeração de objetos isolados; por isto o experimento de
análise de um quadro temático tornou-se um dos pontos de apoio mais importante no diagnóstico
do retardamento mental.
Podemos observar distúrbios substanciais também nos casos de psicose, particularmente nos
casos de esquizofrenia.
As peculiaridades típicas da percepção consistem em que a influência da experiência anterior
sobre a análise de um quadro polissêmico pode ser consideravelmente perturbada neste caso; se na
pessoa normal essa -análise ocorre sob a influência reguladora da experiência anterior, graças à
qual as relações pouco prováveis são abandonadas e as altamente prováveis determinam a
avaliação do sentido do quadro, já no esquizofrênico essa influência desaparece, ele pode
avaliar o sentido do quadro através de detalhes diretos, revelando-se sem condições de controlar
as hipóteses pouco prováveis que lhe afloram na mente.
81

O estudo psicoiógico do distúrbio da percepção dos estados patológicos do cérebro é de grande


importância tanto para o diagnóstico prático das afecções cerebrais como para um estudo mais
aproximado da estrutura da atividade percep-tiva de um homem normal.
Percepção do espaço
A percepção do espaço muito se distingue da percepção ■da forma e do objeto. Sua diferença
consiste em que ela se "baseia em outros sistemas de analisadores de funcionamento simultâneo e
pode ocorrer em diferentes níveis.
Durante muito tempo, a filosofia discutiu se a percepção do espaço é congênita (como
consideravam os "nativistas") ou resultado de aprendizagem (como consideravam os partidários
do empirismo).
Hoje é absolutamente claro que, embora a percepção do espaço tenha por base vários aparelhos
específicos, sua estrutura é muito complexa e as formas desenvolvidas de percepção do espaço
podem ocorrer em diferentes níveis.
A percepção do espaço tridimensional se baseia na função de um aparelho especial — os canais
semicirculares (ou o aparelho vestibular) — situado no ouvido interno. Esse aparelho tem a forma
de três tubos curvos semicirculares, situados nos planos vertical, horizontal e sagitai,
preeenchidos por um líquido. Quando a pessoa muda a posição da cabeça, o líquido que enche os
canais muda de posição e o aparelho otolítico situado nos canais (sacos membranosos, que
incluem cristais muito miúdos) rnudam de posição, provocando excita-ção das células capilares,
que leva ao surgimento de mudanças na sensação de estabilidade do corpo ("sensações estáticas").
Esse aparelho que reage sutilmente ao reflexo dos três planos fundamentais do espaço é o
receptor específico deste.
Esse aparelho está estreitamente vinculado ao aparelho dos músculos motores dos olhos e cada
mudança do aparelho vestibular provoca mudanças reflectoras na posição dos olhos; nas
mudanças rápidas e demoradas da posição do corpo no espaço, começam os movimentos de
pulsação dos olhos denominados mistagmo (iridocinesia), e na mudança rítmica demorada das
excitações visuais (por exemplo, nas que sur-
82
gem quando passamos de automóvel por uma aléía com árvores, que "passam" rápida e
constantemente, ou quando fixamos longamente o olhar num tambor giratório com faixas
transversais) surge um estado de instabilidade acompanhado de enjôo. Essa estreita relação
mútua entre o aparelho vestibular e o aparelho motor dos olhos, que provoca reflexos ótico-
vestibulares, são um componente essencial do sistema que assegura a percepção do espaço. O
segundo aparelho importante, que assegura a percepção do espaço e acima de tudo da
profundidade, e c dispositivo de percepção visual binocular e de sensação dos esforços
musculares produzidos pela convergência dos olhos.
É fato bem conhecido que a profundidade (distância) dos objetos é sobretudo bem percebida
quando observamos o objeto com ambos os olhos. Para perceber os objetos com a necessária
nitidez, a imagem do objeto em observação deve cair sobre os pontos correspondentes da retina;
para assegurar isto é necessária a convergência de ambos os olhos. Se na convergência dos
olhos surge uma insignificante disparidade de imagens, aparece a sensação de distância do
objeto ou o efeito estereoscópico; com maior disparidade dos pontos da retina de ambos os
olhos sobre os quais cai a imagem, surge uma bifurcação do objeto. Deste modo, os impulsos
derivados da tensão relativa dos músculos dos olhos, que asseguram a convergência e o
deslocamento da imagem em ambas as retinas, constitui o segundo componente importante da
percepção do espaço.
O terceiro componente importante da percepção do espaço são as leis da percepção estrutural,
que já descrevemos anteriormente e em determinadas condições se bastam por si mesmas para
provocar a percepção da profundidade. A essas leis incorpora-se uma última condição — a
influência da experiência anterior bem reforçada, que pode influenciar substancialmente a
percepção da profundidade mas em alguns casos, como já indicamos, pode levar ao surgimento
de ilusões.
A percepção do espaço não se limita, portanto, à perceo-ção da profundidade. Uma parte
essencial dela é constituída pela percepção das disposições dos objetos em relação uns aos
outros, o que requer uma análise especial.
O espaço que percebemos nunca tem caráter simétrico; em maior ou menor grau, ele é sempre
assimétrico. Uns obje-
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tos estão situados acima de nós, outros, abaixo; uns são mais distantes, outros, mais próximos;
uns estão à direita, outros, à esquerda. Nesse espaço assimétrico, as diferentes disposições
espaciais dos objetos têm, freqüentemente, importância decisiva. Um exemplo disto podemos
ver nas situações em que temos necessidade de nos orientar na disposição dos cômodos, de
manter o plano de um caminho, etc.
Nas condições em que podemos nos apoiar em sinais visuais complementares (distribuição das
coisas nos corredores, formas variadas dos edifícios nas ruas), essa orientação no espaço é
facilmente realizada. Quando esse ponto complementar de apoio visual é obliterado (isto ocorre,
por exemplo, em corredores absolutamente idênticos, nas estações do metrô em que há duas
saídas opostas absolutamente idênticas pela forma), essa orientação se torna acentuadamente
difícil. Cada um sabe perfeitamente como a orientação se perde facilmente da disposição espacial
na pessoa que adormece no escuro absoluto.
A orientação nesse espaço assimétrico é tão complexa, que apenas os mecanismos acima
descritos não são suficientes. Para assegurá-la, tornam-se necessários mecanismos
suplementares, antes de tudo a distinção da mão direita "principal" cora cujo apoio o homem
faz uma análise complexa do espaço anterior e do sistema de representações espaciais abstratas
(direita-esquerda) que, como mostraram observações psicológicas, é de origem histórico-social. É
absolutamente natural que, em determinada etapa da qntogênese, quando a mão direita ainda não
se separou e o sistema de conceitos espaciais não foi assimilado, os aspectos simétricos do espaço
tenham sido confundidos durante muito tempo. Esses fenômenos, característicos dos estágios
iniciais de todo desenvolvimento normal, manifestam-se na chamada "escrita especular", e
começa em muitas crianças entre os três e os quatro anos e se estendem caso a mão principal (a
di-deita) não se destaque por algum motivo.
O complexo conjunto de dispositivos que servem de base à percepção do espaço requer,
naturalmente, idêntica organização complexa dos órgãos que efetuam a regulamentação central
da percepção espacial. Esse órgão central é constituído pelas zonas terciárias do córtex cerebral ou
zonas de cobertura, que unificam o funcionamento dos analisadores visual, tátil-sinestésico e
vestibular. É justamente por isto que
84
a afecção das áreas subparietais do córtex cerebral, que não afeta a percepção normal das formas
dos objetos e de sua profundidade (distância) leva, via de regra, a um distúrbio profundo das
formas superiores de organização da percepção espacial.
Os doentes com afecção das áreas subparietais do cérebro não experimentam grandes dificuldades
na percepção visual das figuras e objetos; eles continuam a distinguir a distância e não
manifestam dificuldade de avaliação da perspectiva. Mas eles mostram nítidas dificuldades de
orientar-se no espaço, não conseguem distinguir os lados direito e esquerdo dos objetos,
confundem-se para encontrar o caminho correto e andam para a direita quando precisam andar
para a esquerda; cometem erros na avaliação da posição dos ponteiros dos relógios, não
distinguindo os números simetricamente distribuídos (por exemplo, confundem os ponteiros nas
posições de "três horas" e "nove horas");~ perdem a capacidade de orientar-se no mapa
geográfico e de avaliar os algarismos romanos simetricamente dispostos (por exemplo, xi e rx);
perdem a capacidade de orientar-se corretamente no "espaço simbólico" necessário para
operações com a estrutura da classe do número e com o cálculo. Como veremos adiante, eles
experimentam visíveis dificuldades em operações lógico-grama-ticais e necessitam de orientação
num espaço complexo (assimétrico) .
Deste modo, o estudo da maneira pela qual mudam as formas complexas de orientação no
espaço nos doentes com afecção das áreas subparietais do cérebro não apenas permite penetrar
mais a fundo nas bates dessa forma de percepção como permite ainda estabelecer quais as
formas de processos psíquicos conscientes que ocorrem com a sua participação.
Os distúrbios do esquema do corpo são formas especiais de distúrbio da percepção espacial.
Eles surgem com a irritação patológica das áreas proprioceptivas do córtex sub-pariental e se
manifestam numa mudança sui generis das sensações do próprio corpo: doentes com semelhante
afecção podem ter a sensação de que um lado do seu corpo tornou-se estranhamente maior, e a
cabeça "inchou", tornando-se maior do que todo o corpo, etc. O distúrbio do esquema do corpo
constitui um importante sintoma de apoio para o
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diagnóstico dos focos patológicos nas áreas subparietais do córtex e nas
respectivas formações subcorticais.
Percepção auditiva
A percepção auditiva é radicalmente distinta tanto da percepção tátil como da visual.
Se as percepções tátil e visual refletem o mundo dos objetos dispostos no espaço, já a percepção
auditiva está relacionada com uma sucessão de irritações que ocorrem no tempo.
Essa diferença radical foi observada pelo grande fisio-logista russo I. M. Setchenov, segundo o
qual os dois tipos básicos de atividade sintética que o homem possui são, por um lado, a reunião
de excitações isoladas em grupos simultâneos e acima de tudo espaciais e, por outro, a reunião
das excitações que chegam ao cérebro em séries sucessivas.
A percepção auditiva se relaciona antes de tudo com o segundo tipo de síntese e é nisto que
reside a sua importância fundamental.
Basejs. fisiológicas e morfológicas da audição
O nosso ouvido percebe tons e ruídos. Os tons são oscilações rítmicas regulares do ar; e a
freqüência dessas oscilações determina a altura do tom (quanto maior é a freqüência, mais alto é o
tom), enquanto a amplitude dessas oscilações determina a intensidade do som (ou a sua
sonoridade subjetiva). Os ruídos são o resultado de um complexo de oscilações subpostas umas às
outras, encontrando-se a freqüência dessas oscilações em relações casuais indivisíveis entre
si. O ruído composto de um grande número de diferentes oscilações de intensidade idêntica
(onde nenhum componente predomina) é chamado "ruído branco" (em analogia com a cor
branca que, como se sabe, é o resultado da mistura de cores diferentes).
Cabe observar que só tons como os de um diapasão são constituídos por uma série de oscilações
e denominados
86
tens puros. Os tons da voz ou de quaisquer instrumentos se distinguem pelo fato de que as oscilações têm
aqui um caráter complexo e as partes componentes destas estão em relações divisíveis entre si e neste caso a
altura do tom é determinada pela freqüência das oscilações de amplitude máxima e o número total de
oscilações incluídas (harmonia) determina o timbre de determinado tom. A altura do tom é expressa em
hertz (número de oscilações por segundo) e sua força em decibéis (um decibel=l/10bel; entende-se por
"bel" o aumento da pressão mínima da onda de 10 vezes; sendo o bel não uma unidade demasiadamente
grande, usam-se na prática os decibéis).
Como já foi dito, o homem é capaz de distinguir sons num diapasão de 20 a 20 000 Hertz, enquanto o
diapasão das intensidades dos sons percebidos pelo homem constitui uma escala de 1 (sons liminares) a
130 decibéis.
O aparelho periférico do ouvido é formado por um complexo conjunto de dispositivo. Os tons que atuam
sobre o homem e os ruídos passam pela entrada do ouvido e chegam ao tímpano, uma película elástica
dotada da capacidade de oscilar-se em ritmo com o som. Através do sistema de ossículos situados no ouvido
médio (bigorna, martelo, es-tribo), essas oscilações são transmitidas através da janela oval ao aparelho do
ouvido interno, onde está situado o aparelho da recepção auditiva — a cóclea, cheia de líquido (en-dolinfa).
As oscilações, transmitidas pelo referido aparelho do ouvido médio, põem em movimento o líquido da
cóclea e provocam oscilações correspondentes nesse sistema fechado. Na membrana básica da cóclea, está
situado um dispositivo especial que transforma as oscilações do líquido em ex-citações nervosas — o órgão
de Kortiv —, dispositivo extraordinário dotado da propriedade de transformar oscilações sucessivas em
excitação de células nervosas isoladas espacial-mente distribuídas. Essa "codificação" se conclui pelo fato'
de que o órgão de Kortiv é constituído de um sistema de células capilares nervosas, cada uma das quais
ligada a um filamento transversal de determinado compriment o incluído no canal da cóclea. São esses
filamentos que fazem repercutir as oscilações do líquido de freqüência diferente e, como na cóclea há até 24
mil desses filamentos, surge a possibilidade de perceber os tons no diapasão de freqüência acima indicado.
87

Deste modo, cada som que chega ao aparelho do receptor auditivo provoca oscilação de uma ou
várias séries de cordas e essas oscilações excitam as células capilares correspondentes e provocam
excitações dos nervos. Neste caso, os sons altos provocam oscilações das cordas mais curtas e os
sons baixos, das cordas mais longas; as excitações' nervosas daí resultantes são conduzidas
através dos respectivos filamentos do nervo auditivo.
A "teoria da ressonância do ouvido", proposta em seu tempo pelo notável fisiologista alemão
Helmholtz, é adotada pela maioria dos pesquisadores; só ultimamente ela recebeu correções do
famoso fisiologista do ouvido Bekeshy, que indicou que a membrana fundamental da cóclea não
é alongada e as cordas a ela fixas reagem às oscilações do líquido segundo leis hidrodinâmicas.
O fato de o processo fundamental que ocorre no corte periférico do receptor auditivo ser
realmente a transformação das oscilações mecânicas em complexos fenômenos nervosos
(elétricos) é demonstrado pelo chamado efeito telefônico (ou microfônico), descrito pelos
fisiologistas americanos Wyver e Brain. Se desviarmos as correntes da ação do nervo auditivo de
um gato e, após aumentá-las, desviá-las para um microfone situado numa sala contígua,
pronunciando em seguida uma palavra no ouvido do gato, poderemos ouvir essa palavra pelo
microfone. Esse teste mostra que o receptor auditivo funciona pelo princípio do microfone, que
traduz as oscilações mecânicas do som em oscilações elétricas. Os filamentos do nervo sonoro,
que partem do órgão de Kortiv, fazem parte da "via auditiva". Neste caso, os filamentos que
partem de ambos os nervos auditivos, ao produzir o ramo que segue para o corpo quadrigêmeo
inferior, seguem na composição do "nó interior" no sentido dos aparelhos centrais dos dois
hemisférios. Eles cessam no corpo caloso interno (aparelho subcortical do ouvido), de onde se
dirigem para a circunvolução transversal da área temporal (cir-cunvoluçào de Geshel), que é a
zona auditiva primária (ou de projeção) do córtex. Como ocorre em outras zonas de projeção, os
filamentos que conduzem impulsos de diferentes freqüências dispõem-se nessa zona de projeção
em ordem rigorosa: nas áreas internas (mediais) da circunvolução de Geshel terminam os
filamentos que conduzem os impulsos dos tons altos e nas áreas laterais da circunvolução
de Geshel
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terminam os filamentos que conduzem os impulsos dos tons baixos.
Via de regra, a afecção da circunvolução de Geshel de um hemisfério leva apenas à redução
parcial da audição no ouvido oposto (como já foi lembrado, os filamentos oriundos dos dois
receptores periféricos da audição chegam tanto ao hemisfério direito como ao esquerdo).
É essencial o fato descoberto pelo psicólogo soviético Guershuni, segundo o qual a afecção do
córtex da área temporal, sem se refletir nitidamente nos limiares da percepção^ dos tons longos,
leva a uma nítida elevação dos limiares (ou a redução da sensibilidade), sons ultracurtos (de 1 a
5m.seg.), que se manifestam no ouvido oposto. Esse fato leva a pensar que o papel do córtex
auditivo não consiste apenas em perceber os sinais sonoros que chegam ao receptor periférico
mas também em estabilizá-los, permitindo ao homem levar em conta componentes mais
fracionados e mais curtos desses sinais.
As excitações que chegam à circunvolução de Geshel são sucessivamente transmitidas aos
aparelhos das áreas externas (conveccionais) do córtex temporal (campo 22 de Broadman) que
constituem a zona auditiva secundária. O predomínio dos neurônicos da II e III camada, que
distinguem essa zona, bem como as suas íntimas ligações com outras áreas (motoras) do córtex
convertem a zona auditiva secundária né-aparelho mais importante, que permite discriminar os
elementos essenciais da informação auditiva, sintetizar os indícios desta e codificar os sons em
sistemas complexos, noutros termos, permitem realizar processos de uma complexa percepção
sonora.
Organização psicológica da percepção auditiva
Falando da organização da sensibilidade tátil e visual, já observamos que as formas e objetos do
mundo exterior são os fatores que as organizam em determinados sistemas. O reflexo dessas
formas leva à codificação dos processos táteis e visuais em determinados sistemas e sua
transformação numa percepção tátil e visual organizada.
Quais são os fatores que levam à organização dos processos auditivos no complexo sistema de
percepção auditiva?
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Ê sabido que a audição dos animais é organizada por determinados programas congênitos, que
lhes permitem distinguir os componentes biologicamente essenciais dos sons e reuni-los em
determinados sistemas biologicamente importantes, que o animal distingue facilmente dos outros
ruídos (podem servir de exemplo o ruído do rato ou o miado de um gatinho, que são facilmente
distinguíveis pelo gato entre todos os outros ruídos). À diferença disto, o mundo das excitações
sonoras do homem é determinado por outros fatores de origem não biológica mas histórico-
social.
Podemos distinguir dois sistemas objetivos, que se formaram no processo da história social da
humanidade e exercem grande influência na codificação das sensações auditivas do homem em
complexos sistemas de percepção auditiva. O primeiro deles é o sistema rítmico-meiódico (ou
musical) de códigos, o segundo, o sistema fonemático de códigos (ou sistema de códigos
sonoros da língua). São esses dois fatores que organizam em complexos sistemas de percepção
auditiva os sons percebidos pelo homem.
Graças ao papel decisivo desses fatores, se o ouvido do animal tem, às vezes, uma sensibilidade
ao som bem mais aguda do que o ouvido do homem, este apresenta como característica uma
complexidade bem maior, uma riqueza maior e uma elasticidade mais intensa dos códigos
sonoros.
É sabido que o sistema de códigos rítmico-melódicos (ou musicais), que determina a audição
musical, é constituído de dois componentes básicos.
Um desses componentes é constituído pelas relações dos sons altos, que permitem organizar os
sons em acordes con-sonantes e formar séries sucessivas dessas relações sonoras que fazem parte
da composição das melodias, O segundo é constituído pelas relações rítmicas (ou prosódicas) das
alternâncias regulares da duração e dos intervalos de sons isolados. Essas relações podem criar
complexas imagens rítmicas inclusive dos sons de uma freqüência (a fração de um tambor pode
servir de exemplo desses sons ritmicamente organizados).
A função básica da audição musical é distinguir as relações sonoras altas e prosódicas
(rítmicas), sintetizá-las em estruturas melódicas, criar sons melódicos correspondentes que
expressam determinado estado emocional e conservar esses sistemas rítmico-melódicos. Vê-se
facilmente que, se nas etapas iniciais de desenvolvimento da audição musical, esse pro-
90
cesso de codificação do sistema sonoro tem caráter desdobrado, na medida em que vai sendo exercitado
esse processo se reduz, formando-se no homem unidades maiores de audição musical e tornando-se capaz
de distinguir e conservar vastos sistemas integrais de melodias musicais.
O sistema da linguagem sonora é o segundo sistema que determina o processo de percepção sonora e
assegura a codificação dos seus elementos isolados e sua conversão em formas complexas de percepção
sonora.
A linguagem humana dispõe de todo um sistema de códigos sonoros, à base dos quais se constróem os
seus elementos significantes: as palavras. Para distinguir os sons do discurso ou jonemas não basta possuir
um ouvido agudo; para percebê-los é necessário efetuar um complexo trabalho de discriminação dos
indícios essenciais do som do discurso e de abstração dos traços estranhos, secundários para tal distinção.
Cada etapa historicamente formada possui um complexo código de traços essenciais, que permitem
distinguir o sentido de uma palavra pronunciada; na língua portuguesa esses traços são, por exemplo, as
marcas de sonoridade ou surdez das consoantes (sons muito semelhantes que se distinguem por apenas
um desses traços como, por exemplo, "b" e "p", "d" e "t" que permitem mudar o significado da palavra.
Podemos tomar como exemplo a distinção entre palavras como "braça" e "praça", "bala" e "pala",
"dote"_e "pote". Esses traços sonoros, de significado semântico distintivo, são denominados traços
jonemáticos; aqui a essência da captação auditiva do discurso consiste em distinguir esses traços na
cadeia falada, torná-los dominantes, abstraindo simultaneamente o timbre com o qual são pronunciadas as
palavras e a altura do tom que distingue a voz de quem as pronuncia.
A assimilação do sistema fonemático objetivo (variado em língua diferente) constitui a condição que
organiza o ouvido do homem e assegura a percepção do discurso sonoro. Sem o domínio desse sistema
fonemático, a audição fica desorganizada e a pessoa que não domina o sistema fonético de uma outra língua
não só "não o entende" como não distingue os traços fonéticos essenciais para 'essa língua, noutros termos,
"não escuta" os sons que o compõem.
9/
Examinaremos mais detalhadamente os códigos fonemá-ticos da língua quando analisarmos a
psicologia da fala; aqui nos limitaremos a breves comentários.
A codificação dos sons para sistemas correspondentes de audição musical ou discursiva não é
um processo passivo.
Como o sistema de percepção tátil ou visual do objeto, a complexa percepção auditiva constitui
um processo ativo, que engloba componentes motores. A diferença entre a percepção auditiva e a
tátil e visual consiste apenas em que se na percepção tátil e visual os componentes motores estão
incluídos no mesmo sistema de analisadores (os movimentos de apalpação da mão, os
movimentos de busca dos olhos), na percepção auditiva eles estão separados do sistema auditivo e
reunidos distintivamente num sistema especial de canto vocal para audição musical e de
pronunciação para audição do discurso.
O trabalho dos psicólogos soviéticos (A. N. Leôntyev. O. V. Ovtchinnikova), bem como a
experiência de músicos-pedagogos que ensinam a língua estrangeira mostra que é justamente a
produção dos tons necessários que constitui a condição que permite distinguir e precisar a altura
necessária do tom, sendo a produção dos sons do discurso a condição importante que permite
precisar-lhe a composição sonora, abstraindo em cada caso os componentes sonoros estranhos.
Uma boa prova disto são os testes de Leôntyev; aqui nestes propõe-se ao sujeito avaliar a altura
dos tons a ele apresentados num timbre suplementar dos sons "i" e "u". O teste mostrou que tons
de altura idêntica, apresentados com essas diferenças de timbre são sempre percebidos como
diferentes pela altura; o tom apresentado no timbre "i" foi avaliado como o mais alto, o tom
apresentado no timbre "u", como mais baixo.
Foi necessário incluir no processo de análise da altura do tom o próprio canto do sujeito para
que este fosse caoaz de abstrair os traços secundários dos timbres e sua sensibilidade à altura
do tom aumentasse bruscamente.
É característico que tais fenômenos da redução da audição altamente sonora sobre o efeito do
timbre tenham sido observados em pessoas que falavam línguas "tímbricas" (russo, inglês,
francês), não se observando em pessoas que falam línguas "tonais" (o vietnamita), nas quais
não é o tim-
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bre mas a altura do tom que constitui o traço semântico distintivo.
Deste modo, a observação aqui descrita mostra a grande importância que tem para a sutileza do ouvido a
sua inclusão no sistema da língua e o papel que o componente motor "solfejo" do tom desempenha na
abstração desses indícios estranhos.
Papel análogo é desempenhado pelo componente motor na precisão do ouvido fonemático, com a única
diferença de que o solfejo é aqui substituído pela pronúncia dos sons do discurso. As pessoas que
lecionam língua estrangeira sabem perfeitamente que é o pronunciamento ativo que permite distinguir os
traços fonemáticos necessários, dominar o sistema fonemático objetivo da língua e deste modo precisar
essencialmente a audição fonemática do discurso.
Patologia da percepção auditiva
O distúrbio dos processos auditivos pode surgir com afec-ção de diferentes elos da cadeia auditiva e
apresenta caráter diversificado.
Com a afecção da área periférica da via auditiva do ouvido interno, surge a surdez ou a redução da audição.
Essa redução está não raro relacionada com distúrbios da sensibilidade vestibular, tendo em vista que os
dois aparelhos periféricos — a, cóclea e os canais semicirculares — estão concentrados no ouvido interno.
A afecção da área periférica da via auditiva, relacionada com ocorrências inflamatórias do nervo
auditivo, provoca não apenas a redução da audição como também restrição considerável do dnpasão útil
da audição. O aparelho afetado começa rapidamente a reagir ao aumento da intensidade do som através de
sensações de dor (esse fenômeno ficou conhecido como recruitment).
A afecção do corpo quadrigêmeo, aonde chegam as ramificações do nervo auditivo, não provoca visíveis
perturbações ouvido mas leva à perturbação das ligações elementares entre os sistemas auditivo e visual e
àquela do "reflexo cócleo-pupilar " (redução da pupila em resposta a uma súbi-
93
ta excitação auditiva). A supressão desse reflexo constitui uma importante prova objetiva da
perturbação da função auditiva onde outras vias e métodos de estabelecimento de sua patologia
são inacessíveis.
A afecção das áreas primárias (projetoras) do córtex auditivo leva a um nítido distúrbio da
audição (a chamada "surdez central") apenas nos raríssimos casos de afecção simultânea das
áreas de projeção dos dois hemisférios. No caso de afecção unilateral das áreas de projeção do
córtex auditivo, a audição não sofre acentuadamente e só através de um minucioso estudo
experimental consegue-se constatar certa elevação dos limiares (noutros termos, a redução da
sensibilidade auditiva) em sinais muito curtos (Guershuni).
Surgem nítidos distúrbios das formas complexas de percepção auditiva com a afecção das áreas
secundárias do córtex auditivo mas essas perturbações apresentam caráter inteiramente distinto
durante a afecção da área temporal no hemisfério esquerdo, (dominante) e do direito
(subdominante).
A afecção das áreas posteriores da circunvolução temporal superior do hemisfério esquerdo não
perturba, via de regra, a complexa audição musical mas leva à perturbação da capacidade de
distinguir sons semelhantes (fonemas) da fala. Doentes com essa afecção são incapazes de
distinguir fonemas semelhantes como "b" e "p", "d" e "p" ou "z" e "s", razão pela qual começam a
ter dificuldades de entender o discurso a eles dirigido. Esse fenômeno, conhecido na prática
clínica como "afasia sensória" não é acompanhado da redução da sensibilidade auditiva geral nem
da capacidade de distinguir os sons dos objetos (as badaladas do relógio, os sons de louça,
o ruído dos automóveis); isto sugere que as áreas secundárias do córtex auditivo do hemisfério
esquerdo estão intimamente ligadas ao sistema da linguagem. Foram descritos casos em que
músicos e compositores, com grave afecção dessa área, mantiveram a capacidade não só de
perceber a música mas também de continuar a sua atividade de músico e compositor.
Um sintoma importante da afecção central desse tipo de audição é a impossibilidade de captar e
reproduzir ritmos complexos (por exemplo, !!...!! ... ou !. .!.). Esses distúrbios, a par com a
perturbação da capacidade de captar e reproduzir relações altamente sonoras, são importantes
indícios de afecção do córtex auditivo.
94
A neurologia ainda sabe pouca coisa a respeito dos aparelhos cerebrais que asseguram audição
musical normal. Alguns dados sugerem que na organização cerebral da audição musical participa
a área temporal direita (subdominante) e possivelmente as áreas anteriores da região
temporal.
Cabe observar que a afecção auditiva tenra de qualquer origem pode criar dificuldades
essenciais para o desenvolvimento intelectual da criança. As crianças que em idade tenra
tiveram reduzida a audição, começam a experimentar visíveis dificuldades de percepção do
discurso que lhes é dirigido e como resultado a comunicação verbal dessas crianças é dificultada e
perturba-se a formação do seu próprio discurso e, simultaneamente, o desenvolvimento intelectual
geral. É por isto que as crianças duras de ouvido e com atraso secundário do discurso são
freqüentemente confundidas com crianças mentalmente retardadas. O diagnóstico
diferencial do atraso secundário das crianças duras de ouvido com atraso mental primário
representa dificuldades consideráveis e requer procedimentos especiais.
Com a afecção das áreas têmporo-parietais do córtex, podem surgir formas especiais de
distúrbio da audição. Nestes casos, os sons procedentes dos dois receptores periféricos começam a
chegar irregularmente ao córtex, resultando daí a perturbação do "efeito binário", que permite
localizar nitidamente os sons no espaço.
Os sintomas que acabamos de descrever são sintomas de queda ou redução da função desse ou
daquele elo do anali-sador auditivo. No entanto, não são menos importantes os sintomas de
irritação desses aparelhos.
Esses sintomas, que acompanham a irritação tanto da parte condutora como da parte central
como da via auditiva, manifestam-se nos fenômenos das alucinações auditivas: surgimento de
sensações de tons, ruídos, sons de música ou fala na ausência de causas reais. Esses fenômenos
podem ser provocados por via experimental. Como mostraram observações de neurologistas
(Forfoerster, Penfield), a irritação das áreas primárias (projetoras) do córtex auditivo pode
provocar a sensação de ruídos ou tons, enquanto a irritação das áreas secundárias do córtex
auditivo leva a pessoa afetada a ouvir música, falas, etc. Semelhantes ocorrências podem ser
pro-
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vocadas também por causas patológicas como, por exemplo, cortes que irritam essas áreas do cérebro;
nestes casos as alucinações auditivas se manifestam como anúncios de ataque
epiléptico e são clinicamente chamadas de "aura auditiva".
As alucinações auditivas estáveis podem ser provocadas por focos constantes de excitação nessa região e
integrar o quadro das doenças psíquicas. Não raro, nos casos de intoxicação por alcoolismo ou substâncias
químicas nocivas, surge nos doentes estado patológico do córtex durante o qual os estímulos estranhos
pouco importantes começam a provocar imagens que brotam descontroladamente e o doente confunde com
a realidade; essas imagens nítidas podem às vezes entrelaçar-se com os estados de delírio do doente.
A origem e as formas das alucinações representam uma parte importante da psicopatologia geral.
Percepção do tempo
Se após a análise das leis fundamentais da percepção tátil e visual tivemos de abordar detidamente as leis
psicológicas da percepção do espaço, seria natural que após o exame das leis básicas da percepção auditiva
(e motora) nós nos detivéssemos brevemente na análise da psicologia da percepção do tempo. Apesar da
grande importância desta seção da Psicologia, ela apresenta elaboração bem inferior à do problema da
percepção do espaço.
Podemos salientar que a percepção do tempo tem aspectos variados e se realiza em diferentes níveis. As
formas mais elementares são constituídas pelos processos de percepção da duração da sucessão, que se
baseiam em fenômenos rítmicos elementares conhecidos pela denominação de "horas biológicas". Situam-
se entre estes os processos rítmicos, que ocorrem nos neurônios do córtex e das formações
subcorti-cais, a substituição dos processos de excitação e inibição, que surge durante uma longa atividade
do sistema nervoso e é percebida como reforços ondulatórios alternantes e enfraquecimentos do som
durante uma escuta longa e atenta. Situam-se ainda entre eles fenômenos cíclicos como as pulsações do
coração, o ritmo da respiração e, para intervalos
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mais longos, o ritmo de mudança do sono e da vigília, o surgimento de fome, etc.
Todas as condições aqui enumeradas servem de base às avaliações mais simples e imediatas do
tempo.
Elas podem surgir nos animais no processo de elaboração dos "reflexos do tempo" ou dos
"reflexos retardatários" e podem ser modificadas pela ação de agentes farcnacológicos que exercem
influência sobre o sistema nervoso vegetativo. Os efeitos desses agentes podem ser verificados
também no homem. Já foi mostrado que uns preparados (a anfetamina e o oxido nitroso, por
exemplo) abreviam essencialmente a avaliação de pequenos cortes do tempo, ao passo que outros
preparados (o LSD, por exemplo) alongam a avaliação de pequenos intervalos de tempo. Das
formas imediatas elementares de sensação do tempo devemos distinguir as formas complexas de
percepção do tempo, que se baseiam nos "padrões" de avaliação do tempo criados pelo homem.
Entre esses padrões de mediação da avaliação do tempo, situam-se medidas de tempo como os
segundos e os minutos, bem como vários padrões que se formam na prática da percepção da
música. É justamente em virtude disto que a precisão dessa percepção mediata do tempo pode
aumentar visivelmente, pois, como mostraram as observações (B. M. Teplov) feitas com músicos,
pára-que-distas e pilotos, ela pode aguçar-se visivelmente no processo de exercícios em que o
homem começa a cotejar lapsos de tempo que mal se percebem. Segundo alguns dados, por esse
caminho pode-se levar a precisão da percepção de pequenos lapsos de tempo a um nível
impressionante, como, por exemplo, fazendo as pessoas adquirirem a capacidade de distinguir
intervalos de 1/18 segundos de intervalos de 1/20 segundos (S. G. Hellerstein).
Da avaliação de intervalos breves devemos distinguir a avaliação de intervalos longos (as horas
do dia, os dias e meses do ano, etc), noutros termos, devemos distinguir a orientação nos cortes
longos do tempo. Esta forma de avaliação do tempo é sobretudo complexa pela estrutura, asse-
melhando-se aos fenômenos da codificação intelectual do tempo.
É interessante que a perturbação da avaliação do tempo em forma de falhas grosseiras na
avaliação das horas do dia e as perturbações da noção do tempo no ano, datas, etc,
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Podem surgir durante as afecções de algumas áreas do cérebro (por exemplo, durante as afecções das
zona profundas do lobo temporal e das formações subcorticais, relacionadas com a regulação dos
processos vegetativos) e servir de sintomas de apoio para o diagnóstico dessas afecões.
Formas especiais de perturbação da percepção do tempo podem surgir também nos estados psicóticos, nos
quais, segundo alguns autores, elas se constituem num índice da perturbação das funções vitais profundas.

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