Professional Documents
Culture Documents
Giuseppina Sferra
ANARQUISMO E
ANARCOSSINDICALISMO
1Ii" ••
m
série'
, PRINCíPIOS
r
AfN~~oS
Úll\MOS \J\NC~MHnOS
92
Sonhar, brincar, criar,
interpratar
Arlindo C. Pimenta
História da literatura
alemll
Giuseppina Sferra
Eloá Heise e Professora e Mestre em História
Ruth Rõhl
93 História do trabalho
Carlos Roberto de
Oliveira
94 Nazismo - "O Triunfo
da Vontade"
Aleir Lenharo
95
96
Fascismo italiano
Angelo Trento
As drogas
ANARQUISMO E
97
98
Luiz Carlos Rocha
Poesia infantil
Maria da Glória Bordini
Pactos e estabilizaçllo
ANARCQSSINDlCALISMO
econômica
Pedro Scuro Neto
99 Estética do sorriso
Miehel Nicolau Youssef,
Carlos Eduardo Aun e
I
Giorgio de Micheli
100 Leitura sem pelavras
Lucrécia D' Aléssio
Ferrara
101 O Diabo no imaginário
cristão
Carlos Roberto F.
Nogueira SBD-FFLCH-USP
102 Psicoterapias
Zacaria Borge Ali
Ramadam
103 O conto de fadas \\l\\\\\\\\\\\\\\\\\l\ \\\\\\\\\\\\\\\\\\
Nelly Novaes Coelho 229364
104 Guia teórico do
alfabetizado r
Miriam Lemle
105 Entrevista
106
- O diálogo possível
Cremilda de Araújo
Medina
Qui/ombos
00
edUor& áfl('4
- Resistência ao
escravismo
Clóvis Moura
S~ç' .y~3
SS'-2.~ O-
Direção
Benjamin Abdala Junior
Samira Youssef Campedelli
Sumário
Preparação de texto
Mário Tadeu Bruçó 1. Introdução 7
Arte
Direção e 2. Anarquismo e socialismo 12
projeto gráfico/miolo
Antônio do Amaral Rocha Tendências no movimento operário 12
Coordenação de composição Tendência libertária 14
(Produção/Paginação em vídeo)
Anarquistas e anarcossindicalistas 17
Neide Hiromi Toyota
Capa
Ary Normanha 3. Os libertários e a imprensa operária
Antonio Ubisajara Domiêncio brasileira 21
O jornal A Terra Livre 22
O jornal La Battaglia 24
Denúncias e atuação 26
Propostas de ação 27
6. Conclusão 81
1987
Todos os direitos reservados
Editora Ática S.A. - Rua Barão de Iguape, 110 7. Vocabulário crítico 87
Te/.: (PABX) 278-9322 - Caixa Postal 8656
End. Telegráfico "Bom livro" - São Paulo 8. Bibliografia comentada ------- 89
1
Introdução
situações concretas do proletariado contrapõe-se a isto, pro- como se articulam os princípios teóricos propostos pelos mi-
curando orientar a atuação e a organização da classe ope- litantes da tendência libertária, no decorrer das manifestações,
rária brasileira, principalmente em São Paulo, no período com as formas de atuação prática, ou melhor, como se esta-
estudado. belece a mediação entre a teoria e a prática dessa tendência.
Nos primeiros anos do século, temos um momento de Pela imprensa operária, principalmente durante as ma-
intensa e ascendente mobilização operária, com a ocorrên- nifestações ocorridas em São Paulo no período, é que se pro-
cia de sucessivas paralisações das diversas categorias de tra- curou recuperar as orientações libertárias, diferenciando as
balhadores, nas quais as reivindicações são as mais diversas. propostas de anarquistas e anarcossindicalistas para o en-
Em 1907, culminam com a greve generalizada em quase to- caminhamento do movimento operário. Tal material é fonte
dos os ramos da produção na cidade de São Paulo e em lo- de documentação importante para a história do movimen-
I" calidades do interior do Estado, em torno de uma pauta to operário brasileiro, constitui-se em veículo de comuni-
específica: a jornada de oito horas de trabalho. cação para atingir e arregimentar maior número de
Essas manifestações operárias exprimiam-se sobretu- trabalhadores e foi conscientemente utilizado como instru-
do na greve, tática esta que, às vezes, era bem-sucedida ou mento de orientação educativa da classe.
apenas obtinha vitórias parciais, mas os trabalhadores con- Ativemo-nos a dois periódicos: La Battagliai , repre-
tinuavam fazendo uso dela, não querendo se sujeitar à re- sentante das posições anarquistas, ou libertárias, e A Terra
dução dos salários, à ampliação da jornada de trabalho, que Livre', porta-voz dos anarcossindicalistas. Esses jornais são
significava maior exploração da força de trabalho. um veículo centralizado r, mas não de uma categoria pro-
No I Congresso Operário Brasileiro 1, realizado de maio fissional específica; são representantes de propostas clara-
a junho de 1906, com a preocupação básica de dar uma mente definidas para o operariado de modo geral. São
orientação às manifestações que estavam ocorrendo, fica também vestígios da prática operária e expressam a tentati-
configurada a predominância da corrente libertária, isto é, va de orientar tal prática, reelaborando posições e princí-
identifica-se claramente, nas discussões e nas conclusões, a pios difundidos pela propaganda teórica, avaliando cons-
presença anarquista e anarcossindicalista como orientação tantemente sua eficácia no concreto do movimento.
majoritária no movimento operário de São Paulo. Os militantes dessas tendências, que atuam através des-
Assim, o livro visa destacar, dentro das diferentes ten- ses jornais, percebendo a fraqueza do movimento, o distan-
dências de orientação para o movimento operário, a pro- ciamento de suas propostas das manifestações reivindica-
posta dos libertários - anarquistas e anarcossindicalistas tórias concretas e imediatas dos trabalhadores, propõem
-, no sentido de captar como essas manifestações são apro-
veitadas para fazer avançar a consciência de classe em dire- 2 Órgão semanal, publicado em São Paulo de 1901 a 1911, editado por
ção à proposta libertária. Em suma, buscamos compreender Oresti Ristori, em língua italiana (os textos são de nossa tradução).
3 Semanário editado em português, uma fase em São Paulo e outra rio Rio
de Janeiro, de 1905 a 1911, sob a direção de Giulio Sorelli, Edgard Leuen-
1 Os libertários não reconhecem o I e o II Congresso. Socialista Brasileiro, roth, Neno Vasco e Manuel Moscoso.
realizados em 1892 e 1902, respectivamente; daí considerarem o Congres- Obs.: Tanto este semanário como o La Battaglia encontram-se no Arqui-
so Operário de 1906 como o primeiro. vo Leuenroth, da Unicamp.
10 11
a necessidade de um trabalho de conscientização destes, via trabalhadora, educar, organizar e disciplinar o operariado
educação política - La Battaglia -, como também um tra- em um Partido do Trabalho, para que pudessem fazer frente
balho de educação e resistência, isto é, organização dos tra- à coalizão capitalista e depois reorganizar a sociedade, na
balhadores em ligas, associações operárias, uniões de ofício, qual o sindicato seria a base da nova ordem social.
sindicatos, até a formação do Partido do Trabalho - Esperamos, com este livro, contribuir para o avanço
A Terra Livre. do estudo do movimento operário brasileiro no período his-
Tais jornais apresentaÍn-se com características próprias tórico citado, diferenciando as tendências anarquistas e
frente à manifestação da classe trabalhadora. Cada um tenta anarcossindicalistas presentes no movimento.
fazer avançar o movimento através da união, solidarieda-
de, conscientização de classe e ação dos trabalhadores, quer
1', via propaganda educativa, quer via educação e organiza-
ção da classe. As divergências aparecem no encaminhamento (".
das estratégias de luta, quando se apresentam diferentes pro-
postas para o movimento operário.
Para os militantes anarquistas, ou libertários, a cons-
cientização, via educação política do proletariado, era su-
ficiente para que se chegasse, via ação direta e espontânea,
à insurreição popular, que levaria à derrocada o regime ca-
pitalista; só após essa revolução social os trabalhadores po-
deriam pensar, eles próprios, em reorganizar a sociedade,
não se preocupando, a priori, como ela seria organizada,
pois os operários, uma vez livres de toda autoridade consti-
tuída, base da exploração do homem pelo homem, saberiam
como reorganizar-se.
Já para os militantes anarcossindicalistas, a ação dire-
ta passava pela educação e organização do proletariado em
ligas de ofício, associações operárias, sindicatos de resistên-
cia. Através destes órgãos buscava-se conscientizar os tra-
balhadores de seus direitos e força, exigindo melhoramentos
econômicos imediatos como forma de conquista do bem-
-estar material e moral para a conscientização de classe; um
meio de preparar o caminho para a greve geral revolucio-
nária e expropriadora da burguesia.
Em outras palavras, os anarcossindicalistas queriam,
através da propaganda educativa e organizacional da classe
13
sociedade, quando a antiga ordem houvesse sido completa- damentada na dominação de classe, pretendem criar um no-
mente destruída. vo modo de ser da sociedade, sem governo, sem poder e au-
Os anarcossindicalistas buscam um tipo de sociedade toridade constituída, isto é, uma organização política livre
que se constituiria na base da cooperação natural, esperan- que proporcione bem-estar, igualdade e liberdade comple-
do realizar isso mediante a expropriação da burguesia, tor- ta para todos, abolindo a exploração do homem pelo ho-
nando comum os meios de produção e os produtos do mem, mediante a organização voluntária ou livre acordo
trabalho, reorganizando a sociedade e constituindo-a sob entre os indivíduos, grupos, comunas e povos. Na federa-
a livre fé dos grupos de produtores e consumidores, sob o ção livre, grupos autônomos de trabalhadores podem e sa-
impulso da solidariedade, das necessidades naturais e so-
bem, melhor que outros, organizar diretamente a produção
ciais do indivíduo livre no grupo, o grupo autônomo na fe-
e o consumo, ou todas as funções sociais úteis e necessá-
deração, a federação livre na humanidade livre.
rias, sem confiar a um outro grupo de pessoas (governo)
Porém, existem outros anarquistas que dão importân-
a responsabilidade de pensar em tudo. Esta tarefa deve ser
cia não à liberdade individual, mas à liberdade coletiva dos
resultado do pensamento e das necessidades da coletividade.
pequenos grupos que se constituem sob a influência dos im-
Os libertários analisam como, no regime capitalista, a
pulsos naturais até a solidariedade e a ajuda mútua. Tal gru-
propriedade privada caracteriza-se na forma de capital e en-
po é conhecido como anarcocomunista, ou simplesmente
anarquistas. Segundo estes, os indivíduos nos grupos, por forma todas as relações sociais. O me.smo aconteceu no de-
instintos naturais de cooperação social e ajuda mútua, por senvolvimento histórico dos agrupamentos humanos,
força natural, libertados das travas da autoridade coativa reforçando o intuito da propriedade privada. O mesmo é
que os impede de funcionar livremente, podem ser abando- confirmado e apoiado pelas instituições políticas - Estado
nados sem perigo para a tarefa de reconstruir a nova socie- e autoridade -, instituições morais - religião e moral do-
dade, de acordo com os impulsos cooperativos e naturais. minantes -, instituições repressivas - polícia e exército -,
Os anarcocomunistas insistem na posição de que é pre- que nada mais são que ramos da organização estatal. As-
ciso negar para querer vencer: negam a divindade e confiam sim foi na antiga escravidão, na servidão medieval e no re-
no indivíduo, negam o Estado e suas atribuições, trans- gime assalariado, formas estas assumidas historicamente por
ferindo-as para o indivíduo, negam a propriedade de clas- um mesmo conteúdo: ~xploração do homem pelo homem)
se, constituída pelo favoritismo da classe dominante, Os libertários atacam a organização estatal e todos os
atribuindo-a ao indivíduo. Por instintos naturais de coope- ramos que a compõem, porque estes se apresentam como
ração social, os indivíduos organizariam a sociedade de bai- representantes oficiais de toda a sociedade, um todo orgâ-
xo para cima, que derivaria do poder da vontade ativa dos nico e harmônico, e como difusores do interesse geral ape-
mesmos. Para os serviços deveriam existir, com acordo vo- nas para encobrir a realidade social dominante, pois
luntário, laços de solidariedade social, desde a comuna lo- representam e identificam-se com a burguesia, a qual, atra-
cal até o federalismo. vés da coerção legal (leis) e física (ação policial e militar),
Os libertários, quer anarquistas, quer anarcossindica- perpetuam a divisão de classe e as relações sociais de
listas, em lugar da organização autoritária burguesa, fun- dominação.
20
vez que não apresentam anúncios publicitários, como a gran- em ação para todos e em proveito de todos, e isto para que
de imprensa 1• se atinja uma organização social que tenha por fim assegu-
Os jornais utilizados para este trabalho, La Battag/ia rar a cada um o seu desenvolvimento integral, em que o tra-
e A Terra Livre, por estarem comprometidos com uma po- balho - escolhido por cada um e organizado pelos próprios
sição política definida, apresentam-se com conteúdo e ob- trabalhadores - tenda à satisfação das necessidades dos in-
jetivos específicos da corrente ideológica libertária, a qual divíduos.
se preocupa com o problema social em nível nacional ein- Anarquistas, ou libertários, porque são inimigos do Es-
ternacional, propondo um encaminhamento político à classe tado e de instituições políticas que têm por finalidade im-
trabalhadora. por a todos os seus interesses e vontade, esta mascarada ou
não com a vontade popular. Anarquistas porque querem
uma sociedade sem governo, uma organização política li-
o jornal A Terra 'ivre vre, indo do indivíduo ao grupo, do grupo à federação e
à confederação.
Os militantes do semanário A Terra Livre, no número Os militantes de A Terra Livre, tendo como concep-
intitulado "Generalidades", colocam suas posições político- ção integral o socialismo anarquista, o qual tem um méto-
-ideológicas, definindo-se como socialistas e anarquistas ou do próprio de ação, baseado na livre iniciativa e solida-
libertários. Socialistas porque atacam a instituição da pro- riedade, consideram como tarefa mais urgente a luta con-
priedade e a moral, que têm por base o monopólio da ri- tra a ignorância, feita com propaganda oral e escrita para
queza produzida por todos, sem que a parte de cada um educar e organizar o proletariado no campo econômico e
possa ser rigorosamente determinada. político. Além desses meios de ação direta, preconizam a
Eles vêem a origem da miséria, humilhação, inseguran- greve geral, agitação de rua, comícios e, por fim, a insur-
ça, inquietação da maioria da população na apropriação in- reição e a expropriação burguesa.
dividual da terra, dos meios de produção e comunicação, Participam do movimento operário dentro das socie-
bem como dos produtos. A solução, para essa maioria da dades de resistência, delas fazendo parte como trabalhado-
população, é destruir o direito que têm os proprietários, do- res, com interesses idênticos aos destes, defendendo o
nos dos meios de produção e capital, sobre os trabalhado- abstencionismo eleitoral e a neutralidade da associação na
res. Estes não têm outra propriedade a não ser sua força política parlamentar. A sociedade de resistência, neutra em
de trabalho, colocada à venda pelo salário. matéria religiosa, não deixa de combater as uniões de fura-
Pela socialização dos meios de produção, coloca-se à -greves, católicos e padres que se colocam ao lado dos pa-
disposição de todos a terra, os instrumentos de trabalho, trões; neutra nas eleições, não deixa de lutar contra as pre-
os meios de comunicação, as matérias-primas, enfim, tudo potências do poder político, considerando que não se deve
confundir a luta de um partido com a luta de classes.
1 União dos Trabalhadores Gráficos e O Chapeleiro, jornais representan-
Essas associações operárias de resistência lutam pela
tes de categorias de trabalhadores. conquista de pequenos melhoramentos econômicos, sendo
..
24 25
válidas por despertarem iniciativas e coragem, levando os dade em classes. A classe dominante, para consolidar seu
operários a agir por conta própria, unindo-os e ensinando- domínio à custa da classe trabalhadora, transforma sua fun-
-os a viver sem tutela. ção de direção social numa maior exploração das massas.
Assim, além de anarquistas, esses militantes definem- Os anarquistas do La Battaglia analisam como, no re-
-se como anarcossindicalistas ao preconizarem a ação dire- gime capitalista, a propriedade privada caracteriza-se na for-
ta. Esta passa pela educação, mas principalmente pela or- ma de capital e enforma todas as relações sociais. Ao
ganização, até chegar à greve geral, que conduzirá à analisarem como se formam os capitais, demonstram que
insurreição, expropriação da burguesia e reorganização da tanto os pequenos como os grandes capitais não resultam
nova ordem social livre. do trabalho e das economias dos que os possuem, mas da
exploração do sobretrabalho e das economias dos que pro-
duzem - os trabalhadores -, dando-Ihes uma compensa-
"
o jornal La Battaglia
,
ção: a metade ou parte do que produzem.
Assim, continuam os anarquistas em sua explicação,
Os militantes do semanário La Battaglia, em artigo in- um industrial ou proprietário de terra, mesmo empregando
titulado "Aquilo que somos", definem-se como anarco- o trabalho de vinte, cinqüenta, cem operário.s em seu pro-
comunistas. Comunistas em matéria econômica, porque, veito, é da diferença que obtém com a produção do traba-
considerando a instituição da propriedade privada a base lho social e com o pagamento do salário individual (que só
fundamental de todas as misérias humanas e arma patente é suficiente para a manutenção e reprodução da força de
da dominação de classe, propõem a socialização, na qual trabalho) que ele consegue ampliar seu capital. Deve-se no-
todos os meios de vida - a terra, oficinas, instrumentos tar, ainda, que os trabalhadores, além do coeficiente de tra-
de trabalho - se am transformados em propriedade de to- balho excedente extraído pelos capitalistas, sofrem explo-
li
dos os trabalhadores, efetivando-se o princípio: "cada um ração como consumidores, com a alteração ulterior ou pree-
II segundo sua capacidade e cada um segundo suas neces- xistente do valor intrínseco dos produtos, pois o preço das
JI
sidades" . mercadorias no mercado não é fixado pelos proprietários
Conforme os militantes do La Battaglia, a desigualda- de terra ou pelos industriais, é elevado mais e mais pelas
de econômica e social entre os homens origina-se da apro- transações comerciais.
priação indébita e da concentração da propriedade privada Nem com o próprio trabalho, nem com as próprias eco-
nas mãos de uma minoria privilegiada. A base do conflito
J nomias o trabalhador consegue enriquecer. Ele, na condi-
material é o direito de propriedade que coloca a terra, ofi- ção de assalariado, pode-se considerar feliz quando, com
cinas, meios de produção, produtos naturais e do trabalho seu próprio trabalho, consegue enfrentar as mais urgentes
humano nas mãos de poucos. e imperiosas necessidades da vida.
A argumentação contra o direito à propriedade não é Logo, como comunistas, esses militantes atacam o di-
só devido à origem fraudulenta, mas sobretudo porque ela reito de propriedade privada, fundamentando-se no princí-
representa sempre uma usurpação, isto é, é ela que permite pio proudhoniano - "a propriedade é um roubo" - e não
à classe que a detém estabelecer a lei da divisão da socie- na condição histórica da apropriação do excedente. A so-
26 27
ciedade burguesa é, fundamentalmente, caracterizada por Essa atuação dos militantes libertários, no sentido de
uma forma de propriedade privada - o capital - que en- denunciar as condições de vida e trabalho, como também
forma todas as relações sociais. Entretanto, o capital é ana- a análise das manifestações operárias, consideradas as pri-
lisado basicamente em sua forma concreta: solo, fábricas, meiras tentativas de protesto prático dos trabalhadores con-
máquinas, instrumentos de produção, riquezas. Posicionam- tra a desigualdade social, é uma boa oportunidade para se
-se pela desindividualização e socialização da propriedade <'
aproveitar essa ocasião de despertar do proletariado de São
privada, na medida em que enriquecer significa auméntar Paulo e orientá-lo, o que faz parte da propaganda educati-
a quantidade desses bens físicos na posse de um indivíduo, va de conscientizar o operariado, tanto para os anarquistas
mas não percebem a acumulação do capital como aumento como para os anarcossindicalistas.
da capacidade de comandar o trabalho, como a crescente Para os militantes anarcossindicalistas, as greves, em-
,I,l
submissão do trabalho ao capital. O capital é o produto da bora parciais, eram uma realidade, um dos meios, senão o
exploração do trabalho alheio; é a mais-valia apropriada pe- ,rI
único, de levar o operariado a um advento positivo na luta
lo patrão. ' contra a organização econômica e política. Bem trabalha-
Consideram-se anarquistas em matéria política, por- das eram pequenas parcelas do grande movimento que de-
que, reconhecendo maus todos os governos, antinaturais, veria conduzir à greve geral. Serviam para pôr em evidência
infames todas as leis, querem o fim do Estado e da autori- o domínio que a classe burguesa e conservadora exercia so-
dade constituída, proclamando o indivíduo absoluto, dono bre a massa trabalhadora.
de si mesmo. Assim, nesse momento em que o operariado desperta,
cumpre aos mais ativos e conscientes orientá-los para se
constituírem em ligas de ofício, associações por indústrias
Denúncias e atuação
ou categorias, sindicatos, fazendo com que a união da ca-
tegoria evolua para a união da classe trabalhadora como
Os jornais La Battaglia e A Terra Livre consideravam
um todo, formando um exército compacto e disciplinado
a análise do funcionamento da produção capitalista uma
para o evento final, que é a transformação da sociedade ca-
ação importante junto ao movimento operário, no sentido
pitalista em uma nova sociedade, na qual tudo seja proprie-
de conscientizar o proletariado da condição de explorado
dade dos que produzem: os trabalhadores.
e oprimido pelo sistema, ponto-chave para evidenciar o pro-
blema social, início da politização para a conscientização
educativa da classe, uma vez que só ela pode desempenhar
e resolver o problema de sua emancipação. Para tanto, rea- Propostas de ação
lizam trabalhos de pesquisa e denunciam as condições de
vida e trabalho do operariado paulista nas oficinas domés- O caminho proposto pelos militantes anarcossindica-
ticas, empresas manufatureiras e fabris do início do século, listas é, ao mesmo tempo, fazer propaganda educativa e or- .
com o levantamento e análise da situação de penúria em que ganizar os trabalhadores em associações de resistência de
se encontra o trabalhador, tanto na cidade como no campo. classe, para conquistar alguns direitos, não obstante par-
28
29
a ação direta, o que é atestado no tratamento dispensado Haveria a reorganização da produção tendo como base a
à questão do sindicato e suas funções. espontaneidade do trabalho, na livre escolha profissional.
Para os anarcossindicalistas, a ação direta passa pela O trabalho limitado às forças produtivas e necessidades de
educação e organização dos trabalhadores em associações cada um seria coordenado por corporações federadas entre
de resistência ao capital, chegando à greve geral e à revolu- si, com base na livre troca de produtos.
ção. Para os anarcocomunistas a ação direta é concebida Os anarquistas que defendem a ação espontânea dos
através da propaganda educativa do proletariado, para que trabalhadores para a insurreição popular estão embasados
este chegue espontaneamente à insurreição popular e à re- em P. Kropotkin, concebendo a revolução social em três
volução. fases:
Para os militantes anarcocomunistas, os meios e mé- Protesto social, período de gestação revolucionária em
todos de luta para se atingir a revolução só estão definidos que se busca as causas do mal-estar, a luz na consciência
de forma ampla e genérica. É válida qualquer ação que tenda { proletária. Esta fase explica e aplica-se contra todos os prin-
a solapar as bases do capitalismo. Os trabalhadores devem cipais fatores da dominação econômica (propriedade pri-
usar todos os meios eficazes e ao seu alcance - uma revo- vada) e política (autoridade constituída) que afligem a
lução aberta e constante, feita individual e coletivamente, humanidade deserdada. Esta primeira fase completa sua
segundo suas forças e circunstâncias - para pôr fim a to- evolução quando a necessidade e a possibilidade de uma re-
do privilégio e escravidão. forma radical de ordenação da sociedade supera os obstá-
Para os anarcocomunistas, a revolução anárquica cor- culos da crítica interessada e da indiferença popular. As
responde à difusão das idéias libertárias entre as camadas tendências correlatas ou antagônicas contestam, se irritam,
oprimidas feita, através da propaganda e educação, pelos mas os propósitos revolucionários se impõem.
indivíduos mais conscientes e aderentes ao anarquismo. A A revolta armada dos assalariados, a segunda fase, se
educação é suficiente para que a classe trabalhadora che- firma natural e legitimamente contra a burguesia para ven-
gue à insurreição popular espontaneamente, sem interme- cer a reação, debelando toda tirania, privilégios e escravi-
diações, pois bastam firmeza e vontade de todos os cidadãos dão. Só após essa revolução armada, eliminando-se da
para a revolução social. sociedade todas as sujeiras da organização capitalista, ven-
A ação espontânea pode ser a greve, o boicote, a sa- cida a coalizão burguesa mediante a revolução, é que se im-
botagem, manifestos em jornais ou praça pública, mas nun- põe a fase da reorganização da sociedade humana, embasada
ca comandada por lideranças. É por meio dessa ação que no livre acordo e na comunidade dos bens: a anarquia.
se dará a formação da consciência, que corresponde à for- A organização política livre - a anarquia - é um es-
mação, entre todos os oprimidos, de uma solidariedade na- tágio do progresso social, mas é de se esperar que não seja
tural e espontânea. Esta é condição essencial para a redenção o último; tem o trabalho como fonte de vida, o consumo
política e econômica, para o estabelecimento, no mundo, como prazer de viver, a ciência como consciência da vida
de um novo estado de coisas - organização política livre. para governar a sociedade segundo a justiça, assegurando
Nessa nova sociedade, a liberdade deveria ser inviolável, a integral liberdade aos homens. Isto, segundo eles, é o co-
soberania pessoal do indivíduo deveria ser respeitada. munismo anárquico, mas, quando atingido, novos horizon-
tes de liberdade e paz levarão a humanidade em direção ao
seu aperfeiçoamento:'.
Vêm também, da teoria de Kropotkin, as idéias sobre
as duas etapas da sociedade futura - o coletivismo e o co-
I 4
munismo. No coletivismo, etapa transitória, a concepção
da propriedade privada sobreviverá e tomará a forma de
propriedade das comunas locais ou federação livre. Porém,
Educar e conscientizar
esta etapa passará à medida que a sociedade avançar até a os trabalhadores
aceitação do princípio: "cada um segundo suas capacida-
des e cada um segundo suas necessidades", em que a idéia
de propriedade desaparecerá e só então começará a existir
o verdadeiro comunismo. I
A não-existência de uma legislação reguladora e ga- Assim, em todo o período analisado observa-se que a
rantidora da negociação, a abundante oferta de trabalho questão sobre a não-regulamentação do contrato de traba-
no mercado e as próprias condições específicas dessa fase lho persiste e é apresentada como aquilo que permite aos
de industrialização, que não exige maiores requisitos espe- patrões e a seus encarregados subjugar os trabalhadores,
cíficos de qualificação, fazem com que, na relação contra- atando-os às condições por eles impostas. O operariado, de
tual, impere um total autoritarismo, dependência do forma geral, manifesta-se descontente quanto a essa admis-
trabalho ao capital, agravando mais e mais as condições de são e tratamento no trabalho, mas tem de aceitá-Ia; outras
trabalh02•·
vezes reivindica mudanças e, quando não é atendido, para-
São inúmeros os relatos e denúncias que se referem às lisa o trabalho.
I',' condições em que são admitidos os operários no trabalho, Os anarcossindicalistas incentivam os trabalhadores a
~I tanto nas grandes, médias, pequenas fábricas ou oficinas substituírem o contrato individual pelo contrato coletivo;
~r" como no trabalho no campo, demonstrando a não-existência
do contrato de trabalho. Mesmo quando em vigor, este não
para isso, é necessário solidariedade, auxílio dos trabalha-
dores, reunindo-se para resistir às imposições patronais,
<I é respeitado ou é desvantajoso para os operários, que têm coligando-se entre si para o sustento das próprias reivindi-
" de assiná-lo para serem admitidos no emprego. cações. É através da união e solidariedade operária que se
O fato de algumas fábricas possuírem contratos de tra- consegue não só a garantia e melhoramento das condições
balho não significa que eles visem à proteção e segurança materiais presentes, mas também firma-se o direito de ob-
do operário, uma vez que os contratos disponíveis mostram ter um quinhão maior e mais justo da riqueza social, fruto
grandes desvantagens, como se nota no contrato de traba- do trabalho, ou seja, uma maior participação na civiliza-
," lho da Fábrica de Fogos Artificiais de Vila Cerqueira Cé- ção. Adquire-se um conhecimento mais perfeito tanto da
I' sar: o operário tem de aceitar ser pago pecuniariamente situação em que os operários se encontram na sociedade ca-
depois de um ano de serviço; pagar uma multa de 200$000 pitalista - do muito que se produz e do pouco que se rece-
réis, quando, antes do término do contrato de trabalho, be - como do papel a ser representado na sociedade digna,
abandonar o emprego; comunicar antecipadamente a falta em que todos sejam verdadeiramente iguais.
ao trabalho para não ser multado em dobro; trabalhar do- A união e solidariedade operária é aconselhada por ser
ze, treze, catorze horas ao dia, segundo a estação do ano; uma forma de resistência à exploração dos donos do capi-
obrigar-se a trabalhar nos últimos três meses do ano con- tal. Os operários devem tomar o exemplo dos capitalistas
tratual até vinte e duas horas, isto é, dezoito horas sem di- que se reúnem, solidarizam-se em atitudes e comportamen-
reito a aumento de salário; obrigar-se a comer e alojar-se tos para sustentar seus interesses: não ceder às reivindica-
na casa que o patrão oferecer". ções dos operários. Estes devem fazer o mesmo 4.
A militância anarquista e anarcossindicalista tem co-
2 A Terra Livre, n. 7, 12 abr. 1906; n. 16, 9 set. 1906; n. 70, 7 jul. 1907;
mo meta conscientizar os trabalhadores para que estes
La Battaglia, n. 77, 29 abr. 1907; n. 79, 13 maio 1907,
3 Cf. La Battaglia, n. 58, 13 dez. 1905.
4 Cf. A Terra Livre, n. 30,2 abro 1907.
•••••••. -.- -. - -! .~
39
38
tenham uma atuação política. Deve-se, porém, ressaltar que, ampliação do seu capital, o fazem sobre a força de traba-
principalmente como aparece nas colocações dos anarquis- lho. Utilizam diferentes formas de exploração, estendendo
tas do La Battaglia, a atuação política do proletariado de- a jornada até o limite da força física do operariado, redu-
pende unicamente de um ato de vontade, enquanto, para zindo os salários ao mínimo ou abaixo das necessidades de
manutenção da força de trabalho, com diferentes formas
os anarcossindicalistas, há necessidade de organização da
de pagamento: por peça, dia, hora, sexo, idade e tipo de
classe. Organizar significa, porém, formar associações de
resistência para fazer frente às imposições do capital, mas trabalho.
A atuação dos militantes libertários, ao denunciarem
tais associações se limitam a buscar melhorias das condi-
todas as formas utilizadas pelos capitalistas para explorar
ções de vida e trabalho, dos direitos e força, experimentan-
e subordinar o trabalho ao capital, tem também o objetivo
do meios para a emancipação dos trabalhadores.
de conscientizar a classe trabalhadora de sua condição de
A atuação dos militantes na conscientização dos tra-
explorada pelo sistema, no sentido de agitar os operários
~I! balhadores tem também o objetivo de rebater as colocações
para que atuem e alterem sua situação. É aí que se situa a
t~ da grande imprensa comprometida com os patrões, a qual
'n proposta libertária de atuação, de encaminhamento do mo-
'I' quer mostrar que, no Brasil, o operariado não tem motivo vimento operário, com o intuito de tentar solucionar a si-
'" para se agitar, pois aqui as condições de vida e trabalho são
tuação dos trabalhadores.
melhores que em outros países, quando, na realidade, é o
oposto: a exploração é acentuada. Pretende-se usar as ten-
tativas de os operários reivindicarem melhorias de suas con- Processo de trabalho
~,
11
dições materiais de existência para mostrá-Ias como obra
de maquinações de subversivos estrangeiros que corrompem Com o objetivo de conscientizar a classe trabalhadora
os trabalhadores nacionais. Busca-se justificar as constan- para levá-Ia a atuar e alterar a situação de explorada e opri-
I" tes ameaças, as intervenções da cavalaria para "manter a mida, os libertários analisam o sistema de produção, mos-
1 ordem", "garantir a liberdade de trabalho", as "leis de ex- trando que há ramos em que o trabalho é ainda artesanal,
pulsão contra os estrangeiros", as deportações, além das em concomitância e sem contradição com o processo ma-
tentativas de os patrões fazerem ver que o atendimento das nufatureiro e com o fabril, este já perfeitamente configura-
reivindicações solicitadas le aria a indústria nacional à ruí- do, sobretudo na indústria têxtil.
na, com prejuízos aos próprios operários 5. No processo de produção artesanal, comum entre a ca-
A imprensa operária, libertária, publica relatórios, in- tegoria das costureiras e alfaiates, predomina o trabalho a
quéritos e denúncias dos resultados das visitas aos locais 'de domicílio. O trabalhador vai à oficina buscar a matéria-
trabalho, apresentando e analisando as condições de vida -prima e volta para casa, na qual, com seus instrumentos
e trabalho, mostrando como os capitalistas, na busca de de trabalho, realiza a tarefa na íntegra, no horário que me-
lhor se adapte, sendo pago por peça. •
Paralelamente a esse trabalho artesanal há também o
5 Cf. ibid., n. 25, 22 jan. 1907; n. 26, 5 fev. 1907; La Battaglia, n. 12,
II set. 1904; n. 142, 27 QuL 1907.
manufatureiro, comum entre parte da categoria das cos-
40 41
tureiras, em casas de confecções, ateliês, marcenarias, sa- As diferentes formas de processo de trabalho, quer no
patarias e britagem de blocos de pedra. Um número de tra- artesanal, quer no manufatureiro, o uso do pagamento por
balhadores é reunido num mesmo local pelo dono do capital, dia ou por peça e as artimanhas utilizadas pelos patrões são
que fornece os instrumentos de trabalho e a matéria-prima formas adequadas ao modo de produção capitalista que em
para que os operários realizem as tarefas. Estes as realizam nada beneficiam o proletariado; apenas ampliam a explo-
desde a primeira fase até o acabamento final, não havendo ração e opressão entre capital e trabalho".
divisão de tarefas; a produção é individual, sem especifica- Segundo os anarquistas, no sistema capitalista há su-
ção de funções; o trabalhador é remunerado ora por peça, jeição dos trabalhadores ao salário, o que não reconhecem
ora por dia, mas na maioria das vezes o pagamento é por como legítimo ou proveitoso para o operário. Na socieda-
peça, feito somente no ato da entrega do trabalho. de futura, organização política livre, não haverá qualquer
I"
Nessa fase de início de industrialização em São Paulo,
,,
~I~
,I
tanto-no processo de trabalho artesanal como no manufatu-
reiro - que se caracteriza por ser realizado individualmente
forma de salário: "cada um segundo suas capacidades e cada
um segundo suas necessidades". Mas enquanto isso não
, ~ 'I ocorre preferem, entre o trabalho por dia e o por peça, o
11'1 ou com alguns auxiliares - um único trabalhador exerce to- por dia.
,1'1
das as funções até o acabamento final da mercadoria; há,
>1, A atuação de todos os que lutam pela emancipação hu-
portanto, uma limitação industrial que, por sua vez, dificul-
I mana deve ser, antes de mais nada, um trabalho de cons-
ta ou impede a organização e reação dos trabalhadores.
cientização, e um meio de fazê-Ia é mostrando como os
Tanto no trabalho artesanal como no manufatureiro
a apropriação do sobretrabalho (trabalho excedente) realiza- trabalhadores estão sendo explorados. Devem-se fazer ape-
,I'"
-se sobre o prolongamento da jornada de trabalho. Encurta- Ias para que eles tomem uma atitude, como o boicote às
-se o trabalho necessário com métodos que permitem pro- oficinas que fazem uso do trabalho por peça. Assim, esses
duzir em menos tempo o equivalente ao salário do operário. emancipacionistas lançam manifestos dirigidos aos traba-
Os libertários consideram que o patrão faz uso do tra- lhadores que estão submetidos ao regime de trabalho por
balho por peça para obter maiores lucros ou um "lucro fi- peça, na tentativa de fazê-Ias refletir, pois com uma greve
xo". Não percebem, no entanto, que embora haja diver- pacífica os patrões não renunciam aos seus privilégios; isso
sidade na forma de pagamento do salário, isso em nada al- só ocorre quando o proletariado se une, por si, para fazer
tera absolutamente sua natureza, pois tanto faz dizer que justiça".
em cada peça uma metade é paga e a outra não ou que no Os anarcossindicalistas, ao mesmo tempo que analisam
preço de doze horas de trabalho do operário há seis que equi- o quadro de vida e trabalho dos operários submetidos ao
valem à força de trabalho. Nas horas restantes incorpora-se regime de trabalho por peça, apelam também para a refle-
uma mais-valia de seis horas. O preço do tempo de traba- xão, com o intuito de que os trabalhadores tomem parte
lho continua determinado pela equação: o valor da jorna-
da de trabalho é igual ao valor diário da força de trabalho. 6 CL MARX, K. Divisão do trabalho e manufatura. In: -. O capital, Rio
Salário por peça é, portanto, apenas uma forma modifica- de Janeiro, Civilização Brasileira,1971. I. 1, v. 1, capo 12, p. 387.
da do salário por tempo. 7Cf. La Battaglia, n, 148, 15 dez. 1907.
_L __
I
42 43
do movimento operário, ajam diretamente, usando o boi- víduos ou grupos; assim o modo de trabalhar apoderou-se
cote, recusando-se a trabalhar além do horário desejado, da força individual do trabalho, no qual os operários de-
mas, sobretudo, que eles se organizem em sociedades de re- senvolvem uma habilidade individual; o trabalhador é mu-
sistência, lutem e sejam solidários com os companheiros nas tilado e transforma-se em aparelho automático de trabalho
mais justas reivindicações. parcial, devido à sua condição. Ele só consegue desenvol-
Conforme análise dos libertários, no processo de pro- ver sua atividade produtiva como acessório da oficina ca-
dução na indústria, principalmente têxtil, a produção está pitalista.
dividida em diferentes operações, destacadas umas das ou- O uso do trabalho parcial, agrupado num mecanismo
tras, isoladas, justapostas no espaço e confiadas a grupos único, acentua a subordinação e cria a proporcionalidade
de trabalhadores que exercem a mesma tarefa e têm uma quantitativa do trabalho parcial, desenvolvendo, ao mes-
função exclusiva. A totalidade das tarefas é exercida pela
mo tempo, uma nova força produtiva social do trabalho.
união desses trabalhadores parciais, que estão sob o coman- ~
do do capital. .; . Com esse método especial consegue-se a produção da mais-
~~ -valia relativa ou maior expansão do capital, às custas do
',r" Com a divisão do trabalho, o operário faz apenas uma
trabalhador 8.
'" parte mínima de uma tarefa qualquer durante as horas de
'" trabalho, repete as mesmas operações, atende às mesmas
;,[ ordens dos patrões e das máquinas a que está diretamente
I
subordinado. O operário é reduzido a uma parte da máqui- Jornada de trabalho e salário
~"I na, tornando-se simples acessório mecânico.
,I
,I
Em O capital, Marx nos dá elementos para compreen- Nessa primeira fase de industrialização, em que impe-
11•1 der como, nessas fábricas, a mercadoria deixou de ser pro- ra o capitalismo concorrencial, a competição entre os in-
1 duto individual de um operário independente que faz muitas dustriais se expressa pela venda de mercadorias a preço mais
1 "1
1. 1
coisas para se transformar no produto social de um con- baixo que o concorrente, uma vez que o seu valor é regula-
junto de operários em que cada grupo de trabalhadores rea- do pelo mercado. Os capitalistas procuram aumentar o ca-
liza, ininterruptamente, a mesma e única tarefa, transforma pital constante e reduzir o preço dessas mercadorias ao
todo seu corpo em órgão automático especializado dessa
mínimo possível, o que conduz a uma maior exploração da
operação, levando menos tempo para realizar a tarefa to- (, força de trabalho.
da. Assim o trabalho coletivo e limitado dos trabalhadores
Os capitalistas são favorecidos pelo excesso de oferta
parciais produz em menos tempo maior quantidade de mer-
de trabalho no mercado, em que os trabalhadores são con-
cadorias, elevando-se a força produtiva e os métodos de
correntes entre si, o que faz com que o capital subordine
trabalho.
Os trabalhadores estão submetidos ao comando e à dis- cada vez mais o trabalho através de inúmeros mecanismos
ciplina do capital; a produção já criou uma graduação hie- como, por exemplo, a dilatação da jornada de trabalho
rárquica entre eles, à qual corresponde uma escala de
salários. O trabalho é dividido e distribuído entre os indi- 8 Cf. MARX, K. Op. cit., p. 402 et seqs.
44 45
até o máximo da possibilidade física do operário, já que na qual o trabalhador nada recebe - a mais-valia. Daí se in-
mesma proporção aumenta o sobretrabalho e o lucro que ferir que a taxa de mais-valia determinada pela diferença
dele deriva 9. entre tempo de trabalho excedente e tempo de trabalho ne-
Ao mesmo tempo que se enfoca o processo de produ- cessário é de 75fJ!o, ou um terço da jornada é trabalho ne-
ção dessa fase de industrialização, revela-se a concepção que cessário e dois terços são o excedente'{.
os militantes libertários têm do funcionamento do sistema Essa análise do processo de produção, principalmente
capitalista, a relação entre capitalistas e trabalhadores, a na indústria têxtil e outros ramos, é demonstrada via de-
oposição de interesses, a necessidade da luta de classes e o núncias e pesquisas realizadas pelos militantes nos locais de
encaminhamento do proletariado para uma ação política. trabalho, cujos relatos se seguem.
No intercâmbio capital-trabalho, o dono do capital, O pessoal empregado nas fábricas compõe-se de ho-
ao comprar a força de trabalho e pagar o valor diário ou mens, mulheres e crianças - de oito até doze anos -, sen-
~: mensal, recebe a atividade produtiva do operário, a força
(
do que o número de crianças e mulheres está sempre em
~ ~
,
I criadora pela qual o operário não somente restitui o que con-
some, com o salário, mas dá ao trabalho um valor superior
desproporção com o de homens. Todos estão submetidos
a um horário de doze a dezoito horas por dia, isto segundo
ao que possuía antes. Assim, o capitalista, ao comprar a a seção ou tarefa de trabalho. De acordo com as funções
força de trabalho, adquire o direito de usá-Ia durante toda variam também os salários, que são mensais, diários, por
a jornada de trabalho. Uma parte dela é trabalho necessá- hora e, mais raramente, por peça.
rio para repor o seu salário, e, outra, da qual o operário O pagamento dos trabalhadores é sempre feito após
nada recebe, produzirá um sobretrabalho que se consti- quinze dias, no terceiro sábado ou no segundo ou terceiro
tui em mais-valia para o capitalista. É esse intercâmbio ca- mês de trabalho vencido. O horário do trabalho nessas fá-
pital-trabalho que serve de base à produção capitalista ou bricas varia, mas de forma geral a entrada é às cinco e meia
ao sistema assalariado 10. ou seis horas da manhã e a saída é às dezoito, vinte ou vin-
r:
Sabe-se que na relação capital-etrabalho a extensão da te e duas horas, com intervalo de quarenta e cinco minutos
jornada de trabalho é determinada pelo limite físico e so- a uma hora para as refeições.
cial da força de trabalho. Na maioria das fábricas a jornada Em determinados períodos, devido ao crescimento de
estabelecida é de doze horas diárias, pela qual o trabalha- ação dos negócios dos capitalistas, a jornada de trabalho
dor recebe 3$200 réis. A importância diária necessária para é estendida até o máximo possível, retribuindo-se os traba-
produzir os meios de subsistência do trabalhador é de qua- lhadores com um salário nos limites da reprodução e ma-
tro horas de trabalho: logo, nas oito horas restantes em que
nutenção física da força de trabalho. Como esta encontra
o trabalhador opera produz-se um sobretrabalho, pelo
limites, os patrões usam outros meios; fazem as fábricas fun-
cionar dia e noite, havendo revezamento diurno e noturno
9 Cf. La Battaglia, n. 120, 28 abro 1907.
IOMARX, K. & ENGELS, F. Salário, preço e lucro. In: __ & __ o Op.
eit., p. 361. 11 Cf. La Battaglia, n. 128,7 jul. 1907; n. 130, 21 jul. 1907.
46
47
das turmas, sendo que o trabalho noturno, na maioria das Assim, o salário médio da família, quando todos tra-
fábricas, é pago 15 a 25010a mais ou pagam-se horas extras. balham, sobe; mas esta alta dos salários totais não corres-
Há fábricas de tecidos em que os homens são empre- ponde ao do sobretrabalho total arrancado. O salário
gados nas máquinas de abrir fardos e de limpar algodão; nominal sobe, isto é, a quantia de dinheiro recebido por to-
há ainda aqueles que trabalham como foguistas ou na tin- da a família aumenta, mas o salário relativo, ou seja, o sa-
turaria. Já as mulheres são utilizadas na limpeza do algo- lário real do operário, é menor em relação à mais-valia
dão, na renovação dos fusos, na engomadeira das urdi duras extorqui da pelo capitalista.
e na seção de tecelagem, com número variável de teares: de Ao usar essa forma de dar trabalho, o proprietário faz
dois a seis. As crianças são principalmente empregadas nas com que os membros da família se vendam ao capital, pois,
lançadeiras, e dependendo da seção em que trabalham va- pagando um salário baixo a uma só pessoa da família, a
ria o número de horas e de salário. Em algumas seções, co- quantidade de mercadorias que ela pode comprar com o di-
o a da fiação, opera-se çorn o trabalho por produção e
( nheiro que recebe não é suficiente para seu suprimento, obri-
or peça, havendo a obrigatoriedade de um mínimo estipu- gando os demais elementos a se venderem ao capital, o que
ado; a não-produção deste resulta em rebaixamento do é uma forma de fazer baixar o valor da força de trabalho'",
alãrio " . Os salários dos operários tomados no contexto entre os
.....•.
São freqüentes as informações sobre fábricas que em- mais bem pagos e os menos não ultrapassam a média de 5$000
:r: pregam todos os membros da família. Essa é mais uma for- réis ao dia. As informações mais comuns apontam que os sa-
(J ma de exploração utilizada pelos capitalistas: paga-se ao lários mensais dos homens e mulheres variam de 80$000,
...J
operário adulto um salário que é suficiente apenas para o 60$000 a 45$000 réis; os das crianças de 30$000, 20$000 a
LL
IJ... suprimento das necessidades por quinze dias; assim, o che- 15$000 réis; já os dos contramestres, devido ao serviço de fis-
fe de família com prole numerosa, não recebendo o sufi- calização, de 180$000 a 200$000 réis; o químico da fábrica
"
O ciente para a manutenção desta, vê-se obrigado a levar recebe 400$000 réis.
m mulher e filhos de ambos os sexos para também venderem Há também informações sobre a média dos aluguéis das
cn sua força de trabalho':'. casas, que corresponde à metade do salário do mês ou, quan-
do muito barato, a um terço do salário. Deve-se frisar que
Segundo os libertários, com esse sistema de dar tra-
balho a todos os membros da família reduz-se o salário essas casas só são alugadas com a garantia do patrão.
do homem, de modo que este, para fazer frente às mais
urgentes necessidades da família, vê-se obrigado a em-
pregar mulher e filhos, força produtiva que pode ser redu- Condições de vida e trabalho
zida. Com esse critério e com base em tal especulação, os
A imprensa libertária, para maior exemplificação das
capitalistas preferem o trabalho das mulheres e crianças
condições de vida, de trabalho e do sustento da fanu1ia,
ao dos homens.
toma exemplos nas indústrias localizadas na Capital, no os pagamentos dos empregados são feitos por cartões, que
Interior e em diferentes ramos industriais. Ao analisá-Ios, devem ser descontados em mercadorias de determinados ar:
mostra a difícil condição econômica em que vivem, detalhan- mazéns, padarias, açougues que têm acordos com os patrões
do o que percebem por dia e, mesmo, por ano. Apresenta das fábricas, os quais recebem 10070 do valor total das com-
ainda o preço de alguns gêneros de primeira necessidade, pras. Outras vezes os pagamentos são feitos em gêneros que
aluguéis e outras despesas, a fim de se justificar a razão da a própria fábrica produz'",
necessidade de trabalho dos membros de toda a família. Há proprietários de fábricas que têm casas nas proxi-
Ainda assim, mesmo que todos os elementos estejam tra- midades dessas fábricas exigindo que seus empregados mo-
balhando, o que recebem não é suficiente para as despesas rem nelas, às vezes com aluguéis - descontados dos salá-
familiares. rios - mais baratos. Entretanto, as condições são precá-
Tanto a imprensa anarquista como a anarcossindicalista rias. As casas são enfileiradas uma ao lado da outra, sem
denuncia e analisa formas rpais específicas de dominação usa- ~, água potável e esgoto, cercadas de arame. Há fiscalização
das principalmente na indústria têxtil para explorar a força constante de visitas recebidas pelos moradores, sendo proi-
de trabalho. Por exemplo, a organização de sistema de prê- bida a entrada de quaisquer vendeíros!".
mios aos operários de maior destreza, gratificações aos ope- Há obrigatoriedade de o operário deixar, com a admi-
rários de maior produtividade'<. nistração, uma quota mensal dos salários destinada à So-
Com esse sistema de prêmios, os capitalistas conseguem ciedade Beneficente, ao médico, aos remédios ou ao leito
imprimir competição e concorrência entre os operários, per-' hospitalar. Isso tira do proprietário da fábrica qualquer res-
mitindo aos proprietários experimentar e conhecer a poten- ponsabilidade de indenização no caso de doença ou aciden-
cialidade produtiva dos trabalhadores. Isso os leva a sele- te, sendo que o operário perde direito a esse fundo quando
1;
cionar os operários mais aptos, fazendo com que sempre sai da fábrica, sem falar de médicos que só olham gargan-
haja um exército de reserva, dando condições para manter e ta, receitam óleo de rícino e, em caso mais sério, recusam-
'II. rebaixar constantemente o valor da força de trabalho. Ao mes- -se a visitar o doente'".
I mo tempo, esse sistema permite intensificar ao máximo a pro- Quando o operário falta ao serviço por doença ou
dutividade do trabalho, o que acarreta exaurimento do mesmo qualquer outro motivo, paga-se aos seus substitutos pe-
e maior extração da mais-valia, à medida que o sobretra- la produtividade máxima, mesmo que sua produção não
balho extorquido do operário não corresponde ao valor do seja tal, descontando-se as faltas do salário do operário
salário recebido. efetivo 19 •
Outra forma utilizada diz respeito à obrigatoriedade de
os empregados fazerem compras nos armazéns que os 16 Cf. A Terra Livre, n. 6, 24 mar. 1906; n. 13, 28 jul. 1906; n. 17, 22
proprietários mantêm junto às suas fábricas. As despesas são set. 1906; n. 27,27 fev. 1907.
registradas em cadernetas e descontadas nos salários ou 17 CL ibid., n. 17, 22 set. 1906; n. 25. 22 jan. 1907.
18 CL La Battaglia, n. 35, 19 mar. 1905; D. 65, 21 jan. 1906; n. 128, 7
jul. 1907.
15 Cf. La Battaglia, n. 35, 19 mar. 1905;A Terra Livre, n. 17,22 set. 1906. 19 CL A Terra Livre, n. 17, 22 set. 1906.
4 50 51 II
Há denúncias de que, quando o operário, por qual- salas em que há ventiladores, na maior parte do tempo eles
quer motivo, não terminou o trabalho estipulado (peça), estão parados, alegando-se economia, sem falar do contí-
não lhe é pago o trabalho feito, e o salário corresponden- nuo barulho dos teares. O operário tem que correr de um
te fica com o proprietário; outras vezes ele é ainda multa- lado para o outro, atando os fios que se quebram. Crian-
do. O sistema de multas corresponde a um dia de trabalho, ças trabalham sentadas para fazer girar as lançadeiras.
sendo usado freqüentemente por qualquer motivo: cochi- Exige-se maior disciplina, paciência às repreensões, maus-
lar, conversar, inépcia, atraso de cinco ou dez minutos na -tratos e puxões de orelhas. Deve-se, também, renunciar pen-
entrada'", sar por si próprio: para isso há o gerente".
Outras denúncias: existem serviços em que os traba- Tanto por parte dos patrões como do município, que
lhadores usam uniformes, mas são obrigados a comprá-l os também explora os operários através do matadouro muni-
em determinadas casas de negócios; caso contrário, são sus- cipal, não há preocupação com os locais de funcionamento
pensos. Tanto operários que fazem parte da Liga Operária das oficinas e fábricas. O município fecha os olhos a todas
como aqueles que participaram de movimentos grevistas são as irregularidades. O importante é que as oficinas e fábri-
despedidos, retirando-se-lhes o pagamento correspondente cas se multipliquem, pois também aumenta proporcional-
a quinze dias. Quando há uma inovação técnica na fábrica, mente a arrecadação dos impostos.
desconta-se do salário do operário uma quantia para o ba- Os militantes anarquistas e anarcossindicalistas que
tismo da mesma'". atuam nos jornais La Battaglia e A Terra Livre publi-
~,. Por meio desse trabalho temos informações do tipo de cam diariamente notícias das condições de trabalho nas
II construção dos prédios das oficinas e fábricas. Raramente fazendas e, principalmente, nas cidades. Raramente no-
são construções modernas; as mais comuns funcionam em ticiam as condições de trabalho e dos movimentos ope-
prédios adaptados, sem ar e luz. Os locais são insalubres, rários de outros Estados da federação. Esse trabalho
geralmente de cimento, cobertos de zinco. O chão é de ter- de denúncias dos próprios trabalhadores mostra as con-
ra batida ou cimento. O trabalho é desenvolvido em meio dições de vida e trabalho a que estão submetidos os ope-
à poeira. As salas de tecelagem têm somente quatro jane- rários nas oficinas domésticas, empresas manufaturei-
las, o que é insuficiente, pois nesses locais trabalham geral- ras e fabris, tanto em diferentes localidades da cidade
mente 150 operárias. Existem máquinas perigosas que de São Paulo como em alguns municípios do interior do
atravancam o recinto e que, por funcionarem o tempo to- Estado, analisando o processo de produção na tentativa
do, quebram-se com facilidade, causando acidentes. Os pa- de fazer ver aos trabalhadores o grau de exploração e opres-
trões exigem que os locais de trabalho sejam bastante limpos, são a que estão submetidos, pois cabe a eles se unirem e
o que é feito com as máquinas em funcionamento. Nas agirem para fazer mudar a situação e resolver o problema
social.
20 CL La Battaglia, n. 120,28 abro 1907; n. 130,21 jul. 1907; n.131, 28
jul. 1907; n, 140,6 out. 1907; A Terra Livre, n. 11,28 jun. 1906; n. 46,
15 set. 1907. 22 Cf. A Terra Livre, n. 6,24 mar. 1906; La Battaglia, n. 35,19 mar. 1905;
21 CL A Terra Livre, n. 31,28 jul. 1907; La Battaglia, n. 128,7 jul. 1907. n. 72, 18 mar. 1906; ll. 121, 5 maio 1907; n. 130, 21 jul. 1907.
52 53
II
Essa atuação é realizada em quase todo o período, mas uma categoria específica de trabalhadores estende-se a ou-
é na ocasião das greves I quando há paralisações generali- tras categorias na luta pela redução ou regulamentação da
zadas da maioria das categorias e dos ramos da produção jornada de oito horas de trabalho. Há também setores e ca-
- que se intensifica, oportunidade em que são realizadas tegorias que fazem reivindicações específicas de trabalho,
pesquisas nos locais de trabalho, incentivando-se os operá- de aumentos de salários, de prazos de pagamentos; porém,
rios a enviarem à redação dos jornais respostas aos formu-
lários informativos sobre as condições de trabalho.
a articulação geral se faz pela reivindicação da jornada de
trabalho de oito horas+'.
li
Entretanto, não são apenas as condições de trabalho
que proporcionam aos militantes anarquistas e anarcossin- A Liga Operária e a imprensa anarcossindicalista pu-
dicalistas material para o desenvolvimento da proposta edu- blicam manifesto dirigido ao operariado e ao público em
cativa. As manifestações operárias, greves e paralisações geral, com levantamento das condições de trabalho dos fer-
constituem também oportunídades valiosas, nas quais se dis- roviários da Cia. Paulista de lundiaí. Ao mesmo tempo,
cutem as condições de opressão e exploração do sistema ca- coloca-se a liga como intermediária entre a companhia e
pitalista. os operários, levando as reivindicações à inspetoria geral da
companhia.
A comissão intermediadora não consegue sucesso nas
As greves de 1906 e 1907 negociações, só obtendo como resposta que os operários de-
vem voltar ao trabalho; mais tarde as reivindicações seriam
As manifestações operárias dos primeiros anos do sé- estudadas. E é a partir dessa resposta que os trabalhadores
culo XX tomam aspectos diversos: algumas vezes são cal- decidem pela paralisação, mas estabelecem uma data para
mas, outras violentas, longas ou curtas, conforme as a volta ao trabalho.
circunstâncias e grau de resistência dos trabalhadores. Na sede da Liga Operária realizam-se reuniões, local
Caracterizam-se por serem paralisações de categorias espe- onde se concentram operários com o intuito de esclarecer
cíficas, em geral marcadas por queixas contra chefes supe- os seus direitos, analisar o andamento do movimento e sa-
riores da administração que estabelecem regras, ber como encaminhar a luta. Fazem apelos freqüentes para
regulamentos e disciplina no trabalho, tornando as condi- que outros trabalhadores e o público em geral se unam e
ções insuportáveis. Comumente são paralisações curtas, com se solidarizem com a luta encetada pela categoria.
vitórias parciais, mas na maioria das vezes são sufocadas
Na avaliação dessa manifestação dos operários da Cia.
e sem sucesso.
Paulista, os anarcossindicalistas vêem-na como uma greve
Em 1906 a paralisação estende-se a outras categorias
de trabalhadores na cidade de São Paulo. Um dia, em sinal aparentemente vencida, em que os operários obtiveram uma
de protesto, paralisação total enquanto durar a greve. Essa vitória parcial de suas reivindicações. Mas a solidariedade
solidariedade é prestada aos companheiros que estão em gre- entre os ferroviários de outras localidades e categorias de
ve, não havendo questões específicas de melhorias, ao con-
trário do que ocorre em 1907, quando a greve iniciada por 23 CL A Terra Livre, n. 7, 12 abro 1906.
54
55 1
)1
I
trabalhadores de São Paulo sem dúvida foi um avanço na de trabalho, o que não prejudica o proprietário, que repas-
consciência de classe, segundo eles .. sa suas perdas para os trabalhadores. Consegue-se traba-
Salientam que essas lutas, embora com conquistas par- lhar algumas horas menos, mas há intensificação do
ciais, são os primeiros passos em que o operariado está me- trabalho: o que se produzia antes em doze horas agora tem
dindo forças, experimentando meios, preparando-se para de ser feito em oito. Aumenta-se o salário, mas o preço dos
a vitória completa - o fim da exploração da classe traba- gêneros de primeira necessidade também sobe, obrigando
lhadora - pois a emancipação operária não se fará em blo- o operário a fazer horas extras/".
co, mas através da ação obtida do aperfeiçoamento gradual. Daí afirmarem que o trabalhador ainda não sabe
Isso levará o proletariado a se formar em bloco no "Parti- buscar as causas que o condenam a tal martírio, não com-
do de classe", ou Partido do Trabalho, baseado em inte- preendendo, ainda, que a solidariedade na espera não tem
resses comuns a todos os trabalhadores. valor para mover obstáculos. Segundo os anarquistas, o
,. Tiram algumas lições dessa manifestação: capitalismo proletariado mundial tem de se unir em um só exército
,
~, e Estado, patrão e governo são aliados, não se podendo com- compacto contra os privilégios burgueses. A única greve
.,
i···
bater um sem combater o outro; alei não garante liberda- destinada a conduzi-lo à conquista de seus direitos é a
greve revolucionária e expropriadora: é o que procuram
des unicamente defendidas pela união e energia dos
interessados; o proletariado dispõe de grande força, mas se apressar através da propaganda educativa do ideal anar-
unido e ativo, pondo de lado o exclusivismo, as necessida- quista.
des dos agrupamentos dos trabalhadores, e as diferenças das Nota-se aí uma contradição, pois, apesar de suas co-
idéias políticas, com base comum: o sindícalismo'". locações aparentemente contrárias à greve, toda vez que sur-
Ressaltam ainda os anarcossindicalistas que as lu- ge um movimento de trabalhadores os anarquistas se
tas operárias ocorridas nesses primeiros anos do século colocam à disposição dos grevistas, justificando que tanto
nem sempre foram vitoriosas, isso devido ao desprepa- o governo corno autoridades que deveriam conservar-se neu-
ro e à falta de coordenação. Daí considerarem a neces- tras tomam partido dos patrões.
sidade urgente de um trabalho paciente de instrução e or- Assim, apesar de suas manifestações aparentemente
ganização do proletariado, realizado pelos mais ativos e contrárias à greve, colocam-se à disposição dos grevistas no
conscientes. sentido de promover a união e solidariedade, esclarecendo
Os militantes anarquistas são teoricamente contrários e educando os operários para mostrar-lhes que a essa opres-
à tática das greves parciais ou gerais quando não acompa- são burguesa deve responder todo o proletariado, agindo,
nhadas da expropriação, pois, se assim não for, o prejuízo abandonando o trabalho, declarando a greve geral, pois os
ao capitalismo é nulo. Quando os operários conquistam al- trabalhadores organizados, ou não, devem lançar-se à lu-
gumas melhorias econômicas, estas são passageiras: há ape- ta. Sua palavra de ordem é trabalhadores à luta contra to-
nas pequenos aumentos de salários, diminuição de horas dos QS patrões, contra todas as formas de exploração que
tornam insuportável a existência, contra todo governo que Nota-se que muito embora os anarquistas sejam teo-
se declare favorável ao capitalismo, contra os agentes poli- ricamente contra as greves parciais, chegam a admitir que
ciais a serviço da burguesia. Que a coalizão capitalista en- essas lutas são as primeiras tentativas, os primeiros passos
contre uma barreira à solidariedade e organização necessários para medir armas e força com o adversário
simultâneas dos trabalhadores, sem exceção. Pregam a re- secular. São importantes, pois deixam claro o antago-
sistência, com enfrentamento, por parte do proletariado, nismo de classes, que em breve se tornarão fecundos: é
contra o capitalísmo'". o que propõem apressar com o trabalho educativo de cons-
Os anarquistas salientam, ainda, que apesar de a ma- .cientização.
nifestação operária ter despertado a solidariedade de outros A manifestação operária de 1907 pode ser classificada
trabalhadores da categoria e da cidade de São Paulo - que como interprofissional, atingindo simultaneamente quase to-
dos os ramos da produção. Inicia-se com os condutores de
declararam greve em sinal de protesto -, da extensão do
veículos, que, através do sindicato de veículos, enviam, em
movimento, multiplicando-se, sublevando o espírito de clas-
'r nome de todos os associados, circular aos patrões reivindi-
se, infundindo pânico entre os dominadores, ela não pas-
í sou disso.
cando a jornada de trabalho de oito horas - sem diminui-
ção nos vencimentos -,"um descanso semanal, abolição do
O erro que viram nesse movimento foi o fato de os ope-
trabalho por peça/".
rários que atuaram na greve - os anarcossindicalistas da
O movimento iniciado por uma categoria de trabalha-
liga de resistência - aparecerem à massa como depositá-
'\ dores estende-se rapidamente a outros ramos da produção:
,I rios da força coletiva que obrigaria os patrões a capitula- mecânicos, marmoristas, varredores de rua, trabalhadores
rem e cederem às reivindicações dos operários. do correio, ourives, pintores, jardineiros, tecelões. Há par-
'I
1'1 O fracasso do movimento deveu-se a que a maioria dos ticipação de homens, mulheres e crianças; enfim, de quase
grevistas estava privada de educação política. Seria neces- todas as categorias de trabalhadores..
,li sária uma ativa propaganda para que, antes de entrarem em A duração do movimento variou conforme o atendi-
greve, os grevistas inutilizassem as máquinas, obtivessem mento da reivindicação básica da categoria profissional ~
condições de se colocarem em posição de impedir que os redução da jornada de trabalho a oito horas. Muitas vezes
krumiros os prejudicassem, fazendo frente aos bandos ar- a paralisação reiniciou-se pelo fato de os patrões, após ha-
mados do governo. Seria necessário pegar nos armazéns os \
verem cedido ao pedido das oito horas de trabalho, quere-
produtos do trabalho apropriados pelos patrões, propagan- rem, mais tarde, fazer voltar ao horário antigo.
do a necessidade de expropriar a burguesia, devendo a pro- Além dessa manifestação operária ter-se baseado na rei-
priedade dos meios de produção ser colocada à disposição vindicação básica e nos aumentos dos salários, há também
dos trabalhadores/". outras variações, como: estabelecimento dos prazos dos pa-
gamentos - se quinzenal ou mensal - abolição do tra-
balho por peça, inovações técnicas na confecção do traba- rem as reivindicações e se organizarem em associações de
lho, aumento de 25070 sobre o trabalho noturno, duas fol- resistência.
gas mensais remuneradas, uma hora de almoço, em vez de Em certos momentos, quando a luta torna-se agu-
meia, fim das multas, melhores tratos dos superiores. da, os anarcossindicalistas aproximam-se dos anarquis-
A reivindicação dos operários pela redução da jor- tas, pois, além de chamarem os trabalhadores para a união
nada de trabalho a oito horas diárias é justificada e apoia- e solidariedade, organizando-se em associações de resis-
da pelos militantes anarcossindicalistas, que a consideram tência para a luta e ação, chamam os operários para agi-
justa para que o operário possa ser promovido de "coisa rem com energia, ferindo os capitalistas em seus interes-
a pessoa" , de "máquina a gente" , ter uma vida normal de ses. Tais operários eram também conclamados a se junta-
criatura humana, poder ter família, instruir-se, fazer par- rem à greve, à sabotagem e ao boicote, de forma a enfren-
te das associações operárias. Trabalhando de dezesseis a tarem o inimigo".
dezoito horas ao dia o indivíduo deixa de ser homem pa- /
;',
Os militantes anarquistas são teoricamente contrários
ra ser máquina ou, mafs exatamente, simples acessório
à tática da greve parcial ou geral, freqüentemente usada pe-
mecânico/".
los trabalhadores na luta capital-trabalho, pois traz da-
Embora a questão da limitação da jornada de traba-
nos gravíssimos aos operários, quando não acompanhada
lho em oito horas diárias e a regulamentação dos prazos dos
do enfrentamento para a expropriação burguesa. Assim, o
pagamentos - reivindicações básicas dessa manifestação
prejuízo que a classe operária poderia causar ao capitalis-
operária - tenham sido colocadas e discutidas no Congresso
mo não se efetiva.
Operário de 1906, não nos parece terem resultado unica-
mente da influência e incitamento da ação dos militantes Os anarquistas, no entanto, reconhecem que não é pa-
anarcossindicalistas e de meia dúzia de agitadores de ofí- ;>'1. ra se divertir que os operários declaram greve. Quase sem-
cio, como querem fazer ver os capitalistas e a grande im- pre, antes de abandonarem o trabalho, procuram fazer o
prensa. Até certo ponto parece-nos um movimento patrão compreender o porquê das reivindicações. Mas é pre-
"espontâneo" resultante da fadiga brutal a que os operá- ciso que quando os operários declararem que estão em gre-
rios estão submetidos. Expressa uma manifestação do mal- ve haja solidariedade, condição essencial de sua redenção
-estar, resultado de um momento da luta de classes. política e econômica. É necessário que os trabalhadores es-
A atuação prática dos anarcossindicalistas, no momen- tendam sua ação a todos os exploradores, desertando das
I' to da manifestação, traduz-se em registrar e formular as rei- oficinas, fábricas e campos - numa greve geral e revolta
vindicações comuns, defendendo os interesses das categorias de todos - para que todas as riquezas pertençam à huma-
de trabalhadores, realizando reuniões para a defesa dos es- nidade livre e para que o homem, com seu trabalho, possa
forços solidários de todos os indivíduos conscientes e ati- viver 'segundo suas aspirações. Isso mediante a greve geral
vos, incentivando-os, através da imprensa, a formula- e a revolução.
29 Cf. ibid., n. 34, 25 maio 1907. 30 Cf. ibid., n. 27, 22 fev. 1907.
60 61
Os anarquistas reconhecem que, nesse movimento por ciência de classe que os levará à insurreição popular, rom-
reivindicação econômica imediata, a jornada de trabalho de pendo as correntes que os prendem à moral, à religião e ao
oito horas é um movimento parcial, mas expressa o mal- capitalismo.
-estar geral dos trabalhadores; é o despertar da consciência Para os anarcossindicaIistas, a via educativa é uma for-
proletária, momento em que a massa trabalhadora, não só ma de conscientízação para organizar os trabalhadores em li-
do Brasil, mas do mundo todo, se levanta contra a explora- gas, uniões de ofícios, associações operárias, sindicatos, sendo
ção patronal. Move-se, assim, o exército da revolução so- que a união dos seus membros é demonstrada através da cons-
cial que marcha para pôr fim aos privilégios e para cientização da necessidade da luta pela abolição do sistema
conquistar seus direitos. ássalariado e pelo reconhecimento da luta de classes.
O espírito revolucionário da massa está fundado so- Nessas associações de resistência busca-se a coordena-
bre razões essencialmente econômicas - para limitar a ex- ção de esforços para o aumento do bem-estar, com melho-
ploração patronal -, mas estas não são mais que um t: rias econômicas imediatas. Esse trabalho inicial dos grupos
pretexto a que mira o prolêtariado moderno; é uma forma de resistência dos sindicatos - fazer frente às imposições
de agitação que tende a chamar a atenção da massa para do capital - irá levar à revolução social. Aconselha-se a
seus problemas mais palpitantes, fazendo-a interessar-se pela greve geral como meio de alcançar esse fim. Os sindicatos,
luta, com a intenção de realizar o grande objetivo final: a atualmente agrupamentos de resistência, serão, no futuro,
destruição do sistema capitalista. os responsáveis pela produção e distribuição na nova orga-
Os libertários - anarquistas e anarcossindicalistas - nização social'".
reconhecem que embora já seja hora de acabar com a ex- Segundo os anarcossindicalistas, é essa luta quoti-
ploração do homem pelo homem e com a dominação de clas- diana e aspectos do movimento que permitem ao prole-
se, o momento parece não ser ideal, pois a massa está longe tariado tomar consciência das tarefas futuras; a experiên-
de ter essa clareza. cia adquirida numa série de lutas parciais e preparató-
Deve-se salientar, porém, que para os anarquistas a via
rias que poderá deseinbocar na revolução social. É nessas
educativa é importante e suficiente para despertar a cons-
greves que as organizações operárias avaliam suas forças
ciência proletária acerca da indiferença para com os princí-
para saírem renovadas; também nelas deve-se ditar a con-
pios de liberdade e justiça. Assim, forma-se uma consciência
duta das associações operárias, seja num movimento geral
de classe para que este seja um exército unido e preparado
ou parcial.
para a ação revolucionária. Folhetos, livros, reuniões, re-
Para os anarquistas e anarcossindicalistas, a greve geral
presentações dramáticas, conferências, centros de estudos
é o supremo esforço ao qual deverá recorrer o proletariado
sociais e, principalmente, o jornal La Battaglia, são utiliza-
para alcançar a emancipação integral. É essa parada unâni-
dos como veículo educativo.
me e concentrada da produção que arrastará à revolução,
Da palavra fazem ação. Não dão trégua ao parlamen-
to e a todos os que exploram e oprimem a classe trabalha- transformando a sociedade vigente em sociedade anárquica.
dora, sob pretexto de manter a ordem burguesa. Essa ação,
segundo eles, irá despertar nos trabalhadores uma COllS- 31 Cf. ibid., n. 2,13 jan. 1906; n. 3, 7 fev. 1906.
62
A associação ou organização, para os anarcossindica- solidariedade voluntária. Através da livre discussão e edu-
listas, é concebida como um organismo destinado à defesa cação mantém-se vivo o espírito de iniciativa e curiõsi-
dos interesses dos trabalhadores; é o órgão de luta contra dade por todas as questões, grandes e pequenas, teóricas
a exploração capitalista. As associações operárias recebem e práticas, uma vez que ação e estudo são inseparáveis;
diferentes nomes; a mais perfeita, embora não sem defei- coadunam-se. Assim, prepara-se e procura-se coordenar as
tos, é o "sindicato" francês aderente à CGT, que é pura- forças dos operários para que eles possam agir constante-
mente de resistência. Essas associações visam conquistar mente na luta pela acumulação dos meios de defesa morais
melhoramentos, tornando menos pesada a condição de as- e materiais.
salariado, mas têm também o caráter revolucionário, à me- Não são as sociedades de resistência que decretam e fa-
dida que seu valor está em colocar resolutamente o operário zem os conflitos operários. O sindicato toma parte na pre-
frente ao patrão, aclarando a luta de classes e exercitando paração da resistência, limitando-se à propaganda, à
para a greve geral, revolucionária e expropriadora dos meios 1'11 formação da consciência. Portanto, a greve resulta e tira
de produção". ' sua força de condições, em grande parte, estranhas à ação
Os anarquistas e anarcossindicalistas discutem a pro- sindical.
posta de organizar os operários e formulam questões co- A organização operária não é decerto uma entidade in-
mo: é possível uma forte organização de classe em plena dependente dos que a compõem. Aos mais ativos, conscien-
sujeição econômica e política? A organização é vantajosa? tes e emancipados compete comunicar suas idéias, energias,
É revolucionéria'r' tendências e concepções aos companheiros, com procedi-
Para os anarcossindicalistas partidários da organiza- mentos de palavra e exemplos, salientando, porém, que as
ção de classe, ela é tanto possível que existe. Admitem que organizações operárias assim embasadas não aceitam a po-
a organização por si só não é suficiente para resolver o pro- lítica parlamentar; fazem luta política contra o Estado, au-
blema social, necessitando-se também de um trabalho de toridades e todo poder político defensor do capitalismo.
.educação política do proletariado, que seria realizado nas Tanto essa luta como a econômica são pela ação direta" .
associações operárias. A atuação dos anarcossindicalistas é marcada pela edu-
Se todos os que lutam pela emancipação da classe tra- cação associativa da classe trabalhadora, pois ao mesmo
balhadora admitem que a ação operária é uma realidade per- tempo que o agrupamento de pressão e resistência às impo-
manente e que a greve não passa de um episódio - é apenas sições do capital faz obra reivindicatória, coordenando es-
um exercício -, tem-se que admitir que a ação da organi- forços para o aumento do bem-estar dos assalariados -
zação operária deve ser constante. É por meio da prática trabalho de conscientização de classe -, faz também um
associativa que companheiros de trabalho se unem a outros, trabalho revolucionário, à medida que as associações estão
formando um sindicato, agrupamento de iniciativa, com constituídas na preparação da luta, na acumulação de me-
lhorias econômicas e na educação política da classe traba-
ICr. A Terra Livre, n. 1, JO dez. 1903.
-cr. La Battaglia, n. 35, 19 mar. 1905. 3 Cf. A Terra Livre, n. 2,13 jan. 1906; n. 21,27 novo 1906; n. 40, 7 jul.l907.
66 67
lhadora, preparando o caminho para que esta desemboque pois as condições dos operários só mudarão quando tal es-
na greve geral e revolução. tado de coisas for definitivamente substituído por uma so-
Greve geral e revolução social, para os anarcossindi- ciedade mais homogênea, justa e igualitária, bastando para
calistas, não resultam de um ato impulsivo e espontâneo da isso que os indivíduos caminhem juntos e resolutamente con-
massa trabalhadora, como vêem os anarquistas, mas da ação tra a sociedade burguesa. Não é necessário um trabalho pre-
operária, uma vez que esta é uma realidade em luta contra paratório, experiência, plano de ação, pois ao proletariado
a classe capitalista. Não é uma ação da organização da gre- basta ter iniciativa individual, espontaneidade. O trabalho
ve, considerada apenas um episódio, mas um meio de luta de conscientização educativa da classe é suficiente para que
sem um fim em si mesmo, um exercício preparativo, de ex- a massa trabalhadora chegue à greve geral e à revolução.
periência, medidor de forças, renovando-se constantemen- Os anarcossindicalistas consideram passageiras as me-
te até a parada unânime e completa da produção capitalista. lhorias econômicas obtidas. Mas será nesses movimentos de
IJ t Os anarquistas não aceitam a via organizacional pro- pressão contra as imposições do capital, na ação quotidia-
I
posta pelos anarcossindícalístas, porque não acreditam na na das lutas reivindicatórias, de objetivos puramente eco-
possibilidade de solidariedade profissional numa organiza- nômicos, que os trabalhadores conseguirão aguçar a luta
ção social embasada na superprodução e concorrência dos de classes para desembocar na ação revolucionária e expro-
trabalhadores no mercado da força de trabalho. Com a larga priadora da classe capitalista.
aplicação da maquinaria na indústria e com o aumento ca- Os anarcossindicalistas argumentam, ainda, que os
da vez maior do número de trabalhadores haverá sempre anarquistas, defendendo a posição da espontaneidade, ne-
condições para a exploração e opressão. Logo, não é possí- gam a eficiência da luta entre operários e patrões. Di-
vel haver solidariedade, união centralizadora, onde houver zem que as lutas parciais valem como lições. Assim como
concorrência de atividades e aptidões. a propaganda das idéias é um despertar da consciência
I
Os anarquistas também não aceitam que as associações para evidenciar o antagonismo entre as classes - opresso-
I operárias embasadas na solidariedade moral e material fa- ra e oprirr:.ida -, também as lutas operárias, embora par-
çam obra reivindicatória para melhorar as condições de vi- ciais e com derrotas, são uma preparação para a bata-
da e trabalho, pois são reformas efêmeras, superáveis, que lha decisiva, um incitamento à resistência, para futuras vi-
não prejudicam os capitalistas. Segundo eles, as associações tórias. Assim como a propaganda teórica é útil e neces-
operárias baseadas nas reivindicações legais estão iludindo sária, também o é a organização associativa da classe tra-
a massa trabalhadora, pois a questão social não pode ser balhadora, baseada nos princípios de solidariedade, edu-
resolvida por ilusões e propostas de harmonização de clas- cação e luta".
se. Não podendo ir além da revolução política, as organi-
No início do século, momento em que o operariado
zações operárias, corporativistas ou não, são tão utópicas
brasileiro parece se despertar para a luta de classes, as ma-
quanto a sonhada preponderância parlamentar defendida
nifestações expressam-se em greves constantes e ininter-
pelos reformistas da socialdemocracia.
Portanto, as organizações operárias não podem ser
consideradas como centro de edificação revolucionária, 4 Cf. La Battaglia, n. 35, 19 mar. 1905.
Lc..- - - - - - - -- - -- L f M
69
68
ruptas. A militância socialista, anarquista e anarcossindi- Os anarcossindicalistas justificam sua atuação junto ao
calista, que tem como meta orientar os trabalhadores na su- proletariado argumentando que a única base de acordo exis-
peração do problema social, percebe que a diferença de tente e possível, desde o sindicato até o partido operário,
propostas na condução da luta é prejudicial ao proletaria- consiste nos interesses econômicos comuns a todos os tra-
do, propondo então, em vários momentos, um entendimento balhadores. Só eles podem agrupar e solidarizar os operá-
entre as diferentes tendências, mas não consegue. rios que lutam pela sua emancipação, muito mais que
Embora na concepção teórica dessas tendências haja quaisquer princípios políticos. O verdadeiro partido operá-
pontos comuns - que a luta operária em todo o mundo rio não baniria de sua atividade a luta política, mas unica-
começa a manifestar-se, que a luta de classes é ocasionada mente as táticas políticas que dividissem o proletariado.
pelo próprio regime de produção capitalista e que há neces- Assim também as associações operárias, embora neutras em
sidade de solucionar o problema social -, não há entretanto política, não deixam de lutar contra as arbitrariedades go-
coincidência entre eles quanto à forma de encaminhamen- vernamentais e policiais, contra a intervenção da autorida- ,
to prático da luta. ' de política nas greves e nos conflitos capital-trabalho,
Enquanto os socialistas concentram sua atuação em contra a violência dos direitos de associação, reunião e uso
organizar o partido político para a conquista do poder, da palavra.
para que a classe trabalhadora possa efetivar a trans- Os operários devem constituir-se em sindicatos profissio-
formação da sociedade capitalista, os libertários mostram- nais ou por indústrias, reunidos em federações, que se unem
-se contrários à via parlamentar e eleitoral de encaminha- numa confederação. Inicialmente essas federações são limita-
mento reformista. Essa via, segundo eles, só confirma o Es- das a um país para, mais tarde, se ligar a outras internacio-
tado burguês, que desejam destruído via ação direta e nais, formando um grande e sólido partido, com base firme,
revolucionária. constituído de baixo para cima, do simples ao composto, sem
Mas a ação direta, para os anarquistas, será atingida comitês diretivos ou cabeças. É a autonomia do indivíduo den-
pela espontaneidade dos indivíduos, concentrando sua atua- tro do sindicato, do sindicato na federação e da federação na
ção na propaganda educativa do ideal anarquista, na evi- confederação: a liberdade na unidade. Esse é o organismo vi-
denciação do antagonismo de classes para conscientizar os vo que em todas as partes faz apelo a todas as energias, pela
trabalhadores, na tentativa de que estes, espontaneamente, propaganda e pela ação: O Partido do Trabalhos.
cheguem à ação revolucionária e reorganizem a sociedade
comunista-anárquica. Já para os anarcossindicalistas, a ação
direta se concretiza fundamentalmente na organização de Os congressos operários
classe. Concentram sua atuação na educação associativa do
proletariado, organizando os trabalhadores em associações Na perspectiva de resolver o problema social, realiza-
de pressão e resistência para que enfrentem a coalizão capi- -se em 1902, no Rio de Janeiro, o 11Congresso Socialista
talista até chegarem à nova organização política livre, em
que o sindicato de trabalhadores será responsável pela pro-
5 Cf. A Terra Livre. n. 3, 7 fev. 1906.
dução e distribuição.
70
\
.-
sileiro avançar nas lutas já iniciadas, que são um despertar
71
corporativismo ficaria toda a cargo do operariado, facili- e com o fim de facilitar e promover a formação de outras
tando mesmo ao patrão as imposições das suas condições. associações de resistência.
Essas obras secundárias, embora trazendo ao sindicato gran- O congresso considera que as questões operárias só po-
de número de aderentes, servem muitas vezes para embara- dem ser resolvidas pelos próprios interessados, daí delibe-
çar a ação da sociedade, desviando-se inteiramente do fim rar que os trabalhadores se organizem em sociedades de
a que fora constituído, isto é, a resistência. resistência, unidas pelo pacto federativo. Não devem admitir
O valor da resistência é demonstrado pelo raciocínio ~\ patrões nem quaisquer espécies de não-trabalhadores, mas
de que se os patrões procuram dar o mínimo em troca da unicamente assalatiados que não explorem por sua conta
maior soma possível de trabalho, só por meio da resistên- operários ou aprendizes. Devem também as organizações
cia e solidariedade dos trabalhadores associados para uma operárias repelir a remuneração dos cargos, salvo nos ca-
ação consciente e enérgica é que os trabalhadores podem sos em que a grande acumulação de serviços exija, tempo-
I,
elevar e melhorar as condições de trabalho e o nível de vida Ir
rariamente,que um operário se consagre inteiramente a ele,
1\ não devendo, porém, receber ordenado superior ao salário
i, proletária. .•.
I'1
Se o operariado está exercitado na luta através da edu- normal da profissão a que pertença. Institui, ainda, que os
sindicatos procurem substituir suas diretorias por simples
cação, compreende as causas do mal-estar que é toda orga-
comissões administrativas - unicamente com delegações de
nização do sistema capitalista, preparando o espírito de
funções -, porque, considerando-se que o sindicato é uma
revolta que é dado pela ação solidária, que, por sua vez,
coesão de operários que se unem para uma ação contra o
prepara e produz a ação. Está aí a razão da organização
I, capital, tal ação deve ser de todos, pois do contrário seria
e ação sindicalista, em que o operário .enfrenta o patrão,
insubsistente. As delegações de poder, ou mando, não de-
considera-o parasita, discute com os companheiros os inte-
1'11 vem fazer parte dos sindicatos, pois levam os operários à
resses profissionais, adquire o hábito de solidariedade,
obediência passiva e prejudicial nas lutas operárias;
educa-se no antagonismo de classes e intervém na vida so-
I'"
'I
Pelas resoluções do congresso conclui-se que as orga-
1I1 cial, age para mudar sua situação com vistas à ação revolu- nizações operárias - sindicatos - são agrupamentos de tra-
cionária. balhadores assalariados com interesses econômicos comuns
A propaganda educativa, a organização sindicalista e e que exercem uma ação sobre os donos do capital - auto-
a luta levam o trabalhador a compreender a essência do sis- ridade política - através dos próprios meios da associação
tema, preparando-o moral e materialmente para atingir a para a qual se constituiu, que é a ação direta e contínua de
expropriação burguesa. pressão e resistência. O congresso deixa claro que fora do
O Congresso Operário de 1906, ainda dispondo sobre sindicato os indivíduos e grupos políticos partidários podem
organização, aconselha que de preferência os operários se ter ações e táticas particulares.
agrupem em sindicatos de ofícios, nas profissões isoladas O operário economicamente organizado em sindicato
e independentes, por indústrias, quando vários ofícios es- deverá ter como ação todos aqueles meios que dependem
tão inteiramente ligados ou anexos na mesma indústria. A do exercício direto e imediato da sua vontade, como gre-
união de ofícios vários só deve ser feita em último caso ve parcial ou geral, boicote, sabotagem, manifestação
J
I
74 75
pública etc., variáveis segundo as circunstâncias de lugar e uma ativa propaganda do sindicalismo - dos fins e méto-
momento. dos de luta das associações de resistência através de jornais,
A tática de luta, ação direta e contínua de pressão e folhetos, cartazes, manifestações dramáticas, criação de bi- II
resistência ao capital, é justificada porque aos adversários, bliotecas; empreender uma forte campanha contra a guer-
classe capitalista e instituições que a mantêm, nada se deve ra, o militarismo e a intervenção da força armada entre
pedir, pois apenas o espírito de luta e de ação sem tréguas assalariados e patrões; sempre que se verificar qualquer de- I!
mantém o espírito de revolta dos operários, que nunca se sastre - acidente de trabalho -, que os sindicatos arbitrem
darão por satisfeitos enquanto os trabalhadores forem ex- a indenização que o patrão deve pagar; procurar tornar mais
plorados e oprimidos. Os trabalhadores experientes sabem curtos possível os prazos dos pagamentos; rejeitar o traba-
que não basta que uma de suas reivindicações seja codifi- lho por obra ou por empreitada; adotar meios apropriados
cada em lei pelo Estado burguês; é indispensável uma forte para impedir o aumento dos aluguéis; fazer esforços para
organização para que tal lei seja aplicada, não importando (,. a organização operária em sindicatos, incluindo aqui os tra-
se é ou não codificada. É pór isso que hoje os operários pou- balhadores das fazendas; comemorar o 1? de maio de ma-
co se preocupam com a "legislação operária" , que pode fi- neira adequada".
car letra morta, inútil, inaplicável, além de reforçar o Estado Outra colocação discutida no Congresso Operário de
burguês, ao qual os operários são contrários e cuja destrui- 1906 e motivo de muitos debates refere-se à seguinte ques-
ção desejam. tão: a sociedade operária deve aderir a uma política de par-
O congresso preferiu propor a luta por melhoria das tido ou conservar sua neutralidade? deverá exercer uma ação
condições de trabalho através de uma redução da jor- política?
nada deste, ao invés de um aumento salarial. Assim, os Fica claro, nas resoluções do congresso, nas posições
trabalhadores foram encorajados a envidar os maiores es- teóricas e na prática adotada pelos anarcossindicalistas, que
forços 1--. a a obtenção das oito horas diárias, sem di- o sindicato só exige de seus associados voluntários uma única
minuição dos salários. Argumentou-se que a redução da qualidade - que sejam trabalhadores assalariados; assim
jornada diária de trabalho diminuiria o número de de- sendo, é de fato um órgão de classe e faz luta de classes.
socupados, elevando os salários; influiria na necessidade do Em sua ação, "pode o sindicato confirmar certas teorias
bem-estar, aumentando o consumo e, daí, a produção; anarquistas, pode fazer política", mas essa ação é feita com
facilitaria a dedicação aos estudos, a educação associa- meios próprios do sindicato, ou seja, ação de classe direta
tiva e a emancipação intelectual; daria combate ao alcoo- e autônoma.
lismo, fruto do excesso de trabalho exaustivo e embru- O sindicato não adere coletivamente a nenhum parti-
tecedor". do político ou religioso. Deve ser neutro, embora não
Ao mesmo tempo, o congresso apresenta outras pro-
postas: os sindicatos operários devem realizar no Brasil
8 As colocações das resoluções do I Congresso Operário Brasileiro foram
_._~ ~ _ d « •
76 77
Cada trabalhador de tecelagem entrará na entidade vo- em associações de resistência, quer por reunião de traba-
luntariamente, contribuindo para as despesas do sindicato lhadores assalariados em indústrias ou por categorias em
com a quota de 1$000réis por mês, caixa esta destinada uni- ligas, uniões de ofícios, sindicatos. Uma vez fundada a as-
camente à resistência, sendo que em caso de doença ou de- sociação realizam-se reuniões, em que os operários discu-
semprego forçado por mais de quinze dias a quota lhe será tem com os companheiros suas condições de trabalho e,
facultativa. conseqüentemente, de vida, seus problemas, interesses e as-
A administração da sociedade sindical será feita por pirações comuns.
uma comissão de sete membros eleitos em assembléias, dis- Em conjunto, os associados e militantes, que se consi-
tribuindo entre si os trabalhos; apenas o tesoureiro será eleito deram operários mais cultos, discutem, formulam e apre-
sentam reivindicações comuns. Estão fazendo um trabalho
separadamente. A comissão administrativa - eleita por um
de conscientização educativa do antagonismo de classes; ao
ano - terá funções executivas, nunca de mando, reunindo- -, mesmo tempo, via organização sindical, concentram esfor-
-se uma vez por mês ou sempre que necessário. Se as cir-
ços para o encaminhamento da luta para resolver o proble-
cunstâncias exigirem algum trabalho que a comissão não
ma social.
possa executar, esta procurará auxílio entre os associados;
Das assembléias saem propostas reivindicatórias co-
se houver necessidade de remunerar alguém para esse fim,
muns, e os núcleos que se formam dentro das associações
o pagamento será feito enquanto durar o serviço, sendo que
de resistência enviam circular dessas propostas aos patrões,
o valor da diária percebido pela pessoa deverá estar de acor-
estabelecem prazos às respostas a serem apresentadas por
do com o de seu trabalho de origem.
estes à sede da associação, que normalmente é a Federação
O sindicato fixa ainda que o tesoureiro não poderá ter Operária; quando o prazo se esgota, não havendo respos-
em seu poder mais de 50$000 réis, devendo apresentar ba- tas às reivindicações ou com negativas ao seu atendimento,
lancetes das entradas e saídas, e que a comissão executiva
os operários entram em greve.
só poderá fazer despesas de secretaria e outros gastos me- A entidade associativa, nesse caso, recomenda a resis-
diante autorização de assembléias. tência, apelando para a "firmeza", "união" e "solidarie-
Tanto essa associação operária como outras - ligas, dade" dos operários; lança manifestos e boletins pela
uniões, sindicatos formados na linha de orientação anar- imprensa, explicando o porquê da greve aos operários da
cossindicalista - estão filiadas à Federação Operária de São categoria, às demais categorias e ao público em geral.
Paulo ou à Federação Operária Regional do Rio de Janei- Quando a paralisação se prolonga, sem nenhum resul-
ro, e estas à Confederação Operária Brasileira, não apre- tado positivo, os trabalhadores, em assembléias, chegam a
sentando diferenciações de programas, constituição e decretar outros meios de luta: boicote e sabotagem. Tam-
administração-", bém são comuns atividades de ajuda material aos operários
A atuação prática dos anarcossindicalistas concentra- mais necessitados, como fundo de greve, proveniente das
-se na propaganda educativa para organizar o proletariado quotas pagas pelos sócios à entidade.
Durante todo o período analisado - primeira década
12 Cf. ibid., n. 2, 13 jan. 1906. do século - observamos a existência de inúmeras associa-
80
cípios de orientação. Considera, ainda, o trabalho educati- preensão do sentido das greves, ao criticarem as paralisa-
vo de conscientização suficiente para levar a classe traba- ções de trabalhadores apenas como momentos de espera do
lhadora espontaneamente à greve geral e à revolução. atendimento das reivindicações de forma passiva, pois con-
A nosso ver, a participação dos anarquistas fica um sideram que os trabalhadores devem avançar além da para-
tanto difusa e perde sua força com relação à participação lisação, usando outros meios, como boicote, sabotagem às
nas tentativas de revolucionar a vida social, na medida em fábricas e aos produtos das empresas que recusam atender
que negam a necessidade da organização, bem como quan- as reivindicações solicitadas. Assim, de movimentos parciais
do criticam e não aceitam as greves parciais por reivindica- podem chegar à greve geral. Outro ponto de aproximação
ções econômicas, consideradas tentativas reformistas, meios entre os libertários é não se recusarem a participar desses
paliativos que não levam à superação da ordem capitalista. movimentos, os quais, ao terminarem, são submetidos a um
Ao mesmo tempo que os anarquistas estão reduzindo a ação processo de avaliação.
a um ato impulsivo e dryendente da vontade dos indivíduos, Mas é interessante observar a divergência entre os li-
estão negando o valor das greves como meio de luta que bertários com relação às greves, pois enquanto os anarcos-
pode desembocar num movimento mais amplo. sindicalistas concebem as greves parciais como sendo apenas
Já os anarcossindicalistas, cuja atuação é marcada tam- experiência política, os anarquistas concebem-nas como pa-
bém pela via educativa de conscientização política de clas- liativos.
se, atuam sobretudo valorizando a organização, levando os Os anarcossindicalistas parecem compreender melhor
trabalhadores a fundar ligas, associações operárias, uniões a situação concreta vivenciada pelos trabalhadores, na me-
de ofício, sindicatos, interligados às federações, e, estas, à dida em que, coerentes com suas posições, atuam e partici-
Confederação Operária Brasileira, para futuramente che- pam de forma mais efetiva junto aos trabalhadores,
gar à formação do Partido do Trabalho. discutem seus problemas, formulam reivindicações de inte-
A partir dessa tendência de orientação anarcossindi- resses comuns, enfim, unem-se e solidarizam-se com eles.
calista, via educação e organização de classe, foi possível Já os anarquistas apenas se limitam a denunciar as péssi-
perceber como os operários empreendem várias lutas, al- mas condições de vida e trabalho dos operários, mesmo nos
gumas com vitórias parciais e melhorias econômicas ime- momentos de paralisação. Seu apoio se traduz em noticiar
diatas. Embora sejam conquistas limitadas, são um meio as greves e em apelar para que estas se ampliem, culminan-
de preparação do caminho para que a ordem vigente seja do em um movimento generalizado.
alterada. Essas greves parciais e limitadas a certos ramos Um outro ponto deve ser ressaltado na tendência liber-
são uma luta econômica, na medida em que visam melho- tária: embora seja comum os libertários entenderem que o
rar as condições dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, con- problema social só poderia ser resolvido pela revolução e
figuram uma luta política, porque pretendem com isso que esta deveria ser uma obra dos próprios trabalhadores
avançar na direção da superação da ordem capitalista pela - e nesse aspecto não divergem dos socialistas -, há dife-
greve geral e expropriadora da burguesia. renças que aparecem em relação à forma como tal revolu-
Há momentos em que os anarcossindicalistas se apro- ção é concebida, quando tratam de discutir e implementar
ximam dos anarquistas, como, por exemplo, na com- estratégias e táticas para sua realização.
85
Segundo os libertários, a revolução não deve ser media- A maioria dessas posições considera políticas somente
da pela participação dos trabalhadores na estrutura partidá- as ações que se realizam através dos canais institucionais,
ria burguesa, nem pela implantação da ditadura do localizando o exercício da política nessas instituições. Por
proletariado. Nesse sentido, eles reafirmam com grande vee- privilegiarem o partido "revolucionário" negam a prática
mência que o movimento operário não deve ser dirigido por política do proletariado nas lutas quotidianas e nos múlti-
um partido institucional - como queriam os socialistas _ plos campos da vida social; negam, principalmente, as for-
capaz de organizar a tomada do poder para a implantação mas não-organizadas ou não-institucionais de luta.
da ditadura do proletariado. Esse posicionamento, em que a Deve-se salientar que os anarcossindicalistas conside-
passagem da sociedade capitalista para a organização política ram a educação associativa - em sociedades de resistên-
livre só será conseguida pela expropriação total da burguesia, cia, sindicatos e até no Partido do Trabalho - como um
faz com que não aceitem o Estado como mediador nos con- dos passos para se chegar à emancipação, mas não como
flitos de classes, nem um partido como condutor da classe. } uma organização operária para conduzir a luta e dirigir o
É perceptível também não ser essa apenas uma diver- movimento operário.
gência entre libertários e socialistas, pois percebe-se que os A nosso ver, a primeira contribuição dos anarcossin-
primeiros não apresentam uma proposta unitária de enca- dicalistas para o movimento operário diz respeito à manei-
minhamento da luta operária para chegar à revolução. En- ra como conceberam as formas de organização independente
quanto para os anarquistas a revolução será realizada dos trabalhadores, reconhecendo sua importância como ins-
espontânea e instintivamente, desde que os trabalhadores trumento de conscientização de classe. Um de seus maiores
tenham uma educação política, os anarcossindicalistas en- méritos é o de, entendendo a importância da organização
tendem que para se chegar à revolução é necessário organi- dos trabalhadores, nela participar atuando como parte das
zar a classe operária em um Partido do Trabalho. E no f. manifestações da classe operária, permitindo a integração
entendimento que os anarcossindicalistas tinham em rela- entre militantes e a própria organização operária. Assim,
ção a esse partido, este significaria uma construção própria essa atuação não pode ser vista como exterior à classe, e
dos trabalhadores no caminho de sua luta de resistência ao não pretendiam os anarcossindicalistas dirigi-Ia ou conduzi-
capitalismo. A organização em associações de resistência, -Ia ao caminho da revolução, pois esta continua a ser uma
sindicatos, federações etc. representa passos na direção da tarefa da própria classe.
emancipação. A segunda contribuição, tanto de anarquistas como de
É desse posicionamento de os libertários se recusarem anarcossindicalistas, diz respeito ao próprio material for-
a participar na instância política formal e pela negação da necido pela imprensa libertária, excelente instrumento de
constituição do partido revolucionário que certas posições análise do movimento operário no momento histórico em
acadêmicas consideram a teoria libertária como débil, sua que os libertários atuaram, por divulgar os princípios e
estratégia utópica, uma vanguarda ingênua, não se apresen- orientações da ideologia libertária na conscientização do
tando, portanto, como um adversário político, por lhes fal- grau de exploração e opressão exercido pelo regime capita-
tar uma organização partidária. Daí seu fracasso e sua lista. Para isso, realizam inúmeras pesquisas e denúncias das
superação dentro do movimento operário brasileiro. condições de vida e trabalho a que está submetido o
86
- - .- --------- , d
88
UNHARES,H. Contribuição à história das lutas operárias no imigrantes estrangeiros -, surge daí a ambigüidade e o
Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega, 1977. fracasso dos movimentos sociais.
PEREIRA,A. A formação do PCB; 1922-1928. Rio de Ja- FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social;
neiro, Vitória, 1962. 1890-1920. São Paulo, Brasiliense, 1977.
~(\ ~í.- Ao mesmo tempo que vincula as manifestações operá-
REIs, H. Corrêa dos. Fatos do movimento operário brasi-
rias de São Paulo, no início do século, ao antagonismo
leiro, Revista Brasiliense, São Paulo, Brasiliense, n. 35,
1961. p. 70-8. capital-trabalho, reconhece que as ideologias anarquista
e socialista encontram receptividade devido às condições
O predomínio da ideologia libertária é explicado pela es-
sociopolíticas que tendiam a confirmar as ideologias ne-
trutura semifeudal do país e pela própria formação do
gadoras da organização vigente da sociedade. Salienta,
proletariado nacional, que provinha de correntes imigra-
também, o fato de São Paulo ser' 'uma cidade italiana" ,
tórias facilmente influenciáveis pela ideologia pequeno-
isto é, a composição étnica do proletariado dessa cida-
-burguesa do anarquismo. Esta fase anarquista do mo-
vimento operário é intêrpretada como um momento de
"I h de, a condição de estrangeiro que via frustrado seu "pro-
jeto de ascensão social" e daí as ações coletivas e a
certa forma espúrio do movimento; "o anarquismo sur-
ideologia negadora do sistema vigente, ficando as ações
ge como um erro sectário", desvio superado, em 1922,
com a fundação do PC. coletivas e as ideologias revolucionárias ou reformistas,
superpostas, desligadas da prática social.
TELLES,J. O movimento sindical no Brasil. Rio de Janeiro,
Vitória, 1962. RODRIGUES, J. Albertino. Sindicato e desenvolvimento no
Brasil. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968.
Em trabalhos acadêmicos, como: RODRIGUES, L. Martins. Conflito industrial e sindicalismo
CARDOSO, F. Henrique. Situação e comportamento social no Brasil. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966.
do proletariado publicado em Paris pela Revista Brasi-
Outra corrente da historiografia, como:
liense, reproduzido in: FERNANDEs,Florestan. Comunida-
de e sociedade no Brasil. São Paulo, Nacional, 1972. HALL, Michael. Emigrazione italiana a San Paolo.
Seguindo uma linha tradicional, enfatizaram a formação 1880-1920.Quaderni Storici, n. 25, gennaio/aprile, 1974..
do proletariado da época como sendo, em sua maioria, __ o Approaches to immigration history. ln: GRAHAN
composto de imigrantes, com perspectiva de ascensão so- & SMITH,P .H., eds. New approaches to Latin America
cial de "fazer América", trazendo experiências organi- , history, Austin, University of Texas Press, 1974. Ressal-
zatórias variadas, provenientes de objetivos de grupos ta que, embora a força de trabalho industrial de São Pau-
operários europeus politizados, inconformados com a ex- lo, no início do século, fosse composta em sua grande
ploração social imposta pelo capitalismo. Esses imigran- maioria de imigrantes estrangeiros, é preciso ver a con-
tes europeus tentaram organizar o operariado brasileiro tribuição destes levando-se em conta a participação nas
e fazê-lo reagir como camada social, mas como a orga- relações de produção e a realidade concreta vivida co-
nização restringia-se a limitados setores de trabalhado- mo assalariados, pois o seu engajamento nos movimen-
res pequeno número da elite operária, formada de
-r-r-
tos era mais uma reação às más condições socioeconô-
93
micas que São Paulo proporcionava, do que o fato de e que favoreceu os anarquistas que propunham que as
serem estrangeiros. relações de trabalho deveriam ser assentadas pelos pró-
PINHEIRO,Paulo Sergio. Trabalho industrial no Brasil. Es- prios envolvidos, sem a mediação do Estado. Defende,
tudos Cebrap, São Paulo, Brasiliense, n. 14, 1975. ainda, que foram as péssimas condições de trabalho e so-
Salienta a necessidade de se estudar como essas formu- brevivência que levaram os trabalhadores às lutas reivin-
lações ideológicas, ainda que importadas, serviram para dicatórias e que a falta de respostas institucionais
as propostas de redefinição da sociedade e para o movi- adequadas teria possibilitado o desenvolvimento de pro-
mento operário. Para tal, é preciso analisar a participa- gramas radicais, como o anarquismo.
ção da classe operária na produção, as condições da força
de trabalho no processo industrial brasileiro e recuperar
o conjunto das relações entre classe dominante e operária.
Rxoo, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar; a utopia da ci- \~
",
dade disciplinar Brasi1, 1890-1930. São Paulo, Paz e Ter-
ra, 1985.
t: Analisa como, nas primeiras décadas do século,
desenvolveu-se a intenção e ação da burguesia pela dis-
ciplinarização do trabalho. Visando domesticar o traba-
lhador, esbarrou com o projeto dos libertários. Em seu
trabalho, Rago chama a atenção das produções que as-
sociam a derrota do libertarismo à não-percepção da im-
t~l\ ,
portância da organização da classe operária no partido
revolucionário. A recusa dos libertários pela constitui-
, 1I
ção do partido político e a negação de qualquer partici-
SBD/FFLCH/USP
pação na instância política formal não devem nos levar
a atribuir-Ihes "falta de visão política" ou não-percepção SEÇÃO DE: HISTÓRIA TOMBO: 229364