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D ir eito T r ib u tá r io
e a C o n stitu iç ã o
HOMENAGEM AO PROFESSOR
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO
UARTIER LATIN
SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO
D ireito T ributário e
a C onstituição
H o m enag em ao P rofessor
S a c h a C a l m o n N avarro C o êlh o
Q u a r t ie r l a t in
Editora Quartier Latin do Brasil
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E d u a r d o M a n e ir a
H e l e n o T a v e ir a T o r r e s
(coordenadores)
D ireito T ributário e
a C o nstituição
H o m enag em ao P rofessor
S a c h a C a l m o n N avarro C o êlh o
ISBN 85-7674-631-X
Prefácio........................................................................................................ 9
Breves Currículos dos Professores Colaboradores destaColetânea........ 11
A Subcapitalização: Preocupação da TributaçãoInternacional............... 17
A g ostinho T offoli T avolar o
76 Cf. DERZI, Misabel. Direito tributário, direito penal e tipo. cit. p. 83.
77 Cf. TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito Tributário, cit. p. 246.
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S a n ç õ e s P o l í t i c a s n o D ir e it o T r i b u t á r i o :
CONTEÚDO E VEDAÇÃO
Paulo Caliendo
In tr o d u ç ã o
O presente trabalho pretende verificar o fundamento da vedação do
uso de sanções políticas no Direito Tributário brasileiro, bem como seu
conteúdo e alcance e, em particular, a sua ponderação perante outros princípios
constitucionais: isonomia tributária e livre concorrênciai1. Pretende reconstruir
a leitura do instituto das sanções políticas sob a égide da noção de direitos
fundamentais do contribuinte e da sua ponderação em casos excepcionais
perante outros princípios em casos extremamente limitados, com base em uma
interpretação sistemática do Direito Tributário.
1 . S is te m a C o n s t i t u c i o n a l de p r o t e ç ã o e p r o m o ç ã o
d o s D i r e i t o s F u n d a m e n t a is
O poder de tributar está fundamentalmente ligado à ideia de Constituição,
que deve ser entendida como sendo o conjunto de normas (princípios e regras)
e valores que estabelecem a estrutura jurídico-política de uma sociedade
organizada. Não é possível pensar em um sistema constitucional formado
somente por regras ou tampouco estruturado sem a organização em valores
fundamentais, como mera estrutura formal e vazia.
Ademais, não há, na tributação, uma mera relação de poder ou uma
relação contratual entre Estado e cidadão, mas, essencialmente, uma relação
jurídica sobre como se dá o pacto fundamental na constituição de uma esfera
cívica {eives) de liberdade e igualdade entre público e privado, ou seja, pensar
na tributação como mera atividade política do Estado de arrecadação para o
custeio da máquina é reduzir absurdamente a complexidade do sistema jurídico.
O Direito Tributário encontra diversas formas de justificação, conforme
a referência teórica a que esteja referenciado. O Direito Tributário pode ser
1 O presente texto pretende realizar uma justa homenagem a um dos mais importantes juristas
brasileiro, o Prof. Sacha Calmon Navarro Coêlho, por meio do estudo da proteção aos direitos
fundamentais do contribuinte, como modo de concretização do princípios constitucionais.
676 - Sa n çõ e s P o lít ic a s n o D ir e ito T r ib u t á r io : C o n t e ú d o e V e d a ç ã o
2 Conforme bem lembra Heleno Torres. "Na atualidade\ seu modelo mais radical encontra-se na
doutrina que afirma não seremi, as normas tributárias, normas jurídicas, em sentido material\
vendo-as como ordem do poder soberano que assume a forma de lei, nos termos das competências
constitucionais inerentes às funções administrativas e orçamentárias. A obrigação tributária não
seria uma relação jurídica,, mas sim uma relação de poder, negando a igualdade jurídica das partes.
E a versão mais recente desta concepção administrativista, é a doutrina da chamada dinâmica
tributária, construída pela Escola de Roma, capitaneada por Gian Antonio Micheli e seguida por seus
colaboradores mais diletos, como Augusto Fantozzi, Franco Gallo, Andrea Fedele, Pérez de Ayala
e Eusebio González. De orientação procedimentalista, entende esta Escola que a relação tributária
seria um complexo de deveres formais e substanciais. É a teoria do procedimento impositivo". Ver
In: T ô r r e s , Heleno. Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: RT, 2003, p. 263.
3 E necessário realizar uma distinção fundamental de duas classes de conceitos lógico-normativos:
estrutura sintática e estrutura semântica. O conceito de estrutura sintática é amplamente aceito
e trabalhado pela doutrina jurídica. O entendimento de que as normas jurídicas são compostas
por uma peculiar estrutura sintática é fato pacífico, bem como a composição dessa forma de
estrutura normativa. Por outro lado, também está assentado o postulado de que as normas jurídicas
apresentam uma homogeneidade sintática e uma heterogeneidade semântica, ou seja, as normas
jurídicas apresentam a mesma composição sintática, independentemente de seu objeto. Sejam
essas normas de Direito Penal, Civil ou Tributário, todas as normas jurídicas apresentarão uma
hipótese e uma consequência ligadas por uma implicação normativa. Contudo, a diferença entre
uma classe de normas e outra encontrar-se-á no seu conteúdo semântico. O que seria a estrutura
semântica? O que comporia esse conceito? Em nosso entender, a estrutura semântica dos conceitos
significa indicar a conotação e a denotação de determinada entidade, ou seja, indicar a lei de
formação e o campo das aplicações pretendidas pelo conceito.
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4 Cf. T o r r e s , Ricardo Lôbo. O Conceito Constitucional de Tributo In: T o r r e s , Heleno (coord.). Teoria
Geral da Obrigação Tributária. Estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 567.
5 Cf. N a b a is , Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos.
In: NABAIS, Casalta. Por uma liberdade com responsabilidade. Estudos sobre Direitos e Deveres
Fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 174.
6 Cf. M o r s e l l i : imposta è uma cessione obbligatoria delia ricchezza che trova fondamento e
gisutificazione neU'esistenza del servizio pubblico generate e indivisible..."; ver ln: M o r s e l l i ,
Emanuele. Compendio di Scienza delle Finanze. Padova: CEDAM, 1947, p. 27.
678 - S a n çõ e s P o lít ic a s n o D ire ito T r ib u t á r io : C o n t e ú d o e V e d a ç ã o
do Estado e do exercício do jus imperii. Há, nessa teoria, uma clara distinção
entre Estado e indivíduo. Diversos autores nacionais e estrangeiros irão ressaltar
a natureza política da relação entre tributos e o cidadão, assim para Antonio
Berliri: “-Direito Tributário é o ramo do direito que estabelece osprincípios e as normas
relativas à instituição, à aplicação e a à arrecadação dos impostos e das taxas, bem
como à observância do monopóliofiscal'1', de outro lado para Rubens Gomes de Souza
Direito Tributário é o “ramo do direito público que rege as relaçõesjurídicas entre
o Estado e os particulares, decorrentes da atividadefinanceira do Estado no que se
refere à obtenção de receitas que corRESpondam ao conceito de tributos'*.
Notamos claramente uma ausência de referências aos direitos fundamentais
do contribuinte e à promoção de políticas públicas. Talvez uma das mais claras
afirmações do poder de tributar como fenômeno político possa ser encontrado
na definição de Morselli sobre impostos, como sendo “iimaforma de obrigação
patrimonial de indivíduos submentidos à potestade tributária de um ente público
e oriunda diretamente do exercício do poderfiscaf (J'imposta forma obbligazione
patrimoniali di persona sottoposta alia potestà tributaria di un ente pubblico e
nascente direitamente dali'esercizio di tale potestà)9. O autor chega a afirmar que
num primeiro momento o tributo se constitui na vontade do Estado (voluntà dello
Stato) criado de determinadas pretensões (creativa di un determinabile numero
dipretese) originando uma relação de subordinação (rapporti di sudditanzd). Esta
vontade criativa se manifesta como um ato de imposição (atto di imposizione).
Em contraposição, ao poder do Estado torna-se necessário impor-se
limitação ao poder. Tal entendimento geralmente parte de uma concepção
moral deste exercício ou em favor do poder absoluto (ordem e legalidade
como moralidade objetiva) ou do indivíduo (o Estado como mal ante o bom
indivíduo). Esta clara divisão de interesses entre Estado e indivíduo decorre de
noções históricas, morais, filosóficas ou valorativas. Defensores de um ou de
outro ponto de vista realçaram os elementos fundamentais de seus argumentos,
explicitando uma clara distinção entre indivíduo e Estado.
7 Cf. B er lir i , Antonio. Corso Instizionale di Diritto Tributário. Milano: Dott A. Giuffrè, 1965, vol. I,
p. 1 e 2.
8 Cf. S o u z a , Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Edições
Financeiras, 1954, p. 1 7 e 18.
9 Cf. M o r s e l l i , Emanuele. Corso di Scienza delia Finanza Pubblica. Vol. Primo, Padova: CEDAM,
1949, p. 131.
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10 Cf. B ecker, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 41.
682 - S a n ç õ e s P o lít ic a s n o D ir e ito T r ib u t á r io : C o n t e ú d o e V e d a ç ã o
11 Cf. B ecker, Alfredo Augusto. Teoria Cera! do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1 9 6 3 , p. 18.
P a u lo C a lie n d o - 683
12 Cf. B ec k e r , Alfredo Augusto. Teoria Cera/do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1 9 6 3 , p. 4 4 7 .
13 Cf. B ecker, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1 9 6 3 , p. 4 4 7 .
14 Cf. B ecker, Alfredo Augusto. Teoria Gera!do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1 9 6 3 , p. 4 5 0 .
684 - S a n ç õ e s P o lít ic a s n o D ir e ito T r ib u t á r io : C o n t e ú d o e V e d a ç ã o
15 Cf. B etti apud B ec k e r , Alfredo Augusto. Teoria Gera! do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva,
1 9 6 3 , p. 4 4 9 . No original veja-se B etti , Emilio. Teoria Generalle delia Interpretazione. Milano,
1 9 5 5 , vol. II, op. 8 4 7 - 8 4 8 .
16 Cf. B ecker , Alfredo Augusto. Teoria Geraldo Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1 9 6 3 , p. 4 5 0 -4 5 1 .
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17 Conforme Elaine Garcia Ferreira: "(...) partindo do estudo da sua evolução nos dois últimos
sé cu lo sc o m a influência do positivismo jurfdico na jurisprudência dos Conceitos, que teve
na Alemanha do século XIX, o seu marco inicial com o Direito científico Alemão. A teoria na
qual a Ciência do Direito se organiza a partir de um sistema lógico no estilo de uma pirâmide
de conceitos. É o formalismo jurídico que vai tomando força e influenciando os intérpretes do
Direito como Hans Kelsen na sua obra teoria pura do Direito, onde Kelsen lança mão de uma
norma que deve sustentar o fundamento de validade da ordem jurídica como um todo, uma norma
não posta, mas suposta. Ocorre o rompimento do positivismo normativista com a consagração
da jurisprudência dos valores reaproximando a idéia de direito e a moral a partir do resgate da
idéia de justiça. Os tribunais Alemães passam a ser influenciados pelas idéias expostas de Karl
Larenz em sua metodologia da Ciência do Direito que disseminou a jurisprudência dos valores
por todo o pensamento jurídico ocidental. A partir da adoção do pluralismo metodológico caiu
em desuso a aplicação apriorística de qualquer dos métodos de interpretação, com a utilização
de todos eles de acordo com os valores envolvidos no caso concreto. Nesse contexto, chegamos
à idéia de uma nova interpretação da lei tributária consubstanciada no novo p a ra d ig m a ver
in F e r r eir a , E. G. A Interpretação da Lei Tributária e a Teoria dos Direitos Fundamentais. Revista
Tributaria e de Finanças Públicas, v. 60, p. 24-36, 2005.
686 - S a n ç õ e s P o lít ic a s n o D ir e ito T r ib u t á r io : C o n t e ú d o e V e d a ç ã o
2 . 1 . C o n c e it o d e s a n ç õ e s p o l ít ic a s
As sanções políticas não possuem definição legal ou jurisprudencial e,
portanto, a sua conceituação deve ser objeto de construção doutrinária. Em
nosso entender são sanções políticas', as medidas punitivas (sancionatórias) que
tenham por objetivo coagir aopagamento de tributos (arrecadar) pela limitação dos
direitos do contribuinte.
2 . 2 . E l e m e n t o s d a s s a n ç õ e s p o l ít ic a s
São características deste conceito:
i) a natureza punitiva das sanções políticas', tratam-se de medidas de
caráter não tributário, visto que o artigo 3o do CTN determina
que os tributos são prestações pecuniárias que não constituam
sanção de ato ilícito. Toda a sanção decorre de uma punição
pela realização de um comportamento desviante, neste caso pelo
incumprimento ocasional ou reiterado do dever de pagar tributos.
Trata-se de sanção imposta ao contribuinte deixou de recolher
os tributos devidos e se encontra inadimplente. Tal como toda
a sanção esta deve estar submetida aos princípios de proteção
do contribuinte, bem como aos ditames decorrentes do devido
processo administrativo.
ii) finalidade arrecadatória: o objetivo da imposição das medidas
é forçar o contribuinte ao pagamento dos tributos que está
inadimplente (meio coercitivo). A punição não possui um efeito
autônomo de demonstrar uma reação social a um comportamento,
mas implicar uma restrição dos direitos do contribuinte até
o ponto em que este seja compelido ao pagamento dos seus
débitos. A finalidade perseguida é exatamente fiscal, aumentar a
arrecadação, e não extrafiscal de provocar a adoção de determinado
comportamento por parte do contribuinte.
Ui) limitação de direitos fundamentais do contribuinte', o instrumento
utilizado para provocar o pagamento dos tributos em atraso é
a restrição de algum direito fundamental do contribuinte, tais
como: a limitação ao direito fundamental de estabelecimento,
de contratar, de empreender; de exercer profissão ou ofício ou de
constituir ou atuar por meio de empresa ou, bem como toda ofensa
688 - S a n ç õ e s P o lít ic a s n o D ir e ito T r ib u t á r io : C o n t e ú d o e V e d a ç ã o
O STF desde longa data tem realizado um controle e vedação das sanções
políticas, proibindo-as como instrumento legítimo para a cobrança de tributos.
Deste modo, vejamos as principais decisões sobre o assunto:
a l t e r a ç ã o c o n t r a t u a l e d i s t r a t o s o c ia l p e r a n t e a o
22 STJ, ROMS 24.953, Segunda Turma, Rei. Min. Castro Meira, DJ 17.03.2008.
23 “Art. 1- Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis; que
tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias; bem como contribuições federais e outras
imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses: / - transferência
de dom icílio para o exterior; II - habilitação e licitação promovida por órgão da administração
federal direta, indireta ou fundacional ou por entidade controlada direta ou indiretamente pela
União; III - registro ou arquivamento de contrato social\ alteração contratual e distrato social
perante o registro público competente>, exceto quando praticado por microempresa, conforme
definida na legislação de regência; IV - quando o valor da operação for igual ou superior ao
equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional - OTNs: a) registro de contrato
ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos; b) registro em Cartório
de Registro de Imóveis; c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição
financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional', Estaduais
ou Municipais. § 7- Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável
às partes intervenientes. § 2 QPara os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal',
segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou
entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e
IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa,
procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida. § 3QA prova
de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido
pelo órgão competente".
24 "Ementa: Constitucional. Direito fundamental de acesso ao judiciário. Direito de petição. Tributário
e política fiscal. Regularidade fiscal. Normas que condicionam a prática de atos da vida civil e
empresarial à quitação de créditos tributários. Caracterização específica como sanção política.
Ação conhecida quanto à lei federal 7.711/1988, art. 1° i, III e IV, §§ 7- a 3° e art. 2 ° 1. (...)".
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28 Na ADIn 1.458-7/DF, DJU 20.09 A 996, entendeu o Min. Celso de Mello que: "Ao dever de legislar
imposto ao poder público (...) corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma
legislação que lhe assegure,, efetivamente> as necessidades vitais básicas individuais e familiares
e que lhe garanta a revisão periódica do valor salarial mínimo, em ordem a preservar, em caráter
permanente> o poder aquisitivo desse piso remuneratório
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4. D a p o n d e r a ç ã o d a v e d a ç ã o de s a n ç õ e s p o lít ic a s
PERANTE O U TRO S PRINCÍPIOS! ISONOM IA TRIBUTÁRIA E
LIVRE C O N CO RRÊN CIA
O princípio da defesa da concorrência em matéria tributária estabelece
um valor ou fim, qual seja diminuir legitimamente os efeitos da tributação
sobre a decisão dos agentes econômicos, evitando distorções e consequentes
ineficiências no sistema econômico que impliquem em restrição, falseamento
ou prejuízo da competição leal em mercado. A busca de um sistema tributário
ótimo, ou seja, que realize as suas funções de financiamento de políticas públicas,
promoção dos direitos fundamentais, evitando ao máximo um tratamento
anti-isonômico e ineficiente nas decisões econômicas é o grande desiderato
do Direito Tributário. Cabe notar que o sistema não propugna uma proteção
absoluta da livre concorrência, mas de uma defesa da concorrência efetiva em
um contexto constitucional de valorização do trabalho, dos direitos sociais, do
contribuinte e dos consumidores.
O sentido da proteção da livre concorrência em matéria tributária está
na noção de que a tributação tem essencialmente um sentido cidadão de
estabelecer a correta contribuição à manutenção da esfera pública, impedindo
que as intervenções fiscais sejam instrumentos discriminatórios de proteção
econômica ilegítima, para monopólios, grupos privados e amigos do poder.
A intervenção e dirigismo estatal deve ser limitado de forma a impedir que o
Estado sofra da ação nefasta de grupos que se apoderam do Estado (privados ou
internos ao próprio Estado) em busca de privilégios particulares {rent seeking).
A tributação deve ser o mais eficiente possível, ou seja, não deve se constituir
em um elemento ilegítimo de decisão do agente econômico nas suas escolhas de
investimento. Desse modo, a tributação não pode se constituir em um elemento
de distorção do sistema econômico, de diminuição geral da eficiência e obstáculo
ao desenvolvimento. Não se pode, contudo, mais acreditar na possibilidade da
tributação ser neutra, visto que o próprio sistema constitucional não é neutro.
A única neutralidade possível é de cunho concorrencial.
A utilização da função extrafiscal do direito tributário deve, contudo,
continuar a ser entendida como sendo residual, motivada e, se possível,
temporária. O tributo não pode ser entendido como elemento fundamental
de direção econômica, mas tão somente como meio de regulação excepcional,
limitado e justificado.
698 - S a n ç õ e s P o lít ic a s n o D ir e ito T r ib u t á r io : C o n t e ú d o e V e d a ç ã o
Cabe notar, por outro lado, que o STF tem afirmado iguamente que a
proteção dos direitos fundamentais não pode ser realizada sem limites e de
modo absoluto, de tal forma que o objetivo a ser protegido se torne em uma
fonte de proteção ao abuso, bem como uma distorção completa do sistema de
valores que se pretende realizar. Não se pode considerar existente uma permissão
geral ao exercício inadimissível de direitos individuais e o consequente abuso
de direitos fundamentais.
Tem afirmado o STF que a vedação geral ao uso de sanções políticas como
meio de cobrança de tributos não serve de escusa ao deliberado e temerário
desRESpeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política
como meio de limitação ao direitofundamental de atividade econômica se a medida
se impõe como restrição a estruturas empresariais que reiterada e dolosamente
utilizam a inadimplência tributária sistemática como instrumento ilícito de
vantagem concorrencial.
Cabe observar que somente em casos excepcionais deve-se fazer uso
de medidas políticas para a restrição de direitos fundamentais à atividade
econômica. Nesse sentido é relevante analisar o caso American Virginia29, em
que foi negada a empresa o direito de impressão de documentos fiscais com
base no reiterado descumprimento de normas tributárias.
No caso específico da American Virginia existiam dois elementos a serem
considerados pelo STJ, o primeiro referia-se ao caso geral de restrição a direito
fundamental fundado na excepcional aplicação de restrição administrativa
contra contribuinte que se utilizava sistemática e dolosamente da inadimplência
como mecanismo anticoncorrencial. De outro lado, contudo, esta restrição
se dirigia a um empresa de um setor tolerado ou permitido pelo Estado sob
severas condições de atuação, amparado inclusive em legislação específica (,artigo
2°) II, do Decreto-Lei n° 1.593/77). Dessa forma, em face da especialidade da
atividade tabagista se justificava com mais veemência este controle, visto estarem
envolvidos igualmente os sensíveis regimes de proteção da saúde pública.
Ressalvou inclusive os ministros do STF que as súmulas da corte não se
aplicavam ao caso concreto, visto que a American Virginia deveria ser regida
por um regime especial, dado que é fabricante de produto altamente prejudicial
à saúde pública e por isso o regime de seletividade do IPI nada mais significa