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© 2016 by Renato Gonçalves

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gados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Todos os direitos desta edição são reservados à Lápis Roxo.


E-mail: carolina@lapisroxo.com.br

Editora Capa
Carolina Evangelista Zuleika Iamashita

Diagramação e Projeto Gráfico Revisão


Stephanie Lin Cássia Land

Ilustrações
Renato Gonçalves

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

G635 Gonçalves, Renato


Nós duas: as representações LGBT na canção brasileira /
Renato Gonçalves. – São Paulo : Lápis Roxo, 2016.
64 p.

ISBN 978-85-69727-01-9

1. Música popular – Brasil 2. Cultura LGBT. 3. Indústria


fonográfica 4. Cultura brasileira

CDD: 780
CDU: 78.04
AGRADECIMENTOS

A realização deste livro não seria possível sem o


Governo do Estado de São Paulo e a Secretaria Es-
tadual de Cultura, que, por meio do Programa de
Ação Cultural (ProAC), viabilizaram sua pesquisa
e publicação. Considero de extrema importância o
apoio às expressões LGBT e fico muito grato por ter
sido selecionado pelo programa.
Agradeço à minha editora Carolina Evangelista e
à Lápis Roxo. Sua ajuda em todas as etapas foi im-
prescindível. Não há palavras para descrever tama-
nha parceria. Que muitos outros projetos venham!
Agradeço a toda equipe envolvida diretamente no
livro: Cássia Land, Stephanie Lin, Zuleika Iamashi-
ta e Emi Takahashi. Walter Garcia, muito obrigado
pelo prefácio e pelas conversas...
Agradeço ainda às queridas e aos queridos que tan-
to torceram ou ajudaram de uma forma ou de outra na
realização deste trabalho: Amanda Pedrosa, Ana Pau-
la Cavalcanti Simioni, Fani Hisgail, Felipe Daier, Inaê
Rosas, Leda Cichello, Letícia Bertelli e Pablo Cardoso.
Por fim, agradeço ao apoio da minha família. Em
especial, minha mãe.

Dedico este trabalho a todos aqueles que


insistem nessa coisa estranha de ser
exatamente aquilo que se é
Nós do mesmo sexo não
fabricamos delícias:
coçamos amenidades,
a tensão dos ângulos
distantes.
Com muitos dedos
puxamos as cortinas para trás.
Os sonhos não circulam.
O jogo está suspenso por decreto.

“Ameno amargo”,
Ana Cristina Cesar
SUMÁRIO
PREFÁCIO .............................................................................................. 6

INTRODUÇÃO....................................................................................... 8

A CANÇÃO E A REPRESENTAÇÃO............................................ 12

A CENSURA E A LINGUAGEM.....................................................20

A MARGINALIZAÇÃOE O CORPO.............................................29

A FANTASIA E A REALIDADE...................................................... 35

O GÊNERO E O PALCO DAS REPRESENTAÇÕES.............. 40

A SEXUALIDADE E A SOCIEDADE............................................46

O PÚBLICO E O PRIVADO.............................................................50

A SOCIEDADE E A FAMÍLIA.......................................................... 53

QUANDO AMANHECER,
VOCÊ VAI ENTRAR DENTRO DO FUTURO...........................58

REFERÊNCIAS.................................................................................... 60
PREFÁCIO
C
anções populares-comerciais estão de tal modo
presentes no dia a dia das culturas brasileiras que
não é fácil trabalhá-las de forma crítica.
O lado bom da questão, ou um deles, é que to-
das e todos nós nos consideramos especialistas, sinal
evidente da importância que as canções têm nos
processos de formação das identidades. Afinal, não
causa nenhuma estranheza dizer que a música po-
pular mobiliza, com certa facilidade, os corpos, os
sentimentos, os sentidos nos vários Brasis.
O lado ruim da questão, ou um deles, é a confusão
generalizada entre o gosto pessoal, as determinações
de classe, de gênero, de etnia ou de crença religiosa,
o fascínio da publicidade, o número de vendas... E o
exercício crítico, empenhado em discutir e elucidar
concretamente os produtos e as relações sociais. Pois
nunca foi, e é cada vez menos raro que a crítica seja
substituída pela rajada de imagens eufóricas e/ou
raivosas, escritas muitas vezes, é verdade, só para au-
mentar a audiência da própria rajada. Assim como
nunca foi, e é cada vez menos raro que a valoração
da qualidade estética e a reflexão acerca das implica-
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 7

ções sociais de uma canção sejam recebidas como algo ofensivo,


a ser respondido com desprezo, ira ou coisa pior. E, salvo engano,
o hábito de conversar sobre as canções vai regredindo para o há-
bito de “Curtir”, “Descurtir”, “Uau”, “Grr” etc., pelo menos em
alguns segmentos sociais, o que dá o que pensar...
Em meio a tudo isso, o trabalho de Renato Gonçalves ensina
e emociona quem se formou tendo a canção popular-brasileira
como fonte de prazer e de conhecimento. Trata-se de um estudo
que integra aquela constelação de livros que, enquanto introdu-
ções a temas ditos “polêmicos”, almejam mapear os problemas,
apresentar subsídios teóricos, estender e aprofundar as questões,
sem, de modo algum, pretenderem esgotar os diversos assuntos.
Desde o título, Nós duas, a leitora é estimulada ou o leitor é estimu-
lado a pensar e a escutar as canções analisadas. Ou seja, trata-se
de um estudo que nos coloca em diálogo, gesto que lamentavel-
mente anda em baixa hoje em dia.
É com sensibilidade, inteligência e elegância que Renato Gon-
çalves trabalha. Veja que não utilizei adjetivos, pois o elogio ao au-
tor deve ficar em segundo plano: com os substantivos, quero colo-
car em evidência três dos recursos que estruturam seu texto. Bons
recursos, não há dúvida, quando a banalidade, a imbecilização e a
baixaria ameaçam configurar o espaço público no que chamamos
Brasil. Em tempo, quem foi exatamente que disse que “as represen-
tações LGBT na canção brasileira” são um tema polêmico?

Walter Garcia
Músico e professor do Instituto de Estudos
Brasileiros da Universidade de São Paulo.
INTRODUÇÃO

P
ouca gente sabe, mas Tuca foi uma importante
cantora e compositora brasileira. Por trás de seu
nome, apagado pela história, está uma pioneira
que, já na década de 1970, trouxe, para a canção po-
pular-comercial, um discurso LGBT afirmativo.
Em 1974, Tuca lançou aquele que seria seu último
trabalho, o LP Drácula, I love you. Nesse disco, as can-
ções tratam do amor de maneira transgressora. Sua
maior transgressão, para além da abordagem agri-
doce empregada em algumas canções, foi ter assu-
mido um discurso homossexual. Sem dúvidas, a mais
emblemática nesse sentido é “Girl” (Prioli/Tuca), na
qual o eu lírico faz um convite a outra mulher.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 9

Girl, pega a sua roupa de pirata azul


E venha ficar comigo
Porque hoje nós vamos partir pra outra
Não tenha medo, você não vai se machucar
Vamos achar um bosque
No fundo dele, entrar no mundo
Quando amanhecer, você vai entrar dentro do futuro

Trazer à tona a obra de Tuca é mais do que


uma mera curiosidade: tal gesto nos faz refletir
sobre quantas expressões LGBT surgem na can-
ção brasileira e quantas, no curso da história, fo-
ram ou são esquecidas, relegadas e, até mesmo,
silenciadas. Assim, temos como metas traçar um
panorama das representações LGBT e discuti-las
à luz da realidade brasileira.
De início, é necessário realizar algumas pon- LP Drácula, I love you
derações sobre nosso lugar de fala, isto é, nosso (1974), Tuca.
ponto de partida. Indubitavelmente, toda forma
de aglutinação ou agrupamento de indivíduos sob
um mesmo rótulo traz problemas. Não seria dife-
rente no caso de discutir as representações LGBT,
que, a priori, já englobam ao menos cinco diferen-
tes classificações de gênero e sexualidade: lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais. Falamos
10 NÓS DUAS

“ao menos cinco”, pois hoje sabemos e vemos que a sexualida-


de humana caminha para a diversificação de identidades, como
difunde a teoria queer, da filósofa Judith Butler. Porém, quando
enxergamos o contexto amplo da sociedade brasileira em rela-
ção às questões de gênero e orientação sexual, podemos notar
que, historicamente, a sigla LGBT se constituiu a partir da opo-
sição ao padrão que determina que os indivíduos devem sempre
se relacionar sexualmente e afetivamente com indivíduos do sexo
oposto. Sendo assim, utilizaremos o termo LGBT para retratar
essa minoria que diariamente resiste à opressão.
Falar em “representação” também não é uma escolha termi-
nológica aleatória. O que nos interessará, nas páginas que se se-
guem, será a forma como o indivíduo LGBT está representado,
ou melhor, como ele é inserido no discurso da cultura. No nosso
caso, partimos do pressuposto de que a canção é uma obra do-
tada de significados internos que estão relacionados diretamente
aos contextos socioculturais nos quais é produzida.
Entre a representação, da ordem do simbólico e do imaginá-
rio, e a realidade, criam-se tensões. Na cultura brasileira, que é
cheia de contradições, a questão LGBT vai assumindo formas
complexas entre aceitação e censura, fantasia e realidade, prota-
gonismo e marginalização.
Para dar conta do objeto, são mobilizados instrumentos teó-
ricos multidisciplinares que versam sobre as questões LGBT e de
gênero. Correntes da psicanálise, história, teoria crítica, antropo-
logia e sociologia são empregadas na análise das canções. Nesse
sentido, esta obra é uma experiência ensaística que, em vez de
tentar encerrar o assunto, tem como objetivos iniciar discussões e
apontar diferentes caminhos interpretativos e críticos.
Durante a pesquisa, eixos temáticos foram sendo delineados
a partir da análise das canções selecionadas. Desse modo, opta-
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 11

mos por apresentá-las em blocos temáticos, a saber: 1. A canção e


a representação; 2. A censura e a linguagem; 3. A marginalização e o corpo;
4. A fantasia e a realidade; 5. O gênero e o palco das representações; 6. A
sexualidade e a sociedade; 7. O público e o privado; 8. A sociedade e família.
A seleção das canções teve como critério o potencial de aná-
lise e exemplificação dessas linhas argumentativas traçadas. Cla-
ramente, há muitas outras canções que trazem a mencionada re-
presentação LGBT e que, infelizmente, não estarão citadas aqui.
Inclusive, ficaram de fora alguns artistas e grupos que têm, nos
últimos anos, surgido com grande representatividade e público,
como Johnny Hooker, Liniker, Lineker, Rico Dalasam e a banda
As Bahias e a Cozinha Mineira. Destacamos que seus trabalhos
são extremamente relevantes por representarem a cultura LGBT
do agora. Porém, acreditamos que, se hoje artistas como eles po-
dem despontar, é porque houve toda uma trajetória de resistência
e transgressão LGBT na canção brasileira. E é sobre esse passado
que tentaremos discutir para elucidar as transformações ocorridas.
O recorte temporal compreende o período entre as décadas
de 1970 e 2010. O título, Nós duas, destaca uma expressão que,
curiosamente, aparece em duas canções que estão nos extremos
dessa linha do tempo: “Bárbara” (Chico Buarque/Ruy Guerra) e
“Lizete” (Kiko Dinucci/Jonathan Silva). Na primeira, de 1973, o
termo chegou a ser apagado pela censura na gravação de Chico
Buarque no LP Chico canta. Em “Lizete”, apresentada no CD Em-
balar de Ná Ozzetti, de 2013, o termo surge em outro contexto,
no qual o sujeito pode se afirmar enquanto LGBT.
Esperamos que as reflexões a seguir, mesmo que breves, per-
mitam que o assunto seja cada vez mais discutido. Temos a es-
perança de que um dia os indivíduos LGBT sejam aceitos sem
nenhum conflito ou resistência pela sociedade, e isso se dará, em
parte, graças ao trabalho diário dos artistas, artesãos do simbólico.
A CANÇÃO E A
REPRESENTAÇÃO

A
final, do que é feita uma canção popular-comer-
cial e o que seria uma representação LGBT?
Antes de adentrarmos no cancioneiro nacional,
vale a pena olharmos com atenção as relações entre
a canção popular-comercial e as questões de gênero,
na tentativa de esboçar um modelo de análise que
nos sirva no presente estudo.
Primeiro, destaquemos o termo “canção
popular-comercial”. Empregada por Walter
Garcia (2013), a denominação sugere dois
aspectos que fundam a produção de canção.
Nas raízes da canção estão, concomitantemente, os
resquícios de uma tradição oral e popular e as mar-
cas de uma indústria fonográfica que produz, circula
e comercializa essa obra – mesmo que, atualmente,
essa indústria esteja cada vez mais fragmentada. Com
essas origens, foi consolidado o formato tradicional de
canção que conhecemos: um fonograma com dura-
ção de alguns minutos, dotado de letra e música.
Porém, é importante apontar que, aparelhados
por um sistema cultural calcado na difusão incessan-
te de imagens, os sentidos de uma canção ultrapas-
sam os limites do registro sonoro. Portanto, definir
os elementos que compõem uma canção passa não
só por dimensões puramente musicais (como a me-
lodia), mas, principalmente, performativas, como o
próprio corpo do artista, sua indumentária, seus ges-
tos e sua imagem. Essa última dimensão, inclusive,
será palco de muitas representações LGBT.
Como afirma Luiz Tatit em seu livro A canção: efi-
cácia e encanto (1986, p. 6), é quase inevitável: “quem
ouve uma canção, ouve alguém dizendo alguma coi-
sa de uma certa maneira”. Aproximando-nos às teo-
rias mais seminais da comunicação, poderíamos dizer
que a canção é uma mensagem. O intérprete seria
seu emissor, enquanto o público seria o destinatário.
No caso da canção brasileira, a letra roubará o pro-
tagonismo dessa mensagem. Contudo, é importante
apontarmos que, apesar de possuir elementos poéti-
cos, como rimas e versos, a letra de uma canção não
é um poema. O discurso só estará completo no ato de
sua enunciação, isto é, no momento do canto do intér-
prete, em que se revelarão os desenhos melódicos, as
inflexões e as entonações que constroem o sentido das
palavras. Entre a composição propriamente dita e sua
14 NÓS DUAS

execução, está o trabalho do intérprete. Portanto


destacaremos, a seguir, o texto e a performance.
No plano textual, tomemos emprestada a teoria
dos gêneros textuais de Anatol Rosenfeld (2014),
que define traços estilísticos em três gêneros:
1. o lírico; 2. o épico; e 3. o dramático.
Grosso modo, o gênero lírico (1) traz a figura do
eu lírico, que utiliza elementos externos para se ex-
pressar, geralmente, a outra pessoa. É o caso, por
exemplo, da canção “Amor mais que discreto”, de
Caetano Veloso, em seu álbum Multishow ao vivo
CD Multishow ao – Cê (2007), na qual um eu lírico masculino se de-
vivo - Cê (2007), clara a um rapaz mais jovem, através de imagens
Caetano Veloso poéticas. Nesse gênero, o “eu” é o protagonista.

Eu sou um velho
Mas somos dois meninos
Nosso destinos são mutuamente interessantes
Um instante, alguns instantes
O grande espelho

Se o gênero lírico é subjetivo, o gênero épico


(2), ao contrário, é objetivo. Nele aparece a figura
do narrador, que conta acontecimentos ocorridos
no passado. Um exemplo desse traço estilístico é
“A nível de...”, de João Bosco e Aldir Blanc, músi-
ca do álbum Comissão de frente (1982), que narra a
troca realizada entre dois casais heteronormativos
que se descobrem homossexuais.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 15

Vanderley e Odilon,
Bem mais unidos, empataram capital
E estão montando restaurante natural
Cuja proposta é cada um come o que gosta
Yolanda e Adelina,
Bem mais unidas, acham viver um barato
E, pra provar, tão fazendo artesanato
E, pela amostra, Yolanda aposta na resposta

E, por fim, o gênero dramático (3) faz desen-


rolar, aos olhos do espectador, uma cena com um
ou mais personagens. Diferentemente do gênero
épico, o tempo é linear e corresponde ao presen-
te, como na canção “Vertigem”, de Luiz Schia-
von, Paulo Ricardo, Fernando Deluqui e Ney
Matogrosso, que aparece no álbum Bugre (1986),
de Ney Matogrosso, e que sugere uma conversa LP Bugre (1986),
entre dois homens. Ney Matogrosso

Engraçado, parece que te conheço


Agora eu me lembro!
Chovia…
E nos encontramos sob uma marquise de um bar
16 NÓS DUAS

Evidentemente, traços estilísticos distintos podem conviver em um


mesmo texto. Contudo, essa esquematização nos ajuda a enxergar as
figuras do eu lírico, do narrador e da personagem, que, por questões
didáticas, chamaremos “personas”. Munidos desse instrumento, po-
deremos entender qual o lugar de fala da representação LGBT no
discurso da canção e quais são as posições dispostas ao redor dela.
Ainda no nível textual, o gênero sexual, na canção, sur-
ge de forma muito arraigada à polarização dos gêne-
ros feminino e masculino, que, como veremos melhor no ca-
pítulo 5, são socialmente constituídos, e isso implicará uma série
de conflitos e contradições internas. Por ora, é importante dizer
que, quando se trata da persona da canção, podemos encontrar
três configurações: o gênero feminino, o gênero masculino e a
presença indefinida de gêneros.
O que vai nos levar a essa definição ou indefinição serão as
marcas de gênero na linguagem, como artigos, substantivos, pre-
dicativos de sujeito e adjetivos que são uniformes ou biformes,
isto é, neste último caso, apresentam duas formas diferentes, uma
para cada um dos gêneros citados. Porém, há alguns casos em que
não há uma delimitação clara que nos leve a um dos dois gêne-
ros, pela ausência dessas marcas. Nesses momentos, pode residir
a ambiguidade, um dos recursos linguísticos mais comuns para
trazer a questão LGBT pelas filigranas da linguagem.
Não somente o gênero estará inserido no nível discursivo da can-
ção, mas também a orientação sexual. Judith Butler, em seu livro
Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (2003, p. 45), vai
destacar que a noção de gênero acaba pressupondo, em um discur-
so cultural hegemônico, o desejo do indivíduo. Nesse sentido, “a co-
erência ou a unidade internas de qualquer um dos gêneros, homem
ou mulher, exigem assim uma heterossexualidade e oposicional”. A
heterossexualidade, ou seja, a destinação do desejo sexual ao gênero
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 17

oposto ao do sujeito é tida como uma normalida-


de cognitiva. Não há estranheza nem ambiguidade
quando o jogo do desejo, dentro de um discurso,
ocorre entre gêneros opostos.
Quando entramos na ordem da interpretação
da canção, um outro elemento será fundamental
no que diz respeito ao gênero: o intérprete. Entre
o discurso da canção e o momento de sua enun-
ciação, surge um espaço que é preenchido pelo
intérprete. À canção, ele empresta sua voz e, por
extensão, o seu corpo. Falar no gênero do intérpre-
te, como veremos no decorrer de nossa pesquisa,
implicará falar de sua imagem e de sua performa-
tividade. Mas, por enquanto, é importante notar
que o intérprete, a priori, poderá trazer à canção o
seu gênero e que a força de uma canção nascerá,
em parte, do alinhamento ou do embate entre duas
personas distintas: a persona do discurso da canção
e a imagem do intérprete. Como veremos no capí-
tulo 7, esses dois lados podem se confundir quando, LP Ela (1971),
tratando-se de representações LGBT, misturam-se Elis Regina
o intérprete, seu discurso e sua imagem pública.
Muitas vezes, o próprio intérprete
pode inverter as marcas de gênero pre-
sentes em uma composição para que elas
se adequem ao seu gênero, como quando,
em 1971, Elis Regina e Marcos Valle gravaram a
canção “Black is beautiful” (Marcos Valle/Paulo
Sérgio Valle), nos LPs Ela e Garra, respectivamen-
te. Na voz de Elis, os versos traziam uma persona LP Garra (1971),
feminina que desejava um homem negro. Marcos Valle
18 NÓS DUAS

Hoje cedo, na rua do Ouvidor


Quantos brancos horríveis eu vi
Eu quero um homem de cor
Um deus negro do Congo ou daqui

Na gravação de Marcos Valle, o intérprete faz


questão de marcar a persona masculina e o desejo
por uma mulher, mudando algumas palavras.

Hoje cedo, na rua do Ouvidor


Quantas louras horríveis eu vi
Eu quero uma dama de cor
Uma deusa do Congo ou daqui

Quando passamos para o palco das represen-


tações LGBT, podemos encontrar muitos intér-
pretes que subvertem esse sistema orientado à
congruência entre gêneros e desejos que está sob
a égide heteronormativa. Um dos casos mais em-
blemáticos é a regravação de Marina Lima para
a canção “Mesmo que seja eu” (Erasmo Car-
los/Roberto Carlos). Gravada inicialmente por
Erasmo Carlos no disco Amar pra viver ou morrer de
LP Amar pra viver ou amor (1982), a canção foi retomada no LP Fullgás
morrer de amor (1982), (1984), de Marina Lima, que subverteu a hetero-
Erasmo Carlos normatividade de forma bem expressiva.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 19

Na gravação de Erasmo Carlos, o discurso da canção traz um


eu lírico que se dirige a uma garota outrora desiludida com o
amor romântico. Aproveitando-se disso, ele acaba se promoven-
do, mesmo sendo uma má companhia (“antes mal acompanhada
do que só”). Contudo, Marina, ao optar por assumir esse eu líri-
co, impôs o seu gênero feminino, e, assim, criou tensões entre sua
performance e o gênero da persona da composição, alterando,
assim, as regras do jogo do desejo instaurado pelo eu lírico.
De início, Marina pode até passar por uma amiga dessa inter-
locutora que está “sozinha no silêncio do seu quarto” e que “pro-
cura a espada do seu salvador”, como quem a aconselha para
tirá-la da desilusão: “aumenta o rádio, me dê a mão”. Contudo,
perto do fim, há o que os roteiristas chamam de turning point ou plot
twist. Quando Marina completa a estrofe final, após uma pausa
dramática entre “Você precisa de um homem pra chamar de seu
/ mesmo que esse homem...” e “... seja eu”, os sentidos são di-
recionados à homossexualidade, isto é, a uma nova possibilidade
sexual em relação ao amor romântico da menina que escolheu
esperar seu salvador que não veio.
Tais congruências ou subversões entre as marcas de gênero
e a orientação sexual das personas da canção e a performance
do intérprete permearão nossas incursões. Portanto, é importante
frisar mais uma vez que as representações LGBT nascerão tanto
na composição como no momento de sua interpretação, ou seja,
em sua performance, pedindo que nosso olhar se volte para di-
mensões que extrapolam o material sonoro propriamente dito.
A CENSURA E
A LINGUAGEM

A
virada da década de 1960 para a década de
1970 marcou um período extremamente im-
portante na formação do que hoje conhecemos
como canção popular-comercial brasileira. Como
aponta Marcia Tosta Dias (2000), nesse período, a
indústria fonográfica se consolidou com a chegada
de multinacionais que profissionalizaram a produção
e a comercialização de discos no país. Porém, em
um movimento oposto, a ditadura militar,
a partir do golpe de 1964, intensificou seus
aparelhos de repressão, exilando artistas e
censurando, com maior frequência, manifestações
culturais, como a canção.
Em um contexto ambivalente, entre a intensa
produção artística e a censura, a canção tratou de
questões proibidas através dos meandros da lingua-
gem, como na canção já citada “Bárbara”, de Chico
Buarque e Ruy Guerra. A questão LGBT, então ofi-
cialmente censurada, surge, de forma representativa,
com as personagens Bárbara e Ana, que compõem a
peça Calabar: o elogio da traição (1973), de Chico Buar-
que e Ruy Guerra.
No auge da ditadura militar, Calabar foi uma das
diversas peças que tiveram sua montagem vetada
devido ao seu conteúdo político. Contudo, à época,
foram autorizadas a publicação do texto teatral em
livro e a comercialização de sua trilha musical em LP
(Chico canta, de Chico Buarque, em 1973).
Em linhas gerais, o enredo, dividido em dois atos,
traz o embate entre portugueses e holandeses na
região de Pernambuco, tendo como pano de fundo
a figura controversa de Calabar, que traiu a Coroa
portuguesa no século XVII. Calabar, apesar de dar
nome à peça, somente surge, sem falas, no momento
de sua execução, ainda no primeiro ato. Bárbara, sua
viúva, acaba sendo uma das protagonistas.
Silenciada no início da peça pelo coro, com gritos
de “Cala a boca, Bárbara”, e sendo retratada como
uma mulher dependente da figura masculina de Ca-
labar, Bárbara é representada como uma histérica. Na
caracterização da personagem, é reproduzida a leitura
misógina que considera o corpo feminino como um
corpo doente, saturado de desejo e acometido pela his-
teria. No decorrer da história da humanidade, essa foi
22 NÓS DUAS

uma crença recorrente, calcada na medicina, que teve


como finalidade diminuir, simbolicamente, a mulher.
Estando viúva, Bárbara acaba se prostituindo ao
lado de Ana de Amsterdã, que se torna sua amiga
no momento da execução de Calabar. Em uma das
cenas finais da peça, as duas encenam um momento
de intimidade, durante o qual Ana ajuda Bárbara a
se maquiar. Entre elogios e demonstrações de afeto,
Ana se revela à Bárbara: “Te quero muito, mulher”, e,
na sequência, ambas interpretam a canção dramática
“Bárbara” (Chico Buarque/Ruy Guerra):

Ana:
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás?
Meu amor, vem me buscar

Bárbara:
O meu destino é caminhar assim
Desesperada e nua
Sabendo que, no fim da noite,
Serei tua

Ana:
Deixa eu te proteger do mal,
Dos medos e da chuva,
Acumulando de prazeres
Teu leito de viúva
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 23

As duas:
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás?
Meu amor, vem me buscar

Ana:
Vamos ceder enfim à tentação
Das nossas bocas cruas
E mergulhar no poço escuro
De nós duas

Bárbara:
Vamos viver agonizando
Uma paixão vadia
Maravilhosa e transbordante
Feito uma hemorragia

Em referência à ausência de Calabar, Ana de Ams-


terdã quer “preencher o leito de viúva”. Assumindo o
que seria o papel masculino, Ana quer proteger Bár-
bara, uma mulher “desesperada e nua”, “do mal, dos
medos e da chuva”. Nas falas, há uma certa urgên-
cia e o pedido de “ceder, enfim, à tentação” do amor
homossexual. Como um fruto proibido, o desejo ho-
mossexual se revela ambíguo. O que pode ser uma
24 NÓS DUAS

paixão vadia também é maravilhosa e transbordante. E,


como bem apontou Sigmund Freud, em Totem e tabu (2012), se algo
é socialmente ou moralmente proibido, é porque nesse algo pode
ser encontrada alguma forma de se obter prazer.
A palavra “vadia” carrega um valor muito forte na classifica-
ção desse amor homossexual e está intimamente ligada a uma
realidade LGBT da época. No Brasil, sobretudo nas décadas de
1960 e 1970, eram comuns batidas policiais em áreas centrais das
cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, a fim de deter homos-
sexuais e até mesmo extorqui-los mediante a ameaça de revelar
sua orientação sexual às suas famílias. Segundo James Green, em
seu livro Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do
século XX (2000, p. 266), “em geral, os presos eram mantidos sob
a alegação de vadiagem, caso não pudessem provar que tinham
emprego remunerado”. Como ser homossexual não era um cri-
me, utilizava-se o argumento de “vadiagem”, essa sim, conduta
proibida pela lei.
É importante destacar que, na gravação de Chico Buarque,
o termo “nós duas” é silenciado1. Como abordamos no capítulo
anterior, essa era uma marca textual que definia o gênero das
personagens e, consequentemente, destacava o desejo entre duas
mulheres. Claramente, o que foi censurado foi o discurso homos-

1 Em gravações em estúdio, é uma prática comum gravar os instrumentos e as


vozes em canais separados que, posteriormente, são juntados no processo de mi-
xagem. No caso do registro da canção “Bárbara”, no disco Chico canta (1973), há
a supressão do termo “nós duas” apenas no canal que registrou a voz do cantor.
Porém, há casos em que a censura foi realizada diretamente na versão final, isto
é, já mixada, como na faixa “Mais uma vez”, do disco Fullgás (1984), de Marina
Lima, em que, no minuto 2’02’’, foi suprimida a palavra “tesão” e, junto com ela,
todos os outros canais foram prejudicados.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 25

sexual contido na canção. A repressão recai na


possibilidade de representar o desejo sexual e afe-
tivo que não seguia a heteronormatividade.
Contudo, o desejo, mesmo que seja classifica-
do como vadio ou moralmente condenável, não
cessa e transborda, “feito uma hemorragia”, por
entre os contornos da proibição. Não será coin-
cidência o fato de essa mesma imagem poética lí-
quida para o desejo homossexual também surgir
em outra composição de Chico Buarque: “Mar
e lua”, do LP Vida (1980), cujo trecho reproduzi- LP Vida (1980),
mos abaixo. Chico Buarque

Amaram o amor urgente


As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
26 NÓS DUAS

O narrador, como quem reconstrói uma narrativa


mitológica, utiliza imagens da natureza para descre-
ver a história de duas mulheres que vivem um “amor
proibido”. Sempre “distante do mar”, nas “noturnas
praias”, esse amor é “serenado”, acontece somente
no breu e deixa as personagens tontas e nuas. Entre
“as noturnas praias” e “o poço escuro de nós duas”,
de “Bárbara”, há dois pontos de aproximação: um
cenário distante da civilização, seja na praia deserta,
seja na intimidade de um quarto, e o desejo homos-
sexual como algo devastador que, no caso, invade o
corpo feminino como as marés e as hemorragias. O
que está posto em ambas as canções é a fruição na-
tural de uma pulsão que só pode ocorrer longe da
civilização e suas leis.
Aos olhos da sociedade, o desejo homossexual se
esconde através da linguagem. Tanto em “Bárbara”,
como em “Mar e lua”, foram utilizadas metáforas
para falar sobre a homossexualidade. Em um contex-
to de ditadura militar, que terminará em meados da
década de 1980, até poderíamos enxergar o que José
Miguel Wisnik, em seu livro Sem receita: ensaios e canções
(2004, p. 171), chamou “frestas”, ou seja, os meandros
da linguagem utilizados pelos compositores para pas-
sar “recados” políticos sem que eles fossem barrados
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 27

na “alfândega da censura”. Porém, a metáfora até


hoje é empregada como uma forma de contornar
a temática LGBT e gerar ambiguidades. Na voz
de Maria Bethânia, “Eu que não sei quase nada
do mar” (2006), presente no disco Pirata e de au-
toria de Ana Carolina e Jorge Vercillo, recorre às
mesmas imagens usadas por Chico Buarque e Ruy
Guerra para trazer um eu lírico feminino que tem CD Pirata (2006),
como objeto de desejo uma outra mulher. Maria Bethânia

Garimpeira da beleza,
Te achei na beira de você me achar
Me agarra na cintura, me segura e jura que não vai soltar
E vem me bebendo toda, me deixando tonta de tanto prazer
Navegando nos meus seios, mar partindo ao meio
Não vou esquecer

Eu que não sei quase nada do mar


Descobri que não sei nada de mim

Clara, noite rara, nos levando além


Da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos
Na escuridão
28 NÓS DUAS

O oculto, o medo, a vertigem do amar, a arreben-


tação. O amor entre duas mulheres surge em cena,
mas nas entrelinhas.
Assim é no sutil “jogo de damas”, na canção “Va-
leu” (2006), de Marina Lima, presente no CD Lá nos
primórdios, ou no erótico “vermelho de horizontes dis-
tintos”, de “Ciúme de mim” (2014), de Claudia Do-
rei, presente no CD Inspire: as metáforas surgem para
dizer o que é proibido, o que pode ser censurado.
Só compreenderá quem souber as referências certas,
quem for “entendido”, lembrando que o próprio ter-
mo “entendido”, por muito tempo, foi utilizado para
denominar o indivíduo homossexual.
No percurso da história, a população LGBT utili-
zou-se de códigos próprios para suas expressões. James
Green (2000, p. 292) destaca, ao ler correspondências
entre homossexuais brasileiros da década de 1940,
que era utilizado “um idioma particularmente com-
plexo, que empregava uma linguagem codificada [...],
duplos sentidos e namoradas fictícias para comunicar-
-se sobre seus romances, amizades e aventuras”.
Mais do que um dialeto ou uma forma poética,
estamos falando de meios possíveis de expressão e
sobrevivência em uma realidade de repressão e pre-
conceito. Por meio de recursos de linguagem e da
construção de códigos próprios, as relações homoa-
fetivas parecem resistir à escuridão dos tempos, pro-
tegem-se e preservam-se. Contudo, a marginalização
da questão LGBT na linguagem, isto é, no domínio
do simbólico, surgirá, de uma forma ou de outra, no
plano do real, como veremos a seguir.
A MARGINALIZAÇÃO
E O CORPO

H
oje, no Brasil, de todas as letras que formam
a sigla LGBT, talvez não exista categoria mais
marginalizada do que a composta de travestis, e
homens e mulheres transexuais. Quando provêm de
famílias pobres, muitas e muitos são expulsos de casa,
não chegam a concluir o ensino fundamental ou o
médio e encontram na prostituição o único cami-
nho viável para sobreviver. Essa é a grande maioria
que, como aponta Don Kulick, em seu livro Travesti:
prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil (2008, p. 24),
30 NÓS DUAS

“muitos brasileiros veem apenas de relance, à noite,


em pé ao longo de avenidas e nas esquinas de ruas
mal iluminadas ou nas páginas policiais”. Marginali-
zadas, estão sujeitas a todo tipo de violência nas ruas.
A exclusão vivida diariamente por travestis e tran-
sexuais nem sempre é evidente, pois muitas vezes é
mascarada por uma certa aceitação. Talvez a per-
sonagem Geni tenha sintetizado bem essa contradi-
ção na canção “Geni e o zepelim” (Chico Buarque),
presente na peça Ópera do malandro (1978), de Chico
Buarque. Nela, a travesti ocupa um papel dúbio de
marginalização e aceitação.
Transitando entre os dois principais núcleos da
peça, que estão em conflito, o do senhor Duran e o
de Max Overseas, Geni é uma vendedora de perfu-
mes que opera também como uma espécie de men-
sageira. Às vezes, é tratada pelas demais personagens
por meio do uso de artigos femininos e, em outros
momentos, é chamada, de forma pejorativa, pela al-
cunha de “Genival”, seu nome de registro. Uma das
principais personagens que violentam Geni é o ins-
petor Chaves, que, ao longo da peça, a xinga diversas
vezes de “bichona” e “veado puto”.
Em uma das cenas mais relevantes, Geni, ape-
sar de ser constantemente humilhada pelo policial,
revela-lhe informações sobre o paradeiro de Max,
então foragido. Ao final da revelação, que tem o seu
preço, Geni diz que fará um pequeno show e con-
vida os presentes a cantarem “bem forte” o refrão.
E assim começa um longo monólogo que é atraves-
sado pelo coro.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 31

De tudo que é nego torto


Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada

Narrando uma história na qual é a personagem


principal, Geni se descreve como alguém que se dá
a todos. Serve desde “os moleques do internato” até
“os velhinhos sem saúde” devido a sua bondade. A
narração, em terceira pessoa do singular, parece im-
personalizar a própria Geni. Apresenta a travesti não
como uma pessoa, mas como um produto a ser con-
sumido e descartado.

Joga pedra na Geni


Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Porém, na história que se conta, um zepelim


prateado surge na cidade pronto para destruir tudo
o que visse pela frente. Mas seu comandante colo-
ca como única condição para a não destruição que
32 NÓS DUAS

Geni, “aquela formosa dama”, o servisse. Sur-


preendendo a todos, “com seus caprichos”, Geni
“preferia amar com os bichos” em vez de se dei-
tar com ele. “Ao ouvir tal heresia”, a sociedade
implora-lhe que se deite com ele, a fim de salvar
a todos. A “maldita Geni” vira “bendita Geni” e
ela acata os pedidos. “Ao raiar o dia”, após saciar
o comandante do zepelim, nada muda: Geni con-
tinua sendo apedrejada pela sociedade, de forma
ainda mais agressiva.
O que essa história narrada por Geni repre-
senta é que ela, enquanto travesti, ocupa um lu-
gar social à margem. São corpos que existem para
serem descartados violentamente. Violência essa
que deixa marcas no corpo de travestis e homens e
mulheres trans, como em “Benedita” (Celso Sim/
CD A mulher do fim Pepê Mata Machado/Joana Barossi/Fernanda
do mundo (2015), Diamant), gravada por Elza Soares e Celso Sim,
Elza Soares em A mulher do fim do mundo (2015).

Benedita é sua alcunha


E, da muda, não tem testemunha
Ela leva o cartucho na teta
Ela abre a navalha na boca
Ela tem uma dupla caceta
A traveca é tera chefona
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 33

Armada pela navalha e pela dupla caceta, instru-


mentos que, entre si, são contraditórios, Benedita,
uma travesti que se prostitui, está pronta para
o confronto com a polícia, que, “na surdina,
prepara um ataque”, na “zona do crack”, re-
gião central de São Paulo. Ela traz “uma bala perdida”
e “uma bala de prata guardada” no corpo.
Como bem fotografou Don Kulick (2008, p. 50),
ao conviver com travestis de Salvador na condição
de antropológo, essas pessoas são “relativamente
vulneráveis à brutalidade policial” e, por isso, “elas
têm a preocupação de manter uma gilete escondida
em alguma parte do corpo, sempre”. Estando em
zonas de prostituição, dominadas pelo tráfico de
drogas e outros crimes, como vendas de produtos
roubados, as travestis convivem diariamente com a
violência. À noite, quando saem às ruas e oferecem
seus corpos à venda, acabam recebendo insultos de
passantes e, sobretudo, de policiais, como ainda re-
latou Don Kulick.
Se, na canção “Benedita”, a travesti traz “na car-
ne uma bala perdida”, na vida real, não podemos
nos esquecer que a violência e a exclusão social ficam
marcadas fisicamente nessas mulheres. Sem recursos
suficientes, elas acabam modificando o corpo de for-
ma precária, sem acompanhamento médico adequa-
do, fazendo uso de hormônios ou injetando silicone
industrial em suas nádegas, coxas e seios, uma práti-
ca que pode causar danos irreversíveis aos músculos.
Mais recentemente, algumas terapias hormonais e até
mesmo cirurgias de redesignação sexual começaram
34 NÓS DUAS

a ser oferecidas pelo sistema público de saúde. Contu-


do, tais medidas ainda enfrentam muita resistência na
sociedade e no sistema político, sendo constantemente
questionadas, atacadas e ameaçadas.
Tudo o que não é simbolizado surge violenta-
mente no real, como Jacques Lacan (1985) fórmula
no conceito de foraclusão. Estamos falando de corpos
sujeitos a todo tipo de agressão. Vemos isso na recep-
ção claramente negativa da performance da transe-
xual Viviany Beleboni, que surgiu crucificada na 19ª
Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 2015;
ou nos dados que revelam que, entre janeiro de 2008
e março de 2014, 604 transexuais e travestis foram
assassinadas no país por transfobia2, liderando o
ranking de países que mais matam essa população. A
marginalização da população LGBT e o preconceito
nas formas das fobias trazem consequências reais e
massacrantes, que são, diariamente, mascaradas por
uma aparente aceitação e permissividade na socie-
dade brasileira.

2 Segundo dados da ONG Transgender Europe. In: CAZAR-


RÉ, Marieta. “Com 600 mortes em seis anos, Brasil é o que
mais mata travestis e transexuais.” Agência Brasil, 13 nov. 2015.
Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-hu-
manos/noticia/2015-11/com-600-mortes-em-seis-anos-brasil-
e-o-que-mais-mata-travestis-e>. Acesso em: 29 jun. 2016.
A FANTASIA E
A REALIDADE

N
o horário nobre da televisão brasileira, em um
domingo do ano de 1973, a banda Secos &
Molhados fez sua estreia. Alegrando adultos e
crianças, um trio de homens munidos de indumentá-
rias consideradas femininas, timbres agudos e rostos
maquilados (apesar de barbados), em clara alusão ao
grupo underground de teatro Dzi Croquettes, tinham
“presença cênica libidinosa e ousada”, como define
André Barcinski (2014, p. 24). O grupo, encabeçado
por Ney Matogrosso, interpretava canções cujas le-
tras, embora aparentemente infantis, ganhavam ou-
tros significados em suas vozes, como “O vira” (João
Ricardo/Luhli).
36 NÓS DUAS

Vira, vira, vira


Vira, vira, vira homem, vira, vira
Vira, vira lobisomem

A banda acabou pouco tempo depois de sua es-


treia, mas Ney Matogrosso, em sua carreira, levou
adiante os gestos performativos explorados pelo
grupo. No palco e em seus discos, tornaram-se fre-
quentes, até os dias atuais, alegorias animalescas,
insinuações sexuais e subversões de gênero. Ney
encarna diferentes personas. Sempre sob o mesmo
cenário, surgem figuras latinas, como o pássaro-ho-
mem da capa do LP Água do céu (1975) e o cigano do
LP Bandido (1976).
As personas de Ney Matogrosso exploram
um imaginário permissivo dos trópicos. Tal
contexto foi muito bem representado por um frevo de
Chico Buarque e Ruy Guerra, presente na já citada
peça Calabar: “Não existe pecado ao sul do equador”.
Em tom festivo, na gravação presente no disco Feitiço
(1978), Ney Matogrosso assume a voz da prostituta
Ana, que convida o conde holandês Maurício de Nas-
sau a desfrutar dos prazeres daquela terra.

Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar


Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me usa, me abusa, lambuza
Que a tua cafuza não pode esperar
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 37

Os trópicos, desde a chegada dos portugueses e espanhóis, fo-


ram retratados, no imaginário europeu, como um território “sem
lei”, onde os povos indígenas, que viviam nus, conservavam o que
havia de mais primitivo. Essa, sem dúvidas, é uma visão fundada
em valores católicos e europeus, que contrapunham os avanços
tecnológicos e as civilizações a serem colonizadas.
Em uma terra sem lei, o pecado, invenção religiosa e moral,
não existe. Tudo nela é permitido. E, sem leis, as pulsões do
indivíduo fluem sem nenhum impedimento.
Nesse ponto, podemos evocar Sigmund Freud e o mito fun-
dador da civilização, desenvolvido em Totem e tabu (2012). Para
ele, a renúncia de certos instintos humanos, como o desejo in-
cestuoso, foi um dos principais fatores para a criação da civili-
zação. Ela, por sua vez, estabelece leis que, a priori, baseiam-se
na proibição e no interdito. Sendo assim, para o funcionamento
da civilização, as renúncias ao instinto são fundamentais. É um
conceito que, vale apontar, Freud retomará em O mal-estar na
civilização (2010). Em um território não civilizado e, portanto,
bárbaro, o sexo não é regulado por leis, mas sim pelo imperativo
do corpo.
O Carnaval brasileiro acaba por sintetizar esse imaginário
tropical. No que concerne ao gênero, é importante apontar que
homens costumam se vestir de mulher ou reproduzir gestos con-
siderados femininos nesse período do ano. Há uma certa per-
missividade em relação a isso. Homens heterossexuais tomam as
roupas emprestadas de suas esposas, amigas ou irmãs para des-
filar travestidos em blocos. Contudo, como aponta James Green
(2000, p. 26), há uma contradição arraigada na cultura brasileira
que se revela, sobretudo, nessa festividade. Por mais que no Car-
naval e, inclusive, no imaginário cultural como um todo, essas
figuras, como Ney Matogrosso, estejam presentes, elas mais sur-
38 NÓS DUAS

gem como representantes de um “modelo divertido


mas inapropriado, não para ser imitado”.
Poderíamos dizer que, ficcionalmente, isto é, no
plano da fantasia, elas são toleráveis, mas não têm
espaço na realidade. Por exemplo, a bissexualidade
surge na bem-humorada “Sônia (Sunny)” (Bobby
Hebb/Leo Jaime/Leandro), no LP Phodas-C, de
1983. Na voz de Leo Jaime, um rapaz abre o jogo à
Sônia, seu objeto de desejo, e se declara:

Sônia, chega mais aqui e fica bem juntinho


Sônia, vamos, nessa festa, fazer um trenzinho
Você na frente e eu atrás
E atrás de mim, um outro rapaz
Sônia, que loucura!

A canção, lançada durante o fim da ditadura


militar, foi censurada e sofreu modificações
substanciais que tiravam o teor bissexual
do discurso, curiosamente, mantendo ainda algu-
mas sugestões sexuais.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 39

Sônia, chega mais aqui e fica bem juntinho


Sônia, vamos, nessa festa, fazer um trenzinho
Você na frente que eu vou atrás
Dançando Rale Gale e tudo mais
Sônia, que loucura!

Pode-se apontar que, na canção, a bissexualidade


surge sem culpa em um contexto festivo e fantasioso
com Sônia. Resta-nos saber se a postura bissexual se-
ria mantida fora de quatro paredes.
Gênero e orientação sexual, como veremos a se-
guir, surgem cada vez mais na ordem simbólica (e,
portanto, do domínio das representações). Porém,
ainda há muitas tensões entre os campos do simbóli-
co e do real, tensões entre o que pode ser simboliza-
do e a realidade.
O GÊNERO E O PALCO
DAS REPRESENTAÇÕES

O
gênero, atualmente, é um conceito discutido
por diversas correntes teóricas e práticas. Ape-
sar de não haver um consenso entre as mais di-
versas frentes, tais discussões iluminam um assunto
historicamente negado ou relegado. O barulho das
ideias é sempre preferível ao silêncio da censura, da
ignorância e da alienação.
O que podemos dizer é que, desde o momento no
qual Simone de Beauvoir, em O segundo sexo (2010),
formulou que “ninguém nasce mulher”, e sim “tor-
na-se mulher”, as discussões de gênero se desvincula-
ram de um fator meramente biológico que por muito
tempo permeou a questão. Estudos como Making sex:
body and gender from the Greeks to Freud (1990), de Tho-
mas Laqueur, mostram como o entendimento sobre o
que seria gênero esteve intimamente ligado ao desen-
volvimento da medicina em uma agenda positivista.
A partir do momento em que o gênero ultrapassa
o muro de uma mínima diferenciação anatômica,
fica mais evidente como as relações sociais
e culturais vão construindo o que hoje deno-
minamos de “homem” ou “mulher”, e o que
isso implicará na vida do indivíduo.
Como aponta a psicanalista Maria Rita Kehl, em
seu Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passa-
gem para a modernidade (1998, pp. 32-33), uma das pri-
meiras inscrições do sujeito no discurso do Outro, que
também é o discurso do meio sociocultural em que ele
vive, baseia-se em uma diferenciação sexual que acar-
retará um complexo conjunto de significados tatuados
no corpo e na experiência do sujeito:

A primeira definição de uma criança, dada antes mesmo que o feto complete
a sua evolução, graças aos métodos atuais da investigação ultrassonográfica, é
que seja “menino” ou “menina”. Significantes que indicam não apenas uma
diferença anatômica, mas a tendência a um de dois grupos identitários carrega-
dos de significação. Assim que, entre outras coisas, foi tatuado em cada um de
nós que somos “homens” ou “mulheres” sem que nossa passagem pelo mundo
seja acompanhada de nenhum manual de instruções que dê conta do ajuste entre
este “ser homem” ou “ser mulher” e a ínfima singularidade do nosso desejo.
42 NÓS DUAS

A cultura forjará o que seria uma “identidade


feminina” e uma “identidade masculina”. As gra-
vações da canção “Homem” (Caetano Veloso), nas
vozes de Caetano Veloso e Alice Caymmi, trazem, de
certa forma, o que seriam essas identidades e como
elas estão relacionadas ao complexo conjunto de sig-
nificados atrelados ao gênero.
Originalmente gravada no disco Cê (2006), por
Caetano, o rock traz um eu lírico masculino que ex-
pressa o que inveja e o que não inveja na mulher.

Não tenho inveja da fidelidade


Nem da intuição
Não tenho inveja da sagacidade
Nem da dissimulação
Só tenho inveja da longevidade
Dos orgasmos múltiplos
E dos orgasmos múltiplos

O que o eu lírico destaca são as características


que socialmente e simbolicamente são atribuídas às
mulheres, como a “fidelidade” e a “dissimulação”,
em contraposição às que seriam relacionadas ao ho-
mem: a “infidelidade” e a “incapacidade de mentir”.
São rótulos dispostos em oposição entre dois polos: o
homem e a mulher.
Quando Alice Caymmi regrava a canção, no
disco Rainha dos raios (2014), a intérprete evidencia
o jogo de cena estabelecido pela composição e, ao
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 43

subverter o lugar de fala do eu lírico, encara essas


características como papéis a serem interpretados, e
não como verdades intrínsecas ao sujeito.
A ironia em Alice cantar versos como “eu sou
homem / pelo grosso no nariz” é reforçada com a
inserção, nos arranjos, de gemidos femininos retira-
dos de filmes pornôs. Vale lembrar que a indústria
pornográfica é um dos espaços que mais reforçam os
estereótipos femininos, forjando as imagens da cole-
gial indefesa e da mulher dominatrix. Autoras como
Andrea Dworkin, em seu Pornography: men pressing
women (1989), vão ainda destacar como a indústria
pornográfica reproduz ideologias nas quais a mulher
estará sempre em uma posição de subordinação ao
homem, em que reinam a violência e a misoginia.
Quando abordamos o gênero, falamos da instância
do imaginário, isto é, de imagens. Jacques Lacan, em Se-
minário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante (2009,
p. 31), vai falar que o gênero está ligado ao semblante:

Para o menino, na idade adulta, trata-se de parecer-homem. É isso que consti-


tui a relação com a outra parte. [...] Desse parecer-homem, um dos correlatos
essenciais é dar sinal “a menina de que se é”. Em síntese, vemo-nos imedia-
tamente colocados na dimensão do semblante.

Ser um homem ou ser uma mulher, portanto, diz


respeito a parecer um homem ou parecer uma mulher, ou seja,
vestir as máscaras que identificam o homem ou a mu-
lher. Camille Paglia, em seu Sexo, arte e cultura americana
44 NÓS DUAS

(1993, pp. 15-17), ao analisar a trajetória artísti-


ca de Madonna, radicaliza a questão e chega
a afirmar categoricamente que não passa-
mos de máscaras. Segundo a autora, “ela [a canto-
ra norte-americana] vê tanto a animalidade quanto o
artifício” quando explora sua persona sexual, como no
clássico videoclipe de “Express yourself ” (1989), do LP
Like a prayer, no qual encarna tanto uma mulher domi-
nadora como uma escrava do desejo masculino.
Por outro lado, Judith Butler, em seu Problemas de gê-
nero: feminismo e subversão da identidade (2003), vai apontar
exatamente para essa polarização entre o homem e a
mulher, e discutir como esses extremos trazem em si
uma heterossexualidade compulsória. Nela, segundo
a autora, o indivíduo que se identifique com o gênero
masculino sempre estará destinado ao gênero femini-
no, e vice-versa. Esse seria o desejo socialmente aceito
e considerado “normal”. As configurações e orienta-
ções sexuais que fujam desse padrão são repudiadas
ou causam um estranhamento cognitivo inicial, como
já dissemos no capítulo 1. Segundo Butler (2003, p.
45), “essa concepção de gênero não só pressupõe uma
relação causal entre sexo, gênero e desejo, mas sugere
igualmente que o desejo reflete ou exprime o gênero,
e que o gênero reflete ou exprime o desejo”.
Para além da defesa de uma pluralidade de gêne-
ros, o avanço da teoria queer, encabeçada principalmen-
te por Judith Butler, representa o olhar contestador às
congruências estabelecidas entre gênero e orientação
sexual, destacando, sobretudo, a heteronormatividade,
que sempre nos faz enxergar o indivíduo e seu desejo de
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 45

uma forma preconcebida. Talvez Marina Lima, em


“Na minha mão” (Marina Lima/Alvin L.), do disco
Pierrot do Brasil (1998), tenha refletido bem a questão:

O fato é que eu já constatei


Nem tudo é mão ou contramão
Nosso desejo não tem lei CD Pierrot do Brasil
E o resto é pura ilusão (1998), Marina Lima

Entre as possibilidades de gênero, socialmente


constituídas, e o desejo do indivíduo, há um abis-
mo. Como afirma Maria Rita Kehl, não há manu-
al de instruções ao sujeito. De um lado, o sexo tem
o seu semblante. Do outro, o corpo deseja. Nesse
sentido, a sociedade e suas leis constituirão os gêne-
ros e formações sociais, como a família, para tentar
dar conta. Michel Foucault, no História da sexualida-
de 1: a vontade de saber (2015), vai localizar, na funda-
ção do conceito de “núcleo familiar”, uma forma
de dominação da sexualidade. O nascimento da
família acaba deslocando o sexo para as finalida-
des da procriação e da monogamia. Claramente
o deslocamento sexual não terá sido em vão. Afi-
nal, como Freud afirma em O mal-estar da civilização
(2010), sem renúncias, não há civilização. Contu-
do, a partir do momento em que a família se torna
uma norma, ela acaba excluindo outras formas de
manifestações afetivas. Principalmente as de natu-
reza LGBT, como veremos a seguir.
A SEXUALIDADE E
A SOCIEDADE

R
econhecer e afirmar sua própria sexualidade
pode se mostrar um processo bastante comple-
xo para o indivíduo, ainda mais quando ela foge
dos padrões heteronormativos. Não há um consenso
sobre as origens da sexualidade humana. Mas, desde
o início da psicanálise, ela foi posta como algo inato.
Surgirá na infância e passará por desenvolvimentos
que o sujeito levará até a fase adulta.
Sigmund Freud localizará, ainda no estágio ins-
tintual do indivíduo, a origem da sexualidade. Em
Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 2002, Freud
afirma que todos nascem com uma predis-
posição bissexual. Porém, no curso do desenvol-
vimento individual, tende-se a seguir um dos dois
caminhos: recalcar o desejo por indivíduos do mes-
mo sexo (tornando-nos heterossexuais), ou assumi-lo
(configurando-nos homossexuais ou bissexuais).
Contudo, é importante frisar que o que chama-
mos de desenvolvimento individual diz respeito a
uma trama complexa entre as partes que formam
o “eu”, na abordagem freudiana: o eu, o supereu e o
id. Entendendo que o “supereu” é a representação
do indivíduo em sociedade, não é difícil apontar que
se criam tensões entre as expectativas sociais, as leis
normativas e a vontade do sujeito. Afirmar-se fora
do padrão heteronormativo é também uma forma
de contestação.
Não é à toa a postura questionadora em “Ho-
mens e mulheres” de Ana Carolina (2006), presente
no disco Dois quartos:

Eu gosto de homens e de mulheres


E você o que prefere?
48 NÓS DUAS

Após uma afirmação, o eu lírico abre uma dis-


cussão que passa a sexualidade para o campo das
preferências, ou seja, cabe ao indivíduo fazer sua
escolha e não aceitar a imposição de uma norma
LP Atrás do porto sexual. Semelhante postura contestatória aparece
tem uma cidade em “De pés no chão”, de Rita Lee (1974), presen-
(1974), Rita Lee te no LP Atrás do porto tem uma cidade.

Sim, eu sou um deles


E gosto muito muito de sê-lo
Porque faço coleção
De lacinhos cor-de-rosa e também de sapatão

Outro posicionamento que refuta às leis de


normatividade sexual está relacionado à subver-
são das performatividades de gênero. Retomando
a canção “Homens e mulheres”, Ana Carolina vai
misturar os semblantes que formariam a identida-
de masculina e a identidade feminina.

Homens que dançam tango


Mulheres que acordam cedo
Homens que guardam as datas
Mulheres que não sentem medo
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 49

Na canção, há uma inversão de posições usual-


mente atribuídas a homens ou a mulheres. Trocam-
-se os papéis preestabelecidos aos gêneros: em vez da
figura do homem insensível e da mulher que repre-
senta o “sexo frágil”, os homens guardam as datas e
as mulheres não sentem medo.
A afirmação desse eu da canção tem um impor-
tante significado simbólico, pois insere, no grande
discurso, possibilidades que não estão totalmente
aceitas no cotidiano. O mesmo se dá quando esse eu
acaba extrapolando a canção e indo para o campo
da imagem do intérprete.
Ana Carolina e Marina Lima, assim como
Ney Matogrosso, são personas LGBT que
emprestam e ganham força nas canções. A
cada nova interpretação essa persona surge em cena
e é alimentada. Por exemplo, estamos falando da
Marina Lima que, em 2006, na canção “Anna Bella”
(Marina Lima/Antonio Cicero), presente no disco Lá
nos primórdios, questiona: “por que as mulheres tam-
bém não podem ter a sua sauna gay?”.
Ou da Ana Carolina que fala sobre oito garotas
que passaram por sua vida, em “8 estórias” (Ana
Carolina/Chiara Civello), de 2009, presente no CD
N9ve. Nesse sentido, as barreiras entre a imagem da
artista e a realidade começam a ficar borradas e tra-
rão novas questões.
O PÚBLICO
E O PRIVADO

D
e certa maneira, podemos dizer que a canção é
um espaço ficcional. Apesar de ser um objeto que
dialoga com seu contexto social, em suas mais di-
versas dimensões, e da ilusão que nos leva a crer que
há uma congruência e até mesmo uma interpenetra-
ção entre o eu lírico, o narrador ou a personagem da
canção e o intérprete que a reproduz, a canção não é
necessariamente um discurso do intérprete.
Todavia, há um componente próprio da atual
“sociedade do espetáculo”, para usar o termo
cunhado por Guy Debord (1997), que, no que tange
à questão LGBT, será importante: a confusão entre
a imagem pública do intérprete, sua vida privada e
sua sexualidade.
Em uma realidade permeada por figuras públicas
cujo dia a dia estampa manchetes de jornais, revistas
e blogs, o ato de “sair do armário” tem se tornado
um gesto político cada vez mais frequente no Brasil.
O artista possui um espaço privilegiado e, até cer-
to ponto, problemático. Como destaca Maria Rita
Kehl (2004, p. 65),

em plena cultura do individualismo, da independência pessoal e da liberdade


(como valores dominantes), vive-se uma espécie de mais-alienação, de rendição
absoluta ao brilho não exatamente dos objetos, mas da imagem dos objetos.
Mais ainda: rendição ao brilho da imagem de algumas personagens públicas
e identificadas ao gozo que os objetos deveriam proporcionar.

O artista torna-se uma imagem à venda. E, nesse


processo de espetacularização do corpo do artista, sua
vida privada confunde-se com a vida pública. Se, no
cotidiano, é comum querer descobrir a sexualidade
alheia, principalmente quando se suspeita de que ela
não segue padrões heteronormativos, a imprensa, na
busca desenfreada por audiência, encarrega-se de es-
pecular a sexualidade dos artistas pelo público. Hoje
52 NÓS DUAS

é fácil observar: se abrirmos um desses blogs de fofocas de celebri-


dades, veremos que as postagens que possuem maior audiência e o
maior número de comentários são aquelas que noticiam “puladas
de cerca” e possíveis casos homossexuais de artistas da televisão.
Sob uma postura cínica e, quero crer, ingênua, os jornalistas desse
filão de conteúdo se defendem dizendo que estão indo atrás da ver-
dade para deixar de lado a hipocrisia do artista LGBT que não se
assume publicamente. Contudo, é interessante notar a perversidade
existente na forma através da qual as notícias são estruturadas, sem-
pre em tom investigativo e convidando o público a matar a charada.
O que acrescentam?
Pouco ou nada. Talvez só reforcem a prática preconceituosa
de especular pejorativamente a sexualidade alheia, assim como
fez Raul Seixas em “Rock das aranha” (Raul Seixas/Claudio Ro-
berto), de 1991, presente no disco As profecias.
A canção fala, metaforicamente, sobre o ato sexual entre duas
mulheres (“eu vi duas mulheres botando aranha pra brigar”) e o
desejo de um homem, que assiste à cena, de querer participar e até
mesmo “corrigir” o ato: “vem cá, mulher, deixa de manha, / mi-
nha cobra quer comer sua aranha”. Na gravação ao vivo, presente
no disco póstumo As profecias (1991), Raul dedica a canção às
cantoras Maria Bethânia, Gal Costa e, “com todo res-
peito”, Simone. Uma dedicatória um tanto pejorativa, que só
busca caçoar das artistas citadas.
Alguns ativistas LGBT acreditam que os artistas deveriam se as-
sumir. Esse imperativo pode não ser o melhor caminho, uma vez que
a questão da privacidade, em tempos de espetáculo, torna-se muito
mais complexa do que conseguimos imaginar. Porém, é inegável que
a cada “saída do armário”, o movimento de afirmação LGBT ganha
força, porque o artista aparece, torna-se porta-voz de uma causa e
isso dá mais visibilidade ao movimento.
A SOCIEDADE E
A FAMÍLIA

N
os últimos anos, temos visto avanços na questão
LGBT na esfera pública. Os direitos civis, histori-
camente negados, passam a ser discutidos e, com
eles, termos e conceitos começam a ser revistos. A pri-
meira transformação veio com o abandono da palavra
“homossexualismo” e do uso do sufixo “-ismo”, que
caracterizava a homossexualidade como uma doença.
Mais recentemente, a palavra “homossexualidade”
está dando lugar a “homoafetividade”, ressaltando o
aspecto afetivo da relação entre duas pessoas do mes-
mo sexo, como a juíza Maria Berenice Dias, em 2001,
defendeu na decisão que, pela primeira vez, reconhe-
ceu juridicamente uma relação homoafetiva no Brasil.
O reconhecimento de direitos civis e o desenvolvi-
mento de programas de inclusão têm gerado muitas
reações, sobretudo de setores conservadores da so-
54 NÓS DUAS

ciedade. Um dos argumentos mais utilizados por aqueles que se


posicionam contra é a ideia de que a família tradicional, baseada
na relação entre um homem e uma mulher, está sendo atacada.
Quando, na realidade, o que se coloca em pauta pelos indivíduos
LGBT é o reconhecimento de outras configurações familiares e a
pluralidade de laços sociais e afetivos.
Destarte, a família pode ser um espaço cheio de tensões. Mui-
tas vezes, indivíduos que se descobrem LGBT não assumem sua
identidade de gênero ou orientação sexual com medo da reação
de seus familiares. Alguns chegam até mesmo a ser expulsos ou
sofrem violência dentro da própria casa.
É comum haver uma aceitação que, mesmo assim, impõe
silêncios. Como aponta James Green (2000, p. 27),

quando uma família descobre que um filho é gay, pais e parentes podem vir
a tolerar esse fato, contanto que ele não seja abertamente efeminado e que as
pessoas fora da família não saibam. Muitas vezes, está implícita uma política
de “não pergunto, não me conte”.

O preconceito, a censura e a rejeição aos LGBT surgem em


um espaço que deveria ser de acolhida a qualquer indivíduo.
No caminho da aceitação, havia uma família e uma sociedade. E
esse é o exato momento em que entra em cena a canção “Rubens”
(Mário Manga), gravada pelo grupo paulistano Premeditando o Bre-
que em 1986 e presente no LP Grande coisa. Formado por alunos da
Universidade de São Paulo, o Premê, como por vezes era chamado,
tornou-se conhecido pelo humor empregado em suas composições
autorais. Porém, “Rubens”, apesar de também possuir um tom hu-
morístico, não desqualifica a questão. Ao contrário, engrandece-a.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 55

A composição traz como eu lírico um rapaz que


se dirige a Rubens, seu amigo, que é descrito como
dono de um “rostinho bonito” e “um jeito diferentão
de olhar no olho da gente e de criar confusão”. Decla-
rando-se, nas primeiras estrofes, o eu lírico se coloca
diante de uma descoberta sexual e da escolha de seu
objeto de desejo. Pouco a pouco, ele vai revelando so-
nhos, hesitações e o desejo de, carinhosamente, “mor-
der” e “apertar” seu amigo. Mas, “Rubens, não
dá! A gente é homem, o povo vai estranhar”:

Minha mãe teria um ataque


Teu pai, uma paralisia
Se por acaso soubessem
Que a gente transou um dia

“Rubens” representa o temor da rejeição da famí-


lia e da sociedade em geral. Interessante apontar que
é citada também a “nova doença” (“e com essa nova
doença / o mundo todo na crença / que tudo isso vai
parar”). É, evidentemente, uma referência ao desco-
brimento do vírus HIV, que, na década de 1980, foi
utilizado por setores conservadores para condenar as
relações homoafetivas. Como aponta Gabriel Rotello,
no livro Comportamento sexual e AIDS: a cultura gay em trans-
formação (1998), a AIDS, doença decorrente da presen-
ça do HIV, foi inicialmente associada às práticas sexu-
ais entre homens e chegou até mesmo a ser classificada
como uma “peste negra gay”. Contudo, após um lon-
56 NÓS DUAS

go trabalho de conscientização, hoje já são amplamente divulgadas


as formas reais de transmissão, que obviamente, não se dá somente
por meio do sexo sem preservativo entre homens homossexuais.
Em torno dos indivíduos LGBT, há toda uma construção so-
cial preconceituosa que, na linha do tempo, vai se valendo de
argumentos fundados em um conjunto moral: “Gays são promís-
cuos”; “Lésbicas são mulheres que não encontraram o homem
certo”; “Bissexuais são indecisos”; “Transexuais e travestis são
pessoas com problemas mentais”, citando algumas das afirma-
ções preconceituosas que se ouvem diariamente.
Quando um indivíduo se afirma LGBT, a primeira barreira
que ele enfrenta, geralmente, é a sua própria casa. Muitas vezes,
seus familiares terão como referencial esse conjunto simbólico
que toma o LGBT como alguém anormal. É comum o argumen-
to de que o pai ou a mãe não gostaria que seu filho fosse homos-
sexual para que ele não sofresse na sociedade. Nessa argumenta-
ção, a opressão está introjetada, mesmo que indiferentemente, no
seio familiar. O que só causa sofrimento para ambos os lados: os
pais não compreendem, e os filhos querem apenas ser exatamen-
te quem eles são. O desafio, para as gerações vindouras, está em
enxergar essa opressão e desamarrá-la através do conhecimento.
A tendência é que cada nova geração seja mais esclarecida
quanto à sexualidade e às possibilidades de gênero do que a an-
terior. Mas, no decorrer do tempo de vida de um indivíduo, ser
aceito por sua família é uma questão importante que envolve au-
toafirmação. “Lizete” (Kiko Dinucci) retrata bem a relação entre
gerações distintas. A canção, gravada por Ná Ozzetti e Kiko Di-
nucci no disco Embalar (2013), traz uma filha que se dirige a sua
mãe. Como se a composição fosse elaborada através de cortes ci-
nematográficos, há uma sequência de quatro momentos distintos
nos quais a personagem conta sobre Lizete.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 57

No primeiro momento, comenta-se que Lizete


“endoideceu de amor”, após uma tentativa fracassada
de relacionamento aberto com a Rebeca. Depois, a
constatação de que “o amor não é uma receita certa”,
ou seja, não deve necessariamente seguir padrões, e a
retomada de um ensinamento que a mãe passou para
a filha: “se uma ferida não quer estancar / só um novo
amor pode cicatrizar”. Na evolução dos fatos, a perso-
nagem, da posição de amiga, se torna paquera de Li-
zete. A própria personagem acaba demonstrando afe-
to e questionando a mãe: “será que ela desconfiou?”.
Quarta e última cena:

Mãe, vou me juntar com a Lizete


Mudar pra sua kitnet
Ali no bairro do Limão
E, então, nós duas
Ouvindo discos na vitrola
De Charles Mingus a Cartola
Do jeito que você falou, mamãe.

Ao que nos parece, a personagem em questão


quer reproduzir as configurações afetivas tra-
dicionais, extremamente comuns e normais
aos heterossexuais, como morar junto e ter seu re-
lacionamento aceito pelos pais. Ao invés de ter uma pos-
tura “não fale sobre”, a personagem abre o jogo com a
mãe e pede o reconhecimento dela. Não é mais uma
amiga, mas sim uma namorada (ou até mesmo esposa).
QUANDO AMANHECER,
VOCÊ VAI ENTRAR
DENTRO DO FUTURO

C
uriosamente, uma das canções mais atribuídas
aos movimentos LGBT não traz necessariamen-
te uma representação LGBT. Não traz persona-
gem, eu lírico ou narrador LGBT. Não fala de algum
gênero ou orientação sexual que conteste a heteronor-
matividade. Tampouco tem como seu principal intér-
prete uma figura LGBT. Falo de “Paula e Bebeto”
(Caetano Veloso/Milton Nascimento), de 1975, pre-
sente no LP Minas e que traz os emblemáticos versos:

Qualquer maneira de amor vale a pena


Qualquer maneira de amor vale amar
Qualquer maneira de amor vale a pena
Qualquer maneira de amor valerá
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 59

A canção, possivelmente, tornou-se um patrimônio dos movi-


mentos LGBT devido ao valor que traz para o primeiro plano:
toda forma de amor vale a pena e deve ser aceita. Esse é um gesto
que desamarra as ligações normativas entre gênero e desejo sexual,
que acabam pressionando os sujeitos que porventura fujam à regra.
Contudo, não podemos ser ingênuos a ponto de rotular a luta
LGBT somente como uma briga pelo “direito de amar”. É tam-
bém, mas não só. A desigualdade vai se aprofundando ainda mais
quando se levam em consideração outros fatores, como gênero,
cor de pele e condição financeira. As lutas são muitas e diversas,
todas de extrema importância.
Longe de esgotar o assunto, todos os avanços LGBT na cul-
tura brasileira se devem, em parte, a dois movimentos comple-
mentares. De um lado, a formação e consequente articulação de
ONGs e setores civis e políticos em busca de representatividade
na sociedade, como levanta Regina Facchini (2005). De outro, a
inserção de representações LGBT nos espaços simbólicos, como
a televisão, o cinema e a canção, que vão mostrando outras pos-
sibilidades de sexualidade e afeto para as velhas e novas gerações.
Representatividade importa, e muito. Ela torna visível o que
fica à margem, em todos os planos. Abrindo caminhos, ela aponta
direções no breu e na brenha da intolerância e do preconceito.
Parafraseando a cantora Tuca, pioneira compositora e intérprete
LGBT que quase foi apagada pela história, quando amanhecer,
vamos entrar dentro do futuro.
60 NÓS DUAS

Referências
Gravações com representações LGBT citadas no decorrer do estudo

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no álbum Ela; Marcos Valle, presente no
álbum Garra. 1980. “Mar e lua” (Chico Buarque), Chico
Buarque, presente no albúm Vida.
1973. “Bárbara” (Chico Buarque/Ruy
Guerra), Chico Buarque, presente no al- 1982. “A nível de…” (Aldir Blanc/João
búm Chico canta. Bosco), João Bosco, presente no albúm Co-
missão de frente.
1973. “O vira” (João Ricardo/Luhli), Se-
cos & Molhados, presente no albúm Secos 1982. “Mesmo que seja eu” (Erasmo Car-
& Molhados. los/Roberto Carlos), Erasmo Carlos, pre-
sente no albúm Amar pra viver ou morrer de amor.
1974. “De pés no chão” (Rita Lee), Rita
Lee & Tutti Frutti, presente no albúm Atrás 1983. “Sônia (Sunny)” (Bobby Hebb/Leo
do porto tem uma cidade. Jaime/Leandro), Leo Jaime, presente no
albúm Phodas-C.
1974. “Girl” (Prioli/Tuca), Tuca, presente
no albúm Drácula, I love you. 1984. “Mais uma vez” (Marina Lima), Ma-
rina Lima, presente no albúm Fullgás.
1975. “Paula e Bebeto” (Caetano Veloso/
Milton Nascimento), Milton Nascimento, 1984. “Mesmo que seja eu” (Erasmo Car-
presente no albúm Minas. los/Roberto Carlos), Marina Lima, presen-
te no albúm Fullgás.
1978. “Não existe pecado ao sul do equa-
dor” (Chico Buarque/Ruy Guerra), Ney 1986. “Rubens” (Mário Manga), Premeditan-
Matogrosso, presente no albúm Feitiço. do o Breque, presente no albúm Gran-de coisa.
AS REPRESENTAÇÕES LGBT NA CANÇÃO BRASILEIRA 61

1986. “Vertigem” (Luiz Schiavon/Paulo 2006. “Homens e mulheres” (Ana Carolina),


Ricardo/Fernando Deluqui/Ney Mato- Ana Carolina, presente no albúm Dois quartos.
grosso), Ney Matogrosso, presente no al-
búm Bugre. 2006. “Valeu” (Marina Lima), Marina
Lima, presente no albúm Lá nos primórdios.
1989. “Express yourself ” (Madonna/Ste-
phen Bray), Madonna, presente no albúm 2007. “Amor mais que discreto” (Caetano
Like a prayer. Veloso), Caetano Veloso, presente no ál-
bum Multishow ao vivo – Cê.
1991. “Rock das aranhas” (Raul Seixas/
Claudio Roberto), Raul Seixas, presente no 2009. “8 estórias” (Ana Carolina/Chiara Ci-
albúm As profecias. vello), Ana Carolina, presente no albúm N9ve.

1998. “Na minha mão” (Marina Lima/Al- 2013. “Lizete” (Kiko Dinucci/Jonathan
vin L.), Marina Lima, presente no albúm Silva), Ná Ozzetti e Kiko Dinucci, presente
Pierrot do Brasil. no albúm Embalar.

2006. “Anna Bella” (Marina Lima/Anto- 2014. “Ciúme de mim” (Claudia Dorei),
nio Cicero), Marina Lima, presente no al- Claudia Dorei, presente no albúm Inspire.
búm Lá nos primórdios.
2014. “Homem” (Caetano Veloso), Alice
2006. “Eu que não sei quase nada do mar” Caymmi, presente no albúm Rainha dos raios.
(Ana Carolina/Jorge Vercillo), Maria Be-
thânia, presente no albúm Pirata. 2015. “Benedita” (Celso Sim/Pepê Mata
Machado/Joana Barossi/Fernanda Dia-
2006. “Homem” (Caetano Veloso), Caeta- mant), Elza Soares e Celso Sim, presente
no Veloso, presente no albúm Cê. no albúm A mulher do fim do mundo.
62 NÓS DUAS

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