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Resumo
A apropriação da estética do cotidiano como uma proposta a ser explorada no ensino da arte,
constitui para a escola um cenário de possibilidades para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas que enriquecem e aproximam os sujeitos do seu contexto cultural por meio de
uma educação voltada para o sensível. Para discutir questões acerca desse tema, foi proposta
uma vivência estética prática que abordasse esse conceito. A ação relatada nesse artigo, foi
aplicada para um grupo de mestrandos e doutorandos do Programa de Pós Graduação em
Educação da Universidade do Vale do Itajaí, durante o Seminário de Ensino da Arte e
Formação Estética no primeiro semestre de 2014. A problemática central a ser refletida com
esses sujeitos era a discussão sobre as razões de inserir, nos espaços educativos, abordagens
relacionadas à estética do cotidiano e a multiculturalidade como agente multiplicador dessa
estética. A metodologia aplicada durante todo o processo foi a sensibilização dos participantes
ao estimular e valorizar a produção de seus “fazeres especiais” e a partir destes construir uma
narrativa que sirva de referência para a elaboração de suas próprias práticas e de ampliação do
seu repertório artístico ao propor uma ligação entre esses fazeres e a produção contemporânea
em arte. Essas reflexões foram fundamentadas nas abordagens de Richter (2008), Duarte
Júnior (1981) e Mason (2001), que se constituíram no aporte teórico da atividade. O objetivo
geral desta prática foi propor aos participantes uma vivência prática com a proposta da
estética do cotidiano e o multiculturalismo e teve como resultado a reflexão, sensibilização e
estímulo com vistas à abordagem de ensino voltada para a estética do cotidiano e a
multiculturalidade diante de tantas diversidades, destacando a necessidade da educação do
olhar, considerando novas perspectivas de ensinar e sobretudo o que ensinar.
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Designer de interiores, especialista em Arteterapia e mestranda do programa de Pós Graduação em Educação
na Universidade do vale do Itajaí. Professora do curso superior de Tecnologia em Design de Interiores e do curso
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí.
2
Especialista em História Cultural, licenciada em Artes Visuais e mestranda do Programa de Pós Graduação em
Educação da Universidade do Vale do Itajaí.
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Mestre em Educação do programa de Pós Graduação Em Educação da Universidade do Vale do Itajaí.
Professora de Arte do Instituto Federal Catarinense, Campus Camboriú.
ISSN 2176-1396
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Introdução
Uma ocasião,
Meu pai pintou a casa toda
De alaranjado brilhante
Por muito tempo moramos numa casa,
Como ele mesmo dizia,
Constantemente amanhecendo.
Adélia Prado
(PRADO, 2010, p. 36)
Desta provocação retornaram três textos com relatos de experiências cotidianas, todos
em escrita poética que foram lidos e declamados durante a apresentação do seminário por uma
das autoras dessa vivência, Andréia Bazzo. Esse momento configurou o ponto alto da
apresentação em razão da entrega dos participantes à emoção e entusiasmo, em proferir seus
comentários e suas reflexões, ao falarem da alegria e surpresa pelo recebimento da
correspondência.
Uma das respostas ao envio dos cartões revela a surpresa: “meu esposo é quem pega a
correspondência, ficou espantado, me disse ao me entregar: Achei no mínimo estranho,
nunca mais tinha visto alguém se comunicar assim..., quase chorei...”(Zenilda, uma das
participantes).
Nos registros poéticos retornados dos participantes percebeu-se a delicadeza e as
memórias que as cartas remetem. Ao receber uma carta a rotina da forma de comunicação é
alterada e repensada. “A caligrafia, o tempo desprendido para escrever os cartões, a ida ao
correio”, como bem escreve Clara, outra das participantes, “não é possível de se deletar”.
Nessa ação a percepção estética diante de relações interpessoais fortalece a fundamentação de
Duarte Junior (1981) de que quanto mais vivenciarmos a estética diariamente mais
promovemos a harmonia entre o sentir, o pensar e o agir diário.
Com a perspectiva de conhecer e socializar os “fazeres especiais” desses sujeitos, para
colocar em prática as considerações de Richter (2008), e com a intenção de preparar uma
pequena exposição dos trabalhos para romper as barreiras de arte popular e erudita, foi
solicitado ao grande grupo que colaborassem com relatos ou objetos que retratassem alguma
forma de expressão artística pessoal.
Com estes encaminhamentos foi organizado um plano de aula que envolveria as
questões teóricas sobre estética do cotidiano e uma prática para reflexão sobre abordagens
possíveis dentro desta perspectiva de ensino de arte. No planejamento da apresentação foi
programado um roteiro de atividades que correspondem às seguintes etapas:
Preparação do espaço;
Acolhida dos participantes ao som dos poemas declamados por Antônio
Abujamra, os mesmos que foram enviados durante as semanas que precederam o
encontro;
Contextualização da temática em questão, com considerações sobre o texto de
Richter (2008);
Apresentação do “fazer especial” dos participantes;
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Pochoirs são um tipo de estêncil com desenhos vazados que foram feitos pelas autoras em folhas de papel
vegetal
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No outro canto da sala, instalou-se um pequeno atelier de pintura, com tintas e pincéis
e uma grande tela branca na parede esperava... e atiçava a curiosidade dos presentes. Esse era
o espaço reservado para a confecção da colcha de retalhos numa alusão ao multiculturalismo
como possibilidade temática de práticas pedagógicas no ensino das artes visuais.
Os participantes foram recebidos na sua chegada ao foyer pela leitura de um dos textos
resposta do cartão postal e encaminhados à sala de aula, ao entrar foram acolhidos pelo som
penetrante da voz de Antônio Abujamra que recitava o texto de Manoel de Barros, “Difícil
fotografar o silêncio”. E o silêncio se fez enquanto escutavam.
O encontro prosseguiu com a contextualização mediada como um bate papo informal
entre amigos e a temática tomou corpo nas falas entusiasmadas dos colegas. Era preocupação
das mediadoras não monopolizar a palavra e sim oportunizar que ela fluísse por todo o círculo
num debate sutil onde todos pudessem contribuir de alguma forma com a discussão
acrescentando suas experiências relacionadas à estética do cotidiano e multiculturalismo nas
práticas docentes do ensino de arte. E a tarde seguiu proveitosa e enriquecedora com as
intervenções marcantes das leituras dos textos escritos como resposta às provocações estéticas
das autoras durante a preparação do seminário.
Todos pareciam arrebatados pela performance da declamação e pela intensidade
poética dos textos produzidos por eles mesmos. Muitas manifestações emocionadas
complementaram esse momento que foi marcado também pelos relatos dos percursos
estéticos das vivências cotidianas que nos culminavam “fazeres especiais” expostos e
socializados com o grande grupo. O prazo não foi suficiente para tudo o que foi programado
em razão da quantidade de intervenções e alongamento das falas. Optou-se pela continuidade
dos diálogos pertinentes ao momento de experienciação estética vivenciada pelo grupo. Um
dos Vídeos previstos para exibição sobre a obra do Gaudí Brasileiro foi suprimido da
apresentação e já com o tempo esgotado deu-se início ao café da tarde e todos foram
convidados a sentarem-se à mesa e o lanche foi servido. O tema festa junina escolhido para o
coffee break, se justifica pelo caráter folclórico e elementos multiculturais de origem europeia
assimilados pela cultura brasileira, onde os festejos são importantes para além da alegria,
expressar os costumes, a culinária e a religiosidade do povo.
Terminado o intervalo o grupo foi convidado a participar de uma experiência estética
com a criação de um grande painel coletivo onde todos contribuíram pintando uma porção da
tela registrando sua passagem por aquele espaço. Aqueles que preferissem podiam intervir
com colagens de revistas disponibilizadas nos materiais do atelier. A execução da obra
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Considerações Finais
grupo de sujeitos redescobriu quais são seus fazeres especiais, escutou quem estava ao seu
lado, descobriu o outro e sobre o outro se redescobriu e refletiu sobre novas perspectivas de
ensinar e do que ensinar. Valeu a pena!
REFERÊNCIAS
MASON, Rachel. Por uma arte-educação multicultural. Campinas, SP: Mercado de Letras,
2001.