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DEBATES ATUAIS SOBRE A TEORIA URBANA:

Revista do Programa de Pós-Graduação


UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES
Outubro-Dezembro, 2018
Publicado em Urban Studies, 2016, Vol. 53(6) 1114–1136
ISSN 2175-3709

RESUMO

Os estudos urbanos atualmente são marcados por muitos debates


ativos. Em um artigo anterior, abordamos alguns desses debates
propondo um conceito fundamental de urbanização e de forma
urbana para identificar uma linguagem comum para a pesquisa
urbana. No presente trabalho, faremos uma breve recapitulação
desse quadro. Utilizaremos então este material preliminar como
base para uma crítica das três versões atualmente mais influentes
da análise urbana, a saber, a teoria urbana pós-colonial, as
abordagens teóricas do agenciamento e da urbanização planetária.
Nós avaliaremos cada uma dessas versões e cada uma delas
Michael Storper pretende ser considerada a melhor abordagem sobre as realidades
Department of Geography and En- urbanas. Faremos a crítica de: a) teoria urbana pós-colonial,
vironment, London School of Eco-
nomics, UK por seu particularismo e sua insistência na provincianização do
storper@ucla.edu conhecimento, b) abordagens teóricas do agenciamento, por sua
indeterminação e ecletismo, e c) urbanização planetária, pela
Allen J Scott desvalorização radical das forças de aglomeração e de nodalidade
Department of Geography, Uni- na geografia urbano-econômica.
versity of California at Los Ange-
les, USA Palavras-chave: Teoria da aglomeração, teoria do agenciamento,
ajscott@geog.ucla.edu teoria da urbanização planetária, urbanismo pós-colonial, teoria
urbana
Tradução
Ana Maria Leite de Barros¹ ABSTRACT
Doutoranda do Programa de
Pós-graduação em Geografia da
Universidade Federal do Espírito Urban studies today is marked by many active debates. In an earlier
Santo. paper, we addressed some of these debates by proposing a foundational
amleitedebarros@gmail.com concept of urbanisation and urban form as a way of identifying a
common language for urban research. In the present paper we provide
1 - Nota do Editor da revista a brief recapitulation of that framework. We then use this preliminary
Geografares: Agradecemos aos material as background to a critique of three currently influential versions
professores Allen J. Scott e Mi- of urban analysis, namely, postcolonial urban theory, assemblage
chael Storper pela permissão theoretic approaches and planetary urbanism. We evaluate each of
da publicação dessa tradução these versions in turn and find them seriously wanting as statements
na revista Geografares. Todas
about urban realities.We criticise (a) postcolonial urban theory for its
as palavras entre colchetes
particularism and its insistence on the provincialisation of knowledge,
são da tradução. As Notas da
Tradutora serão indicadas por (b) assemblage theoretic approaches for their indeterminacy and
NT (Nota da Tradutora). As ci- eclecticism and (c) planetary urbanism for its radical devaluation of the
tações bibliográficas seguem as forces of agglomeration and nodality in urban-economic geography.
normas do texto original em in- Keywords: agglomeration theory, assemblage theory, planetary
glês e não as normas da ABNT. urbanisation theory, post-colonial urbanism, urban theory.
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Michael Storper Debates atuais sobre a teoria urbana: uma avaliação crítica
Allen J Scott Páginas 30 à 62
Michael Storper Debates atuais sobre a teoria urbana: uma avaliação crítica
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Desafios urbanos e a teoria 2 - Neste artigo, o termo “ci-


urbana no século 21 dades” será usado de for-
ma geral para se referir a
O período atual da história pesquisas acadêmicas e de pes- formas urbanas pequenas e
humana pode ser identificado, quisas relacionadas a políticas grandes, incluindo áreas me-
de forma plausível, não ape- sobre as cidades e um vigoroso tropolitanas e cidade-regiões.
nas como uma era global, mas avivamento dos debates sobre o
também como uma era urbana. conteúdo e sobre a orientação
Este é um período em que a po- teórica dos estudos urbanos.
pulação, a atividade produtiva e Neste artigo, discutiremos
a riqueza estão, cada vez mais, as três perspectivas atualmente
concentradas nas cidades2. A mais influentes sobre esses de-
maioria das cidades oferece, bates, a saber, a análise urbana
mais do que nunca na história pós-colonial, as explicações
humana, um melhor padrão teóricas do agenciamento so-
de vida para uma quantidade bre a cidade e a teoria do “ur-
maior de pessoas; até mesmo banismo planetário”. Cada um
os pobres urbanos estão em a sua maneira, esses três cor-
melhor situação, em média, do pos de trabalho tentam forne-
que os pobres rurais ao redor do cer entendimentos audaciosos
mundo. As cidades são centros das tendências empíricas acima
principais de inovação cientí- mencionadas. Ao mesmo tem-
fica, cultural e social (Glaeser, po, cada um deles procura apre-
2011; Hall, 1998). As cidades sentar uma explicação da cida-
também proliferaram em todo de que coloca fortes desafios
o mundo e se tornaram cada para a teoria urbana até então
vez mais interdependentes de existente. Como tal, essas pers-
forma que, enquanto anterior- pectivas são expressões proe-
mente se falava de forma bas- minentes de inovação e de uma
tante significativa em “sistemas vitalidade renovada nos estudos
urbanos nacionais” (mais ex- urbanos – refletindo as dramá-
tensivamente desenvolvidos no ticas mudanças nas geografias
Norte Global), a situação atual da urbanização acima men-
é marcada por uma rede mun- cionadas –, mas realizadas de
dial cada vez mais integrada maneira que, como argumenta-
de Cidades, juntamente com remos, parecem, muitas vezes,
um aumento extraordinário do ser altamente problemáticas.
crescimento urbano no Sul Glo- Deve-se salientar, desde já, que
bal (McKinsey, 2011). Mas esta estes três corpos de trabalho
era também é, de certa forma, têm diferenças quanto à origem
uma era obscura marcada por intelectual e possuem diferen-
velhas cidades industriais de- tes pontos de ênfase, embora
cadentes, pobreza concentrada, as abordagens pós-coloniais e
favelas, conflitos étnicos, desa- as da teoria do agenciamento
fios ecológicos, acesso desigual compartilhem uma significativa
à habitação, gentrificação, falta base conceitual comum, nota-
de moradia, isolamento social, damente no enfoque que dão Revista do Programa de Pós-Graduação
violência e crime e muitos ou- à particularidade, ao localismo em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES
tros problemas. Tem havido e à diferença, e na insistência Outubro-Dezembro, 2018
uma grande proliferação de na “complexidade” empírica ISSN 2175-3709
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dos arranjos socioespaciais. O centes aos padrões urbanos e
urbanismo planetário, por sua um conjunto robusto de cate-
Revista do Programa de Pós-Graduação vez, concentra-se em uma ten- gorias conceituais dentro das
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES tativa de reformular a relação quais o processo de urbaniza-
Outubro-Dezembro, 2018 entre as formas “concentradas” ção e as experiências urbanas
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e “estendidas” de assentamen- podem ser analisados, onde
tos humanos, de uso da terra e quer que estejam no mundo.
de desenvolvimento espacial, Em seguida, discutiremos com
assimilando-os em uma paisa- algum detalhe o que conside-
gem urbana teórica que é nada ramos serem as fraquezas mais
menos do que global. flagrantes dos três principais al-
Questionaremos essas três vos da nossa crítica. À medida
abordagens de várias formas. que trabalhamos neste objetivo,
Argumentaremos que cada uma também ofereceremos algumas
delas contém importantes pon- respostas – embora não uma
tos cegos e distorções analíticas resposta completa – a uma série
e mostraremos que falharam de avaliações críticas do nosso
em oferecer um conceito sig- artigo anterior.
nificativo de urbanização com
insights generalizáveis sobre a
lógica e a dinâmica das cida- A natureza das cidades re-
des. Essas deficiências não são visitada
apenas lamentáveis em seus
Por uma compreensão analíti-
próprios termos, mas são nota-
ca da cidade
damente incapacitantes em um
campo no qual a necessidade Em Scott e Storper (2015),
de instaurar políticas viáveis nós nos debruçamos, em parte,
em busca da justiça social tor- sobre os altos níveis de diver-
nou-se cada vez mais urgente. sidade e de discordância na te-
Além disso, argumentaremos oria urbana ao longo do último
que grande parte da literatu- século, e nos questionamos se
ra atual associada a essas três poderia ser construída uma teo-
abordagens compartilha uma ria coerente e estável da cida-
predileção por certos tipos de de. Tal teoria, se fosse possível,
abstrações filosóficas e epis- precisaria: (a) explicar a gênese
temológicas complicadas que das cidades em geral, (b) captu-
apresentam, na verdade, uma rar a essência das cidades como
barreira a qualquer entendi- fenômeno social concreto e (c)
mento do urbano como um tornar possível esclarecer a di-
fenômeno social concreto. Co- versidade empírica observável
meçaremos a nossa discussão das cidades ao longo do tempo
reiterando brevemente as ideias e do espaço.
desenvolvidas em um outro ar- Nossa abordagem a este de-
tigo (Scott e Storper, 2015), no safio de construção teórica foi
qual procuramos estabelecer construída a partir da observa-
um conceito fundacional do ção de que as cidades, em todos
urbano. Nessa base, afirmamos os lugares, são caracterizadas
que existem fatores genéticos por aglomeração envolvendo a
comuns fundamentais subja- atração de pessoas, atividades
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econômicas e outras relações podem, todas, ocupar um único 3 - Nota da Tradutora (NT):
em blocos nodais interligados ponto, elas devem necessaria- “Nexo” no sentido de elo,
de uso da terra de alta densida- mente se arranjar em uma rede liame, relação, vínculo
de. O principal, mas não o úni- ou em um mosaico espacial-
co mecanismo que impulsiona mente extenso organizado em
essa tendência fundamental, torno de seu centro comum de
nós argumentamos, é o surgi- gravidade e caracterizado por
mento de divisões orgânicas intrincados padrões internos de
do trabalho nas quais a vida so- diferenciação geográfica. Cha-
cial e econômica (isto é, a pro- mamos qualquer sistema deste
dução de bens e serviços, mas tipo de nexo [nexus]3 da terra
também as atividades culturais, urbana (ver Scott, 1980).
religiosas e governamentais) é Esses processos urbanos
organizada e reorganizada em trans-históricos e transgeográfi-
redes de unidades de atividades cos assumem atributos concre-
humanas especializadas, mas tos específicos que refletem as
complementares. Esta forma de condições sociais, econômicas
organização significa, por sua e políticas mais amplas – e em
vez, que a proximidade geográ- constante mudança – nas quais
fica mútua ou a aglomeração a urbanização está sempre inse-
destas unidades é crucial, pois, rida. Podemos identificar cinco
de outro modo, os custos de variáveis básicas ou forças que
tempo e distância da interação moldam as principais variações
dificultariam sua eficácia ope- do nexo da terra urbana em di-
racional. Em nosso artigo ante- ferentes momentos e lugares.
rior, discutimos extensivamen- Estas podem ser enumeradas
te que todas as cidades ao longo como (a) o nível geral e o modo
da história se baseiam nesse de desenvolvimento econômi-
processo fundamental de aglo- co, (b) as regras de alocação
meração. Os custos relativos à de recursos que prevalecem,
distância foram, sem dúvida, (c) as formas de estratificação
muito maiores em períodos social, (d) as normas e tradi-
mais antigos da história, mas ções culturais e (e) as relações
como revela a abundante litera- de autoridade política e poder.
tura sobre a dinâmica da aglo- Nós não temos espaço aqui
meração, a proximidade através para elaborar nem mesmo uma
da co-localização ainda hoje é descrição esquemática da di-
imperativa para certos tipos de versidade empírica que essas
atividades (Cooke e Morgan, (e outras) variáveis contextuais
1998; Fujita e Thisse, 2002; são capazes de gerar, mas elas
Krugman, 1991; Scott, 2012; levam a uma grande quantidade
Storper, 2013). Uma outra con- de variações detalhada no nexo
sideração importante deve ago- da terra urbana de uma instân-
ra ser feita em relação ao fato cia para outra. Por exemplo, a
de que, uma vez que as ativida- Roma imperial, Xi'an na China,
des especializadas interdepen- a antiga Babilônia, Timbuktu no
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dentes que constituem a divi- Império do Mali, Tenochtitlan em Geografia e do Departamento de
são do trabalho (e a habitação em Aztla'n no século XV (atual Geografia da UFES
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residencial a ele associada) não México), Manchester na era in-
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dustrial na Grã-Bretanha e Los como um ponto de captação da-
Angeles, Cidade do México e queles que usam seus serviços,
Revista do Programa de Pós-Graduação Hong Kong no século 21, são mas não é provável que seus ar-
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES todas bem diferentes uma das ranjos administrativos internos
Outubro-Dezembro, 2018 outras em um nível de análise, sejam muito relevantes para
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mesmo que todas compartilhem a compreensão da cidade. Da
um conjunto comum de forças mesma forma, a taxa de juros,
genéticas fundamentais. Em as ideologias do imperialismo
vista do papel desempenhado ou o preço do açúcar não são
por essas diferentes variáveis e, intrinsecamente urbanos; ou
apesar de nossas generalizações melhor, pode-se dizer que eles
teóricas em relação ao nexo da têm alguma significância para
terra urbana, discordamos de o urbano apenas na medida em
Dick e Rimmer (1998) que afir- que podem desempenhar algum
mam que as cidades em várias papel na dinâmica do nexo da
partes distantes do mundo es- terra urbana. Uma ilustração
tão agora convergindo para um adicional dessas observações
modelo padrão. Pelo mesmo é fornecida pelo fenômeno da
motivo, também rejeitamos as pobreza, que tem dimensões
reivindicações de Roy (2015) urbanas importantes, mas tam-
quando descreve o nosso artigo bém tem muitas outras mani-
anterior como uma tentativa de festações substanciais e rela-
construir uma história universal cionais que não são geradas
cujo objetivo é obliterar "dife- pelo urbano. Para mostrar isso
renças históricas". de outra forma, as medidas de
Nossa análise não só nos for- desigualdade ou pobreza nas
nece as ferramentas para distin- cidades não são equivalentes à
guir entre o geral e o particular afirmação de que a desigualda-
naquilo que tem como resulta- de ou a pobreza são basicamen-
do o urbano, mas também para te geradas pelas cidades (Samp-
separar o que é distintivamente son, 2012). Especialmente em
e inerentemente urbano do res- economias capitalistas ou de
to da realidade social. Em parti- mercado, a pobreza não é fun-
cular, devemos distinguir entre damentalmente causada por
os fenômenos que ocorrem nas processos urbanos, mas pelas
cidades, mas não são gerados forças complexas que moldam
pelo processo de urbanização, a distribuição de renda em uma
e fenômenos que são legitima- economia marcada pela pro-
mente elementos das cidades, priedade privada, por mercados
no sentido em que eles desem- competitivos e pelo trabalho
penham um papel ativo na de- assalariado. Do mesmo modo,
finição da forma e da lógica embora pesquisadores usem
do urbano. Assim, um hospital frequentemente entidades ur-
localizado em uma área urba- banas como unidades de obser-
na geralmente desempenhará vação em vários tipos de exer-
um papel importante como ele- cícios estatísticos (assim como
mento do nexo da terra urbana, usamos condados, estados ou
tanto como um tipo específico países para o mesmo propósito),
de provedor de serviços quanto não significa que esses exercí-
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cios tenham significado intrin- desenvolve) que nem todos os


secamente urbano. A afirmação aspectos da vida, talvez nem
de que qualquer fenômeno que mesmo a maioria dos aspectos,
ocorre em uma cidade é urbano podem ser entendidos como
por natureza é - sem maiores es- sendo necessariamente (isto é,
pecificações - passível do erro "ontologicamente") fenômenos
de falácia ecológica. As conse- urbanos no significado muito
quências da ação da política na específico aqui identificado.
cidade também precisam de um Por estas razões, também, es-
escrutínio cuidadoso para que tamos relutantes em aceitar a
seja possível distinguir o que é proposição de Lefebvre (1970)
especificamente urbano do que de que estamos evoluindo na
é meramente contingente. Em direção de uma "sociedade ur-
particular, o nexo da terra urba- bana" plenamente desenvolvi-
na é, por sua própria natureza, da com seu subtexto implícito
sujeito a formas peculiares e en- de que a sociedade e a cidade
dêmicas de politização. As ten- estão se tornando uma mesma
sões criadas pela concorrência coisa. Da mesma forma, a ob-
pelo uso da terra, a necessidade servação de Taylor (2013) de
de garantir o acesso a externa- que as cidades constituem os
lidades positivas e de evitar os motores essenciais de toda a
efeitos de externalidades nega- sociedade humana, da política e
tivas, o comportamento rentista da economia ao longo da histó-
dos donos de propriedades e a ria e que, portanto, toda ciência
necessidade de proteger ou me- social deve se tornar "centrada
lhorar certos tipos de comuns na cidade", é claramente exage-
urbanos (como as economias rada. Com um conceito de cida-
de aglomeração), entre outras de conscientemente delimitado
fricções, criam constantemente e focado, é possível identificar
círculos variáveis de colisões como o urbano gera tipos espe-
sociais urbanas. Os arranjos cíficos de fenômenos sociais o
de governança urbana, ou o que permite diferenciá-los dos
que Molotch (1976) chamou fenômenos não-urbanos. Isto
de "máquina de crescimento" é o que proporciona um lugar
urbano, também estão inseridos distinto para a análise urbana
de formas muito significativas na divisão acadêmica do traba-
nessas fricções através de suas lho e é o que, juntamente com
funções de fornecedores de um mecanismo analítico apro-
bens públicos e serviços e seu priado, confere-lhe uma missão
papel de mediadores de confli- central.
tos urbanos.
A partir desses comentá-
rios, segue-se (e apesar de ter- Algumas implicações práticas
mos afirmado que vivemos em e teóricas
uma era urbana no sentido em O nexo da terra urbana emer-
que as cidades representam ge, em primeira instância, da Revista do Programa de Pós-Graduação
formalmente o principal meio dinâmica de aglomeração e dos em Geografia e do Departamento de
geográfico no qual a socieda- processos correlatos de uso do Geografia da UFES
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de humana contemporânea se solo, gerando uma rede comple-
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xa de atividades locacionais em no capitalismo (ver Duranton
um campo gravitacional com- e Puga, 2004). Os resultados
Revista do Programa de Pós-Graduação partilhado. Nos sistemas capi- negativos podem incluir o con-
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES talistas, partes significativas do gestionamento, as incompatibi-
Outubro-Dezembro, 2018 nexo da terra urbana estão su- lidades do uso do solo, incen-
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jeitas às regras da propriedade tivos ao crime, segregação e
privada e, portanto, são tratadas desigualdade, conflitos sociais
como mercadoria. Em outros ti- e outras consequências inde-
pos de sistemas sociais, as deci- sejáveis decorrentes da densa
sões sobre o uso da terra podem coexistência de atividades so-
ser direcionadas por diferentes ciais e econômicas altamente
tipos de mecanismos que envol- diferenciadas em uma órbita
vem, por exemplo, direitos de espacial relativamente restrita.
propriedade individuais limita- A importância e a pervasivi-
dos ou inexistentes ou regimes dade desses efeitos significam,
comunais de propriedade (como como já sugerido, que algu-
as que existem sob domínios ét- ma forma de controle coletivo
nicos ou de clã). e não-individual é necessária,
Seja qual for o sistema, as pois a cidade serve tanto para
unidades individuais de pro- evitar bloqueio interno quanto
priedade da terra sempre têm para os indivíduos, as famílias
sido mais do que uma dimensão e as empresas que a compõem
puramente privada e atomizada. aproveitando, assim, conjunta-
Mais especificamente, aglome- mente de oportunidades estraté-
ração, proximidade e densidade gicas de desenvolvimento. Isso
resultam em muitos tipos dife- explica, em grande medida, por
rentes de externalidades (posi- que tomadas de decisão indivi-
tivas e negativas) que circulam duais e mecanismos comporta-
através do nexo da terra urbana, mentais do nexo da terra urbano
de modo que o uso da terra em são virtualmente regulados em
um local invariavelmente pro- todos os lugares pelos arranjos
voca impactos em outros locais. de governança coletiva pro-
Os resultados positivos da aglo- jetados para proteger cidades
meração incluem processos de contra implosão e estagnação
compartilhamento (por exem- (Roweis e Scott, 1977). Na ci-
plo, o uso conjunto de artefatos dade, unidades inter-relacio-
infra-estruturais em larga esca- nadas de produção econômica
la), combinatórios (por exem- tipicamente formam clusters
plo, disponibilidade local de vá- diferenciados interpenetrados
rias alternativas de escolha para por uma variedade de atividade
compradores e vendedores de residencial. Áreas fora da cida-
bens, serviços ou força de tra- de são fontes de alimentos, re-
balho) e de aprendizagem (por cursos e materiais que não são
exemplo, a rápida difusão de produzidos internamente; e elas
informação cultural ou tecnoló- oferecem, além disso, mercados
gica), que representam em parte para os produtos comercializá-
o dinamismo que normalmente veis e especializados da cidade.
associamos às cidades ao lon- Estas áreas são representadas
go da história e, especialmente, tanto pela hinterlândia imediata
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da cidade como por outras ci- todos os lugares e em lugar ne- 4 - O mesmo pode ser dito
dades e regiões em locais mais nhum”. A fortiori, estamos em para o termo “determinismo”
distantes. Mesmo nos tempos oposição aos teóricos do urba- que Mould (2015) invoca
antigos, o comércio de longa no que afirmam que a ideia da em suas críticas ao nosso
distância era característico de cidade é puramente ideológica. artigo anterior. Qualquer
determinista que tenha
muitas cidades, como exempli- Este é também um momento
respeito próprio provavelmente
ficado de forma mais dramática apropriado para aludir a algu- insistirá, no mínimo, que
pelo caso da Roma clássica. No mas das críticas que foram fei- uma abordagem determinista
século 21, as cidades interagem tas à nossa análise anterior de envolve a supressão da
umas com as outras em um sis- que ela seria pautada em “eco- liberdade de escolha por
tema globalmente integrado de nomicismos” (Mold, 2015; Roy, causalidades puramente
comércio e de troca de informa- 2015). Dado o papel primordial materiais ou estruturais-
ções, expresso em um mosaico que atribuímos às forças eco- funcionais. Mould não
global emergente de cidades e nômicas na gênese do nexo da desenvolve nenhum raciocínio
cidades-regiões. terra urbana, essa linha de críti- ou evidência de como ou por
À luz dessas observações, ca é totalmente previsível, mas que nossa teoria do nexo da
terra urbana se relaciona com
podemos agora afirmar que a essencialmente desinformada.
alguma concepção deste tipo.
cidade representa uma escala Nós, certamente, sugerimos que
muito específica de interação as origens do nexo da terra urba-
econômica e social gerada pe- na residem nas tensões econô-
los processos de aglomeração e micas engendradas pela divisão
focada no imperativo de proxi- do trabalho e pela aglomeração
midade e quase sempre dotada (e oferecemos justificativas for-
de arranjos de governança que tes para esta posição), mas nos-
tentam lidar com os efeitos pro- sa reivindicação está, na ver-
blemáticos de densidade e de dade, muito longe de qualquer
proximidade. Ao mesmo tem- argumento que vai no sentido de
po, a cidade está sempre inse- que as cidades são exclusivamente
rida em uma economia espacial ou monocasualmente estruturadas
distante que a sustenta sem que por variáveis econômicas. Na
sua integridade como fenômeno verdade, sugerimos explicita-
social característico seja com- mente que diversas outras for-
prometida (Fujita et al., 1999). ças sociais, culturais e políticas
Por conseguinte, como argu- também atuam na formação do
mentaremos mais detalhada- nexo da terra urbana. Assim,
mente mais adiante, não se pode nossa resposta à acusação de
simplesmente eliminá-la por sermos economicistas é dupla.
decreto em uma espécie de um Primeiro, convidamos nossos
plasma global universalizante críticos a identificar exatamente
como proclamam os teóricos da o que significa “economicismo”
“urbanização planetária” (por (um termo que é quase sempre
exemplo, Angelo e Wachsmuth, utilizado de forma vaga4). Nos-
2015; Brenner e Schmid, 2015). sa sugestão é que o uso do termo
O nosso argumento, portanto, seja reservado para quando situ-
vai fortemente contra as princi- ações não econômicas sejam er-
pais teses de teóricos da urbani- roneamente proclamadas como
Revista do Programa de Pós-Graduação
zação planetária ou aqueles que, tal (por exemplo, afirmações de em Geografia e do Departamento de
como Amin e Thrift (2002), que o nível de desenvolvimento Geografia da UFES
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afirmam que “a cidade está em econômico determina a forma
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de sociabilidade nos bairros ur- Urbanismo pós-colonial:
banos ou que a cidade não passa cosmopolita, mas provin-
Revista do Programa de Pós-Graduação de um fenômeno econômico).
em Geografia e do Departamento de cial
Geografia da UFES Em segundo lugar, desafiamos
Outubro-Dezembro, 2018 as tentativas de nossos críticos Muitas das pesquisas pós-
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de caracterizar nosso trabalho -coloniais contemporâneas se
como economicista pedindo a originaram em estudos cultu-
eles que ultrapassem as alega- rais e históricos que funcio-
ções puramente gestuais e de- naram como uma crítica aos
monstrem detalhadamente, de numerosos pontos cegos nas
forma crítica, como as nossas tradições da análise teórica do
formulações sobre as origens Norte. Acima de tudo, o pen-
analítica das cidades podem samento pós-colonial, como
realmente estar erradas e como representado, por exemplo, por
elas podem ser corrigidas. De Said (1978) e Spivak (2008),
fato, uma leitura aprofundada de demonstra como diversos lega-
nosso texto deveria deixar bem dos intelectuais do colonialis-
claro que a nossa teoria do nexo mo (análises tendenciosamente
da terra urbana permanece aber- etnocêntricas e preconceitos
ta a uma enorme diversidade em particular) entram incons-
de elaborações e hibridizações cientemente em escritos acadê-
não econômicas e, certamente, micos sobre o Sul Global. Os
a inúmeras relações reflexivas estudiosos pós-coloniais (como
complexas entre a economia e Comaroff e Comaroff (2012))
as dimensões sociais, políticas e também tentaram, corretamen-
culturais da vida urbana. Além te, demonstrar que as reivindi-
disso, embora este ponto certa- cações de universalidade que
mente não precise ser explici- foram muitas vezes apropria-
tado, o nexo da terra urbana é, das pela teoria euro-americana
obviamente, uma chave funda- são, às vezes, demonstravel-
mental para entender a cidade mente falsas. Essas mesmas
como uma matriz locacional linhas de pensamento e de crí-
de formas construídas e de ati- tica recentemente se tornaram
vos simbólicos associados que, fortemente influentes nos estu-
de acordo com Walker (2016), dos urbanos. Robinson (2006,
estão ausentes de nossa própria 2011) e Roy (2009, 2011), en-
análise. tre muitos outros (por exemplo,
Esta breve exposição de nos- Edensor e Jayne, 2012; Myers,
sas visões teóricas serve como 2014, Ong e Roy, 2011; Patel,
um ponto de referência a partir 2014, Sheppard et al., 2013),
do qual revisaremos e faremos a têm sido especialmente ferozes
crítica de uma série de teorias de a este respeito e têm sido espe-
urbanização que estão na moda cialmente francos ao condenar
atualmente e que pensamos a aplicação das teorias urbanas
que propõem relatos seriamen- construídas na Europa e Améri-
te questionáveis aos desafios ca do Norte para as cidades do
científicos e políticos colocados Sul Global.
hoje pelas cidades. Estes e outros analistas têm
procurado corrigir o que vêem
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como desequilíbrio e repre- tantes apelos pela mundificação 5 - Nota da Tradutora (NT):
sentações errôneas nas teorias da análise urbana de um lado Os autores se referem ao termo
urbanas do Norte por meio de e, por outro, a afirmação igual- worlding, conceito trabalhado
duas estratégias que se sobre- mente constante de um binário no livro “Worlding Cities:
põem. Uma estratégia é pedir Norte/Sul e mesmo em alguns Asian Experiments and the art
of being global” das autoras,
por formas mais cosmopolitas casos, como veremos, uma ten-
Ananya Roy e Aihwa Ong,
de teoria urbana (o que Ong e dência maciça em favor de uma ambas professoras da UC
Roy (2011) se referem como “provincianização” [‘provin- Berkeley à época da publicação
“mundificação”5) que levem cialization’] da teoria urbana do livro no qual tratam da
a sério as experiências das ci- (Ren e Luger, 2015). crescente importância que
dades do Sul Global. E outra Os estudiosos pós-coloniais as cidades asiáticas passam
estratégia é insistir no núcleo estão especialmente insatisfei- a ter no mundo global
irredutível da idiossincrasia tos – nem sempre incorreta- contemporâneo. O conceito
que marca cada cidade e se mente, mas, com frequência, de Worlding foi cunhado pela
concentrar no jogo resultan- sem as nuances apropriadas teórica indiana Gayatri Spivak.
te da “diferença” empírica e – com o que eles alegam ser Para Spivak, worlding refere-
se a uma prática discursiva
da “complexidade”. Um outro os preconceitos modernistas e
dos países colonizadores de
ponto de partida importante desenvolvimentistas pervasi- descrever e representar o
para os estudiosos urbanos pós- vos da teoria urbana elaborados outro (o colonizado, o nativo)
-coloniais reside na noção de no Norte Global. Um dos casos para produzir uma ideia
"cidade comum" desenvolvida mais funestos desse tipo de par- de inferioridade. Em Roy e
por Amin e Graham (1997), cialidade, na visão desses co- Ong, contudo, worlding é
segundo a qual as cidades são mentaristas, é representado pela “empregado para identificar
igualmente únicas e exclusivas Escola de Sociologia Urbana da os projetos e práticas que
e que nenhuma pode ser reivin- Universidade de Chicago. Um fundamentam uma visão de
dicada como um arquétipo pri- ponto particularmente polêmi- mundo em formação”. Para as
vilegiado ou exemplar em rela- co é a noção da Escola de Chi- autoras, o sentido em que usam
o termo e as práticas a eles
ção às outras. Robinson (2006), cago de um continuum folk-ur-
associadas “não se encaixam
em particular, tem simpatia por bano6 separando, de um lado, (...) em lados opostos de
essa noção ao afirmar a posição as formações sociais primitivas divisões de classe, políticas ou
equivalente de todos os centros e não-urbanas e, de outro lado, culturais”. Elas adotam “uma
urbanos através da divisão Nor- as formações sociais avança- formulação não ideológica de
te-Sul, assim como proclama das e urbanizadas, bem como worlding” que, no sentido em
que qualquer problemática sig- a prolongação desta noção no que empregam, está ligado
nificativa do urbano deve estar trabalho de Wirth (1938). Os “à idéia de emergência, de
atentamente focada no caráter teóricos urbanos pós-coloniais que as situações globais
essencial das cidades como criticam o modernismo desen- estão sempre em formação”,
lugares de diferença. Em uma volvimentista como um discur- propondo formas mais
cosmopolitas da teoria urbana
veia mais radical, Roy (2009: so que remete as cidades (e as
820) tem advogado que muito sociedades) do Sul Global ao Continua...
da teoria urbana existente deve status de subdesenvolvimento
ser varrida para longe com a e atraso, uma perspectiva que é
injunção categórica de que “o manifesta, de acordo com Roy
centro de elaboração da teoria (2011: 224) em “narrativas apo-
deve mudar para o Sul Global”. calípticas e distópicas da fave-
No entanto, como observa Peck la”. Ela mesma vê a pobreza, a
Revista do Programa de Pós-Graduação
(2015), há uma tensão aparen- informalidade, a marginaliza- em Geografia e do Departamento de
temente não resolvida nos estu- ção e as favelas extensas das ci- Geografia da UFES
Outubro-Dezembro, 2018
dos pós-coloniais entre os cons- dades do sul como um modo de
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ISSN 2175-3709
urbanização (Roy, 2005, ênfase órico baseado em evidências
no original). É difícil determi- limitadas derivadas de cidades
Revista do Programa de Pós-Graduação nar exatamente o que essa frase do norte, que é inadequado ou
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES significa, mas presumivelmente irrelevante no que diz respeito
Outubro-Dezembro, 2018 funciona como um gesto desti- às cidades do sul. Onde a teoria
ISSN 2175-3709
nado a eliminar as implicações urbana pós-colonial erra, argu-
supostamente pejorativas das mentamos, é em suas próprias
teorias do Norte. O moder- formas peculiares de excesso
nismo-desenvolvimentismo é crítico e seu compromisso geral
ainda criticado por estudiosos com o que chamamos de “novo
pós-coloniais porque promove particularismo” (Scott e Stor-
um conceito teleológico das ci- per, 2015). No que se segue,
dades do Sul Global, no qual o abordamos o que consideramos
crescimento e a transformação ser as três grandes falhas da teo-
estão sujeitos a estágios evo- ria urbana pós-colonial, ou seja,
lutivos envolvendo mudanças suas queixas exageradas quanto
daquilo que é menos moderno ao viés epistemológico euro-a-
para o que é mais moderno e mericano sobre a análise urbana
desenvolvido. Mais especifica- contemporânea, sua crítica al-
mente, o que é questionado aqui tamente seletiva do modernis-
é que não é razoável esperar um mo-desenvolvimentismo e seu
movimento linear de arranjos forte compromisso metodológi-
menos formais para mais for- co com o comparativismo teo-
mais em relação à construção ricamente não estruturado. No-
de assentamentos e de direitos te-se que todos esses temas são
de propriedade nas cidades do essencialmente ramificações de
Sul Global (Roy, 2005). uma única meta-reclamação, a
de um conjunto de incomensu-
rabilidades: no ponto de vista,
A crítica dos estudos urbanos no desenvolvimento e na repre-
pós-coloniais sentatividade.
Obviamente, as cidades do Eurocentrismo e a provin-
Sul Global foram gravemen- cianização do conhecimento.
te negligenciadas nos esforços Para começar, então, os estu-
anteriores de pesquisa7; obvia- dos urbanos pós-coloniais são
mente devemos ter o cuidado amplamente motivados pela
de prestar atenção às especifici- afirmação de que a teoria pro-
dades dessas cidades; e, obvia- duzida no Norte Global é ines-
que não se resumem às visões
clássicas do Norte sobre o Sul. mente, precisamos reconhecer capavelmente incapaz de expli-
6 - NT: Teoria desenvolvida por que a teoria urbana deve agora car situações empíricas no Sul
Robert Redfield, antropólogo norte- buscar em todo o mundo por Global (ver Peck (2015) para
americano, a partir de pesquisas suas fontes de dados e evidên- uma caracterização análoga da
realizadas por ele no México. cias, enquanto se mantém aber- teoria pós-colonial). Roy (2009)
7 - E agora que as oportunidades ta a novas ideias conceituais ge- acrescenta a alegação ainda
de pesquisa nas cidades do Sul radas a partir das experiências mais dura de que a teoria urbana
Global estão se expandindo euro-americana “mantém vivas
das cidades do Sul Global. É
rapidamente no Norte e no Sul, essa as tendências neo-orientalistas
negligência relativa por parte de
igualmente óbvio que devemos
ter cuidado com os perigos do que interpretam as cidades do
estudiosos urbanos provavelmente
eurocentrismo, o excesso te- Terceiro Mundo como o cora-
desaparecerá rapidamente.
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Michael Storper Debates atuais sobre a teoria urbana: uma avaliação crítica
Allen J Scott Páginas 30 à 62
Michael Storper Debates atuais sobre a teoria urbana: uma avaliação crítica
Allen J Scott Páginas 30 à 62

ção das trevas, o Outro” (em- urbanização como um todo. É


bora não pudemos pensar em claro que sabemos, a partir do
nenhum trabalho acadêmico so- trabalho de Livingstone (2014)
bre cidades publicado, pelo me- e de outros, que o trabalho teó-
nos, no último meio século que rico, muitas vezes, reproduz
sustentaria essa afirmação). Em inconscientemente os precon-
harmonia com esses julgamen- ceitos geográficos e ideológicos
tos, muitos teóricos urbanos que refletem as circunstâncias
com uma inclinação pós-colo- nas quais surgiu, e a teoria ur-
nial (notavelmente Sheppard, bana não é uma exceção a essa
2014; Sheppard et al., 2013) observação. Além disso, várias
afirmam que as teorias devem correntes da filosofia e da histo-
necessariamente ser locais e riografia, especialmente desde
confinadas em seu alcance em- meados do século XX, reconhe-
pírico a segmentos específicos cem claramente o caráter social
da realidade geográfica. Como construtivista de toda a ativida-
Leitner e Sheppard escrevem de intelectual (Haraway, 1988;
(2015), “nossa posição, então, é Kuhn, 1962; Mannheim, 1952).
que não pode haver uma única Este trabalho aponta não ape-
teoria urbana de competência nas para as fundações sociais
ubíqua”. Mesmo que os autores e históricas essenciais de todas
não definam o que eles querem as formas de discurso, mas tam-
dizer com “contextos diferen- bém para a ausência de qualquer
tes” e como podemos identifi- ponto arquimediano a partir do
cá-los, eles continuam a clamar qual o conhecimento possa ser
por uma “provincianização” total e finalmente julgado. Es-
autoconsciente da teoria urbana ses comentários significam que
como uma virtude em si mesma o conhecimento é sempre provi-
e como uma forma de deslegiti- sório e motivado por interesses
mar o que eles vêem como pre- humanos (Habermas, 1971) e,
tensões ao universalismo difuso em alguns casos (por exemplo,
[pervasive] da teoria urbana eu- relatos imperialistas de povos
ropeia e americana. dominados), podem ser repre-
Uma primeira resposta direta sentações grotescamente distor-
e simples a este apelo para pro- cidas. Por enquanto, tudo bem.
vincianizar a teoria é pedir uma No entanto, de forma alguma
demonstração clara e direta da isso significa que as ideias nun-
incomensurabilidade funda- ca possam alcançar um valor
mental dos fenômenos urbanos universal, ou, mais simplesmen-
em diferentes partes do mun- te, que uma ideia desenvolvida
do, além das afirmações sobre no lugar A vá falhar invariavel-
a diversidade empírica. Uma mente quando transferida para
segunda resposta é propor um o lugar B. Esta é uma questão
contra-argumento, como fize- que deve ser julgada a cada caso
mos (e que oferecemos como e não ser uma imposição geral.
não validação [disconfirma- Em contraste, o compromisso
Revista do Programa de Pós-Graduação
tion]), no sentido de que, de com a noção de que as teorias em Geografia e do Departamento de
fato, existem características devem ser provincianizadas Geografia da UFES
Outubro-Dezembro, 2018
teoricamente generalizáveis da conforme prescrito por Leitner
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ISSN 2175-3709
e Sheppard (2015) exige uma cidades do Sul Global, mas
identificação clara do que cons- também nas cidades do Nor-
Revista do Programa de Pós-Graduação titui uma “província” significa- te Global. O modelo mecânico
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES tiva e, na ausência de quaisquer implausível de estágios de cres-
Outubro-Dezembro, 2018 diretrizes operacionais nesta cimento é uma dessas teorias.
ISSN 2175-3709
questão (como no trabalho que O mesmo pode ser dito para o
está sob avaliação aqui) equi- modelo orgânico-ecológico de
vale a pouco mais do que uma sucessão de bairros desenvolvi-
preferência arbitrária e autodes- do pela Escola de Chicago, que
trutiva pelo paroquialismo inte- é especialmente suspeito, dado
lectual, às custas da busca por a sua conotação Darwiniana e
mais generalização teórica. Ao sua associação com o conceito
mesmo tempo, e como uma cor- de continuum folk-urbano (Ro-
reção à crítica unidimensional binson, 2006).
da teoria do Norte que é feita Quaisquer que sejam as fa-
pelos estudiosos urbanos pós- lhas dessas teorias em particu-
-coloniais, muitas dessas mes- lar, os estudiosos tanto do Sul
mas questões de parcialidade e Global como do Norte Global
etnocentrismo são as mesmas estão, na prática, se confrontan-
com as quais os teóricos têm do com o fato empírico eviden-
lutado desde o Iluminismo, so- te das diferenças marcantes nos
bretudo em relação à questão do níveis de desenvolvimento eco-
que constitui os traços comuns nômico e de renda exibidos por
ou universais da humanidade e cidades em diferentes partes do
o que em diferentes contextos mundo e dos efeitos dessas di-
representa diferenças essenciais ferenças no urbano (ver Smith,
nos comportamentos e aspira- 2013). Reconhecer o poderoso
ções humanas (Pagden, 2013). papel das forças econômicas em
As tensões nesta dualidade fo- formatar o meio urbano não é
ram especialmente importantes defender nenhum tipo de teleo-
nos debates europeus nos sécu- logia da história urbana, com
los XVIII e XIX (e até mesmo todas as cidades em todo lugar
no século XVI se considerar- convergindo para alcançar a
mos Montaigne) sobre a nature- “modernidade”. Pelo contrário,
za dos “outros” distantes. reconhecemos que as trajetórias
Podemos ver com mais deta- empíricas de desenvolvimento
lhes por que a crítica da teoria de cada cidade variam acentua-
do “Norte” por estudiosos pós- damente, tanto no Sul Global
-coloniais do urbano é excessi- quanto no Norte Global, bem
vamente unilateral ao examinar como em cada país. Ao lon-
como esses estudiosos lidam go do tempo, algumas cidades
com o modernismo e o desen- cresceram a um ritmo acele-
volvimento. rado; algumas cresceram rapi-
Modernismo-desenvolvi- damente e depois entraram em
mentismo. Não há dúvida de declínio; algumas permanecem
que algumas versões da teoria em um estado protocapitalista
do desenvolvimentismo-mo- de desenvolvimento; algumas
dernista impuseram conceitos são prósperas enquanto outras
equivocados não apenas nas estão empobrecidas; algumas
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Michael Storper Debates atuais sobre a teoria urbana: uma avaliação crítica
Allen J Scott Páginas 30 à 62
Michael Storper Debates atuais sobre a teoria urbana: uma avaliação crítica
Allen J Scott Páginas 30 à 62

se especializaram na indústria, za, e que o exame das cidades


enquanto outras são mais dedi- do Norte tem muito a oferecer
cadas à prestação de serviços; aos estudiosos das cidades do
algumas são dependentes da Sul, e vice-versa. Essas obser-
economia baseada em filiais, vações levam à consideração da
enquanto outras se tornam cen- abordagem dos estudiosos pós-
tros de inovações empreende- -coloniais em questões de de-
doras de alta renda e, assim por senvolvimento em geral e, em
diante, até as inúmeras varia- particular, como Chibber (2013)
ções possíveis. No entanto, em aponta, de que as teorias de de-
toda essa diversidade, continua senvolvimento no Norte Glo-
a haver uma importante ques- bal são simples e lineares em
tão sobre como formas e níveis comparação com a experiência
específicos de desenvolvimento do Sul Global onde o desenvol-
econômico moldam variantes vimento é dito ser complexo e
específicas de aglomeração e de não linear. É claro que, como já
uso da terra de alta densidade – dito, essas afirmações sobre as
ou seja, o nexo da terra urbana teorias do desenvolvimento do
– e como isso, por sua vez, se Norte são mal elaboradas. Mui-
retroalimenta dessas mesmas tas formulações diferentes das
formas e níveis. diversas rotas do Norte para o
A fixação dos estudiosos pós- desenvolvimento constituem há
-coloniais sobre o suposto ex- muito tempo um dos principais
cepcionalismo do Sul Global é eixos de debate na história de
particularmente evidente no tra- pesquisa do Norte (Allen, 2009;
tamento de temas favoritos tais Aston e Philpin, 1987). Mesmo
como pobreza, favelas, merca- assim, os estudiosos pós-co-
dos de trabalho informais, direi- loniais continuam com essas
tos de propriedade vulneráveis, afirmações como fundamento
infra-estrutura inadequada e fal- para seu ponto de vista de que
ta de saneamento (Roy, 2005). o desenvolvimento urbano do
Esses temas são frequentemente Sul Global é tão único que de-
tratados como se não tivessem safia qualquer descrição teórica
semelhança familiar com ques- que possa estabelecer pontos
tões similares no Norte Global. em comum com cidades em
No entanto, só precisamos pen- outros lugares. Em outros ca-
sar na Londres de Charles Di- sos, os estudiosos pós-coloniais
ckens, na Paris de Emile Zola (como Robinson, 2011) efetiva-
e na Chicago de Sinclair Lewis mente transformam as questões
ou nos casos mais recentes de sobre as inter-relações entre o
privação e exclusão espacial desenvolvimento econômico
na Europa e nos Estados Uni- e a urbanização em um distan-
dos revelados nos estudos de te pano de fundo como sendo
Chetty et al (2014), Sampson nada além de fantasias teóricas
(2012), Standing (2011) e Wil- do Norte irrevogavelmente pre-
son (1987) para reconhecer que judicadas pelo paroquialismo
Revista do Programa de Pós-Graduação
há muito em comum entre as ci- eurocêntrico, pelo reducionis- em Geografia e do Departamento de
dades do Norte Global e as do mo e pelo pensamento teleo- Geografia da UFES
Outubro-Dezembro, 2018
Sul Global em relação à pobre- lógico. Na verdade, tanto no
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ISSN 2175-3709
Norte quanto no Sul, apesar de o seu profundo ceticismo em
muitas diferenças empíricas da relação a muitas das teorias
Revista do Programa de Pós-Graduação história e da geografia, as forças urbanas atuais é por meio
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES transformadoras do capitalismo do “gesto comparativo”
Outubro-Dezembro, 2018 e dos mercados e sua expressão enfatizando “pensar através das
ISSN 2175-3709
na produção, no comércio e no diferenças” de maneiras que
emprego representam um con- são “potencialmente abertas
junto consistente de problemas às experiências de todas as
conceituais. Estes incluem as cidades” ( Robinson, 2014: 57).
formas nas quais os sistemas Uma abordagem comparativa é
capitalistas e não capitalistas ar- especialmente conveniente para
ticulam-se uns aos outros, como os estudos pós-coloniais, porque
no caso da co-aglomeração de se supõe que reduz os perigos
produtores nos setores infor- do pensamento apriorístico
mal e formal na Índia como sobre as cidades e a imposição
descrito por Mukim (2015; ver inapropriada de conceitos
também Rey et al., 1971) ou estrangeiros em determinadas
a dinâmica da informalidade situações empíricas. Myers
nas cidades norte-americanas (2014), por exemplo, estudou
em estudo feito por Mukhija e o que tem a intenção de ser um
Loukaitou-Sideris (2014). Cer- relato comparativo exemplar
tamente, há muito no caminho das abordagens políticas
da diferença e da idiossincrasia multi-raciais para a política
para pesquisar em cidades ao de transporte urbano em
redor do mundo, mas a teoria é Capetown e Nairobi, por um
necessária para que esse tipo de lado, e Hartford, Connecticut,
pesquisa atinja um significado por outro. Este relato gira em
mais amplo. Apresentamos um torno da proposição de que as
quadro teórico geral do nexo experiências dessas cidades
da terra urbana interligado com africanas em matéria de
cinco processos cruciais que desenvolvimento comunitário
moldam as especificidades da poderiam ter sido útil para o
urbanização em diferentes mo- design do corredor de transporte
mentos e lugares (nível de de- Hartford-New Britain e,
senvolvimento, regras de aloca- sem dúvida, é interessante
ção de recursos, formas e níveis e pertinente dentro de seus
de estratificação social, normas próprios termos de referência
e tradições culturais, autoridade limitados. No entanto, como
e poder). Este quadro aborda tantos outros trabalhos neste
precisamente a necessidade de gênero comparativo, ele
reconhecer a diversidade, mas realmente não consegue
sem cair no sofisma do particu- “transformar conceitualizações
larismo e, assim, perder de vista existentes” como prometido de
as forças que afetam todas as forma otimista pelos defensores
cidades. do gênero (Robinson e Roy,
Comparativismo e seus 2015: 3). Nosso próprio
limites. Uma das maneiras argumento é que o caminho
pelas quais os estudiosos pós- bem percorrido, mas estreito,
coloniais procuram compensar representado por métodos
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Allen J Scott Páginas 30 à 62
Michael Storper Debates atuais sobre a teoria urbana: uma avaliação crítica
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comparativos e classificatórios, vorável à análise indutiva dos


certamente adiciona uma série dados. Outros urbanistas pós-
de procedimentos legítimos -coloniais parecem ser bas-
à caixa de ferramentas do tante mais ambivalentes sobre
cientista social. No entanto, essa questão. Por exemplo,
se as comparações devem ser Bunnell e Maringanti (2010) e
efetivas, elas nunca podem Roy (2009) levantam argumen-
proceder com base em escolhas tos contra categorias como ci-
teoricamente mal informadas dades mundiais, centros finan-
sobre os casos em comparação ceiros internacionais e regiões
ou sobre as variáveis específicas urbanas, não tanto porque elas
que são isoladas para análise. podem ser identificadas erro-
O trabalho conceitual prévio neamente, mas porque são uti-
sobre esses problemas é lizadas, de alguma forma, para
essencial se as metodologias relegar cidades excluídas a um
comparativas forem produzir status secundário, supostamente
– além de por acidente ou boa desviando nossa atenção da di-
sorte – resultados significativos. versidade total das formas e ex-
Isso significa especificamente periências urbanas que o mundo
que precisamos ter um grau de tem para oferecer. Aqui nova-
clareza conceitual ou intuição mente, encontramos o novo par-
sobre os problemas em análise ticularismo e o rebaixamento de
para que a comparação avance todas as cidades para o status de
de forma a revelar informações “ordinário”. Essa insistência na
consequentes quando diferentes diferença e na idiossincrasia nas
situações empíricas são cidades comuns é especialmen-
colocadas em conjunto umas te evidente no caso do outro
com as outras. alvo favorito da crítica pós-co-
Com certeza, o gesto com- lonial, ou seja, a noção de cida-
parativo pode ser útil e interes- de representativa ou exemplar
sante, mas o nosso argumento e, sobretudo, os escritos da cha-
é que uma partilha de dados, mada Escola de Los Angeles so-
experiências e resultados in- bre o “paradigmático” status de
vestigativos teoricamente mais Los Angeles no final do século
autoconscientes é essencial XX. Somos os primeiros a re-
para que as investigações urba- conhecer o descuido de muitas
nas possam, para o seu próprio das teses da Escola de Los An-
bem, progredir além do localis- geles e, no entanto, é importan-
mo, da diferença e da celebra- te registrar que Los Angeles, em
ção da complexidade empírica. seu status pioneiro como centro
Por esse motivo, há muito a ser pós-fordista globalizante de es-
dito em favor da identificação pecialização flexível, trabalho
de categorias teoricamente sig- desorganizado, crescente desi-
nificativas de cidades que con- gualdade social e policentrali-
têm múltiplos casos de cidades dade realmente se revelou uma
similares, mas não idênticas. expressão precoce e poderosa
Revista do Programa de Pós-Graduação
Esse ponto é reconhecido por de várias tendências globais in- em Geografia e do Departamento de
Robinson (2011), embora seu cipientes (Soja e Scott, 1986). Geografia da UFES
Outubro-Dezembro, 2018
argumento seja fortemente fa- Consequentemente, a Escola de
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Los Angeles chamou a atenção das que constituem o caráter
para o estágio inicial de um ca- fundamental da realidade. Es-
Revista do Programa de Pós-Graduação minho de desenvolvimento que sas redes reúnem objetos hu-
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES muitas outras cidades em todo o manos e não humanos únicos
Outubro-Dezembro, 2018 mundo seguiram posteriormen- dentro de mosaicos híbridos e
ISSN 2175-3709
te e, a partir dessa perspectiva, fluidos, formando sistemas de
foi certamente exemplar. interconexões mais ou menos
temporariamente estabilizados
que representam o estado atual
O bilhete ferroviário de
do mundo observável. Os agen-
McFarlane ciamentos tornam-se estabiliza-
Ao longo das últimas déca- dos pela “territorialização” (em
das, a “teoria do agenciamento” oposição à desterritorialização
[‘assemblage theory’] surgiu desestabilizadora) quando estão
como um gênero central de tra- ancoradas em áreas específicas
balho em estudos urbanos, as- do espaço geográfico. É impor-
sim como nas ciências sociais tante ressaltar que qualquer es-
em geral (ver, por exemplo, tado de realidade nesta teoria é
DeLanda, 2002; Latour, 2005). considerado “plano” no sentido
Esta teoria, que tem muitas afi- em que qualquer ordenação hie-
nidades com o urbanismo pós- rárquica ou escalar percebida
-colonial, infiltrou-se em estu- (de cima para baixo) se decom-
dos urbanos a partir do trabalho põe novamente nas relações
de filósofos pós-estruturalistas caleidoscópicas, rizomáticas e
continentais (em particular, horizontais que os constituem
Deleuze e Guattari, 1972). A (DeLanda, 2002; ver também
teoria do agenciamento é de Marston et al., 2005). Este pon-
uma complexidade conside- to é amplamente compartilhado
rável em suas representações entre a teoria do agenciamento
filosóficas, cuja compreensão e a teoria pós-colonial, através
não é nem um pouco facilitada da ênfase desta última na dife-
pela cantilena [langue de bois, rença e seu foco na unicidade
em francês] de seus principais incomensurável das cidades.
protagonistas, bem como pelas Existem muitas variantes da
interpretações fortemente con- teoria do agenciamento, mas
flitantes do trabalho de Deleu- uma das mais influentes é a teo-
ze e Guattari por comentaristas ria do ator-rede, um conjunto de
secundários. Para os nossos ideias associadas principalmen-
propósitos, no entanto, foca- te ao trabalho de Latour (2005).
dos principalmente em “apli- Isto é, mais uma vez, uma ma-
cações” abreviadas desta teoria neira de explorar as múltiplas
para a análise urbana, basta um relações que unem objetos
pouco de fundamento para mo- humanos e não humanos, mas
tivar a nossa crítica. com a afirmação adicional de
A teoria do agenciamento é, que todos esses objetos são
sobretudo, uma visão ontológi- constituídos como actantes, ou
ca do mundo concebido como seja, capazes de agir no senti-
uma massa de redes rizomáti- do em que exercem efeitos so-
cas ou relações finamente cria- bre outros actantes. Em várias
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publicações metodológicas e cidade, como os feitos por 8 - NT: free-runners é algo


teóricas, Farías (por exemplo, De Boek e Plissart (2004), como uma disciplina acro-
2010, 2011) delineou as prin- Mbembe e Nuttall (2004) ou bática derivada do parkour.
cipais implicações das teorias Simone (2014); e, como Geertz
do agenciamento e do ator-re- (1973) mostrou, uma descrição
de para os estudos urbanos. Ele densa das práticas sociais e das
escreve que a cidade é “... um formas materiais das cidades ou
objeto que está sendo agencia- de outros lugares pode, muitas
do incansavelmente em locais vezes, prover retratos sensíveis
concretos de prática urbana ou, das formas nas quais as vidas
colocando de forma diferente, sociais estão entrelaçadas.
como uma multiplicidade de Um exemplo é a maneira
processos de transformação, complexa na qual construímos
afixando redes sociotécnicas, ambientes de prédios altos nos
coletivos híbridos e topologias centros das principais cidades
alternativas” (Farías, 2010 : 2). e as conexões deste processo
Algumas das múltiplas for- com a indústria da construção,
mas pelas quais o urbano pode práticas arquitetônicas e normas
ser agenciado são então enume- de construção, demandas
radas: concorrenciais por espaço,
...Como um sistema de transporte, como
um parque para skates e free-runners8
concepções visuais de ambiente
(parkour), como uma paisagem de poder, construído e emprego de
como um palco público de ação política e
de demonstração, como uma área de nin-
escritórios na cidade. A nossa
guém, como um festival, como uma área crítica da teoria do agenciamento,
de vigilância, como um espaço de so-
cialização, como uma memória privada,
portanto, não nega a possibilidade
como um meio criativo, como jurisdição, de certos feedbacks importantes
etc. (Farías, 2010: 14)
entre os objetos não humanos
Esta concepção conduz então e a sociedade humana e não
a uma abordagem descritiva, é enfaticamente destinado a
anedótica e notadamente repudiar as relações reflexivas
indiscriminada da pesquisa sobre entre a tecnologia, o espaço
o urbano. Farías (2011: 367) urbano e a vida social (cf. Graham
com aparente fé nos poderes e Marvin, 2001). No entanto,
do empirismo indutivo chega a certamente temos fortes reservas
dizer que “não sabemos o que sobre a capacidade dos objetos
estamos procurando até que o inanimados de “agir” como se
encontramos”. Não é de admirar, quaisquer poderes causais ou
então, que Brenner et al. (2011) generativos que eles possuíssem
caracterizam esta linha de fossem ontologicamente
pesquisa como um “objetivismo equivalentes ao comportamento
ingênuo” e apontam o seu humano sensível e proposital.
fracasso em distinguir entre o A teoria do agenciamento
que é significativo e o que é privilegia radicalmente a ativi-
insignificante na análise urbana. dade do próprio agenciamento,
Certamente, a abordagem sem ver forças mais amplas que
do agenciamento tem valor possam determinar quais agen-
potencialmente positivo ciamentos são ou não são pos-
Revista do Programa de Pós-Graduação
em Geografia e do Departamento de
em certos tipos de relatos síveis; em vez disso, defende Geografia da UFES
etnográficos e narrativas da uma metodologia de construção Outubro-Dezembro, 2018
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dos elementos da organização 2011b), outro porta-voz proe-
social a posteriori desde o iní- minente da teoria do agencia-
Revista do Programa de Pós-Graduação cio (Bender, 2010) e se concen- mento. Na defesa viva que faz
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES tra em lugares específicos da desta teoria, McFarlane (2011c:
Outubro-Dezembro, 2018 vida cotidiana (Simone, 2011). 216) recorre às suas pesqui-
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O resultado é um conceito em sas sobre pobreza e habitação
grande parte indeterminado da informal em Mumbai. Ele in-
cidade como um complexo, siste que qualquer tentativa de
variado, multifacetado, aberto, entender “a vida cotidiana e as
fluido, único, híbrido, indisci- dificuldades enfrentadas pelos
plinado, não-linear, etc., etc., pobres” nos obriga a prestar
agregado de fenômenos dife- atenção a uma coleção eclética
rentes unidos em uma mistura de “materialidades urbanas”,
caótica de relações casuais e que incluem, neste caso, ob-
contingentes. Esse conceito, jetos tão dispares quanto os
como o ponto de vista (pós-co- sacos, o ferro corrugado, o ti-
lonial) de Robinson (2011: 13) jolo, os tijolos de cimento, hi-
da cidade como “um lugar de droformas e infra-estruturas de
agenciamento, multiplicidade e drenagem, saneamento, água e
conectividade”, é, em um nível eletricidade. Esses elementos
de observação, certamente cor- são então organizados em uma
reto, mas em outro nível inter- descrição da pobreza em Mum-
põe-se uma mera convolução bai, mas criticamente o relato
empírica como substituta para – que tem a qualidade analíti-
um nível mais profundo e mais ca “plana” prescrita pela teoria
sistemático de compreensão do agenciamento – é essencial-
(teórica). Este objetivismo in- mente destituído de ideias ex-
gênuo frequentemente também plicativas úteis. O mesmo pode
resulta em corpos de informa- ser dito para o trabalho análogo
ção marcadamente indiscri- de Dovey (2012) que, como Si-
minados sendo embalados em mone (2011), faz uma apresen-
agenciamentos empíricos, tal- tação estendida do jargão de-
vez especialmente quando, nas leuzoguattariano9 na tentativa
palavras de Acuto (2011: 553), de iluminar descrições da infor-
essas “massas ausentes de ato- malidade urbana que, no entan-
res não humanos que muitas to, se mantém não informativas
vezes se degradaram ao papel sobre a lógica básica da margi-
de artefatos mundanos” são nalização social e econômica.
trazidos em concatenação com A fetichização de
a vida humana. Em outras pa- objetos inanimados como
lavras, não existem marcos teó- instrumentos de ação [agency]
ricos na teoria do agenciamento é dramaticamente destacada na
para nos dizer como desenredar discussão de McFarlane (2011c:
relacionamentos significativos 217) sobre o trabalho de ativistas
ou distinguir entre o que é tri- políticos no combate à pobreza
vial e o que é importante. em Mumbai. Ele descreve a forma
Podemos definir essas ob- como esses ativistas descobriram
servações com referência ao que poderiam fazer chamadas
9 - Nós usamos o ter-
mo de forma satírica trabalho de McFarlane (2011a, telefônicas gratuitas inserindo
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um bilhete ferroviário em um teoricamente insuficientes


aparelho de telefone, e como isso da interconectividade social
significa a ampliação do alcance (ver Tonkiss, 2011). Este
de suas ações. McFarlane afirma aplainamento do mundo
que isso faz parte da “experiência também elimina qualquer
e das possibilidades da vida conteúdo político significativo
urbana”. Nosso ponto de vista, da teoria do agenciamento, pois
por sinal, não é de descartar esse tudo é igualmente importante
tipo de narrativa como sendo, (ou igualmente trivial e não
em princípio, desprovido de importante).
significado. Afinal, uma boa Os principais problemas
história é uma boa história. Nosso da teoria do agenciamento,
ponto é que, no caso do bilhete como discutido nesta seção
ferroviário de McFarlane, uma do artigo – a noção de realida-
contingência trivial é, com toda de como meros emaranhados
seriedade, proposta como um rizomáticos sem processos
elo na cadeia de ações [agency] subjacentes de estruturação, a
que supostamente funciona atribuição indiscriminada de
como uma maneira de entender agenciamento para as coisas
a pobreza urbana e como uma e a ausência de conceitos de
descrição das lutas nas quais as ação humana – tornam essa
pessoas se engajam para escapar teoria incapaz de detectar as
desta pobreza. Esta imagem dinâmicas, movimentos, mu-
contrasta fortemente as analises danças e causalidades urbanas
mais controladas e realistas sobre de formas significativas. O re-
os obstáculos no caminho dos alismo crítico já proporcionou
pobres que são feitas por autores uma saída para esse tipo de
tão diversos como Aw (2013), impasse insistindo na impor-
Boo (2012), Caldeira (2000) e tância das relações necessá-
Cole (2014). Como Brenner et rias, dos poderes causais e da
al. (2011: 233) escreve sobre a abstração teórica como funda-
teoria do ator-rede: “Este modo mentais para a identificação
de análise pressupõe que os das propriedades centrais e
‘fatos’ – neste caso, aqueles das condições de existência
de interconexão entre actantes dos fenômenos sociais (Sayer,
humanos e não humanos – 2004). Busca-se em vão, na
falam por si mesmos em vez de teoria do agenciamento e na
precisar de mediação ou, pelo pesquisa sobre o urbano nela
menos, de animação através baseada, saber o que maiores
de pressuposições teóricas e diferenças de agenciamento
de esquemas interpretativos”. fazem, quais agenciamen-
Assim, no mundo aplainado tos são importantes e quais
da teoria do agenciamento são insignificantes e fugazes,
há uma tendência perigosa quais são empoderadores e
de falhar na distinção entre o quais são desempoderadores
caráter inanimado dos objetos e quais tipos de intervenções
Revista do Programa de Pós-Graduação
materiais e a intencionalidade políticas são mais propensos a em Geografia e do Departamento de
dos humanos, e de agravar este desencadear as formas deseja- Geografia da UFES
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descuido por apresentações das de mudança social.
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Perplexidades planetárias dramento ideológico” (Brenner
e Schmid, 2015: 152), uma fra-
Alguns analistas urbanos de
Revista do Programa de Pós-Graduação se que foi ecoada pela carac-
em Geografia e do Departamento de hoje, mais notavelmente Bren-
terização feita por Merrifield
Geografia da UFES ner e Schmid (2015), sugerem
Outubro-Dezembro, 2018 (2013) da mesma ideia como
ISSN 2175-3709 que, no século XXI, surgiu
um “pseudo-conceito”. Acima
uma indistinção radical da ca-
de tudo, como mostraremos a
tegoria do urbano versus todo
seguir, Brenner e Schmid não
o resto, e que aquilo que antes
demonstram de forma conclu-
era identificado como área ur-
siva que a cidade desaparece
bana pode não mais ser distin-
como uma entidade geográfi-
guido, conceitualmente ou em-
ca identificável e como escala
piricamente, do resto do espaço
de interação socioeconômica
geográfico. Estas são as dou-
no espaço planetário, ou que
trinas centrais do “urbanismo
qualquer distinção entre o espa-
planetário”. Como Brenner e
ço urbano e o resto do espaço
Schmid (2014: 750) escrevem:
É claro que os entendimentos baseados geográfico (o que eles erronea-
nos assentamentos da condição urbana mente insistem em chamar de
agora tornaram-se obsoletos. O urbano
não pode ser plausivelmente entendido “o rural”) deve agora ser aban-
como um lugar limitado, cercado, de re- donado; e eles são simplesmen-
lações sociais que deve ser contrastado
com zonas ou condições não-urbanas. É te extravagantes quando escre-
hora, portanto, de explodir nossos pres- vem sobre a extensão total do
supostos herdados referentes às mor-
fologias, territorializações e dinâmicas espaço planetário como sendo
socioespaciais da condição urbana. “urbanizado”, especialmente
Dado o desenvolvimento quando este inclui “florestas
geograficamente intensivo e tropicais, desertos, regiões al-
extensivo do capitalismo glo- pinas, zonas polares e oceanos
bal, os autores estão, sem dúvi- e até a atmosfera” (Brenner e
da, corretos ao se referir a um Schmid, 2015: 152-153)10.
sistema socioeconômico pla- Brenner e Schmid cercam
netário integrado. Eles também suas apostas de forma bastante
10 - Uma resposta detalha-
têm razão ao afirmar que a no- desajeitada ao dizer que há algo
da a Brenner e Schmid foi ção de um domínio puramente chamado de urbanização “con-
feita por Walker (2015). Suas “rural” que ocupa os espaços centrada”, ou o que geralmente
principais linhas de crítica intersticiais entre as cidades é chamamos de cidades, e algo
diferem das nossas, mas são arcaica e enganosa. Essa noção chamado urbanização “estendi-
igualmente firmes quanto à in- nunca foi, em nenhum caso, da”, o que mais ou menos cor-
tegridade da cidade como um inteiramente satisfatória dada responde a todo o resto. O que é
objeto de investigação teórica. a diversidade desses territórios intrigante é por que eles querem
11 - Por exemplo, entre as (desertos, florestas, cadeias criar confusão semântica que
muitas terminologias al- montanhosas, áreas de agricul-
ternativas possíveis estão: decorre da aplicação do termo
tura camponesa, extensões de “urbano” com todas as suas co-
“economia espacial global”,
“capitalismo planetário” ou
agricultura industrial, espaços notações familiares centradas
“anatomia geográfica da so- de extração de recursos, regi- nas cidades para todo o resto do
ciedade global”. Estas ter- ões turísticas, etc.). Mas é in- espaço geográfico quando exis-
minologias captam o espíri- compreensível para nós como tem muitos outros termos des-
to do que Brenner e Schmid esses fatos podem levar à afir- critivos mais cabíveis11. Deve-
parecem dizer, sem aniquilar mação de que a ideia da cidade mos argumentar que não só não
o significado comumente as- somente “persiste como enqua- há ganho conceitual (ou o que
sociado ao termo “urbano”.
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eles persistentemente chamam demarcação. No entanto, cada


de “epistemológico”) por essa um deles nos aparece como
manobra, como há perda teóri- uma escala ontologicamente
ca considerável. Aqui, Angelo única do espaço urbano, não só
e Wachsmuth (2015) entraram por seu caráter empírico, mas
na briga com o comentário que também porque cada um apre-
fazem sobre algo que eles alu- senta questões científicas e po-
dem como “citadismo meto- líticas excepcionalmente pro-
dológico”. Eles se identificam blemáticas decorrentes do(s)
com esse pecado proibido com seu(s) modo(s) de operação.
o erro de atribuir à estrutura ge- Sampson (2012), por exemplo,
ográfica circunscrita da cidade mostrou que existem variados
processos que, segundo eles, “efeitos de vizinhança” nas
são mais adequadamente ana- pessoas que vivem em comu-
lisados dentro do quadro mais nidades pobres e Chetty et al.
amplo da “urbanização plane- (2014) mostraram como esses
tária” de Brenner e Schmid. O efeitos também têm impacto
problema se complica quando nas taxas de pobreza intergera-
Brenner e Schmid apontam cional. Da mesma forma, a vas-
(corretamente como acontece) ta literatura sobre o desenvolvi-
que normalmente não há limites mento econômico local revela
simples ou intuitivamente iden- que os clusters intra-urbanos de
tificáveis entre a cidade (espaço unidades de produção são mar-
concentrado) e o resto do mun- cados por poderosas dinâmicas
do (espaço estendido), pois a espaciais que são excepcio-
continuidade entre os dois pa- nalmente problemáticas como
rece ser ininterrupta. Este é um objetos de investigação. Todos
problema familiar que sempre esses fenômenos são incorpora-
deixam perplexos os analistas dos e marcados por todo tipo de
urbanos, mas Brenner e Schmid continuidades com o nexo da
estão errados ao pensar que essa terra urbana, mas, em nenhum
questão desaparece ao tornar caso, é útil ou significativo sim-
todo o espaço geográfico uma plesmente descartá-los como se
problemática urbana. Existe, de fossem construções ideológi-
fato, uma maneira mais satisfa- cas. Dois pontos relacionados
tória de abordar esse problema. precisam agora ser analisados.
Considere, para começar, Primeiro, a cidade é um fe-
certos tipos de fenômenos que nômeno social, político, cultu-
existem no nível intra-urbano, ral e econômico complexo (an-
como bairros, favelas, áreas in- corado e integrado pelo nexo da
dustriais, distritos empresariais terra urbano) que é muito maior
centrais e subúrbios. Cada um do que a soma das suas partes,
desses fenômenos representa significando, por sua vez, que
um tipo de resultado sócio-es- possui uma presença coletiva
pacial distinto e multifacetado potente. Em particular, a cida-
em um espaço urbano mais am- de é um local de dinâmica con-
Revista do Programa de Pós-Graduação
plo (o nexo da terra urbana) e junta com uma identidade con- em Geografia e do Departamento de
nenhum é separado do resto da junta (por exemplo, “área da Geografia da UFES
Outubro-Dezembro, 2018
cidade por uma linha clara de Baía de São Francisco”, “Rio
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de Janeiro”), derivada do seu ros, favelas, bairros industriais,
caráter como um nexo de ter- etc., são articulações sócio-es-
Revista do Programa de Pós-Graduação ra aglomerado. Esta situação paciais únicas e idiossincráti-
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES significa que os interesses po- cas (embora dentro do nexo da
Outubro-Dezembro, 2018 líticos mais amplos das firmas terra urbana), de modo que o
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individuais, das famílias e ou- próprio nexo urbano é uma ar-
tras unidades comportamentais ticulação socioespacial distin-
que compõem a esfera urbana, ta (dentro do espaço global ou
se tornam emaranhados em um planetário). A cidade, em suma,
conjunto concreto de interesses é de forma importante uma co-
políticos específicos da cidade letividade irredutível e, como
(incluindo as formas de confli- argumentamos anteriormente,
to, coalizão, exclusão e priva- seu caráter peculiar deriva das
ção peculiar do nexo da terra suas propriedades como um
urbana). Esses interesses políti- local de aglomeração, gravita-
cos são parcialmente mobiliza- ção e densidade, bem como dos
dos em ações coletivas e quase seus ritmos específicos da vida
sempre estão associados a insti- cotidiana. Esses ritmos são ex-
tuições formais (especialmente pressos mais notavelmente em
instituições governamentais) seus mercados de trabalho lo-
que dotam as cidades de pode- cais e seus padrões regulares de
res de tributação, de regulação movimento pendular (Cheshire
administrativa e da capacidade e Hay, 1989; Kerr e Kominers,
de realizar investimentos pú- 2015). Para tratar deste último
blicos substanciais. Entre as ponto de outra forma, as cida-
preocupações mais importantes des nos preocupam porque a
dessas instituições está o de- distância não está morta, e ele-
sempenho da cidade como um mentos substanciais de nossas
centro de emprego, de ganhos e vidas estão ancorados nesses
de qualidade de vida, novamen- sistemas urbanos espacialmen-
te, enraizado no nexo da terra te e temporalmente restritos. O
urbana (Molotch, 1976). Por dia em que pudermos nos mo-
todas estas razões, a cidade em ver de um lugar para outro sem
geral – especialmente devido custos de tempo e sem esforços
às suas fundações na aglomera- (ou seja, em um mundo de “ta-
ção e à sua densa sobreposição petes mágicos”) é o dia em que
institucional e política – coloca se pode dizer que a cidade esta-
questões bastante específicas rá morta. Mas a situação predo-
para a arena urbana, tanto como minante no mundo contempo-
objeto de investigação científi- râneo é aquela em que – apesar
ca quanto como escala da vida do crescimento dos vínculos de
humana, política e econômica. longa distância – a proximida-
É por isso que os proponentes de e a densidade permanecem
do chamado citadismo metodo- criticamente importantes como
lógico estão enganados em sua arranjos que facilitam os vo-
caracterização da cidade como lumes ainda em expansão de
sendo nada mais do que uma interações íntimas, detalhadas,
miragem ideológica. dinâmicas e em pequena escala,
Em segundo lugar, os bair- que estão no coração das rela-
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ções humanas no nexo da terra nossa capacidade de lidar com


urbana. qualquer das questões que pos-
Resta uma pergunta sem res- samos ter em mãos (por exem-
posta. Mesmo tendo em conta a plo, desenvolvimento econômi-
discussão acima, onde e como co, transporte público, conflitos
desenhamos a linha divisória étnicos, bairros decadentes,
entre a cidade e o resto do es- estratégia política urbana, en-
paço geográfico? Discutimos, tre outras), enquanto elimina-se
com referência específica à ci- da consideração os territórios
dade, que, apesar da continui- mais irrelevantes possíveis. Na
dade/ indivisibilidade do espa- prática, temos pouca opção se-
ço geográfico (ou da realidade não seguir a norma pragmática
como um todo), existem dife- que sempre foi adotada pelos
rentes escalas e articulações de geógrafos e localizar a linha
fenômenos empíricos, proces- de divisão de maneira mais ou
sos subjacentes e interesses po- menos viável em relação aos
líticos que fazem com que seja dados disponíveis.
imperativo distinguir unidades Uma possível objeção a es-
específicas e níveis de interação sas linhas de raciocínio é que
dentro da totalidade do espaço as cidades têm conexões fun-
planetário como um todo. Além cionais diversas com outros
disso, não há uma linha rígida lugares em partes diferentes
que separe definitivamente o do mundo. De fato, Brenner
nexo da terra urbana do resto e Schmid (2014, 2015), entre
do espaço geográfico, mas sim outros (por exemplo, Amin e
uma série de gradações espa- Thrift, 2002), afirmam de for-
ciais nas quais nos movemos de ma explícita que a identidade
um para o outro. Isso não signi- da cidade como unidade espa-
fica que o nexo de terra urbana cial está profundamente com-
e sua dinâmica, como identifi- prometida com o alargamen-
cado acima, sejam ilusões, pois to das relações externas que
bairros, favelas, áreas indus- formam o que é chamado de
triais, etc., não se dissolvem “exterior constitutivo”. Nossa
em uma totalidade urbana, da resposta a isso é simples. Essas
mesma forma como as estações relações são capazes de indu-
que se desvanecem de forma zir certos tipos de mudanças
gradual e irregular de uma para nas cidades, como explosões
a outra, mas isso não significa de crescimento nos distritos
que elas não existem como fe- empresariais centrais ou mu-
nômenos identificáveis por si danças em determinadas cate-
mesmas. A dedução evidente gorias de população, mas seus
dessas observações é que quase efeitos são virtualmente sempre
sempre temos uma margem de assimilados no nexo da terra ur-
manobra considerável quanto bana como tal sem destruir sua
à forma como demarcamos a integridade como uma unidade
extensão espacial do nexo da social complexa. Por exemplo,
Revista do Programa de Pós-Graduação
terra urbana, mas que a melhor o distrito financeiro de New em Geografia e do Departamento de
opção é defini-la em qualquer York tem fortes conexões ex- Geografia da UFES
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instância de forma a otimizar ternas com clientes distantes e
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com fontes de capital, resultan- existência das cidades ao longo
do no crescimento de empresas da história.
Revista do Programa de Pós-Graduação locais com diversos impactos
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES nos padrões de uso da terra
Outubro-Dezembro, 2018 em Manhattan e nos compor- Resumo: um desafio para
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tamentos residenciais dos tra- a teoria e para a pesquisa
balhadores. No entanto, quais- urbana
quer que sejam os efeitos do
Nós tentamos, em tudo o que
exterior constitutivo, estes não
foi exposto acima, abrir uma
prejudicam de forma alguma a
série de geografias teóricas das
noção teórica do nexo da terra
cidades e dos processos de ur-
urbana como constitutivo críti-
banização, e criticamos, em par-
co dentro da cidade. De fato, o
ticular, certas tendências recen-
nexo da terra urbana ganha em
tes que, por uma razão ou outra,
termos de sua complexidade in-
deformam ou caracterizam mal
terna, mesmo que esses efeitos
ou escondem as funções essen-
se intensifiquem e se multipli-
ciais e a identidade do urbano.
quem. Do mesmo modo, e ape-
Ao mesmo tempo, propomos,
sar do fato de que, no sistema
como plano de fundo à nossa
mundial do século XXI, as in-
crítica, um conceito da cidade
terconexões espaciais alcança-
como um fenômeno tangível,
ram níveis sem precedentes em
distinto, mas contido na so-
termos de volume e em exten-
ciedade como um todo, e com
são geográfica, a necessidade
raízes genéticas específicas e
de proximidade e interação lo-
com dinâmicas organizacionais
cal tem sido, em muitos aspec-
internas únicas. Este conceito
tos, reforçada no nexo da terra
nos permite distinguir o que é
urbana (Duranton e Storper,
autenticamente urbano do que é
2008; Hummels, 2007). Ander-
meramente contingencialmente
son e van Wincoop (2004), por
urbano e, portanto, trazer um
exemplo, demonstraram que os
grau de foco disciplinado para
custos comerciais continuam
a investigação das questões ur-
tão importantes no mundo de
banas. Devemos acrescentar
hoje que eles frequentemente
que a precisão das ideias a este
reforçam uma escala de intera-
respeito é especialmente impor-
ção distintivamente local. De-
tante para estudos relevantes em
vemos salientar, em qualquer
termos das políticas (ver Scott e
caso, que as interconexões de
Storper, 2015).
longa distância entre as cidades
Contra o pano de fundo de
sempre foram uma característi-
nossas proposições sobre a na-
ca da vida urbana, começando
tureza das cidades, examinamos
em Jericó há 6500 anos e, como
três influentes pontos de vista
já declaramos, eles são tipica-
alternativos sobre questões ur-
mente uma condição crucial da
banas, a saber, a teoria pós-co-
continuidade da viabilidade ur-
lonial, as abordagens teóricas
bana. Como tal, eles não repre-
do agenciamento e o urbanismo
sentam a negação da identidade
planetário, e concluímos que
da cidade, mas uma das condi-
são insuficientes. Os estudiosos
ções que tornaram possível a
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pós-coloniais defendem uma da teoria do agenciamento te-


abordagem de estudos urbanos nham opiniões fortes sobre a
que é simultaneamente provin- condução da pesquisa urbana,
ciana, comparativista e focada nenhum deles oferece qualquer
na diferença, o que na prática conceito coerente do urbano
significa particularidade. En- como tal. Os adeptos do urba-
quanto invocam noções ambí- nismo planetário, por sua vez,
guas de “mundificação”, eles fazem afirmações fortes sobre
rejeitam, como questão de prin- a deliquescência da cidade e so-
cípio, a transferência de resul- bre a assimilação do urbano em
tados analíticos das cidades do uma economia espacial mun-
Norte Global para as cidades do dial. Eles contribuem pouco em
Sul Global e, do mesmo modo, termos conceituais sobre o valor
qualquer conceito teórico gene- agregado por esta manobra, en-
ralizado do urbano e presumi- quanto deformam gratuitamente
velmente (ao menos os puristas) o significado geralmente aceito
qualquer fertilização trans-pro- do termo “urbanização” que
vinciana de ideias. aponta para a aglomeração, a
As abordagens teóricas do densidade e a nodalidade e, por
agenciamento têm muito em extensão, a distintos processos
comum com essa perspectiva, políticos, sociais e de formação
mas, além disso, têm a intenção de identidade na escala urbana.
de retratar resultados sociais Nossas próprias proposições
como caleidoscópios relacio- sobre as estruturas materiais e
nais em arranjos combinatórios relacionais do nexo da terra ur-
dinâmicos que oferecem pouca bana sugerem que as afirmações
ou nenhuma compreensão sobre dos adeptos do urbanismo pla-
a gênese dos arranjos espaciais netário sobre a suposta imprevi-
e institucionais estabelecidos. sibilidade do que eles chamam
Não só as abordagens do agen- de citadismo metodológico e
ciamento e do ator-rede aplica- sobre o status puramente ideo-
das à cidade são notavelmente lógico do conceito de cidade es-
fracas em compreender proces- tão seriamente erradas.
sos sociais e econômicos fun- Pelo menos, algumas des-
damentais, mas agravam essa sas tendências aberrantes na
fraqueza ao sugerir que coisas teoria urbana contemporânea
puramente passivas e sem in- podem ser rastreadas até uma
tencionalidade e critério social, fé notavelmente acrítica entre
como a dobradiça de porta men- muitos analistas contemporâ-
cionada por Acuto (2011), ou neos na capacidade das ideias
as vieiras estudadas por Callon filosóficas abstratas em orques-
(1984), ou o bilhete ferroviário trar a forma e a estrutura das
que faz parte do relato da pobre- investigações concretas sobre
za feito por McFarlane (2011c), as cidades. Não nos opomos às
são dotadas de poderes de agen- incursões de ideias filosóficas
ciamento semelhantes aos dos no trabalho dos teóricos urba-
Revista do Programa de Pós-Graduação
seres humanos. nos; longe disso. Somos ape- em Geografia e do Departamento de
Deve-se notar que, embora nas muito conscientes do quão Geografia da UFES
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os estudiosos pós-coloniais e necessárias são a criticidade e
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a clareza baseadas na filosofia na, no sentido de que, cada vez
para uma análise social viável. mais, a humanidade vive em as-
Revista do Programa de Pós-Graduação Nossa preocupação aqui é foca- sentamentos que são claramente
em Geografia e do Departamento de
Geografia da UFES da principalmente no que consi- urbanos. Se quisermos chegar a
Outubro-Dezembro, 2018 deramos ser a infeliz influência algum tipo de compreensão dos
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da filosofia pós-estruturalista novos e enormes desafios colo-
nos estudos urbanos. Estamos cados por este estado de coisas
nos referindo aqui, primeiro, ao (incluindo uma compreensão
jargão semanticamente inflado clara do que é e do que não é
que estraga muito da literatu- imputável aos processos urba-
ra atual. Em segundo lugar, e nos na vida moderna), precisa-
mais importante ainda, também mos de uma teoria urbana que
apontamos para os esquemas seja totalmente comprometida
interpretativos exagerados que com tal objetivo. Tentamos eli-
o pós-estruturalismo permite e minar alguns dos obstáculos que
a sua tendência em afugentar as impedem o cumprimento desse
formas analiticamente orienta- objetivo e propor algumas bases
das de inquérito social (e espe- essenciais para a construção de
cialmente econômico) a favor teorias mais efetivas do urbano
de uma busca conceitualmente e do processo de urbanização.
estéril pela diferença, pela par- Finalmente, defendemos for-
ticularidade e pelo localismo. temente o abandono da classi-
As ontologias planas favoreci- ficação das cidades em termos
das pela teoria pós-estruturalis- de um Norte Global e de um
ta são igualmente prejudiciais à Sul Global com seu curioso eco
vitalidade dos estudos urbanos, do Primeiro e do Terceiro Mun-
especialmente ao negarem as do. Os teóricos pós-coloniais, é
dimensões escalares do espaço, claro, têm suas próprias razões
de uma forma que efetivamen- para seguir essa terminologia, e
te dissolve a cidade como uma nós mesmos certamente não te-
entidade sócio-geográfica estru- mos a intenção de sugerir que o
turada, o que encoraja, por sua colonialismo, mesmo hoje, não
vez um ecletismo desenfreado tenha deixado traços profundos
que faz com que a cidade, como em diferentes partes do mundo
tal, tenda a ficar persistentemen- e em muitos domínios da in-
te fora de foco. Os adeptos do vestigação humana. Dito isto, e
urbanismo planetário também em vista do mosaico de resulta-
se esforçam para garantir essa dos espaciais predominantes e
mesma dissolução, mas desta multifacetados que apresentam
vez com base em uma “episte- muitas variedades empíricas
mologia” enigmática que, na diferentes de desenvolvimento
prática, representa demonstra- econômico e político no mundo
ções empíricas nada excepcio- atual, este binário esquemático
nais e, em nossa opinião, imper- é definitivamente inadequado
feitamente desenvolvidas. Para como um quadro organizacio-
repetir a mensagem da nossa nal para grande parte da inves-
linha inicial, o período atual da tigação social contemporânea,
história pode certamente ser ca- principalmente no caso dos es-
racterizado como uma era urba- tudos urbanos.
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Agradecimentos
Nós dedicamos este artigo ao nosso saudoso amigo e colega
Edward Soja, sabendo que ele não teria conseguido resistir em ex-
pressar perspectivas alternativas em quase tudo o que dissemos.

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