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FLICKR

Maxismo no “segundo segundo debate”


das Relações Internacionais
BRUnO GóIS

A afirmação das Relações Internacionais como Quem estuda ou estudou Relações Internacio-
uma ciência social autónoma ou como um ramo nais já se deparou com esta pergunta: ‘Idealismo
da Ciência Política é para mim secundária. te- ou Realismo?’. É com esta pergunta com rastei-
nho igualmente a convicção teórica de que não ra que costumamos perder a bússola que indica
será através da luta pela hegemonia de uma a esquerda. O Idealismo diz-nos que a política
abordagem marxista das relações internacio- é ‘a arte do bom governo’. O Realismo diz-nos
nais que se vai transformar o mundo. Julgo po- que a política ‘é a arte do possível’. Vemo-nos
rém necessário à esquerda ter bases sólidas para forçados a escolher entre a ingenuidade/bon- VÁRIA
o pensamento acerca da realidade internacional. dade do otimismo antropológico Idealista e o
Uma teoria das relações internacionais deve as- cinismo/maldade do pessimismo antropológico
sumir a teoria social e a teoria do Estado que Realista. Recusemos uma escolha condicionada
tem subjacente. O objetivo deste artigo é forne- pelos limites do liberalismo e do conservadoris-
cer pistas para uma abordagem socialista e ver- mo.
dadeiramente emancipatória, por não abdicar da “Uma teoria serve sempre a alguém e a algum
cientificidade nem ceder ao positivismo. trata- propósito” sublinhava Robert Cox, em 1981. E
rei desta questão no âmbito da disciplina aca- ainda hoje é inegável a hegemonia dos paradig-
démica das Relações Internacionais tendo como mas do mainstream da teoria das relações inter-
preocupação: contribuir para uma luta de ideias nacionais: que inclui hoje não apenas a velha
e uma compreensão das relações internacionais dicotomia Idealismo/Realismo, mas também o
intimamente ligadas à luta política e social. Construtivismo como “oposição oficial e res-

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peitável”. No entanto, existem muitas outras ca que chegamos a conhecer melhor esta dis-
abordagens. ciplina académica. O chamado primeiro debate
Falando da primeira década deste século XXI, é entre o realismo político e o idealismo. Este
Martin Griffiths afirma que as Relações Inter- “primeiro debate” envolve divergências filosófi-
nacionais se tornaram “um espaço de intenso cas entre o pessimismo antropológico (ou seja,
debate nos últimos anos”, contrapondo que até o conservadorismo do realismo político) e o
finais dos anos noventa “ainda era possível di- otimismo antropológico (dos liberais ou idea-
vidir este campo em três principais perspetivas listas)4. O “segundo debate” das RI, chamado
– Realismo, Liberalismo e Marxismo” e con- metodológico, ocorre entre tradicionalistas
cluindo que, desde então, “[n]ão apenas estas e comportamentalistas/cientificistas. De um
abordagens evoluíram em novas direções, mas lado os defensores dos tradicionais métodos da
a elas juntaram-se uma série de novos ‘ismos’ história, do direito e da filosofia e, do outro, os
competindo pela atenção, incluindo o feminis- defensores da ciência empirista. O “terceiro de-
mo e o construtivismo”1. bate” surge com várias versões: neo-realistas vs

(...) uma grande abordagem das relações internacionais alicerçada numa teoria
social maxista que reinterprete s contributs do feminismo, da teoria crítica e de
outras tradições teóricas consistentes com “ a concepção materialista da história”

Quants “Grandes Debates”? neoliberais; neo-realistas vs globalistas; inter-


Os chamados Grandes Debates das teorias das paradigmático; epistemologias positivistas vs
Relações Internacionais são um mito2 mas são pós-positivistas.
incontornáveis. A ideia de grandes debates na
disciplina, alimentada pelas consequências pre- Materialismo Histórico como “teoria crítica”
vistas ou imprevistas do kuhnianismo3, tende Apesar daqueles “grandes debates”, o verda-
para os seguintes cúmulos: num extremo, um deiro debate metateórico5 só chega às RI pela
evolucionismo cientifista acrítico, em que a via do neo-gramsciano Robert Cox. “Uma te-
nova “ciência normal” é superior às anteriores, oria serve sempre a alguém e a algum propó-
no outro, um ludismo epistemológico, em que o sito” afirmou teórico canadiano Robert Cox,
fetiche é a procura da última moda teórica. em 1981, num artigo que é aceite como a che-
No entanto, julgo ser através da sua crítica e gada da teoria crítica às Relações Internacio-
aproveitando a sua organização historiográfi- nais: “Social Forces, States and World Orders:

1 - GRIFFItHS, Martin (Ed.)(2007), International Relations Theory for the Twenty-Fist Century. An Introduction. London and New York:
Routledge, p. i.
2 - SMItH, S. (2008), in REUS-SMIt, C. & SNIDAL, D. (eds.), The Oxford Handbook of International Relations. Oxford: Oxford University
Press, p. 726.
3 - Refiro-me às ideias inspiradas trabalho do historiador e filósofo das ciências thomas Kuhn (ver KUHN, thomas S. (2009), A Estrutura das
Revoluções Cientificas. Lisboa: Editora Guerra & Paz).
4 - Aqui refiro-me apenas ao dito “primeiro debate”. Sobre as taxonomias e causas da paz e da guerra nas diferentes vertentes de Realismo e
Liberalismo ver os quadros das páginas 90 (“Realism”, artigo de tim Dunne e Brian Schmidt ) e 103 (“Liberalism”, artigo de tim Dunne) em
BAYLIS, John, SMItHS, Steve & OWENS, Patricia (Eds.) (2011), The Globalization of World Politics. An Introduction to International Relations.
5th Ed. New York: Oxford University Press.
5 - MENEZES E SILVA, Marco António (2005), “teoria Crítica em Relações Internacionais”. Contexto Internacional. 27, 2 (julho/dezembro
2005),249-282.
6 - COX, Robert W. (1981), “Social forces, states, and world orders: beyond international relations theory”. Millennium - Journal of Interna-
tional Studies. 10 (1981) 126-155. disponível on-line em Sage Journals, <http://mil.sagepub.com/content/10/2/126>.

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vFs dIGItaL dEsIGN / FLICKR
Beyond International Relations theory”6. Dis- acrescenta uma dimensão vertical à rivalidade
tinguindo, por um lado, aquilo a que chama “te- entre os estados mais poderosos”, consideran-
orias críticas”, que seriam comprometidas com do a dimensão da “economia política mundial”.
a emancipação, por outro, as “problem-solving terceiro, “o materialismo histórico alarga a
theories” ou “teorias de resolução de proble- perspetiva realista através da preocupação
mas”. Esta distinção revela-se decalcada da di- com a relação entre Estado e sociedade civil”.
ferença entre teorias críticas e teorias clássicas Quarto, “o materialismo histórico centra-se no
feita por Max Horkheimer, em 19377, embora processo produtivo como um elemento crítico
Cox se inspire mais em Gramsci que na Escola na explicação da formação histórica particular
de Frankfurt. assumida pelo complexo Estado/sociedade ci-
O crítico canadiano vê o materialismo histórico vil”. Em síntese, “[o] materialismo histórico
como uma fonte fundamental de teoria crítica examina as ligações entre o poder na produção,
e de correção à teoria neo-realista das relações o poder no Estado, e o poder nas relações inter-
internacionais, salientando a este respeito qua- nacionais”8.
tro aspetos. Primeiro, a dialética ao nível da ló- Robert Cox é um crítico da perspetiva a-his-
gica e ao nível da história real como princípio tórica do neo-realismo e do determinismo es-
VÁRIA
de dinâmica quer da teoria, quer da realidade. truturalista que identifica não apenas no neo-
O “[m]aterialismo histórico vê no conflito um realismo mas em todos os estruturalismos,
processo de reconstrução contínua da natureza estruturalismo marxista incluído. Porém não
humana e a criação de novos padrões de rela- deita fora o contributo marxista, que é anterior
ções sociais os quais mudam as regras do jogo e e superior ao desvio estruturalista9.
a partir das quais […] novas formas de confli- O quadro em que a ação se move, na análise co-
to podem emergir”. Segundo, “através do enfo- xiana, consiste em dois triângulos de estruturas
que no imperialismo, o materialismo histórico que se influenciam reciprocamente: uma entre

7 - HORKHEIMER, Max (2003), “teoría tradicional y teoría crítica”, in Teoría crítica. 1ª Ed. 3a reimp. Amorrortu editores: Buenos Aires,
pp. 223-271.
8 - COX, Robert W. (1981), opus cit, pp. 134-135.
9 - Uma interessante atualização da crítica ao estruturalismo como sendo origem de uma degenerescência da razão que continuaria nas cor-
rentes pos-estruturalistas e pos-modernistas pode ser encontrada em NEttO, José Paulo (2010), “Posfácio”, in COUtINHO, Carlos Nelson,
O Estruturalismo e a Miséria da Razão. 2ª. Ed. São Paulo: Expressão Popular, p. 28.

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capacidades materiais, ideias, pirados na Escola de Frank-
instituições; outra entre forças furt12.
sociais, formas de Estado, or- Na sequência da secção “O
dens mundiais. A teoria crítica pensamento internacional crí-
neo-gramsciana desenvolvi- tico, pós-estruturalista e ‘pós-
moderno’”, onde se incluem
da pelos sucessores de Cox10
aquelas citações, Brown e Ain-
tem porém o vício de aplicar
ley concluem que o pós-posi-
os conceitos de Gramsci como tivismo é o que une as várias
tipos-ideais weberianos. perspetivas que desafiam o
consenso neo-neo, ou seja, que

FLICKR / LUIGI mENGato


Teoria emancipatória para as teorias que desafiam o con-
além do ps-psitivismo? senso entre neoliberais e neo-
Chris Brown e Kirsten Ain- conservadores têm pouco em
ley no livro Compreender as comum salvo a sua tendência
Relações Internacionais suma- pós-positivista. Porém, como
riam bem a relação das diversas correntes de salientam os mesmos autores, há uma exceção
pensamento surgidas nas últimas décadas e o dentro do campo das correntes de pensamento
projeto emancipatório. Colocam imediatamente que desafiam este consenso liberal-conserva-
de parte o liberalismo contemporâneo por ser, dor: uma corrente que não é nem positivista,
e bem, amplamente considerado fora do campo nem pós-positivista. Essa vaga que está para
emancipatório, e identificam entre as demais além do debate entre positivistas e pós-positi-
correntes teóricas um grande fosso entre os vistas chama-se realismo crítico.
que pretendem restabelecer o projeto moderno Heikki Patomaki e Colin Wight formularam a
de emancipação (inspirados em Kant, Hegel e questão “E depois do pos-positivismo?” num
Marx) e os que “criticam os pressupostos sub- artigo germinal sobre “as promessas do rea-
jacentes à teoria emancipatória” (inspirados em lismo crítico”13, há mais de uma década, porém
Nietzsche, Heidegger e Foucault)11. pouco eco temos desse debate em Portugal.
Brown e Ainley concretizam: “o primeiro grupo No realismo crítico, afirmam Brown e Ainley,
[...] está claramente associado ao pensamento “encontram-se autores que são indiscutivel-
de esquerda e progressista que vem da Revo- mente da esquerda radical, frequentemente
lução Francesa”. E mais adiante afirmam: “O marxistas, mas que rejeitam o anti-cientismo
mais influente de todos os teóricos críticos foi, e dos pós-estruturalistas e dos pós-modernis-
continua a ser, Karl Marx. Foi ele que estabele- tas”14. O realismo crítico não é por si só uma
ceu com maior clareza que a ‘emancipação’ não teoria das relações internacionais, o realismo
podia ser apenas um processo político, deixan- crítico é uma filosofia da ciência que preten-
do incólumes as desigualdades económicas”. de superar o debate entre positivistas e pós-
No campo académico das Relações Interna- positivista. Esta filosofia da ciência teve como
cionais, Marx tem sido tratado principalmente seu mais destacado representante em Roy
através de intermediários, particularmente: os Baskar, embora não se limite a este autor. Jor-
economistas políticos internacionais inspirados em ge Rivas, um dos defensores da aplicação do
Gramsci e os teóricos políticos internacionais ins- realismo científico às Relações Internacionais,

10 - GILL, Stephen Gill (Ed.) (1993), Gramsci, historical materialism and international relations. New York: Cambridge University Press.
11 - BROWN, Chris & AINLEY,Kirsten (2012), Compreender as Relações Internacionais. Lisboa: Gradiva, p. 101.
12 - Idem, Ibidem, p. 102.
13 - PAtOMAKI, Heikki & WIGHt, Colin (2000), “After Postpositivism? the Promises of Critical realism”. International Studies Quarterly,
Vol. 44, No. 2. (Jun., 2000), pp. 213-237.
14 - BROWN, Chris & AINLEY, Kirsten (2012), Opus cit, p. 103.

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johN-moRGaN / FLICKR
argumenta e resume desta forma o que há de alismo científico aplicado às ciências sociais. As
comum entre positivistas e pós-positivistas: aplicações desta filosofia da ciência às ciências
“tanto o positivismo como o interpretativismo sociais têm em comum o facto de considera-
envolvem posições ontológicas anti-realistas e rem, ou pelo menos não negarem, as seguintes
baseiam-nas nas suas epistemologias antropo- características, de acordo com resumo de Wi-
cêntricas (empirista e interpretativista, respe- ght e Joseph: “Existe uma realidade social que
tivamente)”15. consiste em múltiplas forças que condicionam
Este realismo crítico nem deve ser confundi- as vidas dos indivíduos; algumas dessas forças
do com o realismo político do primeiro debate, podem bem ser inobserváveis, no entanto, são
nem tampouco com a “via média” de Alexander reais; estas forças são estruturadas por forma
Wendt. Diferentemente da “via média” de Wen- de relações externas e internas, estruturas de
dt, não é um compromisso, mas uma superação poder e papéis sociais; as ciências sociais podem
do debate entre positivistas e pós-positivistas. não captar a natureza das forças causais mera-
Do ponto de vista metateórico, esta proposta mente através da investigação empírica; as ci-
de realismo crítico é, em resumo, o inverso da ências sociais e políticas são fundamentalmente
de Wendt: assume um relativismo/falibilismo sociais e políticas por natureza e refletem, em
epistemológico e um realismo/objetivismo on- parte, a posição do investigador na realidade
tológico. É assim que se afasta da “falácia epis- social; a interação entre agentes e estruturas
temológica”, afirmando que há uma realidade e forças materiais e ideacionais é uma questão
para além das aparências que é objetiva e não para ser colocada empiricamente e não por de-
totalmente conhecida ou conhecível, mas não é creto teórico”18.
por esse facto negada16.
Colin Wight e Johnathan Joseph na introdução “Segundo segundo debate”?
à coletânea Scientific Realism and International Chris Brown em “Situating Critical Realism”
Relations afirmam que:“[o] realismo científico/ defende que: “embora o realismo crítico não VÁRIA
realismo crítico trabalha ao nível da crítica fi- seja nem a próxima grande ideia, nem um tema
losófica, desafiando os pressupostos filosóficos adequado para um grande debate, pode desem-
da maioria das teorias contemporâneas das RI penhar um papel importante no revigoramento
e dessa forma introduz por si só contributos de uma tradição de pensamento que tem sido
epistemológicos e ontológicos”17. O realismo injustamente negligenciada nos últimos vinte
crítico é um desenvolvimento específico do re- anos, ou mais”: “o marxismo”19.

15 - RIVAS, Jorge, “For real this time: scientific realism is not a compromise between positivism and interpretivism”, in JOSEPH,Jonathan
& WIGHt, Colin (eds.) (2010),Scientific Realism and International Relations. Chippenham and Eastbourne, Great Britain: Palgrave Macmillan,
pp. 203-227.
16 - Idem, Ibidem.
17 - JOSEPH,Jonathan & WIGHt, Colin, “Intruduction”, in JOSEPH,Jonathan & WIGHt, Colin (eds.) (2010), Scientific Realism and Inter-
national Relations. Opus cit, pp. 1 a 30.
18 - Idem, Ibidem, pp. 1 e 2.
19 - BROWN, Chris, “Situating critical realism”. Millennium: journal of international studies. 35 (2). 2007. pp. 409-416.

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Afirma Chris Brown que a crítico a uma forma de mar-
aplicação do realismo crítico xismo é problemática. Em
às relações internacionais só primeiro lugar, reduzir o re-
é útil se servir para revitali- alismo científico/realismo
zar o marxismo, e que se for, crítico ao trabalho de Roy
no entanto, servir apenas para Bhaskar, como faz Brown, é
revitalizar os debates sobre para Wight e Joseph um erro
epistemologia e ontologia não porque a via de Bhaskar não
servirá para nada20. é o único realismo científico
Opinião diferente da de Chris possível. Muitos autores, que
Brown têm Marjo Koivisto e acolheram o realismo crítico,
Simon Curtis, que num artigo vão para além do trabalho de
de 2010, defendem as possi- Bhaskar: não aceitando, e bem
bilidades de um Segundo ‘Se- do meu ponto de vista, nomea-
gundo Debate’21. Filiando-se, a damente a sua dialética trans-
este respeito, no pensamento cendental – como é o caso de
de Colin Wight, criticam o facto de o carácter Callinicos23 24. Além disso, e como argumentam
‘científico’ do estudo das Relações Internacio- Wight e Joseph, o realismo crítico é consistente
nais ter sido apenas concedido às abordagens não apenas com o marxismo mas também com
positivistas. Rejeitam portanto a incomensura- o feminismo e as teorias críticas das relações
bilidade entre ciência e história afirmada desde internacionais25.
o dito ‘Segundo Debate’, debate metodológico
entre cientifistas e tradicionalistas22. Digno de Relações Internacionais e “anatomia da
nota é, aliás, que Marjo Koivisto e Simon Cur- sociedade civil”
tis consideram que os autores que classificam Na sua conferência “As relações Internacionais
com neo-marxistas e particularmente o traba- como Ciência Social”26, Iver Neumann, embora
lho de Robert Cox têm a mesma sensibilidade tenha assumido que rejeita a via marxista, to-
histórica que advogam necessária para as Re-
cou num ponto que é fundamental: as RI têm de
lações Internacionais. Marjo Koivisto e Simon
prestar mais atenção aos fundadores da teoria
Curtis defendem a fusão da história com a teoria
social. Com os partidários desta proposta, que social. É também por aí que passa a proposta
incluem não só os referidos autores, abre-se que defendo.
espaço a um grande diálogo entre a sociologia A minha proposta é que considerados os con-
histórica e o materialismo histórico nas Rela- tributos de linhagem marxista bem como ou-
ções Internacionais. tros que sejam úteis à compreensão das Rela-
Ainda relativamente a Chris Brown, Colin ções Internacionais, a revitalização da tradição
Wight e Johnathan Joseph consideram que a marxista das Relações Internacionais deverá
tentativa deste autor para reduzir o realismo ser feita através do debate aberto pelo realismo

20 - Idem, Ibidem.
21 - CURtIS, Simon & KOIVIStO, Marjo (2010), “towards a Second ‘Second Debate’? Rethinkingthe Relationship between Science and
History in International theory”. International Relations. Vol. 24 (4). pp. 433–455.
22 - Idem, Ibidem, p. 436.
23 - BHASKAR, Roy & CALLINICOS, Alex (2003), “A Debate: Marxism and Critical Realism”. Journal of Critical Realism, 1:2, may 2003,
pp. 89-114.
24- CALLINICOS, Alex, “A Critical Realist Ontology”. in The resources of critique. Cambridge: 2006, pp. 155-181.
25- JOSEPH,Jonathan & WIGHt, Colin (2010), Opus cit, p. 3.
26 - NEUMANN, Iver (2013), “International Relations as a Social Science” [Registo vídeo]. Recorded on Monday 28 January 2013 in New
theatre, East Building, LSE. UK. (75 min.). color. Disponível em: London School of Economics, <http://youtu.be/Fa5qXsHiWqA>.

104
crítico nesta disciplina. Aliás acompanhando de século XVIII, resume sob o nome de ‘sociedade
perto a proposta de Faruk Yalvaç, que afirma: civil’, e de que a anatomia da sociedade civil se
“[u]ma teoria social marxista enriquecida pe- teria de procurar, porém, na economia políti-
los princípios do realismo crítico pode fornecer ca”29.
uma alternativa radical quer aos às conceções Não foi por falta de temas que não me dediquei
positivistas, quer às conceções construtivistas nestas linhas a um tema concreto: o imperialis-
das RI [...]”27.No que me diz respeito, uso aqui, mo e a globalização, a transnacionalização das
como anteriormente referido, o “realismo críti- classes, a relação entre a contradição trabalho/
co” num sentido amplo. capital e a contradição povos/imperialismo, a
Novos caminhos para uma teoria emancipatória contradição de género, a emancipação das mi-
das relações internacionais poderão ser aber- norias sexuais, a relação do imperialismo com
tos por uma grande abordagem das relações o direito internacional, relação do direito inter-
internacionais alicerçada numa teoria social nacional com a emancipação, a questão nacional
marxista que reinterprete os contributos do fe- e o internacionalismo, a teoria do Estado e sua
minismo, da teoria crítica e mesmo de outras conexão com a questão da guerra e cooperação
tradições teóricas das Relações Internacionais internacional, os problemas ambientais, os bens
consistentes com “a concepção materialista da comuns e a soberania alimentar... tudo isso são
história”. questões às quais uma teoria marxista das re-
Ainda que outros “marxismos” tenham propos- lações internacionais tem de saber responder.
tas diferentes, defendo que a teoria social em Aparentemente não tratei neste texto daquilo
que nos devemos basear funda-se no pensamen- que Lenine chamou, e bem, a “análise concre-
to social e político que o próprio Marx desen- ta da situação concreta”. Mas antes da defesa
volveu ao longo da sua vida, sendo O Capital dessa abordagem levada a cabo pelo autor de O
superior a manuscritos anteriores. Isso não
Imperialismo. Fase Superior do Capitalismo30.
significa rejeitar os trabalhos anteriores, mas
considerá-los como um todo28.
O Maxismo pode fornecer uma ontologia
Como o próprio Marx afirmou, a revisão crí-
cientíica que sirva de base ao estudo das
tica que operou à filosofia do direito de Hegel
relações internacionais. Defendo que é
conduziu-o ao “resultado de que relações jurí-
necessário corresponder também teoricamente
dicas, tal como formas de Estado, não podem
à unidade (ontológica) da realidade social,
ser compreendidas a partir de si mesmas nem desta forma constituindo um amplo campo
a partir do chamado desenvolvimento geral do de compreensão das relações internacionais
espírito humano, mas enraízam-se, isso sim, como uma questão não apenas de Estads mas
nas relações materiais da vida, cuja totalidade também de géners, classes, povs e potências.
Hegel, na esteira dos ingleses e franceses do

27 - YALVAÇ, Faruk (2010), “Critical Realism, International Relations theory and Marxism” in JOSEPH,Jonathan & WIGHt, Colin (eds.)
(2010), Opus cit, pp. 167-185.
28 - Aliás e rejeitando a tese “Marx ideológico versus Marx científico”, própria dos Althusserianos, acompanho a argumentação de Shlomo
Avineri, que referindo-se ao prefácio de 1873 escrito por Marx para a segunda edição do volume 1 d’ O Capital, afirma: “[n]os seus últimos
anos, Marx defendia, pois, a validade e significado da Crítica de Hegel, que ele escrevera quando tinha vinte cinco anos”, concluindo que “não
só não há uma ‘ruptura’ entre o jovem Marx e o Marx maduro, como a garantia de continuidade foi proporcionada pelo próprio Marx”. AVI-
NERI, Shlomo (1978), O Pensamento Político e Social de Karl Marx. Coimbra: Colecção Coimbra Editora, p. 82.
29 - MARX, Karl (1982), “Prefácio a Para a Crítica da Economia Política”. in MARX, Karl & ENGELS, Friedrich, Obras Escolhidas em três
tomos. Lisboa: Avante. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm>.
30 - LÉNINE, V. I. (1984), O Imperialismo. Fase Superior do Capitalismo. (Impressão abril de 2000). Lisboa-Moscovo: Edições Progresso.

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