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s ociologia

c lássica
A letra grega , adotada universalmente

para simbolizar o prefixo “micro” (pequeno),

é usada nesta obra para representar o con-

junto das disciplinas relacionadas à área de

ciências sociais, em que se estudam aspectos

sócio-históricos dos grupos humanos.


s ociologia c lássica
Conselho editorial Ficha técnica Editora Ibpex
Editora Ibpex
Ivo José Both, Dr. (presidente) Diretor-presidente
Elena Godoy, Dr.a Wilson Picler
José Raimundo Facion, Dr.
Editor-chefe
Sérgio Roberto Lopes, Dr.
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Análise de informação
Silvia Mara Hadas

Revisão de texto
Alexandre Olsemann

Capa
Bruno Palma e Silva

Projeto gráfico
Raphael Bernadelli

Diagramação
Bruno de Oliveira

Iconografia
Danielle Scholtz

Obra coletiva organi-


zada pela Universidade
Luterana do Brasil (Ulbra). S678

Informamos que é de Sociologia clássica / [Obra] organizada pela


inteira respon­sabilidade Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). –
dos autores a emissão de Curitiba : Ibpex, 2008.
conceitos. 200 p.: il.
Nenhuma parte desta
publicação poderá ser ISBN 978-85-7838-048-9
reproduzida por qualquer
meio ou forma sem a pré- 1. Sociologia. 2. Durkheim, Émile, 1858-1917. 3.
via autorização da Ulbra. Weber, Max, 1864-1920. 4. Marx, Karl, 1818-1883. I.
A violação dos direitos Universidade Luterana do Brasil. II. Título.
autorais é crime estabe-
CDD 301
lecido na Lei nº 9.610/98
20. ed.
e punido pelo art. 184 do
Código Penal.
apresentação

Este livro de sociologia clássica foi elaborado como mate-


rial didático especialmente para você, aluno(a) de educa-
ção a distância da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Busca proporcionar uma leitura que subsidie o aprendi-
zado dessa importante disciplina das ciências sociais, apre-
sentando seu processo de formação e as obras de um seleto
grupo de autores considerados clássicos da sociologia:
Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Você pode estar
se perguntando: qual a importância de estudarmos autores
que escreveram suas obras a mais de um século atrás? As
obras dos autores clássicos, apesar de terem sido produ-
zidas em outros contextos históricos e sociais, preservam
sua atualidade ao passo que suas interpretações detêm um
longo alcance e significação teórica, constituindo-se por
essa razão em pontos de referência para questionamento e
investigações sobre os processos contemporâneos. Ou seja,
encontramos nos autores clássicos da sociologia um debate
indispensável à interpretação dos processos e dos fenôme-
nos sociológicos do presente. A melhor maneira de conhe-
cer um clássico é lê-lo e não recorrer a releituras de outros.
Então fica um primeiro aviso importante para você: a lei-
tura deste material não o dispensará de ler diretamente os
textos dos autores que aqui fazemos referência. Isso será
de fundamental importância para que você obtenha uma
sólida formação em ciências sociais. Afinal de contas, a pro-
fissão de cientista social tem na teoria um elemento indis-
vi
pensável ao seu desempenho prático, além de ser compo-
Sociologia clássica

nente fundamental do exercício de sua autoridade.


O presente livro está organizado em dez capítulos. No
primeiro discute-se o processo de gênese da sociologia,
apontando-lhe sua definição, seus precursores e sua cons-
tituição a partir de Auguste Comte. Os seguintes apresen-
tam as obras de Durkheim, Weber e Marx, desenvolvendo
uma mesma estruturação lógica para cada um dos auto-
res: um capítulo abordando a vida e obra e uma proposta
metodológica, outro expondo suas categorias e conceitos
sociológicos fundamentais e um terceiro no qual discuti-
mos sobre uma obra do autor como forma de incentivar
você a aventurar-se na leitura do texto original.
Desse modo, nos capítulos 2, 3 e 4 você conhecerá o tra-
balho de Émile Durkheim e sua sociologia funcionalista.
Nos capítulos 5, 6 e 7 você terá contato com a obra de Max
Weber, que inaugura a sociologia compreensiva. Por fim,
nos capítulos 8, 9 e 10, verá a contribuição de Karl Marx e
seu materialismo histórico e dialético.
É necessário, ainda, uma nota de esclarecimento
sobre os motivos que nos levaram a focar os autores nessa
seqüên­cia, com a apresentação da perspectiva marxista no
final, apesar de Marx ter produzido em período anterior a
Durkheim e Weber, contemporâneos um do outro. A razão
para isso é didática e visa facilitar a compreensão de cada
uma das propostas teórico-metodológicas a partir de sua
contraposição.
Assim, começaremos o estudo pela perspectiva objeti-
vista da realidade social, que enfatiza as determinações das
estruturas sociais sobre os fenômenos sociológicos presen-
tes na obra de Durkheim. Em contraste a essa abordagem,
é apresentada uma proposta acentuadamente subjetivista
desenvolvida por Weber, cujo foco da análise recai sobre
vii
o indivíduo e o sentido por este atribuído à ação social

Apresentação
como definidor do objeto sociológico. Deixamos, assim,
Marx para o final, porque o seu método dialético incorpora
simultaneamente os fatores objetivos e subjetivos e analisa
as dimensões da estrutura e da ação social na determina-
ção das relações sociais.
Parece complicado? Em certa medida é mesmo. A
sociologia é uma ciência complexa que resiste a simplifica-
ções. Por isso, um segundo aviso. Faça uma leitura atenta
deste material e, se for necessário, leia-o mais de uma vez.
Sublinhe o que considerar relevante. O livro é seu! Interaja
com ele. Anote as idéias principais e tire as dúvidas com
seu tutor. Aqui você encontrará as três matrizes epistemo-
lógicas e teóricas pelas quais a sociologia vem se desenvol-
vendo até os tempos atuais. Esperamos que você possa se
apropriar de cada uma delas. Tenha uma boa leitura!
Prof. Nilson Weisheimer
s umário

( 1 ) A gênese da sociologia, 13
1.1 O que é sociologia?, 16

1.2 Os precursores da sociologia, 19

1.3 Determinantes do surgimento da sociologia, 25

1.4 A sociologia de Auguste Comte, 29

( 2 ) Introdução à obra de Émile Durkheim, 35


2.1 Émile Durkheim: vida e obra, 38

2.2 Objeto da sociologia de Durkheim, 41


2.3 O método funcionalista, 43

( 3 ) Durkheim: categorias sociológicas fundamentais, 53


3.1 Organização social e formas de solidariedade, 56

3.2 Coesão e anomia através do estudo sociológico do suicídio, 61

3.3 O conceito de representações coletivas, 65

( 4 ) Sobre Educação e sociologia, de Émile Durkheim, 71


4.1 Educação: sua natureza e função, 74

4.2 Natureza da pedagogia e seu método, 82

4.3 Pedagogia e sociologia, 86

( 5 ) Introdução à obra de Max Weber, 89


5.1 Max Weber: vida e obra, 92

5.2 Objeto da sociologia de Weber, 95

5.3 O método compreensivo, 97

( 6 ) Weber: categorias sociológicas fundamentais, 103


6.1 Tipologia weberiana da ação, dominação e legitimidade, 106
x
6.2 Teoria da estratificação social, 113
Sociologia clássica

( 7 ) Sobre: A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, de


Max Weber, 119
7.1 O problema: confissão religiosa e estratificação social, 122

7.2 O “espírito” do capitalismo, 125

7.3 O conceito de vocação em Lutero: o objeto da pesquisa, 128

7.4 Os fundamentos religiosos da ascese intramundana, 130

7.5 Ascese e capitalismo, 136

( 8 ) Introdução à obra de Karl Marx, 141


8.1 Karl Marx: vida e obra, 144

8.2 O objeto de pesquisa de Marx, 147

8.3 O método materialista histórico e dialético, 150

( 9 ) Marx: categorias sociológicas fundamentais, 157


9.1 Teoria do modo de produção capitalista, 160
9.2 Formação social, 162

9.3 Infra-estrutura e superestrutura, 163

9.4 Forças produtivas e relações sociais de produção, 167

9.5 Processo de trabalho, 168

9.6 Classes sociais, 170

9.7 Luta de classes, 171

( 10 ) Sobre: o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e


Engels, 175
10.1 O contexto, 178

10.2 A obra, 180

10.3 Nosso objeto: “burgueses e proletários”, 181

Glossário, 191

Referências por capítulo, 193

Referências, 197

Gabarito, 199

xi

Sumário
(1)

a gênese da sociologia
Nilson Weisheimer tem graduação em Ciências
Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) (2001), mestrado (2004) e doutorado
(2008) em Sociologia também pela UFRGS. Atuou
como docente no Departamento de Ciências Humanas
na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e no
Departamento de Sociologia do IFCH/UFRGS. Possui
livros, capítulos de livros e artigos publicados nas temá-
ticas de sociologia, juventude, gênero e políticas públicas.
Atualmente, atua como professor-pesquisador no curso
Graduação Tecnológica em Planejamento e Gestão para
o Desenvolvimento Rural da UFRGS e é professor coor-
denador dos cursos de Ciências Sociais da Universidade
Luterana do Brasil (Ulbra).
Nilson Weisheimer

( )

“Em toda a ciência o difícil é o começo.”


(MARX, 1983, p. 9)

o s seres humanos vivem em sociedade. Passamos a


maior parte de nossas vidas interagindo com outras pes-
soas e em grupos sociais, como membros de uma família,
moradores de um bairro, trabalhadores de uma empresa e
cidadãos de uma nação. Vamos à escola, saímos com ami-
gos, namoramos uma pessoa, casamos e, assim, repro-
duzimos a sociedade, e esta se reproduz em nós. Quase
tudo em nossas vidas é socialmente construído. Elementos
como a linguagem, os valores, as modas, os nossos gos-
tos alimentares ou musicais resultam das nossas interações
com outras pessoas. Compreender e explicar os fenômenos
sociais é tão importante quanto saber diagnosticar correta-
mente uma doença para buscar a cura para um mal físico.
O desemprego, a miséria, as desigualdades e as guerras
são patologias sociais que também podem levar a morte
não apenas de um indivíduo, mas de toda uma coletivi-
dade. Desse modo, a necessidade de responder às questões
suscitadas pela vida em sociedade tem sido expressa pela
humanidade desde os tempos mais remotos. Entretanto,
apenas a pouco mais de um século vem se produzindo um
conhecimento científico sobre a sociedade.
Neste capítulo, veremos como ocorreu o desenvol-
vimento histórico do pensamento social que resultou na
sociologia, apresentaremos uma definição para essa ciên-
cia, conheceremos seus precursores, identificaremos o con-
texto social que determinou seu surgimento e as idéias de
Auguste Comte, o fundador da disciplina.

(1.1)
o que é sociologia?
16

Podemos dizer que a sociologia é a ciência que estuda a


Sociologia clássica

sociedade. Mesmo essa definição simples não pode ser


subestimada, pois traz noções complexas como ciência,
estudo e sociedade. Vale a pena refletirmos sobre elas, por-
que trazem questões importantes à prática sociológica.
A ciência é uma forma especial de conhecimento que
se difere de outras modalidades do saber, como o senso
comum, o religioso, o filosófico e o artístico. Isso não quer
dizer que seja melhor ou pior que outras formas de conhe-
cimento; cada uma delas tem sua legitimidade. Significa
apenas que a ciência é diferente porque é um conheci-
mento construído a partir de procedimentos metódicos
com propósitos empíricos e operacionais que proporciona
um saber que evolui de modo cumulativo. Os dois pos-
tulados básicos da ciência são: a) trata-se de um conheci-
mento do geral e não do particular; b) é o conhecimento
do oculto, do que está encoberto pelas aparências do fenô-
meno. Esses aspectos implicam uma postura própria do
cientista que busca promover a transparência do processo
de produção do conhecimento e manter um permanente
estado de alerta, ou seja, uma postura crítica diante da apa-
rência das coisas e, por isso, o cientista busca descobrir a
essência delas. Seus procedimentos básicos são: 1) embasa-
mento teórico, 2) observação de fenômenos, 3) construção
de hipóteses, 4) teste das hipóteses e 5) generalização dos
resultados.
O estudo é uma ação que consiste em orientar os esfor-
ços para aplicar a inteligência para aprender. Isso implica,
em primeiro lugar, uma atitude curiosa perante os fatos
exteriores a fim de apreendê-los em nosso ser consciente.
Isso ocorre porque o processo do conhecimento não se dá
automaticamente pela assimilação. É preciso ação consci­
ente orientada para determinado fim. Nesse sentido, não 17

basta uma postura de curiosidade ingênua, faz-se necessá-


A gênese da sociologia

rio um estado de atenção rigorosa da consciência. O edu-


cador brasileiro Paulo Freire considerava o “espantar-se”
como uma ação fundamental para construção do pensa-
mento1. Assim, estudar implica uma postura curiosa deri-
vada da tentativa de compreensão do mundo e motivada
pela razão.
A sociedade também é uma noção bastante com-
plexa. Essa palavra tende a expressar, de modo amplo, a
idéia de totalidade de seres humanos na terra em conjunto
com suas culturas, instituições, normas, idéias e valores.
É de fato uma associação que assegura a vida humana.
A sociedade é formada por indivíduos, e estes são cons-
tituintes da sociedade. Ambos se encontram imbricados,
não sendo possível considerar os termos indivíduo e socie-
dade separadamente. Ou você consegue conceber a idéia
de um sem o outro? É claro que não! Porque não há socie-
dade sem indivíduos e, analogamente, não há indivíduos
sem sociedade2.
Em sociedades, as pessoas estabelecem relações entre
si, independentemente de sua vontade ou consciência sobre
isso. Essas relações, que são tanto de cooperação quanto
de conflito, asseguram a produção dos modos de vida,
as idéias e a história. Assim, nós, seres humanos, somos,
simultaneamente, produto e produtores da sociedade, que
é sempre historicamente situada.
Podemos retomar nossa formulação inicial identifi-
cando a sociologia como a ciência da produção, reprodução
e transformação das relações sociais. Ou seja, seu objeto
de estudo são as interações humanas e os produtos destas
em constante processo de transformação. Não há uma defi-
nição única de sociologia porque esse ramo particular da
18 ciência varia conforme a abordagem teórica adotada, con-
tudo tem como objeto de estudo os fenômenos sociais. A
Sociologia clássica

sociologia é uma ciência humana e histórica e uma disci-


plina das ciências sociais. Ela se difere das demais ciên-
cias naturais e exatas porque o sujeito pesquisador possui
a mesma natureza que seu objeto de estudo, já que ele pró-
prio é membro da sociedade. Isso implica reconhecer que
as categorias, objetos e métodos de análise são social e
historicamente construídos.
Conforme o sociólogo brasileiro Alberto Guerreiro
Ramos, a sociologia em países como o Brasil deveria ser
conduzida de modo a cumprir dois propósitos: a) elabo-
rar idéias, conceitos e teorias com que a nação possa com-
preender-se a si mesma e b) decifrar objetivamente os seus
problemas3. Para tanto, esse autor preconizava a análise
crítica e a seleção de esquemas teórico-metodológicos ela-
borados em outros contextos sociais. Esse é um desafio que
você também está convidado a enfrentar. Iniciamos essa
empreitada conhecendo alguns autores que contribuíram
para o surgimento do pensamento social.

(1.2)
o s precursores da sociologia
Antes do surgimento das ciências sociais, diversos pensa-
dores, filósofos, religiosos e enciclopedistas produziram
idéias sobre suas sociedades e tentaram encontrar solu-
ções aos problemas de sua época. Apresentaremos alguns
­desses autores que contribuíram para o acúmulo do conhe-
cimento, construindo a herança intelectual que resultou na
nova ciência. São eles os precursores da sociologia.
19

Os precursores helênicos
A gênese da sociologia

Por volta do século V. a.C., surge na Grécia uma forma


especial de pensar que ficou conhecida como filosofia. Entre
os filósofos gregos, Platão e Aristóteles destacam-se como
analistas dos processos políticos e sociais de sua época,
deixando-nos um legado histórico valioso.
Platão (429-347 a.C.), discípulo de Sócrates e funda-
dor da Academia, escreveu as obras A república, As leis e
O governante, que abordam a organização jurídica, política
e social, redigindo seus textos em forma de diálogos. Em
A república a partir de um diálogo, elaborou um tratado
acerca da sociedade ideal, num texto regido pelo princípio
da justiça4. Em As leis, buscou, entre outras coisas, estabele-
cer as relações entre condições demográficas e geográficas
com as leis e as características da vida social dos povos.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, escre-
veu a mais conhecida obra da filosofia grega chamada A
política. Para tanto, ele estudou mais de 150 constituições
políticas das cidades gregas e outras forjando a noção
de que “o homem é um animal político” (Anthropom zom
politikon)5. Ele estabeleceu a política como uma ciência que
tem por objeto a felicidade, a qual envolveria as dimensões
da ética (que tem como objetivo a felicidade humana indi-
vidual na pólis) e a política como prática (que visa estabele-
cer a felicidade coletiva da pólis). Nessa obra, ele identificou
três tipos de sistemas de governo considerados normais: a
monarquia, a aristocracia e a república; nesse viés, ainda
contrapôs outros três tipos de desvios governos: a tirania,
a oligarquia e a demagogia.

Os precursores medievais
20
A cultura ocidental conheceu na Idade Média o predomí-
Sociologia clássica

nio do cristianismo como doutrina e explicação do mundo,


segmento no qual Deus era concebido como “consciên-
cia única”. Nesse contexto, os chamados doutores da Igreja
elaboraram tratados com conteúdos filosóficos e histó-
ricos. Entre os autores desses textos, destacam-se Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino.
Santo Agostinho (354-430), teólogo africano, escre-
veu A Cidade de Deus, concebida como uma obra teoló-
gica. Segundo Trujillo Ferrari, Agostinho buscou explicar
a queda do Império Romano como resultado da luta entre
a sociedade humana e a sociedade divina (pondo em movi-
mento toda a história da humanidade) e que a luta entre
ambas culminara inevitavelmente com a vitória da Cidade
de Deus.6
São Tomás de Aquino (1225-1274) escreveu a Summa
Teológica, obra na qual analisa a sociedade como meio natu-
ral do homem, que visa atender às suas finalidades vitais.
Ainda de acordo com Trujillo Ferrari, Aquino defendeu
da cidade como ambiente ideal para vida humana, que se
encontra orientada para o “bem comum”, permitindo mais
facilmente uma aproximação dos homens com Deus.7

Os precursores renascentistas

O Renascimento marca uma nova etapa na história da


humanidade com o deslocamento do obscurantismo reli-
gioso, fazendo emergir a primazia da razão e constituindo
uma ruptura com a Idade Média. Esse período é caracte-
rizado por grandes transformações sociais, científicas,
culturais, religiosas e políticas, que resultam na consti-
tuição de uma nova visão do mundo e do homem. Com
base na idéia de que a razão deve orientar a ação humana,
21
desenvolve-se uma filosofia política, na qual autores como
A gênese da sociologia

Niccolò Machiavelli, Thomas Hobbes e John Locke escre-


veram sobre política, filosofia e economia, áreas analisadas
com base em elementos empíricos.
Niccolò Machiavelli (1469-1527), nasceu em
Florença, foi jurista e diplomata e é reconhecido como fun-
dador da ciência política. Em seus trabalhos, encontram-se
os fundamentos do estado moderno e as lutas pelo poder
político. Suas obras mais conhecidas são O príncipe e
Discurso sobre a primeira década de Tito Livio. A primeira obra
consiste em um tratado sobre o poder político, apontando
como o soberano deveria agir para conquistar e manter o
poder político8. Na segunda, ele argumenta que entre as
forças que agem sobre o Estado estão a tradição, a religião,
as ideologias e as classes sociais, as quais determinam os
rumos do governo e as decisões do governante.9
Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês de inclina-
ção materialista, escreveu A cidade e Leviathan, seu mais
famoso livro. Neste, argumentava que os homens, para
sair do estado de natureza, que se caracteriza por uma
luta de todos contra todos, estabelecem um contrato social
entre si, abdicando do uso da violência a favor do Estado,
descrito como o Leviathan, cujo poder soberano é o único
capaz de manter a ordem social10. Além da observação
empírica, Hobbes utilizou-se do método comparativo em
suas análises.
John Locke (1632-1704), um dos mais influentes empi-
ristas britânicos, foi autor de Dois tratados sobre o governo
e Ensaio sobre o entendimento humano. No primeiro, é exa-
minada a teoria do contrato social, desenvolvendo a idéia
de que a soberania é revertida ao povo em todos os casos
em que o rei se transforma em tirano. Sustentando que o
22 estado natural do indivíduo é a liberdade, funda as bases
do individualismo liberal. Na segunda obra, propõe-se
Sociologia clássica

que a experiência é a fonte do conhecimento e que ela se


desenvolve por esforço da razão.11 Seu trabalho influenciou
os iluministas por suas proposições que condizem ao cien-
tificismo e ao liberalismo.
Os precursores cientificistas

O desenvolvimento filosófico e o racionalismo conduziram


ao Iluminismo e ao Humanismo no século XVII, que seriam
as principais influências intelectuais da sociologia. Essas
doutrinas sustentavam-se na idéia de que a razão ilumina-
ria o futuro da humanidade e que esta atingiria a verdade
sobre as coisas por meio de um método fundado na expe-
riência sensível dos objetos empíricos. Tal procedimento
viria a ser caracterizado como o cientificismo que apregoa
o método indutivo para a construção do conhecimento,
constituindo-se em uma ruptura definitiva com a religião
e saberes especulativos. Entre seus diversos representan-
tes destacamos os franceses Charles Louis de Montesquieu,
Jean-Jacques Rousseau e Henri de Saint-Simon.
Charles Louis de Montesquieu (1689-1755), aris-
tocrata francês, produziu textos sobre filosofia e política.
Entre suas obras, destacam-se Do espírito das leis, As cartas
persas e Considerações sobre as causas da grandeza dos roma-
nos. Na primeira obra referida, desenvolve-se a noção de
causalidade social, afirmando que as leis são as “relações
necessárias que derivam da natureza das coisas”12. A natu-
reza das leis causais das relações humanas seria originada
por dimensões físicas e morais. Para ele, existem quatro
leis fundamentais: a) a necessidade da paz, b) a satisfação
da fome, c) a necessidade de sexo e d) o desejo de viver em 23
sociedade13.
A gênese da sociologia

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos mais


famosos enciclopedistas franceses, foi um dos ideólogos da
Revolução Francesa e um precursor direto da sociologia.
É autor de inúmeras obras, das quais se destaca: Discurso
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens, Do contrato social e Émile. Na primeira, há a análise
das contradições sociais, demonstrando que as desigual-
dades e a injustiça resultam diretamente das disputas e da
imposição de hierarquias sociais que não corresponderiam
aos papéis desempenhados pelos grupos na produção da
sociedade. Dessa forma, a organização social apenas leva-
ria a corrupção e ao não desenvolvimento das potencialida-
des humanas14. Em seu segundo trabalho, ele desenvolveu
o conceito de contrato social, admitindo ser impossível o
retorno ao antigo estado de natureza, diferenciando-se das
abordagens dos autores ingleses que afirmavam um libera-
lismo individualista. Rousseau estabeleceu o que seria um
primado da sociologia francesa ao afirmar que a sociedade
como um todo é necessariamente diferente do que a sim-
ples soma das partes. Difundiu ainda que Estado legítimo
resultaria da vontade geral, quando a soberania do poder
se encontrar nas mãos do povo, por meio do corpo polí-
tico dos cidadãos15. Émile é uma obra que esboça os funda-
mentos de uma pedagogia para o exercício da cidadania;
em formato romanceado, constitui-se um tratado de edu-
cação laica. Ela antecipou temas que seriam retomados por
Durkheim, como a socialização das novas gerações, ante-
cedendo os debates de uma sociologia da juventude.
Henri de Saint-Simon (1760-1825), conde francês, ade-
riu ainda na juventude ao movimento revolucionário, sendo
precursor da sociologia e do socialismo, entendidos por ele
24 como duas faces de um mesmo empreendimento. Segundo
sua teoria, a sociedade está em constante movimento, e as
Sociologia clássica

transformações históricas resultam da luta entre as ­classes


sociais. Estas seriam a classe dos produtores (cientistas,
industriais, banqueiros, operários e camponeses) e a classe
dos não produtores (nobreza, clero, militares). Em Mémoire
sur la scienc de L’homme, estabeleceu as bases para a criação
de uma ciência da sociedade a qual denominou de física
social, cujo objeto seria o estudo científico da sociedade
em ato. Em Catéchisme des industriels, defendeu um novo
sistema social baseado no governo dos sábios e dos cien-
tistas, o qual chamou de industrialismo, que emergiria da
solidariedade entre produtores e se constituiria segundo
o lema “de cada um conforme sua capacidade, a cada um
conforme sua necessidade”.
A evolução do pensamento social se caracterizou pelo
deslocamento das explicações teológicas em direção a
uma abordagem da sociedade enquanto realidade empi-
ricamente constituída. Com efeito, a herança intelectual
da sociologia vem da filosofia da história, da filosofia polí-
tica e da filosofia social. Seu desenvolvimento foi marcado
por um processo de secularização dos modos de conhecer
e explicar o mundo fundamentado na razão e na observa-
ção crítica da realidade, criando as condições para a eclo-
são da sociologia.

(1.3)
d eterminantes do surgimento da
sociologia
A sociologia nasce como resultado das profundas mudan- 25
ças que marcam a passagem do feudalismo ao capitalismo,
A gênese da sociologia

que ocorreu entre os séculos XVI ao XVIII, distinguindo-se


do pensamento social anterior. Esse processo é resultado
de três revoluções que transformaram a cultura, a econo-
mia e a política, modificando definitivamente a história da
humanidade. São elas: a Pimeira Revolução Científica, a
Revolução Industrial e a Revolução Francesa.
Figura 1 – Transformações da passagem do feudalismo ao capitalismo

Feudalismo Transformações

Econômicas Culturais Políticas

Revolução Revolução Revolução


Industrial Científica Francesa
Capitalismo

A Primeira Revolução Científica, ocorrida nos séculos


XVI e XVII, inaugurou a ciência moderna, que teve como
prenúncio o surgimento de uma nova cosmologia, que
passa­ria à visão heliocêntrica de Copérnico (1473-1543), que
afirmava que a Terra não era o centro do universo. Isso pos-
sibilitou posteriormente os preceitos de Bacon (1561-1626),
as concepções de Descartes (1596-1650) e as descobertas de
Galileu (1564-1642), produzindo um novo elemento no espí-
rito humano: a ciência como reveladora da realidade. Isso
resultou na emergência de uma visão mecanicista e redu-
cionista de universo, concebendo todas as realidades como
similares aos mecanismos de um relógio com engrenagens
em conexão. Desse modo, bastaria conhecer o funciona-
mento de cada uma das partes para controlá-lo e direcio-
ná-lo, e esse conhecimento se faria pela redução. Ou seja,
conhecendo cada uma das partes, é possível compreender
26
o todo. Os achados do mecaniscismo possibilitaram, um
Sociologia clássica

século depois, o desenvolvimento de novas tecnologias que


levariam a inventos revolucionários, como o tear mecânico,
em 1733, e a máquina a vapor, desenvolvida entre 1761 e
1768, o que abriria caminho à Revolução Industrial.
Esta teve início na Inglaterra do século XVIII e não
demorou a expandir-se pela Europa. Desestabilizou a
antiga ordem feudal baseada nas relações servis, com a
introdução da máquina no processo de produção, a modi-
ficação das relações de trabalho, a complexidade das hie-
rarquias sociais e as diferenciações entre os membros da
sociedade. De um lado, a burguesia se consolidou como
a classe detentora do poder econômico, de outro, desen-
volveu-se o proletariado como a camada mais numerosa
da população, convertida em trabalhador livre. Tão livre
que os trabalhadores não tinham mais acesso aos meios
de produção. A dinâmica capitalista transformou tudo
em mercadoria, inclusive a força de trabalho humana.
Esta passou a ser vendida em troca de salário, impondo
à classe operária jornadas de trabalho que chegavam a 16
horas diárias, com remuneração que não garantia a sobre-
vivência nas mesmas condições anteriores. Com efeito,
em paralelo ao crescimento econômico, a industrialização
produziu mazelas sociais devido à exploração dos traba-
lhadores e a uma urbanização acelerada, sem as condições
sanitárias e habitacionais necessárias à crescente popu-
lação das cidades. Essas mudanças contribuíram para o
agravamento dos problemas sociais, aumentando a pros-
tituição, o alcoolismo, o infanticídio, o suicídio, a fome e
a miséria material e moral das famílias. Os trabalhado-
res aglomeravam-se em casebres, e os esgotos eram valas
que ficavam a céu aberto. Proliferavam epidemias de tifo e
cólera. Devido a essas condições, grande parte da popula- 27

ção urbana era dizimada, aumentando o clima de revolta


A gênese da sociologia

e a violência social.16
Uma vez constituída em classe economicamente domi-
nante, a burguesia buscou ser também a classe politica-
mente dominante. O marco da ascensão burguesa ao poder
político foi a Revolução Francesa, ocorrida em 1789. Ao
constituir um Estado independente da Igreja, a burguesia
protegeu e incentivou a empresa capitalista. Confiscou
as propriedades da Igreja, suprimiu os votos monásticos,
criou instituições civis, transferiu as funções da educação
para o Estado, aboliu as corporações de ofício, limitou os
poderes patriarcais na família, defendeu uma divisão igua-
litária da propriedade e mudou as leis, os usos e os cos-
tumes. Ao tomar o poder após a revolução, o movimento
Iluminista dividiu-se em dois grupos. Os jacobinos, por
um lado, tidos como revolucionários radicais, pretendiam
levar a revolução até as últimas conseqüências. Igualdade,
liberdade e fraternidade para todos os homens era a ban-
deira do movimento, que contrariava os interesses do setor
da burguesia ligado à família dos Bourbon, tida como con-
servadora. Esses, por outro lado, defendiam a necessidade
de frear o ímpeto dos trabalhadores para controlar e neu-
tralizar novos surtos revolucionários. Os trabalhadores
deveriam assumir, na nova sociedade industrial francesa,
suas funções e postos nas fábricas. Eles se sentiam traí-
dos pela causa da revolução e pelos iluministas, situação
que gerou revolta e se converteria em movimento operário
autônomo de matizes anarquistas, socialistas e posterior-
mente comunistas.
Diante desse quadro, os intelectuais representantes da
burguesia sentiram a necessidade de atualizar suas teorias
sociais. Visando promover a estabilização social, eles bus-
28 caram identificar as leis que regem a vida social. Tal rea-
lização somente seria possível através de uma ciência da
Sociologia clássica

sociedade. Surge então a sociologia como uma explicação


científica para os processos de transformação social que
ocorriam na Europa. As questões da transformação e da
conservação da ordem social eram tidas como questões
sociológicas centrais.
(1.4)
a sociologia de Auguste Comte
Auguste Comte, francês, nascido em Montpellier, em 1798,
passou a maior parte de sua vida em Paris, onde mor-
reu em 1857. Foi por muitos anos aluno e colaborador de
Saint-Simon, com quem rompeu por divergências polí-
ticas e metodológicas. Enquanto Saint-Simon percebia
na ciência uma atividade revolucionária, Comte assumia
uma posição conservadora e defendia a neutralidade do
cientista. Ambos compartilham o mérito de fundarem a
sociologia, mas foi Comte quem a batizou com esse nome.
e estabeleceu seu objeto. Ele forjou uma palavra híbrida,
tomando do latim o termo socio, que exprime a idéia de
“social”, e do grego o termo logos, que significa “estudo”.
Etimologicamente sociologia quer dizer “estudo do social”.
A sociologia é definida por ter como objeto de estudo os
fenômenos sociais, considerados empiricamente do mesmo
modo como os fenômenos naturais. Segundo a sociologia
positivista, os fenômenos da sociedade devem ser obser-
vados e a partir daí deve-se estabelecer as relações mútuas
para se chegar às leis gerais e invariáveis.
Para esse autor, a sociedade é uma totalidade dividida
em segmentos ou classes que se relacionam de maneira está-
29
tica, seguindo uma ordem fixa suscetível de ser apreen­dida
pela sociologia. Para ele, “há uma ordem imutável na natu-
A gênese da sociologia

reza e o conhecimento o reflete”17. Nesse sentido, a história


é guiada por dois princípios: o da ordem (transformações
ordenadas e contínuas) e do progresso (desenvolvimento
que reflete melhoramentos lineares e contínuos). Para que
o desenvolvimento histórico possa superar o caos revolu-
cionário, Comte estabelece o princípio do amor como base
para a solidariedade social. Em seu Catecismo positivista, ele
estabelece o princípio moral através do lema “Amor por
princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”18. Desse
modo, o autor propugna que cada fase é superior a ante-
rior, sendo a evolução de uma a outra uma decorrên­cia
necessária que culmina com o espírito positivo.
Em Curso de filosofia positiva publicado em 1844, ele
descreve a lei dos três estágios do conhecimento humano.
“Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções
principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa
sucessivamente por três estados históricos diferentes: o
estado teológico ou fictício, o estado metafísico ou abs-
trato, o estado científico ou positivo”19. No estado teológico,
as investigações eram sobre a natureza íntima dos seres
e conduziam a preceitos absolutos. No estado metafísico,
as especulações abstratas voltam-se aos diversos seres do
mundo. Já no estado positivo, reconhece-se a impossibili-
dade de se obter respostas absolutas.
Por meio do raciocínio e da observação, ele acredita
que é possível descobrir as leis que regem os fenômenos
e estabelecer suas ligações e efeitos gerais.20 Comte desen-
volveu o método positivista que exprime sua concepção de
ciência, o qual serve para conhecer os fatos tais como eles
são, como se apresentam. Nesse sentido, o objetivo da pes-
quisa é o conteúdo da natureza, a experiência e a determi-
30 nação das leis que a regem. Assim, a ciência é a descoberta
das leis gerais da natureza das coisas. Desse modo, ape-
Sociologia clássica

sar de haver diferentes ciências especializadas em objetos


próprios, Comte admitia apenas um único método cientí-
fico para os estudos de fenômenos naturais e humanos, o
método positivista. Com efeito, o conteúdo desse conheci-
mento não é especulativo (no que caberia a filosofia), mas
científico, isto é: real, objetivo, certo e positivo.
Comte estabeleceu uma hierarquia entre os conhe-
cimentos positivos, que corresponderia ao modo como o
conhecimento humano havia se desenvolvido ao longo
da história, produzindo ciências cada vez mais especiali-
zadas e complexas. A primeira ciência seria a mais geral
entre todas, a partir da qual as demais evoluiriam especia-
lizando-se em objetos cada vez mais complexos. Assim, na
ordem de desenvolvimento, ele indicava a matemática, a
astronomia, a física, a química, a biologia e a sociologia. A
última a surgir seria a menos geral, uma vez que seu objeto
apresentava uma natureza bastante particular. A sociolo-
gia, a mais nova ciência, ocuparia o topo da hierarquia dos
conhecimentos positivos porque seria, ao mesmo tempo, a
mais específica e a mais complexa de todas.

Figura 2 – Hierarquia dos conhecimentos positivos segundo Comte

Sociologia

Biologia

Química
Complexo

Geral

Física

Astronomia

Matemática

Fonte: WEISHEIMER, 2006.

Apesar de Comte fundar as bases da sociologia como 31


ciência, ele não se desprendeu totalmente da filosofia. Isso
A gênese da sociologia

leva o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes21 a descre-


ver a construção comtiana como uma “sociologia filosó-
fica”. As idéias de Comte tiveram grande repercussão no
Brasil, exercendo significativa influência, principalmente
na implementação do regime republicano, o que pode ser
constatado no lema comtiano presente em nossa Bandeira
Nacional: “Ordem e Progresso”.
(1.5)
p onto final
Neste capítulo, vimos como a sociologia se constitui em
ciência da sociedade. Essa nova ciência tem como herança
intelectual a filosofia da história, a filosofia política e a filo-
sofia social. A sociologia surgiu como objetivo de expli-
car as transformações sociais provocadas pela passagem
do feudalismo ao capitalismo e teve em Auguste Comte
seu principal nome. Esse autor, além de ter dado o nome a
essa ciência, buscou estabelecer nos marcos do positivismo
seu objeto, método e sua posição em relação às demais
ciências.

Indicações culturais

O NOME da Rosa. Direção: Jean-Jacques Annaud. Produção:


Bernd Eichinger. Alemanha: Warner Bros. 1986. 130 min.

IGREJA POSITIVISTA DO BRASIL. Disponível em: <http://


www.igrejapositivistabrasil.org.br/>. Acesso em: 5 jun.
2008.

MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia. 38. ed. São


Paulo: Brasiliense, 2004. (Primeiros Passos, 57).
32
Sociologia clássica
atividades
1. Quais transformações sociais influenciaram o surgimento
da sociologia?

2. Que tipo de conhecimento tornou possível o desenvolvi-


mento da sociologia?

3. Por que Auguste Comte é considerado o fundador da


sociologia?

33
A gênese da sociologia
(2)

i ntrodução à obra
de é mile d urkheim
Nilson Weisheimer

( )

“O sociólogo ao penetrar no mundo social precisa ter a


consciência de que penetra no desconhecido.”
(DURKHEIM, 1973, p. 379)

f undador da escola sociológica francesa, David


Émile Durkheim foi o responsável pela consolidação da
sociologia como ciência empírica e como disciplina aca-
dêmica, sendo o primeiro a ter uma Cátedra dessa disci-
plina. Sua contribuição intelectual é uma referência obri-
gatória aos estudantes de Ciências Sociais, porque sua
proposta teórica e metodológica, o funcionalismo, vem
sendo amplamente utilizada por pesquisadores contempo-
râneos, constituindo-se na escola teórica que predominou
entre os sociólogos no século XX. Por isso, neste capítulo
apresentamos os principais marcos da vida e obra desse
autor e verificamos sua definição de sociologia e sua pro-
posta metodológica.

(2.1)
é mile d urkheim: vida e obraa
David Émile Durkheim nasceu em Epinal, departamento
de Voges, região de Lorena na França, em 15 de abril de
1858. De família judaica e filhos de Rabino, Durkheim se
tornaria agnóstico no Liceo Luis-le-Grad em pleno Quartier
Latin, entre a Sorbonne e Collèg de France e Faculté de Droit,
local considerado o centro do Iluminismo e da cultura
francesa. Em 1879, entrou na École Normale Supérieur. Em
1882, concluiu Direito na Universidade de Boudeaux, com
complementação para docência de Filosofia. No mesmo
38 ano, passou a lecionar Filosofia nos liceus de Sens e Saint-
Quentin. Em 1885, solicitou uma licença para retornar a
Sociologia clássica

Paris para estudar Ciências Sociais e depois transferiu-se


para Alemanha, onde ficou até 1886 cursando Psicologia
Social. Neste país, Durkheim teve aulas com o filósofo
Wihelm Dilthey e o sociólogo Georg Simmel, além de
tomar contato com a obra do sociólogo Ferdinand Tönnes.

a. A seção 2.1 tem como base QUINTANERO; BAR-


BOSA; OLIVEIRA, 2001 e CASTRO; DIAS, 2005.
Esses intelectuais alemães determinariam o seu interesse
pela sociologia. Ao regressar a Paris em 1887, foi nome-
ado professor de Pedagogia e Ciência Social na Faculdade
de Letras da Universidade de Bordeaux, onde realizou o
primeiro curso de Sociologia nas universidades france-
sas. Sua aula inaugural do curso de Ciências Sociais é um
marco nesse aspecto, pois se revela um relato da evolu-
ção do pensamento social até a constituição da sociologia
como ciência, apontando os desafios para sua consolidação.
Nessa aula, encontra-se a seguinte passagem que indica
uma das principais características de sua sociologia: “Se
a Sociologia existe, ela tem seu método e suas própria leis.
Os fatos sociais não podem ser verdadeiramente explica-
dos a não ser por outros fatos sociais”1. Nesse mesmo ano,
publicou na Revue Philosophique os artigos: Estudos recentes
da Ciência Social, A ciência positiva da moral na Alemanha e
A filosofia nas universidades alemãs. No ambiente tranqüilo
de Boudeaux, Durkheim pôde dedicar-se a escrita de sua
tese de doutorado, defendida em 1893, que tem o título:
“Da divisão do trabalho social”. No mesmo ano, publicou
Contribuição de Montesquieu na constituição da ciência social.
Em 1895, editou As regras do método sociológico. Escrita ini-
cialmente para esclarecer os procedimentos adotados em 39
sua tese de doutoramento, esta última obra estabeleceu de
Introdução à obra de Émile Durkheim

modo definitivo a sociologia como ciência empírica e com


metodologia própria, superando a perspectiva positivista
da unidade de métodos entre as ciências sociais e naturais.
Em 1896, Durkheim fundou L’année Sociologique (A análise
sociológica). Editada primeiramente em formato de jornal,
converter-se-ia numa revista orientadora do pensamento e
da pesquisa sociológica na França, reunindo diversos pes-
quisadores e colaboradores que deram corpo à primeira
geração da escola sociológica francesa. No ano seguinte,
publicou O suicídio, que é considerado uma monografia
exemplar do método funcionalista. Em 1902, Durkheim foi
nomeado professor-substituto na cadeira de Pedagogia na
Universidade de Sorbonne, em Paris. Em 1906, foi nomeado
professor-titular da cadeira de Pedagogia da Faculdade de
Letras de Paris, onde ensinava paralelamente Sociologia e
Pedagogia. Nesse período, publicou A determinação do fato
moral. Em 1911, editou Julgamento da realidade e julgamento
de valor e, em 1913, As formas elementares da vida religiosa.
No mesmo ano de 1913, a cadeira em que era titular pas-
sou a denominar-se cadeira de sociologia da Sorbonne. No ano
de 1914, eclode a Primeira Guerra Mundial. Esse conflito
leva ao recrutamento de vários de seus alunos e colabo-
radores. Em 1915, Durkheim perde seu único filho, morto
no front de Salonique. Esse fato agrava a revolta dele con-
tra a guerra, expressada em dois livros escritos no ano: A
Alemanha acima de tudo – A mentalidade alemã e a guerra e
Quem quis a guerra? – As origens da guerra segundo documen-
tos diplomáticos. Com a morte do filho, Durkheim deixou-se
abater, o que tornou a sua saúde frágil, vindo a falecer em
15 de novembro de 1917. Após sua morte, foram publica-
das obras importantes. Em 1922, foram editadas: Educação
40 e sociologia, Educação moral e Sociologia e filosofia. Em 1928,
surgiu O socialismo – a definição, seu começo, a doutrina saint-
Sociologia clássica

simoniana. Em 1950, foi a vez de: Lições de sociologia-física dos


costumes e do direito. Em 1955, foi publicado Pragmatismo e
sociologia e, em 1970, A ciência social e a ação.
(2.2)
o bjeto da sociologia de
d urkheim
Conforme Durkheim escreveu no prefácio da primeira edi-
ção de As regra do método sociológico, “o objetivo de qualquer
ciência é fazer descobertas, e toda descoberta desconcerta
mais ou menos as opiniões herdadas”2. Isso implica reco-
nhecer que, em se tratando de sociologia, o pesquisador,
apesar de estar familiarizado com seu objeto de estudo,
também faz parte do estudo, pois é membro da sociedade.
Porém, na verdade, conhece do fenômeno sociológico ape-
nas a sua aparência exterior, ignorando sua verdadeira
essência. Em termos durkheimeanos, trata-se de reconhe-
cer que se desconhecem as leis gerais que regem seu fun-
cionamento interno. Desse modo, é necessário uma postura
de distanciamento do sujeito pesquisador do objeto pes-
quisado, para apreendê-lo como uma realidade exterior
às ações de conhecer e explicar. Mas, a propósito, o que é
mesmo a sociedade na perspectiva desse autor?
Para Durkheim, a sociedade como um todo não é igual
41
à simples soma dos indivíduos que a compõem, mas algo
distinto, sendo considerada um sistema formado por sua
Introdução à obra de Émile Durkheim

associação, constituindo uma realidade específica e com


características próprias. Ou seja, a sociedade é um fenô-
meno sui generis.3 Dessa forma, ele argumenta a favor da
superioridade social sobre o individual, visto que o todo
se impõe como uma realidade exterior à consciência indi-
vidual, ao mesmo tempo em que “a sociedade não pode se
constituir senão na medida em que penetre as consciên-
cias e que as molde à sua imagem e semelhança”4. Sendo
assim, a sociedade, que “ultrapassa o indivíduo no tempo
e no espaço, está em condições de impor maneiras de agir e
de pensar que consagrou com sua autoridade”5 e para qual
contribuíram sucessivas gerações. Para esse autor, a socie-
dade é uma forma maior que o indivíduo e se impõe a ele
determinando seu comportamento.6
A consciência coletiva impõe-se ao indivíduo por sua
força exterior e, por conseqüência, à sociedade, sendo
assim formada pelo conjunto de fatos sociais que exer-
cem uma influência coercitiva sobre as consciências indi-
viduais. Ou seja, o conceito de consciência coletiva se
articula a outro mais amplo, o de fato social. Ambos apa-
recem como processos instituídos de fora para dentro dos
indivíduos. Os fatos sociais são, por sua vez, formados pela
consciência coletiva, que são as idéias, as opiniões, as cren-
ças e os valores compartilhados e que traduzem a maneira
que a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia7.
Essa perspectiva de sociedade conduz Durkheim a colocar
no centro de sua problemática sociológica a noção de ins-
tituição. “Podes-se, com efeito, sem desvirtuar o sentido
deste termo, chamar instituição a todos os modos de con-
duta instituídos pela coletividade; a sociologia pode então
42 ser definida como a ciência das instituições, da gênese e do
seu funcionamento”8.
Sociologia clássica

Desse modo, percebemos que o objeto de estudo da


sociologia são os fatos socais. Podemos, portanto, defi-
nir a sociologia de Durkheim como o estudo dos fatos
sociais. Antes de procurarmos saber quais os métodos que
convêm ao estudo dos fatos sociais, é preciso saber o que
eles são. Com isso, segundo o autor: “É fato social toda a
maneira de fazer, fixa ou não, suscetível de exercer sobre
o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda, que é geral no
conjunto de uma sociedade, tendo, ao mesmo tempo, uma
existência própria, independente das suas manifestações
individuais”9.
Maneira de fazer refere-se às maneiras de agir, de pen-
sar e de sentir, nas quais se incluem as representações
coletivas. Sendo assim, todo fato social possui três caracte-
rísticas definidoras: 1) são exteriores à consciência indivi-
dual, 2) exercem uma coerção sobre o indivíduo e 3) são
ao mesmo tempo gerais numa dada sociedade e indepen-
dentes das expressões individuais. Essas são as caraterís-
ticas determinantes do objeto sociológico de Durkheim, o
que implica reconhecer que, para além do indivíduo, exis-
tem coisas que possuem uma natureza sociológica e são,
portanto, os temas de interesse do sociólogo.

(2.3)
o método funcionalista
Durkheim, ao buscar conhecer os fatos sociais como exte-
riores ao indivíduo, desenvolveu um método próprio para
o estudo científico dos fenômenos da vida social. Para
tanto, ele produziu simultaneamente rupturas com o senso 43

comum e com as categorias científicas instituídas pelas


Introdução à obra de Émile Durkheim

ciências naturais e pela psicologia para estabelecer a socio-


logia como ciência autônoma. Para tanto, Durkheim pro-
punha que o sociólogo se colocasse num estado de espírito
semelhante ao dos cientistas, que desenvolvem pesquisas
em áreas ainda inexploradas em suas ciências, que desbra-
vam novas fronteiras do conhecimento, ou seja, o sociólogo
deveria estar preparado para penetrar no desconhecido10.
Agindo assim, ele desenvolveu um método estritamente
sociológico capaz de demonstrar as relações causais (de
causa e efeito) e a função dos fenômenos sociais com vistas
a descobrir as leis gerais e próprias de seu funcionamento.
Por explicar as funções desempenhadas pelos fatos sociais,
seu método é conhecido por funcionalismo. A palavra fun-
ção para referir-se ao método foi usada por Durkheim, com
o intuito de exprimir a relação entre um fato social e um
fim social e corresponde à analogia feita pelo autor entre a
sociedade e um corpo vivo. Esse método foi descrito em As
regras do método sociológico, texto que se tornou leitura obri-
gatória para os cientistas sociais. Na obra, ele estabeleceu
cinco regras para os sociólogos estudarem os fatos sociais,
que serão descritas a seguir.

Regras relativas à observação dos fatos sociais

“A primeira regra e a mais fundamental de todas é consi-


derar os fatos sociais como coisas”11. Isso implica reconhe-
cer os fatos sociais como objetos exteriores aos indivíduos
e empiricamente situados, o que permite a Durkheim dife-
renciar a natureza da sociologia e a da psicologia. No pre-
fácio da segunda edição de As regras do método sociológico,
ele mesmo explica o que entende pelo termo:

44 É coisa todo objeto de conhecimento que não é naturalmente


compenetrável pela inteligência, tudo aquilo de que não pode-
Sociologia clássica

mos ter uma noção adequada por simples procedimento de


análise mental, tudo o que o espírito só consegue compreen-
der na condição de se extroverter por meio de observações e
de exteriorizações, passando progressivamente dos caracteres
mais acessíveis aos menos visíveis e mais profundos [...].12

Nesse sentido, o termo coisa se opõe à idéia, marcando


a necessidade do sociólogo romper com suas próprias pré-
noções. Isso nos leva aos complementos dessa primeira
regra que Durkheim apresentou através de três corolários.

▪▪ Primeiro corolário: “é preciso afastar sistematica-


mente todas as pré-noções”13.
Essa é a base de todo o método científico desde Des­
cartes, que postulou a proposta de dúvida metódica como
fundamento do conhecimento científico. Trata-se da pos-
tura crítica que o cientista deve ter frente à aparência do
fenômeno e à sua explicação prévia, como vimos no capí-
tulo anterior. O que torna esse procedimento um tanto
mais difícil na sociologia é o fato de o sociólogo se depa-
rar com objetos dos quais faz parte, e suas emoções e dis-
posições frente a estes tendem a dificultar o conhecimento
verdadeiro. Por isso, devemos exercer um estado de per-
manente vigilância frente às noções previas, evitando cair
nas armadilhas do senso comum e de noções vulgares,
buscando nos ater aos fatos tal como se apresentam.14

▪▪ Segundo corolário: “nunca tomar como objeto de


pesquisa senão um grupo de fenômenos previamente
definidos por certos caracteres exteriores que lhe são
comuns, compreendendo na mesma pesquisa todos
aqueles que correspondem a mesma definição”15 .
Desse modo, a primeira tarefa do sociólogo é definir 45
aquilo que irá tratar, para que todos saibam, inclusive ele
Introdução à obra de Émile Durkheim

próprio, aquilo que está sendo investigado. Desse modo,


recomenda-se agrupar os fenômenos primeiramente por
sua aparência exterior, para depois desvendar suas dife-
renças e suas semelhanças em graus mais profundos.
Procedendo dessa forma, o sociólogo produzirá um con-
junto de classificações que não dependem dele nem deri-
vam de sua vontade, mas da própria natureza das coisas.16
▪▪ Terceiro corolário: “quando o sociólogo empre-
ender a exploração de uma ordem qualquer de fatos
sociais, deve-se esforçar por considerá-los naquele
aspecto em que se apresentam isolados de suas mani-
festações individuais”17.
Dessa maneira, o sociólogo terá tanto mais sucesso em
conhecer as causas e as funções de um fato social quanto
mais este estiver objetivamente definido e for representado
livre dos fatos individuais através dos quais se manifesta.
Sendo assim, os fenômenos propriamente sociológicos
podem ser abordados pelos aspectos que mais facilmente
se manifestam na investigação científica e só depois, reali-
zando-se aproximações sucessivas, é possível de se apode-
rar do que essas manifestações encobrem.

Regras relativas à distinção entre o normal e o


patológico

Conforme estabeleceu Durkheim, qualquer fenômeno


sociológico pode apresentar formas distintas segundo os
casos empiricamente dados. Esses fenômenos podem ser
de dois tipos: os normais e os patológicos. Portanto, é
preciso uma regra metodológica que estabeleça com pre-
46 cisão a distinção entre um tipo e outro. A esse respeito,
ele diz que alguns desses fenômenos são gerais a toda
Sociologia clássica

espécie e, mesmo não se encontrando em todos os indi-


víduos, aperecem na maior parte deles, enquanto outros,
ao contrário, são excepcionais. Além de surgir em apenas
uma minoria, têm duração inconstante.18 Em função disso:
“Chamaremos normais aos fatos que apresentam as for-
mas mais gerais e daremos aos outros à designação de mór-
bidos ou patológicos”19. Desse modo, nosso autor formula as
três seguintes regras:
1º – Um fato é normal para um tipo social determinado, con-
siderado numa fase determinada de desenvolvimento, quando
se produz na média das sociedades desta espécie, considera-
das numa fase correspondente de desenvolvimento.
2º – Os resultados do método precedente podem verificar-se
mostrando que a generalidade do fenômeno esta ligada às
condições gerais da vida coletiva do tipo social considerado.
3º – Esta verificação é necessária quando este fato diz res-
peito a uma espécie social que ainda não cumpriu sua evolu-
ção integral.20

Com essa distinção, Durkheim afirma ser possível ao


conhecimento sociológico atuar perante a sociedade tal
como um médico atua com seus pacientes, buscando pre-
venir o desenvolvimento de patologias sociais ou, uma
vez identificadas, procurar “curá-las”, estabelecendo suas
soluções.

Regras relativas à constituição dos tipos sociais

Para Durkheim, a sociologia deveria não apenas conhecer


de modo objetivo a realidade social, mas orientar o com-
portamento humano em sociedade. Para alcançar esses
objetivos, o sociólogo precisa saber reconhecer o que é 47
típico em uma dada sociedade. A distinção entre o que
Introdução à obra de Émile Durkheim

é normal e o que é patológico implica necessariamente a


constituição de espécies sociais. Desse modo, o trabalho de
investigação deve começar pela distinção das espécies de
sociedades entre si segundo sua composição. Esse proce-
dimento permite-nos classificar os diferentes grupos em:
sociedades simples e sociedades complexas. A primeira
apresentaria uma maior uniformidade interna, enquanto
a segunda seria uma sociedade com maior diferenciação
interna.21 Esse princípio de classificação é enunciado do
seguinte modo:

Começar-se-á por classificar as sociedades segundo o grau de


composição que apresentam, tomando como base a sociedade
perfeitamente simples ou de segmento único; no interior des-
tas classes proceder-se-á à distinção das diferentes varieda-
des conforme se produz ou não uma coalescência completa de
segmentos iniciais.22

Assim, Durkheim neutralizou a perspectiva tempo-


ral oferecida pela simples seqüência histórica e passou a
manipular, interpretativamente, fatos referentes a “tipos
médios”, os quais são sociologicamente significativos para
todas as sociedades. Sua base é o entendimento de que as
sociedades não passam de combinações diferentes de uma
única e mesma sociedade.23 Nesse sentido, a escala de com-
binações possíveis é finita e em conseqüência a maior parte
delas deve pelo menos se repetir. Tomando-se o que é pre-
dominante nessa repetição, é obtido um tipo médio den-
tro de cada sociedade. Desse modo, a tipologia social do
método funcionalista é sempre a de tipo médio, que é a
média objetivamente verificada na totalidade dos casos de
um mesmo fenômeno.
48
Regras relativas à explicação dos fatos sociais
Sociologia clássica

Conforme Durkheim, “quando nos lançamos na explica-


ção de um fenômeno social temos de investigar separa-
damente a causa eficiente que o produz e a função que
ele desempenha”24. Isso permitirá determinar se existe
corres­pondência entre o fato estudado e as necessidades
do organismo social, sem nos preocuparmos se estes são
intencionais ou não. Por isso, é preciso distinguir os pro-
cessos que são causa dos que são função. Causa corres-
ponde ao que determina a existência do fato social. Por
função, entendem-se as conseqüências do fato social ou o
papel que este desempenha numa dada organização social.
As duas séries de questões devem ser separadas uma da
outra e, em geral, deve-se começar a pesquisa pela primeira
delas. Corresponde a um procedimento lógico iniciar a
análise das causas antes de analisar seus efeitos, pois, uma
vez resolvida a primeira questão, a segunda será facilitada.
Com isso, o autor quer enfatizar que “a origem primeira de
qualquer processo social de uma certa importância deve
ser procurada na constituição do meio o social”.25 Nesse
caso, a regra metodológica consiste em observar que

a causa determinante de um fato social deve ser procurada


nos fatos sociais antecedentes e não nos estados da consciên-
cia individual, [sendo esta complementada pela idéia de que]
a função de um fato social deve sempre ser procurada na rela-
ção que ele mantém com qualquer fim social interno26;

o qual é constituído por coisas e pessoas.

Regras relativas à administração da prova

Ao tratar da construção dos tipos sociais, o sociólogo deve


recorrer necessariamente à comparação. O método com-
49
parativo é o único meio objetivo que permite a prova em
sociologia, porque seu método de variações concomitan-
Introdução à obra de Émile Durkheim

tes é capaz de substituir o procedimento de experimen-


tação utilizado pelas ciências naturais para demonstrar a
validade da prova nas ciências sociais. Por meio da com-
paração, torna-se possível demonstrar que “a um efeito
corresponde sempre uma mesma causa [...]. [Dessa forma]
só se pode explicar um fato social de uma certa complexi-
dade se acompanharmos o seu desenvolvimento integral
através de todas as espécies sociais”27. Logo a comparação
é o método por excelência da sociologia.
(.)
p onto final
A concepção sociológica expressa por Durkheim em As
regras do método sociológico é de que existem nos fenômenos
sociais uma ordem própria, sujeita a determinações do tipo
causa-efeito, construindo, portanto, uma ordem causal.
Com isso, ele procurou demonstrar que o estudo científico
da sociedade exigiria uma postura investigativa típica dos
métodos hipotético-indutivos, que partem dos objetos para
construção do conhecimento. Coerente com esse primado,
Durkheim propôs tratar os fatos sociais como coisas, ou
seja, como algo geral, exterior ao indivíduo e independente
de manifestações individuais, para serem passíveis de
explicação científica. Seu legado intelectual serve de antí-
doto à tentação recorrente de explicar os fenômenos sociais
de forma normativa, descrevendo os fatos como gostaría-
mos que fossem e não como eles realmente são.

Indicações culturais

DURKHEIM Émile. As regras do método sociológico. 3. ed.


50
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Sociologia clássica

MUCCHIELLI, Laurent. O nascimento da sociologia na


universidade francesa (1880-1914). Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 21, n. 41, 2001. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01882001000200003>. Acesso em: 29 abr. 2008.
atividades
1. Quais são as características do fato social?

2. Por que é importante para o sociólogo afastar-se sistemati-


camente de suas pré-noções?

3. Qual é diferença entre um fato social normal e um fato


social patológico?

51
Introdução à obra de Émile Durkheim
(3)

d urkheim: categorias sociológicas


fundamentais
Nilson Weisheimer

( )

“É à saúde geral do corpo social que isto interessa.”


(DURKHEIM, 1973, p. 376)

o insighit original de Durkheim foi perceber que


os indivíduos atuam em sociedade de modo não totalmente
livre, mas condicionados por forças provenientes da estru-
tura social. Para esse autor, os seres humanos são, em certo
sentido, “coagidos” a aceitarem as orientações comumente
partilhadas por seus grupos de pertencimento e referên-
cia. Dessa forma, seus estudos empíricos buscavam enten-
der como essas coerções agem sobre os indivíduos, procu-
rando obter respostas às indagações de como as sociedades
se mantêm estáveis e quais os efeitos provocados por erup-
ções sociais que abalavam a ordem vigente.
Neste capítulo, apresentaremos as categorias socioló-
gicas fundamentais dessa perspectiva. Veremos as noções
de solidariedade social, formas de consciência, coesão e
anomia e o conceito de representação coletiva, presentes
respectivamente nas obras Da divisão do trabalho social, O
suicídio e As forma elementares da vida religiosa.

(3.1)
o rganização social e formas de
solidariedade
A divisão do trabalho social (1893) é a primeira grande obra
de Durkheim. Nela, o autor buscou tratar os fatos da vida
56 moral segundo o método positivo, distanciando-se porém
dos seus predecessores. O problema central de que parte
Sociologia clássica

é estabelecer qual é a função da divisão do trabalho na


sociedade. Ao analisar a sua função, isto é, qual é a sua
necessi­dade social correspondente à divisão do traba-
lho social, ele identificou que é a de integrar a sociedade
moderna, ou seja, a função da divisão do trabalho é
produzir solidariedade, que é a base da coesão social
determinando, depois, quais as causas e as condições cor-
respondentes em situações normais. Como os indicadores
empíricos dos tipos de solidariedade social, Durkheim uti-
lizou as sanções do direito. Ao final desse trabalho, des-
tacou ainda as formas patológicas da divisão do trabalho,
ou seja, quando esse processo não cumpre sua função, isto
é, não produz coesão social (ver seção “Divisões patológi-
cas do Trabalho” deste capítulo). Ele adotou ainda a tese
de que a sociedade evolui ao longo da história, produ-
zindo internamente uma diferenciação social das funções
dos seus integrantes, alterando-se as formas de solidarie-
dade que unem os membros dos grupos. Ele comparou
as sociedades tradicionais e modernas e evidenciou dois
tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica. A primeira
é vislumbrada nas sociedades tradicionais e a segunda nas
sociedades modernas, resultante da maior divisão do tra-
balho, as quais estão apresentadas na Figura 3 a seguir:

Figura 3 – Organograma das formas de solidariedades

Coesão Social

Solidariedade Solidariedade
Mecânica Divisão do Orgânica
(-) (+)
Trabalho

Consciência Consciência 57
Coletiva Individual
Durkheim: categorias sociológicas
fundamentais
Direito
Direito Penal
Restitutivo

Sanções Sanções
Repressivas Restitutivas

Fonte: WEISHEIMER, 2006.

A produção das duas formas de solidariedade social


propostas por Durkheim, a mecânica e a orgânica, encon-
tram-se descritas nas seções a seguir.
A solidariedade mecânica

Nas sociedades tradicionais, a divisão do trabalho encon-


tra-se ainda em forma rudimentar e predominam ocu-
pações internamente homogêneas e com baixa interação
com outros grupos profissionais. Nesse tipo de organi-
zação social, as formas de integração social ocorrem por
similitude, produzindo o que Durkheim classificou como
solidariedade mecânica, que aparece em analogia com
a coesão que une entre si os corpos brutos. Os membros
do grupo atuam de modo unificado e isolado dos demais,
reproduzindo condições de autonomia, pois são auto-su-
ficientes e não dependem de trocas com outras coletivida-
des sociais.
Essa homogeneidade social diz respeito tanto às ati-
vidades realizadas como aos valores compartilhados, que
são fundamentais à sobrevivência do grupo, sendo neces-
sária, portanto, uma forte coesão assentada na consciência
coletiva, severa e repressiva. Desse modo, sua caracterís-
tica fundamental repousa justamente no predomínio dessa
58 consciência coletiva.
Conforme o autor, “O conjunto das cresças e dos sen-
Sociologia clássica

timentos comuns à média dos membros de uma mesma


sociedade forma um sistema determinado que tem sua
vida própria; podemos chamá-lo de a consciência cole-
tiva ou comum”1. Esta produz uma solidariedade por
semelhança que liga diretamente o indivíduo à sociedade,
sem nenhuma mediação. Nesse tipo de sociedade na qual
predomina a consciência coletiva, as sanções legais que
constituem a expressão objetiva da solidariedade social
assumem a forma material no direito penal, cuja finali-
dade é impor sanções repressivas às condutas desvian-
tes e que podem desestabilizar a coesão. Isso significa que
a função do direito é impor punições que visam mostrar
aos membros do grupo que não é permitido desviar-se das
normas estabelecidas. Nessas sociedades, a solidariedade
permanece mecânica enquanto a divisão do trabalho não
se desenvolve.2

A solidariedade orgânica

Com o desenvolvimento da divisão do trabalho, a organi-


zação social se torna mais complexa aumentando sua dife-
renciação interna. Assim, a solidariedade social não se
fundamenta mais pela similitude dos membros que com-
põem a sociedade, mas agora por sua interdependência.
Nesse sentido, cada um dos indivíduos mantém relações de
dependência recíproca uns com os outros. A solidariedade
orgânica corresponde à sociedade moderna, na qual encon-
tramos um grande número de papéis sociais diferenciados
e altamente especializados. Esse agrupamento corresponde
a um sistema que tem seu funcionamento estabelecido por
meio de uma complexa divisão do trabalho.
Distintamente do tipo anterior, Durkheim estabelece 59

uma analogia com um organismo biológico e, em razão


Durkheim: categorias sociológicas
disso, a denominação solidariedade orgânica, na qual os dife- fundamentais

rentes órgãos exercem funções especializadas e necessárias


ao bom funcionamento do corpo em sua totalidade. Nas
sociedades modernas, aparece um novo tipo de relação
entre indivíduo e sociedade, que corresponde à emergência
do predomínio da consciência individual, resultado direto
da especialização das funções desempenhadas pelos indiví-
duos nesse sistema social com grande diferenciação interna.
O indicador objetivo dessa forma de solidariedade orgâ-
nica seria a ascensão de um novo tipo de sistema jurídico
fundado no direito restitutivo. Sua função seria determinar
sanções restituitórias a fim de reparar o dano que se cau-
sou, restabelecer a ordem, assegurar o pleno direito às
liberdades individuais e os interesses legítimos dos cida-
dãos de um Estado. Como própria expressão da divisão do
trabalho, “o direito restitutivo cria órgãos mais e mais espe-
ciais: tribunais consulares, conselhos pru’hommes, tribu-
nais administrativos de todos os tipos”3.

Divisões patológicas do trabalho

Na perspectiva de Durkheim, nem todas as formas de divi-


são do trabalho produzem solidariedade. Nesses casos,
isso é considerado patológico porque põe em risco o bom
funcionamento do sistema social. Como destacamos nos
tópicos a seguir, o autor identificou três tipos de divisão
patológica do trabalho, para as quais existem causas e efei-
tos necessários.

▪▪ Divisão anômica do trabalho: Ocorre quando ine-


xiste ou são frágeis os mecanismos de regulação da
divisão do trabalho provocado por estados de ano-
60
mia social. Estes últimos decorrem de situações de
Sociologia clássica

rápidas transformações sociais que não foram acom-


panhadas por alterações na organização do trabalho e
do sistema jurídico que o regulamenta. Seus efeitos são
basicamente dois: as crises industriais e o acirramento
do conflito entre capital e trabalho. Para superar esse
estado de coisas que ocorre quando o governo é insu-
ficiente para regular as relações sociais em todos os
níveis, torna-se necessária a atuação de agrupamentos
profissionais para a produção de uma mediação entre
os grupos em conflito.
▪▪ Divisão forçada do trabalho: Ocorre devido às
desigualdades nas condições exteriores de luta entre os
atores envolvidos nas relações de trabalho. Nesse caso,
o efeito necessário dessa distorção nas condições de
defesa de interesses é a emergência do que Durkheim
chamou de guerra de classes. Para esse estado avançado
de anomia social, a única maneira de restabelecer a
ordem social será o estabelecimento da justiça social,
entendida como princípio de eqüidade e reparação das
desigualdades sociais agudas.
▪▪ Insuficiência de atividade: É a terceira expressão da
divisão patológica do trabalho. As causas desse fenô-
meno devem-se a funções descontínuas de atividades
que levam ao desajustamento entre elas. Isso provoca
como efeito o afrouxamento dos laços de solidariedade
social anteriormente estabelecidos entre os membros
de atividades interdependentes. A solução para esse
problema seria, portanto, intensificar as atividades
para que não haja espaços vazios no dia de trabalho
e nem no sistema de troca e distribuição de serviços e
processos produtivos.

61

(3.2) Durkheim: categorias sociológicas


fundamentais

c oesão e anomia através do


estudo sociológico do suicídio
Na obra O suicídio (1897) Durkheim analisa o fenômeno
do suicídio através de uma perspectiva que ultrapassa
a questão individual, conferindo-lhe uma abordagem
sociológica. Demonstra que as causa de morte por suicí-
dio tinham motivações sociais, identificando-o como um
fenômeno coletivo. A contribuição imediata desta obra foi
definir o que ficou conhecido como “lei do suicídio”, na qual
se estabelece: “o suicídio varia na razão inversa do grau de
integração dos grupos dos quais o indivíduo faz parte”4.
Isso implica reconhecer que a ocorrência de suicídio apre-
senta variações conforme os níveis de coesão e situações
de anomia social. Para chegar a essa lei geral, ele realizou
um estudo comparativo de taxas de suicídio ao longo de
trinta anos para seis países europeusa. Desse modo, ele
pôde mostrar que esses índices apresentavam variações
em conformidade com as situações vividas em cada um
dessas nações. Mas, como se define o fenômeno analisado
por Durkheim? “Chama-se suicídio todo o caso de morte
que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou
negativo executado pela a própria vítima, ato no qual a
vítima dever produzir esse resultado”5. Sendo assim, o sui-
cídio traduz a forma como a sociedade age sobre os indiví-
duos, constituindo tipos diferentes.

O suicídio egoísta
62 Esse tipo de suicídio corresponde a situações em que os
valores individuais são mais fortes que as normas coleti-
Sociologia clássica

vas. Nessas circunstâncias, os indivíduos não encontram


respaldo para sua conduta nos valores coletivos, sen-
tindo-se deslocados do meio social ao qual pertencem.
Inclui-se também nesse processo o fato de que as institui-
ções sociais como a família, a Igreja, o trabalho e associa-
ção pública são frágeis e não regulam suas ações. Nesse
sentido, quanto mais fracos os grupos a que pertence e
menos depende deles, tal indivíduo mais depende de si

a. As estatísticas nacionais de suicídios analisa-


das por Durkheim referem-se a Dinamarca, França,
Inglaterra, Prússia, Saxônia, Baviera, (os três últimos
unificarna-se na Alemanha), Itália e Bélgica.
próprio e não reconhece, assim, outras regras de conduta
a não ser as estabelecidas por si mesmo. “O que elas tra-
duzem é que o relaxamento dos laços sociais é uma espé-
cie de astenia coletiva, de doença social, tal como a tristeza
individual traduz o mal estado orgânico do indivíduo”6.
Essa é a expressão social do suicídio egoísta que aparece
como uma fuga e ausência de coesão social, uma vez que
“no próprio momento que ele libertou-se inteiramente do
meio social, ele sofre ainda sua influência”7. O exemplo
típico desse suicídio é o do adolescente ou o praticado por
artistas vanguardistas.

O suicídio altruísta

O suicídio altruísta é basicamente o oposto do anterior.


Ocorre quando o indivíduo se encontra plenamente coeso
aos valores de seu grupo social e a condição que lhe con-
feria identidade social altera-se ou lhe impõe um auto-
sacrifício. Esse tipo ocorre com grande freqüência em
sociedades tradicionais, uma vez que os sujeitos que o pra-
ticam se identificam tanto com sua coletividade que são 63

capazes de ceifar a própria vida por ela e por seus valo-


Durkheim: categorias sociológicas
res. Durkheim cita três categorias dessa modalidade: “1º) fundamentais

Suicídio de homens que chegaram ao liminar da velhice ou


foram atingidos por doenças; 2º) Suicídios de mulheres por
ocasião da morte do marido; 3º) Suicídios de fiéis ou ser-
vidores por ocasião da morte de seus chefes”8. Essas três
variedades correspondem a três classificações: o suicídio
altruísta obrigatório, o suicídio altruísta facultativo e o sui-
cídio altruísta agudo, do qual o suicídio místico é o modelo
perfeito9. Podemos ter como exemplos desse tipo de suicí-
dio a ação dos pilotos camicases japoneses e de homens-
bomba palestinos.
O suicídio anômico

O suicídio anômico é aquele que se deve a um estado de


desregramento social no qual as normas morais estão
ausentes ou perderam seu poder de regulação sobre as
pessoas. Esse fenômeno emerge “quando a sociedade se
vê perturbada, seja por uma crise dolorosa ou por favorá-
veis mais súbitas transformações, [com isso] ele [o suicida]
se vê provisoriamente incapaz de exercer essa ação, e aí
está onde resultam essas ascensões bruscas da curva dos
suicídios”10. O estado de anomia resulta do estado de tran-
sição da ordem socioeconômica que provoca novas dinâmi-
cas na indústria e no comércio. Durkheim demonstrou que
esse tipo de suicídio ocorre mais entre altos profissionais
da indústria e do comércio do que entre agricultores, por-
que entre estes últimos predominam os traços das socieda-
des tradicionais. Um exemplo disso é o caso dos suicídios
cometidos por investidores financeiros que perderam for-
tunas com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1930.
Por vezes, o suicídio egoísta e o anômico podem estar
64 combinados ou podem não ter uma distinção muito nítida.
Isso se deve ao fato de que ambos correspondem a socie-
Sociologia clássica

dades complexas. Sendo a sociedade a fonte da regulação


moral na teoria durkheimeana, poder-se-á supor que os
indivíduos inadequadamente integrados nas comunidades
se encontram numa situação de anomia. No entanto, o pró-
prio Durkheim reafirma a distinção entre eles.

O suicídio egoísta resulta de que os homens não vêem mais


razão de ser na vida; o suicídio altruísta de que esta razão
lhes parece estar fora da própria vida; o terceiro tipo de sui-
cídio, cuja existência acabamos de constatar, decorre do fato
de estar desregrada a atividade dos homens, e é disso que eles
sofrem. Em virtude de sua origem, chamaremos esta última
espécie de suicídio anômico[...].11

(3.3)
o conceito de representações
coletivas
Em Durkheim, a noção de representações coletivas é de
maior importância para seu esquema teórico e aparece em
toda sua envergadura na obra As formas elementares da vida
religiosa (1913). Vimos anteriormente que esse autor perce-
bia os fatos sociais como exteriores aos indivíduos, exer-
cendo sobre eles uma coerção. Igualmente toda crença e
todos os valores e comportamentos são construídos social-
mente. Seguindo os postulados da tradição francesa12,
iniciada com Montesquieu e Rousseau, Durkheim susten-
tava que a sociedade é mais do que a soma dos indivíduos 65
que a compõe: é uma síntese com qualidades específicas
Durkheim: categorias sociológicas
fundamentais
distintas dos indivíduos. Ou seja, os fenômenos que carac-
terizam a sociedade encontram suas explicações no todo e
não nas partes individuais, assim as representações coleti-
vas não implicam necessariamente uma consciência indi-
vidual. Isso porque:

as consciências particulares, unindo-se, agindo e reagindo


uma sobre as outras, fundindo-se, dão origem a uma reali-
dade nova que é a consciência da sociedade. [...] Uma coleti-
vidade tem suas formas específicas de pensar e de sentir, às
quais os seus membros se sujeitam [...]. Jamais o indivíduo,
por si só, poderia ter constituído o que quer que fosse que se
assemelhasse à idéia dos deuses, aos mitos e aos dogmas das
religiões, à idéia do dever e da disciplina moral, etc.13

Para Durkheim, os fatos sociais são formados por


representações coletivas, que é como a sociedade vê a si
mesma e o mundo que a rodeia. A sociedade é constituída
pelos indivíduos que a compõem e também pelas idéias
que estes fazem dela. Dessa forma, as representações cole-
tivas traduzem a maneira como as sociedades se pensam
nas suas relações com os objetos que as afetam. Nesse pro-
cesso, são construídos símbolos que exprimem sua percep-
ção da realidade e que mudam de acordo com as inovações
na própria sociedade.14 Podemos dizer assim que as repre-
sentações coletivas são construídas a partir de um longo
processo de interação de indivíduos de diferentes gera-
ções, conformando elementos mais estáveis do que os pre-
ceitos individuais. Como produto da experiência coletiva:

São, não abstrações que só ganhariam realidade nas consciên­


cias particulares, mas representações tão concretas quanto
aquelas que o indivíduo pode ter do seu meio social: elas cor-
66
respondem à maneira pela qual esse ser especial, que é a socie-
Sociologia clássica

dade, pensa as coisas de sua própria experiência [...].15

As representações coletivas adquirem existência pró-


pria tendo como causa outras representações e não ape-
nas as estruturas sociais. Depois de constituído um fundo
inicial de representações que emergem como substrato
das estruturas sociais, estas se tornam realidades parcial-
mente autônomas e dotadas de vida própria. Disso conclui
Durkheim que as novas representações têm por causa pró-
xima outras representações coletivas. Algumas delas aca-
bam exercendo uma coerção maior do que outras, sendo
que, entre elas, o autor destaca a religião e a moral. A vida
social gera as representações coletivas e estas adquirem
certa autonomia e “não se prendem diretamente a determi-
nadas particularidades da morfologia social”16. Segundo
ele, as representações coletivas são como um idioma cultu-
ral que emerge em estreita relação com a estrutura social,
adquirindo uma existência externa dos indivíduos e pas-
sando a configurar novas representações. Sua área de atu-
ação corresponde ao que Durkheim chamou de fisiologia
social, o que significa o espaço de circulação de idéias, valo-
res e normas socais. Seu esquema teórico pode ser obser-
vado na Figura 4.

Figura 4 – Síntese do esquema teórico de Émile Durkheim

Moral Fisiologia Social Religião

Sagrado
Consciência Representações
Coletiva Coletivas
Profano
Solidariedade Social

t ip
o
Direito 67
Mecânica
Sociedade Repressivos
Anomia

(complexos integrados
Durkheim: categorias sociológicas
fundamentais
de fatos sociais)
o
tip
Direito
c o erç
ão

Orgânica
Restitutivo
c o erç

fu
ão

nç coerção
õe
s
o

Grupos e
mic

Indivíduo alt r
Instituições uís
a nô

ta

egoista
Divisão do
Suicídio
Trabalho
Morfologia Social

Fonte: DURKHEIM, 1988.


(.)
p onto final
Neste capítulo, apresentamos alguns dos principais con-
ceitos da teoria durkheimiana e que correspondem às duas
dimensões do sistema social propostos pelo teórico. Em
seu construto teórico, a sociedade ocupa posição central e
exerce uma coerção externa sobre os indivíduos e grupos
sociais. Esses aspectos foram analisados nos estudos sobre
a divisão do trabalho social e sobre o suicídio e dizem res-
peito à dimensão da morfologia social, isto é, as formas que
assumem as sociedades. Para esse autor, quando ocorrem
mudanças nessa esfera emergem estados de anomia social
que se opõem à solidariedade social. Vimos também que
no âmbito do que Durkheim chamou de fisiologia social, que
se refere aos mecanismos de circulação de idéias, normas e
valores, destacam-se as esferas da moral que corresponde
ao estado da consciência coletiva e a religião, cuja essência
é a divisão do mundo em fenômenos sagrados ou profa-
68
nos, como exemplos de representações coletivas.
Sociologia clássica

Indicações culturais

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo:


Martins Fontes, 1999.

DURKHEIM, Émile. O suicídio. São Paulo: Martin Claret,


2003.

PINHEIRO FILHO, Fernando. A noção de representação


em Durkheim. Lua Nova, São Paulo, n. 61, p. 139-155, 2004.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-64452004000100008&lng=en&nrm=iso&tl
ng=pt >. Acesso em: 4 jun. 2008.
Atividades
1. Qual é a função da divisão do trabalho e qual seu indica-
dor empírico?

2. Quais as diferenças entre os tipos de suicídios egoísta,


altruísta e anômico?

3. O que são representações coletivas?

69

Durkheim: categorias sociológicas


fundamentais
(4)

s obre: Educação e sociologia,


de é mile d urkheim*
Francisco dos Santos Kieling é licenciado e bacha-
rel em Ciências Sociais pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS – 2005) e mestre
em Sociologia pela UFRGS (2008). Atuou como
professor de Ciências Humanas no Programa
Nacional de Inclusão de Jovens, 2006-2007.
Atualmente é membro do Grupo de Pesquisa
Sociologia das Desigualdades do IFCH/UFRGS.

* As seções do capítulo 4 são baseadas em DURKHEIM, 1978.


Nilson Weisheimer
Francisco dos Santos Kieling

( )

“a educação é, acima de tudo, o meio pelo qual a sociedade


renova perpetuamente as condições de sua própria
existência.”
(DURKHEIM, 1978, p. 34)

n este capítulo, apresentamos uma obra que reflete


um dos temas com os quais Durkheim mais se envolveu: a
educação. Suas reflexões sobre essa temática culminaram
com a publicação da obra Educação e sociologia, publicada
postumamente em 1922. Nesse texto, o autor condensa pre-
ocupações teórico-metodológicas e estende suas proposi-
ções sociológicas à educação, sendo ele o responsável pela
reforma educacional francesa ocorrida no início do século
XX. Os apontamentos presentes neste capítulo resumem a
percepção do papel do Estado na educação e a função que
ela deve cumprir no processo civilizatório. Apresentamos
a seguir a definição de educação, sua natureza e função
social, a pedagogia e o método propostos por Durkheim e
a relação entre pedagogia e sociologia.

(4.1)
e ducação: sua natureza
e função
74 No primeiro capítulo da obra, há a preocupacão em se ana-
lisar as definições correntes da educação e construir uma
Sociologia clássica

formulação própria, a qual aponta para algumas conse-


qüências e implica desdobramentos que culminam com
a crescente responsabilidade pública sobre as instituições
educacionais. Vamos agora reconstituir os argumentos do
autor.
O primeiro limite apontado por Durkheim aos estu-
diosos do tema é o sentido demasiadamente amplo que
envolvia a maioria das definições. Estas designam um con-
junto de influências exercidas por outros homens sobre a
inteligência e a vontade que realizariam nossa natureza
humana. O primeiro desafio era definir de forma precisa
qual influência constitui a educação.
Durkheim identificou que havia duas possibilida-
des de resposta. A primeira indicava que a finalidade da
educação era levar (desenvolver) o ser humano à máxima
perfeição. O autor questionava se isso era possível de ser
concretizado ou desejável em uma sociedade acentuada-
mente diferenciada. A segunda, mais utilitária, estabelecia
que ela teria como objetivo fazer do indivíduo um instru-
mento de felicidade para si e para a sociedade. Mesmo con-
siderando uma definição objetiva de felicidade – que seria
medida pelas condições de vida –, destacava que essas con-
dições estão em constante transformação.
O autor critica essas duas alternativas. Aponta que elas
partem de um ideal, sem respeitar as inúmeras transfor-
mações sofridas ao longo da história. Durkheim mostrou
que todas essas mudanças históricas não aconteceram por-
que idealmente não se conhecia o que a educação deveria
ser ou o papel que deveria cumprir. Sua crítica reside em
que: “se começa por indagar qual deva ser a educação ideal,
abstração feita das condições de tempo e lugar, é porque se
75
admite, implicitamente, que os sistemas educativos nada
têm de real em si mesmos”1. Ele questionava essa desvin-

Sobre: Educação e sociologia,


de Émile Durkheim
culação do ideal educativo com a história das sociedades,
perguntando: “de que serviria imaginar uma educação que
levasse à morte a sociedade que a praticasse?”2. Em confor-
midade com o seu método sociológico que indica a supe-
rioridade e coercitividade do todo sobre as partes, o autor
argumentava que:

[...] cada sociedade, considerada em momento determinado de


seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se
impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. É uma
ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como que-
remos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados
a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito gravemente,
eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não
estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos,
com os quais não encontrariam harmonia. [...] Há, pois, em
cada momento, um tipo regulador de educação, do qual não
podemos nos separar sem vivas resistências, e que restringem
as veleidades dissidentes.3

Esse tipo regulador de educação não é definido indivi-


dualmente, mas em sociedade, exprimindo as necessida-
des da coletividade da qual participamos. De acordo com
essa proposição, o autor afirma que as idéias e os costumes
nos são transmitidos pelas gerações passadas, servindo
sempre à sociedade da qual participamos.
Para saber a função da educação, deve-se primeiro
conhecê-la. O caminho que o autor trilhou para atingir
esse conhecimento científico foi estudar a forma histórica
do desenvolvimento dos sistemas educacionais. Ele perce-
beu a relação destes com as particularidades econômicas,
76 políticas e culturais de cada sociedade. Assim, como ponto
de partida para saber a função que a educação deve ter, é
Sociologia clássica

necessário observar a história de forma rigorosa para que


se possa definir o que é educação. Através desse procedi-
mento, o autor pôde definir a estrutura do fenômeno inves-
tigado para depois delimitar a função dele no corpo social.
Conforme o teórico, para se definir educação, seria pre-
ciso considerar os sistemas educativos que ora existem ou
tenham existido, compará-los e apreender deles os carac-
teres comuns. O conjunto desses caracteres constituirá a
definição que procuramos.4
Os primeiros caracteres encontrados são duas gera-
ções: uma adulta e a outra jovem; uma exercendo ação
sobre a outra. Sem isso, não há educação. Ressalva-se que
a interação entre membros da mesma geração produz efei-
tos diversos daquele que existe numa relação entre adultos
e crianças. Podemos perceber que se começa a responder
aqui à pergunta sobre o tipo de influência que caracteriza
o processo educativo.
A natureza da relação entre gerações diferenciadas
apresenta-se sob duplo aspecto: o primeiro, múltiplo. Há
tantas espécies de educação quanto meios diversos exis-
tentes nas sociedades, e isso não só nas que são atraves-
sadas por desigualdades formais, como a sociedade de
castas. Ainda nos dias de hoje, percebe-se que a “educação
varia com as classes sociais e com as regiões [...]. A educa-
ção da cidade não é a do campo, a do burguês não é a do
operário”5. Cada profissão precisa do desenvolvimento de
aptidões particulares, conhecimentos especializados que a
educação precisa suprir ao custo de inviabilizar o desen-
volvimento da profissão ou dos indivíduos.
Isso não significa que as diferenciações no ensino cons-
tituam toda a educação que um jovem terá à sua disposição,
77
ou seja, que um profissional só se aproprie de conhecimen-
tos relativos à sua área de atuação. Esse fato nos conduz ao

Sobre: Educação e sociologia,


de Émile Durkheim
segundo aspecto, que estabelece que a educação se apre-
senta, também, de forma una, o que significa dizer que a
especialização deve ocorrer a partir de um marco comum
a todos, um patamar mínimo desejável que todos os cida-
dãos de uma determinada sociedade devem possuir. São
as idéias, os sentimentos e as práticas que a educação deve
inculcar nos jovens, independentemente da origem social.
Durkheim aponta para uma homogeneidade necessá-
ria para a vida social e também para uma desejável diver-
sificação que favoreça a cooperação. A educação ao mesmo
tempo em que garante uma, prepara para a outra. Assim,
torna-se o meio pelo qual a sociedade prepara no íntimo
das crianças as condições da própria existência individual
e social. Fechando seu argumento, o autor nos apresenta a
seguinte definição:

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as


gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida
social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo
número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados
pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial
a que a criança, particularmente, se destine [...].6

Em síntese, para esse autor, “a educação consiste numa


socialização metódica das novas gerações”7. Ao ser indi-
vidual – ligado às experiências de cada um – soma-se pro-
gressivamente o ser social. Essa função da educação só
é apreensível após a análise estrutural. É a própria socie-
dade, enquanto estrutura, que funda suas forças morais
diante das quais os homens sentem a inferioridade em
relação à estrutura social. A cada nova geração, essas for-
ças devem ser totalmente retrabalhadas, para que se agre-
78
gue o mais rápido possível ao ser egoísta e a-sociala um
novo ser, uma natureza apta a viver em sociedade. Assim,
Sociologia clássica

a educação não desenvolve uma natureza aprisionada, mas


produz um novo ser em cada indivíduo.
Conforme esse sociólogo, o que nos diferencia enquanto
espécie de todos os demais animais é que transmitimos os
conhecimentos necessários à sobrevivência não por meca-
nismos instintivos orgânicos, mas por meio da educação.
Esta satisfaz, acima de tudo, necessidades sociais. Não é
o avanço do “espírito” humano que transforma a percep-
ção sobre a necessidade de um ou outro conhecimento,
mas as necessidades das sociedades que se transformam.

a. Por “ser a-social”, entende-se um sujeito não socia-


lizado, ou seja, não imbuído das regras, das normas e
dos valores de uma sociedade.
Isso aponta para conseqüências práticas importantes.
Durkheim apresenta a historicidade dos conteúdos tra-
balhados na educação que são valorizados pela sociedade
em geral. Ele comenta que “mesmo quando as qualida-
des pareçam à primeira vista espontaneamente desejadas
pelos indivíduos, refletem já as exigências do meio social
que as prescreve como necessárias”8.
O autor sentencia que “o homem não é humano senão
porque vive em sociedade. [...] Todo o sistema de represen-
tação que mantém em nós a idéia e o sentimento da lei, da
disciplina [...] é instituído pela sociedade”9. Até os avanços
intelectuais mantêm essa relação de dependência na socie-
dade. O autor inclusive minimiza os progressos da ciên-
cia de sua época, afirmando que a ciência é obra coletiva
e pressupõe acúmulo constante e cooperação entre cien-
tistas. “Para que o legado de cada geração possa ser con-
servado acrescido, será preciso que exista uma entidade
79
moral duradoura, que ligue uma geração à outra: a socie-
dade. [...] Sociedade e indivíduo são idéias dependentes

Sobre: Educação e sociologia,


de Émile Durkheim
uma da outra”10.
Os sistemas formais de educação constituídos tal como
nós os conhecemos hoje são resultados de longos ­processos
históricos que pautaram a necessidade de sistematização
da formação social dos indivíduos. Por muito tempo, a
educação foi tida como objeto de trabalho exclusivo das
famílias, sendo o Estado um mero espectador, interven-
tor apenas em casos de falta dessa família. Porém, frente
à importante função coletiva exercida pela educação, era
de se esperar que a sociedade como um todo, organizada
em Estados, viesse a assumir o trabalho de formação das
novas gerações.
Durkheim alertava: “se a sociedade não estiver sem-
pre presente e vigilante, para obrigar a ação pedagógica
a exercer-se em sentido social, essa se porá ao serviço de
interesses particulares”11. O projeto durkheimeano pressu-
põe o monopólio da educação pelo Estado. Não que isso
signifique a existência de escolas estatais, exclusivamente,
mas sim o pleno controle e fiscalização do sistema escolar,
de acordo com normas preestabelecidas. Do mesmo modo,
isso não significa que quem estiver à frente do Estado
possa impor-se indiscriminadamente sobre os outros
grupos sociais. Poucos são os princípios elementares da
sociedade atual que devem ser protegidos pelo Estado –
racionalidade científica, moral e democrática estão entre
esses. “A escola não pode ser propriedade de um partido; e
o mestre faltará aos seus deveres quando empregue a auto-
ridade de que dispõe para atrair seus alunos à rotina de
seus preconceitos pessoais, por mais justificados que eles
lhe pareçam”12.
Após delimitar a importância da ação do Estado nesse
80
tema, o autor se pergunta sobre os meios para tornar a
educação eficaz nos seus propósitos. Para isso, Durkheim
Sociologia clássica

revisa teorias naturalistas, apontando que as formulações


aceitáveis sobre esse tema são aquelas gerais, que apre-
sentam uma “natureza humana” de forma flexível, e não
como algo definitivo que poderia predestinar os indiví-
duos. A distância que se estabelece entre o que o homem
é ao nascer e o que ele virá a ser quando adulto dependerá
do processo educativo que a criança percorre nessa trajetó-
ria. A eficácia da educação se define a partir do resultado
final desse processo.
A ação educativa é intensa, poderosa e está presente
em toda relação entre adultos e crianças. Estas, inicial-
mente, estão em relação de passividade absoluta, imitando
os adultos com quem tem contato e aprendendo o que lhes
é ensinado. O poder do mestre vem da superioridade da
experiência e conhecimentos acumulados. Nestes residem
sua autoridade. Durkheim aponta a autoridade como meio
essencial da ação educativa, mas alerta: em vez de exaltá-la
como meio de educação, ele indica a necessidade dos adul-
tos controlarem-na, pois todas as ações, desde os mínimos
estímulos, são captados e percebidos pelos educandos.

Longe de nos encorajar, devemos, ao contrário, temer a exten-


são do poder que temos. Se os mestres e pais sentissem, de
modo mais constante, que nada se passa diante da criança
sem deixar nela algum traço; que o aspecto final do espírito
e do caráter depende dessa infinidade de pequeninos fatos
insensíveis ocorrentes a cada instante sem que lhes demos
grande atenção – como fiscalizariam com muito mais cui-
dado a sua linguagem e os seus atos.13

O trabalho individual do educando consiste, por con-


seguinte, num contínuo exercício de autocontenção. O
81
exemplo desse trabalho vem dos seus educadores: pais e
mestres. A conduta e a linguagem estabelecem a autori-

Sobre: Educação e sociologia,


de Émile Durkheim
dade moral necessária para definir o trabalho de contenção
do educando. Mas é importante esclarecer que a autori-
dade não tem nada a ver com violência. Até porque o cas-
tigo só tem validade educativa quando reconhecido como
justo por quem o recebe, caso contrário, provoca insubor-
dinação e é tratado como injustiça e autoritarismo. A auto-
ridade do mestre está em si próprio; não é de fora que a
recebe. Ela deriva da força moral da sociedade que o encar-
rega de interpretar e expor aos educandos as idéias do seu
tempo. Percebendo a ação do mestre e sua força moral, o
jovem constrói em si a consciência do seu tempo, desenvol-
vendo os ditames da própria consciência, a quem se entre-
gará quando adulto.
(4.2)
natureza da pedagogia e seu
método
No segundo capítulo, Durkheim desfaz a confusão corren­te
entre os termos educação e pedagogia. Para isso, define o
objeto de estudo de cada uma das áreas, expondo sobre
que tipo de problemas se ocupa as teorias pedagógicas. Ao
final, expõe os fundamentos da reflexão pedagógica. O que
diferencia educação e pedagogia? Para ele, como já vimos,
educação “é a ação exercida, junto às crianças, pelos pais e
mestres. É permanente, de todos os instantes, geral [...]. [Já
a Pedagogia são as teorias, ou melhor, as] maneiras de con-
ceber a educação, não são maneiras de praticá-la”14.

82 A pedagogia é uma ciência da educação ou não?


Como fazer isso?
Sociologia clássica

Para ser uma ciência, alguns requisitos devem ser


cumpridos:
1. deve-se ter um objeto pedagógico possível de ser inves-
tigado através da observação, definível e determinado;
2. esses fatos devem ter uma homogeneidade razoável a
ponto de serem passíveis de classificação numa cate-
goria e
3. essa ciência deve ter um único interesse: conhecer esses
fatos, apenas isso.
Para o autor:

A educação que se realize numa sociedade determinada, con-


siderada em momento determinado de sua evolução, é um
conjunto de práticas, de modos de fazer, de costumes, que
se constituem fatos perfeitamente definidos, com a mesma
realidade de outros fatos sociais. Não são, como por tanto
tempo se acreditou, combinações mais ou menos arbitrárias
e artificiais.15

Com efeito, o sistema educacional está relacionado


à estrutura da sociedade da qual faz parte. E essa estru-
tura social coage os modos de educação. Caminhando
para definir a ciência da educação, ele aponta para o fato
de que todas as práticas educativas apresentam um cará-
ter comum e essencial: resultam da ação exercida por uma
geração sobre a geração seguinte, este é o objeto da ciência
da educação.
Se cada povo possui seu modo de educar as novas
gerações, isso não significa que essas diferentes maneiras,
originadas da mesma necessidade, não sejam comparáveis
entre si. A comparação para a pesquisa serve para enten- 83
dermos as semelhanças e apontarmos as diferenças entre

Sobre: Educação e sociologia,


de Émile Durkheim
cada sistema de educação. Estudar a evolução dos diferen-
tes sistemas educacionais permite compreender de que
maneira nossas instituições pedagógicas se constituíram.
Uma vez estruturadas, estas funcionam e produzem resul-
tados determinados, abrindo espaço para uma imensidão
de novas pesquisas sobre esses fenômenos.
Durkheim nos apresenta dois tipos de problemas dis-
tintos: um relativo à gênese e outro ao funcionamento
dos sistemas educacionais. Esses dois tipos de questões
estão relacionados à ciência da educação, interessada esta
em pesquisar as causas e determinar os efeitos. É, pois, dis-
tinta da pedagogia, que, em vez de se interessar com o pas-
sado ou presente, orienta-se para o futuro, para o quê a
educação deve ser, através da análise do que vem sendo.
Desse modo, ressalta-se que a pedagogia está orientada
para a ação, podendo até mesmo ser confundida como
uma arte. Mas, “arte é um sistema de práticas ajustadas a
fins especiais, e que são, nalguns casos, produtos de expe-
riência tradicional, comunicada pela educação; noutros,
produto de experiência pessoal de cada indivíduo”16.
Nesse sistema de práticas, a reflexão não necessaria-
mente estará presente. Durkheim defende que entre a arte
e a ciência há um estágio intermediário. Pode-se refletir
sobre a ação não com o intuito do simples conhecimento,
mas com a finalidade de modificar e aperfeiçoar os pro­
cessos em curso. Essas reflexões geram teorias que objeti-
vam não explicar coisas, mas dirigir a ação. São as teorias
práticas. A pedagogia é uma delas. Ela reflete sobre os
sistemas teorizados pela ciência da educação no sentido de
oferecer uma visão teórica que inspire o educador.
Mas, para que uma teoria possa abrir margem para a
84
aplicação prática, ela precisa da legitimidade de uma ciên-
cia que a apóie. Durkheim se pergunta: sobre qual ciência
Sociologia clássica

se apóia a pedagogia? Tanto a ciência da educação, como


a sociologia e a psicologia, que seriam as disciplinas por
excelência para auxiliar a pedagogia, apresentavam-se
de forma bastante incipiente no momento em que o autor
escrevia, o que, pela urgência dos desafios impostos, pouco
importava naquele momento. A solução era “meter mãos à
obra a fim de descobrir que transformações são necessá-
rias, e como realizá-las”17.
O desafio aos pedagogos era o de encarar o trabalho
de reunir o maior número de fatos instrutivos, procurando
interpretá-los com o maior cuidado metodológico a fim de
reduzir as possibilidades de erro das práticas educativas.
Essa tarefa de constante reflexão sobre a prática é parti-
cularmente importante em momentos de transformação e
crise social, mas não deixa de existir em momentos de esta-
bilidade. A reflexão não pode estar ausente do processo
educativo. Por mais que se exijam práticas rotineiras e o
processo educativo se constitua num trabalho coletivo por
excelência, de formação de gerações, ele é também, e sem-
pre, de formação do indivíduo.
Além dos casos individuais, a aceleração das transfor-
mações sociais deve ser foco de atenção dos educadores,
permitindo flexibilidade de práticas educacionais de forma
a não prejudicar o processo como um todo. Ele sentencia:
“na reflexão encontra-se uma força antagonista da rotina,
que é o obstáculo aos progressos necessários”18. Dessa
maneira, Durkheim apontava para a necessária revisão e
atualização das práticas pedagógicas a fim de adequá-las
às exigências sociais.
Outra pergunta que o autor se faz é referente à cultura
apropriada para que a reflexão pedagógica produza os efei-
85
tos desejados. Ele aponta para a necessidade de um grande
esforço para conhecer da história do sistema de ensino

Sobre: Educação e sociologia,


de Émile Durkheim
nacional as práticas estabelecidas, os métodos consagra-
dos e as tendências para o futuro. Isso se faz com o estudo
das correntes da tradição pedagógica que se desenvolve-
ram ao longo dos últimos séculos. A psicologia também
traz grandes contribuições, já que ela é ótima para estabe-
lecer os meios de se atingir os fins desejados. Notemos a
importância de múltiplas ciências na base de constituição
das reflexões pedagógicas. Ao reconstituir essa trajetória
disciplinar, ele intenta não definir um método de traba-
lho para o pedagogo, e sim apontar elementos que devem
estar presentes em sua formação, uma base que lhe per-
mita refletir sobre os problemas da sua prática.
(4.3)
p edagogia e sociologia
No terceiro capítulo, Durkheim retoma a tese do caráter
social da educação e a importância da ação educativa para
apontar a sociologia como fundamental no processo de
conhecimento dos fins da educação. Ele constata a vincu-
lação da educação com a realidade histórica de períodos
de tempo diversos e que, em nossa época, especificamente,
coexistem vários sistemas pedagógicos que realizam fun-
ções diversas. A necessária base comum de idéias, senti-
mentos e práticas que todas as crianças devem apreender
indistintamente, de acordo com as exigências do presente,
nos permite constar que o que vale para as sociedades do
passado também valerá para a nossa. A educação moderna
não escapa a lei que estabelece o vínculo entre educação
86
e a estrutura social, com todas as contingências que cada
Sociologia clássica

época apresenta.

Nosso ideal pedagógico se explica por nossa estrutura social.


[...] O homem que a educação deve realizar, em cada um de
nós, não é o homem que a natureza fez, mas o homem que a
sociedade quer que ele seja; e ela o quer conforme o reclame a
sua economia interna, o seu equilíbrio.19

O autor explica que a educação consiste sob qualquer


aspecto, seja no reforço das similitudes ou na formação da
diferenciação, uma socialização metódica de cada nova
geração. O conjunto de ações que a compõe forma o ser
social, sua finalidade última, criando um novo ser. Dessa
forma, fica claro que apenas a sociologia nos informa sobre
os fins desejáveis da educação, enquanto que a psicolo-
gia nos informa sobre os meios, já que os fins sociais do
processo educativo só se realizam nos indivíduos e pelos
indivíduos. No processo de formação escolar as novas gera-
ções encontram o que o autor chama de “o germe da vida
social”, a ponto das transformações profundas do sistema
educacional estarem sempre relacionadas intimamente
com as mudanças na base social que as orientam.

(.)
p onto final
Durkheim aponta para a relação entre o sistema educacio-
nal e a estrutura da sociedade da qual faz parte. Sendo a
educação um processo contínuo de socialização das novas
gerações, no qual quer que esse processo aconteça, o estudo
sistemático dela, da história e do contexto que a determina
87
torna-se tanto mais importante quanto mais complexa for

Sobre: Educação e sociologia,


de Émile Durkheim
a organização social. Para isso, o autor sugeriu dois tipos
de problemas que a ciência da educação deve encarar: um
relativo à gênese e outro ao funcionamento dos sistemas
educacionais. O estudo da área da educação não se limita à
estrutura e função do sistema educacional. Isso não resolve
o problema do professor em sala de aula. O conhecimento
que vai permitir ao professor qualificar sua ação é o peda-
gógico, que deve estar orientado para o futuro, levando em
consideração a análise crítica do que ela vem sendo.
Durkheim demonstrou que a educação não é apenas
educação escolar, mas toda ação de gerações sobre outra
geração a fim de transmitir seus saberes. Tem como função
reproduzir a autoridade das gerações mais velhas sobre
as mais jovens. Cada geração deve se socializar com base
nos modelos culturais transmitidos pela precedente. Dessa
maneira, a educação ocorre pela coerção externa que visa à
interiorização dos valores e das normas de comportamen-
tos socialmente aceitos. Assim uma das tarefas principais
com que se defronta toda a sociedade e o sistema social é
estabelecer as condições para a perpetuação de sua própria
estrutura, normas e valores.

Indicações culturais

DURKHEIM, Emile. Educação e sociologia. Lisboa: Edições


70, 2007.

DURKHEIM, Émile. O ensino da moral na escola


primária. Novos estudos – Cebrap, São Paulo, n.
78, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.
b r/s c i e l o.p h p?s c r ip t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0101-
33002007000200008&lng=pt&nrm=iso>.

88

atividades
Sociologia clássica

1. Qual o conjunto de conhecimentos que o(a) professor(a)


deve dominar para poder refletir sobre e qualificar sua
prática pedagógica?

2. Qual é o fundamento da autoridade no processo


educativo?

3. Que princípios você entende ter relevância ainda hoje para


a prática docente?
(5)

i ntrodução à obra
de m ax weber
Nilson Weisheimer

( )

“Exagerar é minha profissão.”


(WEBER, 2004, p. 15)

a s ciências sociais têm em Max Weber uma de


suas maiores referências. Fundador da abordagem com-
preensiva na sociologia, notabilizou-se por ser um intelec-
tual rigoroso e de grande erudição. Weber introduziu defi-
nitivamente a dimensão subjetiva nos estudos das ciências
sociais.
Com o propósito de aproximar o aluno de seu trabalho,
neste capítulo apresentamos os principais momentos de
vida e obra de Weber, discutiremos sua concepção de socie-
dade, seu objeto de estudo e definição de sociologia, assim
como sua contribuição metodológica.

(5.1)
m ax weber: vida e obraa
Maximillian Carl Emil Weber nasceu em 21 de abril de
1864, na cidade de Erfurt, região da Turíngia, na Alemanha.
Primogênito de oito filhos, era membro de uma família
abastada. Seu pai era advogado e político destacado do
92
Partido Nacional-Liberal. Sua mãe, uma senhora culta e
liberal de confissão protestante, era uma exemplar huasfrau
Sociologia clássica

e exerceu grande influência intelectual sobre o jovem Max


Weber. Aliás, ainda em sua adolescência, Weber conviveu
com importantes intelectuais alemães amigos de seu pai
e que freqüentavam sua casa em Berlim, entre os quais o
filósofo Wilhelm Dilthey, o historiador Friedrich Kapp e o
economista Julian Shmidt.
Em 1882, aos 17 anos, foi para Heidelberg cursar Direito,
freqüentando aulas de História, Economia e Filosofia. Aos
19 anos, transferiu-se a Estrasburgo para prestar serviço
militar, onde permaneceu por um ano. Após esse período,
retomou os estudos universitários, concluindo o curso de
Direito em 1885. Ao final da vida, reconheceu que foi nesse
período que se interessou particularmente pela obra de

a. A seção 5.1 é baseada em MILLS; GERTH, 1979;


CASTRO; DIAS, 2005; QUINTANERO; BARBOSA;
OLIVEIRA, 1995.
dois teóricos que o influenciariam, de um lado Karl Marx
e de outro Friedrich Nietzbche. Em 1889, defendeu sua tese
de doutorado sobre a história das empresas comerciais
medievais. No ano seguinte, começou uma investigação
de campo sobre as condições de trabalho dos campone-
ses na margem oriental do Rio Elba. Em 1891, defendeu
uma segunda tese, intitulada “História Agrária Romana:
sua significação para o direito público e privado”b. Nessa
obra, Weber identificou em Roma os germes do capita-
lismo moderno. No mesmo ano, iniciou sua carreira como
professor universitário em Berlim. Em 1893, Weber, então
com 29 anos, casou-se com sua prima Marianne Schnitger
de 21 anos. Em 1894, transferiu-se para Universidade de
Fribourg como professor na cátedra de Economia Política,
período em que publicou As tendências na evolução da situa­ 93

ção dos trabalhadores rurais na Alemanha Oriental. Em 1895,

Introdução à obra de Max Weber


proferiu a aula inaugural nessa universidade, denomi-
nada “O Estado nacional e a economia política”, que era
uma profissão de fé na Realpolitik. Em 1896, transferiu-se
novamente de universidade, passando a ser catedrático na
Universidade de Heidelberg, ano em que publica As cau-
sas sociais da decadência da civilização antiga. Em 1897, já era
um intelectual destacado e que prestava diversos serviços
ao Estado alemão, quando foi acometido por uma enfer-
midade psíquica que o afastou do trabalho por cerca de
três anos, tendo que ser internado em certos períodos em
casas psiquiátricas, visto que a doença lhe impedira de
ler, escrever, falar, caminhar ou dormir sem sofrimento
agudo, conforme relatou o próprio Weber. Reabilitado, vol-
tou à atividade acadêmica em 1903 quando fundou com
Werner Sombart, a Revista Archiv für Sozialwissenchalft
und Sozialpolitik (em português: Arquivo de ciências sociais
e política social). Em 1904, o casal Weber viajou aos Estados
Unidos da América, onde o autor passou a ministrar uma
série de palestras nas universidades norte-americanas e
recolheu informações para sua pesquisa sobre os efeitos
da ética protestante sobre o desenvolvimento do capita-
lismo. Nesse mesmo ano, publicou a primeira parte de A
Ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Em 1905, inte-
ressou-se pelos problemas do Império Russo, o que resul-
tou nos artigos A situação da democracia burguesa na Rússia e
A transição da Rússia para uma democracia de fachada. Ainda
em 1905, publicou a segunda parte de A ética protestante.
Nos anos seguintes, viajaria novamente ao Estados Unidos
em 1906, aproveitando para pesquisar sobre as seitas pro-
testantes, como os anabatistas e suas relações com práti-
cas capitalistas. Em 1908, escreveu uma série de artigos
94 sobre psicologia social e industrialização Alemã a partir
de pesquisa de campo realizada na fábrica de linho de seu
Sociologia clássica

avô, na Vesfália, e participou ativamente da fundação da


Associação Alemã de Sociologia. No ano de 1909, come-
çou a redigir sua principal obra Economia e sociedade, mas
a qual só concluiria em 1914. No mesmo ano, publicou As
Relações de Produção na Agricultura do Mundo Antigo. Já em
1912 sofreu novamente de enfermidade, mas prosseguiu
trabalhando. Em 1913, publicou Ensaio sobre algumas cate-
gorias da sociologia compreensiva. Em 1915, foi a vez de A
ética econômica das religiões universais. Durante a Primeira
Guerra Mundial, assumiu o posto de oficial de reserva do
Exército Alemão, sendo responsável por administrar nove
hospitais na área de Heidelberg. Em 1918, Weber fez uma
série de conferências que resultou em dois artigos A polí-
tica como vocação e A ciência como vocação. Publicou também
um texto metodológico: Ensaio sobre a neutralidade axioló-
gica nas ciências sociais e econômicas e ministrou, em Viena,
um curso de verão sob o título “Uma crítica positiva da
concepção materialista da história”. Em 1919, cedendo aos
convites de seus alunos, ministrou um curso em Munique
que foi publicado após a sua morte, em 1923, sob o título de
“História Econômica Geral”. Max Weber morreu em 1920,
em Munique, aos 56 anos de idade. Em 1922, foi publicada
Economia e sociedade, com prefácio de Marianne Weber.

(5.2)
o bjeto da sociologia de Weber
Para Weber, a sociedade moderna era resultado de um
longo processo de racionalização, da secularização da
95
experiência humana e da burocratização das estrutu-
ras sociais e dos comportamentos das pessoas como tra-

Introdução à obra de Max Weber


ços específicos da civilização ocidental. Sua preocupação
central foi definir as bases intelectuais que permitiram o
surgimento do capitalismo como ápice desse desenvolvi-
mento histórico e social do ocidente. Desse modo, ele argu-
mentou que o que propiciou a emergência do capitalismo
teria sido a empresa racional, sua forma racionalizada de
contabilidade, o direito racional e todas as formas de racio-
nalização da vida que vieram com a ética racional. Para
esse autor, dois fenômenos estão ligados à modernidade: o
desencantamento do mundo, que é a perda do significado
místico da vida, e a perda da liberdade, que corresponde
ao domínio burocrático da vida.1 Conforme suas palavras:
“O destino de nossos tempos é caracterizado pela raciona-
lização e intelectualização e, acima de tudo pelo desencan-
tamento do mundo”2.
Em consonância com esse diagnóstico, sua concepção
de ciência enfatiza que essa é uma profissão especializada
no conhecimento e no reconhecimento de relações que
pressupõe a validação das regras da lógica e da metodo-
logia que constituem os fundamentos gerais da orienta-
ção de mundo do cientista. Desse modo, ele combateu o
positivismo ao propor às ciências sociais um método dis-
tinto das ciências naturais, mas compactuou com o princí-
pio positivista da neutralidade do cientista. Ao descrever
a política e a ciência como duas vocações distintas, argu-
mentava que: “A tarefa do professor é servir aos alunos
com seu conhecimento e experiência e não impor-lhes sua
opiniões políticas pessoais”3. Ou seja, para ele, o cientista
deveria trabalhar com um extremo rigor e imparcialidade,
desenvolvendo uma postura permanente de neutralidade
axiológica. Nesse sentido, propôs que a sociologia deve-
96 ria se pronunciar sobre fatos concretos da realidade social
através do desenvolvimento de pesquisas objetivas e empi-
Sociologia clássica

ricamente fundamentadas, sem, entretanto, prescrever os


fins últimos de orientação da sociedade.
O ponto de partida e unidade de análise da sociologia
weberiana é o indivíduo. Ao contrário de Durkheim, que
enfatiza a estrutura social, Max Weber desenvolve uma
sociologia interpretativa que considera o indivíduo e sua
ação como unidade básica para a explicação dos fenôme-
nos sociais. Isso porque a sociedade humana difere-se da
natureza, uma vez que os homens são portadores de con-
dutas significativas, isto é, atribuem sentidos a suas ações.
Com isso, ele afirmou que sociologia deveria dar conta
desses aspectos dinâmicos típicos dos processos perma-
nentemente vivos da experiência humana e procurar com-
preender o seu sentido a partir dos próprios indivíduos. O
próprio Weber define de modo bastante preciso sua defi-
nição de sociologia, ação e ação social no início da obra
Economia e sociedade.
Sociologia (no sentido aqui entendido desta palavra empre-
gada com tanto significados diversos) significa: uma ciência
que pretende compreender interpretativamente a ação social
e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efei-
tos. Por “ação” entende-se neste caso, um comportamento
humano (tanto faz tratar-se de um fazer externo ou interno,
de omitir ou permitir) sempre que na medida em que o agente
ou os agentes o relacionem a um sentido subjetivo. Ação
“social”, por sua vez significa uma ação que quanto a seu
sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao compor-
tamento de outros, orientando-se por este em seu curso.4

Desse modo, ele estabeleceu as bases para uma socio-


logia interpretativa ou compreensiva, cujo objeto é a ação
social, buscando estabelecer os procedimentos metodoló-
97
gicos para explicá-la casualmente em seu desenvolvimento

Introdução à obra de Max Weber


e efeitos.

(5.3)
o método compreensivo
O método da sociologia compreensiva desenvolvida por
Max Weber busca a compreensão dos sentidos atribuí-
dos pelo agente (ou agentes) que executam a ação, quando
estes, levando em consideração a ação dos outros, realizam
a ação social. Assim, além de ação social, um outro con-
ceito aparece como central nessa proposta metodológica: o
de sentido. Weber estabelece sua definição.

“Sentido” é o sentido subjetivo visado: a) na realidade 1) num


caso historicamente dado, por um agente, ou 2) em média e
aproximadamente, numa quantidade dada de casos, pelos
agentes, ou b) num tipo puro conceitualmente, construído
pelo agente ou pelos agentes concebidos como típicos. Não se
trata de modo algum de um sentido objetivamente “corre­to”
ou de um sentido “verdadeiro” obtido por indagação metafí-
sica. Nisto reside a diferença entre as ciências empíricas da
ação, A Sociologia e a História, e todas as ciências dogmáticas,
a Jurisprudência, a Lógica a Ética e a Estética, que pretendem
investigar seus objetos o sentido “correto”e “válido”.5

Onde se lê “tipo puro conceitualmente”, leia-se “tipo


ideal”. Esse é o instrumento metodológico e conceitual
básico para o desenvolvimento da análise sociológica webe-
riana. Ou seja, para que o sociólogo possa captar o sentido
da ação, ele necessita de um instrumento tanto conceitual
quanto metodológico, que é o tipo ideal. O termo ideal
98
aqui não se refere a uma noção de valor em sentido norma-
Sociologia clássica

tivo, mas a uma abstração analítica de sentido lógico, que


se opõe à noção de sentido objetivo das coisas como em
Durkheim. Trata-se de conceitos gerais que permitem pro-
ceder à análise da realidade concreta por contraste desta
com as categorias típica ideais, verificando-se o quanto
estão próximas ou distantes.
Busca-se com esse instrumento captar a tipicidade ou
a homogeneidade dos fenômenos sociais, tendo como fina-
lidade conferir um tratamento que permita uma explica-
ção causal. Portanto, os tipos ideais são estabelecidos de
modo artificial pelo pesquisador, que tende a exagerar cer-
tos aspectos de um fenômeno e excluir outros até obter um
tipo puro que não se encontra na realidade objetiva das
coisas, mas que permitirá sua análise e comparação.
Conforme propôs Weber, obtém-se um tipo ideal
mediante a acentuação e o ordenamento unilateral de um
ou vários pontos de vista e, mediante o encadeamento de
grande quantidade de fenômenos isoladamente dados,
difusos e discretos, que pode se dar em maior ou em menor
número ou mesmo faltar por completo, a fim de formar um
quadro homogêneo do pensamento6. O tipo ideal em sua
pureza conceitual não é um reflexo do real, trata-se de um
recurso heurístico, ou seja, um construto com finalidades
explicativas da realidade. A validade do tipo ideal radica
no saber histórico e na sua construção racional, que são
competências do pesquisador. A construção de tipos ideais
visa compreender as conexões de sentido, servindo aos pro-
pósitos de elaboração e testes de hipóteses. Assim, é possí-
vel medir o afastamento da ação típica ideal da realidade
empírica, desvendando os elementos irracionais e emocio-
nais existentes numa ação social7. Conforme o autor:
99
Para a consideração científica que se ocupa com a construção

Introdução à obra de Max Weber


de tipos, todas as conexões de sentido irracionais do com-
portamento efetivamente condicionadas e que influem sobre
a ação são investigadas e expostas, de maneira mais clara,
como “desvios” de um curso construído dessa ação, no qual
ela é orientada de maneira puramente racional pelo seu fim.8

O racionalismo de sua proposta não deve ser enten-


dido como um “preconceito racionalista da sociologia, mas
apenas como recurso metodológico”9. Com efeito, as possi­
bilidades e os limites da aplicação do tipo ideal advêm
da racionalidade, da unilateralidade e do caráter utópico
intrínseco a esse instrumento metodológico. Seu principal
propósito é testar hipóteses, como a que já mencionamos.
Conforme Weber, suas hipóteses de pesquisa tinham ori-
gens em conceitos, que são saberes prévios do pesquisador,
caracterizando seu método como hipotético-dedutivo.
Por sua proposta ser fortemente embasada em pro-
cessos subjetivos, o único caminho para o pesquisador é
afirmar o máximo rigor conceitual de seu método. Desse
modo, o tipo ideal não poderá ser nunca o ponto de partida
da pesquisa, mas, ao contrário, é seu ponto final. O que
permite classificar a realidade para explicar-lhe a causa,
evitando-se falsas analogias.
Para Weber, não existe unidade causal, ou seja, um
fenômeno não apresenta uma única causa, uma vez que
a compreensão é sempre aproximativa da realidade. As
causalidades de um fenômeno podem ser equacionadas
de maneira probabilística a fim de compreendermos quais
aspectos confluíram para o desenvolvimento de um fenô-
meno social, evitando-se reducionismos de explicações
deterministas e monocausais.
Esse último aspecto nos conduz aos elementos finais a
100 serem destacados na apresentação do método da sociologia
compressiva de Weber: o que ele entende por compreen­
Sociologia clássica

são e como se pode falar de “leis gerais” em sociologia.


Conforme o autor, o termo compreensão apresenta-se com
duas dimensões:

1. a compreensão atual dos sentidos apreendidos de


uma ação, o que equivale a um estado determinado de
entendimento sobre as coisas;
2. a compreensão explicativa, quando se refere a todas
as conexões de sentido compreensíveis e equivale e
explicação do curso de uma ação.

Em todos esses casos, o termo compreensão significa:

Apreensão interpretativa do sentido ou da conexão de sen-


tido; a) efetivamente visado no caso individual (na conside-
ração histórica), ou b) visando em média a aproximadamente
(na consideração sociológica em massa), ou c) o sentido ou
conexão de sentido a ser construído cientificamente (como
“tipo ideal”) para o tipo puro (tipo ideal) de um fenômeno
freqüente.10

Weber retoma aqui a distinção presente na filosofia


alemã desde Kant, que estabelece a distinção entre obje-
tos das ciências naturais e das sociais e que em Dilthey
assumiria a forma da diferença entre explicação (típica
das ciências naturais) e compreensão (típica da ciências
sociais). Nesse caso, a compreensão dos sentidos subje-
tivos ou das conexões de sentido seria o objetivo parti-
cular da sociologia.
Derivado dessa proposta de sociologia e do papel da
compreensão para definição de seu objeto e alcance inte-
lectual, Weber se distanciaria da proposta de descoberta
de leis gerais em sociologia. Segundo ele, as leis, como se
101
costuma chamar muitas das proposições da sociologia, são

Introdução à obra de Max Weber


na verdade determinadas probabilidades típicas, con-
firmadas pela observação, que, em dadas e determinadas
situações de fato, transcorrem da forma esperada. Esses
seriam os casos em que certas ações sociais, que são com-
preensíveis por seus motivos típicos e pelo sentido típico
indicado pelos sujeitos da ação, ocorrem de modo como era
esperado.11

(.)
p onto final
A sociologia de Max Weber tem como objeto de estudo a
ação social. Para garantir a objetividade do conhecimento
sociológico, ele vai argumentar a favor de uma prática
científica fundada na neutralidade axiológica e no rigor na
aplicação dos conceitos. Seus procedimentos metodológi-
cos inauguram a sociologia compreensiva. Esse nome deve-se
ao fato de que sua proposta visa à compreensão dos sen-
tidos subjetivos atribuídos pelos sujeitos que executam a
ação. Disso emerge o par conceitual ação social e sen-
tido como centrais à sua construção teórica e metodoló-
gica. Esta tem como instrumento principal o tipo ideal,
que é um recurso de análise bastante útil para testar hipó-
teses que visam à compreensão dos fenômenos sociais.
Por compreensão, Weber entende a captação do sentido ou
da conexão de sentidos atribuídos pelos sujeitos da ação,
o que permite a identificação de probabilidades típicas da
ação social.

102 Indicação cultural

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. 12. ed. São


Sociologia clássica

Paulo: Cultrix, 2004.

atividades
1. O que é ação social em Max Weber?

2. Como se obtém um tipo ideal?

3. Como Max Weber posiciona-se em relação à idéia de “leis


gerais” em sociologia?
(6)

weber: categorias sociológicas


fundamentais
Nilson Weisheimer

( )

“A Sociologia constrói conceitos de tipos e procura regras


gerais dos acontecimentos”.
(WEBER, 2004a)

m ax weber é um clássico da sociologia porque suas


teorias da ação, da dominação e da estratificação social per-
mitem a compreensão de diversos processos sociais con-
temporâneos. Neste capítulo, apresentamos as categorias
centrais de sua sociologia compreensiva. Nossa exposição
está dividida em dois grandes blocos temáticos. No pri-
meiro são discutidas as teorias da ação social e da domi-
nação através da exposição da tipologia weberiana da
ação, da dominação e da legitimidade. No segundo bloco,
trazemos sua teoria da estratificação social, abor-
dando os conceitos de poder, classe, estamento e partido.

(6.1)
t ipologia weberiana da ação,
dominação e legitimidade
106

Como vimos no capítulo anterior, na definição de Weber,


Sociologia clássica

o objeto da sociologia é a ação social. A ação social


(incluindo tolerância e omissão) se orienta sempre pela
ação dos outros, podendo ser ações passadas, presentes ou
esperadas no futuro.1 “Os outros podem ser indivíduos e
conhecidos ou uma multiplicidade indeterminada de pes-
soas completamente desconhecidas”2. Ao estudar as ações
sociais, ele vai mostrar que estas não são idênticas, apre-
sentando uma grande variedade. Ele desenvolve uma tipo-
logia tendo em consideração o grau de racionalização das
ações. Considera que são tanto mais racionais quanto mais
estiverem orientadas pelos fins a que se propõem, enquanto
que, no pólo oposto, as ações mais orientadas pela repeti-
ção das tradições seriam a de menor racionalização. Desse
modo, ele estabelece uma tipologia da ação social apon-
tando quatro tipos ideais:

A ação social, como toda ação, pode ser determinada:


1) de modo racional referente a fins: por expecta-
tivas quanto ao comportamento de objetos do mundo exte-
rior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como
“condições” ou “meios” para alcançar fins próprios, pondera-
dos e perseguidos racionalmente, como sucesso;
2) de modo racional referente a valores; pela crença
consciente no valor – ético, estático, religioso ou qualquer que
seja sua interpretação – absoluto ou inerente a determinado
comportamento como tal, independente do resultado;
3) de modo afetivo: especialmente emocional: por afeto
ou estados emocionais atuais;
4) de modo tradicional: por costume arraigado.3

Portanto temos:
▪▪ Ação social racional com relação a fins – É
107
quando o(s) agente(s) atua(m) orientando sua ação para
atingir objetivos previamente estabelecidos e buscando

Weber: categorias sociológicas


fundamentais
meios mais adequados para alcançar os seus propó-
sitos. A ação é tanto mais racional quanto menos as
tomadas de decisões forem afetadas por valores, emo-
ções ou costumes. O que dá sentido à ação são os fins,
não importando os meios para conquistá-los.
▪▪ Ação social racional com relação a valores –
Ocorre quando o(s) agente(s) atua(m) racionalmente
orientados de acordo com suas próprias convicções,
levando em conta o compromisso com seus valo-
res mais do que com os fins que estão em jogo. O que
dá sentido à sua ação são os valores racionalmente
defendidos.
▪▪ Ação social afetiva: É quando o(s) agente(s) se
deixa(m) levar por emoções imediatas, sentimentos e
paixões. Nesse caso, o que dá sentido à sua ação são os
afetos manifestados em seus atos.
▪▪ Ação social tradicional: É quando o(s) agente(s)
orienta(m) sua ação por hábitos e costumes profun-
damente arraigados e que o faz(em) sem refletir sobre
a eficiência dos atos. São os casos em que a ação é
justificada por um “sempre foi feito assim”. Nessas
situações, o que dá, sentido à ação é a perpetuação da
tradição.

Uma vez estabelecida a tipologia da ação social como


unidade básica de sua teoria, Weber demonstra como esse
princípio funciona em termos sociais mais amplos, como
base de processos de interações recíprocas entre indiví-
duos em grupos e instituições sociais. Nesses espaços, os
sujeitos desenvolvem condutas plurais compartilhando a
produção de sentidos reciprocamente. Temos aí o que o
autor chamou de relação sociais.
108
Por “relação” social entendemos o comportamento recipro-
Sociologia clássica

camente referido quanto a seu conteúdo de sentido por uma


pluralidade de agentes e que se orienta por essa referência. A
relação social consiste, portanto, completa e exclusivamente
na probabilidade de que aja socialmente numa forma indicá-
vel (pelo sentido), não importando, por enquanto, em que se
baseia essa probabilidade.4

Na seqüência lógica de seu raciocínio ele vai propor


que todas as formas de ação social, especialmente a relação
social, pode ser orientada pelos seus participantes, “pela
representação da existência de uma ordem legítima”5.
Nesse caso, o conteúdo da relação social se orienta pela
“ordem” que passa a ser legitimada por meio de processos
de institucionalização dessas relações em agrupamentos,
empresas, associações e instituições diversas, produzindo
processos de regulamentação das ações de interação entre
seus membros, ou seja, regulando as relações sociais.
Essas relações sociais podem ter um caráter mais per-
manente, como, por exemplo, o costume, ou ter um caráter
transitório, como, por exemplo, a moda. Também o conte-
údo do sentido de uma relação social pode variar.
▪▪ Ela pode expressar a legitimidade da ordem social por
meio:
▪▪ da convenção, quando sua vigência está garantida
externamente pela probabilidade de que, dentro de
determinado círculo de pessoas, um comportamento
discordante tropeçará com a reprovação geral) ou
▪▪ do direito, quando está garantida pela probabi-
lidade de coação (física ou psíquica) exercida por
determinado quadro de pessoas cuja função con-
siste em forçar a observação dessa ordem ou casti-
gar sua violação.
▪▪ Pode constituir-se em uma relação social, cujo propó- 109
sito é a transformação da ordem vigente e pode se

Weber: categorias sociológicas


fundamentais
dizer que se criou uma nova relação.
▪▪ Uma relação social pode assumir o caráter de luta,
quando as ações se orientam pelo propósito de impor a
própria vontade contra a resistência de outros.
▪▪ Uma relação social pode ser uma “relação comunitá-
ria”, quando a ação repousa no sentido de os partici-
pantes pertencerem (afetiva ou tradicionalmente) ao
mesmo grupo.6

As formas de dominação legítimas

Outra contribuição relevante de Max Weber é sua teoria das


formas de dominação e que é simultaneamente a da pro-
dução da legitimidade. Ela nos permite compreender por-
que as relações sociais se mantêm estáveis, possibilitando
a perpetuação de uma ordem social. Ao discutir as estru-
turas de funcionamento da dominação, o teórico estabe-
lece uma importante diferença entre poder e dominação.
Poder significa a possibilidade de impor ao comporta-
mento dos outros a própria vontade, enquanto que domi­
nação refere-se à probabilidade de obter obediência de um
grupo determinado de pessoas para mandos específicos.7

Por “dominação”, compreendemos aqui, uma situação de fato,


em que uma vontade manifesta (“mandado”) do dominador
ou dos dominadores quer influenciar as ações de outras pes-
soas (do “dominado” ou “dominados”), e de fato as influên­
cias de tal modo que essas ações, num grau socialmente
relevante, se realizam como se os dominados tivesses feito
do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações
(“obediência”).8

Percebemos que o processo de dominação implica a


110 introjecção por parte do dominado do mandado, ou seja,
a obediência, que é justamente a incorporação da domina-
Sociologia clássica

ção. Com efeito, a dominação conta com o aceite tácito do


dominado que não a percebe como uma violência, como
uma dominação. Isso se dá porque todo o processo de
dominação passa por um processo de legitimação, a não
ser que não se exerça enquanto dominação, mas com exer-
cício de poder. Logo podemos deduzir que: a) a dominação
é uma forma legítima de manifestação de poder e, conse-
qüentemente, b) o exercício de poder é uma dominação
ilegítima. Mas, conforme Weber, quais são as formas legí-
timas de dominação e suas características?
São três tipos de dominação legítima: a dominação
legal ou burocrática, a dominação carismática e a domi-
nação tradicional. Sua tipologia de dominação está fun-
damentada no conceito de ação social e tem sua fonte de
legitimação na atribuição de sentido que lhe conferem as
características constitutivas diferenciadas. Vejamos cada
uma delas.
A dominação legal manifesta-se de modo impes-
soal, cujo direito constitucional pode ser criado e modi-
ficado mediante a concordância geral e os procedimentos
regulares, desde que observada seu próprio regimento e
adesão formal. Nesse caso, a lei é um estatuto sancionado
corretamente quanto à forma. Assegura uma domina-
ção plenamente racional. O fundamento de sua legitimi-
dade está na ordem impessoal de suas relações, na crença
da validade racional dos regulamentos e na legitimidade
dos mandatários designados nos termos da lei, ou seja,
no aparato burocrático. O tipo que manda é o superior
hierárquico e o tipo que obedece é o funcionário. Seus
exemplos são: a estrutura do Estado, a empresa capitalista
e associações públicas modernas.
A dominação carismática é a dominação do pro- 111
feta, do herói, do curandeiro e dos líderes religiosos.

Weber: categorias sociológicas


fundamentais
Fundamenta-se no carisma, que é uma qualidade pesso­al
e intransferível. Sua idéia básica é que a obediência decorre
da devoção afetiva à pessoa do senhor, devido a seus dotes
extraordinários manifestados por grandes feitos, atos de
heroísmo, extraordinário poder de oratória, capacidade
intelectual ou profunda identificação do dominado pelo
dominador. A associação dominante em que essa domi-
nação se manifesta tem caráter comunitário ou de grupos
de afeto. O fundamento de sua legitimidade está na leal-
dade pessoal do dominado devido à sua crença na superio-
ridade ou santidade dos poderes senhorais. As normas e as
regras tendem a serem instáveis e proclamadas pelo domi-
nador, fixadas pessoalmente pelo chefe. O tipo que manda
é o líder carismático, o tipo que obedece é o seguidor ou
apóstolo. Seus exemplos são ditadores, políticos populistas
e líderes religiosos.
A dominação tradicional tem seu tipo puro na
dominação patriarcal. A idéia básica é a de que se obedece
à pessoa em virtude de sua dignidade própria, conferida
pela tradição e por fidelidade. Manifesta-se principalmente
em associações de caráter comunitário. O fundamento da
sua legitimidade é a crença de que as prescrições senhorais
são naturais, que o sistema de status sempre foi assim, e
com base na autoridade pessoal há muito existente. Nesse
tipo, as ordens são fixadas pela tradição e o estatuto é dado
como válido “desde sempre”, permitindo ao dominador
agir conforme sua conveniência, simpatia ou antipatia,
impondo normas e sansões de caráter puramente pesso­al.
Nesse contexto, inexiste direito formal e as relações de
administração são dominadas pela fidelidade pessoal ao
dominador. O tipo que manda é o soberano ou o pai e o
112 tipo que obedece é o súdito ou o filho. Seus exemplos típi-
cos são: a gerontocracia, o patriarcalismo e o coronelismo.
Sociologia clássica

Com base no que foi visto até o momento, podemos


apresentar o Quadro 1, que sistematiza a tipologia webe-
riana da ação social, da dominação e da legitimidade.

Quadro 1 - Tipologia weberiana da ação social, dominação e legitimidade

Ação social Dominação Legitimidade

Racional em
relação a fins Racional legal Racional
ou (ordem impessoal –
Racional em Burocrática burocrática)
relação a valores

Carismática
(a rotinização do
Afetiva
Afetiva carisma conduz
(lealdade pessoal)
à burocrática ou
tradicional)

Utilitária
(sistema de status,
Tradicional Tradicional
atua por prescrições,
autoridade pessoal)

Fonte: WEISHEIMER, 2006.


Nesse quadro, você pode observar que as formas de
ação social racional (em relação a fim e a valores) corres-
pondem ao tipo de dominação legal (burocrática), cuja
forma de legitimidade é racional (fundada em uma ordem
impessoal e burocrática). Já a ação social afetiva encontra
sua expressão na dominação carismática, na qual contam
a forma de legitimação e a lealdade pessoal. Por sua vez, a
ação social tradicional corresponde ao tipo de dominação
tradicional que tem como meio de legitimidade a utilita-
rista, ou seja, atua por prescrições fundadas na autoridade
pessoal. Observe que, segundo Weber9, a rotinização do
carisma, isto é, a passagem da autoridade do líder carismá- 113
tico a outra pessoa para preservação do grupo dominante,

Weber: categorias sociológicas


fundamentais
conduz necessariamente às formas de dominação burocrá-
tica ou tradicional. Isso porque, como vimos, o carisma é
um atributo pessoal e intransferível do líder carismático.

(6.2)
t eoria da estratificação social
Uma das questões centrais no pensamento da sociolo-
gia é explicar a origem das diferenças e das desigualda-
des sociais. Segundo Weber, a sociedade está estratificada
de maneira multidimensional, cujas bases são a economia,
o status e o poder. Estas fundamentam a constituição das
classes, dos estamentos e dos partidos respectivamente.
O fundamento de sua proposta é o de que não há uma
única causa para esses processos e que as dimensões mate-
rial e simbólica têm igualmente influência, contudo, e em
todas elas, a compreensão do fenômeno estaria nos agen-
tes individuais. A base de sua análise são as assimetrias
de poder na sociedade. Ele entende o poder como “a pos-
sibilidade de que um homem ou um grupo de homens
realize sua vontade própria numa ação comunitária até
mesmo contra a resistência de outros que participem da
ação”10. O poder pode ter uma base econômica ou ser fonte
de honrarias. Quando a ação se desenvolve no âmbito do
mercado, o objetivo é o poder econômico. Outrossim, é
na ordem econômica que se definem as classes. A forma
como as honras são distribuídas na sociedade estabelecem
uma distinção de outra natureza, definem a composição
dos estamentos. A organização para a obtenção de poder
114 social, independente do conteúdo da ação comunitária, é
o partido. Isso posto, conforme argumenta Weber, classes,
Sociologia clássica

estamentos e partidos são expressões do fenômeno da distri-


buição do poder dentro de uma dada sociedade.11

Classes

Para Weber, o conceito de classe designa um conjunto de


indivíduos que se encontram na mesma situação de classe.
O que define a situação de classe dos indivíduos é sua posi-
ção nas relações de mercado. Esta, por sua vez, corres­ponde
a todas as oportunidades de trocar objetos por dinheiro
de que os participantes, na relação de troca, têm conheci-
mento que orientam sua competição de preços. Com efeito,
os indivíduos participam dessas relações de troca na con-
dição de proprietários ou vendedores de bens econômicos.
“‘Situação de classe’ nesse sentido, é, em última análise,
‘situação de mercado’”12.
Dispor de propriedade e da falta de propriedade
“são portanto as categorias básicas de toda a situação de
classe”13. A mesma situação perante o mercado colocaria
os indivíduos sujeitos às mesmas exigências econômicas, o
que influenciaria de forma causal tanto os padrões mate-
riais de sua existência, como o tipo de vida que eles pode-
riam levar.
Como exemplo de classes, Weber cita os proprietá-
rios de terra ou de escravos, os industriais, os trabalhado-
res qualificados e os profissionais liberais (no caso desses
últimos o conhecimento é considerado a sua propriedade).
São todos grupos positivamente privilegiados devido à
sua situação no mercado, isto é, a de possuidores de algum
tipo de propriedade que tem valor. Os trabalhadores não
qualificados, por sua vez, formariam as classes negativa-
mente situadas no mercado.14 Desse modo, podemos iden- 115
tificar uma estratificação de classes: a) a classe operária,

Weber: categorias sociológicas


fundamentais
definida pela posse ou ausência de propriedade; b) a classe
lucrativa e comercial, definida pela valorização de bens e
serviços no mercado; c) as classes sociais, quando os indi-
víduos se movem livremente dentro de uma série de situ-
ações de classes semelhantes. Já os escravos, não seriam
considerados uma classe porque não poderiam usar em
proveito próprio bens e serviços no mercado e configuram
uma condição de estamento.15

Estamento

As diferenças entre estamentos são originadas pelo sis-


tema de honrarias. Com, efeito a situação estamental do
indivíduo é determinada pelo status que possui e que esta-
belece sua posição na hierarquia social. Essa honraria pode
estar relacionada a qualquer qualidade partilhada por
uma pluralidade de pessoas e ocorre em função do juízo
que os outros fazem do indivíduo ou da posição social,
atribuindo-lhe um determinado grau (positivo ou nega-
tivo) de prestígio, respeito ou consideração. Sua situação
estamental pode inclusive estar vinculada a uma situação
de classe. Só que, nesse caso, tanto os proprietários como
os não proprietários pertencem ao mesmo estamento.
Entretanto, a igualdade estamental entre proprietários e
não proprietários é precária16.
No contexto de estratificação por estamentos, o grupo
social será construído por certo número de indivíduos
que partilham do mesmo status social. Os grupos têm
consciên­cia de sua posição comum e tendem ao autofe-
chamento, isto é, impedem a entrada no grupo de indiví-
duos de outras situações de status. Além disso, tais grupos
116 manifestam um estilo de vida próprio que os diferem dos
demais e reforçam as restrições ao contato com outras cole-
Sociologia clássica

tividades. Esse é o caso das castas que se estruturam tendo


por fundamento o pertencimento étnico e que é refor-
çado por prescrições religiosas.17 Quanto ao efeito geral
da ordem estamental, Weber destaca: “o impedimento do
livre desenvolvimento do mercado ocorre primeiro para
os bens que os estamentos subtraem diretamente da livre
troca pela monopolização”18. Resumidamente: “enquanto
as ‘classes’ se estratificam de acordo com suas relações com
a produção e aquisição de bens; os ‘estamentos’ se estratifi-
cam de acordo com os princípios de seu consumo de bens,
representados por ’estilos de vida’ especiais”19.

Partidos

A existência dos partidos se dá pelo signo do poder, uma


vez que, são instrumentos para sua disputa. Os partidos
são organizações que pressupõem comunidades socializa-
das, ou seja, onde há alguma ordem racional e um quadro
de pessoas para ser influenciado ou recrutado pelo parti-
do.20 “A estrutura sociológica dos partidos difere de forma
básica segundo o tipo de ação comunitária que buscam
influenciar [...] e também diferem segundo a organização
da comunidade por classes ou estamentos”21. Os parti-
dos aperecem freqüentemente vinculados a interesses de
­classes, estamentos ou outros grupos como corporações.
Eles podem representar interesses desses grupos, mas nem
sempre podem ser compreendidos como partidos de clas-
ses ou grupos sociais. Segundo observou Weber, geral-
mente são do tipo misto e, por vezes, nem uma coisa nem
outra, constituindo-se como um clube de interesse, ou inte-
ressados por usufruírem o poder. Além disso, qualquer
associação voluntária que se proponha a apoderar-se do 117
controle direto de uma dada organização, a fim de promo-

Weber: categorias sociológicas


fundamentais
ver determinada política no interior dela, pode ser enten-
dida como um partido no sentido sociológico do termo.

(.)
p onto final
Encontramos na teoria sociológica de Max Weber uma
perspectiva subjetiva da ação social, da dominação e da
estratificação social, que se colocam como alternativas às
teorias objetivas, como as de Émile Durkheim. Seu proce-
dimento de análise vai das categorias particulares às uni-
versais, destacando as conexões de sentido que emergem
nos processos de interação social e dão forma aos fenôme-
nos sociais. Weber parte sempre do indivíduo e sua capa-
cidade de atribuir sentidos, tendo como parâmetro a ação
de orientação racional, a partir da qual estabelece suas
tipologias puras. Assim, ele percebe também os processos
de estratificação social, com base na atuação racional dos
sujeitos no mercado que dá forma as classes, na manifesta-
ção de estilos de vida e honrarias que estabelecem os esta-
mentos e na disputa racionalizada pelo poder que assume
a forma de partido.

Indicação cultural

KNÖBL, Wolfgang. Max Weber, as múltiplas modernida-


des e a reorientação da teoria sociológica. Dados, Rio de
Janeiro, v. 49, n. 3, p. 483-509, 2006. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-
118 52582006000300002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 05 jun.
2008.
Sociologia clássica

atividades
1. Qual é a diferença entre poder e dominação na teoria
weberiana?

2. Qual é o fundamento da legitimidade da dominação


burocrática?

3. O que é partido no sentido sociológico do termo?


(7)

s obre: a ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de m ax weber
Analisa Zorzi é bacharel em Ciências Sociais pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS
– 2005) e mestre em Sociologia pela UFRGS (2008).
Participa do Grupo de Pesquisa Estruturas e Processos
Sociais Agrários do IFGH/UFRGS.
Analisa Zorzi
Nilson Weisheimer

( )

“O puritanismo quis trabalhar no âmbito das vocações; e


fomos todos forçados a segui-lo.”
(WEBER, 2004b, p. 19)

n este capítulo, apresentamos em resumo a mais


famosa obra de Max Weber com o propósito de incentivar
a leitura do texto original: A ética protestante e o “espírito”
do capitalismo. Neste trabalho, o autor sistematizou, com o
auxílio da pesquisa de dados e fatos históricos, seus princi-
pais pressupostos metodológicos.
O contexto de produção dessa obra está muito vincu-
lado ao debate que o Weber travou com autores que utiliza-
vam o materialismo para explicar os fenômenos históricos.
Sem desprezar tais contribuições, Weber quis demonstrar
que é inconcebível pensar as conexões sociais e históricas
a partir de uma teoria mono-causal como, na visão dele,
faz o materialismo histórico, que é refutado pelo autor por
estabelecer uma seqüência causal única. Além dessa crí-
tica, ele traz para a análise desses fenômenos elementos
122
que não estão na ordem puramente econômica, mas que
estabelecem uma relação causal de cunho cultural, que
Sociologia clássica

são os religiosos. O texto é valioso por demonstrar como


esses fatores simbólicos influenciam na conduta dos indi-
víduos. É isso que você poderá constatar no decorrer desta
síntese.

(7.1)
o problema: confissão religiosa e
estratificação social
Para a construção do objeto de investigação, que resultou
numa pesquisa com fatos históricos que articula dados
empíricos do final do século XIX, resultando a obra em
discussão, Weber observou as estatísticas ocupacionais e
deparou-se com o seguinte quadro: existe uma preponde-
rância da religião protestante entre proprietários do capi-
tal, empresários e trabalhadores altamente qualificados
das empresas modernas. Diante desse diagnóstico, o autor
sugere pensarmos nessa relação: desenvolvimento do capi-
talismo moderno e confissão religiosa.
Estabelecer essa relação causal não significa que
Weber tenha ignorado que, no passado, talvez até na pró-
pria gênese do capitalismo, a confissão religiosa tenha
sido, possivelmente, conseqüência de fenômenos econômi-
cos e não a sua causa. Até porque a participação em altas
funções econômicas pressupõe que já exista a articulação
de alguns elementos para o desencadeamento do desen-
volvimento do capitalismo moderno, que o autor aponta
como sendo: a posse de capital, a posse de riqueza heredi-
123
tária, certa abastança e uma educação dispendiosa. A par-
tir de então, ele coloca uma questão histórica: “qual a razão

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
dessa predisposição particularmente forte das regiões eco-
nomicamente mais desenvolvidas para uma revolução na
Igreja?”1. A resposta para essa questão é complexa, mas o
autor oferece algumas pistas:

Com certeza, a emancipação ante o tradicionalismo econô-


mico aparece como um momento excepcionalmente propício
à inclinação a duvidar até mesmo da tradição religiosa e a se
rebelar contra as autoridades tradicionais em geral. Mas cabe
atentar aqui para o que hoje [início do século XX] muitas
vezes se esquece: a Reforma significou não tanto a eliminação
da dominação eclesiástica sobre a vida de modo geral, quanto
a sua substituição de sua forma vigente por uma outra.2

Católicos e protestantes encaravam de forma diferente


a relação tanto com a religiosidade, expressa no seu tipo de
educação, quanto com o processo de trabalho e economia.
De um lado, os católicos cultivam uma formação huma-
nística tendo assim um reduzido interesse pela aquisição
capitalista, permanecendo no artesanato como mestres
artesãos. De outro, a formação dos protestantes volta-se
para a preparação destes aos estudos técnicos para as pro-
fissões comerciais e industriais, visando à ocupação dos
escalões superiores do operariado qualificado e dos pos-
tos administrativos. Por isso, Weber afirma que a peculia-
ridade espiritual inculcada pela educação determinou a
escolha e o destino profissional de ambos.
Daí resulta também a diferença entre o tradicionalismo
econômico e o capitalismo moderno. Weber em nenhum
momento afirmou que o capitalismo não exista ou passou
a existir somente com o protestantismo. O que o autor sus-
tentava é que o desenvolvimento do capitalismo moderno
124
com características diferentes, como o racionalismo econô-
mico, por exemplo, aparece como fenômeno interligado a
Sociologia clássica

um tipo de confissão religiosa protestante, pois nem todas


as denominações protestantes operam na mesma direção.
Ele esclarece que os:

Protestantes mostram uma inclinação específica para o racio-


nalismo econômico que não pôde e nem pode ser igualmente
observada entre os católicos [...]. A razão desse comporta-
mento distinto deve pois ser procurada principalmente na
peculiaridade intrínseca e duradoura de cada confissão reli-
giosa, e não somente na respectiva situação exterior histórico-
política.3

A diferença entre a doutrina católica e a protestante


passava longe de significar um afrouxamento da domina-
ção eclesiástica, pelo menos nesse momento do processo da
formação do “espírito” do capitalismo moderno. Em rela-
ção ao “estranhamento do mundo”, à oposição à “alegria
com o mundo” e ao forte predomínio de interesses religio-
sos na conduta de vida, “os calvinistas franceses foram,
então, e são, pelo menos tão estranhos ao mundo quanto,
por exemplo, os católicos do Norte da Alemanha”4. Tanto
para os primeiros quanto para os outros, a vida que se rea-
lizava na terra constituía apenas o caminho para a vida
eterna, ou seja, extramundana. A diferença está em como
foi construído esse caminho.
A partir daí, Weber formula as relações possíveis de
se estabelecer para explicar tal fenômeno histórico, de um
lado econômico e de outro religioso, sem perder de vista
o pressuposto da “multiplicidade que se aloja em cada
fenômeno histórico”5 e sem desconsiderar que há diversas
causas possíveis para um fenômeno. O autor, para fins de
análise, apresenta apenas um ponto de vista, que foi o que
125
norteou o seu estudo.

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
(7.2)
o “espírito” do capitalismo
O “espírito” do capitalismo enquanto objeto de análise
sociológica constitui-se na medida em que os elementos
retirados da realidade histórica vão transformando-o em
conceito capaz de dar certo significado ao fenômeno his-
tórico que se pretende compreender e/ou explicar. Essa
transformação se realiza ao longo do processo de pesquisa,
portanto não está definido a priori. Para tanto, percebe-o
como um tipo ideal, assumindo determinado ponto de
vista que lança olhar para certos aspectos característicos
do fenômeno e excluindo outros. O que não significa, como
afirma Weber, que outros pontos de vistas não produzam,
como essenciais, outros fatores característicos do mesmo
fenômeno em análise.
Construído de tal modo, esse “espírito” encontra-se
diretamente relacionado a uma ética, a uma conduta de
vida, que Weber resume como “o caráter de uma máxima
de uma conduta de vida eticamente coroada”6. Isso quer
dizer que a relação estabelecida com o trabalho, com o
processo produtivo e com a acumulação de capital ganha
uma conotação diferenciada. Ou seja, o ganho deixa de ser
algo associado a um meio de satisfação das necessidades
materiais e passa a ser uma finalidade da vida. Mas, não se
refere a qualquer tipo de ganho; deve ser uma conseqüên­
cia e resultado da habilidade na profissão, a qual é algo
sentido como obrigação, seja qual for o conteúdo da ativi-
dade profissional. É essa “ética do trabalho” que se torna
126
característica da cultura capitalista entre os protestantes.
Não foi sem resistência que esse “espírito” do capi-
Sociologia clássica

talismo moderno, denominado de ethos, insurgiu. Logo,


ele teve que travar um duro combate contra forças hostis
ligadas ao comportamento tradicional em relação à pro-
dução. Por exemplo, uma das maneiras que o empresário
moderno utilizava para aumentar a produtividade de sua
empresa era aplicar a remuneração por tarefa produzida
por seus empregados.

Exemplo da idéia de tradicionalismo


Imaginem uma padaria na qual a produção individual de tor-
tas de um dia de trabalho é de cinco (05) unidades. Digamos
que o dono da padaria paga para cada funcionário R$15,00 por
torta produzida. No final do dia, a pessoa contará com um pro-
vento de R$75,00. Com o objetivo de aumentar a produção, o
proprietário da padaria aumenta o valor pago por unidade de
torta para R$20,00, achando que isso estimularia seus funcio-
nários a produzir mais tortas, já que a remuneração seria maior.
No entanto, o efeito que ele conseguiu foi obter de seus funcioná-
rios uma produtividade menor, pois, ao invés deles se motivarem
a produzir mais e ter uma renda maior, eles passaram a produzir
quatro (04) unidades para receber, assim, no final de um dia de
trabalho R$80,00. No final das contas, o cálculo utilizado pelos
funcionários é diferente, porque a motivação destes gira em torno
de conseguir uma renda que cubra suas necessidades tradicionais
e nada mais. Se os R$75,00 estavam de bom tamanho, por que
dispender maior esforço?

Esse exemplo sintetiza a idéia de tradicionalismo para


Weber: “o ser humano não quer ‘por natureza’ ganhar
dinheiro e sempre mais dinheiro, mas simplesmente viver,
viver do modo como está habituado a viver e a ganhar o
127
necessário para tanto”7.
Uma disposição diferente ao trabalho, independente

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
de salários baixos ou altos, está relacionada, no caso da
ética protestante, ao significado de vocação que o traba-
lho e a profissão adquirem, como se fossem um fim em si
mesmo. Mas, essa representação diferenciada não é algo
natural, e sim produto de um longo processo educativo de
caráter religioso.

A capacidade de concentração mental bem como a atitude


absolutamente central de sentir-se “no dever de trabalhar”
encontram-se aqui associadas com particular freqüência a
um rigoroso espírito de poupança que calcula o ganho e seu
montante geral, a um severo domínio de si e uma sobriedade
que elevam de maneira excepcional a produtividade. Para
essa concepção de trabalho como fim em si mesmo, como
“vocação numa profissão”, o solo aqui é dos mais férteis, e
das mais amplas as oportunidades de superar a rotina tradi-
cionalista em conseqüência da educação religiosa.8

O estabelecimento de uma ruptura com a forma tra-


dicional de produção não significa que o espírito tradicio-
nalista tenha desaparecido. Conforme Weber, “a revolução
que põe fim ao velho tradicionalismo ainda está em pleno
curso”9. Os dois “espíritos” capitalistas, o tradicional e o
moderno, seguiram coexistindo. Diferentes negócios, como
a exploração de banco, de uma casa de exportação por ata-
cado ou de venda por varejo, só serão possíveis na forma
de empresa capitalista. No entanto, eles podem ser geridos
tanto da forma tradicional como moderna.
A entrada em cena do novo “espírito” e a transição
para uma outra forma de organizar a produção, a partir de
um processo de racionalização, estabelecem outro marco
no desenvolvimento do capitalismo. E as “forças motrizes
128
da expansão do capitalismo moderno”10 têm menos rela-
ção com a origem das reservas monetárias do que com o
Sociologia clássica

desenvolvimento desse novo “espírito”. Os agentes de tal


processo não foram os especuladores e aventureiros, mas
como escreveria Weber seria a realização de “homens cria-
dos na dura escola da vida, [...] inteiramente devotados à
causa,”11 sendo essa a expanção do empreendimento capi-
talista, visando obter lucratividade e acumular capital.

(7.3)
o conceito de vocação em Lutero:
o objeto da pesquisa
A noção de vocação vinculada à idéia de uma “missão dada
por Deus” desenvolve-se entre os grupos predominante-
mente protestantes, constituindo-se, assim, em produto da
Reforma. O que esse conceito tem de novo é justamente
vincular a valorização do cumprimento do dever, a partir
da realização das profissões mundanas, à possibilidade de
agradar a Deus. Por isso, sobre os preceitos protestantes,
Weber afirma:
o único meio de viver que agrada a Deus não está em suplantar
a moralidade intramundana pela ascese monástica, mas sim,
exclusivamente, em cumprir com os deveres intramundanos,
tal como decorrem da posição do indivíduo na vida, a qual
por isso mesmo se torna a sua “vocação profissional”[...].12

Esse pressuposto foi desenvolvido por Lutero desde


o princípio de sua atividade reformadora. E a justificativa
da posição ocupada pelo indivíduo na vida está associada
à dedicação ao trabalho profissional mundano necessária 129
para, de um lado, expressar o amor ao próximo e, de outro,

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
fazer a vontade de Deus. Por isso, a idéia de vocação apre-
senta-se como elemento fundamental dessa relação com o
trabalho na Terra. Weber observa que não é possível atri-
buir a Lutero nem a nenhum dos líderes protestantes a
criação de um “espírito” capitalista, pois a idéia de vocação
para eles tem um sentido estritamente religioso, comparti-
lhado inclusive com a doutrina católica de condenação da
usura. O eixo de vida e de suas ações era simplesmente em
torno da salvação da alma.
A diferença fundamental está em perceber a dedica-
ção ao trabalho e à riqueza provinda de suas atividades
profissionais como algo realizado a partir de uma con-
duta de vida intramundana, mas com um fim moral e
como “prêmio religioso para o trabalho intramundano” e
devoto a Deus. O desenvolvimento do “espírito” do capita-
lismo moderno dispõe-se, assim, como uma conseqüência
imprevista e até mesmo não desejada. Ou seja, no ímpeto
de seguir a doutrina protestante de dedicar-se ao trabalho
profissional, alguns indivíduos desenvolveram a racionali-
zação do trabalho e do processo de produção, criando um
ambiente propício para o acúmulo de capital e geração de
riqueza.
Existem diferenças fundamentais entre as denomina-
ções do protestantismo. Weber destaca o calvinismo como
tendo uma peculiaridade ética que produziu uma relação
totalmente nova entre a vida religiosa e a ação terrena, em
relação tanto ao catolicismo quanto ao luteranismo. Com
isso, o autor não despreza as contribuições de Lutero para
o estabelecimento de uma nova relação com a Igreja e com
a profissão mundana. No entanto, não foi a partir do lutera-
nismo que foi possível estabelecer a conexão entre a “práxis
130
de vida e o ponto de partida religioso”. Weber ainda escla-
rece que seu estudo não tem por objetivo valorizar esta ou
Sociologia clássica

aquela corrente religiosa, e sim tentar entender o impacto


“que os motivos religiosos, dentre os inúmeros motivos
históricos individuais, tiveram na trama do desenvolvi-
mento da nossa cultura moderna”13. Ou seja, o autor busca
responder de que forma os elementos religiosos contribuí-
ram para a expansão do “espírito” capitalista moderno.

(7.4)
o s fundamentos religiosos da
ascese intramundana
Os representantes históricos do protestantismo ascético
eram fundamentalmente quatro:

a. o calvinismo;
b. o pietismo;
c. o metodismo;
d. as seitas anabatistas.

Weber explica que esses movimentos não se encontram


isolados uns dos outros e nem há uma separação muito
rígida entre suas respectivas igrejas. Inclusive o pressu-
posto da vida moral era compartilhado entre as correntes.
O que as diferenciam é o cunho dogmático que dá forma à
doutrina da predestinação e à doutrina da justificação em
cada uma delas. “Veremos que máximas éticas muito pare-
cidas podiam estar vinculadas a fundamentos dogmáticos
divergentes”14. Apesar das semelhanças, afirma Weber,
existem notórias diferenças na conduta de vida. Diante
131
disso, o autor estabelece como meta localizar os “estímulos
psicológicos criados pela fé religiosa e pela prática de um

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
viver religioso que davam a direção da conduta de vida e
mantinham o indivíduo ligado nela”15. Contudo, foi atra-
vés da identificação da conexão entre as ações dos homens
e seus interesses religiosos práticos que foi possível veri-
ficar os efeitos mais específicos da relação proposta para
a análise, ou seja, confissão e conduta de vida religiosa e
desenvolvimento do “espírito” do capitalismo moderno.

Calvinismo
O calvinismo surgiu como uma corrente do protestantismo
em torno da qual se travaram grandes lutas políticas e cul-
turais nos países capitalistas mais desenvolvidos – Países
Baixos, Inglaterra e França – dos séculos XVI e XVII. Seu
dogma mais característico é a doutrina da predestinação
que se constitui em elemento importante para a análise de
Weber na medida em que contribui decisivamente para
alguns efeitos histórico-culturais.
O autor trabalha com escritos confissionais de indiví-
duos ligados à moral ética nos quais os conteúdos mostram
a direção das práticas religiosas da época. Destaca-se a
idéia de decreto de Deus em sua manifestação por meio da
predestinação de alguns homens à vida eterna e de outros
à morte eterna. Relaciona-se, a partir de então, a idéia de
vocação, pois os indivíduos estão determinados a cumprir
seus deveres para com Deus. E, como já foi mencionado,
cumprir o dever divino significa dedicar-se à sua vocação
para o trabalho profissional. Mas o que interessa aqui, para
Weber, não são os fundamentos valorativos da doutrina,
e sim como ela se impôs historicamente. Daí resulta uma
relação nova com a santidade, que influencia a conduta de
132
vida dos indivíduos, pois, para Calvino, não é Deus que
existe para os homens, mas o contrário. O autor destaca
Sociologia clássica

que a relação Deus-homem é intermediada pelas ações


deste no mundo. Logo:

Deus quer do cristão uma obra social porque quer que a con-
formação social da vida se faça conforme seus mandamentos
e seja endireitada de forma a corresponder a esse fim. O tra-
balho social do calvinista no mundo é exclusivamente traba-
lho para aumentar a glória de Deus. Daí porque o trabalho
numa profissão que está a serviço da vida intramundana da
coletividade também apresenta esse caráter[...].16

Uma das questões colocadas em pauta por Weber sobre


essa devoção foi como e por que essa doutrina era supor-
tada. Os indivíduos se perguntavam se faziam parte do
grupo dos eleitos? E como é possível ter certeza disso? A
resposta era uma só: os indivíduos teriam que se conten-
tar em saber do decreto de Deus e ter “confiança em Cristo
operada pela verdadeira fé”17, pois os eleitos não se dife-
renciavam em nada, em seus aspectos externos, aos con-
denados e “mesmo todas as experiências subjetivas dos
eleitos também são possíveis nos condenados”18. Essa con-
fiança nos desígnios divinos servia como motivação para
os indivíduos se dedicarem a sua vocação para o trabalho
profissional que, praticado sem descanso, proporciona-
va-os a autoconfiança necessária que dava a certeza de seu
estado de graça.
Esse vínculo com Deus e a busca pela graça divina são
acentuados a partir das ações concretas dos indivíduos
através da construção dessa relação pelo trabalho. Com
o calvinismo rompe-se com o misticismo e com a magia
como meio de salvação. A idéia de milagre operada pela
Igreja católica é eliminada pelos calvinistas. “Para estes
133
não havia consolações amigáveis e humanas, nem lhes era
dado a esperar reparar momentos de fraqueza e levian-

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
dade com redobrada boa vontade em outras horas, como o
católico e também o luterano.”19. A forma de ver e conduzir
a vida nesses termos consolida o que Weber chamou de o
desencantamento do mundo.
A ascese calvinista, então, caracteriza-se pela condução
de vida ser orientada por um método coerente, racionali-
zada para que o percurso intramundano atinja seu obje-
tivo: “aumentar a glória de Deus na terra”.20 Estimula-se,
assim, a prática de vida regrada, metódica, na qual a auto-
inspeção e a ponderação eram elementos-chave para a
conduta de vida ética. Observa-se que essas característi-
cas no catolicismo eram cultivadas apenas por monges e
homens de Deus, passando a serem cultivadas por qual-
quer devoto calvinista, já que qualquer um poderia ser o
eleito de Cristo.

Pietismo

A corrente pietista teve seu início na Inglaterra e na


Holanda, locais em que permaneceu ligada à ortodoxia
até o final do século XVII. A revisão de sua fundamen-
tação dogmática levou-a a ingressar no luteranismo, sob
a liderança de Philipp Jakob Spener. Weber nos chama a
atenção para a impossibilidade de traçar uma fronteira
nítida entre o pietismo e o calvinismo, pois ambos se asse-
melhavam em muitas de suas características, nos tempos
em que o pietismo esteve ligado à Igreja reformada. O que
o tornou um movimento diferente do outro foi que, no pie-
tismo, os indivíduos desejavam e procuravam, através da
ascese intensificada, a comunhão com Deus em sua bem-
aventurança já neste mundo. Portanto, “No lugar da busca
134
racional e planejada para adquirir e conservar o conheci-
mento certo da bem-aventurança futura (no outro Mundo),
Sociologia clássica

entra aqui a necessidade do sentimento da reconciliação e


comunhão com Deus já agora (neste mundo)”21. O elemento
sentimento, expresso pela felicidade, substitui a idéia de
trabalho racional como elo necessário, através da conduta
de vida, para se alcançar à graça Divina.

Metodismo

O metodismo surgiu no seio da Igreja estatal da Inglaterra


em meados do século XVIII, mas seu desenvolvimento só
foi levado adiante quando foi transferido para a América,
separando-se da igreja Anglicana. Essa corrente reúne a
prática de uma conduta de vida metódica e a necessidade
do sentimento de conversão e de regeneração, pois “A
conduta correta por si só não era suficiente [...]: havia que
acrescen­tar o sentimento do estado de graça”22. Ela resulta
de uma combinação de um tipo de religião emocional e
ainda sim acética com a crescente indiferença pelo dogma-
tismo do ascetismo calvinista, como uma variação do pro-
testantismo e muito similar à ética propagada pelas demais
vertestes religiosas. Destaca-se que, no caso do metodismo,
sua ética repousa sobre uma base de incerteza semelhante
a do pietismo.
Seitas anabatistas

Os seguimentos que adotavam as formas de pensamento


vinculadas ao anabatismo que, juntamente com o cal-
vinismo, ocuparam a posição de portador autônomo da
ascese protestante foram: os batistas, os menonitas e os
quakers, surgidos ao longo dos séculos XVI e XVII. Aqui,
a Igreja passou a ser vista como uma comunidade apenas
para aqueles que se tornavam pessoalmente crentes e rege-
nerados, “não como uma Igreja, mas como uma seita”23. 135

A revelação da obra de Cristo era feita de forma indi-

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
vidual, ou seja, vinha através da ação do Espírito Divino
diretamente no indivíduo. A ele restava apenas esperar
persistentemente a vinda do Espírito, não se deixando
levar pelo caminho pecaminoso do mundo. Por isso, exis-
tia a prática de batizar apenas os adultos. Desconfiavam,
assim, da doutrina da predestinação, já que a bem-aventu-
rança era algo a ser conquistado, a partir do afastamento
do mundo e da dedicação e da submissão incondicional
ao domínio de Deus. Foi então pela motivação da espera
perseverante pela ação do Espírito que emergiu a virtude
ascética configurada através do trabalho profissional.
A idéia de Weber em trabalhar com os elementos carac-
terísticos das correntes protestantes foi identificar as rela-
ções estabelecidas entre a vida religiosa e a conduta de
vida dos indivíduos. Para tanto o autor esclarece:

não partimos das instituições sociais objetivas das antigas


igrejas protestantes e suas influências éticas, nem, em parti-
cular, da disciplina eclesiástica, tão importante, mas dos efei-
tos que a apropriação subjetiva da religiosidade ascética por
parte do indivíduo estava talhada a suscitar na conduta de
vida [...].24
(7.5)
a scese e capitalismo
Para finalizar essa obra, Weber resgata a problematização
inicial – encontrar “o nexo entre as concepções religiosas
fundamentais do protestantismo ascéticos e as máximas
da vida econômica”25 – com o objetivo de tornar os ele-

136
mentos trabalhados na obra mais claros ao leitor. Por isso,
era importante conhecer os fundamentos religiosos das
Sociologia clássica

corren­tes protestantes a fim de identificar que fatores e


como estes atuavam nas ações econômicas dos indivíduos.
Numa época em que uma das preocupações centrais era
garantir a graça divina e a bem-aventurança para o pós-
morte, a posição dos indivíduos cristãos dependia, então,
de sua submissão aos preceitos de Deus. Nesse sentido, “os
poderes religiosos que se faziam valer nessa práxis foram
plasmadores decisivos do ‘caráter de um povo’”26.
Como o trabalho era visto como um meio de demons-
trar essa devoção a Deus, a Igreja Protestante, represen-
tada por seus líderes, condenava todo tipo de ócio, gozo
e descanso. Logo, “a perda de tempo é, assim, o primeiro
e em princípio o mais grave de todos os pecados”27. Uma
conseqüência dessa conduta de vida centrada na realiza-
ção da vocação através do trabalho profissional racional é
a configuração de uma divisão do trabalho. Como os indi-
víduos devem aceitar suas posições de vida terrena, tendo
o caráter metódico da ascese vocacional como central na
sua relação com o trabalho, devem também contribuir para
a divisão das tarefas produtivas na sociedade. Justamente
a posição ocupada nesse estamento pode oportunizar a
alguns a possibilidade de obter lucro através de seu traba-
lho. A capacidade de lucrar, nesse caso, é vista com bons
olhos por Deus e, inclusive, foi Ele quem elegeu os indiví-
duos a alcançarem tal posição social e econômica. Diante
da condenação do gozo da vida, os indivíduos não viam
outra saída se não se dedicar de corpo e alma a sua vocação
para o trabalho profissional e racional. Esse foi um dos fato-
res fundamentais – a condenação do “gozo descontraí­do
da existência” – para o desenvolvimento do estilo de vida
capitalista.
As realizações do lucro e da acumulação de capital
137
nada mais são que o resultado de uma poupança cons-
truída a partir de uma coerção ascética à prática de eco-

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
nomizar. Essa disciplina evitou, assim, que os indivíduos
gastassem seus proventos com consumos desnecessários.

Os obstáculos que agora se colocavam contra empregar em


consumo o ganho obtido acabaram por favorecer seu emprego
produtivo: o investimento de capital. [...] a ascese protestante
[...] produziu [...] o estímulo psicológico, quando concebeu
esse trabalho como vocação profissional, como o meio ótimo,
muitas vezes como o único meio, de uma pessoa se certificar
do seu estado de graça. E, por outro lado, legalizou a explora-
ção dessa disposição específica para o trabalho quando inter-
pretou a atividade lucrativa do empresário também como
“vocação profissional”.28

Portanto, a conduta da vida ética regrada pela dedica-


ção ao trabalho profissional baseada nos preceitos religio-
sos da Igreja Protestante favoreceu o desenvolvimento da
“conduta de vida burguesa economicamente racional”29. E
não foi, por isso mesmo, difícil convencer os trabalhadores
que a posição que estes ocupavam na produção e a reparti-
ção desigual dos bens eram obras exclusivas de Deus.
(.)
p onto final
A análise de Weber em Ética protestante e o“espírito” do
capitalismo volta-se para a discussão sobre a relação cau-
sa-efeito dos fenômenos históricos, como já vimos neste
capítulo. Para ele, a relação não era uni-causal e negava a

138
motivação puramente econômica das ações dos indivíduos.
Foi por isso que em Ética protestante o autor trouxe elemen-
Sociologia clássica

tos religiosos para explicar a conduta de vida de alguns


grupos, como foi o caso de algumas correntes da Igreja
Protestante. Apesar de Weber utilizar-se de um viés idea-
lista para explicar o desenvolvimento econômico, ele con-
clui o texto afirmando que não pretendia substituir uma
explicação mono-causal (materialista) por outra explicação
mono-causal (idealista), entretanto, nunca chegou a fazer a
viagem de volta, explicando a ascenção do capitalismo vol-
tado aos fatores materiais.
A sua reconstrução histórica mostrou de que forma
as diferentes religiões estavam relacionadas com o desen-
volvimento do capitalismo e quais eram os elementos que
permeavam a conduta dos indivíduos. Estabelecendo essa
premissa, Weber dinamiza a idéia do trabalho racional
através do conceito de vocação, no qual, em nome desses
valores religiosos, as pessoas justificam suas ações referen-
tes ao trabalho e à posição na estrutura econômica e social.
A partir disso, ele consegue conectar o surgimento do cal-
vinismo e o desenvolvimento do capitalismo moderno.
Retiram-se dessa obra ao menos duas contribuições
atuais: a) conduzir o olhar sociológico para outros elemen-
tos além dos econômicos, possibilitando compreender o
capitalismo como cultura; e b) a análise realizada por meio
da construção do tipo ideal permite estabelecer elementos
constituintes da realidade social e a explicitação do fenô-
meno histórico, que, nesse caso, foi a contribuição dos fun-
damentos religiosos da ascese protestante para a formação
do “espírito” do capitalismo moderno.

Indicação cultural

WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo.


São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 139

Sobre: A ética protestante e o “espírito”


do capitalismo, de Max Weber
Atividades
1. O que Weber aponta no texto como os elementos constitui-
dores do conceito de “espírito” do capitalismo?

2. Quais as principais diferenças trabalhadas por Weber entre


o tradicionalismo econômico e o capitalismo moderno?

3. O que constitui a conduta de vida ética e como essa prá-


tica contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo
moderno?
(8)

i ntrodução à obra de k arl m arx


Nilson Weisheimer

( )

“Toda ciência seria supérflua se a aparência e a essência das


coisas fossem as mesmas.”
(MARX, 1979, p. 11)

o mais polêmico clássico da sociologia, Karl


Marx, é fundador do socialismo científico, que se funda-
menta no materialismo histórico e dialético. Ele foi um
autor de estilo literário próprio, cujo trabalho contém pro-
fundo rigor intelectual e científico e foi produzido no curso
de uma intensa luta política revolucionária. Como resul-
tado, legou uma vigorosa crítica ao modo de produção
capitalista, demonstrando a essência de seu funcionamento
baseado na exploração da força de trabalho humana. Sua
contribuição teórica, apesar de combatida em sua base fun-
damental, vem revelando-se pertinente à explicação das
relações sociais contemporâneas. Seu impacto na constitui-
144 ção das ciências sociais é tão grande que a sociologia pode
ser dividida em duas: uma a favor e outra contra Marx,
Sociologia clássica

sendo impossível passar indiferente à obra desse autor1.


Neste capítulo, apresentaremos os principais aspectos de
sua vida e obra e verificaremos seu objeto de estudo e pro-
posta metodológica.

(8.1)
k arl m arx: vida e obraa
Karl Heinrich Marx, nasceu em 5 de maio de 1818, na
cidade de Tréves, província Renana da Prússia (Alemanha).
De família de origem judaica e de classe média baixa, seu
pai era advogado e sua mãe professora de piano. Em 1935,
entrou para o curso de Direito na Universidade de Bonn,
onde conheceu o filósofo materialista Ludwig Feuerbach.
Em 1936, transferiu-se para universidade de Berlin, onde
estudou Direito, Filosofia e História até 1941. Nesse período,
inseriu-se no grupo de jovens hegelianos de esquerda, que
contava com, entre outros, o jovem professor Bruno Bauer e
freqüentou as atividades do Doktor Club. Em 1841, concluiu

a. A seção 8.1 tem como base RIAZANOV, 1984 e


CASTRO; DIAS, 2005.
sua tese de doutorado em Filosofia sobre a “Diferença da
Filosofia na Natureza em Demócrito e Epicuro”. No mesmo
ano, retornou a Bonn, instituição em que tentou ingressar
na carreira universitária, mas o ambiente havia se tornado
hostil aos hegelianos porque o governo conservador havia
retirado a cadeira de Feuerbach e impedido Bauer de reali-
zar conferências na Universidade. Nessa época, os liberais 145

radicais da Renânia fundaram em Colônia um jornal de

Introdução à obra de Karl Marx


oposição chamado Gazeta Renana. Marx transferiu-se para
essa cidade e tornou-se o seu redator-chefe, escrevendo
artigos contra a censura do governo. O jornal passou a ser
sistematicamente censurado e sofreu atentados promovi-
dos pela polícia até fechar completamente em março de
1943. Nesse mesmo ano, Marx escreveu Questão judaica,
Introdução à contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel
e Manuscritos econômicos e filosóficos, nos quais articulou a
dialética de Hegel com o materialismo de Feuerbach, intro-
duzindo na filosofia do segundo um elemento ativo ao afir-
mar que “não basta à filosofia explicar o mundo é preciso
transformá-lo”2. No mesmo ano, casou-se com Jenny von
Westphalen. Desempregado e perseguido pelas autoridades
locais, Marx e sua esposa transferiram-se para Paris, onde
o movimento operário estava efervescente. Estabeleceu-se
nessa cidade em 1844 e escreveu os Anais Franco-Alemães.
Em setembro desse ano, conheceu Friedrich Engels, filho
de um rico industrial alemão. Eles se tornam grandes ami-
gos e colaboradores permanentes. Nesse ano, escreveram
em parceria: A sagrada família, material dedicado a comba-
ter os antigos companheiros hegelianos, os irmãos Bauer,
que acreditavam no papel revolucionário da burguesia
liberal, enquanto Marx e Engels apontavam os operários
como a classe revolucionária. Em 1945, Marx é expulso da
França por participar das lutas operárias, estabelecendo-se
na Bélgica, onde escreveu as Teses sobre Feuerbach e, em
parceria com Engels, A ideologia Alemã. Em 1847, como crí-
tica ao texto de Proudhon, chamado A filosofia da miséria,
lançou A miséria da filosofia, marcando a distinção entre o
“socialismo científico” e a “utopia anarquista”. Nesse perí-
odo, Marx e Engels já participam ativamente do movi-
146 mento operário europeu, contribuindo para organização
da Liga dos Comunistas, que reunia diversas organizações
Sociologia clássica

operárias locais oriundas da Liga dos Justos e Sociedade de


Educação Operária com ramificações em Londres, Paris,
Bruxelas e Amsterdã. Estes delegaram a Marx e Engels a
redação do seu manifesto em 1947, sendo publicado em
fevereiro de 1848 O manifesto do Partido Comunista. Em 1948,
Marx passou pela França e voltou à Prússia, onde assumiu
a redação da Nova Gazeta Renana, mas que foi fechada pelo
governo no mesmo ano. Em 1949, chegou a Londres, onde
se instalou definitivamente. Ali redigiu Trabalho assalariado
e capital. Em 1951, ele escreveu As lutas de classe na França.
Em 1851, trabalhou como colaborador para o New York
Tribuneum, um importante jornal abolicionista norte-ame-
ricano, atuando no jornalismo para sobreviver até 1856.
Em 1852, escreveu O 18 de Brumário de Luis Bonaparte. Em
1957, retomou seus estudos de economia e iniciou o projeto
de sua grande obra O Capital, redigindo Fundamento das crí-
tica da economia política. Em 1859, escreveu Contribuição à crí-
tica da economia política. Em 1964, Marx e Engels atuavam
ativamente para a fundação da Associação Internacional
dos Trabalhadores (I Internacional). Em 1865, publicou
Salário, preço e lucro. Em 1867, editou O Capital, Livro I. Nos
anos seguintes, Marx travou intensa luta ideológica con-
tra os anarquistas na Internacional, derrotando politica-
mente Mikhail Bakunim no Congresso de 1869. Em 1871,
publicou A guerra civil na França. Em 1875, participou da
Fundação do Partido Social-Democrata Alemão, ano em
que editou Crítica do Programa de Gotha. Em 1882, escreveu
Notas marginais sobre Wagner, sua última obra. A vida de
ativista revolucionário e emigrado condenou Marx e sua
família a condições de vida extremamente penosas, que
somente eram amenizadas pelo auxílio financeiro rece-
bido de Engels. Mesmo assim, devido à situação de misé- 147

ria em que se encontrava, Marx sofreu com a morte da

Introdução à obra de Karl Marx


maior parte de seus filhos ainda crianças. Com a saúde fra-
gilizada por essas condições de extrema pobresa material,
Marx morre em 1883, em Londres. Suas três filhas sobre-
viventes casaram com lideranças do movimento operário.
Após sua morte, teve suas obras publicadas por Engels,
em 1885, O Capital, Livro II e, em 1895, O capital, Livro III.
Em 1905, Karl Kautski publicou História da Teoria da Mais-
Valia e O Capital, Livro IV. Com a vitória dos comunistas na
Revolução Russa de 1917, a Universidade de Moscou pas-
sou a reunir o acervo com obras e manuscritos de Marx
organizados por Engels e outros marxistas, permitindo a
publicação de sua vasta obra em diversas línguas.

(8.2)
o objeto de pesquisa de m arx
Em seu percurso intelectual, Marx integrou criticamente
as contribuições da filosofia clássica alemã, do socialismo
utópico francês e da economia política inglesa. Na articu-
lação dessas três fontes, produziu um método de análise
e interpretação da sociedade de sua época. Sua contribui-
ção às ciências sociais, a partir dessas vertentes, resultou
no materialismo dialético e no materialismo histórico,
elementos principais e conjugados de caráter teórico-prá-
tico de análise do capitalismo3.
Sua concepção de sociedade enfatiza as relações
sociais de produção e de troca entre os homens e que cons-
tituem a infra-estrutura social. Elas são a base objetiva a
partir da qual os homens produzem suas representações,
148 idéias e justificativas, que são consideradas reflexos, mais
ou menos invertidos, dessa realidade. A superestrutura
Sociologia clássica

da sociedade é produto da ação humana e está em cons-


tante transformação, motivada pelas contradições, antago-
nismos e conflitos, produzindo sucessivas e cada vez mais
superiores formações sociais. É nesse sentido que “a histó-
ria de todas as sociedades até hoje é a história da luta de
classes”4. Assim a humanidade passou pela comuna primi-
tiva, pelo escravismo, pelo feudalismo até chegar ao capi-
talismo, que é, em essência, um modo de produção no qual
tudo se torna mercadoria e que, diferente dos modos ante-
riores, produz mais-valia como meio para a acumulação
de capital5.
A concepção de ciência de Marx vai fundar-se nessa
perspectiva materialista, histórica e dialética, afirmando
que o pensamento não é a gênese do real, nem o real é
a gênese do pensamento, mas afirmará que o real sem-
pre antecipa ao teórico e que a teoria é um produto real.
Desse modo, o conhecimento científico do real começa
com a produção crítica das determinações da própria ciên-
cia, portanto, ao nível teórico que se realiza simultanea-
mente ao nível das categorias sociais. Assim ele combate
a postura do positivismo que apregoa a imparcialidade
do cientista, afastando-se tanto da posição de Durkheim,
quanto da assumida por Weber, que defende a neutrali-
dade axiológica. Para Marx, isso é impossível porque a pró-
pria produção do conhecimento encontra-se determinado
socialmente. A ciência, particularmente, é o conhecimento
do que está oculto e suas descobertas realizam uma ação
criadora de novas realidades sociais. Logo, a ciência se
manifesta como atividade crítica e prática que transforma
a natureza, o homem, a relação do homem com a natureza
e a relações humanas, ou seja, transforma o mundo, consti-
tuindo-se, portanto, como práxis revolucionária6. 149

Essa abordagem dialética que torna visível às relações

Introdução à obra de Karl Marx


entre condições objetivas e subjetivas, entre estruturas e
processos de ação e ao mesmo tempo constitui e transforma
o objeto, é complementada por uma perspectiva humanista
que percebe “a essência humana não como uma abstração
inerente ao indivíduo tomado isoladamente. Em sua reali-
dade, ela é um conjunto das relações sociais”7. Desse modo,
seu objeto de estudo recai sobre as relações sociais.
Como vimos, Marx não tinha uma preocupação estri-
tamente sociológica, produziu uma crítica à economia
política que se tornou posteriormente uma abordagem
sociológica. Nesse sentido, tomamos o objeto de estudo
presente em O capital, que consiste nas relações sociais de
produção e troca correspondentes num determinado está-
gio de desenvolvimento social. Ou seja, a produção dos
indivíduos vivendo em sociedade, que implica a divisão
social do trabalho e a luta de classes resultante8.
(8.3)
o método materialista histórico e
dialético

150
O método de Marx é o materialismo histórico e dialético.
É materialista porque parte de uma premissa materialista
Sociologia clássica

que é a existência humana, que já se encontrava desenvol-


vida em A Ideologia Alemã, na qual há, conforme apontam
Castro e Dias, a afirmação de que: “Não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência”9.
Logo, essa perspectiva não tem origens em abstrações ou
dogmas, ao contrário, parte de premissas reais. “São os
indivíduos reais suas ações e suas condições materiais de
vida, tanto aquelas que encontram quanto as que por sua
própria ação se engendram. Essa premissas podem com-
provar-se, por vias puramente empíricas”10. Seu sentido
histórico reside no fato de que os homens vivem em um
determinado contexto social que corresponde a um certo
estágio de desenvolvimento de suas forças produtivas.
Além disso, os seres humanos atribuem sentido às suas
práticas sociais, de tal modo que o contexto histórico é for-
mado por essas condições materiais e pelos sentidos atri-
buídos a esse contexto; ambas as dimenções, materiais e
simbólicas, encontram-se em constante movimento. Nesse
sentido, seu método é também dialético porque enfatiza o
processo de permanente transformação da realidade que é
percebida como resultado direto das contradições internas
da sociedade.
Conforme Marx, para que o pensamento possa se
apropriar da realidade concreta, que é percebida como
uma totalidade complexa (o que pressupõe o predomínio
multifacético e determinante do todo sobre as partes), é
necessário proceder por meio de aproximações sucessivas,
se orientado por um “fio condutor”b a fim de reconstruir
a realidade como categoria do pensamento. Segundo esse
autor, citado por Castro e Dias11:

O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determi-


151
nações, portanto, unidade do diverso. É por isto que ele surge

Introdução à obra de Karl Marx


no pensamento como processo de síntese, não como ponto de
partida, ainda que seja o verdadeiro ponto de partida e, em
conseqüência, igualmente o ponto de partida da percepção
imediata e da representação.

Nesse caso, como ilustraremos na Figura 5 a seguir, o


método consiste na passagem do concreto imediato ao abs-
trato e do abstrato ao concreto pensado. O concreto ime-
diato corresponde a uma realidade complexa, ou seja, à
unidade do diverso. O abstrato corresponde a percepções
mais simples da realidade imediata através de sucessivas
reflexões que conduz das categorias mais simples às mais
complexas. O concreto pensado corresponde ao retorno
das categorias mais complexas às mais simples, que assu-
mem a forma de categorias de análise. Essa é a maneira
do proceder do pensamento para se apropriar da realidade
concreta, a fim de reproduzi-la como categoria do pensa-
mento, ou seja, como concreto pensado12. Vale lembrar que
isso se faz necessário devido à própria natureza da reali-
dade concreta que é fruto de múltiplas determinações.

b. O termo fio condutor em analogia ao método é uma


referência à deusa Ariadne, que orientou seu amado
Teseu, condenado ao labirinto de Cnossos, a seguir o
fio de seu véu para conduzir-se para fora do labirinto.
Esse fio condutor que orienta o trabalho de pesquisa
de Marx é o método materialista histórico e dialético.
Figura 5 – Passagem do concreto imediato ao concreto pensado

Concreto Pensado
Categoria de análise

Abstrato
Reflexão
várias etapas
152
Sociologia clássica

Concreto Imediato
unidade do diverso

Fonte: WEISHEIMER, 2006.

Os fenômenos sociais formam a realidade “concreta”


que o sociólogo procura compreender e explicar. Estes
constituem uma realidade complexa (unidade do diverso),
ou seja, existem várias causas atuando na determinação
desses fenômenos. Utilizando-se do método dialético, o
sociólogo será levado a reconhecer nesses fenômenos o
seu movimento interno de gênese e transformação. Nesse
caso, o movimento do pensamento é o reflexo do movi-
mento real transportado e transposto no cérebro do pes-
quisador. O movimento é intrínseco ao real e resulta de
sua contradição interna (tese, antítese e síntese). Ou seja,
a dialética consiste no reconhecimento da unidade e luta
entre os contrários.
O cientista social deve ter presente que toda a dialética,
quer se trate do movimento real, quer se trate do método de
análise, visa simultaneamente aos conjuntos e aos seus ele-
mentos constitutivos, o todo e as partes. Enquanto movi-
mento real, a dialética é o caminho tomado pelas sociedades
humanas em seu percurso histórico. Como método é, antes
de tudo, um caminho para o conhecimento adequado às
realidades sociais e históricas. O que nos leva a uma ter-
ceira proposição: a dialética é uma relação dinâmica entre
o objeto do conhecimento científico e o método empregado
para conhecê-lo.13
Levando em consideração essas características, é possí­
vel apontar cinco procedimentos operatórios do método
dialético em sociologia14:

1. a complementariedade dialética entre os diferen-


153
tes eixos de investigação, como aspectos complemen-

Introdução à obra de Karl Marx


tares do fenômeno social analisado; entre os métodos
quantitativos e qualitativos e entre estruturas sociais e
ações sociais;
2. a implicação dialética mútua que se manifesta nas
complexas relações entre dimensão da coerção social
e da ação social, evitando-se sua separação artificial e
reconhecendo o papel mediador das instituições que
resultam das relações sociais e como elementos da
realidade social são essencialmente dialéticos porque
estão submetidos ao contínuo movimento de produ-
ção, reprodução e decomposição;
3. a ambigüidade dialética presente nesses processos,
uma vez que toda a realidade humana traz contida em
si a marca da ambigüidade;
4. a polarização dialética que consiste em identificar
os elementos em processo de polarização e antinomia,
que não se estabelecem a priori, mas sim através do
exame das relações sociais como as que se estabelecem
entre dominadores e dominados (relações de domi-
nação), entre trabalhadores e capitalistas (relações de
produção), entre pais e filhos (relações geracionais) e
entre homens e mulheres (relações gênero);
5. a reciprocidade de perspectivas permite identifi-
car como, apesar das diferenciações, as relações sociais
permanencem em estado de aparente equilíbrio
permitindo diferentes graus de coesão e troca, como as
verificadas na divisão social, sexual e etária do traba-
lho e no acesso aos seus resultados, sem chegar a con-
verterem-se em antinomias e ambigüidades.

Outro aspecto importante do método de Marx, citado


por Castro e Dias15, é que a compreensão da realidade
154
mais complexa permite explicar as categorias mais sim-
Sociologia clássica

ples. Conforme ilustra a expressão: a anatomia do homem


é a chave para a anatomia do macaco. Nesse caso, ao estu-
dar o modo de produção capitalista, ele pode mostrar sua
diferença em relação às anteriores e identificar a gênese
do desenvolvimento do capitalismo, mostrando o que essa
formação social tem de singular, que é justamente o contrá-
rio do procedimento defendido por Durkheim. No caso de
Marx, é a econômica capitalista que nos permite o entendi-
mento das economias antigas. Uma vez que as categorias
mais simples surgem antes das categorias mais complexas,
estas incorporam as mais simples e lhes acrescentam algo
a mais. “Neste sentido, as leis do pensamento abstrato que
se eleva do mais simples ao complexo, correspondem ao
processo histórico real”16.
Em conseqüência desse último aspecto, Marx vai fazer
referência ao método de exposição das categorias de análise
de O capital. Segundo ele, seria errado classificar as catego-
rias de análise da realidade pela ordem em que foram his-
toricamente determinadas. Ao contrário, a sua exposição
deve ser determinada pelas relações teóricas que existem
entre elas na análise da sociedade moderna. O que é, preci-
samente, contrário ao que parece ser sua ordem natural ou
ao que corresponde à sua ordem de sucessão no decurso
da evolução histórica. Ou seja, a exposição das categorias
de análise segue a ordem teórica necessária para explicar
a essência do objeto de estudo, que para Marx foi a socie-
dade capitalista moderna.

(.)
p onto final 155

Introdução à obra de Karl Marx


Neste capítulo, conhecemos um pouco mais da vida e da
obra de Karl Marx e sua proposta metodológica, o mate-
rialismo dialético. Vimos que seu objeto de estudo refe-
re-se às relações sociais de produção e sua base material,
que formam a própria condição de existência humana e
que estão em constante processo de transformação. Vale
a pena lembrar que, para o materialismo, são as condi-
ções de vida dos homens que determinam sua consciên-
cia e não a consciência que determina sua vida, visto que,
os seres humanos estabelecem relações entre si indepen-
dentemente de sua vontade ou consciência sobre o que as
determina. Por sua vez, o procedimento dialético visa cap-
tar o movimento permanente de gênese e transformação
das relações sociais. A partir de sua caracterização, esta-
belecemos cinco procedimentos operatórios em sociolo-
gia, que são: a complementariedade dialética, a implicação
dialética mútua, a ambigüidade dialética, a polarização
dialética e a reciprocidade de perspectivas. Em resumo,
aprendemos com Marx que para conhecer é preciso con-
siderar: a) as condições sociais da produção do conheci-
mento, b) que conhecimento trasforma a realidade, c) que o
real antecede a teoria, d) que a teoria é realidade material,
d) o procedimento de passagem do concreto imediato ao
abstrato e do abstrato ao concreto pensado, e) que a dialé-
tica reconhece a unidade e a luta dos contrários como fator
de transformação social, f) que a dialética se manifesta na
realidade e no pensamento, g) que as categorias mais com-
plexas permitem o entendimento das mais simples, h) que
a ordem de exposição das categorias deve ser teórica e não
necessáriamente a ordem de seu surgimento.

156 Indicação cultural


Sociologia clássica

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São


Paulo: Martin Claret, 2004.

atividades
1. Qual foi objeto de estudo de Marx?

2. Como o pensamento pode ser apropriar da realidade


concreta?

3. Por que para Marx a realidade mais complexa permite o


entendimento da mais simples?
(9)

m arx: categorias sociológicas


fundamentais
Nilson Weisheimer

( )

“Os filósofos se limitaram a interpretarem o mundo de


diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.”
(MARX, 2007)

apresentaremos neste capítulo os principais con-


ceitos do materialismo histórico e dialético que, em seu
conjunto, formam a teoria do modo de produção capita-
lista elaborado por Karl Marx. Iniciamos pelas definições
de modo de produção e formação social. Depois, aborda-
remos os conceitos de infra-estrutura e superestrutura, for-
ças produtivas, relações sociais de produção e de processo
de trabalho. Fechando esse conjunto teórico, veremos as
noções de classes sociais e lutas de classes.
160 Faça uma leitura atenta deste capítulo, porque se trata
de um conhecimento central à formação sociológica.
Sociologia clássica

(9.1)
t eoria do modo de produção
capitalista
Iniciamos esta seção buscando definir com precisão o que
é modo de produção em Marx. Você deve ter reparado
que esse conceito sempre aparece do lado de algum termo
como capitalista ou determinado. Isso ocorre porque, em sua
análise, Marx não aborda a produção em geral, mas se
refere sempre à produção em um determinado estágio de
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade.
Aqui a primeira questão importante é não fazermos uma
leitura reducionista das categorias usadas pelo teórico, ou
seja, não reduzi-la a uma leitura econômica da sociadade,
evitando-se assim tomar o conceito de modo de produção
apenas como o processo de produção de bens materiais.
Buscamos, com isso, chamar a sua atenção para perceber
que modo de produção é um conceito teórico que inclui,
além da produção de bens materiais, outros níveis de rea-
lidade social, como o jurídico, o político e o ideológico. Ou
seja, o modo de produção é um conceito que permite a
Marx pensar a totalidade social.
O que define o caráter de um modo de produção é a
articulação existente entre as forças produtivas e as
relações sociais de produção. Essa articulação visa asse-
gurar a própria reprodução do modo de produção. Com
isso, podemos dizer que os modos de produção até hoje exi-
tentes se definem pela presença de classes sociais comple- 161
mentares e antagônicas que resultam da articulação entre

Marx: categorias sociológicas


fundamentais
determinado estágio de desenvolvimento das forças pro-
dutivas e suas correspondentes relações sociais de produ-
ção. No capitalismo, esse processo implica o fato de que:

a. todo produto social toma a forma de mercadoria;


b. a própria força de trabalho é uma mercadoria;
c. o capital, que é uma relação social, cristaliza-se em
meios de produção que são também mercadorias.

Esse processo possibilita a extração da mais-valia como


apropriação privada do valor gerado pelo trabalho social
e potencializa a circulação do capital em base ampliada.
Isto é, conforme expõe Marx, o que define o capitalismo
não é simplesmente a produção de mercadorias, mas, pre-
cisamente, o fato de que: “1) As mercadorias são produto
do capital; 2) A produção capitalista é a produção de mais-
valia 3) é no fim de contas, produção e reprodução do
conjunto das relações e é através disso que este processo
imediato de produção se caracteriza como especialmente
capitalista”1.
Atenção: De certa maneira, podemos estabelecer
um paralelo entre modo de produção presente na teoria
­marxista com aquilo que no funcionalismo Durkheim cha-
mou de sistema social. Entretanto, vocês não encontram o
termo sistema na teoria de Marx, porque, ao falar em sis-
tema, estamos assumindo o pressuposto da existência de
um equilíbrio entre as partes, algo completamente estra-
nho à dialética que reconhece a existência da contradição no
interior da sociedade. Assim, a expressão sistema capitalista
não é uma noção adequada ao marxismo que, em seu lugar,
utiliza o conceito modo de produção capitalista tal como
o definimos anteriormente ou, ainda, o conceito de forma-
162 ção social tal como apresentaremos a seguir.
Sociologia clássica

(9.2)
f ormação social
O conceito de formação social é utilizado para designar
uma totalidade social concreta e historicamente determi-
nada, com suas diferenciações internas, ou seja, refere-se
ao conjunto da sociedade, a qual possui uma dupla dimen-
são: a da infra-estrutura e da superestrutura. Esse
conceito é concernente às realidades complexas e impuras,
(diferentemente do conceito de modo de produção). Uma
formação social corresponde a uma totalidade social que
guarda em seu interior diferentes estágios de desenvol-
vimento das forças produtivas e distintas relações sociais
de produção, bem como diferentes processos de traba-
lho. É claro que nessa formação social haverá uma relação
social predominante. Tomemos como exemplo o caso do
Brasil, que é um pais continental e com grandes diversida-
des regionais, culturais e econômicas. Nele há atividades
industriais altamente desenvolvidas e integradas ao mer-
cado mundial, atividades financeiras e expeculativas e ao
mesmo tempo relações de trabalho extremamente precá-
rias e informais. No ambito da agricultura, por exemplo,
temos a produção familiar, na qual a mão-de-obra não é
remunerada sob a forma de salário e, portanto, não pode ser
caracterizada como uma produção capitalista. Ao mesmo
tempo ela se encontra integrada de modo subordinado às
agroindustrias, cujas mercadorias são comercializadas no
mercado internacional como commoditys. Essas complexas
relações de produção caracterizam a formação social bra-
sileira. Em resumo, a formação social apresenta um caráter 163
mais empírico e, ao mesmo tempo, mais complexo. Apesar

Marx: categorias sociológicas


fundamentais
dessas diferenças internas, não resta dúvida de que no
Brasil o modo de produção é capitalista.

(9.3)
i nfra-estrutura e superestrutura
Uma formação social comporta uma dupla dimenção, cha-
madas por Marx de infra-estrutura e de superestrutura. A
infra-estrurura da sociedade corresponde à base material
que possui, cuja centralidade está no processo de traba-
lho, o que implica a articulação entre as forças produ-
tivas e o conjunto das relações sociais de produção. É
no nível da infra-estrutura que se determina o conteúdo
de um modo de produção social, o que é feito pelo tipo de
relação social predominante.

Por exemplo: as relações de produção fundadas no trabalho


escravo caracterizam o modo de produção escravista; as relações
de produção assentadas na servidão definem o modo de produção
feudal e as relações de produção com base do trabalho assalariado
são aquilo que marcam o modo de produção capitalista.

Sempre uma infra-estrutura corresponderá a uma


superestrutura, que é expressão dessas relações de pro-
dução. A superestrutura é o conjunto das representações
sociais, como as jurídicas, as políticas e as religiosas e que
justificam e visam à preservação das relações sociais em
seu status quo. Nesse nível da realidade social, situa-se o
conjuto de valores morais, éticos e estéticos de uma socie-
164 dade, assim como as diferentes formas de produção do
conhecimento científico, filosófico e as ideologias.
Sociologia clássica

Entre os níveis da infra-estrutura e da superestru-


tura existe uma relação dialética de mútua determinação.
Contudo, em última instância, é no nível da infra-estru-
tura que se determinam as dinâmicas das transformações
sociais. Marx argumenta que estas não devem ser interpre-
tadas a partir das idéias dos homens, mas tendo em vista
os conflitos gerados entre o desenvolvimento das forças
produtivas e as relações socias de produção. A seguir, tra-
zemos um texto no qual Marx apresenta a visão geral de
sua teoria do modo de produção e a relação entre os níveis
da infra-estrutura e superestrutura social.

Relação entre Infra-estrutura e Superestrutura

O primeiro trabalho empreendido, para resolver as


dúvidas que me acometiam, foi a revisão crítica da filo-
sofia do direito de Hegel. Trabalho cuja introdução apa-
receu nos anais franco-alemães, publicados em Paris,
em 1844. Minhas pesquisas me levaram a este resultado:
que as relações jurídicas, como as formas de Estado, não
se podiam explicar nem por si mesmas nem pelo pre-
tendido desenvolvimento universal do espírito humano,
mas tinham antes suas raízes nas condições materiais
da vida, que Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses
do século XVIII, abarcara, em seu conjunto, sob o nome
de “sociedade civil”; que, de outro lado, a anatomia da
sociedade civil deve ser procurada na econômia política.
O estudo desta última, começado em Paris, eu prossegui
em Bruxelas, onde me estabeleci após a ordem de expul-
são baixada por Guizot. O resultado geral a que cheguei
165
é que, uma vez alcançado, serviu de fio condutor aos
meus estudos pode ser formulado brevemente assim:

Marx: categorias sociológicas


fundamentais
na produção social de sua vida os homens contraem
determinadas relações, necessárias, independentes de
sua vontade, relações de produção que correspondem
a determinado nível de desenvolvimento de suas forças
materiais. O conjunto dessas relações de produção consti-
tui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre
a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e
a qual correspondem determinadas formas de consciên-
cia social. O modo de produção da vida material con-
diciona o processo da vida social, política e espiritual.
Não é a consciência dos homens que determina seu ser,
mas, ao contrário, é seu ser que determina sua consciên-
cia. A certo grau de seu desenvolvimento, as forças pro-
dutivas materiais da sociedade entram em contradição
com as relações de produção existentes, ou, o que não é
senão sua expressão jurídica, com as relações de proprie-
dade no âmbito das quais tinham-se mantido até então.
De formas de desenvolvimento das forças produtivas,
tais relações tornam-se entraves a essas forças. Abre-se
então uma época de revolução social. Com a mudança
das bases econômicas toda a colossal superestrutura é
mais ou menos subvertida. Quando se consideram tais
subversões, deve-se distinguir sempre entre a subversão
material das condições econômicas da produção – cons-
tatáveis por meio das ciências da natureza – e as formas
jurídicas, políticas, religiosas ou filosóficas, as formas
ideológicas, em suma, pelas quais os homens tomam
consciência desse conflito e o levam ao fim. Assim
como não se pode julgar um indivíduo por aquilo que
ele pensa de si mesmo, não se pode julgar tal época
166
de subversão à base de sua consciência; deve-se, antes
explicar esta consciência pelas contradições da vida
Sociologia clássica

material, pelo conflito que existe entre forças produ-


tivas materiais e as relações de produção. Uma for-
mação social não desaparece jamais antes que sejam
desenvolvidas todas as forças produtivas que ela pode
conter, e relações de produção superiores não são
substituídas antes que as condições materiais de exis-
tência de tais relações tenham sido geradas no seio
da própria velha sociedade. E isto porque a humani-
dade não se coloca jamais senão os problemas que ela
pode resolver, porque, observado isso mais de perto,
verifica-se sempre que o próprio problema se coloca
somente quando as condições materiais de sua solu-
ção já existem ou, ao menos, estão em vias de existir.
Sumariadas a grandes traços, as relações de produ-
ção asiáticas, antigas, feudais, burguesas modernas
podem ser designadas como épocas progressivas da
formação social econômica. As relações burguesas de
produção são a última forma antagônica do processo
social de produção. Antagônica não no sentido de
antagonismo individual, mas, no sentido de antago-
nismo decorrente das condições sociais de existência
dos indivíduos; mas, no seio da sociedade burguesa,
as forças produtivas que se desenvolvem criam ao
mesmo tempo as condições materiais que resolve-
rão esse antagonismo. Com essa formação acaba, por-
tanto, a pré-história da sociedade humana.
Fonte: MARX, 1968b. p. 2-3.
A concepção materialista da história parte da tese de
que a produção é a base de toda a ordem social e que a
divisão social do trabalho e das classes rege-se pelo que se
produz e como se produz. Com efeito, atribui-se à infra-es- 167
trutura as causas últimas das mudanças sociais e das revo-

Marx: categorias sociológicas


fundamentais
luções políticas que as acompanham.

(9.4)
f orças produtivas e relações
sociais de produção
O processo de trabalho ocorre pela articulação entre as for-
ças produtivas e as relações sociais de produção. A noção
de forças produtivas corresponde aos fatores necessários à
produção, como o trabalho e os meios de produção. Por tra-
balho, Marx refere-se à atividade concreta, o trabalho vivo
realizado pela força de trabalho humana e que é a fonte cria-
dora de valor, e é também em sentido abstrato, como tra-
balho geral socialmente realizado. Por meios de produção,
entende-se todo o instrumento de trabalho e todos os recur-
sos necessários à sua realização. São exemplos de meios de
produção: a terra, as fábricas, as máquinas, as tecnologias e
as fontes de energia usadas na produção de mercadorias.
O desenvolvimento das forças produtivas está condi-
cionado ao desenvolvimento dos meios de produção e ao
desenvolvimento do conhecimento científico da humani-
dade. Esta persegue essa evolução do saber para suprir
suas necessidades crescentes de sobrevivência e melho-
rias de suas condições de vida. Assim, o avanço das for-
ças produtivas é o que impulsiona o próprio avanço da
humanidade e marca a sua evolução histórica, com a supe-
ração dos modos de produção por outros cada vez mais
superiores.
168 As relações sociais de produção referem-se às dife-
rentes funções executadas por indivíduos ou grupos no
Sociologia clássica

processo de produção e no controle dos meios de produ-


ção, correspondendo às formas de divisão social do traba-
lho, à formação das classes sociais e em sua decorrência à
luta de classes. Na perspectiva teórica de Marx, presente
principalmente em O capital, enfatiza-se que, no processo
de trabalho, os homens não atuam apenas sobre a natureza
mais agem reciprocamente entre si. Desse modo, para pro-
duzir seus meios de existência, entram em relações entre
si que consistem nas relações sociais. Com efeito, não se
pode separar mecanicamente a ação das forças produti-
vas das relações sociais, pois ambas se encontram indisso-
luvelmente ligadas, e o modo de produção “encarna” sua
unidade dialética no processo de trabalho.

(9.5)
p rocesso de trabalho
Como vimos anteriormente, é no âmbito da infra-estru-
tura da sociedade que se realiza o processo de trabalho.
Esse conceito expressa a atuação humana sobre as forças
da natureza, submetendo-as a seu controle e transforman-
do-as em certos valores de uso, ou seja, dando forma útil
à sua vida. Segundo Marx2, os elementos componentes do
processo de trabalho são:
a. a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio
trabalho;
b. a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de
trabalho; 169
c. os meios de trabalho, o instrumental de trabalho.

Marx: categorias sociológicas


fundamentais
O processo de trabalho é, portanto, uma intervenção
racional do homem sobre a natureza, detendo uma dimen-
são subjetiva que confere uma lógica ao próprio trabalho
que se realiza como a práxis humana fundamental. Nessa
atividade, os homens criam e recriam a si próprios e dão
forma à sociedade, uma vez que, esse processo não pro-
duz apenas os meios de vida dos quais depende sua repro-
dução física imediata, mas, ao fazê-lo, produz sua própria
existência.3
No processo de trabalho, a atividade humana opera
uma transformação, subordinada a um determinado fim,
no objeto sobre o qual atua por meio do instrumental de
trabalho. O processo extingue-se ao concluir-se o produto.
O produto é um valor de uso, um material da natureza
adaptado às necessidades humanas através da mudança de
forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre o qual
atuou. Concretizou-se e a matéria está trabalhada. O que
se manifestava em movimento, do lado do trabalhador,
revela-se agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do
produto. Ele teceu e o produto é um tecido.4
O processo de trabalho humano é a fonte produtora
de valor. Este pode ser de dois tipos: valor de uso e valor
de troca. Quando o produto adquire valor de troca, ele se
torna mercadoria. Assim, podemos destinguir os produtos
por seu valor: os que possuem valor de uso, e não são pro-
duto social, e os que possuem valor de troca, que são pro-
dutos sociais trocados mediante o mesmo valor. Mas o que
permite a equiparação do valor entre produtos diferentes?
Somente algo que possua um valor universal, e este algo é
o trabalho, entendido como o tempo socialmente necessá-
170 rio à produção do produto.
Sociologia clássica

(9.6)
c lasses sociais
O que determina o caráter das relações sociais de produ-
ção é a forma que assume a propriedade dos meios de pro-
dução. As classes sociais resultam justamente da posição
do indivíduo nessa relação social. As classes sociais são
grandes agrupamentos humanos que se definem a partir
da posição ocupada pelos indivíduos nas relações sociais
de produção, como proprietários ou não dos meios de pro-
dução. Essas duas situações correspondem no capitalismo
às duas classes fundamentais: os capitalistas, ou burgue-
ses, e os trabalhadores, ou proletários.
O fundamento dessa proposição reside em que, para
Marx5, o homem é a personificação do processo de traba-
lho que realiza. Em termos sociológicos, implica reconhe-
cer que é sua posição no processo de trabalho que o produz
como ser social. Dito de outro modo, é sua posição na divi-
são social do trabalho como proprietário ou não dos meios
de produção que determina a sua classe social. O per-
tencimento a uma classe social corresponde a um especí-
fico modo de vida, a uma forma de manifestar sua própria
vida através do trabalho. Cada uma delas corresponde a
uma forma de obtenção do valor produzido pelo trabalho:
a do capitalista é o lucro e a do trabalhador é o salário. Na
agricultura, um terceiro agente aparece como classe social:
o proprietário fundiário, que usufrui do valor sob a forma
de renda da terra.

171

(9.7)

Marx: categorias sociológicas


fundamentais
luta de classes
Para Marx e Engels6, a luta de classes é o desfecho inexorá-
vel da sociedade e resulta da posição antagônica, do ponto
de vista dos interesses econômicos e políticos, das diferen-
tes classes sociais. Você deve estar se questionando: o que
determina o interesse de uma classe social?
Poderíamos pensar que o interesse é determinado
por sua consciência, mas, sob o viés da análise marxista,
isso é um equívoco. O interesse de classes não é deter-
minado pela consciência de classe, mas pela posição que
cada uma ocupa no conjunto das relações sociais de pro-
dução. Considerando que os proletários carecem de meios
de produção e sofrem a exploração do capitalista (extração
da mais-valia), seu interesse de classe será, portanto, pela
superação do modo de produção capitalista. A burguesia,
por sua vez, em razão de sua posição de proprietária dos
meios de produção, tem como interesse ampliar sua capa-
cidade de obtenção da mais-valia, buscando logicamente a
perpetuação do regime de acumulação capitalista.
A luta de classes é resultado direto dessa oposição de
interesses que se originam nas relações sociais de produ-
ção, mas que não se limita a esse nível da formação social.
Ela se reflete também no âmbito da superestrutura da
sociedade sob forma de disputas no ordenamento jurí-
dico, político e no papel da religião, manifestando-se ainda
no âmbito dos valores e da produção do conhecimento.
Com efeito, a classe dominante no âmbito da infra-estru-
tura social é também a classe dominante ao nível da sua
superes­trutura. É nesse sentido que Marx7 afirma que a
172 ideologia dominante em uma sociedade é a ideologia da
classe dominante.
Sociologia clássica

A consciência de classe só exerce papel na luta de


­classes quando as condições objetivas já estão desenvol-
vidas, o que, para Marx, é resultado de um movimento
dialético que se inicia no reconhecimento de sua própria
condição social de classes explorada (de si), criando possi-
bilidades de superação da condição de classe sujeitada (em
si) e abrindo passagem a um projeto político e social pró-
prio (para si). Ou seja, a consciência de classe implica a
superação dialética da classe em si, que adquire consci-
ência de si, transformando-se em classe para si.
Sua convicção na revolução social fundamentou-se na
análise histórica das formações sociais anteriores. A bur-
guesia foi a classe revolucionária que pôs fim ao modo de
produção feudal e construiu o capitalismo. Desse modo,
Marx via no proletariado moderno a nova classe revolucio-
nária que por seus interesses negaria o capitalismo e luta-
ria pela superação desse modo de produção por outro sem
antagonismos de classes, o comunismo. Em seu entendi-
mento, o socialismo seria um período de transição histórica,
mais ou menos longo, entre capitalismo e o comunismo,
período esse em que o proletariado promoveria a sociali-
zação dos meios de produção, pondo fim as diferenças de
classe, uma vez que estas se encontravam estabecidas na
propriedade privada desses meios.
(.)
p onto final
173

Do conjunto de conceitos e categorias da vasta obra de Karl

Marx: categorias sociológicas


fundamentais
Marx, neste capítulo nos restringimos a apresentar sua
teoria do modo de produção. Essa escolha deve-se à centra-
lidade que ocupa na sua interpretação e por sua importân-
cia à formação do estudante de Ciências Sociais. Buscamos
na Figura 6 a seguir sintetizar em traços gerais o que foi
visto anteriormente. Nela se percebe que um modo de pro-
dução define o caráter de uma formação social. Esta possui
uma dupla dimensão: a infra-estrutura, que é a base mate-
rial da sociedade, e a superestrutura, que se eleva a partir
desta e corresponde ao conjunto de representações, valores
e formas de conhecimento. No âmbito da infra-estrutura, o
modo de produção se realiza por meio da articulação entre
as forças produtivas, que são os meios de produção e o tra-
balho, com as relações sociais de produção, o que confi-
gura a divisão social do trabalho, as classes sociais e a luta
de classes. Conforme o materialismo histórico (a teoria de
Marx), o tipo de modo de produção será determinado pela
relação social de produção existente. Ao atingir um deter-
minado grau de desenvolvimento, as forças produtivas
entram em contradição com as relações sociais de produ-
ção, abrindo-se um período histórico de revolução social.
Com a transformação dessas relações sociais de produção,
toda a superestrutura se transforma. O processo de traba-
lho é onde se realiza a produção do valor que podem ser
de uso e de troca.
Figura 6 – Síntese da teoria do modo de produção de Marx

Valores:
Morais
Representações:
174 Éticos Ciência
Jurídicas
Superestrutura Estéticos Filosofia
Políticas
Religiosas Ideologia
Sociologia clássica

Articulação Dialética

Terras
Formação Fábricas
Social Meios de Máquinas
Produção Equipamentos
Tecnologia
Forças
Fontes de Energia
Produtivas
Trabalho
Infra-estrutura Modo de
Produção
Relações Divisão Social do Trabalho
Sociais de Classes Sociais
Produção Luta de Classes

Fonte: WEISHEIMER, 2006.

Indicação cultural

MARX, Karl. O capital. Edição condensada. São Paulo:


Edipro, 2008.

atividades
1. Como Marx define o capitalismo?

2. O que são forças produtivas?

3. O que determina a luta de classes?


( 10 )

s obre o m anifesto do p artido c omunista,


de m arx e e ngels
Nilson Weisheimer

( )

“Proletários de todos os países, uni-vos!”


(MARX; ENGELS, 2007, p. 82)

e m 2008, o Manifesto do Partido Comunista comple-


tou 160 anos de publicação. Esta foi, sem dúvida, a obra
mais famosa de Karl Marx e Friedrich Engels. O seu con-
teúdo e forma didática foram responsáveis pela popula-
rização da teoria materialista da história entre o nascente
movimento operário, mas chamou também grande aten-
ção entre os primeiros cientistas sociais. Ao mesmo tempo,
é uma obra que inaugura uma corrente do pensamento
178
político. Sua apresentação neste volume tem o propósito
Sociologia clássica

de interpretar o Manifesto como um discurso da moder-


nidade, como uma análise da sociedade de classes e como
um texto ­clássico das ciências sociais. O ponto de conver-
gência desses aspectos é o necessário exercício de crítica à
realidade, que é a marca da sociologia comprometida com
o desenvolvimento social e das comunidades onde atuam
os cientistas sociais. Trata-se, portanto, não de uma apolo-
gia política, mas, ao contrário, de uma reflexão crítica da
obra, interpretando sua atualidade e limitações e, nesse
sentido, principalmente, uma tomada de posição episte-
mológica em favor da sociologia e de sua importância no
mundo contemporâneo.

(10.1)
o contexto
Quando a Liga dos Comunistas atribuiu a Marx e Engels
a responsabilidade de redigir seu manifesto de fundação,
os dois tinham 29 e 27 anos, respectivamente, e atuavam
intensamente em atividades relacionadas à organiza-
ção do movimento operário. Ambos estavam em Londres
onde participavam de calorosas discussões com lideran-
ças de trabalhadores, políticos e intelectuais de esquerda,
nas quais buscavam compatibilizar seus estudos teóricos
com as condições da vida cotidiana dos bairros operários
nos subúrbios londrinos. Por caminhos distintos, os dois
haviam chegado às mesmas conclusões quando se conhe-
ceram em Paris, em 1844, e já haviam feito uma opção
pelo socialismo. Desde então, juntos, buscavam conferir
uma abordagem científica, recorrendo às teorias de van-
179
guarda de sua época, principalmente os últimos achados

Sobre o Manifesto do Partido


Comunista, de Marx e Engels
da filosofia, da história, da economia política e pesquisas
de levantamentos sociais e censitários que antecederam a
sociologia. Essa tentativa aparece nitidamente na aproxi-
mação promovida por Marx entre a filosofia e a economia
política em Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1944,
e por Engels na articulação entre economia, pesquisa de
campo e levantamento censitário em A situação da classe
operária na Inglaterra, de 1945. Nessa obra, Engels analisou
empiricamente as condições em que vivia a classe operá-
ria inglesa e constatou que o crescimento da riqueza social
se dava às custas da crescente miséria e da exploração do
trabalho dos operários. E essa contradição desembocaria
em uma nova e radical revolução social. O agente dessa
revolução seria o proletariado. Dessa forma, ambos esta-
vam ambientados nas condições de vida e ao movimento
operário quando, em 1847, escreveram o Manifesto.
No ano de sua publicação, ocorreram intensas lutas
políticas na Europa. Em junho de 1848 estourou a primeira
insurreição operária em Paris, que foi derrotada pelas for-
ças da repressão francesas, que não poupou a vida nem
dos filhos dos insurgentes. Esse levante causou grande
impacto entre os capitalistas da Europa, que responderiam
com recrudescimento da repressão aos sindicatos e às orga-
nizações de trabalhadores em todo o continente, impondo
ao movimento dez anos de refluxo em suas reivindicações.
Essa derrota trouxe ensinamentos também aos operários;
suas virtudes e equívocos foram objeto de análise de Marx
em obras como As lutas de classes em França, publicado em
1851. Anos mais tarde, já sob a influência do Manifesto,
o movimento de trabalhadores retomava a ofensiva polí-
tica e uma nova revolução abalaria a Europa: a Comuna de
Paris, ocorrida em 1971. A corrente formada por civis foi
180
novamente derrotada por forças militares francesas e ale-
Sociologia clássica

mãs e seria refletida na obra A guerra civil na França. Nesse


período, Marx e Engels já haviam se convertido nos prin-
cipais dirigentes comunistas de sua época.

(10.2)
a obra
O Manifesto foi redigido em quatro capítulos: I – Burgueses
e Proletários, II – Proletários e Comunistas, III – A litera-
tura socialista e comunista, e IV – Posição dos comunis-
tas diante dos diversos partidos de oposição. Embora esse
texto tenha sido escrito por Marx e Engels, cada um con-
tribuindo para sua redação com rascunhos prévios feitos
em dezembro de 1847, a redação final coube a Marx, que
terminou o texto em meados de janeiro de 1848. No iní-
cio de fevereiro daquele ano, era publicado o Manifesto
do Partido Comunista, com 23 páginas. Conforme disse
Lenin: “Este pequeno livrinho valeria por tomos inteiros”1.
É nesse texto que se encontram as principais considerações
teóricas de Marx sobre a luta de classes (elemento central
da análise da modernidade). Com o passar dos anos, o
Manifesto tornou-se um dos textos mais lidos da huma-
nidade e uma obra clássica das ciências sociais, tendo sido
traduzido para todas as línguas modernas. A seguir nos
deteremos na discussão do primeiro capítulo do Manifesto,
apresentando, simultaneamente, seu ressumo e tecendo
considerações acerca de seu conteúdo.
(10.3) 181

nosso objeto: “burgueses e

Sobre o Manifesto do Partido


Comunista, de Marx e Engels
proletários”
Marx e Engels iniciam o manifesto com uma frase que
traduz sua concepção de história. “A história de todas as
sociedades que existiram até hoje é a história da luta de
classes”2. No capítulo, eles descrevem o desenvolvimento
histórico da humanidade como sendo movido pela contra-
dição entre as classes sociais que se constituem a partir
da posição na divisão social do trabalho, com possuidores
e despossuidos “numa palavra, opressores e oprimidos”3.
Na medida em que se desenvolvem as forças produtivas
da humanidade, novas relações de produção pedem passa-
gem. Transitamos, dessa maneira, de um modo de produ-
ção a outro: do escravismo ao feudalismo, do feudalismo
ao capitalismo.
Os autores acompanham essa luta e descrevem a ascen-
são da burguesia até sua vitória em escala mundial, como
classe que domina a vida econômica, social, política e ideo­
lógica da sociedade moderna. “A nossa época, a época da
burguesia, caracteriza-se, entretanto, por ter simplificado
o antagonismo de classe. A sociedade inteira vai-se divi-
dindo em dois grandes campos inimigos, em duas gran-
des classes diretamente opostas entre si: burguesia e
proletariado”4.
Em nota à edição inglesa de 1888 do Manisto, Engels
define conceitualmente essas duas classes sociais.

Por burguesia entende-se a classe dos capitalistas modernos,


que são proprietários dos meios de produção social e empre-
gam trabalho assalariado. Por Proletariado, a classe dos
trabalhadores assalariados, que, não tendo meios própios, são
182
obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver.5
Sociologia clássica

O Manifesto reconhece o papel revolucionário que a


burguesia teve em sua luta contra o feudalismo e as rela-
ções de servidão. Faz uma descrição da sociedade moderna
burguesa, afirmando que: “Onde quer que tenha conquis-
tado o poder a burguesia destruiu todas as relações feu-
dais, patriarcais e idílicas”6. Enfatiza os grandes feitos
realizados pela nova classe dirigente que transformou o
mundo com a substituição da manufatura pela grande
indústria e por meio da ampliação da divisão do traba-
lho. Como resultado, demonstra que as novas forças pro-
dutivas libertadas pelo capitalismo buscam sua expansão
incessante. Desse modo, para os teóricos, a modernidade é
o período inaugurado pelo capitalismo em que a burguesia
“cria um mundo a sua imagem e semelhança”7, um mundo
em constante transformação pelo rápido desenvolvimento
das forças produtivas, um tempo em que “tudo que é sólido
se desmancha no ar”8. Apontam que entre os efeitos desse
processo, o primeiro deles é a ampliação do mercado mun-
dial, descrevendo o fenômeno da globalização:

A necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus


produtos impele a burguesia para todo o globo terrestre. Ela
deve estabelecer-se em toda parte, instalar-se em toda a parte,
criar vínculos em toda a parte. Através da exploração do mer-
cado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita à pro-
dução e ao consumo de todos os países. Para grande pesar dos
reacionários, retirou debaixo dos pés da indústria o terreno
nacional. As antigas indústrias nacionais foram destruídas e
continuam a ser destruídas a cada dia. São suplantadas por
novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão de
vida ou morte para todas as nações civilizadas – indústrias
que não mais empregam matérias-primas locais, mas maté-
183
rias-primas provenientes das mais remotas regiões e cujos

Sobre o Manifesto do Partido


Comunista, de Marx e Engels
produtos são consumidos não somente no próprio país, mas
em todas as partes do mundo.9

Essa descrição precisa das dinâmicas da globalização


permite-nos perceber que essa não é uma “grande novi-
dade”, como parece ao senso comum. Com efeito, nesse
aspecto, longe de ter perdido a validade, o Manifesto
­possui vigor por constatar com precisão a tendência geral
de expansão capitalista e suas conseqüentes dinâmicas
de globalização econômica. Nesse sentido, Marx e Engels
não descrevem apenas o capitalismo de seu tempo, mas
do nosso tempo, porque essencialmente o capitalismo é o
mesmo.
Os autores apontam ainda o domínio do campo pela
cidade, a subordinação da agricultura, a indústria e a urba-
nização como fenômenos próprios do desenvolvimento do
capitalismo: “A burguesia submeteu o campo ao domí-
nio da cidade. Criou cidades enormes, aumentou imensa-
mente a população urbana em relação à rural e arrancou
assim uma parte considerável da população do embrute-
cimento da vida rural”10. Suas observações nos permitem
compreen­der as dinâmicas da modernização pela qual
passou o Brasil nas últimas três décadas do século XX e
que mudou a estrutura produtiva e populacional do País
de rural e agrícola à urbana e industrial, fenômeno próprio
do processo de constituição das relações capitalistas.
No entanto, um segundo aspecto é ressaltado por
Marx e Engels sobre os efeitos da expansão capitalista. O
mesmo dinamismo sem freios e em escala mundial volta-se
contra a burguesia que o gerou. Eles mostram que esse
desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo
assume proporções desordenadas, provocadas pela busca
184
incessante do lucro, gerando suas próprias contradições.
Sociologia clássica

Estas são descritas como “crises cíclicas do capitalismo”,


provocadas pelo excesso de produção e que se manifes-
tam como crises de superprodução. Afirmam que durante
essas crises são destruídas as forças produtivas já criadas.

A sociedade se vê repentinamente reduzida a um estado de


barbárie momentâneo, é como se uma situação de miséria ou
uma guerra geral de extermínio houvessem suprimido todos
os meios de subsistência; o comércio e a indústria parecem
aniquilados e por quê? Porque a sociedade possui demasiada
civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada
indústria e demasiado comércio. As forças produtivas dis-
poníveis já não mais favorecem o desenvolvimento da civi-
lização e das relações burguesas de produção; ao contrário,
tornam-se poderosas demais para essas relações e passam
a ser por elas travadas. As relações burguesas tornam-se
estreitas demais para conter a riqueza por elas mesmas cria-
das. E de que modo a burguesia vence esta crise? De um lado,
através da destruição forçada de uma massa de forças produ-
tivas; e de outro, através da conquista de novos mercados e da
exploração mais intensa de povos antigos.11

Nesse ponto, quando se referem às crises de super-


produção, dois aspectos ainda não dados à época em que
Marx e Engels escreveram o Manifesto passaram a figurar
como um risco para a humanidade. O primeiro diz res-
peito ao acirramento das disputas entre os países mais
desenvolvidos pelo mercado de matérias-primas e de con-
sumo em países periféricos que ficou conhecido como
imperialismo e que resultou em duas guerras mundiais
e um expressionismo bélico, intervenções militares e des-
respeito a soberanias dos povos, que se manifestam até os
dias atuais e cujo exemplo pode ser visto na ocupação nor-
185
te-americana ao Iraque. O segundo se refere à crescente

Sobre o Manifesto do Partido


Comunista, de Marx e Engels
degradação ambiental, na qual o aquecimento global tor-
na-se “uma verdade inconveniente”. Nesse sentido, a atual
crise ambiental é resultado direto do tipo de relação que
o homem institui com a natureza, modalidade inaugu-
rada pela produção capitalista, visto que, como afirmam os
autores do Manifesto, a expansão desse modo de produção
ocorreu com a transformação de todos os bens em merca-
dorias e a destruição das forças produtivas que estão pre-
sentes no meio ambiente.
A partir desse ponto, o texto apresenta como os autores
identificam a superação dialética dessa crise civilizatória
gerada pelo capitalismo. Eles afirmam que esse modo de
produção não apenas substituiu a formação social antiga,
mas criou também a força social capaz de destruí-lo: “As
armas que serviram a burguesia para abater o feudalismo
voltam-se agora contra a própria burguesia. Mas a bur-
guesia não forjou apenas as armas que lhe trarão a morte,
produziu também os homens que empunharão essas
armas – os operários modernos, o proletariado.”12.
Marx e Engels dirigem então sua atenção à moderna
classe operária. Tal como a burguesia havia sido revolu-
cionária em seu tempo, no capitalismo uma nova classe se
constituiu, o proletariado, e a ele caberia o papel revolucio-
nário de realizar a superação do capitalismo e conduzir a
humanidade a um novo modo de produção: o comunismo.
“De todas as classes que hoje se opõem à burguesia, ape-
nas o proletariado é uma classe verdadeiramente revolu-
cionária. As demais classes vão-se arruinando e por fim
desaparecem com a grande indústria; o proletariado é o
seu produto autêntico”13.
Conforme o historiador Jacob Gorender14, Marx e
Engels acertaram ao postular o proletariado como a classe
186
que, em razão da imposições e das crises adivindas do
Sociologia clássica

capitalismo, devia se opor à burguesia. Segundo o histo-


riador, o proletariado ascendia com o capitalismo, apesar
de ser explorado pela burguesia, detentora da riqueza. O
Manifesto traz assim uma mudança na estratégia da luta
política dos trabalhadores ao propor ao movimento ope-
rário a substituição da utopia por uma ação orientada na
ciência. Com base nisso, os jovens autores propunham que
o objetivo final deveria ser a conquista do poder do Estado
e a implementação de um programa de transformação
radical da sociedade.
Podemos ver nesse processo um amadurecimento da
classe operaria em si em classe para si. Primeiramente os
operários se insurgiram contra as máquinas, provocando
suas destruição; depois em uma etapa mais avançada pas-
saram a ter consciência de si, elaborando reivindicações por
melhorias das condições de trabalho e começaram a estru-
turar-se em sindicatos. Num terceiro momento, passaram
a constituírem-se em classe para si, organizando-se como
classe em um partido que visa à conquista do poder polí-
tico e à construção de um modo de produção que atenda
aos interesses dos trabalhadores. Essa classe para si desen-
volve uma luta contra a classe adversária, a burguesia, que
desencadearia a revolução social de conteúdo proletário.
Isso ocorreria porque “os proletários não podem se apo-
derar das forças produtivas a não ser suprimindo o modo
de apropriação a elas correspondente. Os proletários nada
têm de seu para salvaguardar”15. Marx e Engels entendem
que o desenvolvimento da grande indústria e seu processo
de trabalho correspondente produz uma classe numerosa
e mais organizada que todas as outras. É por esse motivo
que afirmam que “a burguesia produz, acima de tudo, seus
próprios coveiros”16. Por esses motivos, ao final desse pro-
187
cesso, que não se poderia mensurar quando ocorreria ou

Sobre o Manifesto do Partido


Comunista, de Marx e Engels
quando ocorrerá, os autores acreditavam na vitória do pro-
letariado sobre a burguesia. “Seu declínio e a vitória do
proletariado são igualmente inevitáveis”17.
Não obstante, o processo histórico até o momento vem
apresentando um rumo essencialmente diverso daquele
proposto por Marx e Engels.

Justamente o proletariado mais forte, nos países capitalistas


economicamente mais avançados, rejeitou a revolução socia-
lista e deu preferência à conquista de benefícios reformistas
no quadro do regime burguês. As revoluções de inspiração
socialista somente foram vitoriosas nos países de predomi-
nância camponesa, onde o proletariado era fraco. O fato de
ser a classe organicamente explorada pelo capital não fun-
damentou necessariamente a propensão revolucionária do
proletariado.18

Qual a explicação para este fato? Estariam erradas


as premissas das quais partem Marx e Engels? O
capitalismo é, portanto, a última etapa da história da
humanidade?

Certamente as respostas a essas questões extrapolam


os limites desta publicação e os propósitos deste capítulo.
Mas podemos encontrar respostas a essas perguntas no
âmbito das teorias vistas ao longo desta disciplina atra-
vés das leituras feitas de Durkheim e Weber, com os seus
conceitos de coerção social e dominação. Outras pis-
tas podem ser encontradas no conjunto da obra do pró-
prio Marx, mas destacaremos aqui as que se encontram no
próprio Manifesto.
188
Uma delas se refere às dificuldades da organização
Sociologia clássica

operária. Diz o texto: “Essa organização do proletariado em


classe e, com isso, em partido político, é incessantemente
abalada pela concorrência entre os próprios operários”19.
Outra pista encontra-se no papel desempenhado pelo
Estado para conter as lutas operárias, seja através da coop-
tação da camada mais desenvolvida do proletariado ou por
meio da repressão e contenção de suas reivindicações. Isso
ocorreria porque: “O poder político do Estado moderno
nada mais é do que um comitê para administrar os negó-
cios comuns de toda a classe burguesa”20. Essa frase aponta
para uma idéia-base dessa teoria: o fato de que o Estado
possui um caráter de classe, sendo portando um instru-
mento de domínio dos trabalhadores pelos capitalistas.
Longe de a história ter chegado ao seu fim, ela ainda
está sendo feita pelas contradições que a própria sociedade
cria em seu desenvolvimento. Cabe ao cientista social inter-
pretá-la e propor-lhe um rumo. O desafio está colocado.
Como você se posiciona diante dele? Antes de responder,
lembre-se de que na prática da ciência devemos manter
permanentemente afastados o medo e o preconceito.

(.)
p onto final
A teoria de Marx demonstra que o desenvolvimento das
forças produtivas conduz à superação sucessiva dos modos
de produção. Neste livro, constam a história das socieda-
des humanas e a luta entre classes antagônicas, elementos
que desempenham papel essencial, o “motor da história”.
No modo de produção capitalista essa contradição é prota-
189
gonizada por burgueses e proletários. Segundo esses auto-

Sobre o Manifesto do Partido


Comunista, de Marx e Engels
res, o caráter da modernidade foi conferido pelo domínio
da burguesia sobre a sociedade, transformando homens
e natureza em mercadorias. Como reflexo da expansão
­dessas forças produtivas, a sociedade tende a passar por
crises cíclicas e cada vez maiores, resultantes da superpro-
dução. O desfecho dessas crises é a destruição das forças
produtivas, cujos reflexos podem ser vistos na ampliação
da situação da miséria daqueles que não possuem meios
de produção e no desenvolvimento de conflitos bélicos e
catástrofes ambientais. Marx e Engels acreditavam que
essas crises só seriam evitadas por meio da superação
do próprio modo de produção capitalista. Eles enxerga-
ram na classe operária a nova classe revolucionária, como
resultado da grande indústria. Entretanto, isso não ocor-
reu como esperavam. Sendo assim, as ciências sociais são
chamadas a refletir sobre as dinâmicas do capitalismo e os
conflitos inerentes a ele.

Indicação cultural

MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido


Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2007.
190
Sociologia clássica
atividades
1. Com base no texto, explique por que a burguesia cumpriu
um papel revolucionário?

2. Por que Marx e Engels enxergam no proletariado a nova


classe revolucionária?

3. A partir da leitura deste capítulo, descreva o que você


entende por modernidade?
g lossário

Anomia: estado de anormalidade social, apreensão interpretativa do sentido ou


vinculada à suspensão da ordem moral da conexão de sentido.
e social. Corolário: proposição que se deduz ime-
Ascese: controle disciplinado do próprio diatamente de outra demonstrada.
corpo através da evitação metódica do Dialética: refere-se a diálogo e contraposi-
sono, da comida, da bebida, da fala, da ções de idéias; passou a ser empregado
gratificação sexual e de outros tantos como perspectiva filosófica e método
prazeres deste mundo. de análise com base na identificação de
Classe: é designada por Weber como um tese, antítese e síntese.
conjunto de indivíduos que se encon- Educação: a educação é a ação exercida
tram na mesma situação em relação ao pelas gerações adultas sobre as gerações
mercado. que não se encontram ainda preparadas
Coesão: ligação recíproca entre indivíduos; para a vida social.
força que mantém a ligação entre indi- Ethos: determinado estilo de vida regido
víduo e sociedade. por normas e pela ética.
Compreensão: equivale à explicação; em Função: capacidade de uma coisa em
metodologia qualitativa refere-se à desempenhar certo papel que provoca
reações em outra coisa como sua reali- Práxis: termo central da filosofia moderna,
zação, composição, transformação ou que significa a atuação consciente do
decomposição. homem sobre a realidade. Implica a
Gênese: conjunto de fatos que concorrem relação entre reflexão e ação na trans-
para formação de alguma coisa desde formação da realidade social; expressa
suas origens. tanto a objetivação do homem e o domí-
Liberdade: é a aplicação individual da nio da natureza quanto a realização da
razão e a prática responsável dos deve- liberdade humana.
res. “Livre” é a pessoa que tem pleno Racionalismo econômico: para Weber,
domínio sobre si. significa o processo econômico orien-
Mais-valia: é a apropriação privada do tado por uma conduta que tem como
valor gerado pelo trabalho social; premissa o cálculo racional, evitando-se
parcela do valor não paga ao trabalha- o desperdício de dinheiro e de trabalho,
dor, apresenta duas formas: a mais- contribuindo, assim, para uma maior
valia absoluta, que aumenta em relação produtividade.
direta com o prolongamento do tempo Relação social: em Weber, é o comporta-
de trabalho ou intensificação do traba- mento reciprocamente referido quanto
lho e a mais-valia relativa, que aumenta a seu conteúdo de sentido por uma plu-
em relação direta com a produtividade ralidade de agentes e que se orienta por
do trabalho e a diminuição do tempo de essa referência.
trabalho socialmente necessário. Senso comum: sentido comumente parti-
Materialismo: abordagem da filosofia e da lhado em comunidade e que tem como
ciência que tem como objeto os fatos base um conhecimento prático.
puramente materiais. Sentido: é o sentido subjetivo visado; o
Modernidade: refere-se a modos de vida e significado subjetivo atribuído pelo
à organização social que emergiram na sujeito da ação.
Europa a partir do século XVII e que Sociologia: ramo das ciências sociais que
adquiriram influência global. estuda a produção, a reprodução e a
Neutralidade Axiológica: implicaria uma transformação das relações sociais.
postura de neutralidade, imparciali- Solidariedade: dependência mútua entre
dade e autonomia na prática científica. pessoas; pressupõe formas de troca e
Pedagogia: são as maneiras de conceber cooperação.
a educação; não são maneiras de prati- Status social: juízo que os outros fazem
192 cá-la, dessa forma são teorias práticas. de um indivíduo, atribuindo-lhe graus
Positivismo: sistema filosófico de Auguste de prestígio e consideração.
Comte baseado em preceitos das ciên-
Sociologia clássica

cias naturais.
r eferências por capítulo

Capítulo 1 17
COMTE, 1973, p. 38.
18
Ibid., p. 116.
1
FREIRE, 1995. 19
Ibid., p. 10.
2
ELIAS, 1994. 20
Ibid.
3
RAMOS, 1954. 21
FERNANDES, 2004.
4
PLATÃO, 2000.
5
ARISTÓTELES, 1997.
Capítulo 2
6
TRUJILLO FERRARI, 1983.
7
Ibid. 1
DURKHEIM, 2005, p. 51.
8
MAQUIAVEL, 1973. 2
DURKHEIM , 1973, p. 375
9
Ibid. 3
Ibid.
10
HOBBES, 2001. 4
DURKHEIM, 2005, p. 66.
11
TRUJILLO FERRARI, 1983. 5
Ibid.
12
MONTESQUIEU, 2002. 6
DURKHEIM, 1989.
13
Ibid. 7
DURKHEIM, 1973.
14
ROUSSEAU, 2005. 8
Ibid., p. 384.
15
ROUSSEAU, 2000. 9
Ibid., p. 395.
16
PEREIRA; GIOIA, 1994. 10
Ibid.
11
Ibid., p. 396. 5
Ibid., p. 4.
12
Ibid., p. 378. 6
Ibid.
13
Ibid., p. 396. 7
Ibid.
14
Ibid. 8
Ibid., p. 5.
15
Ibid., p. 406. 9
Ibid., p. 5.
16
Ibid. 10
Ibid., p. 6.
17
Ibid., p. 411. 11
Ibid.
18
Ibid..
19
Ibid., p. 416. Capítulo 6
20
Ibid., p. 420.
21
Ibid.
1
WEBER, 2004a.
22
Ibid., p. 432.
2
Ibid., p. 14.
23
Ibid.
3
Ibid., p. 15.
24
Ibid., p. 437.
4
Ibid., p. 16.
25
Ibid., p. 439.
5
Ibid., p. 19.
26
Ibid., p. 444-446.
6
Ibid.
27
Ibid., p. 454-458.
7
Ibid.
8
Ibid., p. 191.
Capítulo 3
9
Ibid.
10
WEBER, 1979, p. 211.
1
DURKHEIM, 1973, p. 342. 11
Ibid.
2
Ibid. 12
Ibid., p. 214.
3
Ibid., p. 362. 13
Ibid., p. 213.
4
DURKHEIM, 1988, p. 108. 14
QUINTANERO; BARBOSA; OLIVEIRA,
5
DURKHEIM, op. cit., p. 469. 2001.
6
DURKHEIM, op. cit., p. 110. 15
WEBER, 1979.
7
Ibid., p. 111. 16
Ibid.
8
Ibid., p. 113. 17
Ibid.
9
Ibid., p. 115. 18
Ibid., p. 225.
10
Ibid., p. 117. 19
Ibid., p. 226.
11
Ibid., p. 122. 20
Ibid.
12
LEVINE, 1997. 21
Ibid., p. 227-228.
13
DURKHEIM citado por QUINTANERO;
BARBOSA; OLIVEIRA, 2001, p. 18. Capítulo 7
194 14
DURKHEIM, 1989.
15
Ibid., p. 513. 1 WEBER, 2004c, p. 30.
16
DURKHEIM citado por CUVILLIER,
2
Id.
Sociologia clássica

1975, p. 33.
3
Ibid., p. 33-34.
4
Ibid., p. 35.
Capítulo 4
5
Ibid., p. 39.
6
Ibid., p. 45.
1
DURKHEIM, 1978, p.36. 7
Ibid., p. 53.
2
Id. 8
Ibid., p. 56.
3
Ibid., p. 37. 9
Ibid., p. 58.
4
Ibid., p. 38. 10
Ibid., p. 61.
5
Ibid., p. 39. 11
Ibid., p. 62.
6
Ibid., p. 41. 12
Ibid., p. 72.
7
Id. 13
Ibid., p. 82.
8
Ibid., p. 44. 14
Ibid., p. 89.
9
Ibid., p. 45. 15
Ibid., p. 89.
10
Ibid., p. 46. 16
Ibid., p. 99.
11
Ibid., p. 48. 17
Ibid.
12
Ibid., p. 49. 18
Ibid., p. 100.
13
Ibid., p. 53. 19
Ibid., p. 106.
14
Ibid., p. 57. 20
Ibid., p. 107.
15
Ibid., p. 59. 21
Ibid., p. 125.
16
Ibid., p. 65. 22
Ibid., p. 128.
17
Ibid., p. 67. 23
Ibid., p. 131.
18
Ibid., p. 69. 24
Ibid., p. 137.
19
Ibid., p. 81. 25
Ibid., p. 141.
26
Id.
Capítulo 5 27
Ibid., p. 143.
1
WEBER, 1979, 2004a, 2004b.
28
Ibid., p. 157-163.
2
WEBER, 1979, p. 182.
29
Ibid., p. 158.
3
Ibid., p. 173.
4
WEBER, 2004a, p. 3.
Capítulo 8 Capítulo 10
1
BOTTOMORE, 1987. 1
LÊNIN, 1979, p. 12.
2
MARX, 1968b, p. 136. 2
MARX; ENGELS, 2007, p. 45.
3
IANNI, 1979. 3
Id.
4
MARX; ENGELS, 2007, p. 45. 4
Ibid., p. 46.
5
MARX, 1985. 5
Ibid.
6
MARX, 1968a. 6
Ibid., p. 48.
7
MARX, 1968b, p. 135. 7
Ibid., p. 49.
8
MARX, 1985. 8
Ibid., p. 48.
9
MARX; ENGELS, citados por CASTRO; 9
Ibid., p. 49.
DIAS, 2005, p. 171. 10
Id.
10
MARX, citado por CASTRO; DIAS, 2005, 11
Ibid., p. 51.
p. 169. 12
Id.
11
Ibid., p. 166. 13
Ibid., p. 54.
12
Ibid. 14
GORENDER, 1998.
13
GURVITCH, 1987. 15
MARX; ENGELS, op. cit., p. 56.
14
GURVITCH, 1987; WEISHEIMER, 2006. 16
Ibid., p. 57.
15
MARX, citado por CASTRO; DIAS, 2005. 17
Id.
16
MARX, 1985, p. 411. 18
GORENDER, 1998, p. 52.
19
MARX; ENGELS, op. cit., p. 54.
Capítulo 9 20
Ibid., p. 47.
1
MARX, 2004, p. 37.
2
MARX, 1985.
3
Ibid.
4
Ibid.
5
Ibid.
6
MARX; ENGELS, 2007.
7
MARX, 1985.

195

Referências por capítulo


r eferências

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g abarito

Capítulo 1 2) Para não cair nas armadilhas do senso


comum e poder explicar os fenômenos
1) Revolução Científica, a Revolução
pelo que realmente são e não pelo que
Industrial e a Revolução Francesa.
aparentam.
2) O conhecimento científico com seu
3) Considera-se fato social normal quando
método fundado na racionalização, na
este se apresenta como média dos casos
observação e na experimentação.
em um grupo social determinado,
3) Porque Auguste Comte forjou o nome
sendo que todos os demais serão consi-
da sociologia, estabeleceu seu objeto de
derados patológicos.
estudo e definiu sua posição na hierar-
quia do conhecimento positivo.
Capítulo 3
Capítulo 2 1) A função da divisão do trabalho e gerar
solidariedade social e seu indicador
1) São exteriores à consciência individual;
empírico é a forma do sistema jurídico
exercem uma coerção sobre o indiví-
através do direito.
duo; são ao mesmo tempo gerais numa
2) O suicídio egoísta resulta do fato de que
dada sociedade e independentes das
os homens não vêem mais razão de ser
expressões individuais.
na vida; o suicídio altruísta de que a Já o capitalismo moderno é caracteri-
razão lhes parece estar fora da própria zado pelo racionalismo econômico que
vida; o suicídio anômico decorre do busca: a maior produtividade possível,
estado de desregramento social. dedicação ao trabalho profissional e na
3) As representações coletivas são as for- ação de evitar o desperdício de dinheiro
mas como a sociedade vê a si mesma e com fim de obter lucro.
ao mundo que a rodeia. 3) A conduta de vida ética se constitui na
condução de uma vida regrada pela
Capítulo 4 dedicação ao trabalho profissional
baseada nos preceitos religiosos pro-
1) Basicamente o tripé: ciência da educa-
testantes que condenavam todo o tipo
ção, psicologia e sociologia.
de ócio, gozo e descanso. Essa relação
2) O fundamento da autoridade vem da
favoreceu o desenvolvimento da con-
superioridade da experiência e dos
duta de vida economicamente racional,
conhecimentos acumulados pelo mes-
pois os indivíduos, dedicaram-se a sua
tre, que o transmite as novas gerações.
vocação para o trabalho profissional.
3) São questões como o equilíbrio entre
Como existia uma coerção à poupança,
controle e autoridade; boa formação no
aqueles que conseguiam acumular
tripé ciência da educação, psicologia e
algum ganho acabaram investindo
pedagogia; o exercício da liberdade,
esse capital na produção contribuindo,
entre outras.
assim, para o desenvolvimento do capi-
talismo moderno.
Capítulo 5
1) Uma ação cujo sentido visado pelo(s) Capítulo 8
agente(s) se refere ao comportamento
1) O objeto de estudo de Marx foram as
de outros, orientando-se por este em
relações sociais de produção e troca
seu curso.
correspondentes num determinado
2) Obtém-se um tipo ideal mediante a
estágio de desenvolvimento social.
acentuação e o ordenamento unilate-
2) Proceder por aproximações sucessivas
ral de um ou vários pontos de vista
através do método que consiste na pas-
e mediante o encadeamento de fenô-
sagem do concreto imediato ao abstrato
menos isoladamente dados, a fim de
e do abstrato ao concreto pensado.
formar uma categoria homogênea.
3) Porque as categorias complexas incor-
200 3) Ele se distanciaria da proposta de
poram as mais simples e lhes acrescen-
descoberta de leis gerais em sociologia
tam algo a mais.
afirmando sobre a existência de deter-
Sociologia clássica

minadas probabilidades típicas que


Capítulo 9
seriam confirmadas pela observação.
1) Marx define o capitalismo basicamente
Capítulo 6 como um modo de produção em que
tudo se transforma em mercadoria e
1) Poder é a possibilidade de impor ao
as relações sociais de produção estão
comportamento dos outros a própria
fundadas no trabalho assalariado.
vontade, enquanto que dominação é
2) As forças produtivas são os fatores
a capacidade de obter obediência de
necessários à produção, como o traba-
outros.
lho e os meios de produção.
2) O fundamento da legitimidade na
3) É a oposição de interesses originados
dominação burocrática é ordem impes-
nas relações sociais de produção.
soal de suas relações estabelecida por
critérios legais e burocráticos.
Capítulo 10
3) Partido é qualquer associação voluntá-
ria que se proponha a apoderar-se do 1) Basicamente, porque lutou contra o
controle direto de uma dada organi- feudalismo e as relações de servidão,
zação, a fim de promover determinada substituiu a manufatura pela grande
política no interior desta. indústria, desenvolvendo assim as for-
ças produtivas.
Capítulo 7 2) Para eles, os proletários não podem se
apoderar das forças produtivas a não
1) O “espírito” do capitalismo está rela-
ser suprimindo o modo de apropriação
cionado a uma ética do trabalho, a uma
a elas correspondente.
conduta de vida orientada pela vocação;
3) Modernidade é o período inaugurado
é o agir racional para obtenção do lucro
pelo capitalismo no qual a burguesia
e acumulação de capital.
“cria um mundo a sua imagem e seme-
2) O tradicionalismo econômico está
lhança”, um mundo em constante trans-
relacionado às práticas de satisfação
formação pelo rápido desenvolvimento
das necessidades básicas para viver.
das forças produtivas.
Esta obra foi impressa pela Reproset

Indústria Gráfica, no inverno de

2008, sobre offset 90 g/m².

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