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23/11/2018 O neoliberalismo e a difusão do desenvolvimento

O neoliberalismo e a difusão do
desenvolvimento
por Prabhat Patnaik [*]

nível da actividade económica sob o capitalismo está sujeito


a fluxos e refluxos prolongados. Quando a economia está
numa fase ascendente, este mesmo facto actua como um
elixir que incentiva os capitalistas, criando-lhes a expectativa
de que os "bons tempos" devem continuar. Isto os torna
menos preocupados em assumir riscos, mais "aventureiros"
e portanto mais inclinados a tomar decisões "arrojadas"
quanto à sua preferência por activos. E devido a isto eles
também empreendem investimentos em activos físicos como
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23/11/2018 O neoliberalismo e a difusão do desenvolvimento

construção, equipamento e maquinaria o que faz com que o


boom continue e dessa forma justifique a sua euforia.

Acontece o oposto quando há uma fase descendente. Ela


introduz uma perspectiva sombria entre os capitalistas; eles
se tornam mais agudamente conscientes dos riscos, tornam-
se timoratos quanto às suas preferências por activos e
restringem seus investimentos, preferindo ao invés possuir
moeda que é um activo menos arriscado (embora nada
ganhem com isso). Esse mesmo facto, por sua vez, prolonga
a crise e, assim, justifica seu medo de assumir riscos.

Esta característica perfeitamente óbvia do capitalismo,


nomeadamente a euforia auto-sustentável associadas aos
booms e a melancolia auto-sustentável associada às
recessões, tem influência sobre a questão da difusão do
desenvolvimento para o terceiro mundo. Estamos aqui a
falar da difusão que se verifica espontaneamente através da
actuação do capitalismo sem restrições da espécie tipificada
pelo neoliberalismo, não a difusão provocada através da
acção deliberada do Estado no terceiro mundo envolvendo
proteccionismo e outras medidas.

Para o capital, quer o da metrópole quer o do terceiro


mundo, este último constitui um sítio de risco maior. A
metrópole é a casa mãe do capitalismo e os capitalistas de
todo tipo, qualquer que seja a cor da sua pele, sentem-se
mais seguros ali do que até nos seus próprios países (razão
pela qual grande parte da transferência de fundos do terceiro
mundo é efectuada pelos seus próprios capitalistas).
Entretanto, num boom, que é um período de euforia, o risco
de manter activos no terceiro mundo é subestimado. A
euforia de um boom estende-se ao domínio da preferência
de activos, onde não só o maior investimento em geral é
feito pelo capital (ao invés de manter seus investimentos no
activo estéril mas sem risco, a moeda), mas mesmo activos
do terceiro mundo são exigidos numa maior medida. A
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preferência diferencial pelos activos metropolitanos em


relação aos do terceiro mundo fica reduzida, o que, além de
trazer maior investimento directo para o terceiro mundo,
também acarreta maior financiamento para a compra de
activos no mesmo. O preço relativo de activos do terceiro
mundo em relação aos activos metropolitanos aumenta; ou,
dito de modo diferente, para qualquer dado preço de activos
metropolitanos, o preço de activos do terceiro mundo eleva-
se, o que aumenta a produção de tais activos (isto é,
aumenta o investimento) e portanto aumenta a taxa de
crescimento no terceiro mundo.

Acontece exactamente o oposto numa recessão económica


mundial. Quando os capitalistas se tornam mais avessos ao
risco, não só fazem secar os fluxos de investimento directo
para o terceiro mundo (o que pode ser ainda mais agravado
pelo proteccionismo na metrópole, do género que Trump
está a introduzir), como o capital financeiro também cessa
de vir para o terceiro mundo. Na verdade, desenvolve-se
uma tendência para que as finanças, originárias da
metrópole ou mesmo do terceiro mundo, se movam em
direcção à metrópole. O preço relativo dos activos do
terceiro mundo, em comparação com os da metrópole,
diminui ainda mais o investimento local, provocando uma
queda na taxa de crescimento do terceiro mundo.

O que foi dito acima tem duas implicações. A primeira, a qual


é certamente indubitável, é que booms no capitalismo
mundial nas condições do neoliberalismo estão associados a
taxas de crescimento mais altas no terceiro mundo, ao passo
que recessões no capitalismo mundial têm o efeito oposto. A
segunda implicação é que quanto mais forte forem as
flutuações nas taxas de crescimento das metrópoles, uma
vez que o impacto da aversão ao risco sobre o investimento
cai ainda mais fortemente sobre o terceiro mundo do que
sobre as metrópoles, com preços de activos no terceiro
mundo também a flutuarem em relação aos metropolitanos.
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Em suma, a euforia ou tristeza no capitalismo mundial tem


um impacto ainda maior sobre o terceiro mundo do que
sobre a metrópole nas condições do neoliberalismo.

O que isto significa é que os muito "sabichões" que durante


os anos de boom do neoliberalismo louvavam o crescimento
mais alto no terceiro mundo em comparação com os do seu
próprio passado – e utilizando tal crescimento como prova
dos efeitos benéficos do neoliberalismo (esquecendo
convenientemente que mesmo naquele tempo um processo
de acumulação primitiva de capital estava a ser
desencadeado contra camponeses e pequenos produtores,
o qual inchou as reservas de trabalho em detrimento de
todos os trabalhadores incluindo mesmo os trabalhadores
sindicalizados do sector organizado) – terão agora de engolir
suas palavras. Na medida em que a recessão capitalista
mundial continua e mesmo se agrava, na medida em que a
finança começa a fluir de volta para as metrópoles como já
está a acontecer (resultando numa depreciação de várias
divisas do terceiro mundo, incluindo sobretudo a rupia em
relação ao US dólar), a taxa de investimento e de
crescimento no terceiro mundo definhará numa extensão
ainda maior do que nas metrópoles.

Uma vez que não há fim à vista para a recessão capitalista e


uma vez que o proteccionismo que está a ser praticado por
Trump só piorará a crise mundial ao intensificar a angústia
quanto ao futuro (mesmo que os EUA ganhem
temporariamente com essa política do ";roubo o meu
vizinho";, só até os outros retaliarem), com o sofrimento
particularmente agudo do terceiro mundo que a recessão
provoca, ela será também um fenómeno prolongado. O
terceiro mundo em resumo está a afundar num período de
estagnação prolongada. Isto provocará aflição aguda ao
povo trabalhador, uma vez que a acumulação primitiva de
capital à custa dos camponeses e pequenos produtores que
acompanhou o boom capitalista continuará inabalável, ao
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passo que a estagnação só reduzirá ainda mais a geração


de emprego dentro do sector capitalista.

O alarde quanto à difusão do desenvolvimento ao terceiro


mundo desaparecerá em breve. Não será a primeira vez que
uma tal reversão acontece. No fim do século XIX e princípio
do XX, durante os booms no final do período Vitoriano e no
Eduardiano, também houve um alvoroço acerca da difusão
do desenvolvimento ao terceiro mundo. Mas muitos dos
países do terceiro mundo que então cresciam rapidamente
contam-se hoje entre os "menos desenvolvidos" do mundo,
Myanmar é um exemplo clássico. A difusão do
desenvolvimento ao terceiro mundo durante o boom
capitalista do período neoliberal recente certamente foi mais
pronunciada do que no anterior – e a fortuna de Myanmar
estava ligada aos seus recursos petrolíferos cuja exaustão
determinou a sua ruína. Mas o ponto a destacar é que o
fenómeno de os campeões de ontem serem os atrasados de
hoje não é de modo algum incomum.

A Grande Depressão dos anos 1930 seguiu-se ao colapso


do longo boom Vitoriano e Eduardiano. E durante a
Depressão só floresceram aqueles países do terceiro mundo
que conseguiram desligar-se da teia do mundo capitalista
sem restrições através da imposição de controles sobre
fluxos de comércio e de capital. Notáveis entre eles foram os
países latino-americanos que embarcaram numa "estratégia
nacionalista" de industrialização por substituição de
importações depois de derrubarem as oligarquias locais que
estavam mancomunadas com o imperialismo. Economias
colonizadas como a Índia, em contraste, apesar de verem
alguma industrialização, uma vez que até mesmo o regime
colonial teve de introduzir uma quantidade escassa daquilo
que foi chamado de "protecção discriminatória" a fim de
apaziguar a burguesia local, não viu o suficiente da mesma.

Uma coisa no entanto é indubitável. Ultimamente criou-se a


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impressão de que o terceiro mundo pode ultrapassar sua


miséria económica mesmo permanecendo dentro da órbita
do capitalismo mundial, que o neoliberalismo estava a dar
origem a uma difusão do desenvolvimento ao terceiro mundo
a partir da metrópole, a qual seria tão pronunciada que a
argumentação anterior de que só o socialismo pode criar
condições para superar as dificuldades económicas do
terceiro mundo, tornou-se ultrapassada; e mesmo que
alguma pobreza residual permanecesse no terceiro mundo,
apesar do rápido crescimento, era apenas uma questão de
tempo até que isso também desaparecesse através de um
"gotejamento" (trickle down) do crescimento. O capitalismo,
em suma, seria a panaceia para a pobreza em massa no
terceiro mundo e não o seu progenitor, como os marxistas
argumentavam. A crise que agora está a envolver as
economias do terceiro mundo liquida tal afirmação.

18/Novembro/2018

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2018/1118_pd/neo-liberalism-and-
diffusion-development .
Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .


19/Nov/18

https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_18nov18.html 6/6

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