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Álgebras de Heisenberg generalizadas: dois

exemplos de realizações no espaço das funções de


onda

Jefferson Gonçalves Filgueiras


2
Dissertação de mestrado apresentada ao Centro Brasileiro de
Pesquisas Fı́sicas para a obtenção do tı́tulo de Mestre em Fı́sica,
sob a orientação do professor Marco Aurélio do Rego-Monteiro, por
Jefferson Gonçalves Filgueiras.
2
”Posso tudo com uma pequena ajuda dos meus amigos (e famı́lia).”
2
Resumo
No inı́cio da década foi proposta uma nova classe de álgebras
de Heisenberg deformadas, as álgebras de Heisenberg generalizadas,
propostas por Curado e Rego-Monteiro. Essas são definidas a par-
tir de uma função analı́tica e três geradores. Um dos geradores é
hermitiano e tem seus autovalores dados pelas i- terações da função
que define a álgebra a partir de um autovalor inicial. Os outros dois
geradores exercem o papel de operadores de criação e aniquilação.
Nos últimos anos foram apresentadas algumas aplicações dessa
classe de álgebras, em particular, no inı́cio de 2008 foi apresentada
a realização da álgebra de Heisenberg generalizada para o caso par-
ticular do potencial do poço quadrado infinito. Neste trabalho a-
presentaremos mais dois exemplos de realização fı́sica das AHG, aqui
para os casos dos potenciais de Poschl-Teller e Poschl-Teller mo-
dificado, que foram dos primeiros modelos propostos na mecânica
quântica e desempenham papel importante no estudo de moléculas.
Sumário

1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas 4


1.1 Pequena revisão histórica sobre os métodos algébricos
na fı́sica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.2 O oscilador harmônico simples . . . . . . . . . . . . . 6
1.3 A álgebra de q-osciladores . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.4 As álgebras de Heisenberg generalizadas . . . . . . . 11
1.5 Estudo dos casos linear e quadrático . . . . . . . . . 18
1.6 A realização da AHG para o poço quadrado infinito
de potencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.6.1 A AHG para o poço . . . . . . . . . . . . . . 25
1.6.2 A realização da AHG no espaço das funções
de onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

2 Os exemplos de realizações das AHG: os casos dos po-


tenciais de Pöschl-Teller e Pöschl-Teller modificado 31
2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado . . . . . . . . 35
2.1.1 Pequena revisão sobre o caso do PTM . . . . 36
2.1.2 A AHG para o PTM . . . . . . . . . . . . . . 38
2.1.3 A realização da AHG do PTM . . . . . . . . . 42

2
3

2.2 O potencial de Pöschl-Teller . . . . . . . . . . . . . . 48


2.2.1 Uma revisão sobre o potencial de Pöschl-Teller 49
2.2.2 A AHG para o potencial de Pöschl-Teller . . . 56
2.2.3 A realização da AHG . . . . . . . . . . . . . . 58
2.3 Comentários finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

A Cálculo das funções peso para o PTM e PT. 71


Capı́tulo 1

Introdução às álgebras de


Heisenberg generalizadas

1.1 Pequena revisão histórica sobre os métodos


algébricos na fı́sica

Os métodos algébricos vêm atraindo crescente interesse na Fı́sica


durante todo o último século. Esse interesse surgiu já no inı́cio
da formulação da Mecânica Quântica, quando Heisenberg mostrou
ser possı́vel formular a Mecânica Quântica por meio de equações
puramente algébricas.

Com a resolução do oscilador harmônico utilizando os operadores


de criação e aniquilação que satisfazem à álgebra de Heisenberg, que
consiste em um método puramente algébrico, tivemos o primeiro
exemplo de estudo de um sistema quântico via método algébrico.
A simplicidade da estrutura dessa álgebra e sua interpretação em
termos de criação e aniquilação de partı́culas foram as responsá-
veis por tornar o oscilador harmônico (além do fato de o oscilador
harmônico ser, ao lado do átomo de Hidrogênio, um dos únicos
sistemas fı́sicos resolvidos sem aproximações) a base para vários

4
1.1 Revisão sobre os métodos algébricos na fı́sica 5

métodos, como a segunda quantização, que possui aplicação direta


em Teoria Quântica de Campos e na Fı́sica do Estado Sólido.

No final dos anos 80 foi introduzida uma generalização das álge-


bras de Heisenberg conhecida como q-osciladores [1], [2], [3]. Esses
q-osciladores generalizam a álgebra de Heisenberg através da in-
trodução de um parâmetro q. Usando esses q-osciladores, pode-
se também generalizar a construção de Jordan-Schwinger [1]. Nos
últimos anos tem-se tentado sistematicamente analizar uma possı́-
vel relevância fı́sica dos q-osciladores, ou álgebras de Heisenberg de-
formadas, incluindo a discussão de possı́veis interpretações fı́sicas
para o parâmetro de deformação q e a aplicação dessas álgebras no
estudo do espectro de moléculas.

Recentemente, uma nova classe de álgebras foi proposta por E.


M. F. Curado e M. A. Rego Monteiro [4], que é definida de forma
que os autovalores de um dos geradores dessa álgebra seja obtido
de forma iterativa a partir de um autovalor inicial, por meio das
iterações de uma dada função analı́tica. Essa classe de álgebras
foi dita álgebras de Heisenberg generalizadas (AHG). Nos últimos
anos, algumas aplicações das AHG foram apresentadas na literatura,
como a aplicação a partı́culas compostas [5] e a descrição dos nı́veis
de energia da molécula de CO [6]. No inı́cio de 2008 foi apresentada
a realização fı́sica, ou seja, a descrição dos operadores de criação
e aniquilação no espaço de coordenadas, de uma AHG para o caso
particular do poço infinito [7].

Nesse capı́tulo faremos uma breve introdução às álgebras de Hei-


senberg generalizadas e discutiremos detalhadamente a realização
da álge- bra para o caso do potencial do poço quadrado infinito.
6 1 Introdução às ágebras de Heisenberg generalizadas

1.2 O oscilador harmônico simples

Inicialmente vamos discutir o caso do oscilador harmônico simples


para apresentarmos brevemente o caso das álgebras de Heisenberg,
que exercem papel central na teoria quântica de campos e na fı́sica
do estado sólido, entre diversas outras áreas da fı́sica. Além da
simplicidade e importância histórica, o oscilador harmônico é uma
das ferramentas mais poderosas na teoria de perturbações, de forma
que diversos sistemas são resolvidos exata ou aproximadamente uti-
lizando esse modelo extremamente simples [8]. Um exemplo bem
conhecido é a aplicação ao estudo das vibrações moleculares.
O oscilador harmônico é o caso do Hamiltoniano dado por
P2 kX 2
H= + , (1.1)
2m 2
onde X e P são os operadores de posição e momento no espaço de
Hilbert, respectivamente.
Para a descrição algébrica desse sistema, introduzimos os ope-
radores de criação e aniquilação a partir das relações
r
~
a= (X + iP ) (1.2)
r 2mω
† ~
a = (X − iP ), (1.3)
2mω
q
k
onde ω = m . Se resolvermos o sistema acima e substituirmos a
solução em (1.1), temos o hamiltoniano em termos dos operadores
de criação e aniquilação, na forma

H = ~ω(a† a + 1/2). (1.4)

Para obtermos a forma como os operadores de criação e aniquilação


atuam nos autoestados do hamiltoniano, temos que utilizar as relações
de comutação desses operadores com o hamiltoniano. Essas relações
1.2 O oscilador harmônico simples 7

são facilmente obtidas a partir da definição de a e a† e da relação


de comutação canônica

[X, P ] = i~. (1.5)

Essas relações são dadas por

[a, a† ] = 1, (1.6)

[a, a† a] = a, (1.7)

[a† , a† a] = −a† . (1.8)

Essas relações de comutação definem a álgebra de Heisenberg


para o oscilador harmônico. A base ortonormal do espaço dos esta-
dos, dito espaço de Fock, consiste do estado de vácuo, |0 > e dos
autoestados restantes do oscilador harmônico, |n >, que formam
um conjunto completo. A partir dessas relações acima é simples
mostrar que o operador a† atua da seguinte forma nos autoestados
do hamiltoniano:

a† |n >= n + 1|n + 1 >, (1.9)

como a sequência de autovalores do hamiltoniano é limitada inferior-


mente1 , devemos ter um valor mı́nimo para a sequência e valor esse
que podemos escolher arbitrariamente. Tomando tal valor como 0,
devemos ter, necessariamente,

a|0 >= 0. (1.10)

Dessa forma, podemos obter todos os autoestados do hamiltoniano a


partir do estado fundamental |0 >, por meio de sucessivas aplicações
do operador de criação. Dessa forma, os autoestados são dados por
1
|n >= √ (a† )n |0 > . (1.11)
n!
1 Para uma discussão detalhada do oscilador harmônico, onde tal fato é mostrado explici-

tamente, veja [9]


8 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

Um outro fato simples de ser verificado acerca do oscilador harmôni-


co é a forma como atua o produto a† a nos autoestados de H, esse
produto é dito operador número, N , devido a atuar da seguinte
forma: a† a|n > = n|n >. Assim, utilizando a eq. (1.4), temos os
autovalores do hamiltoniano dados por
 
1
En = ~ω n + , (n = 0, 1, 2...). (1.12)
2

Os autoestados do hamiltoniano podem ser obtidos a partir da


resolução da eq. (1.10), já que todos os autoestados restantes são
obtidos a partir do estado de vácuo pela atuação do operador de
criação.

1.3 A álgebra de q-osciladores

As álgebras de Heisenberg deformadas, que englobam as álgebras dos


q-osciladores, são generalizações não triviais da álgebra de Heisen-
berg. Devido a sua estrutura matemática e a uma vasta gama
de possı́veis aplicações fı́sicas, essas álgebras têm atraı́do grande
atenção nos últimos vinte anos. Isso ocorre desde que Kulish [10]
mostrou que a álgebra ligada ao sistema de spin XXZ, com condições
de contorno especı́ficas, era uma realização da dita álgebra suq (2),
que é uma deformação da álgebra su(2). Alguns anos depois foi
mostrado por MacFarlane, em [1], que é possı́vel construir a álgebra
suq (2) a partir de dois q-osciladores acoplados, de forma análoga
à construção da álgebra su(2) usando dois osciladores harmônicos.
Dada a importância da álgebra de Heisenberg em diversas áreas da
fı́sica, durante os últimos anos foram feitas diversas tentativas de
aplicações fı́sicas para a álgebra dos q-osciladores. Essas tentati-
vas passam pelas áreas de teoria quântica de campos, no estudo
fenomenológico de partı́culas compostas, no espectro de moléculas
1.3 A álgebra de q-osciladores 9

e átomos e no estudo de estados coerentes2 .


A álgebra de q-osciladores é uma deformação da álgebra de Heisen-
berg, dada pelas eqs. (1.6)-(1.8), essa deformação é feita através do
parâmetro q. A álgebra dos q-osciladores é definida pelas relações
de comutação3

[N, a† ] = a† , (1.13)

[N, a] = −a, (1.14)

[a, a† ]q ≡ aa† − qa† a = q −N , (1.15)

onde o dito q-comutador é definido como

[X, Y ]q ≡ XY − qY X, (1.16)

onde o parâmetro q assume valores complexos, e como é de se es-


perar, os autovalores do hamiltoniano serão funções do valor de q,
ou seja, valores diferentes de q implicam em valores diferentes para
os autovalores do hamiltoniano associado a essa q-álgebra. Notamos
ainda que se q = 1, temos a álgebra de Heisenberg usual.
Para descrevermos os estados gerados por essa álgebra, supo-
mos que a sequência de autovalores do hamiltoniano tenha um valor
mı́nimo, ou seja, que tenhamos um estado de vácuo bem definido.
Esse estado é definido como no caso não-deformado:

a|0 >= 0, (1.17)

< 0|a† = 0, (1.18)


2 Exemplos dessas aplicações podem ser encontradas em [11], [12], [13], [6], [14], [15], [16] e

[17].
3 Existem ainda outras formas de se definir a álgebra dos q-osciladores na literatura, aqui

apresentamos a forma dada em [1]. Uma breve discussão das outras álgebras de q-osciladores
pode ser encontrada em [6].
10 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

N |0 >= 0. (1.19)

Como consequência da eq. (1.15), temos

[N ]q = a† a, (1.20)

[N + 1]q = aa† , (1.21)

onde
q x − q −x
[x]q = . (1.22)
q − q −1

Com essas definições podemos passar ao estudo das representa-


ções dessa álgebra. O operador a† atuando sobre o estado de vácuo
|0 > produz outro estado, |k >, ou seja, temos a† |0 > = |k >, com
o seu dual dado por < k| = < 0|a. Como é evidente a partir da
definição do estado de vácuo, esse estado é ortogonal a |0 >. Se
definirmos |k > = M0 |1 >, onde M0 é uma constante de norma-
lização, vemos que o operador a† atua como um operador de criação
na álgebra de q-osciladores.
Aplicando N e a† a um auto estado qualquer do hamiltoniano e
utilizando a eq. (1.13), temos

N a† |n >= a† (N + 1)|n >= (n + 1)a† |n >, (1.23)

vemos que o estado dado por a† |n > é autoestado de N e possui


autovalor n + 1. Dessa forma temos a† |n > ∝ |n + 1 >. Assim
podemos escrever

a† |n >= Mn |n + 1 >, (1.24)

e a constante Mn é calculada pela normalização do autoestado |n +


1 >. Dessa forma, usando a eq. (1.21), temos
q
Mn = [n + 1]q . (1.25)
11

Dessa forma temos de maneira geral


q

a |n >= [n + 1]q |n + 1 >, (1.26)

q
a|n >= [n]q |n − 1 > . (1.27)

Diferente do caso não-deformado, o operador a† a não corresponde


ao operador número N , já que temos a† a|n > = [n]q |n >, onde o
autovalor [n]q é dito q-número simétrico, sendo que [n]q → n quando
q → 1.
Os estados superiores são obtidos como no caso não-deformado,
a partir de sucessivas aplicações do operador de criação no estado
de vácuo, tendo como resultado
1
|n >= p (a† )n |0 >, (1.28)
[n]q !

onde [n]q ! = [n]q [n − 1]q , . . . , [1]q ! é o chamado q-fatorial, com as


definições [1]q ! ≡ 1 e [0]q ! ≡ 1

1.4 As álgebras de Heisenberg generalizadas

No inı́cio da década, Rego-Monteiro e Curado [4] propuseram uma


nova classe de álgebras de Heisenberg, chamada por eles de álgebras
de Heisenberg generalizadas (AHG), que devido a depender de uma
função f , dita função caracterı́stica da álgebra, pode apresentar uma
grande variedade de comportamentos e sua principal caracterı́stica
é o fato de o conjunto dos autovalores do hamiltoniano de um sis-
tema fı́sico ser descrito por meio de um processo iterativo dessa
função f . Um outro fato importante de se citar é que a álgebra
do oscilador harmônico é um caso particular dessas álgebras, com a
função caracterı́stica dada por f (x) = x+1. Como pode ser visto em
[4], devido a esse caráter iterativo da álgebra, as técnicas da teoria
12 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

de sistemas dinâmicos podem ser utilizadas para o estudo das suas


representações. Como a função caracterı́stica da álgebra deve ser
analı́tica, ela admite uma expansão em série de potências em torno
de um ponto qualquer4 do domı́nio de f , dessa forma, as AHG são
álgebras de Heisenberg deformadas multiparamétricas, por depen-
derem, em um caso geral, de um número infinito de parâmetros.
Como também é mostrado em [4], quando a função caracterı́stica é
linear, a AHG se reduz à álgebra de q-osciladores.
Passemos a definição da álgebra de Heisenberg generalizada:
Definição. Sejam J0 , A e A† três operadores lineares definidos
sobre um espaço linear H, e seja f : R → R uma função analı́tica.
Esses operadores são os geradores de uma álgebra de Heisenberg
generalizada se o produto desses operadores é dado pelas relações

J0 A† = A† f (J0 ), (1.29)

AJ0 = f (J0 )A, (1.30)

[A, A† ] = f (J0 ) − J0 , (1.31)

onde o operador J0 é, por definição, hermitiano. Ainda temos uma


restrição sobre a função f , a de que a sequência de autovalores ge-
rada pela iteração de f a partir de um valor inicial α0 seja limitada
inferiormente e seu mı́nimo seja dado exatamente por α0 .
A restrição imposta sobre a função f possui papel fundamental
no estudo da teoria de representações da AHG, devido ao fato de
que essa restrição nos permite supor a existência de um estado de
vácuo para essa álgebra. Esse estado de vácuo, |0 > é definido pelas
relações A|0 > = 0 e J0 |0 > = α0 |0 >. Com essa definição em mãos,
passemos ao estudo das representações dessa álgebra.
4 Lembramos que essa expansão vale apenas localmente em torno de um dado ponto, embora
a função admita expansão em série de potências em torno de qualquer ponto do domı́nio de
f , para ver a definição exata de função analı́tica, veja [18].
1.4 As álgebras de Heisenberg generalizadas 13

Seja uma representação irredutı́vel da álgebra definida pelas eqs.


(1.29)-(1.31). Como o operador J0 é hermitiano, ele admite uma
base de autovetores. Consideremos o estado com o menor autovalor
de J0 , dado por α0 . Como é bem conhecido, temos
J0 |0 >= α0 |0 > . (1.32)

Como é evidente, para cada valor de α0 temos uma representação


diferente da álgebra. Como veremos adiante, o valor de α0 em geral
é associado ao valor da energia do estado fundamental de um dado
sistema fı́sico, de forma que para o mesmo problema fı́sico podemos
ter diferentes representações da álgebra, uma vez que, no caso não-
relativı́stico temos a liberdade de fixar a energia a menos de uma
constante5 . Além disso, como é mostrado em [4], o conjunto dos
parâmetros que definem a função caracterı́stica da AHG definem os
valores permitidos para α0 , devido à condição desse autovalor ser
minı́mo.
Seja |m > um autoestado normalizado de J0 . Como sabemos,
temos
J0 |m >= αm |m > . (1.33)

Aplicando o produto J0 A† no autoestado |m > e usando a eq.


(1.29),
J0 A† |m >= A† f (J0 )|m >=
f (αm )A† |m >, (1.34)

o que nos mostra que o vetor A† |m > é um autoestado de J0 com


autovalor f (αm ). Por outro lado, se fizermos esse procedimento a
partir de |0 > sucessivamente, vemos que a cada aplicação de A†
nós criaremos um novo autoestado de J0 . Se o processo é repetido
m vezes, temos então
J0 (A† )m |0 >= f (m) (α0 )(A† )m |0 >, (1.35)
5 Para uma discussão de tal fato veja [19].
14 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

onde f (m) (α0 ) denota a m-ésima iterada da função f . Como cada


aplicação de A† cria um novo autoestado de J0 , e os autovalores
formam um sequência na qual o autovalor seguinte é a próxima ite-
rada de f calculada para α0 , é conveniente definirmos que (A† )m |0 >
seja proporcional a |m >, dessa forma podemos dizer que A† é um
operador de criação. Desse fato decorre imediatamente que

αm = f (m) (α0 ) = f (αm−1 ). (1.36)

Se repetirmos esse procedimento para A, aplicando a eq. (1.30)


em |m + 1 >, obtemos

AJ0 |m + 1 > = f (J0 )A|m + 1 >= αm+1 A|m + 1 >=


= f (αm )A|m + 1 >, (1.37)

que mostra que o autoestado A|m + 1 > tem autovalor αm , dessa


forma, temos A|m + 1 > ∝ |m >. Ou seja, o operador A é um
operador de aniquilação.
De forma geral, o seguinte teorema nos dá como os geradores da
AHG de uma representação atuam sobre os autoestados de J0 :
Teorema. Seja H um espaço linear. Se os operadores J0 : H → H,
A : H → H e A† : H → H satisfazem ao conjunto de eqs. (1.29)-
(1.31), ou seja, eles definem uma representação da AHG no espaço
H, então esses operadores atuam da seguinte forma na base dos
autoestados de J0 :

J0 |m − 1 >= f (m−1) (α0 )|m − 1 >, m = 1, 2, . . . (1.38)

A† |m − 1 >= Nm−1 |m >, (1.39)

A|m >= Nm−1 |m − 1 >, (1.40)

2
onde Nm = f (m+1) (α0 ) − α0 . Como é imediato, ao fazermos m = 0,
temos satisfeita a condição de |0 > ser o estado de vácuo.
1.4 As álgebras de Heisenberg generalizadas 15

Demonstração. A demonstração é feita por indução. Aplicando a


eq. (1.29) no estado de vácuo, obtemos J0 (A† |0 >) = f (α0 )A† |0 >.
Definindo |1 > = N10 (A† |0 >), onde N0 é uma constante a ser de-
terminada. Como é direto a partir da eq. (1.29), temos J0 |1 > =
f (α0 )|1 >. Supondo que |1 > seja normalizado, podemos deter-
minar a constante N0 usando a condição de normalização. Dessa
forma obtemos, utilizando ainda a eq. (1.31), que N02 = f (α0 ) − α0 .
Aplicando agora o operador A no estado |1 >, temos A|1 > =
1
N0
AA† |0 >. Utilizando a eq. (1.31) e a definição do estado de
vácuo, temos então o resultado desejado, A|1 > = N0 |0 >. O que
encerra demonstração para o caso m = 1.

Agora, suponhamos que as eqs. (1.38)-(1.40) sejam válidas para


m. Aplicando J0 no membro esquerdo de (1.39) e usando a eq.
(1.29), temos

J0 |m >= f (m) (α0 )|m > . (1.41)

Agora se aplicarmos a eq. (1.29) ao estado |m > e utilizarmos a


última equação, podemos supor a existência de um estado |m + 1 >
tal que |m + 1 > = C(m) 1
A† |m >, onde C(m) é uma constante.
Impondo que |m + 1 > seja normalizado, podemos determinar essa
constante
1
1 =< m + 1|m + 1 >= < m|AA† |m >=
(C(m))2
1
< m|A† A|m > + < m| − J0 + f (J0 )|m > =
 
=
(C(m))2
1 (m) (m+1)

= Nm−1 − f (α0 ) + f (α0 ) . (1.42)
(C(m))2

o que implica em A† |m > = Nm |m+1 >, com Nm = f (m+1) (α0 )−α0 .

Resta-nos agora mostrar a validade de (1.40) para m + 1. Esse


fato é mostrado diretamente aplicando a eq. (1.30) ao estado |m >
e utilizando as eqs. (1.38)-(1.40). O que encerra a demonstração.
16 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

Esse teorema nos mostra como os geradores de uma AHG a-


tuam em uma representação linear dessa álgebra, indicando assim
um caminho a ser seguido para a construção das realizações das
AHG em um espaço linear. As eqs. (1.39) e (1.40) nos fornecem um
ponto de partida para a obtenção dos operadores A† e A nessas rea-
lizações. Dessa forma, se o operador J0 é associado ao hamiltoniano
de um sistema fı́sico, que tenha um espectro e autoestados conheci-
dos, podemos obter os operadores de criação e aniquilação nessa
realização a partir da função de onda e das eqs. (1.39) e (1.40). Um
outro fato que merece ser destacado na demonstração é a utilização
explı́cita da hipótese dos operadores A e A† serem um o adjunto do
outro.
Mostremos agora a recı́proca do teorema acima:
Teorema. Seja f : R → R uma função analı́tica. E seja H um
espaço linear, com base |n >, n = 0, 1, 2, . . .. Se os operadores
A : H → H, A† : H → H e J0 : H → H obedecem às eqs.
(1.38)-(1.40) e J0 é hermitiano, então esses operadores representam
os geradores da AHG associada a f em H.
Demonstração. Aplicando o produto J0 A† a um estado qualquer da
base, |n >, temos
p
J0 A† |n >= J0 (pf (n+1) − α0 )|n + 1 >=
= αn+1 ( f (n+1) − α0 )|n + 1 >=
= A† (αn+1 |n >) = A† (f (αn )|n >) =
= A† f (J0 )|n >, (1.43)

o que implica em (J0 A† − A† f (J0 ))|n > = 0. Como |n > é qualquer,


temos então

J0 A† = A† f (J0 ). (1.44)

Agora aplicando o produto AJ0 em |n >, obtemos

AJ0 |n >= αn A|n >=


1.4 As álgebras de Heisenberg generalizadas 17
q
= αn f (n) (αn ) − α0 |n − 1 >=
q
= f (αn−1 ) f (n) (αn ) − α0 |n − 1 >=
q
= f (J0 )( f (n) (αn ) − α0 |n − 1 >) =
= f (J0 )A|n >, (1.45)

repetindo a análise do caso anterior, temos então

AJ0 = f (J0 )A. (1.46)

Resta apenas calcular o comutador [A† , A]. Aplicando esse comuta-


dor em |n >, temos
q 
† † †
(A A − AA )|n >= A f (n) (α0 ) − α0 |n − 1 > −
q 
−A f (n+1) (α0 ) − α0 |n + 1 > =
= (f (n) (α0 ) − α0 )|n >
−(f (n+1) (α0 ) − α0 )|n >=
= (f (n) (α0 ) − f (n+1) (α0 )|n > . (1.47)

Usando o fato que f (n) (α0 ) = αn , temos então

[A† , A]|n >= (αn − f (αn ))|n >=


= (J0 − f (J0 ))|n >, (1.48)

o que implica em [A† , A] = J0 − f (J0 ). O que completa a prova.


Esse teorema possui grande importância pois exclui a necessidade
de se verificar que os operadores A e A† , obtidos a partir das eqs.
(1.39) e (1.40), satisfazem ou não à AHG de um caso particular
qualquer.
Resta-nos ainda mostrar que o operador dado por

C = A† A − J0 = AA† − f (J0 ) (1.49)

é um operador de Casimir para a AHG. Para mostrar tal fato, basta


usar as relações (1.29)-(1.31), que definem a AHG, para obtermos
18 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

que o comutador de cada um dos geradores da AHG com C anula-


se identicamente. Agora, se aplicarmos o operador de Casimir em
autoestado |n > de J0 , e usarmos as eqs. (1.38)-(1.40), temos o
seguinte resultado:

C|n >= (A† A − J0 )|n >= (f (n) (α0 ) − α0 − f (n) (α0 ))|n >=
= −α0 |n >, (1.50)

o que nos mostra que o Casimir de uma AHG, no caso geral, é


proporcional à identidade e possui autovalor −α0 . Esse fato nos dá
uma forma, válida no caso geral, de escrevermos o gerador J0 da
álgebra em termos dos operadores de criação e aniquilação.

1.5 Estudo dos casos linear e quadrático

A AHG é definida pela relação entre os geradores dessa álgebra, dada


pelas eqs. (1.29) - (1.31). Como sabemos, as relações algébricas
(1.29) e (1.30) são definidas de forma que o espectro de J0 seja dado
pelas iterações da função f a partir de um valor inicial α0 . Dessa
forma, quanto maior a complexidade de f maior será a complexidade
do comportamento dos autovalores de J0 . Foi mostrado ainda em
[4] que o caráter iterativo dessa álgebra nos permite analizar as
representações das AHG por meio da análise da estabilidade dos
pontos fixos da função f e de suas iterações. Aqui faremos uma
breve ilustração de como a análise dos pontos fixos de f pode ser
usada no estudo das representações das AHG, a análise completa é
encontrada em [4].
Caso linear. Para o caso linear, temos f (J0 ) = rJ0 + s, as eqs.
(1.29) - (1.31) ficam

[J0 , A† ]r = sA† , (1.51)

s
[J0 , A]r−1 = − A, (1.52)
r
1.5 Estudo dos casos linear e quadrático 19

Figura 1.1: A função linear e suas iterações, para o caso em que temos um
ponto fixo estável. Como se vê claramente, as iterações de f fazem com que a
sequência de autovalores tenha como limite o ponto fixo α∗ = 3.

[A, A† ] = (r − 1)J0 + s, (1.53)

onde relembramos que [a, b]q = ab − qba é o q-comutador de a e b.


Dessa forma, as eqs. (1.51) - (1.53) descrevem a AHG para o caso
linear e podem ser mapeadas na álgebra de q-osciladores. Quando
r = 1, a álgebra de Heisenberg é recuperada, para qualquer valor
de s, uma vez que este pode ser eliminado pela transformação: b =
√ √
A/ s, b† = A† / s e N = J0 /s. Fazendo essa mesma transformação
nos geradores para o caso em que r 6= 1, eliminamos o parâmetro s
também no caso da álgebra de q-osciladores.
Como pode-se facilmente mostrar por indução, no caso geral
temos
rm − 1
f (m) (α0 ) = rm α0 + s , (1.54)
r−1

o que implica em
2
Nm−1 = f (m) (α0 ) − α0 = [m]r N02 , (1.55)

onde [m]r ≡ (rm −1)/(r−1) é o número de Gauss e N02 = α0 (r−1)+s.


20 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

Aqui estamos interessados apenas nas representações de dimensão


infinita, para obtermos tais representações, devemos resolver o se-
guinte sistema de equações
2
Nm > 0, ∀n. (1.56)

Temos duas soluções para esse sistema de equações que satisfazem


a propriedade de existência de um estado de vácuo. Essas soluções
são dadas por:
s
i) r > 1 e α0 > 1−r
.
s
ii) 0 < r < 1 e α0 < 1−r
.
Como é simples de se ver a partir de (1.38) e (1.54), a sequência de
autovalores para o caso (i) é divergente. Por outro lado, a sequência
de autovalores do caso (ii) é convergente para o ponto fixo de f ,
dado por α∗ = 1−rs
. Lembrando que o ponto fixo de uma função é
definido como a solução da equação f (α∗ ) = α∗ .
A razão para esses dois comportamentos assintóticos dos auto-
valores de J0 é simples. Como sabemos, o espectro de J0 é obtido
pela iteração de f a partir do autovalor inicial de J0 . Devido a esse
caráter iterativo, o que determina o comportamento assintótico dos
autovalores de J0 é a estabilidade6 ou não do ponto fixo de f . Se o
ponto fixo é estável (0 < r < 1) ou instável (r > 1) os autovalores
de J0 tendem ao ponto fixo α∗ = 1−r s
ou divergem, respectivamente,
já que os autovalores são dados pela iteração de f a partir de α0 .
Finalizando, mencionamos o fato de que os valores permitidos de
α0 para esses dois casos são consequência direta da necessidade de
termos um estado de vácuo bem definido.
Uma análise gráfica das funções f (α) = rα+s e y = α é mostrada
na figura 1.1, para o caso em que f (α) = 32 α + 1. A interseção entre
ponto fixo α∗ é estável se |f 0 (α∗ )| < 1 e dito instável se |f 0 (α∗ )| > 1. Para um estudo
6 Um

detalhado da estabilidade de pontos fixos e aplicações na teoria de sistemas complexos, veja


[21].
1.5 Estudo dos casos linear e quadrático 21

as curvas é identificada com o ponto fixo de f . Esse comportamento


é similar àquele de sistemas com espectro limitado, como o caso das
moléculas diatômicas. O ponto fixo α∗ pode ser associado com a
energia de dissociação do sistema: Dq ≡ α∗ − α0 . Esse resultado
apresenta as AHG como uma possı́vel ferramenta para o estudo
desses sistemas, como pode ser encontrado em [6], onde as AHG
foram aplicadas ao estudo da molécula de CO.
Caso quadrático. O estudo do caso quadrático da AHG, descrito
com a função f (J0 ) = tJ02 + rJ0 + s, foi apresentado em [4]. Para
esse caso, temos

[J0 , A† ]r = tA† J02 + sA† , (1.57)

t s
[J0 , A]r−1 = − J02 A − A, (1.58)
r r

[A† , A] = −tJ02 + (1 − r)J0 + s. (1.59)

Como é evidente a partir dessas equações, temos a álgebra de Heisen-


berg deformada para t = 0 e a álgebra de Heisenberg para t = 0, r
= 1 e s = 1. Como no caso linear, o parâmetro s pode ser eliminado
por uma redefinição dos geradores da AHG. Tal transformação é
√ √
dada por J0 → J00 = J0 /s, A† → B † = A† / s, A → B = A/ s e t
→ t0 = st.
Como no caso linear, será analisada a estabilidade dos pontos
fixos das equações (1.57) - (1.59), com o objetivo de se encontrar
as possı́veis representações (finitas e infinitas) da álgebra não-linear
acima. No entanto, agora faremos essa análise por meio da análise
gráfica das iterações de f . Como sabemos, os pontos fixos são os
pontos em que as curvas y = f (x) e y = x se interceptam. Para
determinarmos graficamente a evolução das iterações de f a partir
de um valor inicial α0 , procedemos da seguinte forma:
1) desloca-se verticalmente até o gráfico de f a partir de α0 ;
22 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

Figura 1.2: A função quadrática e suas iterações, para o caso (I). Como se vê
claramente, αn tende ao infinito a medida que n cresce. A figura é para os
valores t = 1, r = −1, 5 e s = 2, 5.

2) desloca-se horizontalmente até o gráfico y = x;


3) repetem-se os passos (1) e (2).
Esse procedimento é ilustrado para o caso quadrático na figura 1.2.
Como sabemos, os pontos fixos são as soluções da equação f (α∗ ) =
α∗ . Aqui temos três casos para serem estudados, (I) ∆ < 0, (II)
∆ = 0 e (III) ∆ > 0, onde ∆ = (r − 1)2 − 4ts. No primeiro caso
não temos pontos fixos e temos apenas representações de dimensão
infinita para t > 0. Assim, o caso (I) fornece representações de
dimensão infinita sendo α0 o menor valor da representação. Ou
seja, temos as representações de dimensão infinita para o conjunto
de valores {t > 0, ∆ < 0 e α0 ∈ R}. Veja a fig. 1.2.
No caso (II) temos um ponto fixo dado por α∗ = (1−r)/2t, se t >
0. Se tomarmos α0 = α∗ , temos uma representação unidimensional
da álgebra, já que temos, evidentemente, N0 = 0. Além dessa re-
presentação trivial e não interessante temos ainda representações de
dimensão infinita, desde que α0 6= α∗ . Ou seja, temos representações
infinitas para o conjunto {t > 0, ∆ = 0 e α0 ∈ R, α0 6= (1 − r)/2t}.
1.5 Estudo dos casos linear e quadrático 23

Figura 1.3: A função quadrática e suas iterações, para o caso (II). Nesse caso
também temos αn tendendo ao infinito se temos α0 6= α∗ . A figura foi obtida
com os valores t = 1, r = −2 e s = 9/4.

Veja a fig. 1.3.


No caso (III), temos regiões no espaço dos parâmetros (t, r, s, α0 )
que correspondem à presença de atratores de perı́odos 1, 2, 4, . . .
e regiões caóticas. Aqui analizaremos apenas o caso dos pontos
fixos (atratores de perı́odo 1), a análise para o caso dos atratores de
perı́odo 2, que são os pontos fixos da função f 2 , pode ser encontrada
em [4]. Como temos a presença de atratores de perı́odos7 mais altos
que 1, temos a presença de representações de dimensão finita nesse
caso, além das representações de dimensão infinita. Para t > 0,
temos a presença de dois pontos fixos, dados por

∗ 1−r± ∆
α± = . (1.60)
2t
∗ ∗
O ponto fixo α+ é sempre instável, enquanto α− é estável se 0 <
∆ < 4. As regiões onde as iterações de f são tais que f (n) (α0 ) > α0
∀ n são dadas por:
7 Porexemplo, a atratores de perı́odo 2 temos associadas representações bidimensionais, já
que teremos dois valores para o espectro de J0 , se tomarmos α0 como sendo o ponto que é o
atrator de perı́odo 2.
24 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

Figura 1.4: As iterações da função quadrática para o caso (III). Aqui temos
α0a para ilustrar a região (ii), na qual os autovalores αn tendem para infinito a
medida que n cresce. O valor inicial α0b ilustra o comportamento de αn para a

região (ii), na qual a sequência tende para o ponto fixo α− . A figura foi obtida
com os valores t = 0, 8, r = −4 e s = 6.

∗ ∗
i) αm < α0 < α− onde αn evolui para α− .

ii) −∞ < α0 < αm e α+ < α0 < ∞, nas quais αn tende ao infinito.

Temos ainda αm = −1−r− 2t

nas desigualdades acima e é obtido de
∗ ∗ ∗ ∗
forma que f (α+ ) = f (α ) e αm 6= α+
m
. A região α− < α0 < α+ não
corresponde a uma região onde α0 seja o menor valor e portanto
∗ ∗
deve ser descartada. Veja a fig. 1.4. Para α0 = α− ou α0 = α+ ,
temos duas representações unidimensionais.

1.6 A realização da AHG para o poço quadrado


infinito de potencial

Como é de se esperar, o objetivo final no estudo das AHG reside


na descrição de sistemas fı́sicos por meio dessas. Para descrevermos
um sistema fı́sico qualquer, precisamos obter uma forma de descrever
1.6 Realização da AHG para o poço quadrado 25

os observáveis associados a um dado sistema fı́sico a partir dos ge-


radores da álgebra, permitindo assim o cálculo dos valores esperados
desses observáveis e demais grandezas de interesse fı́sico, como os
elementos da matriz S, entre outros.
Foi mostrado em [20] que qualquer sistema quântico cujos au-
tovalores de energia possam ser descritos na forma n+1 = f (n ),
onde n+1 e n são os autovalores associados a dois nı́veis de ener-
gia consecutivos, podem ser descritos por uma AHG com a função
caracterı́stica dada por f . Dessa forma ficou claro como obter a
AHG associada a um dado sistema fı́sico, restando então fazer a
relação entre os geradores da AHG e os observáveis relevantes do
sistema fı́sico em questão, como momentum e posição, por exemplo.
Feita essa relação, podemos então obter os valores esperados dos
observáveis do sistema algebricamente.
Nessa seção obteremos a realização da AHG para o caso do poten-
cial do poço quadrado infinito, como foi mostrado recentemente em
[7], com os operadores de criação e aniquilação dados como funções
da posição, x, e operadores diferenciais.

1.6.1 A AHG para o poço

Consideremos uma partı́cula livre de massa m em um poço quadrado


de potencial V (x) = 0 para 0 < x < L e V (x) = ∞ caso contrário.
Nesse caso a equação de Schrödinger é dada por HΨn (x) = bn2 Ψn (x),
onde n = 1, 2, . . . e H = −(~2 /2m)d2 /dx2 + V (x) e as soluções
p
são Ψn (x) = 2/L sin (nπx/L), com b = (~2 π 2 /2mL2 ). Como é
bem conhecido, o conjunto de funções Ψn é uma base do espaço de
Hilbert das funções de onda, com o produto interno usual, dado por
dxΨ∗n (x)Ψm (x) = δmn . A partir da expressão para n+1 , obtemos
R

a função caracterı́stica diretamente: n+1 = b(n + 1)2 = bn2 + 2bn + b


√ √
= n + 2 b n + b. Assim a função caracterı́stica da AHG ligada a
√ √
esse sistema fı́sico é dada por f (x) = x + 2 b x + b, de forma que
26 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

temos a seguinte AHG gerada pelo hamiltoniano H e os operadores


A e A†
√ √
[H, A† ] = 2 b H + bA† , (1.61)

√ √
[H, A] = −2 b H − bA, (1.62)

√ √
[A, A† ] = 2 b H + b. (1.63)

Como o hamiltoniano é positivo definido, a raiz quadrada desse


operador é bem definida. O parâmetro b também pode ser eliminado
das relações de comutação da AHG por meio da seguinte redefinição
√ √
dos geradores: H → H/b, A → A/ s e A† → A† / s. Daqui em
diante aliminaremos o parâmetro b nas relações de comutação.
Aplicando diretamente o teorema da pág. 14, obtemos a forma
como os geradores da AHG atuam sobre as funções de onda Ψn (x),
que representam os autoestados do hamiltoniano no espaço de Hil-
bert. Os geradores da AHG atuam da seguinte forma

HΨn (x) = bn2 Ψn (x), n = 1, 2, . . . , (1.64)

p
A† Ψn (x) = (n + 1)2 − 1Ψn+1 (x), (1.65)


AΨn (x) = n2 − 1Ψn−1 (x), (1.66)

onde temos Nn2 = (n + 1)2 − 1. Aqui notamos ainda como A aniquila


o estado de vácuo do poço infinito, dado por Ψ1 (x), como é esperado.

1.6.2 A realização da AHG no espaço das funções de onda

No caso do oscilador harmônico, os operadores de criação e aniquila-


ção são obtidos em termos dos operadores de posição e operadores
diferenciais, que permitem um tratamento completo do sistema por
1.6 Realização da AHG para o poço quadrado 27

Figura 1.5: A função caracterı́stica f (x) associada ao poço quadrado infinito de


potencial (linha escura) e suas primeiras iterações, partindo do valor inicial 1
= 1.

um método algébrico, que é equivalente ao uso das funções de onda.


No caso que estamos tratando também é possı́vel fazer tal trata-
mento, pela obtenção de uma realização adequada dos geradores H,
A e A† em termos dos operadores de posição e operadores diferen-
ciais, que satisfazem às eqs. (1.61)-(1.63), dada por
d2
H = − 2, (1.67)
dx
r  
2 d
A= 1+ − sin x + N cos x , (1.68)
N dx

 r
† d 2
A = sin x + cos xN 1+ , (1.69)
dx N

onde N é o operador número, definido por N Ψn (x) = nΨn (x). Esse


operador é dado como função do hamiltoniano, pela relação N =

H, como pode ser visto imediatamente a partir da definição de N .
Notamos ainda que os operadores de criação e aniquilação são bem
28 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

definidos no espaço de Hilbert em consideração, ou seja, o resultado


da atuação desses operadores sobre as funções de onda ainda são
funções de onda.
Resta-nos agora verificar que esse conjunto de operadores de fato
atua como os geradores de uma AHG no espaço das funções de onda,
ou seja, se eles satisfazem às eqs. (1.64)-(1.66), para b = 1. Como é
evidente a partir da própria equação de Schrödinger, o operador H
satisfaz à eq. (1.64). Agora vejamos como atua o operador A† :

A† Ψn (x)
!=
 r r
d 2 2
= sin x + cos xN 1+ sin (nx) =
dx N π
r r r !
2 2 d(sin (nx)) 2
= 1+ sin x +n cos x sin (nx) =
n π dx π

r
2
= n2 + 2n (sin x cos nx + cos x sin nx) =
π

r
2
2
= n + 2n sin ((n + 1)x) =
π

= n2 + 2nΨn+1 (x), (1.70)

que mostra que o operador dado por (1.69) satisfaz à eq. (1.65).
Agora atuemos com o operador A sobre a função de onda Ψn (x)

r r AΨn (x) =
 
2 2 d
= 1+ − (sin x sin nx) + N (cos x sin nx) . (1.71)
π N dx

Aqui deparamos com o problema de como atuar o operador N so-


bre a função cos x sin nx, tal problema é resolvido se expressarmos
esse produto de funções trigonométricas como uma combinação li-
near de autoestados do hamiltoniano. Tal decomposição é possı́vel,
basta utilizarmos a decomposição de produto em soma de funções
trigonométricas, fato elementar de matemática. Tendo em mãos
1.6 Realização da AHG para o poço quadrado 29

essa combinação linear, podemos então atuar o operador N e obter


a seguinte expressão
r
2
AΨn (x) = (n − 1) 1 + Ψn−1 (x) =
√ N
= n2 − 1Ψn−1 (x) (1.72)

que é exatamente o resultado esperado, dado pela eq. (1.66). O


teorema à página 16 nos garante que esses operadores satisfazem à
AHG definida pelas eqs. (1.63)-(1.65).
Aqui é importante notarmos que os operadores A e A† aqui obti-
dos são dependentes das condições de contorno adotadas para o
problema, de forma que se tivéssemos considerado o poço quadrado
simétrico, que difere apenas pelas condições de contorno, esses o-
peradores não satisfariam a AHG, basta lembrar que as funções de
onda dos autoestados mudam, sendo dadas pela função cos nx, em
vez de sin nx. No caso geral, a forma explı́cita da realização depende
da forma particular do potencial e de suas condições de contorno.
Construção dos operadores A e A† . Para sistemas quânticos
simples, para os quais as soluções da equação de Schrödinger se-
jam conhecidas e cujos autovalores possam ser utilizados para cons-
truirmos a AHG relacionada e obtermos a função caracterı́stica ao
sistema, foi proposto em [7] um método geral para a realização fı́sica
dos operadores A e A† da AHG em termos dos operadores x e d/dx.
Partindo da forma geral
 
† d
A = g1 (x) + g2 (x)ρ(N ) τ (N ) (1.73)
dx

onde as funções g1 (x), g2 (x), ρ(N ) e τ (N ) são funções suaves a serem


determinadas de forma que a equação
A† Ψn (x) = Nn Ψn+1 (x) (1.74)

seja satisfeita para o caso de interesse, lembramos aqui que Nn2 =


f (n+1) (α0 ) − α0 . Temos ainda que N é o operador número, definido
30 1 Introdução às álgebras de Heisenberg generalizadas

por N Ψn (x) = nΨn (x) e x o operador posição. O operador A é


obtido tomando-se o adjunto do operador de criação. A solução
da eq. (1.74) em geral determina de forma única as funções g1 (x),
g2 (x), ρ(N ) e τ (N ), de forma que a realização da AHG é obtida
univocadamente.
É importante notar que na eq. (1.73), as funções g1 (x) e g2 (x)
são definidas de forma que as aplicações dessas funções sobre Ψn (x)
possam ser descritas como combinações lineares da base {Ψn (x)}, o
que representa uma grande dificuldade desse método para sistemas
que possuam funções de onda mais complicadas, como por exem-
plo os casos dos potenciais de Pöschl-Teller e Pöschl-Teller modi-
ficado. Tal dificuldade reside na atuação do operador A sobre as
funções Ψn (x), devido ao operador A apresentar um termo da forma
ρ(N )g2 (x) e não conseguirmos expressar o produto g2 (x)Ψn (x) como
combinação linear dos autoestados do hamiltoniano.
No próximo capı́tulo, propomos uma nova forma de se obter a
realização de uma AHG no espaço das funções de onda. Esse método
contorna o problema na obtenção de A, já que na forma de A e A†
proposta adiante o operador N sempre atua primeiro nas funções de
onda.
Capı́tulo 2

Os exemplos de realizações
das AHG: os casos dos
potenciais de Pöschl-Teller
e Pöschl-Teller modificado

No fim do capı́tulo anterior vimos como foi obtida a realização da


AHG para o caso do potencial do poço quadrado infinito. Como vi-
mos, os operadores de criação e aniquilação da álgebra foram obtidos
a partir da proposição de uma forma geral para o operador A† da
forma
 
† d
A = g1 (x) + g2 (x)ρ(N ) τ (N ), (2.1)
dx

onde x e N são, respectivamente, o operador de posição e o operador


número, e as funções g1 , g2 , ρ e τ são funções suaves. Note que os
operadores x e N não comutam, já que o operador N , como ficará
claro adiante, pode ser escrito como uma função de x e do operador
d
diferencial dx . Como vimos, a realização foi obtida pela aplicação
da forma geral (2.1) na função de onda para o poço infinito, que

31
32 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

já era previamente conhecida, de forma a fixarmos todas as funções


presentes no ansatz de forma unı́voca.

Vimos ainda que sobre as funções g1 e g2 é imposta a condição de


que o produto g(x)Ψ(x) seja escrito como uma combinação linear
dos estados da base do espaço de Hilbert. Como a função de onda
para o caso do poço infinito apresenta uma forma simples, dada
por uma função trigonométrica simples (sin nx, para a escolha das
condições de contorno feitas no capı́tulo anterior), foi possı́vel obter
as funções de forma que satisfaçam a essa propriedade. Notemos
ainda que essa propriedade é de suma importância para a atuação do
operador A, que é obtido apenas tomando-se diretamente o adjunto
de A† , sobre as funções de onda, já que o operador ρ(N ) vai atuar
após o operador g2 (x) sobre as funções de onda, ou seja, vai atuar
sobre o produto g2 (x)Ψn (x).

Esse fato é a maior dificuldade a ser vencida na obtenção da AHG


de um sistema fı́sico por esse método. Entretanto, a condição im-
posta sobre as funções g1 e g2 é difı́cil de ser satisfeita para sistemas
que apresentem funções mais complicadas como solução da equação
de Schrödinger, como por exemplo os casos do potencial de Pöschl-
Teller e do potencial de Pöschl-Teller modificado, que apresentam
funções especiais como solução dadas por hipergeométricas. Nesses
dois casos, não é possı́vel obter uma função g2 de forma que pos-
samos escrever o produto g2 (x)Ψn (x) como uma combinação linear
dos autoestados, ou seja, não sabemos como proceder com a atuação
do operador ρ(N ) sobre essa função.

Entretanto, neste trabalho vamos propor um novo método para


a obtenção da realização da AHG, inspirado no método proposto
em 1951 por Infeld e Hull, veja [22]. Esse método é ligeiramente
diferente do método usado no caso do poço e aqui o aplicaremos para
os já citados potenciais de Pöschl-Teller e Pöschl-Teller modificado.
Como sabemos, o teorema 2, na pág. 16, nos garante que se as
33

equações

J0 Ψn (x) = f (n) (α0 )Ψn (x), n = 0, 1, 2, . . . (2.2)

A† Ψn (x) = Nn Ψn+1 (x), (2.3)

AΨn (x) = Nn−1 Ψn−1 (x), (2.4)

com Nn2 = f (n+1) (α0 ) − α0 , são satisfeitas, então os operadores J0 ,


A† e A são os geradores da AHG gerada por f . Com isso, se os
operadores A† e A satisfazem as equações (2.3) e (2.4), respectiva-
mente, eles irão automaticamente ser adjuntos um do outro. Assim,
podemos obter esses operadores de forma independente e contornar
o problema da atuação do operador N sobre o produto g2 (x)Ψn (x).
Aqui nosso objetivo é obtermos os operadores de criação e aniquilação
por meio de uma mesma forma geral, dada por
 
d
A = g1 (x) + g2 (x, N ) τ (N ), (2.5)
dx

com o operador N , ou funções de N , atuando sempre primeiro na


função de onda, ou seja, ficando à direita de x. Obviamente, como
os operadores satisfazem à equações diferentes, (2.3) e (2.4), as
funções a serem fixadas são necessariamente diferentes. Para po-
dermos aplicar esse método a um dado sistema fı́sico, a condição a
ser satisfeita é que a derivada de Ψn possa ser escrita nas formas
dΨn (x)
= h1 (n)g1 (x)Ψn+1 (x) + g2 (x, n)Ψn (x) (2.6)
dx
e
dΨn (x)
= h3 (n)g3 (x)Ψn−1 (x) + g4 (x, n)Ψn (x) (2.7)
dx
que determinam os operadores de criação e aniquilação, respectiva-
mente, em conjunto com as eqs. (2.3) e (2.4).
34 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Se essa condição é satisfeita, temos o seguinte método geral para


obtermos os operadores de criação e aniquilação:
1) Isolamos no membro esquerdo os termos com Ψn (x) e usamos
as definições dos operadores x e N , de forma que N sempre atue
primeiro na função de onda. Após esse passo ficamos com:
 
d
+ G2 (x, N ) Ψn (x) = h1 (n)(g1 (x))−1 Ψn+1 (x). (2.8)
dx

2) Utilizando a definição do operador x e o fato de Ψn+1 (x) ser au-


toestado de x para multiplicarmos ambos os lados da última equação
por g1 (x) pela esquerda, obtemos então
 
d
g1 (x) + g2 (x, N ) Ψn (x) = h1 (n)Ψn+1 (x). (2.9)
dx

3) Utilizando a definição e a linearidade de A† e a definição de N ,


obtemos então
 
d h1 (N )
g1 (x) + g2 (x, N ) Ψn (x) = A† Ψn (x), (2.10)
dx NN
p
onde NN é definido como NN Ψn (y) ≡ f (n+1) (α0 ) − α0 Ψn (y).
4) Como a última equação é válida para todo n, temos uma identi-
dade entre operadores:
 
† h1 (N ) d
A = g1 (x) + g2 (x, N ) . (2.11)
NN dx

Multiplicando à direita ambos os membros da última equação por


τ (N ) = hN N
1 (N )
, obtemos o operador de criação na forma geral
 
† d
A = g1 (x) + g2 (x, N ) τ (N ). (2.12)
dx

Neste trabalho apresentaremos a realização das AHG para os ca-


sos já citados dos potenciais de Pöschl-Teller e Pöschl-Teller modi-
ficado que apresentam grande importância no estudo das vibrações
35

moleculares e são talvez os exemplos mais conhecidos de potenciais


anarmônicos em mecânica quântica. Além disso, esses potenciais
são utilizados de maneira recorrente como exemplos de aplicação
para técnicas em mecânica quântica, como métodos algébricos e for-
mulações da mecânica quântica no espaço de fase. De certa forma
aqui seguiremos essa ”tradição”. Algumas aplicações do potencial
de Pöschl-Teller podem ser encontradas em [23], [24], [25] e [26].

2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado

Nesta seção apresentaremos a realização da AHG para o caso do


potencial de Pöschl-Teller modificado (PTM), que foi proposto por
Morse, em 1932, em uma descrição do espectro vibracional do átomo
de nitrogênio na molécula de amônia, [27]. Para estudar o espectro
vibracional Morse propôs um potencial da forma
x 1
U (x) = B tanh −C . (2.13)
d cosh2 ( xd )

Esse potencial apresenta um mı́nimo se |B| < 2C, esse mı́nimo


ocorre para x0 = − tanh−1 ( 2C
B
).

Para o estudo do espectro vibracional, Morse utilizou a simetria


da molécula de amônia com relação aos dois átomos de hidrogênio
presentes na parte inferior da estrutura triangular da molécula de
amônia. A partir dessa simetria, Morse propôs que as vibrações do
átomo de nitrogênio ao longo do eixo x seriam descritas por um
potencial que apresentasse dois minı́mos, com uma barreira finita
entre os dois mı́nimos. Para tal, Morse propôs que o potencial dado
na eq. (2.13) fosse utilizado de maneira simétrica, na forma

B tanh( xd − k) − C cosh2 1( x −k) , x ≥ 0,


(
V (x) = d
(2.14)
B tanh( xd + k) − C cosh2 1( x +k) , x ≤ 0.
d
36 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

O modelo de Morse foi dos primeiros modelos a fornecerem uma


boa descrição do espectro vibracional de um átomo em uma molécula,
conseguindo obter os mesmos valores para as energias vibracionais
que os dados experimentais disponı́veis à época, mas falhando no
cálculo da energia de dissociação para a molécula de amônia. Para
detalhes veja o trabalho original de Morse, em [27].
O potencial de Pöschl-Teller modificado, como conhecido na lite-
ratura atualmente foi proposto por Pöschl e Teller em 1933, em [28],
e corresponde ao segundo termo do potencial proposto por Morse,
dado em (2.13). Ou seja, é o potencial da forma
1
V (x) = −C . (2.15)
cosh2 ( xd )

2.1.1 Pequena revisão sobre o caso do PTM

Aqui apresentaremos a resolução da equação de onda para o PTM,


de forma a obtermos o espectro de energia e os respectivos autoes-
tados. Seguindo a notação de Landau [9], o PTM é dado por
U0
V (x) = − , (2.16)
cosh2 αx
onde U0 é uma constante positiva e x toma qualquer valor real. O
gráfico do potencial é dado na fig. 2.1.
Com o potencial dado na eq. (2.16), temos a seguinte equação
de Schrödinger
 
00 2m U0
Ψ (x) + 2 E + Ψ(x) = 0, (2.17)
~ cosh2 αx

onde E é a energia do sistema. Para energias positivas, temos um


espectro contı́nuo de energia, enquanto para o regime de estados
ligados, ou seja, para energias negativas, temos um espectro discreto.
Trataremos aqui apenas o caso dos estados ligados, para ver o caso
do espectro contı́nuo, veja [29].
2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado 37

Figura 2.1: A curva do potencial de Pöschl-Teller modificado.

Introduzindo algumas notações,



−2mE 2mU0
= , q(q + 1) = 2 2 ,
~α r !α ~
1 8mU0
q= −1 + 1 + 2 2 , (2.18)
2 α ~

e fazendo uma mudança de variável x → y = tanh αx, a equação de


onda, (2.17), fica
2
   
d 2 dΨ
(1 − y ) + q(q + 1) − Ψ = 0. (2.19)
dy dy 1 − y2
Como é fato bem conhecido do estudo das funções especiais, essa
equação é a equação dos polinômios associados de Legendre, po-
dendo ser transformada na equação hipergeométrica por meio da

transformação Ψ(y) = (1 − y 2 ) 2 ω(y), e mudando, temporariamente,
a variável para z = 12 (1 − y). Feitas essas substituições, a equação
de onda fica

z(1 − z)ω 00 (z) + ( + 1)(1 − 2z)ω 0 (z)−


−( − q)( + q + 1)ω(z) = 0. (2.20)

Como aqui temos as condições de contorno de que a solução da


equação de onda deve ser normalizada, temos a necessidade de
soluções finitas para x → ±∞. Ou seja, estamos interessados nas
38 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

soluções da eq. (2.20) que sejam finitas para y = 1 e y = −1. A


solução de (2.20) que é finita para y = 1 é dada por
 1
Ψ(y) = (1 − y 2 )22 F1 ( − q,  + q + 1,  + 1; (1 − y)), (2.21)
2

onde 2 F1 é uma função hipergeométrica1 . Usando a relação bem con-


hecida entre as funções hipergeométricas e os polinômios de Gegen-
bauer dada por
Γ(2λ + n) 1 1−y
Cnλ (y) = F1 (−n, 2λ + n, λ + ; ), (2.22)
n!Γ(2λ) 2 2 2

obtemos a função de onda dada por


q−n q−n+ 12
Ψn (y) = Nnq (1 − y 2 ) 2 Cn (y). (2.23)

A condição de que Ψ seja finita para y = −1 implica na condição


 − q = −n, onde n = 0, 1, 2, . . ., de forma que F é um polinômio
de grau n. Utilizando essa condição em conjunto com as definições
de  e de q, dadas na eq. (2.18), obtemos os autovalores de energia
para os estados ligados, dados por
~2 α2
En = − (q − n)2 , (2.24)
2m
Como é direto a partir da definição de , temos para o regime de
estados ligados que  > 0 para todo n, o que implica na existência de
um número finito de estados ligados para o PTM, fato que é ligado
à existência de um mı́nimo de energia para o sistema. Como é evi-
dente, a energia mı́nima do sistema é dada para E0 = −~2 α2 q 2 /2m.

2.1.2 A AHG para o PTM

Como no caso do poço quadrado, a função caracterı́stica da AHG


para o caso do PTM é obtida escrevendo o nı́vel de energia En+1
1 Daqui em diante adotaremos a notação 2 F1 ≡ F .
2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado 39

como uma função do nı́vel anterior, En , ou seja, En+1 = f (En ).


Utilizando a equação para os nı́veis de energia dos estados ligados
para o PTM, temos

En+1 = −b(q − n − 1)2 =


= −b(q − n)2 − 2b(q
√ p − n) − b =
= En + 2 b −En − b. (2.25)

Onde tomamos b = −~2 α2 q 2 /2m. Assim, temos a função carac-


√ √
terı́stica f (x) = x + 2 b −x − b para o PTM. Como a energia
toma apenas valores negativos, a raiz quadrada presente na função
f é bem definida. Assim, a álgebra para esse caso é dada por
√ √
[H, A† ] = 2 bA† −H − bA† , (2.26)

√ √
[H, A] = −2 b −HA + bA, (2.27)

√ √
[A† , A] = −2 b −H + b. (2.28)

A raiz quadrada é bem definida, já que os autovalores de energia


são todos negativos. Como no caso do poço, a constante b pode ser
eliminada das relações de comutação pela redefinição dos geradores.

Redefinindo os operadores como H → H/b, A† → Adagger / s e A

→ A/ s. Daqui em diante adotaremos os geradores de forma que
o parâmetro b seja eliminado.
Aplicando o teorema da pág. 16, obtemos a forma como os ge-
radores da AHG atuam sobre os autoestados do hamiltoniano no
espaço de Hilbert. Assim temos as equações

HΨn (x) = −(q − n)2 Ψn (x), (2.29)

p
A† Ψn (x) = −(q − n − 1)2 + q 2 Ψn+1 (x), (2.30)

p
AΨn (x) = −(q − n)2 + q 2 Ψn−1 (x), (2.31)
40 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Figura 2.2: A função caracterı́stica f (x) associada ao PTM e suas primeiras


iterações, partindo do valor inicial E0 = −100. Notemos que a energia assume
o valor zero para a décima iteração de f .

para esse caso temos Nn2 = −(q − n − 1)2 + q 2 . Como esperado,


temos AΨ0 = 0, quando atuamos o operador A no estado de vácuo,
dado por n = 0.
Como no caso do poço, os nı́veis de energia podem ser obtidos
graficamente por meio das iterações de f a partir do valor da ener-
gia do estado fundamental, veja as figs. 2.2 e 2.3, que apresentam
comportamentos diferentes para valores de q diferentes.
Regime de validade da AHG para os estados ligados do
PTM. A AHG para esse caso descreve corretamente os nı́veis de
energia para os estados ligados do PTM. Porém, a AHG descreve
um número de estados maior que a quantidade de estados ligados
existentes. Dessa forma, precisamos cortar a sequência dos valores
da energia gerada pelas iterações de f em um dado ponto, ou seja,
temos um nM AX que limita a validade da AHG quando aplicada ao
PTM. Como temos para toda a parte discreta do espectro de energia
a relação (q − n) > 0, o nM AX deve ser dado em função de q, como

nM AX = sup X, onde X = {n ∈ N; n < q e q ∈ R, q > 0}; (2.32)


2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado 41

Figura 2.3: A função caracterı́stica f (x) associada ao PTM e suas primeiras



iterações, para o valor inicial q = 8. Como vemos, as iterações levam a valores
de energia que não correspondem a estados ligados, na região em que temos a
condição (q − n) > 0 violada.

ou seja, o valor máximo de n é aquele do último estado ligado do


PTM.

Embora descreva todos os estados ligados corretamente, quando


aplicada na descrição de processos de espalhamento, essa realização
descreve apenas processos nos quais temos um grande valor de q,
que garante um grande número de estados ligados, e ainda é válida
apenas quando o estado inicial no processo seja dos estados de menor
energia, ou seja, se os estados iniciais são tais que ni << q e com
baixa energia cinética, um espalhamento entre essas partı́culas de-
verá ter uma baixa probabilidade de os estados finais fazerem parte
dos estados não-fı́sicos do espaço de Hilbert. Tal restrição é de-
vida ao fato de limitarmos a AHG ”pela mão”, já que o espaço de
Fock nesse caso possui estados não-fı́sicos, ou seja, estados que não
são associados a nenhum dos estados ligados, e também à presença
da parte contı́nua no espectro de energia do PTM. A baixa energia
do estado inicial e baixa energia cinética do processo nos garantem
42 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

que o estado final após o espalhamento seja um dos estados ligados,


ou seja, o espalhamento mantém o estado final no subespaço dos
estados fı́sicos do espaço de Fock.

2.1.3 A realização da AHG do PTM

Para obtermos a realização da AHG para esse caso, assim como para
qualquer outro caso, como segue do teorema na página 16, devemos
encontrar operadores que satisfaçam às equações que definem uma
representação da AHG em um espaço linear. No caso do PTM,
essas equações são dadas pela eq. (2.29)-(2.31). Aqui procedere-
mos da seguinte maneira: a partir da derivada da função de onda,
vamos obter os operadores de criação e aniquilação, por meio de
uma ordenação conveniente dos operadores de posição e número. A
ordenação dos operadores aqui é feita de forma que o operador N
sempre atue antes do operador posição.

Inicialmente, devemos calcular a constante de normalização das


funções de onda para o PTM. Diferentemente dos casos do poço
quadrado infinito e do oscilador harmônico, o produto interno defini-
do no espaço das funções de onda não é definido como
Z
(Ψm (y), Ψn (y)) = dyΨ∗m (y)Ψn (y). (2.33)

Aqui precisamos lançar mão da teoria de Sturm-Liouville, que nos


diz como o produto interno deve ser definido para que o conjunto de
soluções de uma equação diferencial ordinária linear seja ortogonal.
O produto interno é definido com o auxı́lio de uma função peso, ω(y),
que no caso do PTM é dada por ω(y) = (1 − y 2 )−1 , e é calculada
no apêndice. Dessa forma, o produto interno entre duas funções do
PTM é definido como
Z
(Ψm (y), Ψn (y)) = dy(1 − y 2 )−1 Ψ∗m (y)Ψn (y). (2.34)
2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado 43

Essa mudança na definição do produto interno se deve à mudança


de variáveis x → y = tanh x. Na variável x, o produto interno con-
tinua sendo o produto interno usual. Fazendo uma analogia com
a geometria de um espaço euclidiano, a função peso faria o mesmo
papel que a métrica desse espaço. Ao mudarmos do sistema de co-
ordenadas cartesiano para um sistema de coordenadas curvilineares,
a forma da métrica muda, assim como a função peso muda quando
fazemos uma mudança de variáveis no espaço das funções de onda.
Dessa maneira, a mudança de variáveis no espaço de Hilbert seria o
análogo da mudança do sistema de coordenadas no espaço euclidi-
ano.
Usando esse produto interno, a condição de normalização é dada
por
Z
q 2 q−n+ 12
(Ψn (y), Ψn (y)) = (Nn ) dy(1 − y 2 )q−n−1 (Cn (y))2 = 1.(2.35)

A integral acima pode ser calculada usando a seguinte identidade,


encontrada em [30],
Z 1
3 1
dy(1 − y)ν− 2 (1 + y)ν− 2 [Cnν (y)]2 =
−1
1
π 2 Γ(ν − 21 )Γ(2ν + n) 1
= , se <ν > . (2.36)
n!Γ(ν)Γ(2ν) 2

Se trabalhamos essa equação, obtemos


Z 1 Z 1
2 ν− 32 ν 2 3
dy(1 − y ) (1 + y)[Cn (y)] = dy(1 − y)ν− 2 [Cnν (y)]2 +
−1 Z 1 −1
3
dy(1 − y)ν− 2 y[Cnν (y)]2 . (2.37)
−1

Como o integrando da segunda integral no membro direito da equação


acima é ı́mpar, essa integral anula-se identicamente, então temos o
seguinte resultado
1
π 2 Γ(ν − 12 )Γ(2ν + n)
Z 1
ν− 23 ν 2
dy(1 − y) [Cn (y)] = . (2.38)
−1 n!Γ(ν)Γ(2ν)
44 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Usando a eq. (2.35), obtemos a constante de normalização, dada


por
s
n!Γ(q − n + 12 )Γ(2q − 2n + 1)
Nnq = 1 . (2.39)
π 2 Γ(q − n)Γ(2q − n + 1)

Para o cálculo dos operadores de criação e aniquilação, serão


necessárias as seguinte relações, obtidas usando a relação acima e a
propriedade Γ(z + 1) = zΓ(z) das funções gama,
s
Nnq n(q − n)(2q − n + 1)
q = (2.40)
Nn−1 (q − n + 21 )(2q − 2n + 2)(2q − 2n + 1)
e
s
Nnq 4(q − n + 21 )2 (q − n)
q = . (2.41)
Nn+1 (n + 1)(q − n − 1)(2q − n)

Cálculo de A. Para calcularmos A partimos da função de onda,


dada por
q−n q−n+ 12
Ψn (y) = Nnq (1 − y 2 ) 2 Cn (y). (2.42)

Usando a relação para a derivada dos polinômios de Gegenbauer,


veja [31],
d λ λ+1
C (y) = 2λCn−1 (y) (2.43)
dy n
no cálculo da derivada da função de onda, temos
d −y
Ψn (y) = (q − n)Ψn (y)+
dy 1 − y2
2q − 2n + 1 Nnq
+ p q Ψn−1 (y). (2.44)
1 − y 2 Nn−1
Note que na equação acima já escrevemos a derivada em termos
das autofunções do PTM. Usando a relação (2.40) na equação acima,
obtemos a expressão
d −y 2q − 2n + 1
Ψn (y) = (q − n)Ψn (y) + p ×
dy 1 − y2 1 − y2
2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado 45
s
n(q − n)(2q − n + 1)
× Ψn−1 (y). (2.45)
(q − n + 21 )(2q − 2n + 2)(2q − 2n + 1)

Agrupando todos os termos com Ψn (y) no membro esquerdo da


equação acima, e usando as definições dos operadores y = tanh αx,
onde x é o operador de posição, e do operador número2 , N , temos
 
d y 2q − 2n + 1
+ 2
(q − N ) Ψn (y) = p ×
dy 1 − y 1 − y 2
s
n(q − n)(2q − n + 1)
× Ψn−1 (y). (2.46)
(q − n + 21 )(2q − 2n + 2)(2q − 2n + 1)

Notemos na equação acima como foi feito o ordenamento dos


operadores N e y, com N sempre ficando à direita. Usando a eq.
(2.31), que define o operador A no espaço das funções de onda,
e multiplicando à esquerda ambos os lados da equação acima por
p
1 − y 2 e usando o fato de Ψn (y) ser autoestado de y, temos a
seguinte identidade
 
p
2
d y
1−y + (q − N ) Ψn (y) =
dy 1 − y 2
s
(q − n)(2q − n + 1)
= AΨn (y). (2.47)
(q − n + 1)(2q − n)

Usando a linearidade de A e a definição de N , temos então


 
p d y
1 − y2 + 2
(q − N ) Ψn (y) =
sdy 1 − y !
(q − N )(2q − N + 1)
=A Ψn (y) (2.48)
(q − N + 1)(2q − N )

Dessa equação obtemos a seguinte relação entre operadores,


p  
d y
1 − y2 + (q − N ) −
dy 1 − y 2
2O operador número pode ser obtido como função do hamiltoniano a partir da expressão
para a energia e usando as definições do hamiltoniano e de N . Assim, como o hamiltoniano é
função de operadores diferenciais e do operador de posição, vemos claramente que N e x não

comutam. No caso do PTM, N é dado por N = q − −H.
46 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT
s !
(q − N )(2q − N + 1)
−A Ψn (y) = 0. (2.49)
(q − N + 1)(2q − N )

Como essa igualdade é válida para todo n, temos a identidade


entre operadores
 
p d y
1 − y2 + (q − N ) =
dy 1 − y 2
s
(q − N )(2q − N + 1)
= −A . (2.50)
(q − N + 1)(2q − N )

Multiplicando ambos os membros dessa equação pelo inverso do


operador que multiplica A, obtemos o operador desejado
 
p d y
A = 1 − y2 + (q − N ) ×
sdy 1 − y 2
(q − N + 1)(2q − N )
× . (2.51)
(q − N )(2q − N + 1)

Cálculo de A† . Para obtermos o operador de criação da AHG


para o PTM no espaço das funções de onda, precisamos escrever
a derivada de Ψn (y) em termos de Ψn (y) e de Ψn+1 (y). Para tal,
vamos usar a seguinte propriedade dos polinômios de Gegenbauer
[31],

2(λ − 1)(2λ − 1)yCnλ (y) = 4λ(λ − 1)(1 − y 2 )Cn−1


λ+1
(y)+
λ−1
+(2λ − n − 1)(n + 1)Cn+1 (y), (2.52)

e a relação para derivadas dada em (2.43).


Combinando essas duas propriedades dos polinômios de Gegen-
bauer, temos
d λ y
Cn (y) = (2λ − 1) C λ (y)−
dy 1 − y2 n
(2λ + n − 1)(n + 1) λ−1
− Cn+1 (y). (2.53)
2(λ − 1)(1 − y 2 )
2.1 O potencial de Pöschl-Teller modificado 47

Assim podemos escrever a derivada de Ψn (y) em termos de Ψn (y)


e Ψn+1 (y), na forma desejada
d y
Ψn (y) = (q − n)Ψn (y)−
dy 1 − y2
1 (2q − n)(n + 1) Nnq
p 1 1
Ψn+1 (y). (2.54)
1 − y 2 2(q − n − 2 ) Nn+1

Usando a relação (2.41) na equação acima, obtemos


d y
Ψn (y) = (q − n)Ψn (y)−
dy s 1 − y2
1 (2q − n)(n + 1) 4(q − n + 12 )2 (q − n)
p 1 . (2.55)
1 − y 2 2(q − n − 2 ) (n + 1)(q − n − 1)(2q − n)

Agrupando os termos com Ψn (y) no membro esquerdo da equação


acima, e usando as definições de y e N , temos
 
d y
− + 2
(q − N ) Ψn (y) =
s dy 1 − y
1 (q − n)(2q − n)(n + 1)
=p Ψn+1 (y). (2.56)
1−y 2 q−n−1
p
Multiplicando ambos os lados à esquerda por 1 − y 2 e usando
as definições de Y e A† , dada em (2.30), obtemos
 
p
2
d y
1−y − + 2
(q − N ) Ψn (y) =
s dy 1 − y
(q − n)(2q − n)
= A† Ψn (y). (2.57)
(q − n − 1)(2q − n − 1)

Aplicando a linearidade do operador de criação e a definição de


N , a equação acima fica
 
p
2
d y
1−y − + 2
(q − N ) Ψn (y) =
s dy 1 − y
!
(q − N )(2q − N )
= A† Ψn (y) (2.58)
(q − N − 1)(2q − N − 1)
48 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Como essa equação é válida para todo n, temos a identidade entre


operadores
 
p d y
1 − y2 − + 2
(q − N ) =
s dy 1 − y
!
(q − N )(2q − N )
= A† , (2.59)
(q − N − 1)(2q − N − 1)

como o operador que multiplica A† é inversı́vel, podemos multiplicar


ambos os membros da equação acima pelo inverso desse operador,
obtendo o operador A†
 

p d y
A = 1 − y2 − + 2
(q − N ) ×
s dy 1 − y
(q − N − 1)(2q − N − 1)
× . (2.60)
(q − N )(2q − N )

Aqui notamos que, para o caso em que q é inteiro, temos uma


representação finita da AHG para o PTM. Esse fato deve-se ao ope-
rador A† ”aniquilar”o estado Ψq−1 (y), que é o último estado liga-
do do PTM quando q é inteiro. Nesse caso, a realização da AHG
encaixa perfeitamente com o regime de validade da AHG, como foi
discutido na seção anterior. Entretanto, para valores não-inteiros de
q, a representação da AHG no espaço das funções de onda é infinita,
de forma que temos que adicionar a definição

A† Ψnmax (y) = 0, (2.61)

já que essa condição não é automaticamente satisfeita por A† para


q não-inteiro.

2.2 O potencial de Pöschl-Teller

Nesta seção apresentaremos a realização fı́sica da AHG para o po-


tencial de Pöschl-Teller, que foi proposto em 1933 por G. Pöschl e
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 49

E. Teller, em [28]. O objetivo de Pöschl e Teller foi a obtenção de


uma curva de potencial a partir das análise das frequências do espec-
tro de energia emitido por moléculas. Como o espectro vibracional
molecular não é igualmente espaçado, não podemos usar o oscilador
harmônico como modelo para a descrição do espectro vibracional
de moléculas. Dessa forma, Pöschl e Teller buscaram, a partir da
análise do espectro vibracional, propor um potencial que tivesse
como casos limite o poço quadrado infinito e o oscilador harmônico,
e que pudesse ser ajustado com um conjunto de parâmetros. Em seu
trabalho os dois conseguiram propor alguns potenciais, entre eles o
PTM discutido aqui anteriormente, que hoje são largamente usados
na descrição do espectro vibracional de moléculas e na descrição de
diversos outros sistemas fı́sicos.
Um dos potenciais propostos no trabalho original é dado por
1 ~2 α2 κ(κ − 1) λ(λ − 1)
 
U (x) = + , (2.62)
2 m sin2 αx cos2 αx

onde temos κ > 1 e λ > 1, e x toma valores na região limitada pelas


singularidades de V (x) em x = 0 e x = π/2α. O gráfico do potencial
para λ = 4 e diferentes valores de κ é mostrado na fig. 2.4.

2.2.1 Uma revisão sobre o potencial de Pöschl-Teller

Aqui apresentaremos a solução da equação de Schrödinger para o


potencial de Pöschl-Teller dado pela eq. (2.62), que é o potencial
utilizado no trabalho original e em [29]. Após a resolução, para
que algumas propriedades interessantes do sistema fı́sico sejam vis-
tas mais claramente, utilizaremos a liberdade presente na mecânica
quântica não-relativı́stica de redefinirmos o hamiltoniano do sistema
pela adição de uma constante, de forma a obtermos o espectro de
energia para o problema como em [32].
Como vemos claramente a partir da equação (2.62), o poten-
cial é periódico. Entretanto, esse fato não interfere nas soluções da
50 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Figura 2.4: O potencial de Pöschl-Teller, com α = π2 para diferentes valores


de κ e λ = 4, e κ = 4, 8 e 16, partindo de baixo para cima. Como vemos,
o potencial é simétrico com relação a αx = π4 se κ = λ. Se temos κ > λ, o
potencial torna-se oblı́quo com o mı́nimo sendo deslocado para valores menores
de x.

equação de Schrödinger, já que as barreiras impostas pelas singulari-


dades do potencial entre dois mı́nimos sucessivos são impenetráveis.
Dessa forma podemos tomar apenas um dos poços, digamos, o poço
dado no intervalo 0 ≤ x ≤ π/2α, e resolvermos a equação de onda
para esse intervalo com condições de contorno
π
Ψ(x) = 0, para x=0ex= . (2.63)

Introduzindo a variável y = sin2 αx, a equação de onda é trans-


2.2 O potencial de Pöschl-Teller 51

formada em
 
1 00
y(1 − y)Ψ (y) + − y Ψ0 (y)+
2
1 k2
 
κ(κ − 1) λ(λ − 1)
+ − − Ψ(y) = 0 (2.64)
4 α2 y 1−y

onde temos, como de costume, k 2 = 2mE/~2 .


Como a equação (2.64) apresenta três singularidades regulares em
y = 0, y = 1 e y → ∞, essa equação pode ser reduzida à equação
hipergeométrica3 por meio da transformação

Ψ(y) = y µ (1 − y)ν f (y) (2.65)

com valores de ajuste µ e ν. Fixando esses valores como µ = κ/2 e


ν = λ/2, chegamos na equação hipergeométrica
  
00 1
y(1 − y)f + κ + − y(κ + λ + 1) f 0 +
2
1 k2

2
+ − (κ + λ) f = 0. (2.66)
4 α2

A solução geral dessa equação é dada por

f (y) = C1 F (a, b, c; y)+


1−c
+C2 y F (a − c + 1, b − c + 1, 2 − c; y) (2.67)

com os parâmetros a, b e c dados por


   
1 k 1 k
a= κ+λ+ , b= κ+λ− ,
2 α 2 α
1
c=κ+ . (2.68)
2

Ainda temos de determinar as constantes de integração C1 e C2


na eq. (2.67) tomando as condições de contorno, que na variável y
3 Para uma discussão desse fato veja [33].
52 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

são dadas por Ψ(0) = 0 e Ψ(1) = 0. Para y = 0, as hipergeométricas


são iguais a 1, de forma que obtemos
1 κ 1−κ
Ψ ≈ y µ (C1 + C2 y 2 −κ ) = C1 y 2 + C2 y 2 . (2.69)
Como temos κ > 1, o segundo termo é singular, de forma que temos
de impor C2 = 0. Para analizarmos em y = 1, nos fazemos valer da
seguinte propriedade das hipergeométricas
F (a, b, c; y) =
Γ(c)Γ(c − a − b)
= F (a, b, a + b − c + 1; 1 − y)+
Γ(c − a)Γ(c − b)
Γ(c)Γ(a + b − c)
+ (1 − y)c−a−b ×
Γ(a)Γ(b)
×F (c − a, c − a − b, c − a − b + 1; 1 − y). (2.70)
1
Usando as definições de a, b e c, temos que c − a − b = 2
− λ, o
segundo termo contribui na vizinhança de y = 1 como
Γ(c)Γ(a + b − c)
Ψ(y) = . . . + C1 (1 − y)ν+c−a−b (2.71)
Γ(a)Γ(b)

com o expoente ν + c − a − b = 12 (1 − λ) < 0, que leva-nos a uma


singularidade. Dessa forma, para que tenhamos uma solução que
não seja identicamente nula e que satisfaça a condição de contorno
para y = 1, o termo com as funções gama, Γ(a)Γ(b) deve anular-
se identicamente. Para tal, devemos impor que a = −n ou, por
simetria, b = −n, com n = 0, 1, 2, . . .. Se impusermos a = −n, a eq.
(2.68) leva-nos a b = κ + λ + n; se impusermos b = −n, temos a =
κ + λ + n, de forma que a função de onda é invariante sob a troca
a ↔ b, ou seja, as duas condições levam à mesma função de onda.
Para determinarmos os autovalores da energia, basta utilizarmos a
definição de a, obtendo
~2 α2
En = (κ + λ + 2n)2 (2.72)
2m
e a função de onda dada por
−1
Ψn (x) = cn (κ, λ) 2 sinκ αx cosλ αx×
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 53

1
×F (−n, n + λ + κ, κ + ; sin2 αx) (2.73)
2

onde a constante cn (κ, λ) é determinada pela normalização da função


de onda e pode ser obtida numericamente.
Como dissemos no inı́cio da seção, agora usaremos a liberdade que
temos, em mecânica quântica não-relativı́stica, de adicionarmos um
múltiplo da identidade ao hamiltoniano de um dado sistema. Essa
propriedade geral decorre de propriedades do grupo de Galileu, que
é o grupo de simetria para sistemas não-relativı́sticos, para maiores
detalhes veja [19]. Redefinindo o potencial (2.62) por meio da adição
de um termo constante, para
1 ~2 α2 κ(κ − 1) λ(λ − 1) ~2 α2
 
U (x) = + − (κ + λ)2 , (2.74)
2 m sin2 αx cos2 αx 2m

o efeito dessa constante que adicionamos ao hamiltoniano apenas


2 α2
desloca a energia por uma quantidade de − ~2m (κ + λ)2 . Com essa
mudança, a eq. (2.64) fica
 
00 1
y(1 − y)Ψ (y) + − y Ψ0 (y)+
2
1 k 02 κ(κ − 1) λ(λ − 1)
 
+ − − Ψ(y) = 0 (2.75)
4 α2 y 1−y

onde k 02 = 2mE
~2
+ α2 (κ + λ)2 .
Como podemos notar, as eq. (2.64) e (2.75) diferem apenas nos
parâmetros k e k 0 , possuindo as mesmas condições de contorno.
Dessa forma, as duas equações apresentam a mesma solução, dada
por
−1
Ψn (x) = cn (κ, λ) sinκ αx cosλ αx×
2

1
×F (−n, n + λ + κ, κ + ; sin2 αx) (2.76)
2
com apenas os autovalores de energia dados de forma diferente, uti-
lizando o fato que a = −n e a definição de a, fazendo a substituição
54 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

k → k 0 , temos
 
2mE 1
2 2
−n =
+ α (κ + λ) ⇒
~2 2
2mE
⇒ −α(2n + κ + λ)2 = + α2 (κ + λ)2 ⇒
~2
2mE
⇒ 2
+ α2 (κ + λ)2 = 4α2 n(n + κ + λ) + α2 (κ + λ)2 , (2.77)
~
o que implica que os nı́veis de energia são dados por
2~2 α2
En = n(n + κ + λ). (2.78)
m
Para vermos que o PT está situado como um intermediário entre
o poço quadrado infinito e o oscilador harmônico,devemos obter a
solução para o problema clássico e aplicar a regra de Börh-Sommer-
feld. Para resolvermos o problema clássico, devemos lançar mão do
método de Hamilton-Jacobi4 , nas variáveis de ação-ângulo e obter-
mos a ação canônica associada ao PT.
Para obtermos a variável de ação, devemos conhecer o perı́odo T
em que uma partı́cula de massa m confinada no potencial de PT leva
para percorrer a distância entre os pontos de retorno do potencial,
e aplicarmos a relação dA/dE = T /2π a esse caso. Para esse caso
temos
r
π m
T = . (2.79)
α 2E

O que nos leva à expressão para a ação


1 √
A= 2mE + const. (2.80)

A constante é determinada utilizando a condição que A = 0 para
p p
E = Vmin . Como temos Vmin = V20 [ λ(λ−) + κ(κ − 1)]2 , temos
finalmente
1 √ V0 p p
A= 2mE + [ λ(λ−) + κ(κ − 1)]2 . (2.81)
2α 2
4 Para uma descrição em detalhes do método de Hamilton-Jacobi, veja [34].
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 55

Aplicando a regra de Börh-Sommerfeld a essa ação canônica,


temos
1 √ 1 p p p
2mE − mV0 ( λ(λ − 1) + κ(κ − 1)) =
2α 2α  
1
=~ n+ , (2.82)
2

que nos leva à seguinte expressão para os nı́veis de energia do PT


2
2~2 α2

1
En = n+ +
m  2 
2~α p p p 1
+ mV0 ( λ(λ − 1) + κ(κ − 1)) n + +
m 2
V0 p p
+ ( λ(λ − 1) + κ(κ − 1))2 . (2.83)
2

Essa fórmula nos apresenta duas propriedades interessantes do


PT:

• O primeiro termo na última equação nos dá, a menos de um fator


1/2 em (n+ 21 ), exatamente o comportamento do espectro de energia
do poço quadrado infinito. De forma mais precisa, esse comporta-
mento é obtido no limite em que V0 → 0 em (2.62) e lembrando que
fora do intervalo 0 < x < π/2α temos uma barreira impenetrável.

• Já no limite em que temos V0 >> ~α2 , o primeiro termo torna-se


desprezı́vel e o espectro de energia torna-se, a menos de um termo
constante proporcional a V0 , o espectro do oscilador harmônico sim-
ples, com frequência dada por
r
4α2 V0 p p
~ω = ~ ( λ(λ − 1) + κ(κ − 1)). (2.84)
m

Como vemos, o potencial de Pöschl-Teller interpola-se entre o


poço quadrado infinito e o oscilador harmônico, como vemos por
meio dos limites V0 → 0 e V0 >> ~α2 , respectivamente.
56 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

2.2.2 A AHG para o potencial de Pöschl-Teller

Para obtermos a AHG para o caso do PT, vamos proceder da mesma


forma como nos casos do poço infinito e do PTM. Ou seja, vamos
obter a função caracterı́stica da AHG ao escrevermos o nı́vel de
energia En+1 como função de seu nı́vel anterior, En . Aqui ainda
temos um fato adicional, a presença de duas possı́veis funções ca-
racterı́sticas para a AHG. A partir da eq. (2.78), temos

En+1 = b(n + 1)(n + λ + κ + 1) =


= bn(n + λ + κ) + b(2n + λ + κ) + b =
= En + 2bn + b(λ + κ + 1). (2.85)

Agora, para obtermos o segundo termo do membro direito da equação


acima, precisamos obter n como função de En , para isso basta re-
solvermos a eq. (2.78) com respeito a n. A solução é dada por
p
−(λ + κ) ± 4En + (λ + κ)2
n= , (2.86)
2

substituindo esse resultado em (2.85), temos


r
4En
En+1 = En ± b + (λ + κ)2 + b(λ + κ + 1) − b(λ + κ) =
r b
4En
= En ± b + (λ + κ)2 + b, (2.87)
b
2 2
onde temos b = 2~mα . Como vemos, temos duas possı́veis funções
caracterı́sticas para o caso do PT. Entretanto, estamos interessados
apenas naquela que descreve corretamenteq os nı́veis de energia do
sistema. Apenas a função f (x) = x + b 4x b
+ (λ + κ)2 + b descreve
os nı́veis de energia corretamente para o caso do PT. Veja a fig. 2.5.
Assim, temos a seguinte AHG para o caso do potencial de Pöschl-
Teller
r
† † 4H
[H, A ] = bA + (λ + κ)2 + bA† , (2.88)
b
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 57

Figura 2.5: As duas possı́veis funções caracterı́sticas para a AHG do PT. A


p
única de interesse fı́sico é f (x) = x + 4x + (λ + κ)2 + 1, que é dada em (a), já
que em (b), como vemos pelo gráfico, já temos o primeiro nı́vel excitado dado
erroneamente pela função. Aqui temos λ = κ = 32 e b = 1.

r
4H
[H, A] = −b + (λ + κ)2 A − bA, (2.89)
b
r
† 4H
[A, A ] = b + (λ + κ)2 + b1. (2.90)
b
Como nos outros casos, a raiz quadrada é bem definida, devido à
positividade de H e ao fato de termos λ, κ > 1. Novamente, fazendo
a redefinição dos geradores por meio das redefinições H → H/b, A†
√ √
→ A† / s e A → A/ s. Como nos outros casos, consideraremos
esses geradores.
Se aplicamos o teorema da pág. 14, obtemos como atuam os
geradores da AHG para o caso do PT. As equações que definem a
atuação dos geradores da AHG no espaço de Hilbert para esse caso
são dadas por

HΨn (x) = n(n + λ + κ)Ψn (x), (2.91)


p
A† Ψn (x) = (n + 1)(n + λ + κ + 1)Ψn+1 (x), (2.92)
p
AΨn (x) = n(n + λ + κ)Ψn−1 (x), (2.93)
58 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Figura 2.6: As primeiras iterações da função caracterı́stica para o caso do PT.


Aqui temos λ = κ = 32 e b = 1.

como temos E0 = 0, temos simplesmente Nn2 = En+1 . Como já é


fato conhecido, os nı́veis de energia podem ser obtidos graficamente
pela iteração de f a partir do valor inicial E0 = 0. Veja a fig. 2.6.

2.2.3 A realização da AHG

Para obtermos os operadores de criação e aniquilação da AHG asso-


ciada ao potencial de Pöschl-Teller no espaço das funções de onda,
precisamos obter expressões que nos forneçam a derivada de uma
função de onda Ψn em função de Ψn e Ψn+1 , para o caso do operador
de criação, e de Ψn e Ψn−1 , no caso do operador de aniquilação. Para
obtermos tais expressões, faremos uso das seguintes propriedades das
hipergeométricas, encontradas em [30]:

cF (a, b, c, y) − (c − a)F (a, b + 1, c + 1, y)−


−a(1 − y)F (a + 1, b + 1, c + 1, y) = 0, (2.94)

cF (a, b, c, y) − cF (a − 1, b + 1, c, y)+
+(a − b − 1)yF (a, b + 1, c + 1, y) = 0, (2.95)
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 59

cF (a, b.c, y) + (b − c)F (a + 1, b, c + 1, y)−


−b(1 − y)F (a + 1, b + 1, c + 1, y) = 0, (2.96)

−cF (a, b, c, y) + cF (a + 1, b − 1, c)+


+(a − b + 1)yF (a + 1, b, c + 1, y) = 0, (2.97)

d ab
F (a, b, c, y) = F (a + 1, b + 1, c + 1, y). (2.98)
dy c
Isolando F (a, b + 1, c + 1, y) na eq. (2.95), temos
c
F (a, b + 1, c + 1, y) = ×
(a − b − 1)y
×(F (a − 1, b + 1, c, y) − F (a, b, c, y)). (2.99)
Substituindo em (2.94), obtemos a seguinte expressão

 − y)F (a + 1, b +
a(1  1, c + 1, y) =
c−a
=c 1+ F (a, b, c, y)−
(a − b − 1)y
c(c − a)
− F (a − 1, b + 1, c, y). (2.100)
(a − b − 1)y
Isolando a hipergeométrica F (a+1, b+1, c+1, y), multiplicando por
ab
c
e usando a eq. (2.98), obtemos a derivada de uma hipergeométrica
dada por
d
F (a, b, c, y) =
 dy

b b(c − a)
= + F (a, b, c, y)−
1 − y (a − b − 1)y(1 − y)
b(c − a)
− F (a − 1, b + 1, c, y). (2.101)
(a − b − 1)y(1 − y)
Essa equação será usada adiante na obtenção do operador de criação,
A† .
Precisamos ainda de uma segunda expressão para usarmos na
obtenção do operador de aniquilação. Tal expressão é obtida isolan-
do-se F (a + 1, b, c + 1, y) na eq. (2.97), ou seja,
F (a + 1, b, c + 1, y) =
60 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

c
= (F (a, b, c, y) − F (a + 1, b − 1, c, y)). (2.102)
(a − b + 1)y
Substituindo em (2.96) e isolando F (a + 1, b + 1, c + 1, y), obtemos

 F (a + 1, b +
 1, c + 1, y) =
c b−c
= 1+ F (a, b, c, y)−
b(1 − y) (a − b + 1)y
c(b − c)
− F (a + 1, b − 1, c, y). (2.103)
b(a − b + 1)y(1 − y)
ab
Multiplicando ambos os lados da equação por c
e usando a eq.
(2.98), temos a relação desejada, dada por
d
F (a, b, c, y) =
 dy

a b−c
= 1+ F (a, b, c, y)−
(1 − y) (a − b + 1)y
a(b − c)
− F (a + 1, b − 1, c, y). (2.104)
(a − b + 1)y(1 − y)

Agora que temos as expressões (2.101) e (2.104) em mãos, passe-


mos ao cálculo dos geradores da AHG.
Cálculo de A† . Para obtermos o operador de criação, primeira-
mente devemos calcular a derivada da função de onda Ψn e então
escrevê-la como função de Ψn e Ψn+1 . A função de onda é dada por
κ λ 1
Ψn (y) = cn (λ, κ)y 2 (1 − y) 2 F (−n, n + λ + κ, κ + , y), (2.105)
2

onde temos y = sin2 αx. Calculando a derivada, temos


 
dΨn (y) 1 κ λ
= − Ψn (y)+
dy 2 y 1−y
κ λ d 1
+cn (λ, κ)y 2 (1 − y) 2 F (−n, n + λ + κ, κ + , y). (2.106)
dy 2

Usando a eq.(2.101) no último termo do membro direito, obser-


vando que nesse caso temos a = −n, b = n + λ + κ e c = κ + 12 , e
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 61

usando a definição de Ψn+1 (y), temos


dΨn (y)
=
   dy
1 κ λ n+λ+κ
− + −
2 y 1−y 1 − y
(n + λ + κ)(n + κ + 21 )

− Ψn (y)+
(2n + λ + κ + 1)y(1 − y)
(n + λ + κ)(n + κ + 21 ) cn (λ, κ)
+ Ψn+1 (y). (2.107)
(2n + λ + κ + 1)y(1 − y) cn+1 (λ, κ)

Se separamos em cada membro da equação acima os termos em


função de Ψn (y) e Ψn+1 (y), obtemos
  
d 1 κ λ 1
+ − − (N + λ + κ)−
dy 2 y 1 − y 1−y
(N + λ + κ)(N + κ + 21 )

1
− Ψn (y) =
y(1 − y) (2N + λ + κ + 1)
(n + λ + κ)(n + κ + 21 ) cn (λ, κ)
= Ψn+1 (y), (2.108)
(2n + λ + κ + 1)y(1 − y) cn+1 (λ, κ)

onde foi usada a definição dos operadores y = sin2 αx e N no membro


esquerdo, sempre mantendo a ordenação em que N atua primeiro
sobre as funções. Agora, multiplicando ambos os membros à es-
querda por y(1 − y) e usando o fato de as funções de onda serem
autoestados de y, temos
  
d 1 κ λ 1
y(1 − y) + − − (N + λ + κ)−
dy 2 y 1 − y 1−y
(N + λ + κ)(N + κ + 12 )

1
− Ψn (y) =
y(1 − y) (2N + λ + κ + 1)
(n + λ + κ)(n + κ + 21 ) cn (λ, κ)
= Ψn+1 (y). (2.109)
(2n + λ + κ + 1) cn+1 (λ, κ)

Usando a eq. (2.92) junto com a definição e a linearidade de N ,


obtemos a seguinte expressão
  
d 1 κ λ 1
y(1 − y) + − − (N + λ + κ)−
dy 2 y 1 − y 1−y
62 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

(N + λ + κ)(N + κ + 12 )

1
− Ψn (y) =
y(1 − y) (2N+ λ + κ + 1)
† (N + λ + κ)(N + κ + 21 )
=A ×
2N + λ + κ +!1
cN (λ, κ) 1
× p Ψn (y). (2.110)
cN +1 (λ, κ) (N + 1)(N + λ + κ + 1)

Na última equação, o operador cN (λ, κ) é definido por cN (λ, κ)Ψn (y)


= cn (λ, κ)Ψn (y), como para qualquer n temos cn (λ, κ)Ψn (y) 6= 0,
esse operador é inversı́vel. Dessa forma temos a seguinte equação
   
d 1 κ λ
y(1 − y) + − −
dy 2 y 1 − y
1
− (N + λ + κ)−
1−y
(N + λ + κ)(N + κ + 12 )

1
− −
y(1 − y) (2N + λ + κ + 1)
(N + λ + κ)(N + κ + 12 ) cN (λ, κ)


−A ×
2N + λ + κ + 1 !# cN +1 (λ, κ)
1
× p Ψn (y) = 0. (2.111)
(N + 1)(N + λ + κ + 1)

Como essa equação é válida para todo n, temos a seguinte iden-


tidade entre operadores
  
d 1 κ λ 1
y(1 − y) + − − (N + λ + κ)−
dy 2 y 1 − y 1−y
(N + λ + κ)(N + κ + 21 )

1
− =
y(1 − y)  (2N + λ + κ + 1)
† (N + λ + κ)(N + κ + 21 )
=A ×
2N + λ + κ + 1 !
cN (λ, κ) 1
× p , (2.112)
cN +1 (λ, κ) (N + 1)(N + λ + κ + 1)

O operador que multiplica A† no membro direito da equação acima


é inversı́vel, de forma que podemos multiplicar ambos os lados dessa
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 63

equação pelo inverso desse operador. Então, multiplicando pela di-


reita em ambos os lados, temos a expressão para o operador de
criação
  
† d 1 κ λ
A = y(1 − y) + − −
dy 2 y 1 − y
1
− (N + λ + κ)−
1−y
(N + λ + κ)(N + κ + 21 )

1
− ×
y(1 − y)  (2N + λ + κ + 1)
2N + λ + κ + 1
× ×
(N + λ + κ)(N + κ + 21 )
cN +1 (λ, κ) p
× (N + 1)(N + λ + κ + 1) , (2.113)
cN (λ, κ)
ou, reescrevendo para uma forma um pouco mais compacta

† d 1
A = y(1 − y) + (κ(1 − y) − λy) − y(N + λ + κ)−
dy 2
(N + λ + κ)(N + κ + 12 )

− ×
 (2N + λ + κ + 1)
2N + λ + κ + 1
× ×
(N + λ + κ)(N + κ + 21 )
cN +1 (λ, κ) p
× (N + 1)(N + λ + κ + 1) . (2.114)
cN (λ, κ)
Cálculo de A. A obtenção do operador de aniquilação segue a
mesma linha que adotamos no cálculo de A† . A única diferença
consiste em buscarmos escrever a derivada de Ψn (y) em termos de
Ψn−1 (y) e Ψn (y). Como sabemos, a derivada de Ψn (y) é dada pela
eq. (2.106). Utilizando essa equação em conjunto com a eq. (2.104),
temos
  
d 1 κ λ
Ψn (y) = − −
dy 2 y  1−y
n n(n + λ − 12 )
− − Ψn (y)+
1 − y (2n + λ + κ − 1)y(1 − y)
cn (λ, κ) n(n + λ − 21 )
+ Ψn−1 (y). (2.115)
cn−1 (λ, κ) (2n + λ + κ − 1)y(1 − y)
64 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Agrupando no membro esquerdo os termos dependentes de Ψn (y)


e utilizando as definições de y e N , temos
  
d 1 κ λ 1
− + − − N−
dy 2 y 1 − y 1 − y
N (N + λ − 21 )

1
− Ψn (y) =
y(1 − y) (2N + λ + κ − 1)
cn (λ, κ) n(n + λ − 12 )
= Ψn−1 (y). (2.116)
cn−1 (λ, κ) (2n + λ + κ − 1)y(1 − y)

Se multiplicarmos ambos os membros por y(1 − y) e o fato de


Ψn−1 (y) ser autoestado de y, temos
  
d 1 κ λ 1
y(1 − y) − + − − N−
dy 2 y 1 − y 1−y
N (N + λ − 12 )

1
− Ψn (y) =
y(1 − y) (2N + λ + κ − 1)
cn (λ, κ) n(n + λ − 21 )
= Ψn−1 (y). (2.117)
cn−1 (λ, κ) (2n + λ + κ − 1)
p
usando agora o fato de que AΨn (y) = n(n + λ + κ)Ψn−1 (y) no
membro direito, temos a relação
  
d 1 κ λ 1
y(1 − y) − + − − N−
dy 2 y 1 − y 1−y
N (N + λ − 12 )

1
− Ψn (y) =
y(1 − y) (2N + λr+ κ − 1)
cn (λ, κ) (n + λ − 21 ) n
= AΨn (y). (2.118)
cn−1 (λ, κ) (2n + λ + κ − 1) n + λ + κ

Se utilizarmos a definição de N no membro direito da última


equação, obtemos a seguinte relação entre operadores
  
d 1 κ λ 1
y(1 − y) − + − − N−
dy 2 y 1 − y 1 − y
N (N + λ − 21 )

1
− Ψn (y) =
y(1 − y) (2N + λ + κ − 1)
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 65

r !
cN (λ, κ) (N + λ − 12 ) N
=A Ψn (y).(2.119)
cN −1 (λ, κ) (2N + λ + κ − 1) N +λ+κ

Na última equação foi empregada a definição do operador cN (λ, κ),


dada durante o cálculo do operador de criação. Como a equação
acima é válida para qualquer autoestado do hamiltoniano, temos a
seguinte relação entre operadores
r !
cN (λ, κ) (N + λ − 21 ) N
A =
cN −1 (λ, κ) (2N + λ + κ − 1) N + λ + κ
  
d 1 κ λ 1
= y(1 − y) − + − − N−
dy 2 y 1 − y 1−y 
1 N (N + λ − 12 )
− . (2.120)
y(1 − y) (2N + λ + κ − 1)

Para obtermos a expressão do operador A no espaço das funções


de onda, devemos isolar esse operador no membro esquerdo da equa-
ção acima, o que não é possı́vel. Como o operador que multiplica A
nessa equação admite o autovalor 0, esse operador não é inversı́vel,
ou seja, seu inverso não é definido.
Para contornarmos esse problema, utilizaremos um procedimento
similar ao método de regularização dimensional utilizado na teoria
quântica de campos. Aqui o que faremos é construir todo o problema
de se obter os geradores da AHG em um espaço de Hilbert estendido,
H , no qual temos a base de autoestados do hamiltoniano dada por
Ψn() (y), dados por
κ λ
Ψn() (y) = cn() (λ, κ)y 2 (1 − y) 2 ×
1
×F (−n(), n() + λ + κ, κ + .y), (2.121)
2

onde n() é uma função definida no intervalo (0, 1) ∈ R e possui as


propriedades5 : n() 6= 0, ∀ e lim→0 n() = n, ∀n.
5 Notemos que o limite é bem definido, já que 0 é ponto de acumulação de (0, 1).
66 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

Nesse espaço de Hilbert, os geradores da AHG são dados como


funções de operadores diferenciais, do operador posição e do oper-
ador N , definido como

N Ψn() (y) = n()Ψn() (y). (2.122)

Para obtermos o operador de aniquilação nesse espaço, A , basta


fazermos a troca n → n() no cálculo feito para A. Como nesse
espaço o operador que multiplica A na eq. (2.120) (trocando n por
n()), não admite autovalor nulo, já que temos n() 6= 0 para todo
 e para todo n. Dessa forma, esse operador é inversı́vel. Assim
obtemos o operador de aniquilação no espaço de Hilbert estendido
dado por

d 1
A = −y(1 − y) + (κ(1 − y) − λy) − yN −
dy 2
N (N + λ − 12 )

− ×
(2N + λ + κ − 1) !
r
cN −1 (λ, κ) 2N + λ + κ − 1 N + λ + κ
× . (2.123)
cN (λ, κ) N + λ − 21 N

Se atuarmos com esse operador sobre Ψn() (y), temos

 A Ψn() (y) =
dΨn() (y) 1
= −y(1 − y) + (κ(1 − y) − λy) Ψn() (y)−
dy 2
n()(n() + λ − 12 )

−yn()Ψn() (y) − Ψn() (y) ×
(2n() + λ + κs− 1) !
cn()−1 (λ, κ) 2n() + λ + κ − 1 n() + λ + κ
× . (2.124)
cn() (λ, κ) n() + λ − 12 n()

Usando a expressão da derivada de Ψn , dada em (2.115), obtemos


então

A Ψn() (y) =
n()(n() + λ − 21 )

1
= − (κ(1 − y) − λy) + yn() + +
2 (2n() + λ + κ − 1)
2.2 O potencial de Pöschl-Teller 67

1
+ (κ(1 − y) − λy) − yn()−
2
n()(n() + λ − 21 )

− Ψn() (y) +
(2n() + λ + κ − 1)
cn() (λ, κ) n()(n() + λ − 21 )

+ Ψn()−1 (y) ×
− 1)
cn()−1 (λ, κ) (2n() + λ + κ s
!
cn()−1 (λ, κ) 2n() + λ + κ − 1 n() + λ + κ
× .(2.125)
cn() (λ, κ) n() + λ − 21 n()

Na última equação, os termos que multiplicam Ψn() (y) anulam-


se, de forma que obtemos

A Ψn() (y) =
cn() (λ, κ) cn()−1 (λ, κ) (n() + λ − 21 )
= ×
cn()−1 (λ, κ) cn() (λ,
s κ) (2n() + λ + κ − 1)
!
2n() + λ + κ − 1 n() + λ + κ
× n() Ψn()−1 (y). (2.126)
n() + λ − 12 n()

Todos os termos na equação acima se cancelam, com exceção do


termo entre parênteses, de forma que obtemos então
p
A Ψn() (y) = n()(n() + λ + κ)Ψn()−1 (y). (2.127)

Para retornarmos ao espaço de Hilbert original, devemos tomar


o limite quando  → 0 para todos os operadores e vetores definidos
nos espaço de Hilbert estendido, obtendo os operadores desejados
no espaço das funções de onda do PT. Dessa forma, temos então a
definição

AΨn (y) = lim A Ψn() (y), (2.128)


→0

Como vemos, quando retornamos ao espaço de Hilbert original,


não temos a divergência que se originaria no operador de aniquilação
da AHG para o PT. Divergência essa que seria consequência do
operador N possuir autovalor nulo. Ao formularmos o problema no
68 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

espaço de Hilbert estendido, o que fizemos foi mostrar que a parte


infinita nessa divergência é nula, ou seja, mostramos que era uma
”falsa divergência”.
Para completarmos a realização da AHG nesse espaço, devemos
ainda definir

A† Ψn (y) = lim A† Ψn() (y), (2.129)


→0

HΨn (y) = lim H Ψn() (y). (2.130)


→0

Nas equações anteriores, temos A† dado pela eq. (2.114), fazendo
a troca N → N . O hamiltoniano no espaço de Hilbert estendido é
definido de forma análoga, trocando N por N , quando escrevemos
H em termos de N . Ou seja, temos

H = N (N + λ + κ). (2.131)

2.3 Comentários finais

Neste trabalho obtivemos as realizações das AHG’s para os ca-


sos dos potenciais de Pöschl-Teller modificado e Pöschl-Teller uti-
lizando o método de fatorização, proposto por Infeld e Hull, em
[22]. O método, ligeiramente diferente do proposto em [7], con-
siste em obtermos os operadores de criação e aniquilação a partir
da derivada da função de onda, de forma que os geradores da AHG
sejam funções dos operadores de posição, número e operadores dife-
renciais.
Como vimos no fim do primeiro capı́tulo, na realização da AHG
para o poço quadrado infinito, foi proposto um ansatz que poderia
ser empregado de forma geral na obtenção da realização da AHG
2.3 Comentários finais 69

para outros problemas fı́sicos. Nesse ansatz, a forma geral do ope-


rador de criação é dada por
 
† d
A = g1 (x) + g2 (x)ρ(N ) τ (N ), (2.132)
dx

com o operador de aniquilação sendo calculado tomando o seu ad-


junto.
A necessidade de utilizarmos outro método surgiu ao tentarmos
aplicar esse ansatz proposto por Curado, Hassouni, Rego-Monteiro
e Rodrigues para a obtenção da realização da AHG para o PT.
Nesse caso, o operador de criação obtido é o mesmo que foi obtido
utilizando o método de fatorização. Entretanto, ao aplicarmos o o-
perador de aniquilação utilizando-se esse ansatz na função de onda,
tivemos o problema de como atuar o operador ρ(N ) sobre o produto
g2 (x)Ψn (x). Ao contrário do caso do poço, em que esse produto
pode ser decomposto em uma combinação linear de autoestados do
hamiltoniano, para o PT tal decomposição não foi possı́vel de ser
obtida, de forma que a atuação do operador ρ(N ) sobre esse produto
não é bem definida.
No método de fatorização, buscamos pelos operadores de criação
e aniquilação na mesma forma geral dada por
 
d
A = g1 (x) + g2 (x, ρ(N )) τ (N ), (2.133)
dx

como vemos, o operador N sempre atua na função de onda antes


do operador de posição. O que generaliza o ansatz proposto por
Curado, Hassouni, Rego-Monteiro e Rodrigues em [7], já que temos
menos condições impostas sobre as funções a serem fixadas, devido
ao seu maior número se comparado ao ansatz proposto por Curado
et al.
Esse método exige apenas que a derivada das funções de onda
Ψn possa ser escrita como combinações das funções de onda de Ψn
70 2 Realizações das AHG para os casos do PTM e PT

e Ψn+1 no caso do operador de criação, e de Ψn e Ψn−1 no caso do


operador de aniquilação, como nas eqs. (2.6) e (2.7). Como vimos
nos casos do PTM e PT, se satisfeita essa propriedade das funções
de onda, os operadores de criação e aniquilação são obtidos por meio
de um ordenamento conveniente entre os operadores x e N .
Ao aplicarmos o método de fatorização ao PTM, pudemos obter
os geradores da AHG diretamente, enquanto no caso do PT tive-
mos que utilizar um método de ”regularização”para obtermos esses
geradores, já que aparentemente o operador de aniquilação obtido
era singular. Ao aplicarmos essa ”regularização”, notamos que essa
singularidade não era presente.
Como se vê diretamente, esse método apresenta a vantagem de
nos fornecer uma forma pragmática para a obtenção da AHG, tendo
como única condição sobre as funções de onda a condição acima
citada sobre a derivada de Ψn . Comparando com o método utilizado
na obtenção da realização da AHG para o poço quadrado, não tive-
mos a dificuldade na atuação de ρ(N ) sobre o produto g2 (x)Ψn (x),
já que no método empregado para obtermos os operadores de criação
e aniquilação para os casos do PTM e do PT o operador N sempre
atua na função de onda antes do operador de posição. Em outras
palavras, o método aqui empregado é menos restritivo que o método
proposto em [7], já que não exige nenhuma propriedade especı́fica
das funções a serem fixadas, que são dadas na forma geral dos o-
peradores A e A† , dada em (2.5).
Entretanto, o método de fatorização apresenta como grande des-
vantagem a dificuldade em descrever outros observáveis como fun-
ções dos geradores da AHG, fato que não é presente no método uti-
lizado para a realização da AHG do poço quadrado. Essa desvan-
tagem se deve ao maior número de funções a serem fixadas se com-
parado ao ansatz empregado no caso do poço.
Apêndice A

Cálculo das funções peso


para o PTM e PT.

A função peso desempenha papel central na teoria de Sturm-Liouvi-


lle1 , já que o produto interno no qual as soluções de uma equação
diferencial são ortogonais é definido como
Z
(Ψn , Ψm ) = dxω(x)Ψn (x)Ψm (x). (A.1)

Onde a função peso é dada por ω(x). Para que o produto interno
seja positivo definido, a propriedade ω(x) > 0, ∀x, se faz necessária.
Para calcularmos a função peso, devemos obter a forma autoadjunta
de uma edo linear, para então obtermos, automaticamente, a função
peso associada às soluções dessa edo.
Uma equação diferencial da forma

p0 (x)f 00 (x) + p1 (x)f 0 (x) + p2 (x)f (x) = 0, (A.2)

sujeita a condições de contorno periódicas, é dita autoadjunta se


tivermos p00 (x) = p1 (x). Como sabemos, a maior parte das edo
lineares não satisfaz a essa propriedade. Entretanto, qualquer edo
1 Para maiores detalhes da teoria de Sturm-Liouville, veja [35].

71
72 A Apêndice

linear pode ser colocada na forma autoadjunta, para tal, basta mul-
tiplicarmos toda a equação por
Z x 
1 p1 (t)
τ (x) = exp dt , (A.3)
p0 (x) p0 (t)
Rx
onde indica apenas a primitiva do integrando. A demonstração
é direta. Ao multiplicarmos a eq. (A.2) por τ , temos
Z x  Z x 
p1 (t) 00 p1 (x) p1 (t)
exp dt f (x) + exp dt f 0 (x)+
p0 (t) p0 (x) Z p0(t)
x
p2 (x) p1 (t)
+ exp dt f 0 (x) = 0. (A.4)
p0 (x) p0 (t)

Calculando a derivada do termo que multiplica a segunda derivada


de f , temos
Z x  Z x 
d p1 (t) p1 (x) p1 (t)
exp dt = exp dt , (A.5)
dx p0 (t) p0 (x) p0 (t)

o que implica que a eq. (A.4) é autoadjunta.


O problema de Sturm-Liouville, em sua forma autoadjunta, ad-
mite a seguinte forma geral
 
d df
p(x) + q(x)f + λω(x)f = 0, (A.6)
dx dx

onde a função ω(x) é a função peso.


Ortogonalidade. Para obtermos a relação de ortogonalidade deve-
mos considerar a edo, em sua forma autoadjunta, para duas soluções
distintas, Ψn e Ψm (aqui m e n podem indicar um conjunto de
parâmetros). Multiplicando a edo aplicada a Ψn por Ψm , e vice-
versa, temos
 
d dΨn
Ψm p(x) + q(x)Ψm Ψn + λn ω(x)Ψm Ψn = 0, (A.7)
dx dx
 
d dΨm
Ψn p(x) + q(x)Ψm Ψn + λm ω(x)Ψm Ψn = 0, (A.8)
dx dx
73

Subtraindo uma equação da outra e integrando no intervalo em


que as soluções são definidas, (a, b) ∈ R, obtemos
Z b  
d dΨn (x)
dxΨm (x) p(x) −
a dx  dx 
Z b
d dΨm (x)
− dxΨn (x) p(x) +
a dx dx
Z b
+(λn − λm ) dxω(x)Ψm (x)Ψn (x) = 0. (A.9)
a

Como as duas primeiras integrais são uma o adjunto da outra e


d d

o operador dx p(x) dx é auto-adjunto, essas integrais anulam-se, de
forma que
Z b
(λn − λm ) dxω(x)Ψm (x)Ψn (x) = 0. (A.10)
a

Para m 6= n, temos então


Z b
dxω(x)Ψm (x)Ψn (x) = 0. (A.11)
a

No caso m = n, a integral é necessariamente diferente de zero, já


que ω(x) > 0 ∀x e Ψ2n (x) ≥ 0 ∀x. Assim temos
Z b
dxω(x)Ψ2n (x) ≥ 0, ∀n, (A.12)
a

sendo que a integral anula-se apenas no caso em que Ψ é identica-


mente nula.
Aplicação para os casos do PTM e PT. Para calcularmos a
função peso para o PT, devemos utilizar a eq. (2.64), que é dada
por
 
00 1
y(1 − y)Ψ (y) + − y Ψ0 (y)+
2
1 k2
 
κ(κ − 1) λ(λ − 1)
+ − − Ψ(y) = 0 (A.13)
4 α2 y 1−y
74 A Apêndice

A função τ que deixa essa equação na forma auto-adjnta é dada


por
Z y 1
!
1 2
−t
τ (y) = exp dt . (A.14)
y(1 − y) t(1 − t)
1 1
Calculando a integral temos τ (y) = y − 2 (1−y) 2 . Multiplicando a eq.
(A.13) por essa função, obtemos a equação na forma autoadjunta:
 
1 3
00 1 1 1
y (1 − y) Ψ +
2 2 − y y − 2 (1 − y) 2 Ψ0 −
 2 
1 κ(κ − 1) λ(λ − 1) 1 1
− + y − 2 (1 − y) 2 Ψ+
4 y 1−y
1 k2 1 1
+ 2 y − 2 (1 − y) 2 Ψ = 0. (A.15)

Comparando essa equação com a forma geral de uma edo na
forma autoadjunta,
 eq. (A.6),
 vemos que na equação acima temos
1 κ(κ−1) λ(λ−1) − 12 1 2
q(y) = − 4 y
+ 1−y y (1 − y) 2 , λ = 14 αk 2 e a função peso
1 1
dada por ω(y) = y − 2 (1 − y) 2 .
Para calcularmos a função peso para o PTM, que foi utilizada na
subseção 2.1.3 na obtenção dos operadores de criação e aniquilação
da AHG do PTM, vamos utilizar a eq. (2.19), que reescrevemos
aqui
2
   
d 2 dΨ
(1 − y ) + q(q + 1) − Ψ = 0. (A.16)
dy dy 1 − y2
Como vemos, esta equação já está na forma autoadjunta. Para
obtermos a função peso, basta notarmos que para essa equação
temos q(y) = q(q + 1), que o autovalor é dado por λ = 2 e que
a função peso desejada é dada por ω(y) = (1 − y 2 )−1 .
Como uma observação final, notamos que essas funções peso se
transformam na identidade quando utilizamos a coordenada inicial.
Isso se deve ao fato de a equação de Schrödinger sempre estar na
forma autoadjunta na variável inicial, o que implica evidentemente
na função peso ω(x) = 1.
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