Interpretar como os 100 de paz sucederam guerras revoluções,
genocídios e as maiores iniquidades já vistas na história da humanidade é uma tarefa hercúlea. Igualmente será pensar como esses anos de guerra total se sucederam aos anos dourados do capitalismo é outra tarefa igualmente difícil. Proporemos-nos a pensar essas questões partindo de Polanyi e chegando a Hobsbawm para compreender como a humanidade saiu do seu maior tempo de paz para os anos de guerra, para por fim viver seus anos dourados. Para Polanyi a civilização do século XIX ruiu ao tentar realizar uma utopia do mercado auto regulável. Sua civilização estava afirmada em quatro instituições: a primeira o sistema de equilíbrio de poder, que impedia uma guerra prolongada entre as grandes potencias, durante o século XIX tivemos uma paz prolongada em que os grandes impérios pouco se digladiaram entre si, e quando houve com a guerra Franco-Prussiana, suas consequências foram contornáveis para o país perdedor, era do período da Pax britânica. A segunda era o padrão-ouro, a tentativa de realizar no plano internacional o mercado autoregulável. A terceira, era o mercado auto regulável que produziu um bem estar material sem precedentes. A quarte era o estado liberal. Duas instituições nacionais e duas internacionais, elas definiam os contornos característicos da história de nossa civilização. Mas por que esta civilização que parecia tão prospera a ponto de legar 100 de paz, ruiu numa guerra total? Por que uma civilização baseada nesta utopia “não poderia existir em qualquer tempo sem aniquilar a substância humana e natural da sociedade; ela teria destruído fisicamente o homem e transformado seu ambiente num deserto. Inevitavelmente, a sociedade teria que tomar medidas para se proteger, mas, quaisquer que tenham sido essas medidas elas prejudicariam a auto-regulação do mercado, desorganizariam a vida industrial e, assim, ameaçariam a sociedade em mais de uma maneira.” (p.4). Olhar para como esta civilização se desmorona, deverá ser realizado em dois planos: nacional e internacional. No plano, internacional, o fim dessa civilização é a Primeira Guerra mundial, fruto dos acirramentos internacionais, para a disputa imperialista pela partilha do mundo. No plano nacional, a subordinação da sociedade ao mercado gerava cada vez mais novos movimentos contrários à ordem liberal estabelecida, no plano das políticas econômicas o fim do século, já podemos ver o protecionismo em praticamente todos os países europeus, exceto a Inglaterra, aliada ao Imperialismo e a corrida neocolonial, por decorrência, fortalecia movimentos nacionalistas, para Hobsbawm a grande ideologia do século XX. Dessa forma, a irrupção da primeira Guerra mundial, deve ser vista como um desdobramento dos acimentos internacionais, todavia, como marca Hobsbawm a junção de avanço tecnológico e a guerra, modifica qualitativamente a guerra, nas anteriores tratava-se de conquistar objetivos limitados, a primeira guerra marca o período da “guerra Total”. Desde o fim do século XIX, a política e a economia havia se fundido, num contexto de guerra total, trata-se de utilizar todos os recursos humanos e materiais do império, uma guerra que só pode ser vencida por interior ou perdida por inteiro. Por isso, o vencedor precisa aniquilar seu inimigo, mas os custos humanos e materiais da guerra são enormes, tanto para os perdedores quanto para os vencedores. Ao fim da guerra tanto a Grã-Bretanha a grande vencedora, como a Alemanha a grande perdedora têm suas economias destruídas. Os anos posteriores a Guerra são classificados por Polanyi como os anos conservadores, a ordem internacional tentou desesperadamente salvar o padrão-ouro, como diz Polanyi se havia algo que unia liberais e comunistas era a crença da impossibilidade da existência de outro sistema monetário internacional que tivesse por base uma moeda fiduciária, tanto Lenin quanto Churchill acreditavam nessa impossibilidade. Mas os alicerces da ordem liberal foram ruídos, o seu sustentáculo principal, a economia britânica e seu sistema financeiro estavam quebrado, e sem possibilidade de financiar a si próprio quanto às economias arruinadas. No plano político os tratados de paz, ao imporem o desarmamento das nações perdedoras romperam com o principal alicerce da ordem liberal anterior – o sistema de equilíbrio de poder – requisito indispensável para tal sistema. De acordo com os padrões daquele século, a primeira década do pós-guerra surgiu como era revolucionária; à luz da nossa experiência atual ocorreu precisamente o contrário. A intenção daquela época era profundamente conservadora, e expressava a convicção quase universal 39 de que somente com o restabelecimento do sistema pré-1914, "agora sobre fundações sólidas", poder-se-ia restaurar a paz e a prosperidade. Na verdade, foi justamente pelo fracasso desse esforço de volta ao passado que surgiu a transformação da década de 1930. (IDEM, P. 23) A causa primordial das crises dos anos 1930 foi o colapso do sistema econômico internacional, que já vinha funcionando com fragilidade desde a virada do século XX. Sem a possibilidade de financiar seus déficits, e com a queda do comercio internacional, sobretudo, por conta da etnogenia da economia americana, e a crise da economia britânica, vários países como a Rússia, a Alemanha, a Áustria e Hungria viram suas moedas desaparecerem num espaço de um ano. Tal irrupção pauperizou a classe média enquanto a os tubarões financeiros acumulavam fortunas chocantes. “Entrara em cena um fator de uma força incalculável; simultaneamente integradora e desintegradora” (Idem, P.25). Mesmo antes da crise de1929 vários países abandoaram o padrão- ouro, o seu fim definitivo veio com o abandono americano em 1933. O estado liberal era subsistido em alguns países por ditaduras totalitárias, e a instituição central do século XIX – produção baseada em mercados livres – foi substituída por novas formas de economia, tendo como papel central o Estado como planejador. Segundo Hobsbawm, porque a URSS passara ilesa pela crise, com seu Plano Quinquenal que industrializava rapidamente sua economia atrasa, por decorrência “plano” e “planejamento” tronaram-se palavras de moda à época. Três opções se apresentavam para substituir a hegemonia liberal do século XIX, o capitalismo reformado com a união dos trabalhistas e da social democracia; o comunismo que estava caminhando para a realidade na URSS; por último, o fascismo que se tornou uma ameaça mundial. Dessa forma, já em meados dos anos 1930 via-se que não estávamos entrando numa era de paz, mas numa época de guerra. Nos Estado Unidos o New Deal, rompe com o liberalismo. Coutinho dividi-o em dois momentos, o primeiro marcado pela forte imposição à regulamentação dos mercados, ampliação do crédito, proteção aos desempregados, e proteção ao grande capital. Tais medidas foram insuficientes, o que gerou uma crise social. No segundo momento em 1936, ampliam-se os gastos governamentais, ampliação da rede de proteção social, o que diminui o desemprego, mas não foi suficiente para recuperar a economia americana, que só estaria plenamente recuperada com a segundo Guerra em 1940. A economia americana ilustra o caminho percorrido pela maioria dos países capitalistas e não capitalistas, o uso do planejamento estatal, em maior ou menor medida para recuperar as economias devastadas. O fim da Guerra marca a bi-polarização entre EUA e URSS, no mundo capitalista o problema era recuperar as economias arrasadas pela guerra, no momento em que estavam frescos os problemas decorrentes do Tratado de Versalhes. A solução veio com o Plano Marshall, as ações do EUA para recuperar as economias Europeias ocidentais e do Japão. Havia o receio de que tais economias sofressem com a escassez de dólares, e o financiamento da recuperação dessas economias em ruínas. Os EUA, apesar de início terem certa relutância em ajudar a recuperar a indústria da Alemanha e Japão, lançam um vigoroso plano de recuperação das economias europeias: o Plano Marshall. O plano destinou US$ 13 bilhões de dólares entre 1948-1952 permitindo não apenas que os países Europeus financiassem sua reconstrução como superassem a fase crítica de escassez de divisas no final dos anos 1940. De outra parte, os países Europeus tiveram soberania para perseguirem seus objetivos prioritários. Foram criadas instituições intra-européias para a cooperação e desenvolvimento de matérias primas para a industrialização da Europa, formando um enorme spaghetti com mais de duzentos acordos bilaterais. Dessa forma, foi possível reconciliar a recuperação do Alemanha com os demais países europeus. Quanto ao Japão a vitória da China Comunista na guerra civil em 1949 fez o EUA o enxergarem como um aliado estratégico na Ásia, o país por outro sobre aproveitar a Guerra Fria para lançar um ambicioso projeto de industrialização com controle de importações e tratamento dispensado ao capital estrangeiro. Com a ajuda americana, a guerra da Coréia significou o rápido crescimento da economia japonesa. Tal movimento só foi possível pelo medo que o comunismo representava para os EUA, segundo Hobsbawm, a URSS crescia mais que as economia americana no fim da década de 1950, todavia, já no fim dos anos 1960, estava claro a inferioridade das economias do socialismo real. O pós-guerra marca a Era de Ouro do capitalismo, segundo Shonffield, foi o mais prolongado período de prosperidade da história mundial, por três fatores principais: primeiro, o crescimento econômico foi muito mais rápido do que no passado. As depressões quando ocorreram, foram muito brandas e artificiais, em muitos países resultaram num abrandamento temporário do contínuo avanço. Segundo, o crescimento da produção foi extremamente rápido. Terceiro, os benefícios da nova prosperidade foram amplamente difundidos. O ponto central de Shonffield, é que este momento não foi fruto do acaso da história, mas da opção consciente dos países capitalistas europeus de manterem o pleno emprego, o que acelerou o crescimento econômico e a prosperidade em níveis jamais vistos.