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BELÉM

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BELÉM

2016
Ficha Catalográfica

C397 Centro Cultural Sesc Boulevard


Belém 1616/ Centro Cultural Sesc Boulevard: Serviço Social do Comércio -
DR/PA.- Belém, 2016.
152p. il.
ISBN: 987-85-64457-03-4
1. ARTES. 2. FOTOGRAFIA. I. Título

CDD. 700
Apresentação
Imagens, memórias e histórias particulares em torno de Belém reúnem-se
nesta publicação, 1616, idealizada para celebrar os 400 anos da capital do Pará.
Uma realização do Serviço Social do Comércio – Sesc Pará, através do Centro Cul-
tural Sesc Boulevard – CCSB, que se integra às metas do Departamento Nacional
para o quinquênio 2011–2015, convidando o público a uma reflexão sobre a cidade e
as conexões que ela estabelece no mundo contemporâneo, em um processo partici-
pativo, no qual cidadania foi traduzido como um livre exercício do olhar.
O projeto que deu origem a este livro memorial nasceu do objetivo de produ-
zir, organizar e compartilhar um repertório de imagens, testemunhos, reflexões e
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sentimentos sobre a cidade. Um projeto em artes visuais que teve na fotografia o
cerne da ação, de onde se desenvolveram palestras, relatos e debates; maratonas
fotográficas, que estimularam oficinas e vivências sob a temática “Belém, com que
olhos? Poesia, memória, cidade e patrimônio”, culminando em fotovarais para expo-
sição e circulação dos resultados.
Tudo isso envolveu um público amplo, das mais diversas ocupações – estudan-
tes, comerciários e seus dependentes –, além de convidados, entre artistas, profes-
sores, pesquisadores e fotógrafos.
Conhecer o processo de formação das imagens através da luz foi o mote para
a atividade. Porém, os participantes viveram a experiência maior de uma ação co-
letiva em torno dos bens simbólicos materiais e imateriais de Belém, às vésperas do
marco de quatro séculos de sua fundação como patrimônio urbano da Amazônia e
do Brasil.
Identificando-os e registrando sua presença no tempo, as pessoas puderam
retomar e compreender o processo histórico que levou a Coroa Portuguesa, no sé-
culo XVII, a escolher esta terra para demarcar seu domínio na parte setentrional
da América. Com essa referência, os participantes puderam visualizaros sinais das
transformações urbanas pelas quais a cidade passou e se consolidou como capital,
interpretando-os poeticamente.
Este movimento, proporcionado pelas ações do projeto, afinou-se, sobrema-
neira, a uma das diretrizes do CCSB: a de propiciar o acesso ao conhecimento e à
experimentação de formas de expressão da cultura e da arte, promovendo a educa-
ção para o patrimônio material e imaterial. Por estar localizado em um dos princi-
pais sítios históricos da cidade, a Campina, o Centro Cultural Sesc Boulevard identi-
fica-se como um agente na valorização e estímulo à preservação dos bens culturais
da área do Centro Histórico.
O livro 1616 incide sobre Belém e seus referenciais simbólicos, a partir de sua
fundação a 12 de janeiro de 1616. Porém, não há dúvida de que, ao envolver a par-
ticipação da comunidade em torno de suas atividades, o projeto provocou positi-
vamente a expressão de memórias individuais e coletivas, em forma de fotografias
e da manifestação da oralidade. Este conjunto sensório e afetivo é uma pequena e
significativa contribuição ao imaginário da cidade, que se renova e se amplia justa-
mente pela colaboração que cada cidadão é capaz de promover no seu cotidiano e
na forma como o representa ao mundo.
1616 é, assim, além de um registro, um ato de rememoração e de celebração da
cidade e de seus habitantes. Um documento que o Centro Cultural Sesc Boulevard
coloca nas mãos de seu público, desejando que estas páginas impressas também
sejam um presente a cada um que sente a experiência de viver e olhar Belém.

Centro Cultural Sesc Boulevard

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13

Alan Soares | 2012


15

Franz Pereira | 2014


Palacete Pinho
Faustino Castro | 2012
17

Vam Gonçalves | 2014


Ana Catarina | 2011
19

Anderson Fattori | 2011


Tonico | 2011
21

Ronald Junqueiro — Série Festas, Pedreira | 2012


Wagner Okasaki — Série BRT | 2012
23

Jorane Castro | 2013


Wagner Santana | 2013
25

Marcia Seabra — Série No Embalo, Ariramba | 2014


27

Evna Moura — Ensaio 1: Translocas | 2012


29

Kazuo Kamizono | 2011


Camila Lima | 2011
31

Ronaldo Andrade — Ruído da Chuva | 2013


33

Valério Silveira | 2013


Ah, Os Teus Sonhos de Rio!
Figura 1. Fotografia de Anderson Coelho — 2011
Rio de Tudo Ver

Rose Silveira
Jornalista e historiadora

A cidade é objeto da produção de


imagens e discursos que se colocam
no lugar da materialidade e do social e
os representam. Assim, a cidade é um
fenômeno que se revela pela percepção
de emoções e sentimentos dados pelo
viver urbano e também pela expressão
de utopias, de esperanças, de desejos e
medos, individuais e coletivos, que esse
habitar em proximidade propicia.
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Sandra Jatahy Pesavento


No momento em que este texto começar a ser lido, alguém dentro de um
avião, barco ou navio estará visualizando, fotografando ou filmando a Belém que co-
meça a se desenhar no horizonte, como que surgindo de dentro da Baía do Gua jará.
A imagem da cidade se aproximando, crescendo aos olhos, tornando-se concreta
diante das águas, de um lado e de outro do Forte do Castelo, marco de sua fundação,
é a representação mais recorrente há quatro séculos. Uma breve busca na internet
a respeito de Belém, e este recorte incide como indicial (Figura 1).
É preciso dizer, ou lembrar, que antes de esta cidade se configurar como es-
paço urbano, antes da entrada do colonizador e seus projetos para modernizá-la, há
registros de vida de populações indígenas por esses sítios.1
Mas é àquela imagem retrato que este texto se reporta. Ou melhor: àquele modo de
ver a cidade na sua particularidade de “objeto de produção de imagens e discursos” que
tomam o lugar de sua materialidade, como nas palavras da historiadora gaúcha Sandra
Pesavento, que dedicou uma parte de seus estudos ao Rio Guaíba, em Porto Alegre. O
ponto de vista do colonizador – a cidade a partir do rio – foi o olhar que se instaurou na-
turalizado no tempo, transformando o espaço geográfico numa paisagem de memórias,
imagens, palavras e sensações. Um cenário. Não um cenário estático, mas vivo e impreg-
nado de cultura, história e linguagem, como sugere o geógrafo e filósofo Eidorfe Moreira
ao refletir sobre o conceito de paisagem em Geografia:

Os fatos geográficos são fatos de relação, achando-se como se


acham em função de uma paisagem, de modo que a sua signi-

1 Investigações arqueológicas indicam a entrada das primeiras levas de populações indígenas na bacia
amazônica há 11 mil anos. Cf. SCHANN; GAMA; GUERRA, 2006, p. 415.
ficação depende do grau ou realce dessa funcionalidade. Quem
estuda uma planta ou um animal conhece uma espécie, mas
quem estuda um acidente geográfico nem por isso compreende
uma paisagem. Nenhum acidente geográfico explica por si só
um quadro ou panorama, nem pode ser considerado uma ex-
pressão autônoma em relação ao conjunto do qual faz parte.
Como observa Jean Brunhes, uma montanha não forma um todo
por si mesma, uma cidade não é uma unidade independente,
nem tampouco um rio é uma entidade à parte, capazes de con-
terem em si a sua própria razão de ser... (MOREIRA, 1960, p. 11-12).

Portanto, é preciso mapear fatos que estabeleceram


a historicidade dessa ponta de areia, curva de rio, para
onde se olha ao se adentrar a cidade. Afinal, ver não é na-
tural, é uma construção simbólica.
A boca do Rio Amazonas, lugar onde Belém devora
suasmúltiplas narrativas, é uma paisagem de imagens e
tempos sobrepostos (Figura 2). Vistas da cidade, plantas
Figura 2. Mapa hidrográfico
e mapas dos séculos XVIII, XIX e XX, desenhos de via- de Belém. Fonte: Google.
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jantes anônimos ou não e fotografias, muitas fotografias,
para determo-nos nas imagens fixas, tomam formada representação da orla fluvial,
especialmente onde a cidade começa a fazer sentido como espaço urbano edificado:
o Forte do Presépio (Forte do Castelo) e seu entorno, o encontro da Baía do Gua jará e
do Rio Guamá, cujas águas vão desembocar no Amazonas, rumando para o Atlântico.
Um primeiro exemplo pode ser dado com o desenho “Cidade de Belém do
Grão-Pará. Prospecto do Poente” (Figura 3), do engenheiro alemão João André
Schwebel, que chegou ao Pará em 1753 como membro da Primeira Comissão De-
marcadora de Limites, constituída e enviada pela Coroa Portuguesa para aferir sua
posse territorial na América. A mesma comissão da qual fez parte o legendário ar-
quiteto bolonhês José Antônio Landi, responsável pelos projetos das edificações eri-
gidas na cidade, no final daquele século.
No desenho de Schwebel, em que pese a idealização da paisagem, a cidade se
espraia pela orla, apontando os sinais de uma primeira onda modernizadora e civili-
zatória: a domesticação da própria orla, o forte à direita, as igrejas denotadoras da
presença missionária católica, o casario e indicativos de prédios em construção. Este é
um momento em que Belém assume o protagonismo político e econômico, tornando-
-se sede do Estado do Grão-Pará e Maranhão.
O processo de expansão da cidade para o interior pode ser mais bem notado
na “Planta Geral da Cidade do Pará em 1791” (Figura 4), realizada pelo Tenente-Co-
ronel d’Artilharia, engenheiro Theodosio Constantino de Chermont. Nesta planta, a
predominância visual do território sobre o rio indica a incorporação gradual de um
discurso de dominação do mato e da água, o processo civilizatório que encontra
fundamento no mundo chão.
O terceiro exemplo é a “Vista de Belém de 1840” (Figura 5), de autor desco-
nhecido, na qual se percebe o avanço da trama urbana, naquela década durante a
qual foi iniciada a recuperação da cidade após os eventos da Cabanagem (1835–
1840), cujas lutas, além de dizimarem parte da população, deixaram um rastro de
destruição nas edificações.
Figura 3. Cidade de Belém do Grão Pará. Prospecto do Poente. Desenho de João André Schwebel.
Acervo: Serviço de Documentação Geral da Marinha, Rio de Janeiro. Fonte: Fórum Landi.

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Figura 4. “Planta Geral da Cidade
do Pará em 1791”, realizada pelo
Tenente-Coronel d’Artilharia,
engenheiro Theodosio Constantino
de Chermont. Acervo: Instituto
Histórico e Geográfico do Brasil.
Fonte: Alunorte, 1995.
Figura 5. Vista de Belém de 1840. Autoria não identificada. Acervo: Biblioteca Nacional. Fonte: Fórum Landi.

Há uma vastidão de exemplos dessa representação, mas fiquemos com aque-


las imagens. Esses documentos remontam à colonização portuguesa na América, à
salvaguarda da posse desse território em relação ao dos espanhóis, à consolidação
da porção setentrional do Brasil, à ascensão política e econômica de Belém no plano
político de Portugal e à urbanização e expansão territorial da capital paraense.
Nessas imagens, o rio mira a cidade e a abrange. Não haveria cidade não
fosse o rio. Ainda que, ao longo do século XX, a ocupação da orla por empresas
privadas tenha obstruído, e ainda obstrua, o acesso ao leito fluvial, impedindo sua
visualização a partir do território, cidade e rio são uma coisa só.
É como assinala a arquiteta e historiadora Renata Malcher de Araujo (2006, p. 11,
grifo meu), ao citar a História Portuguesa escrita pelo chantre de Évora, Manuel Seve-
rim de Faria, após a Restauração (1640), na qual discorre sobre a providência da Coroa
portuguesa em mandar construir uma fortaleza “na bocca do rio Amazonas”:
[...] é significativo que reforce no seu texto que a fundação da
nova fortaleza foi, deliberadamente, um ato de marcação de ter-
ritório, entre o ‘continente’ espanhol do Peru e o ‘continente’ que
Portugal reivindicava para si na América, mesmo, e sobretudo, em
tempo de união das duas coroas. A seguir afirma que Sua Ma jes-
tade nomeou para aquele ‘descobrimento’ o capitão-mor Francis-
co Caldeira Castelo Branco que, ainda antes de partir, já vai de-
signado como “descobridor e primeiro conquistador do dito rio”.
Note-se que é o rio que está em causa, é ele o objeto da conquista
e não é, portanto, à toa que se refere também ao piloto-mor.

A observação é definidora da condição estratégica do rio nesse espaço geográ-


fico, de como o local seria incorporado às transformações urbanas nos séculos poste-
riores, articulando-se à cidade como objeto do imaginário e de produção do simbólico.
Ainda sobre o modelo de colonização, Coelho et al (2006, p. 23-24) assinalam a pre-
sença do Forte do Castelo como “um locus privilegiado da topografia colonial de Belém, a
exemplo de outros que se abririam à sua volta”. Para completar: “[...] um espaço de con-
vergência e divergência das forças históricas do processo de afirmação da colonização
portuguesa no norte do Brasil”. Como é importante reforçar esta última observação: o for-
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te e o rio, na malha urbana, são espaços de batalha entre forças históricas, uma dinâmica
reiterada ao longo dos séculos, como será visto mais adiante. Não à toa, os autores tam-
bém apontam como os relatos de via jantes no século XIX a judaram a compor um olhar de
estranhamento – “do eu em relação ao outro” (COELHO et al, 2006, p. 52) – sobre a cidade
e seus habitantes por um modo eurocêntrico de catalogação das coisas do mundo.
Outro aspecto sobre aquelas representações. É relevante assinalar que, inci-
dindo sobre o conteúdo discursivo em torno da cidade, há um componente técnico:
o modo de composição do desenho e pintura panorâmicos. Esse modelo de compo-
sição, que instaura um modo de ver, pois requer a presença do espectador no centro
da observação, caracteriza-se pela ilusão da “visão total” e tem na paisagem o seu
tema principal. Para garantir o efeito de reprodução da realidade, os panoramas
podem ser circulares ou planos, mas expõem àqueles que os contemplam uma ideia
de totalidade.
Essa representação remonta a tradições pictóricas da Antiguidade. Há
ocorrências dessa técnica na cultura pictórica chinesa, remontando a mais de mil
anos. No século XVIII, o pintor irlandês Robert Barker patenteou a expressão “pano-
rama”, relacionando-a à apresentação de vistas da natureza em grande formato. A
técnica alcançou grande popularidade entre os séculos XIX e XX, uma vez associada
à fotografia, e se mantém, na contemporaneidade, na composição de paisagens,
estimulando pesquisas e experimentações.2
Retomando a imagem panorâmica de Belém, não sendo um todo em si, para
recuperar as palavras de Eidorfe Moreira, rio e cidade podem ser definidos como
um artefato cultural,3 o que desfaz novamente a ideia de uma origem transcenden-
tal do espaço urbano, ampliando também a ideia de um olhar criado pelas práticas
do ver: narrativas visuais, audiovisuais ou descritivas produzem um acervo de ima-

2 Para maiores referências sobre o panorama como técnica e modo de ver, Cf. DUBOIS In: SAMAIN,
2005; CONCEIÇÃO, s/d; PINTURA PANORÂMICA, 2013; PANORAMA HISTORY, s/d; PANORAMA, s/d.
3 O historiador Ulpiano Meneses (1998), numa perspectiva historiográfica urbana, ao definir a cidade
como um artefato, refere-se à “coisa física, produto e vetor material da apropriação social do espaço:
segmento da natureza ao qual o homem (a sociedade) impôs forma, função e sentido”.
gens sobre Belém. A cidade e o olhar sobre ela, o imaginário que a forja, são fomen-
tados pelo viver as representações sobre a cidade edificada, a natureza controlada,
domada. Um processo fundado na cultura e na linguagem.
De onde recorro a Sandra Pesavento mais uma vez:

Sabemos, por certo, [...] que a cidade é, sobretudo, uma mate-


rialidade erigida pelo homem, é uma ação humana sobre a na-
tureza. A cidade é, nesse sentido, um outro da natureza: é algo
criado pelo homem, como uma sua obra ou artefato. Aliás, é pela
materialidade das formas urbanas que encontramos sua repre-
sentação icônica preferencial, seja pela verticalidade das edi-
ficações, seja pelo perfil ou silhueta do espaço construído, seja
ainda pela malha de artérias e vias a entrecruzar-se em uma
planta ou mapa.

Na representação de Belém, entre a Cidade Velha e a Campina, a silhueta que


se impõe em plantas e mapas também é uma imagem reiterada pelos sucessivos
projetos arquitetônicos que o poder público, em todas as esferas, tem realizado des-
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de o século XX. Restauros e reformas, sob os mais diversos conceitos e procedimen-
tos metodológicos, num plano político, também representam “batalhas entre forças
históricas” pelo estabelecimento de uma linguagem hegemônica sobre a narrativa
daquele cenário. Os símbolos são aguerridos: encarnam ora um discurso de trans-
formação, ora de reafirmação do passado colonial.
Um dos esforços do poder público entre os séculos XX e XXI, em Belém, tem sido
a tentativa de restituir o acesso da cidade ao rio. Como já foi mencionado, a obstrução
de grande parte da orla em atendimento aos interesses do capital privado quase retirou
do cidadão de Belém a experiência de viver em uma cidade à beira-rio e, por óbvio,
de vê-la nesta condição. O rio foi apartado dessa produção imagética. Assim, pode-se
dizer que foram as representações dessa experiência que alimentaram o imaginário
da população, fixa ou flutuante, quanto à existência dessa geografia. A abertura das
chamadas “janelas para o rio”, nas últimas décadas do século XX, a judou a renovar
este imaginário, reintegrando o rio à vida do cidadão de Belém, também como artefato.
Um artefato líquido, fugidio, filosófico: movemo-nos entre ser e não ser nas suas
águas, pertencimento fluido e cindido, pois elas criam, de um lado, o ser citadino; de outro,
o ser ribeirinho. Mais uma vez, é o olhar colonizador que, no escorrer do tempo, promove
essa cisão porque as águas, erráticas e arredias, dão-se menos ao controle que o chão dos
arruamentos e fundações. Mas é nessa dialética, sendo parte da cidade ou estando à parte
dela, que o rio conforma, a um só tempo, uma expressão histórica, geográfica e cultural.
Nos tempos atuais, quando os recursos hídricos constituem um dos bens mais
rentáveis e requisitados do mundo capitalista e se veem, na Amazônia, tão amea-
çados pela construção de hidrelétricas e pela exploração mineral; quando por suas
águas passam milhares de bois em pé, criminosamente transportados para exporta-
ção;4 quando é urgente que a humanidade repense o mundo em que vive,

4 No dia 6 de outubro de 2015, o navio Haidar, transportando 5 mil bois vivos para abate na Venezuela,
afundou no porto de Vila do Conde, município de Barcarena (PA), matando 4.800 animais. Por meses, as
carcaças foram se depositando nas praias do do município, comprometendo a qualidade da água e ofe-
recendo risco à saúde da população local. Até o final de 2016, o navio permanecia submerso no Rio Pará.
requerendo padrões de consumo e de produção mais inteligentes e viáveis coleti-
vamente, proporia uma descolonização do olhar sobre os rios que banham e olham
Belém, recriando-os, como paisagem, dentro de nós.
Proponho refazer o olhar sobre a Baía do Gua jará e o Rio Guamá, e todos
os rios nas cercanias de Belém, recompondo sua presença cenográfica da capital
paraense: não apenas um veículo para ver a cidade, mas ele mesmo protagonista
iluminado em seu leito, de forma orgânica, integrada, larga e aberta ao outro que se
configura do lado oposto, nas margens, sobre suas águas, alargando a própria ideia
de cidade (Figura 6).

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Figura 6. Fotografia
de Irene Almeida
Seguindo uma sugestão de Eidorfe Moreira (1960, p. 39), seria concretizar a
geografia como poesia, considerar o espaço “como fato estético”, sujeito, portanto,
às subjetividades:
Sempre que o homem vê o mundo exterior em termos paisagís-
ticos e projeta nele a sua ação e o seu pensamento a fim de sa-
tisfazer inclinações, interesses ou curiosidades, temos Geogra-
fia – a vida considerada em relevo e extensão. Sempre que ele
incorpora esse mesmo mundo ao seu patrimônio subjetivo, re-
criando-o nos seus sonhos, sentimentos e emoções, temos Poe-
sia – a vida em função de uma sensibilidade. Se para o geógrafo
a paisagem é um campo de pesquisas e certificações sensoriais,
para o poeta ela é um estado ou vivência espiritual. Como obje-
to ou criação dos sentidos – é fato geográfico; como estado ou
forma de sensibilidade – é ato poético.

Esse rio que não nos sabe, pois flui sem protocolos, nem plantas, mapas, foto-
grafias, vídeos, nem literatura, sabemos dele pela experiência dos afetos e das flutua-
ções. Rio de palavras, de imagens, de sons e sensações. Que se inscreve na memória
e inaugura, todos os dias, experiências de viver e coabitar entre mundos. Rio das
profundidades inscritas no espaço-tempo: “A cidade é sempre um lugar no tempo, na
medida em que é um espaço com reconhecimento e significação estabelecidos na
temporalidade” (PESAVENTO, 2007). Rio que, feito a imagem construída por Fernando
Pessoa na ribeira de sua poesia, já nem importa que não se conforme entre suas mar-
gens: “... do seu curso me fio/Porque, se o vi ou não vi/Ele passa e eu confio”.
Fotografias Escritas

Santa Maria de Belém do Grão-Pará, de Leandro Tocantins:

Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará – a misericórdia da Santa e a grandeza do


rio. Parauassú, “rio grande” na linguagem dos Tupinambás, abreviado para rio Pará
– o desaguadouro dos rios Moju, Acará e Guamá, formando a baía de Gua jará no
ponto em que se ergue a cidade de Belém (p. 28).

[...] Se preferis encontrar a cidade pelo mar, o cenário oferece outros ângulos. A
marcha vagarosa do navio vos permite apreciar demoradamente o espetáculo de
entrada no vale amazônico por uma de suas portas: a do rio Pará (p. 34).

Belém do Grão-Pará, de Dalcídio Jurandir:

Custou a manobra do barco entrar no Ver-o-Peso, o cais das embarcações a vela


que vinham do Guamá, Ilhas, Salgado, Mara jó, Tocantins, Contra-Costa... Até vestir
aquele fato novo, feito na loja, custou. A meia custou a entrar, as ligas de borracha
apertavam nas pernas, onde as marcas de ferida pareciam doer. O sapato, ao calçar,
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doeu-lhe. Agora, o barco descansava naquele abrigo, ao lado do Necrotério, liberto
do mau tempo. Preferia que houvesse atracado defronte das quatro torrinhas do
Mercado de Ferro, que davam a Alfredo a impressão das casas turcas vistas no Di-
cionário Ilustrado. Ou perto das canoas de peixe, ou na escada junto às embarcações
de mel, alguidares, jarros e urinóis de barro? Vermelhos urinóis de barro cozendo ao
sol. Mas o “São Pedro”, como todas as embarcações do Arari, encostava sempre ao
lado do Necrotério, a proa olhando os velhos sobrados comerciais que se inclinavam
sobre a pequena praça para saudar, à maneira antiga, as canoas que entravam e
saíam. Mais alto, queixo roçando os telhados, era o morrinho do Castelo, os canhões
sob a erva-de-são-caetano e um muro em ruína e negror, que uma espessa folha-
gem tentava disfarçar (p. 79-80).

De Belém a S. João do Araguaia: Vale do Rio Tocantins, de Ignácio Baptista de Moura

A pequena embarcação procurava, a custo, caminhos por entre o costado dos grandes
e poderosos navios e vapores que formam a flotilha comercial do primeiro da Ama-
zônia. De outro lado, víamos a cidade afastar-se de nós, envolvida pela auréola da luz
elétrica, que semeava de tons fantásticos a casaria e os edifícios públicos, engrande-
cendo o tamanho e a forma de uma das mais importantes capitais da América do Sul.

A grande cidade ainda não dormia: ouviam-se ao longe o rodar das carruagens de
luxo, o apito e o cornetim dos trâmueis, o silvo de uma locomotiva de estrada de
ferro, os sinais de vapores que chamavam passageiros, orquestras e vozes do popu-
lacho no cais (p. 28).

Aruanda & Banho de Cheiro, de Eneida de Moraes

O Ver-o-Peso manchado de velas de todas as cores, com suas grandes barcaças que
trazem, dos mais diversos pontos do Estado, peixes e frutas para a vida da cidade.
No fundo, a Praça do Mercado com o Palácio do Governo e a Prefeitura Municipal,
edifícios soberbos, pesados, falando do passado. Uma vez, chegando a Belém, en-
contrei pintadas de branco todas as estátuas, elas que são de bronze.

- Por que estão assim as estátuas? – perguntei.


- Porque estavam muito sujas, respondeu-me o Prefeito de então.

E anunciou-me com certa vaidade:

- Brevemente derrubaremos todas essas casas para construir uma praça moderna.

A praça que ele tanto parecia odiar é vizinha ao Ver-o-Peso: casas de azulejos azuis
ou amarelos, sacadas de ferro, sobradões coloniais que constituem um dos mais
belos recantos de Belém, a praça do Mercado (p. 218).

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Referências Bibliográficas

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PESSOA, Fernando. Obra poética. Ed. Maria Aliete Galhoz. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2003.

PINTURA PANORÂMICA. All 360°. Disponível em: http://www.all360.com.br/pintura-panoramic/ Acesso em


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SCHANN, Denise; GAMA, Tayane; GUERRA, Thiago P. Cerâmica cerimonial da Amazônia: as coleções ma-
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2006. p. 415.

TOCANTINS, Leandro. Santa Maria do Belém do Grão-Pará. Rio de Janeiro: Editora Civilização Bra-
sileira, 1963.
Maratonistas
Adeleaide Araujo | 2011
55

Adriele Silva da Silva | 2011


Alan Soares | 2012
57

Allan Maués — 2013 | Abismo


Ana Catarina | 2011
59

Ana Lúcia Pinheiro | 2014


Anderson Coelho — Desabamento Ed. Real Class | 2011
61

Anderson Fattori | 2011


Anderson Rodrigues | 2013
63

Anita Lima | 2011


Antonio Garcia — Nega Maluca Personificada por Sra Edna (Grupo Terceira idade) no Colégio Brigadeiro Fontenele | 2012
65

Arlete Soed — Na Minha Casa | 2011


Berna Ribeiro | 2014
67

Beth Ferro | 2014


Caio Brito | 2012
69

Camila Lima | 2011


Carol Caromano | 2012
71

Carol Fercondine | 2014


Catarina Costa — Mangal das Garças | 2013
73

Dah Passos | 2013


Dani Moura — Dor. Caruana. 5h. Feridas | 2014
75

Danilo Pontes | 2012


Deia Lima — 1A, 1B | 2014
77

Desiree Giusti | 2013


Durval Soeiro | 2012
79

Edielza Dias | 2013


Everton Nascimento — Um Minuto Sendo Peixe | 2013
81

Everton Saraiva | 2013


Evna Moura | 2013
83

Faustino Castro | 2012


Flavia Souza — Antônio Juraci | 2013
85

Franz Pereira | 2014


87

Fátima Soarez | 2012


Galvanda Galvão | 2011
89

Glauce Andrade — Dona Maria, Umarizal | 2012


Goretti Tavares | 2014
91

Graça Ayan Gaia | 2012


Guto Souza | 2012
93

Helen Ribeiro | 2014


Ingrid Souza | 2012
95

Ionaldo Rodrigues | 2012


Irene Almeida | 2012
97

Iza Girard — Hotel Farol | 2013


Janduari Simões | 2011
99

Jeff Alves | 2014


Johnn Lucas — Av. Dr. Freitas | 2012
101

Jorane Castro | 2013


103

João Claudio Feio | 2013


João Sanches | 2012
105

Karina Moriya — A Belém de Lioz | 2011


Karina Martins | 2012
107

Kazuo Kamizono | 2011


Kim Rodrigues | 2013
109

L. M. Cascon | 2012
Leidiane Leal | 2012
111

Luciana Bezerra | 2011


Mara Hermes | 2014
113

Márcia Seabra | 2014


Marco Gomes | 2012
115

Marcos André Costa | 2014


Mari Neves Peres | 2014
117

Maria Silva — Sob a Janela do Ônibus | 2013


Marise Maués | 2011
119

Mauro Araujo | 2011


Monique Barros | 2012
121

Paulo Ribeiro | 2013


Priscila Salles | 2012
123

Raul Jr. — A Noite Depois da Chuva em São Brás | 2013


Renata Aguiar — Bar do Parque | 2012
125

Roberto Correa | 2012


Ronald Junqueiro | 2012
127

Ronaldo Andrade | 2014


Ronildo Matsuura | 2013
129

Shirley Penaforte Cardoso | 2011


Suely Nascimento | 2012
131

Te Ribeiro | 2012
Teonila Lima | 2014
133

Tonico | 2011
Valério Silveira — Mosqueiro | 2012
135

Van Gonçalves | 2014


Vivian Zeidemann | 2011
137

Viviana Quaresma | 2013


Wagner Okasaki | 2012
139

Wagner Santana | 2013


Wildes Lima | 2012
141

Wr Vieira | 2012
143

Teonila LIma — Campina | 2011


2011 2012
BELÉM

Programação Programação educativa e


educativa e fotovaral fotovaral na Praça Batista
na Travessa Leão XIII Campos e na Travessa Leão XIII
2013
BELÉM

Programação cultural e fotovaral


na Travessa Leão XIII e na Praça
Matriz (Mosqueiro)
2014
Programação educativa
e fotovaral na Praça dos
Estivadores e Estação das Docas Fotos: Miguel Chikaoka e Paula Sampaio
ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO SESC PARÁ

Presidente do Conselho Regional do Sesc no Pará Cinema


Sebastião de Oliveira Campos Carol Abreu

Diretor Regional do Sesc no Pará Humanidades


Marcos Cezar Silva Pinho Suelen Silva

Diretora de Educação e Cultura Literatura


Doris Ferreira Rodrigues Cleidiomar Oliveira

Diretora de Administração Música


Graça Ormanes Marcos Campelo

Diretora de Assistência, Lazer e Saúde Apoio Administrativo


Nedilea Negrão Aldo Batista Rodrigues
Claudia Aline
CENTRO CULTURAL SESC BOULEVARD
Áudio e Vídeo
Gerente João Evangelista
Nair Burlamaqui Marcos Favacho
Rui Lima
Artes Visuais
Argemiro Guerreiro Manutenção e Serviços Especiais
Márcio Campos Carlos Souza, Edson Viana,
Paula Sampaio (Fotografia) Ednaldo Alves, Luis Low,
Natércia Souza, Pedro Júnior e
Casa de Artes Cênicas Rosaleta Dias
Cleber Sandrim
Jean Gama
Lívia Paixão
Lu Borges
Luiz Cantanhede
Wilson Oliveira
PROJETO BELÉM 1616

Coordenação do Projeto Belém 1616 (2011/2015)


Miguel Chikaoka

Coordenação Editorial
Paula Sampaio

Revisão de Provas
Rose Silveira

Logomarca
Bruno Cantuária

Designer
Márcio Alvarenga

Catalogação
Cleidiomar Oliveira

Palestrantes
Elna Trindade, Ernani Chaves, Jorane Castro, Mariano Klautau Filho e Michel Pinho.

Colaboradores
Adriana Lima, Ana Paula Correa, Bruno Cantuária, Carol Abreu, Claudia Aline, Carlos
Souza, Dayane Eguchi, Debb Cabral, Edinaldo Alves, Eliane Costa, Edeilson Cordovil, Edgar
Augusto, Edson Viana, Esther Elgraby, Evila Nascimento, Larissa Cavalcante, Larissa Saud,
Luis Low, Juan Pablo, Joice Ribeiro, José Maria Vilhena, João Evangelista, Ylen Brito,
Márcio Campos, Marcos Campelo, Natália Costa, Natércia Souza, Otoniel Ribeiro, Pablo
Dias, Pedro Júnior, Tayná Cardel, Ravy Bassalo, Rui Lima, Rosaleta Dias e Rose Mafra

As fotografias editadas nesta publicação foram autorizadas formalmente por seus autores,
responsáveis pelas imagens de terceiros constantes em cada obra.

Publicação gratuita

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