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Cirúrgica
Baço e
suprarrenal
15ª edição
sUMÁRIO
1 Cirurgia do baço 9
2 Anatomia e fisiologia da suprarrenal 42
3 Incidentalomas 50
4 Feocromocitoma 54
5 Hiperaldosteronismo primário (HAP) 65
6 Síndrome de Cushing (SC) 74
7 Carcinoma adrenal 86
8 Adrenalectomia 92
9 Síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) 97
10 Questões para treinamento –
Cirurgia do baço 107
11 Gabarito comentado 117
12 Questões para treinamento –
Cirurgia da suprarrenal 135
13 Gabarito comentado 146
cirurgia do baço
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
de perda acidental. 19
Segmento
5 1
7
3 Artéria
Superior Segmento
Polar 2
6
8
Segmento
3
9
2
Figura 1.3 Trissegmentação esplênica de acordo com a distribuição
Figura 1.2 Esquema de secção do baço passando pelo pedículo esplê-
arterial (58,1% dos casos).
nico. 1: artéria esplênica; 2: veia esplênica; 3: cápsula do baço; 4: trabé-
cula principal; 5: seios do baço (polpa vermelha); 6: trabécula com arté-
ria trabecular; 7: linfonodo com artéria central e capilares do linfonodo
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(polpa branca); 8: capilares terminais; 9: elipsoide (polpa branca).
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Tronco celíaco
Artéria gastroepiploica
esquerda
Vasos gástricos
curtos
Com os recentes avanços na área do conhecimen- dula óssea, mesmo que não haja produção em uma
to imunológico, é sabido que uma das principais fun- fase inicial, eles são capazes de manter níveis san-
ções da glândula lienal é, sobretudo, proteger o or- guíneos mais prolongados.
ganismo contra os germes invasores e outros antí- O aumento da predisposição à infecção pode
genos, uma vez que seus macrófagos estão orienta- estar relacionado à ausência da atividade de opso-
dos a removê-los. Seu papel na fagocitose ficou bem nização do sangue de um indivíduo normal, dirigi-
estabelecido, comprovando-se o valor dos macrófagos da contra determinado tipo específico de pneumo-
esplênicos na remoção desses organismos invasores. coco. Isto se deve, provavelmente, à falta de um estí-
Sua capacidade de eliminação dos agentes estranhos mulo antigênico eficaz.
já foi comparada à do fígado, medula óssea, suprarre-
nal e hipófise, com predominância da glândula hepá- De maneira análoga, quando a esplenectomia é
realizada nas fases iniciais da vida, antes que o or-
tica pelo seu grande tamanho. Isto porque, apesar de
ganismo seja capaz de desenvolver anticorpos con-
a síntese de globulina pelo parênquima hepático em
tra outros tipos de bactérias, é provável que haja
condições fisiológicas ser insignificante na formação também uma predisposição a uma gama maior de
de anticorpos, quando existe intensa imunização ou infecções, além da pneumocócica.
infecção há uma proliferação de tecido linfático peri-
portal e a anticorpogênese torna-se importante. Uma vez que a IgM desempenha um papel im-
portante na opsonização e na resposta inicial da
Sabe-se que embora imediatamente disponíveis produção de anticorpos para novos antígenos (a
para remover o material estranho do sangue, as cé- primeira Ig a ser produzida após o estímulo antigê-
lulas reticulares do baço, medula óssea e células en- nico), o indivíduo asplênico pode tornar-se suscetí-
doteliais dos sinusoides são geralmente inadequadas, vel a infecção grave, em consequência da deficiên-
excetuando-se os casos de infecções moderadas. cia do mecanismo de opsonização e da diminuição
Desse modo, pode-se verificar que a necessidade dos anticorpos opsonizantes.
do aumento de número de fagócitos é de importância Vários estudos verificaram que o efeito estimula-
crítica, especialmente nos hospedeiros não imunes, dor da leucocinina (figura 1.16) poderia estar relacio-
no início da infecção. nado a uma única cadeia peptídica liberada da mem-
Por meio desse mecanismo o organismo ganha brana externa do neutrófilo ao qual ela se acopla. Este
tempo para que as opsoninas possam começar a agir e peptídio é hoje conhecido com o nome de “tuftsina”
aumentar a atividade fagocítica. Esse processo de pro- (por ter sido descoberto na Universidade de Tufts) e a
dução de novos fagócitos está diretamente relaciona- enzima capaz de liberá-lo é a leucocinase.
do à reserva mesenquimatosa, constituída por células Acredita-se que ela possa estimular a fagocitose
que têm a capacidade de se diferenciar nas demais cé- tanto in vitro como in vivo, além de ter alguma aplica-
lulas do tecido conjuntivo, tendo como principais re- ção terapêutica em que a fagocitose seja importante.
presentantes as células reticulares do tecido reticular, Foram analisados pacientes esplenectomizados
células endoteliais dos sinusoides do tecido reticular, para tratamento da esferocitose, anemia falciforme,
ligado, suprarrenal, hipófise, linfócitos e seus linfono- leucemia granulocítica crônica e trauma, tendo o re-
dos relativos. sultado demonstrado que a atividade fagocítica pelo
Depois do predomínio do processo destrutivo, peptídio estimulador (tuftsina) estava diminuída em
que causa depleção dos macrófagos e das células linfoi- 18 dos 23 indivíduos estudados, exceto para aqueles em
des nas fases iniciais da infecção, inicia-se o processo que a cirurgia foi realizada para o traumatismo esplêni-
de reparação através das células reticulares ou reserva co. Nos casos de traumatismo de baço, sua atividade es-
mesenquimatosa fixa. tava normal ou próxima do normal, provavelmente pela
proliferação do tecido lienal normal autotransplantado.
Essas células são insuficientes para substituir
a demanda dos macrófagos danificados, sendo ul- Em alguns casos, apesar do baço intacto, o pep-
trapassada em importância pela proliferação das cé- tídio sintetizado pode ter estrutura defeituosa, o que
lulas linfoides ou reserva mesenquimatosa móvel, favoreceria a infecção.
determinando uma intensa linfocitopoiese nos nó- Além disso, doenças que comprometem a função
dulos esplênicos, com migração dos linfócitos para esplênica com dano tecidual ou infiltração (autoesple-
polpa vermelha, onde ocorre esse processo de trans- nectomia), como é o caso da anemia falciforme, e na
formação celular. No que se refere à formação de an- leucemia granulocítica crônica, podem ser acompa-
ticorpos, observou-se que a quantidade sintetizada nhadas de deficiência da tuftsina.
pelo baço, seja após a administração de uma única
dose ou doses repetidas de antígenos, inicialmente As principais consequências da esplenectomia são a diminui-
é grande, havendo posteriormente uma parada de ção da IgG, IgM, tuftsina, properdina, alteração da regulação
produção. Por outro lado, nos locais não esplênicos dos linfócitos T e B e discreta interferência na produção e
síntese de anticorpos.
de anticorpogênese, fígado, gânglios linfáticos, me-
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
leucocinina inativa
(polimorfonuclear + IgG - Tuftsina)
Degradação
IgG
TUFTSINA
IgG TUFTSINA
(treonil-lisil-propil-arginina)
(leuconinase)
Baço
Aumento da atividade fagocitária
IgG
leucocinina ativa
(polimorfonuclear + IgG)
O seu parênquima é composto por células dos A circulação sanguínea do baço passa pelas ar-
sistemas mononuclear fagocitário (reticuloendotelial) térias trabeculares que, ao entrarem no parênquima,
e linfoide. Esse parênquima é dividido em quatro re- atravessam o tecido linfoide (polpa branca) como arté-
giões: rima perivascular, polpa branca, região perifoli- rias centrais ou foliculares, que fornecem ramos para
cular e polpa vermelha. esse tecido. Ao saírem da polpa branca, essas artérias
se ramificam em grande número de arteríolas meno-
A polpa branca constitui 5% a 13% do volume res, lembrando a estrutura de um pincel e, por isso,
esplênico e é formada por nódulos linfáticos descontí- são denominadas arteríolas peniciladas. A parte ter-
nuos e brancacentos, que circundam os vasos sanguí- minal dessas arteríolas é envolvida por uma estrutura
neos. Essa parte do baço é rica em linfócitos e células arredondada constituída por células fagocitárias e de-
mononucleares. De acordo com as características de nominada elipsoide. Em seguida, inicia-se a circulação
suas células, a polpa branca é compartimentada em pelo sistema de capilares sinusoides. Entre as células
três regiões, contendo linfócitos B e T: central (escu- endoteliais que constituem a rede desses capilares
ra, com linfócitos pequenos), intermediária (linfócitos existem espaços que permitem a saída de partículas
com citoplasma abundante), externa (linfócitos com com dimensões inferiores a 5 µm. Nessa etapa, 90%
aspecto semelhante aos circulantes). As células foli- do sangue sai dos capilares, constituindo a circulação
culares B estão localizadas nos centros germinativos denominada aberta. Esse sangue percorre a estrutura
e são rodeadas por linfócitos que formam nelas uma reticular do sistema mononuclear fagocitário em di-
coroa. Essa região é produtora de imunoglobulinas e reção aos seios venosos que o recolhem. Os 10% da
de células mesenquimais. Os linfócitos T estão dispos- circulação sanguínea que seguiram no interior dos ca-
tos em torno das arteríolas. pilares também são drenados para os seios venosos,
A polpa vermelha é responsável por 80% a que são estruturas com parede endotelial, das quais
88% do parênquima esplênico e é composta por seios se originarão os capilares venosos e depois as vênulas.
venosos sustentados por um arcabouço de fibras re- Estas drenarão o sangue para afluentes maiores, que
ticulares que envolve células do sistema mononuclear constituirão o sistema venoso trabecular.
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Esplenomegalia Tuberculose
Sarcoidose
Brucelose
A esplenomegalia tem origens muito diversas. No Malária
entanto, e com frequência, o baço torna-se palpável em Histoplasmose
consequência da execução das suas próprias funções Síndrome de Felty
Lúpus eritematoso sistêmico
normais, uma espécie de “hipertrofia de trabalho”. Em
Classificação das esplenomegalias (cont.) detectada pelos médicos examinadores em apenas 28%
das vezes; porém, quando esses médicos tinham certeza
Em resposta à Esferocitose hereditária
destruição de Anemia hemolítica autoimune de que havia esplenomegalia, eles estavam errados em
células sanguíneas Doenças de células falciformes apenas 1,4% das vezes. Em outro estudo comparativo
Talassemias e outras da detecção do tamanho do baço pela cintilografia em
hemoglobinopatias comparação com a do exame físico, um dos examinado-
Anemia perniciosa (ocasionalmente)
res identificou esplenomegalia corretamente em 88%
Neutropenia autoimune
Trombocitopenia autoimune das vezes, para isso utilizando palpação e percussão,
(raramente) porém também “sentiram-no” em 10% das vezes, quan-
Hemodiálise crônica do não havia qualquer aumento e, com frequência, em
Esplenomegalia Cirrose hepática uma taxa ligeiramente menor quando usavam apenas
congestiva Trombose da veia esplênica a percussão. Considerando todos os aspectos, parece
Obstrução da veia porta razoável estimar que esplenomegalia “verdadeira” é
Insuficiência cardíaca crônica encontrada em apenas 1% a 2% dentre todos os pa-
(atualmente mais rara) cientes ambulatoriais não selecionados.
Esplenomegalia Metaplasia mieloide agnogênica
mieloproliferativa Leucemia mielocítica crônica
Policitemia vera
Esplenomegalia Linfomas; leucemia de células pilosas Abordagem diagnóstica
neoplásica Leucemia aguda, linfocítica ou
monocítica
Leucemia linfocítica crônica
Carcinoma metastático (raro) Anamnese
Angiossarcoma (raro)
Macroglobulinemia Embora algumas vezes a esplenomegalia seja as-
sintomática, uma anamnese bem feita poderá, muitas
Esplenomegalia Doença de Gaucher
infiltrativa Amiloidose outras vezes, sugerir o diagnóstico correto da sua causa.
Histiocitose X
Diversas Cistos (verdadeiros, falsos,
parasitários) Indagações gerais
Rotura esplênica oculta
Tireotoxicose A esplenomegalia, em geral, reflete uma doença
Esplenomegalia não tropical sistêmica. Perguntas sobre sintomas gerais de doenças:
idiopática febre, sudorese noturna, perda de peso, debilidade e
Tabela 1.2 mal-estar devem sempre ser abordados. Uma história
de insuficiência cardíaca prolongada pode sugerir esple-
A incidência da esplenomegalia pode ser estimada nomegalia “cirrose cardíaca”. Esse distúrbio costuma ser
por uma análise composta dos estudos sobre baços palpá- a principal causa da esplenomegalia, porém vem sendo
veis, embora nem todos os baços palpáveis estejam au- menos observado nos dias atuais. Deve-se indagar so-
mentados. Em um estudo, quase 3% dentre 2.200 calou- bre história de câncer, especialmente doenças hemato-
ros universitários sadios tinham baços palpáveis que não lógicas como leucemias e linfomas. A história familiar e
podiam ser facilmente atribuídos à mononucleose infec- a história ocupacional são menos importantes, porém é
ciosa ou à constituição corporal; dez anos mais tarde, es- preciso procurar saber quais as medicações o paciente
ses indivíduos permaneciam sadios. Em outro estudo, 2% está tomando, porque as reações de hipersensibilidade
dentre quase 6 mil pacientes ambulatoriais adultos não a certas drogas, como a fenitoína, ao sulindac e a mui-
selecionados, observados durante um ano, tinham baço
tas outras, podem causar esplenomegalia. Se o paciente
palpável. Entretanto, em nenhum dos estudos a espleno-
tem conhecimento da esplenomegalia, deve-se indagar
megalia foi verificada pela ultrassonografia. No primeiro
sobre a rapidez do crescimento desse órgão. Um cres-
estudo, houve uma queda nítida e significativa na incidên-
cimento especialmente rápido ocorre após hematoma
cia dos baços “palpáveis” (3,7% para 1,4%) no terceiro ano,
traumático e nos linfomas de grandes células, enquanto
quando foram examinados por diferentes médicos, e os
nos cistos epidermoides o aumento é muito lento, du-
autores dizem que a taxa de “palpabilidade” poderá variar
rante anos, e na verdade, em geral, é assintomático.
com o examinador e com a capacidade de alguns dos exa-
minados para relaxar e respirar profundamente, fazendo
com que o baço normal se torne palpável.
Exame físico
Por outro lado, as técnicas clínicas para detectar
uma esplenomegalia mínima não são muito confiáveis. Como a esplenomegalia tem muitas causas dife-
Em um dos estudos num hospital de ensino, quando rentes, em geral é necessário um exame físico completo.
foi usada a cintilografia isotópica, a esplenomegalia foi Sem dúvida, algumas vezes a anamnese e os sintomas
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Indicações cirúrgicas
A descrição resumida de parte das funções do
baço apresentou uma ideia da grande importância
desse órgão. Portanto, o cirurgião deve ter cautela ao
operar em sua proximidade e ser capaz de preservá-lo
quando ele for lesado. Se a esplenectomia for progra-
mada, deve-se ponderar com muito cuidado quanto à
real necessidade da retirada de todo o baço.
A lista de indicações para esplenectomia vem
sendo reduzida, à medida que os conhecimentos sobre
esse órgão aumentam. Na maioria das vezes, a retira-
da esplênica pode até agravar algumas doenças e pro-
vocar óbitos mais precoces. Os avanços técnicos têm
possibilitado a manutenção parcial ou total do baço
com resultados pós-operatórios melhores do que os
Figura 1.26 Lesão esplênica difusa com fragmentação, vista na tomo- obtidos com a sua remoção.
grafia computadorizada, com contraste endovenoso.
Serão discutidas, a seguir, algumas condições pa-
tológicas em que são indicados procedimentos cirúrgi-
cos sobre o baço.
Malformações
São raras as malformações esplênicas que requei-
ram intervenção cirúrgica. A ptose esplênica acentua-
da, por lassidão (congênita ou adquirida com a idade
mais avançada) dos ligamentos que fixam o baço, pode
colocá-lo nas posições mais bizarras do abdome (pá-
gina 16). O risco de esse órgão torcer o seu pedículo
e necrosar justifica a operação para fixá-lo novamen-
te em sua loja. Outra complicação da ptose esplênica
Figura 1.27 Tomografia computadorizada do abdome mostrando
acentuada é a compressão de vísceras, podendo levar a
uma lesão cística no baço com calcificação na periferia do cisto. obstruções intestinais, urgência miccional e tenesmo.
Na eventualidade de se formarem aderências anôma-
las entre o baço e outros órgãos abdominais ou com o
próprio peritônio, deve-se pensar na possibilidade de
hérnias internas.
Diante de uma torção esplênica com parte do
baço isquemiada, pode-se remover apenas o segmento
necrosado, conservando-se o restante do órgão. A es-
plenectomia total somente teria indicação no caso de
acidente cirúrgico e, nessa eventualidade, é indispen-
sável realizar os autoimplantes sobre o omento maior.
Trauma
A conduta conservadora no trauma, que foi rea-
lizada esporadicamente em vários países durante os
Figura 1.28 Ultrassonografia abdominal mostrando um grande au-
últimos quatro séculos, teve um grande impulso após
mento do baço com várias áreas hipoecoicas (setas) em um paciente os trabalhos de Campos Christo (1959) e, atualmen-
com linfoma. te, tornou-se rotineira na maioria dos serviços de ur-
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
hemodinâmica. À medida que a experiência tem cres- Tentando aperfeiçoar o tratamento da hipertensão
cido, a maioria sente-se confortável com a observação porta, aliou-se a esplenectomia a uma derivação esple-
das lesões de graus III estáveis e, em muitos serviços, norrenal centralizada. Essa operação obteve êxito no
adota-se a conduta de observar as lesões de graus IV e que dizia respeito ao ressangramento. Por outro lado,
V em ambiente de UTI. as taxas de encefalopatia alcançavam até 30% dos casos.
Um achado importante que se correlacionou com Outro grande inconveniente era o surgimento ou agra-
a falha do tratamento não cirúrgico é a presença de um vamento da insuficiência hepática, devido à grande re-
blush vascular no exame de TC. Esses blushes vascu- dução de suprimento sanguíneo ao fígado. Além disso,
lares representam, na verdade, falsos aneurismas dos afecções cardiopulmonares preexistentes evoluíam, no
ramos intraparenquimatosos na artéria esplênica. O pós-operatório, para insuficiência cardíaca, devido à so-
aumento gradual desses aneurismas podem coincidir brecarga volêmica proveniente da derivação esplenorre-
com ruptura esplênica tardia. nal. Outro efeito adverso era a sepse pós-esplenectomia.
Com vista às complicações neurológicas, hepáti-
cas e cardiopulmonares, combinou-se a esplenectomia,
já consagrada, à desconexão portavarizes. Existem mui-
tas técnicas propostas para essa desconexão. Uma das
mais bem estabelecidas consiste na ligadura vascular
da curvatura gástrica menor, da parede posterior do
estômago e periesofágica abdominal, combinada com
a sutura intraluminar das varizes do estômago e do
esôfago inferior, com fio de absorção lenta. Além dos
inconvenientes da esplenectomia, essa operação pode
ser acompanha de recidiva do sangramento das varizes.
Para as complicações decorrentes da esplenec-
tomia serem evitadas, órgão que não está doente,
Figura 1.30 TC demonstrando blush vascular em um baço lesado. mas apenas sofre as consequências da estase veno-
sa, idealizou-se a esplenectomia subtotal em 1979.
Nessa operação, preserva-se o polo superior do baço,
conectado ao estômago apenas pelos vasos espleno-
Recomendações gerais no tratamento cirúrgico do
trauma esplênico gástricos. Esse procedimento pode ser combinado à
desconexão portavarizes e também à anastomose es-
Grau da lesão Conduta cirúrgica plenorrenal centralizada, sem comprometimento de
Compressão, cauterização ou cola de fibrina. seus princípios terapêuticos para a hipertensão porta.
I e II
Se insucesso, esplenorrafia. Nos casos em que não é possível preservar sequer o
Esplenorragia. Se insucesso, esplenectomia polo superior, mantêm-se as funções desse órgão por
III meio de autoimplantes esplênicos no omento maior.
parcial ou total.
Esplenorragia ou esplenectomia parcial.
IV
Se insucesso, esplenectomia total.
V Esplenectomia. Leucemias e linfomas
Tabela 1.5 Os avanços terapêuticos têm conseguido contro-
lar adequadamente doenças que, até poucos anos atrás,
eram de indicação formal para esplenectomia, como
alguns tipos de leucemia, com destaque para a trico-
Hipertensão porta citoleucemia (leucemia de células cabeludas ou hairy
A esplenectomia isolada foi um dos procedimen- cell leukemia), e de linfomas, principalmente doença de
tos mais realizados para tratamento da hipertensão Hodgkin. Essas afecções são naturalmente imunode-
porta. Essa opção tinha como objetivo reduzir em 20% pressoras, e sua abordagem quimio e radioterápica tam-
a 30% a pressão da veia porta, retirando o fluxo san- bém bloqueia o sistema imunitário. Ao se aliar a essa
guíneo proveniente do baço. Como se observou que condição a esplenectomia, torna-se ainda pior a função
esse órgão conecta o sistema porta em hipertensão ao do sistema de defesa orgânica, já muito comprometida.
fundo gástrico, por meio dos vasos esplenogástricos, Assim, o grande risco de esses doentes desenvolverem
a esplenectomia também era útil para reduzir a hiper- sepse, mesmo com adequada cobertura antibiótica e
tensão nas varizes de estômago. Outra vantagem da administração de vacinas, tem mudado o comporta-
retirada esplênica era a reversão da pancitopema de- mento médico em relação à cirurgia. Os avanços dos
corrente do represamento sanguíneo dentro do baço. métodos de imagem e as biópsias dirigidas têm conse-
guido determinar o estádio dessas doenças e prevenir surge retardo de crescimento pôndero-estatural. Alguns
a necessidade de esplenectomia. Essa operação passou pacientes desenvolvem crises repetidas de dor intensa
a ser indicada somente em casos selecionados, quando em hipocôndrio esquerdo relacionadas a infartos esplê-
a pancitopema persistir em níveis perigosos, apesar do nicos. Só devem ser tratados os pacientes sintomáticos.
tratamento adjuvante bem conduzido. Existem relatos Transfusões de sangue são utilizadas para manter
de esplenectomia parcial para pacientes portadores de hemoglobina em torno de 10 g/dL. Apesar de a es-
baços gigantes e que responderam mal à quimioterapia. plenectomia não influenciar o defeito hematoló-
Essa operação trouxe alívio aos doentes e permitiu su- gico básico, pode eliminar ou reduzir a destruição
cesso parcial na terapêutica oncológica. Por outro lado, acelerada de eritrócitos, diminuindo a necessidade
se houver a necessidade de cirurgia para estabelecer o de transfusões. Os melhores resultados foram relata-
estádio do linfoma, a esplenectomia parcial ou subtotal dos com crianças maiores e adultos jovens portadores
bem orientada também pode conferir informações sa- de grandes esplenomegalias. A esplenectomia pode ser
tisfatórias para o planejamento terapêutico. cogitada também para alívio de desconforto abdominal
por esplenomegalias gigantes ou para aliviar dores abdo-
minais repetidas dos infartos esplênicos.
Hiperesplenismo
Não se deve confundir esplenomegalia por difi-
culdade de drenagem venosa com hiperesplenismo, Anemia falciforme
que é uma doença de origem desconhecida e na qual o (Drepanocitose)
baço destrói células íntegras, interfere negativamente
no sistema imunitário e promove distúrbios de coagu- Doença da hemoglobina S (padrão homozigoto
lação, além de anemia. O hiperesplenismo é uma do- SS), ela se caracteriza por suas hemácias em forma de
ença que deve ser diagnosticada por suas repercussões foice, com uma membrana celular muito frágil. A sua
clínicas e não apenas por alterações em exames labo- transmissão é autossômica dominante. Em um primei-
ratoriais. Essa afecção pode ser tratada com quimiote- ro período dessa doença, o baço aumenta de tamanho
rápicos e com a retirada do baço. (de seis meses a, no máximo, 3 anos de vida) e, em seus
cordões esplênicos, formam-se acúmulos de hemácias
Por outro lado, a esplenomegalia por represa- sobre os quais se precipitam sais de cálcio e ferro (nó-
mento sanguíneo traz, geralmente, pouca repercussão dulos de Gandy-Gamna). Esses trombos hemáticos são
sistêmica e resolve-se com a desobstrução da veia es- responsáveis por áreas de isquemia segmentar e con-
plênica ou a derivação adequada de seu sangue para sequentes necroses focais, com diminuição progressiva
a circulação sistêmica. No hiperesplenismo verda- do baço (autoesplenectomia). Nesse contexto de invo-
deiro, mais grave e refratário a tratamento clí- lução progressiva do órgão, a necessidade de esplenec-
nico, está indicada a remoção total do órgão e de
tomia para reduzir a hemólise não tem aplicabilidade
eventuais baços supranumerários. Já na espleno-
clínica. Ela estaria indicada para tratar a dor muito in-
megalia por represamento, pode-se preservar todo ou
tensa de origem esplênica que não puder ser aliviada
pelo menos parte do tecido esplênico.
com analgésicos potentes, ou na síndrome de sequestro
Síndrome de Banti: esplenomegalia, anemia e esplênico (que justifica grande esplenomegalia secun-
cirrose hepática. dária a fenômeno vaso-oclusivo) que não regride com
hidratação, analgesia e hemotransfusão.
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Espectrina β
α
Plaq < 30.000/mm³ Plaq < 30.000/mm³
Espectrina-4.1-Actina Plaq > 30.000/mm³
com sangramento sem sangramento
interação com Glicoforina A
Dímero de espec-
trina interação Ig IV
Outros Sem tratamento
Figura 1.31 Estrutura da membrana celular da hemácia. A membrana tratamentos
da hemácia consiste de uma bainha lipídica de duas moléculas espessas
fixadas a uma rede proteica intracelular. A camada lipídica mais externa Colchicina Azatioprina
é rica em fosfatidilcolina, esfingomielina e glicopeptídio; a camada mais Ciclofosfamida
interna é feita de fosfátides de serina, etanolamina e inositol. Quase me- Vincristina
tade da camada lipídica é de colesterol. As proteínas da membrana, gli-
coforina C e banda 3 penetram na bainha lipídica e mantêm um contato Figura 1.33 Fluxograma indicando as opções terapêuticas na púrpura
vertical com as reticuloproteínas, espectrina, proteína 4.1, actina, e no trombocitopênica imunológica. *Os respondedores elevam as plaquetas
caso da banda 3, anquirina. Heterodímeros de espectrina fornecem uma para valores de segurança (≥ 50.000/mm3) em, no máximo, seis semanas.
estrutura horizontal de proteína de ligação 4.1 aos dímeros de espectrina * Bons respondedores: 6 semanas. Objetivo: elevar o número de plaquetas
complementares. para valores de segurança ( ≥ 50.000/mm3).
A esplenectomia está indicada em: (1) pacientes A hidroxiureia (dose inicial de 500 mg duas ve-
sintomáticos que não tenham respondido ao trata- zes ao dia) continua sendo o medicamento de escolha
mento conservador; (2) pacientes assintomáticos que para o controle da leucocitose, da trombocitose ou
não tenham respondido ao tratamento e apresentam da organomegalia. A esplenomegalia refratária à hi-
contagem de plaquetas < 30.000/mm³; (3) pacientes droxiureia, se sintomática, pode demandar remoção
com recidiva da trombocitopenia após tratamento cirúrgica. Outras indicações para esplenectomia in-
efetivo com corticoide e (4) pacientes que precisam de cluem sintomas constitucionais incapacitantes asso-
doses elevadas de corticoides para manter níveis acei- ciados a esplenomegalia acentuada, hipertensão por-
táveis de plaquetas. ta sintomática e a necessidade de frequentes transfu-
A resposta inicial imediata é de 50% a 80%. O sões de hemácias. Aproximadamente um quarto dos
aumento de duas a três vezes o número normal de pla- pacientes com anemia que demanda transfusão pode
quetas nas seis semanas que se seguem à esplenecto- obter um benefício prolongado com a esplenectomia.
mia sugere cura definitiva. O aumento lento do núme- Todavia, a taxa de mortalidade perioperatória pode
ro de plaquetas, por sua vez, é sinal de recaída precoce. ser da ordem de 9%, e a sobrevida global pode não
Em torno de 5% dos casos, a esplenectomia não tem mudar (a sobrevida média após esplenectomia é de
influência no número de plaquetas. A recaída no de- aproximadamente 2 anos).
correr do tempo é frequente: um ano depois, a taxa Após a esplenectomia, podem ocorrer leucemia
de resposta reduz para 30 a 50%; e cinco anos depois, aguda, hepatomegalia acentuada, e trombocitose extre-
para 0% a 15%. ma em aproximadamente 16%, 16% e 22%, respectiva-
A conduta perante casos de falha de resposta à es- mente, sendo esta última significativamente associada
plenectomia deve ser diferenciada. Em pacientes sem à trombose perioperatória. Portanto, a hidroxiureia
sintomas hemorrágicos e plaquetas superiores a 30.000/ profilática é fortemente aconselhada para prevenir a
mm3 não há necessidade de intervenções terapêuticas. elevação da contagem de plaquetas pós-esplenectomia.
Quando algum tratamento se faz necessário, pode-se co- Em pacientes com pouca indicação para cirurgia com
gitar entre terapia a longo prazo com corticoides ou mo- esplenomegalia sintomática, a irradiação esplênica pa-
noterapia com azatioprina ou ciclofosfamida. liativa é razoável (aproximadamente 300 cGy adminis-
trados em 10 frações). A irradiação esplênica também
A busca por baços acessórios (10% a 15% da pode ser usada no controle de infartos esplênicos que
população geral) deve ser cogitada como razão de são refratários a analgésicos opiáceos. O tratamento da
insucesso à esplenectomia no grupo de pacientes hematopoese extramedular não esplênica exige baixas
não responsivos e no grupo com resposta inicial sa- doses de irradiação de campo envolvido (100 a 150 cGy)
tisfatória após esplenectomia, que volta a apresen- administradas em várias frações.
tar plaquetopenia.
A esplenectomia subtotal, na qual se mantém
polo superior do baço suprido apenas pelos vasos es-
plenogástricos, é uma alternativa para os pacientes
em que o baço é o único órgão de hematopoese. Essa
Hepatoesplenomegalia mieloide operação apresenta uma evolução muito satisfató-
Essa doença, descrita por Hueck (1879), pode ser ria, sem crescimento do fígado ou do remanescente
uma reação compensadora decorrente de mielofibro- esplênico, que manteve as suas funções. Os autoim-
se. Nessa condição, a medula óssea apresenta-se com plantes esplênicos no omento maior são outra opção
hipercelularidade, fibrose reticular e deposição, lenta válida quando o baço não puder ser preservado se-
e progressiva, de colágeno. A sua produção celular é quer em parte.
atípica e decorre de diferentes afecções sistêmicas
autoimunes, virais, cariotípicas e metabólicas, ainda
em grande parte desconhecidas. O lento comprometi-
mento da medula óssea faz com que o restante do sis- Doença de Gaucher
tema mononuclear fagocitário, principalmente fígado Essa afecção, descrita por Gaucher (1882) como
e baço, assuma a função hematopoiética. Essa doença, epitelioma primitivo do baço, tem característica au-
também conhecida por metaplasia mieloide agnogê- tossômica dominante e consiste em uma deficiência
nica, atualmente é denominada hepatoesplenomega- dos esfingolípides. A atividade defeituosa da enzima
lia mieloide. É importante lembrar que, no período ácido β-glicosidase tem como consequência o acú-
embrionário-fetal, esses órgãos eram responsáveis mulo de seu substrato, o glicocerebrosídeo ceramida
pela produção sanguínea. Portanto, a função hemato- glicosil, nas células do sistema mononuclear fagoci-
poiética é reassumida, tendo por provável origem as tário, transformando-se nas células de Gaucher. No
células-tronco (stem cells) e não tecido metaplasiado baço, essas células se originam dos histiócitos dos
da medula óssea. cordões esplênicos.
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Em decorrência dessa infiltração gordurosa, o conforto abdominal superior, saciedade precoce, dor
fígado e principalmente o baço aumentam as suas di- torácica pleurítica, além de sintomas compressivos so-
mensões, podendo o baço elevar o diafragma e esten- bre o rim esquerdo.
der-se até a pelve. O desconforto respiratório e para a Cistos verdadeiros não parasitários sintomáticos
deambulação, por causa desse crescimento, constitui e grandes devem ser abordados cirurgicamente para
a indicação de esplenectomia. Contudo, a remoção do remoção, seja por esplenectomia total ou parcial quan-
baço acompanha-se do agravamento da infiltração gor- do for possível conservar parênquima não acometido
durosa no fígado e na medula óssea, com consequente pelo cisto.
insuficiência hepática e fraturas ósseas. Para prevenir
essas complicações, a esplenectomia parcial tornou-se Os pseudocistos esplênicos (responsáveis por
quase obrigatória, porém a preservação do pedículo 70% a 80% de todos os cistos não parasitários do
vascular pode levar ao crescimento do remanescen- baço) não são revestidos internamente por epitélio
te esplênico. Com o objetivo de evitar essa situação, e, em grande parte deles, revela-se uma história an-
a esplenectomia subtotal, em que se preserva o polo terior de trauma abdominal. Lesões menores que
superior suprido apenas pelos vasos esplenogástricos. 4 cm são assintomáticas e não devem ser trata-
das, pois podem involuir espontaneamente com
Todos esses pacientes evoluíram sem fraturas ósseas,
o tempo. Lesões sintomáticas provocam dor no
insuficiência hepática ou crescimento do remanes-
cente esplênico. Diante de dificuldades maiores para quadrante superior esquerdo e dor referida no om-
se conservar parte do baço, resta a opção dos autoim- bro do mesmo lado, devendo ser ressecadas por es-
plantes esplênicos no omento maior. plenectomia parcial se houver condições favoráveis
(mobilização completa e segura do baço). Caso não
seja possível, não se deve hesitar em realizar esple-
nectomia total. Recentemente, tem sido proposta a
drenagem percutânea para pseudocistos esplênicos,
Doenças esplênicas cujos resultados ainda devem ser comparados com
Apesar de raras, anomalias benignas do baço, as modalidades terapêuticas existentes para conclu-
como cistos, abscessos e algumas massas sólidas, prin- sões posteriores.
cipalmente de origem embrionária, também podem
ser tratadas de forma conservadora ou com operações
parciais sobre o baço.
Abscessos esplênicos
Situação incomum, com potencial fatal va-
riando entre 80%, quando múltiplos e acome-
Cistos Esplênicos tendo imunodeprimidos, e 15% quando únicos e
Lesões de natureza cística acometendo o parênqui- atingindo pessoas previamente saudáveis. Algu-
ma esplênico podem ser subdivididas em cistos verdadei- mas doenças podem predispor ao abscesso esplênico,
ros (parasitários e não parasitários) e pseudocistos. tais como neoplasias malignas, endocardite, policite-
mia vera, trauma prévio, hemoglobinopatias, infecção
Em regiões onde a doença hidática (equinococo-
do trato urinário e abuso de drogas intravenosas e
se) é endêmica, a maioria dos cistos esplênicos verdadei-
AIDS. A maioria dos abscessos esplênicos (> 70%)
ros são cistos parasitários. Procura-se determinar, por
resulta da disseminação hematogênica do micro-
exames de imagem, a presença de calcificações na
-organismo responsável a partir de outra localização
parede e cistos-filhos (escólices) no interior. A es-
(endocardite, osteomielite etc.), mas o foco infeccioso
plenectomia é o tratamento de escolha, com esteri-
inicial também pode ser proveniente de um órgão ou
lização do interior do cisto pela injeção de solução
estrutura contígua (cólon, rim, pâncreas etc.). Cocos
de cloreto de sódio a 3% ou outra substância escle-
Gram-positivos (Estafilococo, Estreptococo e En-
rosante (álcool ou nitrato de prata a 0,5%), na tentativa
terococo) e bacilos Gram-negativos são os agentes
de evitar o derrame de líquido pela cavidade peritoneal,
mais comuns, podendo ser causados por germes como
provocando choque anafilático, ou mesmo a dissemina-
micobactérias, actinomices e cândida. Quadro clínico
ção de escólices viáveis pelo peritônio caso haja ruptura
inespecífico e insidioso, incluindo febre, dor abdo-
acidental da parede do cisto durante a operação.
minal, peritonite e dor pleurítica. Exame de imagem
Os cistos verdadeiros não parasitários caracteri- (tomografia computadorizada) auxilia no diagnósti-
zam-se por revestimento interno epitelial escamoso. co. Abscessos uniloculares podem ser passíveis de
Muitas vezes os cistos verdadeiros são assintomáticos drenagem percutânea e administração sistêmica de
e de diagnóstico incidental, pois cistos menores que antibióticos, com taxa de sucesso superior a 75%,
8 cm dificilmente causam sintomas. Cisto esplênico enquanto abscessos multiloculares devem ser tra-
grande pode causar sensação vaga de plenitude e des- tados por esplenectomia.
O baço é sítio para tumores metastáticos em O baço ectópico é um achado raro, sendo res-
mais de 7% das autópsias dos pacientes com câncer. ponsável por apenas uma fração de uma percenta-
Os tumores primários sólidos que com mais fre- gem de todas as esplenectomias. O baço ectópico é
quência se metastatizam para o baço são os carci- mais frequentemente diagnosticado em crian-
nomas da mama, do pulmão e o melanoma; no en- ças ou em mulheres entre os 20 e 40 anos. O
tanto, praticamente qualquer doença maligna pode baço normalmente tem ligamentos peritoneais (cha-
metastatizar para o baço. Muitas metástases para o mados ligamentos suspensores) que o fixam na sua
baço são assintomáticas, mas podem estar associa- posição anatômica habitual. Postulou-se que a falha
das a esplenomegalia sintomática, ou até mesmo a na formação dessas fixações resulta da falha do me-
uma ruptura esplênica espontânea. A esplenectomia sogástrio dorsal em fusionar-se à parede abdominal
pode proporcionar uma paliação eficaz em pacientes posterior durante o desenvolvimento embrionário.
sintomáticos cuidadosamente selecionados com me- O resultado é um pedículo esplênico incomumente
tástases esplênicas. longo. Também postulou-se que um defeito adquiri-
do na inserção esplênica pode ocorrer em mulheres
As neoplasias vasculares são os tumores multíparas secundariamente a alterações hormo-
esplênicos primários mais comuns e incluem va- nais durante a gravidez e associada a uma frouxi-
riantes benignas e malignas. Os hemangiomas, dão abdominal. A maioria dos pacientes com baço
em geral, são achados incidentais, identificados em ectópico é assintomática. Os pacientes sintomáticos
baços removidos por outros motivos. Os angios- costumam apresentar episódios recorrentes de dor
sarcomas (ou hemangiossarcomas) do baço fo- abdominal. É provável que isto esteja relacionado à
ram associados a uma exposição ambiental ao dióxi- tensão sobre o pedículo vascular ou a uma torção in-
do de tório ou ao cloreto de vinil monomérico, mas termitente. A torção dos vasos esplênicos pode levar
eles, com mais frequência, ocorrem de forma es- a uma congestão venosa e à esplenomegalia. Uma
pontânea. Os pacientes com esses tumores podem dor forte e persistente é sugestiva de torção e isque-
apresentar-se com esplenomegalia, anemia hemo- mia esplênicas. Ao exame físico, pode estar presente
lítica, ascite e derrames pleurais ou com uma rup- uma massa abdominal móvel, associada à sensibili-
tura esplênica espontânea. Estes são tumores alta- dade abdominal. O diagnóstico pode ser confirma-
mente agressivos que têm um péssimo prognóstico. do mais prontamente com uma TC do abdome. O
Na quase totalidade dos casos, os linfangiomas são achado típico é a ausência de baço na sua posição
cistos benignos revestidos de endotélio que podem normal e a sua presença em uma posição ectópica.
tornar-se sintomáticos por causarem esplenome- A injeção de um contraste intravenoso durante a TC
galia. Foi relatado linfangiossarcoma dentro de um proporciona informações valiosas. A falta de realce
linfangioma cístico. A esplenectomia é apropriada pelo contraste do baço sugere uma torção esplênica,
para o diagnóstico, o tratamento ou a paliação das assim como a aparência em rodamoinho do pedículo
condições citadas previamente. esplênico. A ausência de uma perfusão esplênica na
TC pode ser útil em orientar a decisão cirúrgica para
a esplenectomia versus esplenopexia.
Esplenectomia
A esplenectomia está indicada num largo espec-
tro de doenças. Talvez a indicação mais comum seja
o traumatismo, externo ou cirúrgico. Uma variedade
de distúrbios hematológicos também requer esple-
nectomia, como discutido anteriormente. Pode fazer
parte do estadiamento de linfoma e, finalmente, ser
realizada como parte de uma cirurgia para câncer de
estômago, pâncreas ou de outra estrutura retroperito-
neal do quadrante superior esquerdo. Em raros casos,
também pode ser o melhor tratamento para um abs-
Figura 1.34 Baço aumentado com adenocarcinoma metastático. cesso esplênico.
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Contraindicações relativas para esplenectomia tória e uma taxa de conversão e laparotomia aumen-
laparoscópica tadas acontecem em pacientes com baços mais longos
que 20 cm e pesando mais de 1.000 g.
Coagulopatia severa ou trombocitopenia (contagem de pla-
quetas < 20.000/mm3) Como em outros procedimentos cirúrgicos, a
Esplenomegalia vultosa* dificuldade técnica da esplenectomia laparoscópica
Gravidez varia com a indicação para o procedimento e o hábito
Traumatismo
Artéria esplênica calcificada
corporal do paciente. Além das condições previamente
mencionadas, várias outras situações demandam con-
Tabela 1.6 *considerada em muitos serviços uma contraindicação sideração especial antes de executar uma abordagem
absoluta. laparoscópica. Estas incluem condições inflamatórias,
como abscesso esplênico, diverticulite envolvendo
o ângulo esplênico do cólon e aderências em pacien-
A esplenectomia laparoscópica é um procedi-
tes com múltiplos procedimentos cirúrgicos prévios.
mento cirúrgico eletivo infrequentemente executado
Também incluídos estão os pacientes com hipertensão
durante a gravidez, mas deve ser empreendido com
portal. Vasos retroperitoneais colaterais podem resul-
cautela. Embora existam dados apoiando a segurança
tar em hemorragia profusa durante a dissecção, e asci-
da colecistectomia laparoscópica durante a gravidez, a
te também pode estar presente nestes pacientes, cau-
esplenectomia é um procedimento mais longo e mais
sando risco aumentado de infecção intra-abdominal,
difícil. As alterações potenciais no fluxo de sangue ute-
vazamentos pela ferida e outras complicações pós-
rino, a compressão caval na posição de decúbito lateral
-operatórias. A exposição do campo cirúrgico é mais
direito, e a morbidade materna ou fetal no caso de he-
difícil em pacientes obesos e naqueles com grandes
morragia súbita e descontrolada sugerem que a esple-
tumores ou cistos do baço. A hidatidose do baço tam-
nectomia laparoscópica é relativamente contraindica-
bém deve ser abordada com cautela. A ruptura do cisto
da durante a gravidez. Embora possa encontrar uma
pode resultar em derramamento de escólices ao longo
ampla aplicação clínica com o aumento da experiência
da cavidade abdominal e pode permitir a dissemina-
e da melhor instrumentação, o reparo laparoscópico
ção da infecção parasitária. Embora não necessaria-
da lesão esplênica por traumatismo externo não é am-
mente apresentem contraindicações à esplenectomia
plamente praticado. O reparo laparoscópico e a remo-
laparoscópica, estes pacientes deveriam ser operados
ção laparoscópica parcial ou completa do baço foram
apenas por cirurgiões experimentados em procedi-
relatados após traumatismo externo, mas ainda há
mentos laparoscópicos avançados.
preocupação quanto ao tempo cirúrgico aumentado, a
capacidade de detectar outras lesões intra-abdominais
e métodos relativamente pouco práticos de hemosta-
sia. A calcificação da artéria esplênica também foi lis- Avaliação e manejo
tada como uma contraindicação à esplenectomia lapa-
roscópica, presumivelmente devido à possibilidade de perioperatório
lesão por esmagamento e aumento do risco de hemor- A avaliação pré-operatória e preparo de pacientes
ragia com ligadura por instrumentos laparoscópicos para esplenectomia laparoscópica dependem da con-
de grampeamento. dição médica global do paciente e da doença subjacen-
Está claro que pacientes com baços aumentados te que leva à cirurgia. Em condições práticas, a maioria
apresentam um desafio técnico ao cirurgião laparos- dos pacientes é encaminhada pelo médico de cuidados
cópico, mas não está exatamente claro porque a esple- primários, pelo hematologista, o oncologista, que diri-
nomegalia crescente não apresenta as vantagens de gem o preparo pré-operatório e o manejo perioperató-
uma abordagem minimamente invasiva ou resulta em rio da doença subjacente que leva à esplenectomia. É
morbidade proibitiva. Parte da confusão é resultante incumbência do cirurgião revisar e entender todos os
da falta de consenso sobre o que exatamente consti- aspectos da terapia do paciente para um ótimo cuida-
tui uma esplenomegalia volumosa. Alguns investi- do per-operatório.
gadores definem a esplenomegalia volumosa como Além de uma avaliação geral da saúde global do
peso maior que 1.000 g, alguns como peso maior paciente de seu estado cardiopulmonar, várias outras
que 1.500 g, e outros como comprimento no diâ- questões em relação ao preparo pré-operatório para
metro maior que 20 ou 30 cm; ainda outros não dão esplenectomia laparoscópica merecem discussão. Es-
nenhum critério objetivo. Sabe-se que a morbidade e tas incluem a avaliação do tamanho do baço, a disponi-
a mortalidade pós-operatórias são aumentadas após a bilidade de derivados do sangue para transfusão, tera-
esplenectomia aberta em pacientes com esplenomega- pia clínica perioperatória (corticosteroides, infusão de
lia severa. Os dados limitados relativos à esplenecto- gamaglobulina, antibioticoterapia), vacinação contra
mia laparoscópica em pacientes com esplenomegalia infecção grave pós-esplenectomia (IPE), e a questão,
severa sugerem que uma perda de sangue transopera- da embolização angiográfica pré-operatória da artéria
esplênica. Estudos de imagem de rotina para avaliar o da cirurgia) resulta em contagens de plaquetas maio-
tamanho do baço antes da esplenectomia laparoscópi- res que 60.000/mm3 em 72% dos pacientes. A profila-
ca eram comuns vários anos atrás, mas a maioria dos xia antibiótica é administrada habitualmente na for-
cirurgiões experientes não acha esta prática necessá- ma de uma dose única de cefalosporina de primeira
ria. A cinegrafia é de precisão insuficiente para deter- geração, embora nenhum dado convincente apoie esta
minação do tamanho ou a detecção de tecido esplênico prática durante a esplenectomia aberta.
acessório quando usada no pré-operatório. A tomo- Apesar de a incidência de sepse pós-esplenecto-
grafia computadorizada é valiosa em pacientes com mia ser relativamente baixa, a morbidade excessiva e a
cistos ou abscessos esplênicos, especialmente quando mortalidade resultantes da IPE fizeram com que a va-
um procedimento de conservação do baço é contem- cinação perioperatória contra organismos ofensores se
plado para avaliar a posição da lesão com respeito ao tornasse uma questão de rotina. Um recente resumo do
hilo esplênico. A ultrassonografia pode ser usada para problema da IPE cita uma incidência geral de 0,1-8,5%,
detectar se as massas esplênicas são císticas ou sóli- com um risco vitalício estimado em 5% em pacientes
das ou se colelitíase está presente; porém, nenhum asplênicos. A incidência varia de acordo com a idade e
destes estudos é executado de rotina. Provavelmente, a doença subjacente. Crianças abaixo de 15 anos têm
o melhor preditor de esplenomegalia e uma cirurgia um risco maior de IPE (0,13-8,1%) que os adultos (0,28-
potencialmente difícil é a presença de uma ponta do 1,9%), e a esplenectomia após doenças hematológicas
baço palpável durante o exame físico. Outro relato têm um maior risco de IPE do os que sofrem esplenec-
afirma que um baço de aproximadamente três vezes o tomia para traumatismo e outros processos benignos.
tamanho normal (600-750 g) deve ser palpável abaixo A maioria das autoridades concorda que a vacinação
da margem costal em 59% dos pacientes, ou que um precoce é uma estratégia protetora efetiva contra a IPE,
baço palpável abaixo da margem costal tipicamente mas as opiniões diferem sobre o momento e a natureza
pese 750-1.000 g. Em todo caso, uma ponta de baço das vacinas. Vacinas capsulares imunogênicas estão dis-
palpável deduz a presença de esplenomegalia signifi- poníveis para os três principais organismos causadores
cativa e serve como um sinal de alerta para um caso de IPE: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influen-
tecnicamente difícil. zae e Neisseria meningitidis. Há consenso geral de que
A transfusão de concentrado de hemácias e pla- a vacina pneumocócica polivalente seja administrada
quetas é individualizada de acordo com o hematócrito a todos os pacientes asplênicos, antes da cirurgia, se
pré-operatório do paciente (Ht < 30% e Hb < 10 g/dL) possível. As opiniões variam em relação a outras va-
e a contagem de plaquetas, estado cardíaco e pulmo- cinações, da administração rotineira de todas as três
nar basal, e avaliação com o hematologista e o aneste- vacinas (polivalente pneumocócica, vacina conjugada
siologista. Pacientes com anemias hemolíticas podem para o H. influenzae tipo B, e vacina meningocócica qua-
ter anticorpos significativos para hemácias e pode ser drivalente) à administração da vacina pneumocócica e a
difícil fazer a tipagem sanguínea neles. Isto deve ser do H. influenzae em crianças, até a usar apenas a vacina
lembrado ao agendar uma esplenectomia eletiva para pneumocócica. A maioria dos investigadores concorda
permitir a disponibilidade de derivados do sangue. que a vacinação deve acontecer pelo menos 1-2 se-
Um aquecedor de sangue deve estar disponível para manas antes da esplenectomia eletiva para dar tem-
pacientes com leucemia e linfoma porque estes pa- po para uma resposta de anticorpo adequada, embora
cientes podem ser propensos ao desenvolvimento de se saiba que a vacinação é efetiva se feita logo após a
crioglobulinemia. A doação de sangue autólogo pré- esplenectomia. Além disso, todas as crianças que ne-
-operatória rotineira não é executada, embora tenha cessitam de esplenectomia devem receber terapia
sido recomendada por outros. Plaquetas são solici- com penicilina até os 18 anos ou pelo menos até o iní-
tadas no pré-operatório em pacientes que não po- cio da adolescência.
dem sustentar uma contagem de plaquetas maior Alguns dos pioneiros em esplenectomia laparos-
que 50.000/mm³, e são ocasionalmente transfun- cópica defendiam o uso de embolização angiográfica
didas no transoperatório em casos em que o julga- pré-operatória da artéria esplênica. A razão era basea-
mento cirúrgico sugere que hemorragia cirúrgica ou da na experiência favorável da embolização pré-opera-
coagulação anormais estão acontecendo. A transfusão tória durante a esplenectomia aberta para esplenome-
de plaquetas pré-operatória é geralmente evitada em galia volumosa, assim como em conversões precoces
pacientes com trombocitopenia severa e PTI devido à de esplenectomia laparoscópica devido à hemorragia
destruição rápida pelo baço. excessiva. À medida que foram ganhando experiência
Pacientes recebendo doses terapêuticas de corti- com esplenectomia laparoscópica e aconteceram refi-
costeroides no momento da cirurgia recebem doses de namentos técnicos, a maioria dos cirurgiões relatou
estresse antes de cirurgia (prevenção de insuficiência resultados muito favoráveis em termos de perda de
suprarrenal). Em pacientes com PTI e contagens de sangue e morbidade sem o uso de embolização pré-
plaquetas marginais, a infusão de imunoglobulina G -operatória. As vantagens teóricas da embolização
em alta dose (400 mg/kg administrados 3-5 dias antes pré-operatória da artéria esplênica incluem redução
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
da perda de sangue transoperatória e do sequestro es- O tamanho do portal cirúrgico é ditado pelo
plênico (potencialmente reduzindo a necessidade de tamanho dos instrumentos disponíveis. Um portal
transfusão de sangue e plaquetas) e a melhora dos pa- de retração subxifoide de 5 mm é colocado na linha
râmetros hematológicos pré-operatórios. As desvan- média, e um segundo portal de retração de 5 mm é
tagens incluem complicações arteriais potenciais no colocado a meio caminho entre os portais subxifoide
sítio de punção (hemorragia, trombose, formação de e umbilical. Este portal pode ser omitido em pacien-
pseudoaneurisma), dor por infarto esplênico, necrose tes magros e pode ser movido lateralmente (para a
de tecido de outros órgãos por migração de material direita do paciente) nas crianças e adultos pequenos
embólico, alergia ao contraste, necessidade de organi- ou se for necessário acesso à pelve (como em pacien-
zar a coordenação com a sala cirúrgica, e o custo adi- tes em estadiamento para linfoma). Os dois portais
cional da angiografia. Uma recente revisão sobre em- de trabalho do cirurgião são colocados na região sub-
bolização de artéria esplênica pré-operatória antes da costal esquerda, nas linhas axilares médio-clavicular
esplenectomia laparoscópica constatou uma taxa de e anterior ou acima do nível do umbigo. Pelo menos
complicação de embolização de 19% em 26 pacientes. um destes dois portais (preferivelmente o da linha
axilar anterior) deve ser de 12 mm de diâmetro para
Há consenso geral de que a embolização an-
giográfica pré-operatória da artéria esplênica é
acomodar o grampeador laparoscópico ou o dissector
desnecessária na maioria dos pacientes que são ultrassônico. Quando possível, são colocados portais
submetidos à esplenectomia laparoscópica. Porém, a mais de 10 cm de distância um do outro. O limi-
a técnica é segura e reprodutível, podendo ser útil em te superior da dissecção, o polo superior do baço e o
situações selecionadas, como quando os cirurgiões diafragma são bem anteriores à margem costal para
são inexperientes em esplenectomia laparoscópica e evitar colocar portal operacional muito baixo em pa-
cientes com dorso longo.
quando os pacientes têm esplenomegalia significativa.
O procedimento começa com uma exploração
completa do tecido esplênico acessório inspecionando
o abdome e a pelve, inclusive o omento maior, liga-
Técnica cirúrgica – abordagem mento esplenocólico, mesentério do intestino delgado
anterior e gônada esquerda. Embora 86-95% dos baços aces-
sórios fiquem situados perto do hilo do baço ou da
A técnica anestésica perioperatória é simples. cauda do pâncreas, a abordagem anterior oferece uma
A cirurgia é executada habitualmente sob anestesia oportunidade excelente para explorar o restante do
geral. Um acesso intravenoso de grande calibre é ne- abdome. A exploração do pequeno saco é feita depois
cessário no caso de hemorragia súbita. A monitoração que a dissecção vascular é concluída, a menos que a
hemodinâmica invasiva de dispositivos como catete- ligadura precoce da artéria esplênica seja executada. O
res arteriais e cateteres de artéria pulmonar não são tecido esplênico acessório é habitualmente removido
habitualmente usados. em pacientes que sofrem esplenectomia para doença
Depois da indução de anestesia e da intubação hematológica, embora possa ser deixado in situ para
endotraqueal, é inserida uma sonda vesical e dispo- outras indicações, como traumatismo ou cistos esplê-
sitivos de compressão intermitente antitrombóticos nicos onde o potencial de função esplênica residual é
são aplicados às extremidades inferiores. Uma sonda desejável. A exposição do baço é realizada com o auxí-
orogástrica é colocada e usualmente removida antes lio da gravidade e retração adequadas. A mesa cirúrgi-
da extubação. A drenagem gástrica pós-operatória não ca é girada 30-45° à direita, aproximando-se da posi-
é habitualmente usada, a menos que dissecção e liga- ção de decúbito lateral direito. A elevação da cabecei-
dura dos vasos gástricos curtos sejam incomumente ra da mesa cirúrgica (posição de antiTrendelenburg)
difíceis ou aconteça lesão gástrica transoperatória. também pode ser útil. Estas manobras permitem que
a gravidade ajude a deslocar pequenas massas de in-
A esplenectomia laparoscópica pode ser dividida
testino, do cólon transversal e do estômago. O omento
convenientemente nos seguintes passos que serão dis-
pode cobrir o baço em alguns pacientes (especialmen-
cutidos em ordem: estabelecimento de pneumoperitô-
te com processos inflamatórios como abscessos esplê-
nio e inserção de portais cirúrgicos; exploração abdo-
nicos), necessitando remoção com os instrumentos
minal; exposição do baço; dissecção de polo inferior; de retração para permitir a visualização do baço. Uma
controle e ligadura do hilo esplênico; dissecção dos combinação de tração medial na grande curvatura do
vasos gástricos curtos; secção das inserções laterais; estômago e retração caudal do ângulo esplênico do
extração do baço. cólon usualmente permitirá a exposição adequada do
Um pneumoperitônio de CO2 de 12-15 mmHg é polo inferior do baço, embora manter esta exposição
criado no umbigo, usando a técnica aberta ou fecha- em pacientes obesos possa ser difícil. A mobilização do
da. É necessário um total de quatro ou cinco portais ligamento triangular esquerdo do fígado é tentadora,
cirúrgicos. mas raramente necessária.
Em alguns pacientes, anexos densos existem executar a dissecção mínima necessária para confirmar
entre o ângulo esplênico do cólon e a face inferior do a anatomia e proceder com a ligadura de toda a estru-
baço, necessitando divisão antes de uma boa expo- tura hilar simultaneamente, usando um grampeador
sição dos vasos do polo inferior ser obtida. Energia laparoscópico linear com um cartucho vascular. Não foi
térmica deve ser aplicada cuidadosamente para evitar relatado nenhum caso de fístula arteriovenosa durante
lesão de cólon; o dissector ultrassônico ou “dissecção a era laparoscópica usando esta técnica.
com tesoura fria” é adequada. Artérias polares inferio- Depois da secção da artéria e veia esplênicas, a
res ocorrem em aproximadamente 80% dos pacientes, dissecção continua ao longo da face medial do baço até
havendo de 1-5 vasos. Elas usualmente se originam da o diafragma. O único anexo medial restante é o liga-
artéria gastrepiploica esquerda. Estes vasos são relati- mento gastresplênico, que contém os vasos gástricos
vamente fáceis de dissecar com a abordagem anterior curtos. Deve ser lembrado que duas camadas, anterior
e podem ser ligados com qualquer dispositivo hemos- e posterior, estão presentes no ligamento gastresplê-
tático padrão, inclusive pontos, clipes cirúrgicos, dis- nico. A falha em ligar ambas as camadas resulta em
sector ultrassônico ou um grampeador laparoscópico
hemorragia inesperada, assim como a falha em fazer
linear. O dissector ultrassônico é preferido devido à
uma dissecção hemostática até a ponta do polo supe-
sua velocidade e o desejo de evitar acúmulo excessi-
rior. Como na dissecção do hilo, uma sonda romba é
vo de clipes cirúrgicos nesta área, o que pode causar
passada atrás de ambas as camadas até o diafragma
disfunção do grampeador durante a divisão dos vasos
para completar a dissecção. O dissector ultrassônico
hilares. Após a conclusão da dissecção do polo inferior,
ou um grampeador vascular é usado para seccionar os
o estômago e o baço podem ser afastados, permitindo
vasos gástricos curtos. Toma-se cuidado para evitar
que o campo se abra como um livro e melhore a visu-
lesão ao fundo do estômago. Como a irrigação san-
alização do hilo.
guínea do baço é arterial de extremidade e nenhuma
Da mesma maneira que com a esplenectomia circulação colateral está presente, uma linha clara de
aberta, a dissecção do hilo esplênico pode ser relativa- demarcação é usualmente presente entre a porção des-
mente fácil ou traiçoeira, dependendo do tipo físico do vascularizada do baço e aquela que tem irrigação san-
paciente, do seu grau de trombocitopenia ou coagulo- guínea restante. Esta linha pode ser monitorada para
patia e da anatomia da artéria esplênica. Em pacientes determinar se o tecido restante na face medial do baço
magros com contagens de plaquetas normais e uma pode ser seccionado com segurança.
artéria esplênica que termina em poucos ramos muito
Neste momento, os ligamentos lienofrénicos
perto do baço (padrão arterial magistral), uma dis-
impedem que o baço seja removido. Um instrumen-
secção meticulosa da cobertura peritoneal e artéria e
to é colocado através de um dos portais de retração
veia esplênicas é frequentemente possível. Em pacien-
e usado para elevar o polo inferior do baço que agora
tes obesos com trombocitopenia ou múltiplos ramos
tem uma tendência a cair medialmente. A tentativa de
arteriais terminais (padrão arterial distribuído), a
apreender o parênquima esplênico diretamente deve
dissecção hilar pode ser um processo apressado em
ser evitada para impedir sua fragmentação. A dissec-
face de uma hemorragia problemática contínua. Como
ção prossegue cranial ao diafragma. A cauterização
não é possível predizer com precisão no pré-opera-
com tesoura monopolar ou o dissector ultrassônico
tório a anatomia da artéria esplênica sem sujeitar o
são usados porque pequenos vasos colaterais retrope-
paciente à arteriografia, adotamos uma abordagem
ritoneais podem estar presentes nestes anexos avas-
uniforme à dissecção. Se possível, os anexos laterais
culares. O baço deve ser separado completamente ao
(ligamentos lienofrênicos) são deixados intactos para
proporcionar contração lateral e impedir que o baço final deste passo.
caia medialmente. A secção parcial da porção mais Antes da remoção, o baço é passado ao quadrante
caudal do ligamento lienofrênico é ocasionalmente inferior esquerdo enquanto o leito do baço é irrigado
necessária para proporcionar exposição adequada. e completamente inspecionado quanto à hemostasia.
Uma vez que o hilo está exposto, um objeto rombo Um instrumento deve permanecer fixo ao baço. O ór-
como uma sonda de aspiração é usado para dissecar um gão pode ser difícil de encontrar se permite que ele
plano posterior aos vasos hilares e anterior à cauda do caia livremente na pelve. Um dispositivo de aspiração
pâncreas. Esta manobra isola todo o hilo para permi- de 10 mm é útil para retirada de coágulos grandes se
tir secção em massa sem transecção parcial dos vasos, estiverem presentes.
impede lesão à cauda do pâncreas e provê um método A extração do baço começa com inserção de um
para controle de hemorragia súbita que pode impedir saco de extração no abdome. Em pacientes com baços
a necessidade de conversão para laparotomia. Em pa- relativamente normais ou ligeiramente aumentados, o
cientes magros sem trombocitopenia, o peritônio e o portal cirúrgico de 12 mm da mão direita do cirurgião
tecido areolar fibrogorduroso que envolvem os vasos pode ser trocado por um portal de 15 mm e um grande
podem ser dissecados, e a artéria e veia podem ser liga- dispositivo Endo-catch (EUA Surgical, Norwalk, CT)
das usando qualquer método desejado. Nossa prática é de extração de amostras pode ser colocado na cavi-
33
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
dade peritoneal para coletar a amostra. Este método conforme tolerado. Os líquidos são iniciados quando
permite extração através de uma incisão do músculo o paciente estiver acordado e alerta, e a maioria dos
transverso de 2-3 cm no quadrante superior esquerdo, pacientes é capaz de tolerar comida sólida 24-36 horas
lateral à bainha do reto. A extremidade aberta do saco depois da cirurgia. Critérios de alta incluem a ausência
é trazida através da incisão de pele, e um instrumento de sepse, hematócrito estável, capacidade de deambu-
rombo como uma pinça de anel é inserido para frag- lar e tolerar pelo menos uma dieta líquida, e analgesia
mentar o baço em vários pedaços grandes. Deve-se to- adequada com fármacos orais. A maioria dos pacien-
mar cuidado para evitar tração excessiva sobre o saco tes pode retomar as atividades normais, como dirigir
de amostra porque ele é relativamente frágil. A ruptu- e o serviço doméstico dentro de 7-14 dias depois da
ra do saco resulta obviamente em derramamento de cirurgia. A menos que o serviço do paciente necessite
sangue e fragmentos de baço na cavidade peritoneal, de trabalho manual pesado, a maioria dos pacientes
assim como perda da amostra. retorna às funções 14-21 dias após a esplenectomia
Um método alternativo útil com baços maiores laparoscópica.
ou em casos onde a extração de uma amostra intac-
ta é necessária para exame patológico é o uso de um
saco de extração de nylon maior e mais resistente de
750 mL (Cook Urological, Bloomington, EM). O saco
Indicação cirúrgica –
é enrolado como um cigarro, inserido através de um Abordagem lateral
portal cirúrgico de 12 mm e desdobrado no quadrante Embora a maioria da experiência inicial com a EL
superior esquerdo. A inserção do baço no saco pode envolvesse uma abordagem anterior, a abordagem la-
ser difícil e fica mais fácil ao se estabelecer a fixação teral demonstrou seu apelo, e cada vez mais tem sido
da bolsa em três pontos, uma manobra que necessita adotada mundialmente. Há várias vantagens para a
de cinco portais cirúrgicos. A corda de fechamento do abordagem lateral:
saco é fechada e trazida pelo portal umbilical. Uma in-
cisão na linha média vertical é criada no comprimento
apropriado, e o baço e o saco de extração são remo-
vidos. Até mesmo baços grandes (15-20 cm) podem 1. Retração aumentada:
ser removidos com um grau aceitável de traumatismo a. Com o paciente na posição de decúbito lateral
através de uma incisão de pele de 6-7 cm usando esta esquerdo e anti-Trendelenburg, o estômago, o cólon e
técnica, porque a bolsa de nylon é muito dura. o intestino delgado são retirados do campo operatório
O leito do baço não é habitualmente drenado. por gravidade, e instrumentos de retração não são ne-
Uma inspeção final é executada para hemostasia, e cessários.
todas as incisões fasciais maiores que 5 mm de com- b. Não há necessidade de entrar amplamente no
primento são fechadas. A pele é fechada, curativos saco menor.
estéreis são aplicados, e o procedimento é terminado.
c. O baço é suavemente elevado sob seu polo in-
ferior. Ele não é manipulado ou apreendido, reduzin-
Cuidados pós-operatório do assim os riscos de hemorragia transoperatória.
35
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
3 4
1
Figura 1.41 Liberação lateral e posterior da reflexão do baço e liga-
mento esplenofrênico, um passo fundamental para se conseguir mobili-
zação adequada do órgão, como na cirurgia aberta.
2
4
3
Esplenectomia e suas
complicações
A B A complicação mais grave é a sepse fulminante
pós-esplenectomia pela alta taxa de mortalidade,
principalmente quando a ablação do órgão é reali-
zada para tratamento das doenças hematológicas,
no entanto, sempre é válido lembrar que embora a in-
cidência de sepse pós-esplenectomia por trauma seja
menor, quando ela ocorre, a gravidade da doença é a
mesma da extirpação do baço nas hemopatias, acom-
panhando-se também de um alto índice de morbidez
e mortalidade.
C D
O risco de desenvolvimento da IFPE (infecção
pós-esplenectomia) ocorre tanto em adultos quanto
Figura 1.40 Passos da EL. A: liberação do ligamento frenocólico, polo
em crianças, podendo surgir em qualquer época após
inferior do baço; B: liberação do ligamento esplenofrênico, dissecção da
parte inferior do ligamento esplenogástrico; C: dissecção dos vasos es- a cirurgia e seu risco independe da indicação cirúrgica
plenogástricos; D: ligadura do pedículo do hilo esplênico. para a esplenectomia. Mesmo em presença de hipos-
plenia e asplenia funcional congênita ou por atrofia A causa da sepse pós-esplenectomia não é intei-
esplênica, anemia falciforme, trombocitopenia essen- ramente conhecida, mas dois fatores estão certamen-
cial, doenças linfoproliferativas (linfomas Hodgkin te envolvidos em sua patogenia: celular (fagocitose) e
e não Hodgkin, e leucemia linfocítica crônica), lúpus humoral (produção de anticorpos), ambos desempe-
eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, colite ul- nhados pelo sistema mononuclear fagocitário (SMF).
cerativa, dermatite herpética, doença intestinal infla- O baço tem maior capacidade do que o fígado, por gra-
matória ou doença celíaca, esse risco persiste. ma de tecido, para a fagocitose de micro-organismos.
As crianças apresentam maior possibilidade Em pacientes sem baço, a porção não esplênica do
de desenvolvimento de IFPE fatal, devido ao predo- SMF compensa sua ausência, mas a formação de anti-
mínio esplênico na fagocitose de micro-organismos corpos é menos eficiente. Nessas situações, diminui a
durante os primeiros anos de vida. TIMENS et al. função da IgG e reduz a quantidade de IgM.
mostraram que a resposta imune ineficiente em crian- As principais modificações na resposta imune
ças com menos de 2 anos pode ser devida à imaturi- do hospedeiro que ocorrem após esplenectomias
dade da zona marginal do baço. Enquanto todos os são: diminuição da atividade fagocitária, com menor
demais compartimentos celulares completam sua ma- depuração sanguínea de partículas, principalmente as
turação precocemente, a zona marginal mostra dife- não opsonizadas; aumento do tempo de permanên-
renças estruturais essenciais, comparada aos adultos, cia dos linfócitos no sangue; redução da IgM sérica;
como a ausência de expressão de CD21 e alto percen- menor atividade da via alternativa do complemento e
tual de células coexpressando IgM e IgD. Essa estru- diminuição da formação de substâncias ligadas à ati-
tura esplênica encontra-se especificamente envolvida vação dos macrófagos, como a tuftsina e properdina.
na resposta imune a antígenos timo-independentes
DREW et al. mostraram modificações no sistema
tipo 2 (antígenos TI-2), polissacarídios que compõem
imune de pacientes após esplenectomia total por trau-
o componente antigênico da cápsula de pneumococos.
ma. Embora a perda da função fagocitária após esple-
A remoção completa do baço permanece com nectomias fosse, ao menos parcialmente, restaurada
indicação precisa em pacientes com esferocitose he- em pacientes com implantes esplênicos espontâneos
reditária ou hiperesplenismo refratários a tratamen- (esplenose), as concentrações de imunoglobulinas no
to clínico. Nesses casos, mesmo a presença de baços soro, bem como sua síntese in vitro, não retornaram
acessórios ou a implantação acidental de fragmentos ao normal, sugerindo que distúrbios da síntese dessas
esplênicos na cavidade peritonial (esplenose) podem opsoninas sejam importantes para a sepse em pacien-
contribuir para o insucesso terapêutico. Recentemen- tes esplenectomizados.
te, a esplenectomia parcial passou a ser preconiza-
da para tratamento da esferocitose hereditária em Os agentes etiológicos mais frequentemente
crianças, que possuem o sistema imunitário ainda encontrados nas IFPE são as bactérias encapsuladas -
imaturo. Ainda que possa persistir hemólise leve ou Streptococcus pneumoniae (50% a 90% de todas as in-
fecções e 60% dos casos fatais), Haemophilus influen-
moderada, acredita-se que essa alternativa deva ser
zae tipo B e Neisseria meningitidis. Essas bactérias co-
empregada, visando à manutenção da função de de-
lonizam o sistema respiratório alto e, ao penetrarem na
fesa, já que o risco de sepse pode ser maior do que a
corrente sanguínea em pacientes asplênicos, provocam a
repercussão hematológica. Em alguns casos, pode ser
necessária uma segunda operação para remover o teci- IFPE. Para que ocorra a fagocitose, as defesas corporais
do esplênico restante, mas esse procedimento é reali- contra esses patógenos encapsulados envolvem a opso-
zado em pacientes em faixa etária mais elevada e com nização. Embora o anticorpo, por si, possa ser opsônico
para alguns organismos, a opsonização é marcadamente
o sistema imunitário maduro.
aumentada pelo complemento. Visto que a maioria dos
pneumococos é eficazmente opsonizada pela via alter-
nativa de complemento, na qual não há necessidade de
Epidemiologia e etiopatogenia da IFPE anticorpos específicos para sua ativação, essa via alterna-
O risco de desenvolvimento de IFPE, durante tiva pode representar o principal mecanismo para opso-
toda a vida, em qualquer faixa etária, é de cerca de 5%. nização de pneumococos em hospedeiros não imunes.
Adolescentes e crianças com menos de 15 anos apre- Sem o baço, o déficit de complemento pode prejudicar a
sentam a maior incidência – 0,13% a 8,1% –, compara- opsonização e reduzir as defesas dos hospedeiros à inva-
dos com adultos – 0,28% a 1,9% –, visto que, durante são por pneumococos.
os primeiros anos de vida, a fagocitose de micro-orga- Outras bactérias, como Escherichia coli, Strep-
nismos ocorre, quase exclusivamente, no baço. tococcus β-hemolítico, Staphylococcus aureus e
A IFPE pode ocorrer desde poucos dias após a re- Pseudomonas sp, também são notificadas como de
moção do baço, até vários anos, sendo mais frequente risco. Na revisão de SINGER, a E. coli foi a responsável
dentro dos primeiros 2 anos (50% a 70% de todos os por 12% dos casos relatados de IFPE. Similarmente,
casos e até 80% em crianças). grande variedade de agentes, incluindo outros micro-
37
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
39
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Autoimplante esplênico: quando a esplenec- policitemia vera. A trombose das veias mesentéricas,
tomia total for necessária, o autoimplante esplênico porta e renais pode ser uma sequela da trombocitose
heterotópico parece constituir a única alternativa pós-esplenectomia que ameaça a vida. O risco duran-
para preservação de tecido esplênico. Constitui pro- te toda a vida de trombose venosa profunda e de em-
cedimento simples e sem associação com complica- bolismo pulmonar não foi bem definido, mas pode
ções maiores. Existem diversos modelos animais, bem ser significativo.
como estudos em humanos que evidenciam a regene-
ração do tecido esplênico autoimplantado, com carac-
terísticas estruturais similares às do baço normal.
A recuperação da função fagocitária esplênica,
após implantes autógenos, ainda não foi definitiva-
mente comprovada e, lamentavelmente, o autoim-
plante esplênico não tem sido lembrado como opção
terapêutica, notadamente para as lesões esplênicas
traumáticas. Alguns casos de IFPE têm sido descritos
em pacientes com evidência de tecido esplênico ectó-
pico ou regenerado tanto em adultos quanto em crian-
ças, atestando que a simples presença desse tecido
regenerado ou residual não garante proteção efetiva
contra sepse.
No período pós-operatório imediato de uma
esplenectomia podem ocorrer complicações agu-
das, como abscesso subfrênico, principalmente
quando realizados outros procedimentos associa-
dos. Nessas infecções, os agentes etiológicos mais en-
contrados são estafilococos e bacilos entéricos Gram-
-negativos, diferentemente dos principais micro-orga-
nismos causadores da IFPE. Pode ocorrer tromboci-
tose e leucocitose, chegando a níveis alarmantes.
Esses valores atingem o pico máximo após 10 dias
da esplenectomia, reduzindo gradualmente após
esse período.
Retenção esplênica
30% 60%
90%
Plaquetas circulantes
70% 10-40%
Esplenectomia
Eletiva *Emergência
até 2 semanas
Pós-operatório até 2 semanas
antes da cirurgia
imediato pós-operatório
41
2
Capítulo
ROTEIRO
anatomia e
PROPEDÊUTICO
fiisiologia da
BÁSICO eM
suprarrenal
GINECOLOGIA
2 Anatomia e fisiologia da suprarrenal
Introdução
A glândula adrenal é formada pelo córtex de localização periférica e pela medula adrenal de localização
central. A medula adrenal tem origem na crista neural, enquanto o córtex tem origem mesodérmica e, em torno
de dois meses de gestação, é formado por uma zona fetal e uma zona definitiva. A zona fetal é deficiente em
3-β-hidroxiesteroide desidrogenase e, dessa forma, produz principalmente dihidroepiandrosterona (DHEA) e seu
sulfato (DHEAS), que servem como precursores para a síntese de estrógenos maternos placentários após conver-
são no fígado a derivados 16-β-hidroxilados. A zona definitiva, similar à do adulto, é o principal local de síntese
fetal de cortisol. Por volta do meio da gestação, a adrenal fetal já se encontra sob o controle do ACTH.
A glândula adrenal adulta pesa em torno de 8 a 10 gramas (média de 4 gramas), localiza-se no retroperitô-
nio, sobre os polos mediais ou superiores dos rins, cercada por uma cápsula fibrosa e composta por córtex, de locali-
zação externa, e medula, de localização interna. A glândula adrenal é muito vascularizada e recebe irrigação de
ramos das artérias frênica inferior, renal e aorta, que no seu interior formam plexos que irrigam o córtex e a medula.
A drenagem venosa da glândula desemboca à direita, direto na veia cava, e à esquerda, na veia renal esquerda.
Artérias frênicas inferiores
direita e esquerda
Veia cava inferior
Glândula
suprarrenal esquerda
Glândula suprarrenal direita
Artéria suprarrenal
inferior esquerda
Veia suprarrenal
Veia e artéria inferior esquerda
renais direitas
Rim esquerdo
Artéria e veia
renais esquerdas
Figura 2.1 Anatomia das glândulas suprarrenais. Glândulas suprarrenais esquerda e direita in situ. Atenção!
Figura 2.2 Anatomia da suprarrenal. O córtex é mostrado em amarelo e a medula em preto. Locais extra-adrenais onde às vezes são achados tecidos
com função adrenal.
43
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Eixo hipotálamo-hipofisário-
Esteroidogênese -adrenal
A manutenção de um nível adequado do cor-
Os hormônios esteroides compreendem um tisol depende da integridade do hipotálamo, da hi-
grupo de substâncias que têm em comum a estru- pófise e da adrenal, sendo a interação entre essas
tura do ciclopentanoperidrofenantreno e o fato de estruturas feita por meio do hormônio liberador
se originarem do colesterol por meio de um pro- de corticotrofina (CRH) e da adrenocorticotrofina
cesso mediado por enzimas, denominado esteroi- (ACTH) (figura 2.4).
- Acetilcolina ↑
ACTH ↓
ACTH
+ Agonistas alfa-adrenérgicos ↓ (?)
Ácido gama-aminobutírico ↓
Cortisol
Cortisol ↓
Fatores que participam da regulação do eixo hipotálamo-hipofi-
sário-adrenal (Cont.)
Células Cortisol ↓Sensibilidade
Figura 2.4 No eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal, o hormônio libe- corticotróficas ao CRH
rador de corticotrofina (CRH) é secretado em picos, obedecendo a um
ritmo circadiano, de acordo com estímulos provenientes do sistema ner- ACTH CRH ↑
voso central. Age sobre a hipófise, estimulando a produção e secreção Vasopressina ↑
de ACTH, o qual estimula a adrenal a produzir cortisol. Tanto o ACTH,
por meio de um mecanismo de feedback de alça curta, quanto o cortisol, Angiotensina II ↑
por meio de um mecanismo de alça longa, controlam o limiar de sensibi- Betaendorfinas ↓
lidade dos centros hipotalâmicos produtores de hormônio liberador de
corticotrofina aos estímulos provenientes do sistema nervoso central. O Encefalinas ↓
estresse se superpõe a todos estes sistemas, ativando o eixo hipotálamo- Cortisol ↓
-hipofisário-adrenal.
Cortisol ACTH ↑
O hormônio liberador de corticotrofina (CRH) Tabela 2.2 ↑ = aumenta a secreção ↓ = diminui a secreção.
é um polipeptídeo composto por 41 aminoácidos, com
uma larga distribuição no sistema nervoso central e
uma variedade de outros tecidos. O local onde se encon- O ACTH é um polipeptídio composto por 41 ami-
tra em maior concentração é no hipotálamo. É o prin- noácidos, sintetizado pela hipófise sob a forma de
cipal regulador de síntese e liberação do ACTH pela uma molécula precursora, a pró-opiomelanocortina-
hipófise, onde chega pelo sistema porta-hipofisário. -POMC. O efeito primário do ACTH é estimular a se-
creção dos glicocorticoides pelas zonas fasciculada e
A atividade dos neurônios hipotalâmicos secreto-
reticular do córtex adrenal. O resultado final é um es-
res de hormônio liberador de corticotrofina é regulada tímulo da reação limite da esteroidogênese, que é a con-
por dois tipos de estímulos, sendo um relacionado ao versão do colesterol em pregnenolona. Além desta ação
estresse e outro a um marca-passo biológico responsá- sobre a adrenal, há evidências de que o ACTH possa agir
vel por uma secreção rítmica de ACTH que resulta no também sobre o hipotálamo, diminuindo a secreção do
chamado ritmo circadiano, na qual a secreção do pró- hormônio liberador de corticotrofina, por intermédio de
prio ACTH e do cortisol diminui no decorrer do dia, um mecanismo de feedback negativo de alça curta.
chegando a níveis quase indetectáveis nas primeiras
horas do sono. Após 2 a 3 horas, começa a haver um Em pessoas normais, não estressadas, ocorrem de
aumento de suas secreções, que atinge seu ápice 6 a 8 sete a dez picos de secreção de ACTH por dia, sendo a
horas após o início do sono. maior parte dos picos no período matutino. Entretanto,
o ritmo de ACTH é independente do nível de cortisol,
Concentração aumentada de CRH no sistema mantendo-se mesmo em pacientes adrenalectomizados.
porta-hipofisário pode ser encontrada em condições
em que há aumento da secreção de ACTH, como na O efeito do cortisol sobre a secreção de ACTH se
resposta ao estresse e em pacientes adrenalectomiza- faz por meio de um feedback negativo de alça longa,
dos. Concentração diminuída pode ser encontrada em ocorrendo no nível do hipotálamo e da hipófise, envol-
condições nas quais a liberação de ACTH é suprimi- vendo dois tipos de mecanismo: 1. caracterizado por
da, como na administração de glicocorticoides. Além um feedback rápido, relacionado com a variação do
do hormônio liberador de corticotrofina (CRH), ou- nível de cortisol; e 2. por um feedback lento, relacio-
tros fatores hipotalâmicos (arginina-vasopressina) ou nado com o nível absoluto de cortisol.
extra-hipotalâmicos (interleucinas, angiotensina II) Assim, o eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal
parecem também estar envolvidos no controle da libe- mantém uma atividade integrada, obedecendo a três
ração de ACTH, aumentando sua secreção (tabela 2.2). princípios funcionais:
45
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Pró-opiomelanocortina
Pele e Subcutâneo
Fragmento N-terminal ACTH (1-39) β-LPH (1-91)
(I-131) O excesso de cortisol provoca catabolismo pro-
a-MSH CLIP γ-LPH β-endorfina teico e atinge o colágeno do tecido conjuntivo cutâneo
e subcutâneo, diminuindo a espessura da pele; preju-
β-MSH Met-Enk
dica a cicatrização e promove fragilidade capilar,
Figura 2.5 Pró-opiomelanocortina e seus derivados. com predisposição a equimoses e petéquias. Além
do surgimento de estrias violáceas da síndrome de
Cushing, que são decorrentes da fragilidade cutânea,
o estiramento violáceo é proveniente da cor dos vasos,
que aparecem devido ao adelgaçamento da pele.
Fisiologia dos
glicocorticoides
O cortisol é o principal representante dos glico-
Musculoesquelético e Metabolismo do
corticoides, e atua na regulação do metabolismo in- Cálcio
termediário, da função inflamatória, imunológica e O catabolismo proteico enfraquece as muscula-
cardiovascular. turas proximais das cinturas pélvica e escapular. Nos
Cortisol é um hormônio contrarregulador da in- ossos ocorre diminuição dos osteoblastos e aumento
sulina (função catabólica e hiperglicemiante) e também dos osteoclastos, predominantemente na parte tra-
inibe a captação periférica de glicose. Então, no metabo- becular (poupando a parte cortical) dos ossos, como
lismo intermediário, o cortisol protege o organismo em as vértebras. O cortisol inibe a absorção intestinal
situação de jejum prolongado, provocando degradação de cálcio mesmo na vigência de níveis normais de
de proteínas e lipídios para gerar substratos utilizados calcitriol (vitamina D ativa) e diminui a reabsorção
na produção de glicose. Além de estimular a gliconeogê- renal de cálcio, promovendo calciúria. A diminuição
nese (formação de glicose) e a glicogenogênese (forma- de cálcio estimula a secreção de PTH pelas paratireoi-
ção de glicogênio) no fígado. No sistema imunológico e des (a secreção deste hormônio também é estimulada
inflamatório, age como modulador, evitando a ativação
diretamente pelos glicocorticoides). O PTH, por sua
exagerada desses. Já no sistema cardiovascular, promo-
vez, estimula a reabsorção óssea, contribuindo para
ve o aumento da expressão dos receptores das cateco-
a osteopenia/osteoporose.
laminas no coração e vasos periféricos, atuando como
fator protetor contra o choque.
O cortisol tem a mesma afinidade da aldoste-
rona pelo receptor de mineralocorticoide (MR) e, Crescimento
portanto, deveria ter um efeito aldosterona-símile.
Contudo, as células-alvo da aldosterona (células tu- O efeito glicocorticoide é importante para a
bulares renais) possuem grande quantidade da en- formação de diversos órgãos e sistemas no período
zima 11β –HD, que degrada o cortisol antes que ele intrauterino, como a maturação do tecido pulmonar.
se ligue ao receptor, por isso somente altas doses de Porém, os níveis excessivos de cortisol inibem o cres-
cortisol (por exemplo: 100 mg de hidrocortisona) cimento das crianças por provocarem o fechamento
têm efeito mineralocorticoide associado. precoce da cartilagem de crescimento.
47
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
49
32
Capítulo
ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
incidentalomas
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
3 Incidentalomas
Introdução 10%
5%
1%
Adenoma não funcionante
Feocromacitoma
Nódulos suprarrenais são encontrados com certa 5%
Adenoma produtor de cortisol
60% Aldosteronoma
frequência, ao acaso, em TCs realizadas por outras razões 5% Carcinoma adrenacortical
Cisto suprarrenal
diagnósticas. Esses achados são denominados incidenta- 5%
Ganglioneuroma
lomas adrenais. Apenas alguns desses nódulos casual- 9% Mielolipoma
Avaliação diagnóstica
A relação estimada adenoma/carcinoma é, respectivamente,
de 3:1, 6:1 e 12:1 com lesões > 6 cm, 5 cm e 4 cm
51
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Sinais característicos das massas adrenais à Tamanho ≥ 5 cm ou crescimento de lesões menores durante
ressonância magnética, em comparação ao fígado o seguimento.
Tabela 3.4 RNM nas massas adrenais. Tabela 3.6 *Sugere malignidade.
Conduta apropriada
Avaliação hormonal
Repetir TC em 6 e 12 meses
Cirurgia
Figura 3.3 Fluxograma para a avaliação diagnóstica e seguimento dos IA. UH: unidade Hounsfield. Sabiston considera < 3 cm: lesão benigna; entre
3 a 5 cm: indeterminada e a tendência atual é levar esses pacientes para a cirurgia; > 5 cm: suspeita de malignidade.
53
42
Capítulo
ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
feocromocitoma
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
4 Feocromocitoma
55
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
57
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Testes farmacológicos
Catecolaminas urinárias livres Na quase totalidade dos casos, as dosagens basais
das catecolaminas e dos seus metabólitos são suficien-
(noradrenalina, adrenalina e tes para o diagnóstico. Em raras situações, é necessário
dopamina) recorrer aos testes de supressão ou provocativos.
Devem ser dosadas para confirmar o diagnós- O teste de supressão mais indicado é o da
tico de feocromocitoma em pacientes com valores clonidina, que tem o objetivo de detectar produção
elevados do VMA ou metanefrinas, ou quando estes autônoma, tumoral, de catecolaminas. Está indica-
são normais em pacientes com forte suspeita clíni- do em pacientes hipertensos, com catecolaminas
ca. Resultados falsos-positivos podem ser provocados pouco elevadas e com diagnóstico clínico duvi-
por compostos altamente fluorescentes (tetraciclinas, doso. Nesse teste, determinamos as catecolaminas
quinidina), levodopa, metildopa, etanol e alimentos plasmáticas antes, 1 e 2 horas após a administração
ou drogas que contenham catecolaminas. Elevação da oral de 0,3 mg de clonidina. A droga é um agonista
dopamina e/ou de seu metabólito, o ácido homova- β-adrenérgico, que atua no sistema nervoso central,
nílico pode indicar malignidade do tumor. bloqueando o tônus simpático e, consequentemente,
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
diminuindo a liberação de catecolaminas pelo sis- de feocromocitoma, mas é pouco específica e muito
tema nervoso simpático (SNS) e a pressão arterial. influenciada pela função renal; e outros tumores neu-
No indivíduo sem feocromocitoma, observamos di- roendócrinos podem também causar elevação da cromo-
minuição das catecolaminas plasmáticas (para níveis granina. A grande vantagem desta determinação é que
inferiores a 500 pg/mL) acompanhada de queda da ela não é influenciada por drogas usadas no tratamento
pressão arterial. No paciente com feocromocitoma, ou diagnóstico do feocromocitoma.
a produção tumoral de catecolaminas é autônoma e
não sofre a ação do sistema nervoso central; nesses
indivíduos, a administração de clonidina não provoca
diminuição significativa nos níveis de NA plasmática, Localização do tumor
embora possa diminuir a pressão arterial.
Os métodos mais frequentemente utilizados na
Outro teste, ocasionalmente indicado, é o teste identificação topográfica do feocromocitoma são a
de estímulo com glucagon; esse hormônio estimula tomografia computadorizada (TC), ressonância mag-
a produção tumoral de catecolaminas, mas não atua nética (RM) e mapeamento de corpo inteiro com 131I-
de forma significativa na liberação normal de cate- -metaiodobenzilguanidina (MIBG).
colaminas e, portanto, provoca aumento importante
desses compostos apenas nos indivíduos portadores Os dois primeiros são exames extremamente sen-
de feocromocitoma. Nesse teste, determinamos as síveis na detecção dos tumores adrenais, mas a RM é
catecolaminas plasmáticas antes e após 1, 2 e 3 mi- superior na localização dos extra-adrenais, principal-
nutos da administração de 1 mg de glucagon IV. Nos mente os intracardíacos. O problema dos dois exames
pacientes com feocromocitoma, observamos elevação é a especificidade, que não é de 100%, embora seja
acentuada nos níveis de catecolaminas para valores superior na RM. O exame de RM tem especificidade
acima de 2000 pg/mL. Esse teste deve ser realizado maior do que a TC, porque o tumor tipicamente exibe
preferencialmente nos pacientes com pressão ar- um brilho intenso nas imagens em T2, embora isso
terial normal, níveis não diagnósticos de catecola- nem sempre ocorra; outra vantagem da RM sobre a TC,
minas, mas com quadro clínico muito sugestivo de além da especificidade, é a de que ela é mais sensível
feocromocitoma. Deve-se monitorar a pressão arte- na identificação de tumores extra-adrenais e é um exa-
rial durante o teste provocativo e, caso haja aumento me que pode ser realizado em gestantes. A metaiodo-
excessivo sintomático da pressão, ela pode ser tratada benzilguanidina, pela sua semelhança estrutural
pela administração endovenosa de nitroprussiato de com a NA, é captada e concentrada nas vesículas
sódio; de outra forma, pode-se prevenir o aumento da adrenérgicas e, após a administração do compos-
pressão durante o teste com a administração prévia de to marcado 131I-MIBG, o mapeamento demonstra
bloqueadores de canais de cálcio. imagens em áreas onde haja grande concentração
A orientação para o diagnóstico bioquímico de de vesículas adrenérgicas. A vantagem do mapea-
feocromocitoma proposta por Bravo e col., com base mento sobre a TC e a RM é a de que o primeiro exame
na análise dos valores das catecolaminas plasmáticas fornece um dado funcional, além do anatômico, e, por-
e metanefrinas urinárias, é a seguinte: 1) catecolami- tanto, é um método mais específico; ocasionalmente, o
nas plasmáticas ≥ 2.000 pg/mL e metanefrinas urinárias método se mostra mais sensível na detecção de tumores
≥ 1,8 µg/mgCr/24 horas confirmam o diagnóstico de feo- pequenos (< 2 cm) e multifocais, nem sempre revelados
cromocitoma; 2) catecolaminas plasmáticas entre 1.000 pela TC. Dessa forma, o mapeamento de corpo in-
e 2.000 pg/mL e metanefrinas urinárias entre 1,3 e 1,8 teiro com 131I-MIBG pode facilitar o diagnóstico
µg/mgCr/24 horas devem motivar o teste da clonidina de feocromocitomas extra-adrenais e de lesões
para confirmação ou exclusão diagnóstica; 3) catecolami- metastáticas. Estudos com 123I-MIBG têm revelado a
nas plasmáticas < 1.000 pg/mL e metanefrinas < 1,3 µg/ superioridade deste material na identificação do tumor,
mgCr/24 horas devem motivar o teste do glucagon para principalmente daqueles em localizações não comuns,
confirmação ou exclusão diagnóstica. recorrentes ou metastáticos, mas atualmente apenas
o composto 131I-M1BG é disponível comercialmente.
Outros agentes que já foram utilizados em imagens de
tomografia com emissão de pósitron (PET) são 18P-
Outros exames -fluordeoxiglicose (PDG-PET) e llC-hidroxiefedrina, e a
Alguns compostos como a cromogranina e o neuro- experiência com esses compostos tem sido promisso-
peptídeo y (proteínas armazenadas com a noradrenalina ra. Mais recentemente, a literatura tem sugerido o uso
e em vesículas onde estão armazenadas as catecolami- da PET com 6-18P-fluordopamina para identificação
nas) são co-secretados com as catecolaminas e também de metástase de feocromocitoma. Embora o PDG-PET
podem ser determinados na avaliação laboratorial do fe- possa ser usado rotineiramente em vários serviços, o
cromocitoma. A determinação de cromogranina A no PET com llC-hidroxiefedrina ou 6-18P-fluordopamina
soro tem boa sensibilidade (86%) para o diagnóstico só está disponível em alguns centros especializados.
Na identificação topográfica do tumor, devemos A maioria dos autores prefere realizar este blo-
lembrar que, embora o feocromocitoma seja um tu- queio com o uso de fenoxibenzamina (β-bloqueador)
mor adrenal em 90% dos pacientes, ele pode se apre- combinado com β-bloqueadores (propranolol, ate-
sentar em localizações extra-adrenais desde a base do nolol, metoprolol ou esmolol). A administração de
crânio até a pelve. β-bloqueadores é contraindicada como terapêutica inicial
da hipertensão em pacientes portadores de feocromoci-
Pacientes a serem rastreados para feocromocitoma toma. O bloqueio α-adrenérgico tem como consequência
a piora da hipertensão e de outros sintomas dependentes
Hipertensos jovens
do estímulo α-adrenérgico. As indicações para o uso
Hipertensos refratários ao tratamento
de β-bloqueadores são persistência ou apareci-
Hipertensos com: mento de taquicardia ou arritmias cardíacas.
• Paroxismos
•
A dose de fenoxibenzamina inicial é de 10 mg
Convulsões
duas vezes ao dia, com aumento progressivo até o con-
• Choque inexplicável
trole das manifestações clínicas ou o aparecimento de
• Neuromas mucosos
efeitos colaterais. A maioria dos pacientes requer de
• História familiar de feocromocitoma ou câncer medular de
80 a 100 mg/dia, e os aumentos nas dosagens são re-
tireoide
alizados a cada dois dias. Na indisponibilidade para o
• História familiar de síndrome de Von Hippel-Lindau
uso de fenoxibenzamina, pode ser utilizado prazosina
• Perda de peso
(alfa1-antagonista de curta duração); com dose inicial
• Hipotensão ortostática de 1 mg, duas vezes ao dia, aumentos progressivos até
• Neurofibromatose a dose média de 8 mg diários, podendo chegar a do-
• Hiperglicemia ses de até 20 mg/dia. A combinação de outras drogas,
Marcante labilidade da pressão arterial como bloqueadoras dos canais de cálcio e inibidores
História familiar de feocromocitoma da enzima conversora (ECA), também pode ser adicio-
Choque ou graves respostas pressóricas com: nada para o controle clínico. Sabendo-se que esses pa-
• Indução anestésica cientes sofrem de depleção volêmica, a ingestão de sal
• Cirurgia
e a hidratação são necessárias para evitar ortostasia.
• Procedimentos invasivos Os pacientes com crises hipertensivas podem ser
• Trabalho de parto manejados com o uso de fentolamina: 5 mg intraveno-
• Drogas anti-hipertensivas so em bolus, podendo ser repetida em intervalos de 2
Evidência radiológica de massa adrenal
minutos, ou ser usada em infusão contínua (diluição de
100 mg em 500 mL de solução glicosada a 5%). Essa
Tabela 4.7 medicação não está disponível na maioria dos prontos-
-socorros, por isso usamos o nitroprussiato de sódio.
Suspeita Clínica
Alguns pacientes não conseguem controlar a
< 1.000
pressão arterial e apresentam arritmia, apesar do alfa
>2.000 1.000-2.000 CAT plasm, pg/mL
>1.8 1.3-1.8 < 1.3 MN urin, mg/24 h e de betabloqueio; nestes casos, tem sido utilizada
uma nova medicação, denominada alfametilparatiro-
Teste Clonidina Teste Glucagon
sina, que compete pela tirosina-hidroxilase, diminuin-
Confirmação Bioquímica do, assim, a síntese de catecolaminas. A dose inicial
utilizada é de 250 mg duas a quatro vezes ao dia.
RNM T2
Tumor Sem tumor Deve-se ressaltar a necessidade de corrigir a
Hipersinal Isossinal
RNM Tórax MIBG
hipovolemia ocasionalmente apresentada por estes
pescoço, pelve...
FEOCROMOCITOMA Positivo pacientes, tendo como consequência episódios de hi-
Figura 4.4 CAT plasma/pg/mL e MN urina/mg/24 horas. potensão postural.
Outras drogas
Tratamento
O tratamento definitivo do feocromocitoma
Alfametilmetatirosina
é a excisão cirúrgica, embora o paciente deva ser Bloqueia a síntese de catecolaminas por inibição
previamente preparado, com a realização de bloqueio da tirosina-hidroxilase. A dose usual é de 250-1.000
simpático farmacológico. mg, quatro vezes ao dia. Sua prescrição se faz necessá-
61
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
ria para os casos que não respondem de forma eficaz 1- corrigir a hipoglicemia, que pode ocorrer
ao tratamento convencional e naqueles inoperáveis dentro de várias horas após a cirurgia, secundária à
ou nos tumores malignos (10%) com metástases. Os hiperinsulinemia de rebote que ocorre quando o efeito
principais efeitos colaterais são: sedação, fadiga, an- inibitório das catecolaminas sobre a secreção da insu-
siedade, diarreia e manifestações extrapiramidais. lina é subitamente interrompido;
2- hipotensão arterial sistêmica persistente,
que pode ser secundária à má perfusão periférica decor-
Betabloqueadores rente de hemorragia, aumento súbito da capacitância
São especialmente úteis nos tumores secretores venosa, reposição volêmica inadequada ou efeito resi-
de adrenalina que cursam frequentemente com arrit- dual dos efeitos do bloqueio alfa-adrenérgico pré-opera-
mias. Propranolol 10 mg 3-4 vezes ao dia com reajuste tório. Recomenda-se para estes casos reposição volêmi-
da droga até o controle da frequência cardíaca. Outros ca com solução salina ou expansores plasmáticos.
betabloqueadores como metoprolol e labetalol são al- Quando o procedimento cirúrgico é eficaz,
ternativas ao propranolol. Só iniciar betabloqueador a pressão arterial sistêmica normaliza-se por
após o início do alfabloqueador. completo ao final de duas semanas. Se a PA per-
Nitroprussiato de sódio (0,5-1 g/kg/min em in- manecer elevada e o paciente assintomático, de-
fusão contínua EV) é utilizado para tratar episódios de ve-se considerar outra causa para a hipertensão.
crise hipotensiva, principalmente no peroperatório. Ni-
Critérios indicativos de um preparo pré-operatório
fedipina (10 mg) ou fentolamina (1 mg em bolus, depois adequado com bloqueio α-adrenérgico
por infusão contínua) são alternativas terapêuticas.
•• PA ≤ 16x90 mmHg por 48 horas
•• Hipotensão ortostática presente, mas sem exceder 80x40
mmHg
A cirurgia •• ECG livre de alterações no segmento ST ou em ondas T
•• Frequência de extrassístoles ventriculares ≤ 1 em cada 5
Deve-se preparar o paciente para a cirurgia por min.
um período mínimo de 15 dias, com drogas bloquea-
doras e/ou bloqueadores de canais de cálcio e subme- Tabela 4.8
tendo-o a uma dieta com ingestão livre de sal para fa-
vorecer a reposição volêmica, quando então o paciente
poderá ser encaminhado para cirurgia. Veja na tabela
4.8 alguns procedimentos pré-cirúrgicos importantes.
Quanto ao procedimento cirúrgico, devemos Prognóstico
chamar a atenção para o manuseio anestésico. Deve-
Cerca de 75% dos pacientes tornam-se normo-
-se evitar o uso de halotano, que pode sensibilizar o
tensos após a retirada do tumor. Nos pacientes com
miocárdio às catecolaminas, levando ao surgimento
feocromocitoma associado à MEN 2A e 2B o envolvi-
de arritmias. A pressão arterial deve ser monitorada
mento da outra adrenal ocorre em 50% dos casos den-
de forma intra-arterial.
tro de 10 anos após a adrenalectomia inicial.
As arritmias ventriculares serão mais bem con-
Recidiva do feocromocitoma ocorre em 5%-10%
troladas com lidocaína, enquanto as supraventricula-
dos pacientes considerados curados pela cirurgia (do-
res serão com propranolol e esmolol.
sar catecolaminas e/ou metabólicos urinários, anual-
Embora a cirurgia clássica (incisão da Chevron- mente, durante pelo menos 5 anos após a cirurgia).
-transperitoneal transversa) ainda seja praticada, nos
Foi demonstrada, em uma revisão, sobrevida de
últimos anos a remoção dos feocromocitomas adre-
95% em 5 anos para os tumores benignos e 44% para
nais únicos (90%) com diâmetros inferiores a 10 cm
aqueles com tumores malignos.
tem sido feita por cirurgia videolaparoscópica.
A ressecção por via laparoscópica é contraindicada
quando as imagens pré-operatórias demonstram que
o tumor é localmente invasivo. Os avanços na técnica
cirúrgica resultaram em redução das taxas de compli- História natural do
cação operatória. Especificamente, a exploração focada,
guiada por imagens funcionais, vem substituindo a ex-
feocromocitoma maligno
ploração suprarrenal bilateral e retroperitoneal, dimi- Cerca de 2,5% a 40% dos feocromocitomas
nuindo a incidência de lesões de órgãos sólidos. são malignos; nestes, o produto secretado é mais
No que diz respeito aos cuidados pós-operató- frequentemente dopamina e, por isso mesmo, os pa-
rios, destacamos os seguintes aspectos: cientes estão mais propensos a desenvolver episódios
63
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
A C
B E
ROTEIRO
hiperaldosteronismo
PROPEDÊUTICO
primário
BÁSICO eM (HAP)
GINECOLOGIA
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Introdução
É uma síndrome que inclui uma gama de desordens caracterizadas pela produção excessiva e autônoma de
aldosterona (independente do sistema renina-angiotensina), com supressão da atividade de renina plasmática, pre-
sença de hipertensão arterial e, em 50% dos casos, hipocalemia e alcalose. Hiperaldosteronismo primário representa
0,05%-2,2% de todos os casos de hipertensão.
Volume sanguíneo
circulante
Liberação Células
de aldosterona justaglomerulares
Angiotensinogênio
Balanço de Retroalimentação
potássio Angiotensina II Liberação de renina da mácula densa
Etiologia
Há pelo menos seis subtipos de HAP conhecidos (tabela 5.1) e a distinção entre eles é fundamental para um
tratamento adequado. As duas principais etiologias são: adenoma produtor de aldosterona (APA ou aldosterono-
ma também conhecido por síndrome de Conn) e a hiperplasia adrenal bilateral ou hiperaldosteronismo idiopático
(HAI), sendo o APA mais frequente.
3. Carcinoma 3 Cirurgia
1. Hiperaldosteronismo 32 Espironolactona
idiopático (HAI)*
3. Hiperaldosteronismo 2 Dexametasona
remediável por glicocorticoides (HASD)
Tabela 5.1 Em triagem não seletiva esta parece ser atualmente a etiologia mais certa.
67
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
xa PRA por si só pode ser encontrada em uma varian- um período de três dias. Após este período, colhe-se
te de hipertensão essencial. Os níveis de aldosterona a urina de 24 horas para dosagem de aldosterona,
podem ser normais ou aumentados e, assim, suas do- sódio e potássio. Na presença de sódio urinário que
sagens não têm utilidade na diferenciação de hiper- exceda 250 mEq (valores que refletem um adequado
tensão essencial e hiperaldosteronismo. Uma relação aporte de sódio), uma excreção urinária de aldoste-
aldosterona/renina elevada pode ser mais útil e, se rona maior que 14 µg/24 h é consistente com o diag-
exceder a 50, é quase diagnóstica (PRA expressa em nóstico de hiperaldosteronismo primário.
ng/mL/h e aldosterona, em ng/dL). O paciente deve
estar sem medicação anti-hipertensiva convencional
por um período de duas a quatro semanas, para que
seja avaliado o sistema renina-angiotensina, e de seis Infusão Salina (SF 0,9%)
semanas no caso de espironolactona. Em virtude de
a hipopotassemia deprimir a secreção de aldosterona, A expansão intravascular aguda com soro fisio-
os pacientes devem ser examinados repletos de potás- lógico (500 mL/h por 4 h) normalmente suprimirá
sio e depois de 2 horas de postura ereta, por ser este a secreção de aldosterona. A aldosterona e o cortisol
exame mais acurado do que na posição supina. são medidos a cada hora durante o teste, o último
Se a hipertensão é severa e o tratamento é reque- para excluir um aumento da aldosterona decorrente
rido durante a investigação, prazosina, terazosina, do- do estresse mediado pelo ACTH durante a infusão. A
xazosina ou metildopa podem ser usados como anti- repleção de potássio é necessária antes do teste para
-hipertensivos, pois essas drogas têm poucos efeitos proteger contra a não supressão da aldosterona indu-
no sistema renina-angiotensina. zida pela hipopotassemia. Níveis de aldosterona maio-
res do que 10 ng/dL são considerados diagnósticos de
HAP. O teste é contraindicado em pacientes com
hipertensão severa, insuficiência cardíaca conges-
Estágio II - teste para confirmar tiva, AVC ou IAM prévios.
o hiperaldosteronismo primário
A autonomia da secreção de aldosterona nos ca-
sos suspeitos de HAP, especialmente nos casos subclí-
Teste da fl udrocortisona
nicos (normocalêmicos e mesmo normotensos), deve Administra-se 0,1 mg de fludrocortisona (Flo-
necessariamente ser comprovada pela ausência de res- rinefe®) a cada 6 horas, por três dias, com dosagens da
posta aos testes de supressão. Nos casos típicos (rela- aldosterona plasmática e/ou urinária antes e ao final do
ção aldosterona/renina-RAR > 40, hipocalemia etc.), o período de administração da droga. Concentração da al-
emprego desses testes pode ser dispensado, passando-
dosterona urinária em amostra de 24 horas (CAU-24 h)
-se diretamente para a avaliação por imagem.
> 14 µg/dia confirma o diagnóstico de HAP.
Vários procedimentos podem ser utilizados
com resultados semelhantes, dependendo apenas da
familiaridade do investigador com cada um deles: so-
brecarga oral de sódio, infusão de solução salina, ad- Teste de supressão com captopril
ministração oral de fludrocortisona e supressão com
captopril (IECA). Em pacientes normais com hipertensão essen-
cial, a administração oral de 25-50 mg de captopril
O teste do captopril representa uma alternativa
de menor acurácia diagnóstica, mas uma alternativa está associada a uma supressão da produção de aldos-
quando o paciente apresenta contraindicação aos ou- terona mediada pela diminuição da angiotensina II,
tros testes. uma resposta não observada no hiperaldosteronismo
primário, no qual a PRA é cronicamente suprimida e
a produção de aldosterona é autônoma. Captopril é
dado com o paciente em decúbito, em dieta normo ou
Sobrecarga oral de sódio (dosagem da hiper-sódica e com níveis normais de potássio antes
do teste. Os níveis de aldosterona e renina são medi-
aldosterona urinária)
dos com 0 e 90 min., e um valor para aldosterona me-
Corresponde ao melhor teste para confirmar o nor do que 15 ng/dL, após o captopril, é considerado
aldosteronismo primário. Após o controle da hiper- normal. A relação aldosterona/renina pode ser mais
tensão e da hipopotassemia, submete-se o paciente a sensível, com níveis acima de 50 fortemente sugesti-
uma dieta rica em sódio (2 a 3 g em cada refeição) por vos de hiperaldosteronismo primário.
69
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Estágio III – diferenciação entre Uma vez que tanto APA como HAI são respon-
sivos às variações do ACTH, recomenda-se que, du-
os subtipos de HAP rante o teste de estímulo postural, o cortisol seja
dosado simultaneamente à aldosterona, para mo-
nitorizar flutuações do ACTH endógeno e ampliar
a acurácia do teste. Se o cortisol eventualmente se
Caracteríticas clínico-laboratoriais elevar, subtrai-se seu incremento percentual da-
quele da aldosterona; se ainda assim houver eleva-
Pacientes com APA, em comparação àqueles com ção da aldosterona maior do que 30%, considera-se
HAI, geralmente são mais jovens (idade < 50 anos), o teste negativo para APA. Os menores incremen-
têm hipertensão mais grave, hipocalemia mais intensa tos de aldosterona encontrados no HAI habitual-
(< 3 mEq/L) e níveis mais altos de aldosterona plasmá- mente excedem 35%.
tica (> 25 ng/dL) e urinária (> 30 µg/24 h). Considera-
-se que os pacientes com essa descrição têm alta pro-
babilidade de albergar um APA.
Dosagem dos precursores da
aldosterona
Teste da Postura Níveis significativamente elevados de deoxicorti-
costerona (DOC) e corticosterona (B), em adição àque-
É considerado isoladamente como o procedi- les de aldosterona, corroboram o diagnóstico de APA.
mento não invasivo mais sensível e específico para Mais característica ainda é a elevação da 18-hidroxi-
o diagnóstico diferencial entre APA e HAI. A sen- corticosterona (18-0HB), que tem sido utilizada como
sibilidade e a especificidade para esse teste são de um “marcador” do excesso mineralocorticoide no HAP,
cerca de 85%-90%. As diferentes respostas observa- em lugar da própria aldosterona. No HAI, esses parâ-
das nesses distúrbios devem-se ao fato de que apenas metros geralmente estão normais. Embora a dosagem
no HAI existe uma sensibilidade exagerada às oscila- do 18-0HB não esteja amplamente disponível, valores
ções dos níveis circulantes de angiotensina II. O APA, maiores do que 100 ng/dL são característicos de APA e
cujas células não têm receptores para angiotensina, valores < 50 ng/dL, de HAI.
perde a capacidade de responder ao estímulo.
Dosagem do 18-Hidroxicortisol e
Procedimento 18-Oxocortisol
Uma amostra basal de sangue é colhida após uma Esses esteroides híbridos, com atividade mine-
noite deitado (ou, se for realizado no laboratório, após ralocorticoide, resultam da ação da aldosterona sin-
40 minutos deitado) e outra – estimulada – após duas tetase sobre o cortisol. Encontram-se elevados no
horas na posição ereta, com ou sem deambulação; soli- HASD e, em menor intensidade, no APA e na HAPr, e
cita-se apenas que o paciente não se deite ou recoste e são normais no HAI. No HASD, os níveis urinários de
não afaste os pés do chão durante esse período. 18-hidroxicortisol e 18-oxocortisol geralmente estão
dez vezes acima do valor normal. A dosagem desses
esteroides também não está facilmente disponível.
Interpretação
A CAP se eleva significativamente (incre- Teste terapêutico com a espironolactona
mentos de três a quatro vezes) em casos de HAI
e permanece inalterada ou sofre uma franca A administração de espironolactona, 100-300
queda nos pacientes com APA. Entretanto, em mg/dia, durante quatro a oito semanas, resulta em
até 15% a 20% dos casos encontramos respostas normalização da pressão arterial, da APR e do potás-
anômalas , caracterizando a HAPr ou hiperplasia sio sérico em pacientes com APA ou HAI. Os níveis de
adrenal primária (ausência de elevação da CAP ao aldosterona aumentam no HAI e no APA-RA e prati-
estímulo postural) e o APA-RA ou aldosteronoma camente não se modificam em casos de APA ou HAPr.
responsivo à angiotensina (com elevação da CAP Esse teste pode ser particularmente útil nos casos em
> 30%). Ausência de resposta da CAP ao teste da que a distinção entre APA e HAI não for possível pelos
postura é também uma característica do HASD. testes diagnósticos disponíveis.
Tabela 5.3 CAP: concentração de aldosterona plasmática; APA: adenoma produtor de aldosterona; APA-RA: adenoma produtor de aldosterona
responsivo à angiotensina; HAI: hiperaldosteronismo idiopático; HAPr: hiperplasia adrenal primária; TC: tomografia computadorizada.
71
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
↑ CPA (≥ 15 mg/dL)
↓ ARP (< 1 mg/dL/h) ou
↓ CRP (< limite mínimo normal)
CAP/ARP ≥ 20 mg/dL
Investigação da etiologia do
hiperaldosteronismo primário
TC adrenal
• Normal Nódulo
• Micronodular hipodenso
• Massa bilateral unilateral
73
62
Capítulo
ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
síndrome de cushing ( SC )
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
6 Síndrome de Cushing (SC)
75
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Ocasionalmente, o quadro pode surgir devido ao uso A síndrome do ACTH ectópico (SAE) responde
prolongado de preparações nasais de glicocorticoides, por 10% a 15% de síndrome de Cushing. Nos dias atu-
o que muitas vezes não é referido pelo paciente, por ais, carcinoide brônquico representa a causa mais fre-
julgar que não se trata de um remédio de importância. quente de SAE, ficando o restante associado ao câncer
O uso prolongado de colírio com glicocorticoide pode pulmonar de pequenas células e, muito raramente, a
também resultar na síndrome. O emprego concomitan- outros tumores (exemplo: carcinomas do TGI).
te de drogas que inibam o citocromo P450 (exemplo: A síndrome do CRH ectópico é bastante rara (me-
itraconazol) aumenta o risco de Cushing durante o uso nos de 1% dos casos de síndrome de Cushing ACTH-
de glicocorticoide por via oral ou inalatória. O uso de -dependente), e a maioria dos casos é secundária a
acetato de megestrol também foi relacionado com o de- carcinoide brônquico, carcinoma medular de tireoide e
senvolvimento da síndrome de Cushing. carcinoma prostático.
PPNAD caracteriza-se pela presença de pequenas ↑ do cortisol após Exagerada (em 90%) Ausente
hipoglicemia** (em 80%)
glândulas adrenais com múltiplos e pequenos (< 3 cm)
nódulos pigmentados, bilaterais, que somente se tor- Cortisol após Ausente (em 85%) Presente
LDDST*** + CRH (em 100%)
nam radiologicamente visíveis após os 10 anos de ida-
de. A forma familiar pode vir isolada ou se apresentar Cortisol da < 5 µg/dL > 5 µg/dL
meia-noite ≥ 7,5 µg/dL < 7,5 µg/dL
como parte do complexo de Camey. Este último inclui:
mixomas cardíacos (72%), mixomas cutâneos (45%), Tabela 6.4 *Exceto nos casos com hipercortisolismo cíclico. **Após
administração de insulina regular (0,3 U/kg EV). ***LDDST: teste de su-
mixomas mamários (42%), tumores testiculares (56%), pressão com baixa dose de dexametasona (0,5 mg de 6/6 h VO, durante
schwannomas (5%), tumores pituitários secretores de 48 h).
GH (10%), lesões cutâneas pigmentadas tipo sardas
(65%) e PPNAD (45%).
Síndrome de Cushing
ACTH – Dependentes
• Doença de Cushing • Carcinoma medular
Pseudo-Cushing (adenoma hipofisário, 80% • Feocromocitoma
Refere-se a certas condições que se manifes- dos casos)
• Pseudo-Cushing
tam como fenótipo clínico similar ao da síndrome de • ACTH ectópico
Cushing, associado a um hipercortisolismo leve ou mo- • Tumor carcinoide
derado (cortisol livre urinário > 250 µg/dia, decorrente • Carcinoma de pequenas
da hipersecreção de CRH); as causas mais comuns são: células do pulmão
síndrome do pânico, psicoses, depressão e alcoolismo. A ACTH – Independentes
distinção diagnóstica geralmente é feita ao se tratar ou • Iatrogênico (corticoide • Micronodular
eliminar o fator indutor do hipercortisolismo. exógeno)* • (nodular pigmentada)**
• Tumor adrenal • Macronodular***
Normal Tumor Secretor de ACTH
Origem Hipofisária Origem Hipotalâmica • Hiperplasia
- - -
Tabela 6.5 *Principal causa de síndrome de Cushing ACTH-indepen-
Hipotálamo dente; **Doença adrenal nodular pigmentada primária, doença autossô-
mica dominante que se caracteriza pela presença de pequenas glândulas
adrenais com múltiplos e pequenos nódulos pigmentados bilaterais.
CRH CRH
CRH ***Nódulos adrenais coexistindo com graus variados de hiperplasia
adrenal bilateral e níveis baixos ou indetectáveis de ACTH.
+ +
+
- - -? Tumores causadores de síndrome do ACTH ectópico
Tumor Tumor
Hipófise
anterior
(32 casos)
Hiperplasia
77
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Gerais •• Edema
•• Hipocalemia
Ganho de peso/obesidade 79-97
Fraqueza 56-90 Tabela 6.8 Manifestações sistêmicas da síndrome de Cushing.
Hipertensão 74-90
Face arredondada (“de lua cheia”) 88-92
Edema 48-66
Giba de búfalo 34-67
Calvície feminina 13-51
Anormalidades eletrocardiográficas ou
34-89
aterosclerose
Cutâneos
Adelgaçamento da pele 84
Hirsutismo 64-84
Pletora 78-89
Estrias 50-64
Contusões fáceis 60-77
Acne 21-82
Cicatrização diminuída das feridas 42
Musculoesqueléticos
Figura 6.2 Síndrome de Cushing. Observam-se moon faces.
A B
C D
E F
G H
D
Figura 6.3 Sinais clínicos da síndrome de Cushing. A: obesidade
centrípeta em mulher com 30 anos de idade. B: fácies de lua cheia e ple- Figura 6.4 Alterações ósseas na síndrome de Cushing. A: necrose
tura facial. C: hipersutismo. D: obesidade central e fácies de lua cheia em
asséptica na cabeça do úmero direito. B: necrose asséptica na cabeça do
um menino de 14 anos. E e F: obesidade centrípeta e estrias em uma mu-
lher de 41 anos (E) e em um homem de 40 anos (F). G: estrias grosseiras fêmur direito. As setas indicam radiolucência subcondral em uma cisão
em uma mulher de 24 anos de idade em uso crônico de dexarmetasona lateral da cabeça do fêmur. C: osteoporose difusa, colapso vertebral, es-
para tratamento de hiperplasia adrenal congênita. H: hematoma em um clerose do osso subcondral. D: fratura de costelas em uma paciente com
paciente com síndrome de Cushing. síndrome de Cushing.
79
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Diagnóstico diferencial
Achado Provável diagnóstico
Virilização severa
Evolução rápida Carcinoma adrenal
Massa abdominal
Adrenal contralateral atrofiada Tumor adrenal
Hiperpigmentação ACTH ectópico
Figura 6.5 O cateterismo bilateral do seio petroso inferior é o exame
mais sensível na diferenciação entre doença de Cushing e a síndrome do Supressão com 8 mg Doença de Cushing
ACTH ectópico. Tabela 6.12
Atenção:
1- hipercortisolismo com ACTH plasmático menor que 10
pg/mL: tumor adrenal produtor de cortisol.
2- hipercortisolismo com ACTH no limite superior da nor-
malidade ou moderadamente elevados (25 a 200 pg/mL): ade-
noma hipofisário – doença de Cushing.
3- hipercortisolismo com ACTH muito elevado (acima de 300
pg/mL): síndrome do ACTH ectópico.
Diagnóstico radiológico
A RNM é superior à tomografia computadoriza-
da (TC) para imagens da hipófise. Imagens de RNM
demonstram adenomas em 50% a 70% dos pacien-
tes com doença de Cushing, mas incidentalomas
hipofisários estão presentes em 10% dos adultos. O
significado do adenoma hipofisário deve sempre ser
avaliado com o conhecimento dos exames bioquími-
cos. Nos pacientes com suspeita de secreção de ACTH
ectópico, tomografias computadorizadas de tórax e
abdome devem ser realizadas com cortes de 1 cm.
Os adenomas geralmente medem < 3 cm, enquanto a
Figura 6.7 CT SCAN em paciente com síndrome de Cushing, eviden-
grande maioria dos carcinomas mede mais de 6 cm à ciando-se um adenoma adrenal esquerdo de 3 cm, anteromedial ao rim
ocasião do diagnóstico. esquerdo (seta branca).
83
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Normal
Cortisol livre na urina de 24 horas x 2
Elevação > 3 vezes transesfenoidal da hipófise raramente consegue remover
1-3 x normal toda a neoplasia. A radioterapia é recomendada para tu-
Cortisol salivar no mores residuais ou com extensão suprasselar.
final da noite x 2
<550 ng/dL >550 ng/dL
Indetectável Detectável
Doença independente ACTH Doença dependente
de ACTH de ACTH
Massa >6 mm
TC das suprarrenais Supressão RM da hipófise,
teste de supressão com
dexametasona em altas doses
Ausência de massas
Amostra do seio
petroso inferior bilateral
Gradiente detectado Ausência de gradiente
TC de tórax/abdome,
cintilografia para o receptor Figura 6.9 Síndrome de Nelson.
de somatostatina
Adrenalectomia Microcirurgia hipofisária
Efetividade > 90% transesfenoidal
Efetividade de 75% Ressecção
Síndrome de Cushing Insucesso
suprarrenal primária (15%)
ACTH ectópico (<10%)
Tumor adrenal
Adrenalectomia bilateral
85
72
Capítulo
ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
carcinoma adrenal
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
7 Carcinoma adrenal
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Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
entanto, a hipersecreção de andrógenos nos homens de atenuação > 10 HU na TC sem contraste ou wa-
e de estrógenos nas mulheres pode não ser notada. O shout < 50% e um atraso na atenuação > 35 HU;
mesmo é válido para a hipersecreção dos precursores invasão local; extensão tumoral para veia cava; me-
esteroides (17-α-hidroxiprogesterona, progestero- tástases em linfonodos.
na, desoxicorticosterona), que podem ser detectados Achados na RM sugestivos de malignidade: Le-
nos tumores aparentemente não funcionantes. A são isointensa ao fígado em T1 e intensidade média
síndrome de Cushing de rápido aparecimento, a aumentada em T2; invasão local; extensão tumoral
com ou sem virilização, é a apresentação mais para veia cava; metástases em linfonodos.
comum dos tumores funcionantes. A feminiza-
PET: O PET scan tem apresentado excelentes
ção e o hiperaldosteronismo são muito raros. Em
resultados para diferenciação entre lesão benigna e
crianças, é comum o excesso de esteroides, levando
maligna. Diversos agentes têm sido usados, entre
à virilização e à pseudopuberdade precoce. Pacientes
eles a fluorodeoxiglicose18 (FDG) e o metomidate
com tumores não secretores geralmente apresentam
(MTO). A fluorodeoxiglicose é captada e detectada
sintomas relacionados ao crescimento do tumor ou
somente nos casos de lesões malignas. O metomi-
podem ter um diagnóstico de incidentaloma adrenal.
date não diferencia lesão benigna de maligna, po-
Em uma minoria dos pacientes, emagrecimento, fe- rém demonstra se o tumor é do córtex ou medula da
brícula e astenia podem ocorrer. glândula suprarrenal. A maioria dos estudos publi-
No momento do diagnóstico somente 30% cados apresenta pequeno número de casos. Estudos
apresentam doença localizada. As metástases com maior número de casos são necessários para
mais comuns são para pulmão (71%), linfonodos estabelecer a real eficácia do PET scan nos tumores
(68%), figado (42%) e ossos (26%). supra-adrenais. Além disso, sua disponibilidade é
limitada, e o custo, elevado.
Diagnóstico
Avaliação hormonal
Cortisol após l mg de dexametasona, cortiso-
lúria de 24 horas, ACTH (hormônio adrenocortico-
trópico), SDHEA, 17α-OH progesterona, estradiol
(somente em homens), testosterona total, androste-
nediona (tumores virilizantes), aldosterona e renina
(principalmente se hipocalemia e hipertensão), e ca-
tecolaminas (metanefrinas) na urina de 24 horas ou
metanefrinas séricas.
Exames de imagem
O tamanho da massa adrenal, avaliada por TC
ou RM, é o melhor indicador da presença de neoplasia
maligna; a probabilidade da ocorrência de um carcino-
ma adrenal aumenta de 35 a 98% nos pacientes com
massa adrenal > 6 cm. A RM é tão efetiva quanto a TC
de abdome para distinguir lesões malignas de benig-
nas. Até o presente momento, há evidências de que a
RM seja superior apenas para avaliar invasão vascular
em tumores grandes.
Achados tomográficos sugestivos de malig-
nidade: Densidade alta; imagem heterogênea; mar-
gens irregulares; maior evidência dos componentes Figura 7.1 Aspecto característico do carcinoma adrenal à TC (lesão >
sólidos pós-contraste IV; lesão adrenal com valor 6 cm, heterogênea, com áreas de necrose) (setas).
Critérios de Weiss
1. Grau nuclear III/IV, como descrito por Furhmann et al.
para o carcinoma renal
2. Índice mitótico elevado (> 5 mitoses em 50 campos de
grande aumento)
3. Presença de mitoses atípicas
4. Células claras compreendendo menos de 25% do tumor
5. Arquitetura difusa compreendendo mais de 33% do tumor
6. Necrose microscópica confluente
7. Invasão venosa
8. Invasão sinusoidal
9. Invasão capsular
Tabela 7.2
Patologia
Estadiamento TNM
Os marcadores histopatológicos de maligni-
dade são: alto número de mitoses, mitoses atípicas, Tumor primário (T)
invasão de vasos ou cápsula e presença de necrose. O T1 Tumor < 5 cm, sem invasão
marcador D11 é positivo em quase todos os carcino- T2 Tumor > 5 cm, sem invasão
mas de córtex adrenal e negativo nos tumores de me- Tumor infiltra além da gordura adrenal, alcançando
dula adrenal (para a identificação de feocromocitoma, T3
órgãos vizinhos
a cromogranina A é o melhor marcador). T4 Tumor invade órgãos adjacentes
Microscopicamente, a lista de nove critérios his- Tabela 7.3
tológicos proposta por Weiss et al. pode distinguir os
adenomas dos carcinomas suprarrenais. Os tumores
com 3 ou menos critérios de Weiss não apresentam Linfonodos regionais (N)
qualquer potencial de malignidade e, portanto, são N0 Ausência de metástases em linfonodos regionais
classificados como adenomas suprarrenais. Por outro N1 Metástase em linfonodos regionais
lado, os tumores que apresentam quatro ou mais cri- Tabela 7.4
térios histológicos podem vir a desenvolver metástase
em algum momento do acompanhamento. Apesar de
Metástases a distância (M)
não oferecer uma boa especificidade para prever a ocor-
rência de metástase no grupo dos carcinomas suprarre- M0 Ausência de metástases a distância
nais, é nítido que quanto maior o número de critérios M1 Metástase a distância
presentes, maior o risco de metástase. Tabela 7.5
89
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Cisplatina: 30%
Radioterapia
Carcinoma adrenal
Cirurgia radical
Estádio I
Estádios II e III
Ressecção completa Estádios III e IV
Ressecção incompleta
Marcadores hormonais normais Metástases a distância
Marcadores hormonais elevados
TC normal
Tratamento adjuvante
Avaliação hormonal Tratamento adjuvante
Radioterapia para lesões ósseas
TC Mitotane
Reintervenção para ressecção
Periódicos Reintervenção?
de metástases
Tabela 7.7 Uso contínuo conforme tolerância do paciente, podendo atingir doses de até 8.000 mg/dia.
Fatores prognósticos
O estádio do tumor e o sucesso da ressecção cirúrgica são os principais fatores prognósticos. Embora seja
potencialmente curável em estádios iniciais, apenas 30% dos casos de carcinoma estão confinados à adrenal no
momento do diagnóstico. Esta é uma doença heterogênea, com alguns pacientes sobrevivendo por mais de dez anos
mesmo com doença metastática, enquanto outros evoluem desfavoravelmente em poucos meses, não respondendo
a nenhuma das opções terapêuticas. Nos pacientes tratados, a sobrevida em cinco anos varia de 23 a 60%.
Necrose tumoral, alto índice mitótico (5-50 mitoses/campo) e atipias estão associados com redução
no tempo livre de doença. Alta atividade proliferativa (Ki-67) e evidência de mutação no gene p53 estão as-
sociadas com estádios avançados e pior prognóstico.
Os tumores secretores de andrógenos ou precursores esteroides somente parecem ter melhor prognóstico do
que aqueles secretores de cortisol ou de cortisol e andrógenos. Nas crianças, o diagnóstico antes dos 4 anos de
idade é um fator independente e está associado com melhor prognóstico.
91
82
Capítulo
ROTEIRO
PROPEDÊUTICO
adrenalectomia
BÁSICO eM
GINECOLOGIA
8 Adrenalectomia
93
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Os autores que propuseram a abordagem re- ços são estendidos e contidos em braçadeiras parale-
troperitoneal citam as seguintes vantagens teó- las. A mesa é dobrada, aumentando a distância entre
ricas: menor retenção de CO2, menos complicações a margem costal e a crista ilíaca. O dorso do paciente
abdominais, e menores problemas cardiorrespirató- e as pernas são contidos com almofadas nos pontos de
rios. As desvantagens da abordagem retroperitoneal pressão. O cirurgião e o auxiliar se colocam na frente
compreendem uma menor área de trabalho, menor da superfície anterior do paciente com o monitor atrás
acessibilidade no caso de complicações hemorrágicas do seu ombro. Realizamos uma incisão na linha axilar
e perda do pneumoperitônio quando a membrana pe- esquerda anterior, aproximadamente 2 cm abaixo e pa-
ritoneal é violada. ralela à margem costal. Usando uma agulha de Veress
ou através do orifício de inserção de um trocarte de 10
mm, estabelecemos um pneumoperitónio com gás car-
bônico de 15 mmHg, por meio da técnica de Hasson.
Inserimos um trocarte de 10 mm sob o 11° arco costal
na linha axilar média. Outro trocarte de 10 mm é inseri-
do mais medialmente e em posição anterior ao primeiro
trocarte; este é posicionado bem lateral ao músculo reto
(figura 8.2). Apesar de a maioria das adrenalectomias
esquerdas serem realizadas apenas com três trocar-
tes, podemos inserir um quarto trocarte (5 mm) dor-
salmente ao ângulo costovertebral para retrair o baço.
Os trocartes devem ter uma distância entre si de 8-10
cm para evitar que os instrumentos interfiram uns nos
Figura 8.1 Posição para adrenalectomia esquerda laparoscópico tran-
outros durante a dissecção. O laparoscópio é colocado
sabdominal.
no trocater mais anterior, com os dois trocateres do
meio atuando como orifícios de entrada do cirurgião.
O dissecador laparoscópico é colocado na mão esquerda
e a tesoura na direita. O ligamento lienocólico é sepa-
rado. Mobilizamos o ângulo esplênico medialmente.
Seccionamos o ligamento lienorrenal a 1 cm do hilo
esplênico de baixo para cima, até o ponto em que são
visualizados os vasos gástricos curtos atrás do estô-
mago. O baço se dobra no sentido anteromedial, jun-
tamente com seu hilo, afastando-se do espaço retro-
peritoneal anterior. Se for necessário, o baço pode ser
afastado através do trocarte mais posterior. Examinar
se o retroperitônio usando o ultrassom laparoscópico
para localizar a glândula adrenal e identificar o tumor.
A veia adrenal também pode ser acompanhada até a
glândula. A gordura perinefrética é usada, em vez da
própria glândula, para fixá-la já que uma ruptura da
cápsula da adrenal pode provocar sangramento, as-
sim como aumentar a possibilidade de implantes para
o abdome. A mesa é colocada na posição de Trende-
lenburg reversa para afastar inferiormente os órgãos
abdominais, e também para manter o sangue fora do
campo operatório. A veia adrenal esquerda sai ante-
riormente, na glândula, então segue obliquamente
para se unir à veia renal esquerda. No caso de adre-
Figura 8.2 Pontos de entrada dos trocartes para a adrenalectomia es-
querda laparoscópico transabdominal. nais menores (< 5 cm), a veia adrenal pode ser identi-
ficada no início da dissecção usando um instrumento
com ângulo direito, e ligada com clipes de titânio com
A abordagem transabdominal lateral ou pelo flan- tamanho médio ou grande, usando três clipes proxi-
co, que é o acesso mais frequentemente utilizado. Para mais e dois distalmente. A dissecção é continuada no
realizar uma adrenalectomia esquerda transabdominal sentido superior e medial, clipando os ramos adrenais
o paciente é colocado em decúbito lateral esquerdo (fi- dos vasos frênicos inferiores. A glândula adrenal é dis-
gura 8.1). Colocamos um travesseiro no flanco direito secada a partir da gordura retroperitoneal usando o
e um rolo protetor sob a axila direita. Ambos os bra- gancho do eletrocautério ou o bisturi (Ethicon Endo-
95
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
Pós-opera- Intervalo
Droga Dose
tório (horas)
Complicações pós-operatórias Imediato Hidrocortisona 100 mg 8
1º - 4º dia Hidrocortisona 50 mg 12
A adrenalectomia apresenta índices de morbi- A partir do 5º Hidrocortisona* 12-15 24
dade entre 2% e 10%. A hemorragia é a complicação dia mg/m2
mais comum, há necessidade de transfusão sanguí-
Tabela 8.2 Esquema de reposição de corticoide no pós-operatório.
nea em 5% dos casos. As principais complicações da Nos casos de adrenalectomia bilateral: (1) iniciar reposição de minera-
adrenalectomia laparoscópica estão representadas na locorticoide (Fluorinef 0,1 a 0,2 mg/dia); (2) substituir hidrocortisona
tabela 8.1. A lesão iatrogênica de órgãos adjacentes por dexametasona precocemente. Sucesso no procedimento cirúrgico é
ocorre em 5% dos casos. Há necessidade de conversão determinado por níveis indetectáveis de cortisol urinário, mesmo com
para cirurgia aberta em ate 14%. A causa mais comum uso de dexametasona. (*) Nos casos de adrenalectomia unilateral: (1)
é hemorragia de difícil controle, seguida de detecção realizar teste de estimulação com ACTH a cada três a seis meses; (2)
intraoperatória de neoplasia maligna com invasão de manter hidrocortisona até teste de estimulação normal (pode demo-
estruturas adjacentes. rar até dois anos nos casos de síndrome de Cushing).
ROTEIRO
síndromes de
PROPEDÊUTICO
neoplasia endócrina
BÁSICO eM
múltipla (NEM)
GINECOLOGIA
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
99
Clínica cirúrgica | Baço e suprarrenal
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