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Este curso de pós-graduação aborda a temática do espaço, tempo e relatividade, de um ponto de vista filosófico. O foco principal será a
teoria da relatividade restrita, formulada por Einstein em 1905. Serão estudadas questões filosóficas relacionadas à contração espacial,
dilatação temporal, simultaneidade e paradoxo dos gêmeos, dando-se alguma atenção à recepção filosófica e cultural dessas novas idéias. A
seguir, consideraremos as geometrias não-euclidianas, a teoria da relatividade geral e a noção de espaço-tempo curvo. Questões
filosoficamente intrincadas, como a teoria causal do espaço-tempo, o debate sobre o espaço absoluto e o papel das convenções, também
serão examinadas.
Informativos e Roteiros:
Cronograma (preliminar) Clique para baixar o
Bibliografia geral programa de leitura.
Linques:
Sonda de Gravidade B
http://einstein.stanford.edu/SPACETIME/spacetime4.html
http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/Pos-Rel-12.htm 1/2
Cronograma Preliminar da Disciplina: “Espaço, Tempo e Relatividade”
FLF5089 –Filosofia da Ciência (Filosofia da Física)
Prof. Osvaldo Pessoa Jr. – sala 2007 – opessoa@usp.br
2o semestre de 2012: 2as-feiras 14:00-18:00 hs., sala 119 (Xerox: Pasta 38)
Programa (preliminar):
Aula 1 13/08 Teoria da Relatividade Restrita (TRR): o artigo de Einstein (1905).
Simultaneidade no trem de Einstein.
Aula 2 20/08 TRR: Dilatação do tempo e contração do comprimento.
Experimento dos múons. História: Influências em Einstein.
Aula 3 27/08 TRR: Diagramas de Minkowski. Intervalo espaço-temporal.
Trem no túnel. História: Lorentz e Poincaré.
- - - - - - (Semana da Pátria) - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Aula 4 10/09 TRR: Cone de luz e causalidade. Paradoxo dos gêmeos.
Experimento de Haefele & Keating. História: Experimento de
Michelson & Morley e o problema do éter.
Aula 5 17/09 Interpretações da TRR: Realismo x positivismo. Espacialização do tempo.
Contração e dilatação são reais? História: As origens do éter luminífero:
Fresnel, Fizeau e Mascart.
Aula 6 24/09 TRR: E=mc² e suas interpretações. Experimento de Cockcroft & Walton.
Aula 7 01/10 Interpretações da TRR: Teoria causal do espaço-tempo de Robb.
Interpretações neo-lorentzianas.
Aula 8 08/10 Epistemologia da geometria. Geometrias não-euclidianas.
Curvatura do espaço-tempo: Teoria da Relatividade Geral.
Experimento do desvio gravitacional da luz.
Aula 9 15/10 Princípio de Mach e o espaço absoluto na relatividade geral.
Substantivalismo vs. relacionismo. Experimento da sonda de gravidade B.
- - - - - - (Viagem do professor - ANPOF) - - - - - - - - - - - - - - - -
Aula 10 29/10 Convenções na teoria da relatividade: Poincaré, Reichenbach.
Aula 11 05/11 Filosofia da ciência e teorias de espaço-tempo (M. Friedman).
Aula 12 12/11 Cosmologia: o início do tempo. Possibilidade de viagem no tempo.
BIBLIOGRAFIA GERAL
“Espaço, Tempo e Relatividade” – FLF5089 – Filosofia da Ciência (Filosofia da Física)
Prof. Osvaldo Pessoa Jr. (USP)
BELL, J.S. (1987), How to teach special relativity, in BELL, Speakable and unspeakable in quantum
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Dover.
EARMAN, J. (1989), World enough and space-time: absolute versus relational theories of space and
time. Cambridge: MIT Press.
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em alemão: 1917.
–––––– (1982), Notas autobiográficas. Trad. A.S. Rodrigues. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Orig.
em alemão e tradução em inglês: 1949.
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Einstein no Ano Mundial da Física.
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Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-RJ. Orig. em inglês: 1954; 3a edição aumentada: 1993.
1
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Ciência.
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2
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Relativity 9: 3-100. Online: http://relativity.livingreviews.org/Articles/lrr-2006-
3/download/lrr-2006-3Color.pdf
3
Atividade 1
FLF5044 –Filosofia da Ciência (Filosofia da Física)
“Espaço, Tempo e Relatividade” – Prof. Osvaldo Pessoa Jr. – 2012
Entregar em 29/10
I) Rápidas
1) Quais são os dois princípios utilizados por Einstein para a derivação de sua teoria da
relatividade restrita (TRR)?
2) O que é um evento?
II) Problema
1
Roteiro de resolução:
(a) O túnel mede 100 m no referencial de Filipe, e o foguete parado mede 140 m. Que
velocidade v o foguete deve atingir (em termos de c) para “caber” (de maneira justa) no
túnel, segundo o referencial de Filipe?
1
∆x (do trem em movimento, medido da estação) = ∆x’ (comprimento próprio do trem),
γ
1
onde γ = .
v2
1− 2
c
(b) Quando Tomás passar a mão no diamante, um sinal de luz é enviado para cada bomba. A
explosão das duas bombas é simultânea? Explique.
(c) Tomás precisa calcular em que janela do seu foguete ele pegará o diamante. Ele quer fazê-
lo de tal forma que o bico do foguete chegue até a bomba B2 (sem tocá-la, para não
explodir) junto com o sinal de luz emitido do alarme do diamante. Qual é a distância da
janela escolhida em relação ao bico do foguete? (Dica: comparar as velocidades do
foguete e da luz.)
(d) Coloque-se agora no referencial do pirata voador. Ele se sente parado, e vê o asteróide
com o túnel voar em sua direção, com velocidade v (em sentido contrário). Para ele, qual é
o tamanho do túnel?
(e) Temos um aparente paradoxo! O foguete, de comprimento próprio 140 m, é agora bem
maior do que o túnel. Quando as bombas (nas pontas do túnel) explodirem, o foguete
conseguirá escapar? Explique.
2
(III) Considere o diagrama de Minkowski abaixo, relativo ao problema (II). O foguete está
desenhado em seu “comprimento próprio”, no referencial do pirata. Perceba como ele,
apesar de ser desenhado maior do que o túnel, consegue “caber” no túnel devido a uma
“rotação no espaço-tempo”.
(a) Faça um esboço do foguete visto por Filipe, no asteróide, em um instante qualquer.
(b) Faça um esboço do asteróide (com o túnel) no instante em que o bico do foguete passa
por sua entrada, conforme visto por Filipe.
(c) Marque os instantes em que ocorrem as duas explosões para o pirata voador (Tomás).
(d) Estime, olhando para o gráfico, o tempo que passou entre as duas explosões, para
Tomás, o audaz.
(e) Estime, olhando para o gráfico, a distância entre a janela em que Tomás rouba o
diamante A e o bico do foguete.
3
Atividade 2: O Percurso de Einstein
FLF5089 – Filosofia da Ciência (Filosofia da Física)
“Espaço, Tempo e Relatividade” – Prof. Osvaldo Pessoa Jr. – 2012
Entregar até 03/12
Responda a pelo menos 5 das questões abaixo (pode responder todas!). Sugiro dois roteiros
mínimos possíveis:
Roteiro físico: 1, 2, 4, 5, 10.
Roteiro filosófico: 2, 5, 6, 7, 8.
1) Com 16 anos, em Pavia, na Itália, Einstein terminou um artigo de física e o enviou ao seu tio
Caesar. Em linhas gerais (sucintamente), que concepção de mundo é apresentada neste artigo?
(PAIS, pp. 149-50; PATY, pp. 68-9.)
2) Qual foi o experimento-de-pensamento que ocupava o jovem Einstein, em 1896, em seu colégio
em Aarau, na Suiça? Que conclusão ele tirou? (STACHEL, p. 126; EINSTEIN, p. 55; PAIS, p. 150;
HIROSIGE, p. 53; PATY, pp. 68-9.)
3) Qual foi o resultado de suas propostas experimentais para medir a velocidade da Terra em
relação ao éter, na Politécnica de Zurique (ETH), entre 1898 e 1901? Neste período ele acreditava
na existência do éter? (PAIS, p.151; STACHEL, p. 127; HIROSIGE, p. 54; PATY, pp. 70-2.)
4) Einstein menciona que foi influenciado pelo experimento de Fizeau (de 1851). Como se deu esta
influência? (STACHEL, 130; HIROSIGE, p. 54; PAIS, p. 133-5; PATY, pp. 112-4.)
6) Trabalhando no escritório de patentes em Berna, a partir de 1902, Einstein foi influenciado por
leituras de Hume, Mach e Poincaré. Como a concepção de espaço e tempo de Hume poderia ter
afetado Einstein? (HIROSIGE, p. 58; HUME, pp. 81, 92-3.)
7) Como a leitura de Mach, a partir de 1897, contribuiu para as idéias de Einstein? (HIROSIGE, pp.
58-66, 79-81; MACH, pp. 1-3)
8) Leia o trecho de Poincaré, de sua Ciência e Hipótese (1902), e indique como isso poderia ter
influenciado Einstein. (PAIS, pp. 153; STACHEL, p. 131 (2a citação); POINCARÉ, pp. 81-2.)
9) Por que Einstein levou à sério uma teoria da emissão? (STACHEL, p. 131.)
10) Como Einstein encarava a teoria de Maxwell e sua relação com a mecânica, antes de 1905?
(HIROSIGE, pp. 55-7.)
Bibliografia da atividade:
EINSTEIN, A. ([1949] 1982), Notas autobiográficas. Trad. A.S. Rodrigues. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira. Seleção das pp. 54-63 [5 folhas].
HIROSIGE, T. (1976), “The ether problem, the mechanistic worldview, and the origins of the theory
of relativity”, Historical Studies in the Physical Sciences 7: 3-82. Seleção das pp. 3-6, 51-
67, 79-81 [14 folhas].
HOLTON, G.J. (1973), “Einstein, Michelson, and the ‘crucial’ experiment”, in Thematic origins of
scientific thought, pp. 261-352. Cambridge: Harvard U. Press. Seleção das pp. 316-29 [7
folhas].
HUME, D. ([1739] 2000), Tratado da natureza humana. Trad. D. Danowski. São Paulo: Unesp.
Seleção das pp. 81, 92-3 [2 folhas].
MACH, E. ([1883] 2012), “As ideias de Newton sobre tempo, espaço e movimento”, trechos do cap.
II, seção VI, do The science of mechanics. Trad. O. Pessoa Jr. São Paulo: FFLCH-USP,
curso FLF0449. Seleção das pp. 1-3 (correspondentes a trechos das pp. 222-38 da tradução
em inglês) [3 folhas].
PAIS, A. ([1982] 1995), “Sutil é o Senhor...”: a ciência e a vida de Albert Einstein. Trad. F. Parente
& V. Esteves. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Seleção das pp. 125-35, 147-52, 200-1 [11
folhas].
PATY, M. (1993), Einstein philosophe. Paris: Presses Universitaires de France. Seleção das pp. 68-
73, 110-30 [14 folhas].
POINCARÉ, H. ([1902] 1984), A ciência e a hipótese. Brasília: Ed. UnB. Seleção das pp. 81-2 [2
folhas].
Experimentos Relativísticos 1:
Dilatação temporal em múons
Em 1940, o físico italiano Bruno Rossi e seu colega David B. Hall, da Universidade de
Chicago, decidiram estudar partículas de raios cósmicos, conhecidos então como “mésotrons”, para
determinar sua taxa de decaimento, ou seja, o tempo médio que uma dessas partículas subsiste antes
de se transformar em outras partículas.1 Paraa isso, compararam o número de partículas detectadas
no topo de uma montanha no Colorado com o número medido 1600 m abaixo. Ao fazerem esse
estudo, tiveram que levar em conta o efeito relativístico da “dilatação do tempo” no referencial das
partículas em movimento,, de forma que seu estudo foi um dos primeiros testes desta
dest previsão da
Teoria da Relatividade Restrita.2
Para estudar essee experimento, vale a pena nos concentrarmos na versão mais didática
realizada por David Frische & James Smith (1963).3 Hoje em dia, a partícula estudada por Rossi &
Hall se chama múon, fazendo parte da família dos léptons, do qual faz parte também o elétron, que
tem massa 200 vezes menor, e os neutrinos.
Os múons dos raios cósmicos são criados no alto da atmosfera, após os prótons vindos de
outras galáxias chocarem-sese com as moléculas da atmosfera, produzindo píons, que rapidamente
decaem gerando múons e neutrinos.
neutrinos Em torno de 100 múons atravessam nosso corpo por segundo,
enquanto dormimos numa praia. Os múons decaem exponencialmente com uma vida média de
= 2,21⋅10–6 s, conforme se vê na Fig. 4, transformando-se em um elétron (ou pósitron) e
neutrinos.. O decaimento exponencial tem a propriedade curiosíssima de “não ter memória”, ou seja,
a probabilidade de um múon decair independe de quanto tempo ele já existiu.
Fig. 1: Bruno Rossi (1905-93) Fig. 2: Um antipróton colide com um núcleo do gás Fig. 3: Concepção
e sua bela gravata tricotada. neônio em um campo magnético, gerando um píon π+,
neônio, artística do múon (por
que decai em um múon µ+ (e neutrino), que decai em Sérgio Kon).4
um pósitron e+ (e dois neutrinos) (Fonte: G. Piragino,
Experimento PS179,
P CERN, Genebra, 1996).
1
ROSSI, B. & HALL, D.B. (1941), “Variation of the rate of decay of mesotrons with momentum”, Physical Review 59:
223-8.
2
O primeiro teste foi feito por Ives & Stilwell, em 1938, envolvendo o deslocamento de frequência de linhas de
espectro atômico por efeito Doppler “transverso”, para moléculas de hidrogênio (raios de canal) rumando em dois
sentidos de movimento. Os autores citaram o experimento como um teste da “teoria de Lorentz e Larmor”.
3
FRISCH, D.H. & SMITH, J.H. (1963), “Measurement of the relativistic time dilation using µ-mesons”,
mesons”, American Journal
of Physics 31: 342-55. O filme didático deste experimento está em http://www.scivee.tv/node/2415
ttp://www.scivee.tv/node/2415 .
4
ABDALLA, MARIA CRISTINA B. (2004), O discreto charme das partículas elementares,, ilustrações de Sérgio Kon,
Unesp, São Paulo, p. 69.
1
Fig. 2: Curva de decaimento exponencial do múon, medido em quase repouso no cintilador (adaptado de FRISCH & SMITH,
1963, p. 347). A marcação * indica o número de múons (30) que deveriam sobreviver ao chegar ao nível do mar, segundo
a Física Clássica, após 6,41 milissegundos. A marcação ** indica o número medido de múons no nível do mar (397),
que segundo o gráfico estaria associado a um intervalo de tempo de 0,72 milissegundos. A dilatação temporal γ é dada
pela razão desses dois valores temporais.
Frisch & Smith mediram o número de múons incidindo por segundo em um detector no alto
do Monte Washington, de altura 1907 m, e a taxa medida no MIT, ao nível do mar em Cambridge,
Massachussetts, e à mesma latitude. O detector usado foi um cintilador, que consiste de um material
que gera um pulso de luz por “luminiscência”, na passagem de uma partícula eletricamente carregada.
No experimento, o cintilador consiste de uma base de plástico, dopado com alguma substância
fluorescente que acentua a emissão de luz. Esta luz é então detectada em uma fotomultiplicadora.
Os múons medidos foram selecionados em uma faixa estreita de velocidades. Isso foi feito
colocando-se o detector abaixo de uma camada de 76 cm de ferro, no Monte Washington, de forma
que a grande maioria dos múons viajando a uma velocidade menor do que 0,9950 c (onde c é a
velocidade da luz) acaba sendo parada pela interação elétrica com os elétrons do ferro (a absorção
pelos núcleos é desprezível). A passagem dos múons pelo detector gera um pulso único, mas às vezes
um outro pulso pode ser detectado, correspondendo à emissão de um elétron no cintilador. Isso
significa que este muón foi parado e decaiu, e o seu tempo de decaimento medido e plotado na Fig. 2.
São apenas estes múons que são contados no experimento. Por outro lado, múons mais velozes do que
0,9954 c tendem a passar pelo cintilador sem serem absorvidos, apesar de deixarem um pulso no
detector: esses não são contados no experimento. Em uma hora de medição, contaram 563 ± 10
múons, ou seja, um média de 563 com um erro estimado de mais ou menos 10. Este fator teve que ser
corrigido para descontar as coincidências fortuitas entre muóns (que não pararam no cintilador) e
elétrons (que são originados de outros muóns, não registrados). Assim, o valor utilizado foi 550.
Em Cambridge, a ideia seria estimar quantos daqueles 550 múons, selecionados com
velocidade em torno de 0,9952 c, chegariam ao nível do mar. Imaginemos um conjunto de 550 múons
com mesma energia passando pela altitude do primeiro experimento e caindo sobre o detector em
Cambridge. Eles seriam parcialmente desacelerados pelos elétrons da camada de 1907 m de ar, de
forma que, para pará-los no cintilador, seria necessária uma camada mais fina de ferro do que aquela
usada em cima da montanha.
2
Fig. 6. Exemplo da leitura feita no osciloscópio.
O pulso da esquerda é o do múon, ao passo que o
da direita é o do elétron, indicando o decaimento
Fig. 5. James Smith manuseia a fotomultiplicadora, a ser colocada
deste múon específico após 2,9 milissegundos
abaixo do cintilador, de formato cilíndrico. Ao fundo veem-se os
tijolos de ferro, embaixo do qual seria colocado o detector. (FRISCH & SMITH, 1963, pp. 344-5).
Qual seria o número esperado de múons detectados a nível do mar? Para fazer esta estimativa,
é preciso levar em conta o quanto os múons desaceleram na atmosfera, e o resultado calculado por
Frisch & Smith corresponde a uma velocidade média de ̅ = 0,992 c. Assim, o tempo de queda,
medido no referencial do laboratório, pode ser calculado, considerando que a velocidade da luz é c =
2,998⋅108 m/s: ∆t = d/̅ = 1907 / (0,992 ⋅ 2,998⋅108) = 6,41⋅10–6 s .
Olhando para o gráfico da Fig. 4, vemos que, após este intervalo de tempo, o número de
múons a ser detectado no cintilador no MIT é em torno de 30 múons. Isso pode ser calculado
usando a expressão = ⋅
/ , para o número N de múons sobreviventes após um tempo t. No
entanto, a contagem experimental de eventos forneceu 408 ± 9 múons, o que deve ser corrigido para o
valor 397. Como explicar esta diferença entre 30 e 397?
A chave é considerar que o tempo médio de decaimento do múon tem o valor de = 2,21⋅10–6 s
apenas no referencial de repouso do múon. De fato, os tempos de decaimento medidos (Fig. 4)
correspondem a múons a velocidades muito baixas, quase em repouso em relação ao laboratório.
Olhando para a Fig. 4, podemos estimar qual o tempo transcorrido que corresponderia a um
número final de 397 múons, ou calcular usando a expressão do decaimento exponencial, obtendo
∆t’ = 0,72⋅10–6 s . Usando agora a expressão para a dilatação do tempo, ∆t = γ⋅∆t’, obtemos para o
valor experimental do fator de Lorentz: γexp = 8,9 ± 0,8.
Vejamos agora como este resultado se compara com o cálculo relativístico para a dilatação
do tempo no referencial do múon (em relação ao laboratório). Ao invés de trabalhar com a
velocidade média do múon, é mais correto trabalhar com a energia média; como esta é proporcional
ao fator de Lorentz γ = 1 / 1 − ⁄ , devemos estimar o valor médio de γ . Para as velocidades
inicial e final, 0,9952 c e 0,989 c, os fatores γ são respectivamente 10,2 e 6,8 , de forma que a
média é 8,4. Assim, o valor teórico a ser comparado com o experimental é γteo = 8,4 ± 2.
Vemos assim que há uma boa concordância entre o experimento e a Teoria da Relatividade
Restrita, que prevê o fenômeno da dilatação do tempo.
3
FLF5044 –Filosofia da Ciência (Filosofia da Física)
“Espaço, Tempo e Relatividade” – Prof. Osvaldo Pessoa Jr. – 2012
Experimentos Relativísticos 2:
Paradoxo dos gêmeos em aviões
Em 1972, o físico Joseph C. Hafele e o
astrônomo Richard E. Keating1 realizaram um teste da
Teoria da Relatividade, colocando relógios atômicos
em aviões a jato que circunavegaram a Terra em
sentidos opostos. Ao final do experimento, os relógios
nos dois aviões (um indo para oeste, outro para leste) e
o relógio que permaneceu em Washington mostraram
diferenças da ordem de centenas de nanossegundos.
Dois efeitos contribuíram para que os relógios
andassem em ritmo diferente.
O primeiro é efeito de dilatação temporal
cinemática da Teoria da Relatividade Restrita,
explorado didaticamente por meio do chamado
“paradoxo dos gêmeos”. Neste experimento mental,
um gêmeo permanece na Terra ao passo que o outro
viaja para uma estrela próxima e retorna depois de,
digamos, 10 anos contados na Terra: neste caso, o
viajante envelheceu apenas 8 anos, ficando dois anos Fig. 1: Hafele, aeromoça e Keating, em um
mais jovem que seu irmão gêmeo! avião comercial, com dois dos relógios
O segundo efeito é a dilatação temporal atômicos utilizados (fonte: Wikipédia).
gravitacional prevista pela Teoria da Relatividade
Geral. Considere dois pontos em repouso na superfície da Terra, um no nível do mar e outro em
uma montanha, a uma altura h, e suponha que a aceleração da gravidade seja representada
aproximadamente pela mesma constante g nos dois pontos. Neste caso, um relógio localizado na
montanha, marcando um intervalo de tempo ∆t’, caminha mais rápido do que no nível do mar, onde
o intervalo de tempo é ∆t, de tal forma que (na aproximação de campos fracos): ∆t’ = (1 + gh/c²) ∆t,
onde c é a velocidade da luz.
Comecemos analisando o efeito de dilatação cinemática da Teoria da Relatividade Restrita,
no caso do experimento de Hafele-Keating. Faremos um cálculo simplificado, diferente do
experimento real, onde os voos foram feitos fora do equador. Na Fig. 2, são desenhados dois jatos
que saem de um ponto no equador, um para oeste e outro para leste, e se reencontram no mesmo
ponto da superfície, após darem a volta na Terra, após aproximadamente 18h30min. Neste tempo, a
Terra girou em torno do seu eixo, de forma que devemos escolher um referencial externo à Terra,
associado ao espaço absoluto newtoniano, ou ao referencial fixado pela matéria do Universo.
Esses quatro referenciais podem ser desdobrados de maneira linear, como na Fig. 3. O avião
que ruma para oeste acaba tendo uma velocidade menor (em relação ao referencial inercial), já que
ele voa contra o sentido de rotação da Terra. Por outro lado, o avião que ruma para leste adquire
uma velocidade maior, e assim esperamos que sua dilatação temporal seja maior, ou seja, ele
marcará um intervalo de tempo numericamente menor entra os eventos de saída e chegada dos
aviões. Se ∆t é o intervalo no referencial parado, o intervalo no referencial em movimento com
velocidade v é dado por ∆t’ = ∆t / γ , onde o fator de Lorentz é γ = 1 / 1 − ⁄ .
1
HAFELE, J.C. & KEATING, R.E. (1972), “Around-the world atomic clocks: predicted relativistic time gains”, Science
177, 166-8. “Around-the world atomic clocks: predicted relativistic time gains”, Science 177, 168-70.
1
Fig. 2: Ilustração de dois aviões Concorde saindo (esq.) de Alcântara, no equador, um para leste (L) e outro para oeste
(O), e retornando (dir.) após a circunavegação em cima do equador. O referencial inercial absoluto é representado
externamente, em coordenadas circulares, marcando a circunferência terrestre de 40 mil quilômetros. Os aviões têm
mesma velocidade de 600 m/s em relação à atmosfera, e retornam juntos a Alcântara, mas como a Terra gira para leste
com velocidade 465 m/s (medida na superfície do equador), o avião que ruma para oeste viaja menos em relação ao
referencial absoluto.
Devemos agora aplicar esta fórmula para os três referenciais em movimento. Como a
velocidade do avião Concorde é vA = 600 m/s, e a velocidade de rotação da Terra no equador é
vT = 465 m/s, temos que a velocidade do avião que ruma para leste é vL = 1065 m/s, e daquele que
ruma para oeste é vO = –135 m/s. A distância percorrida pelos aviões na Terra é igual ao perímetro
do planeta: 40.075 km, o que leva a um intervalo temporal de aproximadamente 66.792 s.
Adotaremos este valor para o tempo ∆t transcorrido no referencial inercial.
Calculemos agora a dilatação temporal em cada um dos referenciais em movimento, usando
∆t’ = ∆t / γ , onde ∆t = 66.792 s, e c = 3⋅108 m/s Os resultados estão na tabela abaixo, onde os
atrasos nos relógios em movimento estão expressos em nanossegundos, ou 10–9 s (um bilionésimo
de segundo).
Resta agora adicionar o efeito da dilatação temporal gravitacional. Supondo uma altura média de
voo do Concorde de h = 15 km, e tomando g = 9,8 m/s²: ∆t’ = (1 + gh/c²) ∆t = (1 + 16⋅10–13) ∆t.
Para ∆t = 66.792 s, isso corresponde a um avanço no relógio de ∆TO(g) = ∆TL(g) = 109 ns (piloto
fica mais velho). Adicionando os efeitos cinemáticos e gravitacionais:
2
Fig. 3: O movimento circular da figura anterior pode ser desdobrado de maneira linear. O desenho foi feito supondo as
velocidades expressas na direita, mas essas velocidades não se aplicam ao experimento dos aviões. (a) Referencial
inercial absoluto, com marcação de um intervalo de tempo ∆t = 30 s entre a posição inicial (à esq.) e a final (à dir.).
(b) O avião que viaja para oeste percorre uma distância menor, em relação ao referencial inercial, e seu relógio atrasa
2,5 s em relação ao referencial fixo. (c) Na superfície da Terra também ocorre dilatação do tempo em relação ao
referencial inercial, registrando neste exemplo um atraso de 6 s. Este intervalo ∆t” é tomado como a referência no
experimento dos aviões. (d) O avião que ruma para leste tem a mesma velocidade em relação à Terra que o primeiro
avião, só que em sentido oposto. No entanto, o atraso da marcação do seu relógio em relação à Terra (∆t’”– ∆t” = –6 s)
tem valor diferente do adiantamento do relógio do outro avião em relação à Terra (∆t’ – ∆t” = +3,5 s). Essa diferença
ocorre porque a dilatação temporal não é proporcional às velocidades, mas ao fator de Lorentz γ.
O experimento foi repetido diversas vezes.2 Em 2010, uma equipe do National Physical
Laboratory, de Londres, fez um voo de circunavegação para oeste, de Londres passando por Los
Angeles, Auckland e Hong Kong. Para uma previsão de 246 ± 3 ns, obtiveram a medição de 230
± 20 ns. A Fig. 4 mostra como a medição de tempo é obtida com os relógios atômicos de césio.
2
Uma descrição desses experimentos encontra-se em http://en.wikipedia.org/wiki/Hafele-Keating_experiment O relato
da versão da NPL está em http://www.npl.co.uk/news/time-flies, de onde foi tirada a Fig. 4.
3
FIGURA DE FOGUETE COM DOIS RELÓGIOS PASSANDO POR ASTEROIDE COM DOIS RELÓGIOS:
(a) Do lado esquerdo, a passagem do foguete, visto do referencial do asteroide (considerado em repouso), à velocidade 0,6⋅c.
Levando em consideração a “contração do comprimento” do foguete, a distância entre os relógios de cada sistema é a mesma, 100
m. Devido à “dilatação do tempo”, um relógio no foguete (por exemplo, II) corre mais lento do que um relógio no asteroide (III).
Isso é evidenciado pela relação ∆tAD(III) = γ⋅∆t’AD(II), entre os relógios II e III, para o intervalo de tempo entre os eventos A e D, onde
o apóstrofe indica o referencial em movimento. Os eventos B e C, de encontro de relógios, são vistos de maneira simultânea.
(b) Do lado direito, a mesma situação vista do referencial do foguete. Os quatro eventos de encontros entre relógios devem
manter as mesmas marcações temporais: tais eventos locais são “objetivos” ou “invariantes”, não se alterando com o referencial
considerado. Os outros tempos marcados podem ser calculados levando-se em conta as proporções das distâncias percorridas à
velocidade constante. Vemos que os dois relógios de cada sistema não se encontram sincronizados (ao contrário do caso anterior),
ou seja, os eventos de passagem do ponteiro pelo 0 não são mais simultâneos. Vemos que a relação ∆tAD(II) = γ⋅∆t’AD(III) mantém-se
válida (onde o relógio II está agora em repouso, e o III em movimento), ou seja, como no caso anterior, o tempo no referencial em
movimento é dilatado (ou seja, marca um valor menor de tempo).
Fig. 1: Interferô-
metro de Michelson.
1
2. Quando Aquiles alcança a tartaruga?
Fig. 2a: Aquiles alcança a tartaruga Fig. 2b: Aquiles retorna até o carrinho
no tempo ∆t1. no tempo ∆t2.
3. Interferômetro em movimento
2
Fig. 3: Interferômetro de Michelson em uma nave com velocidade v em relação à estação.
4. Dilatação do Tempo
Relembremos agora como a dilatação do tempo foi derivada em sala de aula. No referencial
do foguete (Fig. 4a), a luz é emitida no evento A, percorre a distância vertical L2, reflete no espelho
e retorna, sendo detectada como o evento B. Usando a definição de velocidade média como
v = ∆x/∆t, inferimos que o tempo transcorrido entre os eventos A e B é: ∆t’ = 2L2/c.
Passando agora para o
referencial da estação, no asteroide, a
luz percorre uma distância maior com a
mesma velocidade c. Assim, o tempo
medido ∆t, entre os eventos A e B,
deverá ter um valor numérico maior. O
teorema de Pitágoras, aplicado ao
triângulo da Fig. 4b, fornece:
L22 + (½ v ∆t)2 = (½ c ∆t)2 .
Isolando o intervalo de tempo, obtemos:
ࡸ /ࢉ
∆t = = γ∆t’ ,
ටି࢜²
ࢉ²
onde utilizamos a expressão obtida
anteriormente para ∆t’, e a definição do
ଵ
fator de Lorentz, γ = , que é ≥ 1.
ටଵିೡ²
²
3
5. Contração do comprimento
Consideremos agora o braço que leva a E1 (paralelo ao movimento do foguete na Fig. 3). O
evento A (na Fig. 3) corresponde ao início da corrida de Aquiles (na Fig. 2), de forma que a luz
alcançará o espelho E1 após um tempo ∆t1 = L1/(c – v). Na volta, a luz refletida, de maneira análoga
a Aquiles, retornará até o evento B no tempo ∆t2 = L1/(c + v). O tempo total entre os eventos A e B,
no referencial da estação (no asteroide), é a soma:
భ భ
∆t = ∆t1 + ∆t2 = + .
ି௩ ା௩
Mas esse tempo é o mesmo que o obtido para o deslocamento vertical da luz (seção 4), já que o
intervalo temporal AB é marcado pela separação dos dois feixes e pela recombinação deles.
ଶమ
∆t = γ ∆t’ = γ .
Os comprimentos L2, L2’, são o mesmo para ambos os referenciais (pois está na direção
perpendicular ao movimento da nave) e, no referencial em movimento, temos L2’ = L1’ (pois neste
referencial o interferômetro está parado).
Assim, podemos igualar os intervalos de tempo, considerando L = L1 (para simplificar) e
L’ = L1’ = L2:
ଶ′
+ = γ .
ି௩ ା௩
Um breve cálculo resulta na expressão para a contração dos comprimentos:
ଵ
L = L’ .
γ
6. Discussão
∆t) ,
∆x’ = γ (∆x – v∆
࢜
∆t’ = γ (∆t – ࢉ ∆x) .
4
FLF5044 –Filosofia da Ciência (Filosofia da Física)
“Espaço, Tempo e Relatividade” – Prof. Osvaldo Pessoa Jr. – 2012
Não precisamos aceitar a filosofia de Lorentz [da realidade do éter] para aceitar uma pedagogia
lorentziana. Seu mérito especial é levar adiante a lição de que as leis da física, em qualquer
referencial único, dão conta de todos os fenômenos físicos, incluindo as observações de
observadores em movimento.
1
Sobre esta interpretação, ver BROWN, H.R. (2005), Physical relativity, Clarendon, Oxford. No cap. 7, ele examina este
ponto de vista em diferentes autores, como William Swann (1930), Lajos Jánossy (1971) e John Stuart Bell (1976),
mencionando também trechos que se aproximam desta concepção em Einstein, Weyl e Pauli. A citação de Bell é retirada
do livro de Brown, p. 6, que inclui o trecho entre colchetes. O original é BELL, J.S. ([1976] 1987), “How to teach special
relativity”, em seu Speakable and unspeakable in quantum mechanics, Cambridge U. Press, pp. 67-80.