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PARLAMENTO
CADERNOS DA
ESCOLA DO PARLAMENTO
IV - Igualdade de Gênero I
O Curso Igualdade de Gênero foi organizado em parceria com a União de
Mulheres de São Paulo, com crucial colaboração de Marília Kayano Morais, Maria
Amélia de Almeida Teles e Raydália Bittencourt em todo o seu processo de
estruturação. O curso, estruturado em 10 palestras, ocorreu entre os meses de agosto e
setembro de 2012. Apresentou como objetivo geral abordar conceitos, retomar fatos
históricos e discutir políticas públicas relacionadas à temática da igualdade de gênero,
tendo como foco principal a condição da mulher.
Este Caderno conta com oito artigos baseados nesse curso, os quais perpassam
temas como: a luta pelo sufrágio feminino, os direitos das mulheres, a violência contra
as mulheres, Lei Maria da Penha, participação política das mulheres, e políticas públicas
voltadas às mulheres e à igualdade de gênero.
1
A História pelo Direito do Voto Feminino1
Maria Amélia de Almeida Teles - União de Mulheres de São Paulo
Introdução
O movimento sufragista de mulheres, como ficou conhecido, se caracteriza
como feminista, pois se trata de uma luta específica de representantes da população
feminina. As mulheres foram excluídas do direito de votar simplesmente porque eram
mulheres. Elas então passaram a se organizar para protestar e lutar pelos direitos
negados. A luta pelo direito do voto feminino foi um movimento universal que
mobilizou milhões de mulheres, em diversos países tantos no continente europeu como
nos americanos.
O feminismo é um movimento social de defesa dos direitos das mulheres que
tem seu início, no mundo Ocidental, no século XVIII, com a Revolução Francesa
(burguesa) e com a Revolução Industrial. Dada a sua amplitude, o feminismo apresenta
uma complexidade, uma vez que todas as mulheres - independentemente de classe
social, raça/etnia, cor, geração e orientação sexual - são alvo de discriminação histórica,
o que as leva a serem excluídas da cidadania e a sofrerem violência.
O feminismo varia conforme a cultura de cada sociedade e o contexto histórico.
Para efeitos didáticos, usa-se chamar as suas diversas fases históricas de “ondas” ou
etapas. Há diversas classificações. No presente texto, adota-se a que divide a história em
duas etapas (ou “ondas”). A primeira onda se inicia no século XVIII e vai até meados
do século XX: trata-se do movimento sufragista feminista. A segunda onda retoma o
feminismo a partir da segunda metade do século XX e se estende até o século XXI.
Nesta segunda onda, as mulheres lutaram por autonomia social e econômica, direito a
decidir sobre seu próprio corpo e direito à escolha, reivindicaram que o pessoal é
político e exigiram o direito pleno a todos os direitos, inclusive o de viver uma vida sem
violência.
1
Texto baseado na segunda aula do curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do Parlamento e
coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. A aula, ministrada pela autora, ocorreu no dia 08 de
agosto de 2013, nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo.
2
A revolução não mudou o paradigma masculino
2
Teles (1993).
3
Escapa Garrachón e Martínez Ten (2002, p. 66).
3
assistir assembleias políticas e mais do que cinco mulheres nas ruas não poderiam estar
reunidas. Foram criadas leis que definem que o lar deveria ser o destino de atuação das
mulheres e que estas deveriam se submeter aos maridos e aos homens. Um dos
principais líderes teóricos da Revolução Francesa, Rousseau, afirmou que a hierarquia
entre os sexos era natural e necessária para fortalecer a família. Segundo ele, o político
seria aquilo que deriva do pacto social. A desigualdade entre os sexos não teria origem
na sociedade, pelo contrário, seria natural. Rousseau, formulador do princípio da
igualdade, entendeu que este deveria estar restrito ao grupo de homens de uma
determinada comunidade política. Mary Wollstonecraft4 foi uma das mulheres
feministas que o criticou severamente ao chamá-lo de contraditório por defender a
democracia apenas para o grupo masculino.
4
Intelectual que escreveu um dos primeiros livros feministas: “Direitos das Mulheres: injustiça dos
homens”, publicado em 1792. Ela nasceu na Inglaterra em 1759 e morreu no parto de sua filha. Sua filha,
Mary Shelley, é autora do “Frankenstein”. (Vide Showalter, 2002).
5
Teles (1993).
4
somente uma sobrevivente, Charlotte Woodward, que então votou nas eleições
presidenciais daquele ano.
Na Inglaterra, a luta sufragista das mulheres surgiu no ano de 1851, num ato
público no qual as sufragistas reivindicavam o direito de voto. As sufragistas inglesas
tiveram o apoio de um intelectual famoso, John Stuart Mill, que escreveu, em 1869, um
ensaio favorável à luta das mulheres: “A sujeição da mulher”.
As sufragistas inglesas sofreram violência policial, foram encarceradas e
obrigadas a pagarem multas por entrarem nas reuniões políticas dos homens. Em junho
de 1913, uma das sufragistas, num gesto de desespero, se atirou em frente ao cavalo do
rei, vindo a morrer. Tal fato deflagrou uma série de lutas sufragistas de rua naquele país,
as quais foram violentamente reprimidas.
As inglesas só conquistarão o direito de voto em 1918, após a Primeira Guerra
Mundial. No entanto, a idade mínima para que elas pudessem votar era de trinta anos.
Somente em 1928, as inglesas vão conquistar o direito de votar aos vinte e um anos de
idade.
A luta pelo voto feminino na América Latina foi bastante inovadora. Por
exemplo, as chilenas, em 1876, aproveitaram-se de uma lacuna na Constituição de seu
país, que não explicitava de forma precisa a proibição do voto feminino, para, então, se
inscreverem nas listas eleitorais. Apesar das negativas de algumas autoridades, algumas
mulheres conseguiram obter o título de eleitora. Esse movimento é considerado um dos
pioneiros na América Latina no sentido de se conquistar a igualdade de direitos. Mas o
6
Teles (1993).
7
Idem.
5
governo chileno, em 1884, criou nova lei proibindo taxativamente as mulheres de
votarem e de serem votadas.
No México, as mulheres participaram ativamente da revolução social com a
esperança de que lhes fosse outorgado o direito ao voto. Mas só foram obter esse direito
em 1958.
No entanto, na maioria dos países latino-americanos tal era o menosprezo às
mulheres, consideradas seres inferiores, que as Constituições latino-americanas do
século XIX e do início do século XX sequer proibiam o voto feminino, pois o título de
cidadão era somente concedido aos homens.
8
Idem.
6
um nome novo, “O Quinze de Novembro do Sexo Feminino”, que passou a tratar numa
coluna específica a questão do voto e da participação política das mulheres.
Uma das sufragistas, Josefina Alvares de Azevedo, dedicou sua capacidade
profissional literária à mobilização da opinião pública em torno do direito de voto para
as mulheres. Ela foi responsável pela criação do jornal “A Família” na cidade de São
Paulo, que posteriormente foi transferido para o Rio de Janeiro. Em 1890, o Ministro
dos Correios, Benjamin Constant, proibiu o acesso das mulheres às escolas de nível
superior. Josefina protestou contra ele com veemência. Seu jornal era feminista e
propunha que as mulheres tivessem o direito à educação, ao voto e ao divórcio. Josefina
queria que as mulheres pudessem escolher seus maridos e também tivessem “o direito
de intervir nas eleições, de eleger e ser eleitas, como os homens, em condições de
igualdade.” Mas ela não se limitava a travar essa luta apenas pela imprensa. Ela levou
para o teatro a campanha pelo voto feminino, o que ampliou o debate. Encenou, pelo
menos por uma vez, a comédia “O voto feminino”, que se passava no ambiente
doméstico, com um casal que vivia sob a expectativa de que o governo concedesse o
direito de voto para as mulheres. De forma bem-humorada, ela mostrou a dificuldade
dos homens em aceitarem a possibilidade do voto feminino.
Outro veículo que tinha como principal objetivo enfatizar a importância do voto
feminino era a revista “A Mensageira” (1897 a 1900), publicada em São Paulo e
dirigida pela poetisa Prisciliana Duarte de Almeida.
No início do século XX, ocorreram lutas e greves operárias, lideradas por
mulheres, para a redução da jornada de trabalho e pela regulamentação do trabalho
feminino. As operárias reivindicavam a abolição do trabalho noturno para as mulheres e
para as crianças, além de lutarem pela igualdade salarial.
Ao mesmo tempo, uma parcela expressiva de mulheres, pertencentes à classe
média e às classes dominantes, abraçavam uma causa comum a mulheres de diversos
países, que era a luta pelo sufrágio feminino. Em 1910, Deolinda Dalho, professora,
fundou o Partido Feminino Republicano, que defendia o direito de voto e o direito das
mulheres ocuparem cargos públicos. Em 1917, ela promoveu uma passeata de mulheres
no Rio de Janeiro pelo voto feminino.
Em 1920, Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura fundaram no Rio de Janeiro a
Liga para Emancipação Internacional da Mulher, cuja preocupação principal era a luta
pela igualdade política das mulheres. Posteriormente, em 1922, Bertha Lutz criou a
7
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, a qual irá dar um grande impulso à luta
pelo sufrágio feminino. Adicionalmente à conquista pelo voto para as mulheres, a
Federação se propunha a lutar pela educação e pela elevação do nível de instrução
feminina, pela proteção das mães e ad infância e pela obtenção de garantias legislativas
e práticas para o trabalho feminino.
Alguns homens políticos passaram a apoiar a campanha sufragista. No Rio
Grande do Norte, o presidente da Província (cargo equivalente ao governador do estado
atualmente), Juvenal Lamartine, fez aprovar uma lei que permitia o direito feminino.
Em 1927, registraram-se as primeiras eleitoras. E, em abril de 1928, quinze mulheres
votaram naquele estado. Porém, o governo federal não reconheceu esses votos. Somente
em 1932, o direito de voto será uma realidade para as brasileiras, tornando-se direito
constitucional na Constituição de 1934, elaborada com a primeira deputada federal
constituinte, eleita pelo voto popular, Carlota Pereira Queiroz.
O voto feminino não garantiu a implementação de um plano de equidade política
entre mulheres e homens. Ainda, no Brasil, as mulheres estão sub-representadas na
política. Hoje, com os resultados eleitorais de 2012, as mulheres são apenas 9% na
Câmara de Deputados, 10% no Senado e, nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, as
vereadoras são 15% e 10% respectivamente.
No Brasil ainda prevalece uma mentalidade de que política “é coisa de homem”.
Segundo o Relatório da Inter-Parliamentary Union, organização que reúne os
parlamentos de 162 países, o Brasil ocupa, no ranking de 190 países, o 119º posto em
relação à participação das mulheres na política. O Brasil possui partidos políticos
sexistas que não oferecem condições mínimas para a participação das mulheres, embora
hoje tenhamos uma mulher de esquerda, militante na luta de resistência à ditadura, na
Presidência da República, Dilma Roussef.
Referências Bibliográficas
Introdução
No início da década de 1980 o Brasil vivenciou um momento histórico ímpar de
abertura democrática e edificação de um Estado Democrático de Direito. A necessidade
de criação de normas fundamentais, ou seja, de regras basilares capazes não só de
garantir direitos individuais e coletivos, mas também de limitar o arbítrio estatal, estava
na ordem do dia. O fim da ditadura militar, que durou 20 anos, descortinava a
possibilidade de participação política popular e possibilitava mudanças, não sem lutas,
na forma de representação e estruturação política. Os movimentos sociais (mais ou
menos articulados) – em especial o movimento sindical, feminista, indígena, por
moradia, por saúde e campesino – foram fundamentais para assegurar a presença
popular no processo de democratização, garantindo que as regras não fossem pautadas
de cima para baixo. O exercício da cidadania, como reflexo do respeito pleno aos
direitos individuais, em especial os civis e políticos, é condição sine qua non para a
existência de uma sociedade democrática. Sendo assim, a reivindicação dos movimentos
sociais para a participação nos trabalhos constituintes reflete a ânsia dos grupos em
tecer a democracia que se construía, garantindo que seus interesses fossem atendidos no
novo texto.
Assim, a participação de movimentos sociais no processo de construção da
Constituição Federal de 1988 (CF) foi fundamental para a garantia da
constitucionalização de bandeiras sociais. Em especial, a presença do movimento de
mulheres e sua articulação com a bancada feminina da Constituinte merece destaque. O
presente artigo abordará brevemente o contexto histórico da elaboração da CF, a
composição e a organização da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), focando,
especificamente, na função da bancada feminina e do movimento de mulheres para
assegurar que suas demandas fossem constitucionalizadas. Por fim, serão analisadas as
1
Texto baseado na terceira aula do curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do Parlamento e
coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. A aula, ministrada pela autora, ocorreu no dia 13 de
agosto de 2013, nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo.
2
principais conquistas de direitos das mulheres nesse momento e os seus reflexos para a
efetivação desses mesmos direitos hoje.
O cenário da Constituinte
No ano de 1978, em plena ditadura militar brasileira, surgiu, e começou a dar
seus primeiros passos na sociedade civil, o movimento pela convocação de uma
Assembleia Nacional Constituinte “livre e soberana”2. Tal movimento se fortaleceu no
início da década de 1980, desembocando na campanha das Diretas Já. Após o pleito
presidencial de 1985, que elegeu, por vias indiretas, Tancredo Neves para presidente do
Brasil (substituído por seu vice, José Sarney, dada sua morte precoce), foi editada a
Emenda Constitucional nº 26 de 27 de novembro de 1985, que convocava uma
Assembleia Nacional Constituinte (ANC)3 com o objetivo de criar o novo texto
constitucional do país (BARROSO, 2006, pp. 3-8)4. De acordo com José Afonso da
Silva “a Nova República só teria legitimidade e durabilidade se se fundamentasse numa
constituição democrática, ou seja, que emanasse de uma Assembleia Constituinte
representativa da soberania popular” (SILVA, 2002, p. 108).
Ora, se a Constituição Federal é a lei fundante que serve como parâmetro para
todas as leis vigentes no país, se é ela que regulamenta a estrutura político-estatal, bem
como dita os direitos e deveres mais fundamentais dos indivíduos brasileiros e
residentes no país, se prevê mecanismos de exercício de direitos sociais e limita o
arbítrio estatal, nada mais coerente que, em uma democracia, ela “emane do povo”.
Evidente que há uma conotação metafórica que pressupõe que todos tenham sua
vontade representada através daqueles escolhidos para tal – daí o jargão “emana do
povo”.
No entanto, uma demanda do “povo” não foi atendida neste momento peculiar –
apesar da intensa mobilização do movimento social para que a ANC fosse composta por
membros eleitos única e exclusivamente para tal função, formando uma “constituinte
exclusiva” que se dissolveria ao final do processo, venceu a proposta de que os
2
Outras tentativas anteriores de instauração de assembleias haviam surgido, mas, com o fim do
bipartidarismo em 1979 e uma lenta e gradual abertura política, o cenário foi mais propenso ao sucesso da
iniciativa.
3
A constituinte é a assembleia que tem autoridade para impor uma Constituição. A palavra pode também
indicar o membro que compõe uma assembleia constituinte (SILVA, 2001, p. 209).
4
Em manifesto denominado “Compromisso à Nação”, a Aliança Democrática, coligação de base de
Tancredo, explicitava o compromisso de, se eleita, convocar uma assembleia livre e soberana.
3
5
Nesse momento foi intensa a participação popular. Lucas Coelho Brandão, em sua dissertação de
mestrado, cita o Movimento Nacional pela Constituinte, do Rio de Janeiro, e o Plenário de São Paulo Pró-
Participação na Constituinte, como exemplos potentes de grupos pela formação da constituinte exclusiva.
Ver mais em (BRANDÃO, 2011, pp. 56-57).
6
Os principais grupos contrários à ANC eram ligados ao governo militar, representado por empresários,
banqueiros, latifundiários e militares.
7
São elas: Maria Abigail Freitas Feitosa – PSB/BA; Anna Maria Martins Scorzelli Rattes – PSDB/RJ;
Benedita Souza da Silva – PT/RJ; Elizabete Azize – PSDB/AM; Elizabete Mendes de Oliveira-
PMDB/SP; Maria Cristina de Lima Tavares Correia – PDT/RJ; Dirce Maria do Valle Quadros –
PSDB/SP; Eunice Michiles – PFL/AM; Irma Rossetto Passoni – PT/SP; Lídice da Mata e Souza –
PCdoB/BA; Antônia Lúcia Navarro Braga – PFL/PB; Lúcia Vânia Abrão Costa – PMDB/GO; Márcia
Kubitschek – PMDB/DF; Maria de Lourdes Abadia – PSDB/DF; Maria Lúcia Mello de Araújo –
PMDB/AC; Maria Marluce Moreira Pinto – PTB/RR; Moema Correia São Thiago – PSDB/CE; Myriam
Nogueira Portella Nunes – PSDB/PI; Raquel Cândido e Silva – PDT/RO; Raquel Capiberibe da Silva-
PSB/AP; Rita de Cássia Paste Camata – PMDB/ES; Rita Isabel Gomes Furtado – PFL/RO; Rose de
Freitas – PSDB/ES; Sadie Rodrigues Hauache – PFL/AM; Sandra Martins Cavalcanti – PFL/RJ; Wilma
Maria de Faria Maia – PDT/RN. Para saber mais sobre as parlamentares vide Saw (2010).
4
8
Brandão ressalta que, ao todo, 288 entidades apresentaram um total de 112 emendas populares,
totalizando 12.277.423 assinaturas (BRANDÃO, 2011, p. 79).
9
Dentre estas, vale mencionar a audiência realizada em 23/04/1987, cujo tema era “Cidadania Feminina e
Estado” que denunciou a “discriminação social e política feminina ao longo da história, e relatou a
criação do Conselho Nacional da Condição Feminina, com o objetivo de lutar contra todas as formas de
discriminação contra a mulher na sociedade brasileira”; bem como a audiência ocorrida em 28/04/1987
denominada “igualdade entre o homem e a mulher” (BARROS, 2009, p. 95 e 101-102).
5
10
Lei 7353/85.
11
Informação disponível em: http://www.spm.gov.br/conselho, acesso em: 20/09/2013.
12
De acordo a ex-presidenta do Conselho, Jacqueline Pitanguy, à época da Constituinte: “o CNDM
visitou a todas as capitais onde, em parceria com os movimentos locais, conclamava as mulheres a
apresentarem propostas para a nova Constituição, participando deste momento crucial da vida política do
país”. Dessas visitas nasceu o conteúdo da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes. Disponível
em: http://www.cepia.org.br/images/nov089.pdf, acesso em 20/09/13.
13
De acordo com Jaqueline Pitanguy, entre 1986 até 1988, foram enviadas mais de 112 emendas
substitutivas, ou aditivas, para o Congresso Nacional.
14
Fundadora da União de Mulheres de São Paulo – em aula no curso Maria Maria em 13/05/2013.
6
assembleia constituinte simbólica para simular o que seria a ANC, de onde saiu um
documento contendo o que as mulheres queriam, sendo inclusive proposto um capítulo
específico sobre direitos das mulheres que deveria compor a Constituição. Já as
parlamentares, por sua vez, oriundas de partidos distintos, com posicionamentos
políticos muitas vezes conflitantes, se uniram para garantir que as pautas femininas
fossem atendidas. Os relatos das parlamentares que participaram da constituinte
evidenciam que não foi uma missão simples – enfrentaram preconceitos e posições
machistas, como no dia em que se depararam com uma urna disposta para a votação da
“mais bela da constituinte”15.
Alguns temas eram consenso entre as mulheres, como a licença maternidade, o
direito à creche e a igualdade da mulher na família. Já outros, como o aborto, geravam
dissenso e, portanto, não tiveram a mesma força coletiva no debate. As principais
garantias conquistadas foram: a menção expressa à igualdade formal entre homens e
mulheres16, a ampliação da licença maternidade de três para quatro meses17, proteção do
mercado de trabalho para mulheres18, o direito de propriedade de terra para mulheres da
zona rural19, licença paternidade20 (uma bandeira feminina!), igualdade de direitos civis
e do status do homem e da mulher no casamento21 e o direito à creche22.
Vale ressaltar que as conquistas femininas na CF de 1988 geraram reflexos
importantes na legislação infraconstitucional que a sucedeu. Dentre as principais, vale
mencionar a lei 9.029/95 que proíbe que empregadores exijam de funcionárias ou de
candidatas a vagas de emprego atestados de esterilidade ou de gravidez; a lei 9.504/97
que determina que todos os partidos políticos deverão preencher suas vagas para
candidaturas à proporção de ao menos 30% e 70% para cada sexo, bem como a lei
11.340/06, conhecida como Maria da Penha, que cria mecanismos de proteção
específicos para mulheres vítimas de violência doméstica.
15
Para visualizar os depoimentos ver: Anna Maria Rattes (PMDB-RJ): A Conquista dos direitos das
mulheres – disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DIARIO-DA-
CONSTITUINTE/182768-ANNA-MARIA-RATTES-%28PMDB-RJ%29:--A-CONQUISTA-DOS-
DIREITOS-DA-MULHERES.html acesso em 20/09/2013; e Diário da Constituinte - edições especiais
sobre as mulheres – disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/constituintes/a-constituinte-e-as-
mulheres acesso em 20/09/2013.
16
Art 5º CF, Caput e I.
17
Art. 7º CF, XVIII.
18
Art. 7º CF, XX.
19
Art. 183 CF, § 1º; e Art. 189 CF, parágrafo único.
20
Art. 7º CF, XIX.
21
Art. 206 CF, § 5º.
22
Art. 7º CF, XXV e Art. 208 CF.
7
Conclusão
As conquistas legislativas femininas a partir de 1988 são louváveis,
possibilitando a instrumentalização da lei para a transformação da realidade social de
discriminação e desigualdade vivenciada ainda hoje pelas mulheres brasileiras. Porém,
apesar da igualdade formal entre homens e mulheres, ou seja, daquela prevista em lei, a
igualdade material ainda não foi alcançada. Por exemplo, a pesquisa de 2012 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), denominada Mulher no mercado
de trabalho: perguntas e respostas, evidencia que o rendimento das mulheres continua
inferior ao dos homens, sendo que em 2011, elas recebiam, em média, 72,3% do salário
masculino23. Já relatório de 2010 do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero,
denominado Mulheres, Poder e Decisão, explicita que as mulheres, que são mais da
metade da população e do eleitorado, ocupam menos de 20% dos cargos de maior nível
hierárquico no Parlamento, nos governos municipais e estaduais, nas secretarias do
Poder Executivo, no Judiciário, nos sindicatos e nas reitorias24. Por fim, vale destacar
que os índices de violência doméstica no país são epidêmicos, sendo o Brasil o 7ª país
onde mais ocorre feminicídios, de acordo com ranking feito pela Organização Mundial
de Saúde (OMS)25.
Assim, apesar das conquistas legais, em especial aquelas conseguidas a duras
penas na ANC, ainda há um grande caminho a ser percorrido pelas mulheres para que
de fato a igualdade conquistada em lei seja real no cotidiano feminino. Estamos em
contínua construção!
Referências Bibliográficas
BACKES, Ana Luiza; AZEVEDO, Débora Bithiah de; ARAÚJO, José Cordeiro de.
Introdução. In: Audiências Públicas na Assembleia Constituinte – a sociedade na
tribuna. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009, pp. 15-19.
BARROS, Eliane Cruxên. Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais. In:
Audiências Públicas na Assembleia Constituinte – a sociedade na tribuna. Brasília:
Câmara dos Deputados, 2009, pp. 93-114.
23
Ver IBGE, 2012.
24
Ver BRASIL, 2010.
25
Ver Mapa da Violência 2012 (WAISELFISZ, 2013).
8
Introdução
O diferencial propositivo desses dois instrumentos legais supracitados aponta o
percurso no enfrentamento à violência contra as mulheres nas últimas décadas no Brasil.
Se a inclusão do artigo 226 da Constituição foi considerada uma importante conquista
das mulheres no processo constituinte2, o texto final da Carta Magna permanece
ocultando sob a expressão “família” o fato de que são mulheres, em todas as faixas
etárias, as principais vítimas da violência doméstica. O reconhecimento formal de que
essa violência é marcada pelas desigualdades de gênero, só ocorreria anos depois, com a
incorporação pela Lei Maria da Penha da definição de violência prevista na Convenção
de Belém do Pará. 3
Para além da questão conceitual, o período que separa estas duas legislações
evidenciou a incapacidade do Estado brasileiro em reconhecer e coibir a violência
sofrida pelas mulheres no espaço doméstico. Esta intervenção, considerada negligente e
omissa frente às vítimas, culmina na condenação pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos da OEA em 2001, no Caso Maria da Penha Fernandes.
1
Texto baseado na quinta aula do curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do Parlamento e
coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. A aula, ministrada pela autora, ocorreu no dia 20 de
agosto de 2013, nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo.
2
Em 1985, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher lança a Campanha Nacional –“Mulher e
Constituinte”, que ouviu mulheres de todo o Brasil e culminou com a apresentação em 1987 da “Carta das
Mulheres Brasileira aos Constituintes”, contendo reivindicações em diversas áreas.
3
“Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta
baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na
esfera pública como na esfera privada” – “Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a Mulher”, 1994.
2
4
Cabe lembrar que esse era um momento onde ainda se assistia à absolvição dos assassinos de mulheres,
sob o argumento da “legítima defesa da honra”. No livro Quando a vítima é a mulher, de 1987, as autoras
Daniellle Ardaillon e Guita Grin Debert analisam o tratamento preconceituoso dado às vítimas nos
julgamentos de crimes de violência contra as mulheres.
3
A ação dos agentes públicos revelava, por um lado, o despreparo no trato com o
problema, mas também o papel do Estado como mantenedor do status quo: a
“privatização” da violência doméstica, a reiteração do lugar da mulher na família
patriarcal e a minimização da violência intrafamiliar. Estas atuações ocorriam cercadas
de legitimidade, já que promovidas pelas instituições que deveriam oferecer proteção
e/ou atendimento especializado, como aponta SOARES (2002, p. 43):
5
Um exemplo foi a parceria do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher com o Ministério da Justiça,
na dotação de recursos voltados à construção e reforma de Casas-Abrigo a partir de 1997, bem como a
capacitação das Delegacias da Mulher.
4
Referências Bibliográficas
ARDAILLON, Daniellle e DEBERT, Guita Grin. Quando a vítima é a mulher.
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 1987.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado
Federal. Disponível em:
http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1366/constituicao_federal_35ed.
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BRASIL. Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm - acessado
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BRASIL. SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES. Plano
Nacional de políticas para as mulheres. Brasília, 2004. Disponível em:
6
http://spm.gov.br/pnpm/plano-nacional-politicas-mulheres.pdf - acessado em 07 de
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Maria da Penha – Breve histórico. Disponível em:
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DA SILVEIRA, Lenira Politano. Serviços de atendimento a mulheres vítimas de
violência. Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra as mulheres no
Brasil (1980-2005), 2006.
SAGOT, M. Ruta crítica de las mujeres afectadas por la violencia intrafamiliar en
América Latina: estudios de caso de diez países. Washington: PAHO, 2000. Disponível
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setembro de 2013.
SOARES, Bárbara Musumeci. A Antropologia no Executivo: limites e perspectivas.
Gênero e Cidadania. Campinas: Pagu/Núcleo de Estudos de Gênero–Unicamp, p. 31-45,
2002.
1
Introdução
A luta pelos Direitos Humanos das mulheres é constituída historicamente por
processos incessantes na consolidação de espaços, igualdade de direitos e de
oportunidades.
Segundo Marilena Chauí, a conceituação de violência não se restringe à
ocorrência de um evento em si, mas depende da interpretação da sociedade num
determinado momento histórico. Ou seja, uma conduta só será considerada violenta,
quando o juízo de valor feito pelas normas legais e sociais vigentes numa sociedade a
reprovar.
A concepção contemporânea dos Direitos Humanos surgiu no pós-guerra, como
uma reação à barbárie vivida na Segunda Guerra Mundial, e influenciou a Humanização
do Direito Internacional Contemporâneo.
Em 1979, por pressão de movimentos feministas, o Comitê da ONU sobre a
Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW)
realçou que “a violência doméstica é uma das mais insidiosas formas de violência
contra a mulher e prevalece em todas as sociedades, e inclui o espancamento, o estupro
e abuso sexual, e violência psicológica”. Este foi o primeiro instrumento internacional
de direitos humanos especificamente voltado para a proteção das mulheres, e se
constituiu num marco histórico internacional.
A partir dos anos 80, os estudos sobre gênero e as relações de subordinação das
mulheres colaboraram para a compreensão do fenômeno da violência contra as
mulheres e passaram a refletir as mudanças no cenário jurídico-político nacional e
internacional e, no Brasil, novas leis passaram a formalizar os direitos das mulheres, a
partir da Constituição de 1988. A Constituição, em seu artigo 5º, consagrou a igualdade
1
Texto baseado na sexta aula do curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do Parlamento e
coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. A aula, ministrada pela autora, ocorreu no dia 22 de
agosto de 2013, nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo.
2
Considerações e atualizações
Ao completar sete anos da promulgação da lei Maria da Penha, além de
comemorar todos os avanços da mudança de paradigma proposto, é necessário refletir
sobre as dificuldades enfrentadas ainda hoje para sua completa implementação, sendo
que há muitos e importantes desafios a enfrentar. Dentre eles, a articulação dos serviços
da Rede de Atendimento, a necessária capacitação continuada dos operadores de direito
e da segurança pública, onde a cultura patriarcal e a reprodução da assimetria de gênero
ainda acontecem. O percurso da mulher em sua busca de justiça e proteção, e validação
de direitos já conquistados na forma da lei, ainda se revelam numa rota crítica de
incertezas e, às vezes, de re-vitimização e falta de confiança nas políticas públicas.
Em 17 julho de 2013, a Secretaria de Políticas para as Mulheres coordenou a
formalização da implementação do Programa Mulher, Viver sem Violência, visando à
integração dos serviços públicos de segurança, justiça, saúde e atendimento psicossocial
e orientação para o trabalho, emprego e renda, com o objetivo de fortalecer a ação de
tolerância zero a violência contra as mulheres.
Embora no Brasil a violência doméstica seja um fenômeno que atinja a vida de
milhões de mulheres, ainda existem poucas estatísticas oficiais e consistentes que
apontem para a magnitude desse fenômeno. Dentre as pesquisas mais recentes, algumas
nos permitem vislumbrar o quanto esse tipo de violência ainda está presente em nosso
cotidiano.
Segundo pesquisa do Data Senado de 2013, 99% das brasileiras conhecem a Lei
Maria da Penha, e 66% se sentem mais protegidas por ela. Em um ranking de 84 países,
o Brasil é o sétimo no registro do assassinato de suas mulheres. Na América do Sul, só
perde para a Colômbia e, na Europa, para a Rússia.
Segundo o estudo do sociólogo Júlio Jacobo Weisenfilz (Mapa da Violência
2012), altos índices de feminicídio frequentemente são acompanhados de elevados
níveis de tolerância da violência contra as mulheres e, em alguns casos, são resultado
dessa tolerância.
Com a análise dessas recentes pesquisas, ficou claro que as taxas de impunidade
não foram alteradas significativamente, e que não é a criminalização o principal desejo
das vítimas, mas sim sua segurança e possibilidade de retomar sua vida sem medo e
com tranquilidade.
5
Nesse sentido, a Lei Maria da Penha criou um estatuto jurídico com base nos
direitos fundamentais previstos na Constituição, incluindo a necessária tutela penal da
violência de gênero, condição para o adequado desenvolvimento da dignidade humana.
Com ação propositiva no sentido de implementar fortemente a Lei Maria da
Penha, foi instituída em 2012 uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista) da Violência
contra a Mulher. A finalidade dessa CPMI era de investigar a situação da violência
contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público
com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em
situação de violência.
Essa comissão trabalhou cerca de 16 meses no Brasil todo e elaborou um
relatório de aproximadamente 1.000 páginas com propostas de mudanças na legislação e
de recomendações ao Judiciário, ao Executivo, ao Ministério Público, aos Estados e aos
Municípios.
Dentre as conclusões alcançadas, o Ministério Público de São Paulo levantou as
principais dificuldades no enfrentamento à violência doméstica, que são: i) a
subnotificação; ii) o atendimento inapropriado nos serviços públicos, mal instruídos nas
questões de gênero; iii) retratação das vítimas durante o inquérito ou ação penal; iv)
medo do agressor levando à reiteração; v) preconceitos e reforço da assimetria de
gênero por parte dos operadores do Direito e agentes públicos que naturalizam a
violência praticada e sofrida.
Para solucionar essas questões, a CPMI propôs ajustes na lei. O primeiro deles
estabelece que o juiz deve se manifestar sobre as medidas protetivas mesmo depois da
sentença condenatória, pois, em alguns casos, é importante manter a medida
independentemente da condenação. Outra mudança é a determinação de que juiz e o
Ministério Público sejam comunicados em até 24 horas sobre encaminhamento da
mulher vítima de violência às casas de abrigo para que possam decidir de imediato
sobre a necessidade ou não de medidas protetivas contra o agressor.
Em quatro de julho de 2013, o relatório entregue pela Senadora Ana Rita tem
como principais sugestões para fortalecer a implementação da Lei Maria da Penha e
enfrentamento à violência doméstica alguns Projetos e Recomendações. Dentre eles,
7
Referências Bibliográficas
BRASIL. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO. Relatório Final.
Relatora: Senadora Ana Rita Brasília, Junho, 2013.
BRASIL. SECRETARIA ESPECIAL DE POLITICAS PARA MULHERES. II Plano
Nacional de Políticas para Mulheres, Brasília, DF, 2008.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil. In Mapa
da Violência no Brasil. Flacso/Cebela, 2012.
1
Mulheres na Política1
Jacira Vieira de Melo - Diretora Executiva do Instituto Patrícia Galvão
1
Texto baseado na sétima aula do curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do Parlamento e
coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. A aula, ministrada pela autora, ocorreu no dia 27 de
agosto de 2013, nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo.
2
2
Para mais informações, vide notícia “Participação da mulher na política brasileira cresce de forma
lenta”, maio/13.
3
Vide “O poder do voto feminino”, Fátima Pacheco Jordão, jun/10.
3
4
Para mais detalhes vide entrevista de Marcia Cavallari, “Mulheres na Política”, ago/10.
4
QUADRO 1:
5
Pesquisa “Mais mulheres na política”, IBOPE/Instituto Patrícia Galvão, 2013.
5
QUADRO 2:
6
Falta compromisso político dos partidos com uma maior representação das
mulheres
A Lei de Cotas criada há 18 anos ainda não mostrou todo o seu potencial porque
falta comprometimento dos partidos. Preencher a lista de candidatas deveria ser um
desafio de construção de líderes mulheres para os partidos. Mas, como não há interesse
em estimular a participação feminina, a maioria dos partidos acaba incluindo
candidaturas de fachada para atender à lei eleitoral - as chamadas candidaturas de
mulheres “laranjas”.
Para reverter esse quadro de exclusão das mulheres nos espaços de
representação, os debates sobre reforma política precisam incluir propostas de
mudanças substantivas para as agremiações partidárias. A maior participação das
mulheres na política e, em consequência, o maior índice de sucesso eleitoral, dependem
também de um profundo processo de democratização dos partidos. A perspectiva de
paridade e de diversidade de gênero faz parte de documentos e narrativas discursivas da
maioria dos partidos, mas não está refletida nos espaços de poder e decisão das
agremiações que, por exemplo, mantêm suas executivas como espaços quase exclusivos
de poder masculino.
Conforme demonstra o quadro 3, a pesquisa citada do Ibope e do Instituto
Patrícia Galvão também revela a crítica da população aos partidos e a expectativa de
que sejam penalizados por não contribuírem para a construção da paridade entre homens
e mulheres na política.
QUADRO 3:
7
Referências Bibliográficas
AGÊNCIA SENADO. “Participação da mulher na política brasileira cresce de forma
lenta”, notícia de maio/13. Disponível em:
http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article
&id=4821:21052013-participacao-da-mulher-na-politica-brasileira-cresce-de-forma-
lenta&catid=42:noticias.
CAVALLARI, Marcia. “Mulheres na Política”, entrevista de ago/10. Disponível em:
http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article
&id=653:mulheres-sao-mais-criticas-na-hora-de-votar-diz-diretora-do-
ibope&catid=66:videos.
8
Introdução
A igualdade é uma meta política central dos regimes democráticos. O Estado
contemporâneo se propõe a assumir que a desigualdade de fato das mulheres frente à
igualdade ante a Lei tem raízes profundas nas diversas sociedades e repercute
fortemente no plano do Estado. Não basta incorporar as mulheres no espaço público
para conseguir a equidade entre mulheres e homens. Viu-se, a partir de meados dos anos
1970, que, para corrigir essa desigualdade, era necessária a participação dos poderes
públicos que deviam se tornar responsáveis por alcançar não só a igualdade legal, mas a
igualdade real. Para isso, exigiu-se que a desigualdade deveria ser combatida pelo
próprio Estado com políticas adequadas a esse fim. Na medida em que essa demanda
adquiriu legitimidade, em muitos países, inclusive no Brasil, se iniciou a implementação
de políticas públicas para corrigir a desigualdade e a discriminação visando a
construção da igualdade.
A socióloga espanhola Judith Astelarra publicou, em 2005, um livro intitulado
“Vinte anos de Políticas de Igualdade”, no qual realizou um balanço de políticas de
igualdade na Espanha e de cuja análise crítica das estratégias utilizadas podemos nos
beneficiar:
1
Texto baseado na oitava aula do curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do Parlamento e
coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. A aula, ministrada pela autora, ocorreu no dia 29 de
agosto de 2013, nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo.
2
2
Tradução livre da autora.
3
Revolução Francesa.
Com a chegada do Estado do Bem Estar, na Europa e EUA, pós-Segunda Guerra
Mundial, se introduzem um conjunto de medidas que, em princípio, mudam a relação
entre o público e o privado. Os direitos sociais que são a base do Estado do Bem Estar
Social se destinam basicamente às famílias, e não aos indivíduos, como ocorre com a
primeira geração dos direitos de cidadania. Esses direitos sociais se vinculam às pessoas
que tem um posto no mercado de trabalho, fazendo-as responsáveis pelos membros da
família, centrando, no entanto, na figura do homem provedor. Como o restante das
políticas, esse pressuposto gerou medidas que afetou as mulheres, reforçando a
discriminação em que se encontravam, pois acentuaram seu papel na família, ao não
eliminar os obstáculos que no âmbito público e privado as impedia de participar em
igualdade de condições.
Antes que o feminismo disseminasse a consigna de que o “privado é poĺítico”,
uma das marcas da segunda onda do feminismo, que emergiu nos anos 1960, a filósofa
francesa Simone de Beauvoir elaborou as bases dos seus desafios teórico-políticos na
obra clássica O Segundo Sexo, editada em 1949. Os primeiros requisitos, segundo
Beauvoir, para a emancipação das mulheres são a independência econômica e a luta
coletiva. E nesse sentido, o fundamental é a educação para autonomia, ou seja,
educarem-se para a autonomia. A noção de autonomia, na filosofia, advém de sua
origem etimológica grega; significa dar a si mesma a norma ou a regra. Ou seja, a
capacidade de nomeação de seu próprio horizonte de vida.
O marco conceitual da igualdade e da autonomia redefine a noção de cidadania e
a transforma em exercício permamente dos sujeitos em busca de sua expansão, não a
tomando como algo dado de uma vez por todas, mas como um processo que exige
transformações em todas as esferas da vida, questionado a dicotomia público-privado,
tendo o projeto político da igualdade no horizonte.
O sujeito mulher3, elaborado na perspectiva teórico-política do feminismo, ao
desconstruir a ideia clássica de cidadania, ou melhor, ao mostrar que a cidadania se
assentou sobre a exclusão das mulheres, exigiu respostas históricas e apresentou
dilemas teóricos simultâneos.
A noção de sujeito mulher remete, então, à ideia fundamental de que as mulheres
passaram a ser sujeito de direitos, a partir de um processo histórico em que aparecem
3
Ver, principalmente, o histórico desenvolvido por Ergas (1995).
4
“[a] homologia entre um tal lugar e uma tal relação social: a relação
entre os sexos não se esgota na relação conjugal, mas é ativa no lugar
de trabalho, enquanto a relação de classes não se esgota no lugar de
trabalho, mas é ativa, por exemplo, na relação com o corpo, ou na
relação com as crianças” (Kergoat, 1996, p.23).
4
O artigo “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, publicado na American Historical Review
(91/5), de dezembro de 1986, foi traduzido no Brasil em 1989 e passou a circular em revista acadêmica
no final de 1990.
6
Vale lembrar que nem toda agenda pública é assumida pelos governos. A
incorporação ou não da agenda depende também de compromissos dos governos eleitos,
ou seja, da vontade política de implementar políticas permanentes para as mulheres, das
possibilidades das dirigentes de organismos de políticas para mulheres serem insistentes
em alterar a lógica de fragmentação de políticas da máquina estatal e da disputa política
7
de reconhecimento.
Para Fraser, nesse contexto, os projetos de redistribuição igualitária dos países
do Sul tiveram pouco alcance. Políticas liberais, tais como as políticas de
empoderamento, sem relação com políticas para a autonomia econômica das mulheres,
podem ser vistas como exemplo de práticas e discursos de políticas de gênero, inclusive
no Brasil, que não ultrapassam via de regra a retórica liberal. Essas questões centrais
precisam ser levadas em conta para pensar a construção de alternativas de políticas
públicas para mulheres.
Virgínia Guzmán (2001; 2003) analisando as “instâncias de gênero no Estado”
na América Latina destaca um componente essencial do contexto:
Outro debate central para o sucesso das políticas para a igualdade de gênero: a
noção de transversalidade de gênero nas políticas públicas tem sido objeto de debate e
sua defesa resultou em diretriz para os Estados a partir da Conferência Mundial para
Mulheres da ONU, em 1995, que ficou conhecida como “gender mainstreaming”. Em
que pese a legitimidade dessa elaboração para a implementação de políticas em todas as
áreas de governo, e não apenas como políticas confinadas a uma área específica nas
estruturas governamentais, a pouca efetividade de políticas nessa direção tem sido um
dilema a ser enfrentado (Ferreira, 2000) pelas gestoras no Estado.
Bandeira e Bittencourt (2005) analisaram os desafios concretos à
transversalidade na medida em que mostraram que as políticas não alcançaram reduzir a
pobreza das mulheres, sobretudo na América Latina e Brasil, evidenciando que a noção
de transversalidade de políticas públicas de gênero, que implicariam a intersetorialidade
10
das políticas, inclusive deveriam adentrar nos espaços relativos às políticas econômicas
e de mercado de trabalho. Por isso, a transversalidade deveria levar em conta também a
necessidade de alcançar um impacto redistributivo, o que permanece, no entanto, um
desafio crucial.
A proposta de construção de políticas públicas de gênero se baliza na
perspectiva de construção da autonomia econômica das mulheres e em uma relação com
políticas públicas que contextualizem o plano local no horizonte de alternativas que
desconstruam os tradicionais padrões excludentes e de divisão sexual do trabalho
tradicionais, e apontem na direção de políticas que tomem as mulheres como sujeitos
das políticas e que objetivem lançar raízes permanentes para a implantação de políticas
sustentáveis a partir do diálogo com espaços autônomos de articulação das mulheres.
A produção de diretrizes de alternativas de políticas para mulheres deverão, no
mínimo, refletir sobre um campo de possibilidades de sobrevivência e de
reposicionamento do trabalho das mulheres e que leve em conta o ponto de vista do
avanço para uma cidadania menos fragilizada e mais crítica das mulheres. Os estudos
propostos devem preocupar-se em levantar experiências realmente existentes que sejam
exemplares para contextos locais e que possibilitem uma abertura para sua disseminação
segundo os parâmetros avaliados como prioritários e segundo a temática.
Nesse sentido, mostra-se interessante também consultar os critérios de bancos de
experiências de políticas públicas de gênero de governos locais. Para tanto, o banco de
projetos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) na área de Gestão Pública e Cidadania
propõe-se a classificar experiências consideradas inovadoras e abertas à disseminação,
sobretudo em relação a governos subnacionais com os seguintes critérios:
Referências Bibliográficas
ASTELARRA, Judith. “Vinte anos de Políticas de Igualdade”. 2005.
BANDEIRA, Lourdes e BITTECOURT, Fernanda. “Desafios da transversalidade de
gênero nas políticas públicas brasileiras” em Muniz, D. E Swain, Tania N (orgs).
Mulheres em Ação. Florianópolis: Ed,. Mulheres; Belo Horizonte: PUC Minas, 2005.
CASTRO, Mary e Lavinas, Lena. “Do feminino ao gênero: A construção de um objeto”.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, (1949) Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 1969.
ERGAS, Y. “O sujeito mulher. O feminismo dos anos 1960-1980”. THÉBAUD, F.
(org.) História das Mulheres: o século XX. Vol.5. Porto: Afrontamento. 1995.
FARAH, Marta F. S. Gênero e Políticas Públicas. Estudos Feministas, 12, jan-abril/04,
Florianópolis: UFSC, 2004.
FERREIRA, Virgínia. A globalização das Políticas de igualdade entre os sexos.
12
Introdução
O conceito de gênero, com o sentido político de reconhecer e buscar ações
concretas para corrigir e erradicar as relações desiguais de poder entre os sexos, emerge
a partir do princípio de que há uma distinção entre a dimensão biológica (natural), que
se refere ao sexo, e a construção social do que é ser mulher ou ser homem. Mulheres e
homens são fruto da realidade social e política. Não é a natureza humana que determina
as desigualdades existentes entre os sexos, como salários menores, sub-representação
política ou a violência cotidiana contra as mulheres.
A categoria social de gênero na sua acepção antropológica rompe com a
naturalização das desigualdades e repudia o determinismo biológico que mascara e
justifica a discriminação social, econômica e política contra as mulheres. As relações
sociais e as representações de gênero variam conforme o sistema político-social dos
povos, mas também, dentro de uma mesma sociedade, variam de acordo com a classe
social, cor/raça/etnia, a faixa etária e a orientação sexual. O uso do conceito de gênero
torna possível perceber e compreender o significado político-social das relações sociais
entre mulheres e homens, entre mulheres e mulheres e também entre homens e homens.
Com o uso de gênero, compreende-se que estas relações criam e reforçam as
desigualdades de poder, o que afeta a realização pessoal, profissional, social e política.
Por outro lado, com o uso de gênero compreende-se que é possível mudar esta situação
desde que se busque construir ações, medidas e políticas que venham a desnaturalizar as
desigualdades e, ao mesmo tempo, a criar oportunidades e condições para o
1
Texto baseado na aula de fechamento do curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do
Parlamento e coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. A aula, ministrada pela autora, ocorreu
no dia 05 de setembro de 2013, nas dependências da Câmara Municipal de São Paulo.
2
empoderamento2 das mulheres de modo a torná-las protagonistas de suas próprias vidas
e histórias.
Com isso, pretende-se dizer que são fundamentais as políticas públicas para
reestabelecer novas relações de gênero, igualitárias e justas, uma vez que não é natural,
nem justo, tamanha discriminação contra as mulheres.
Antecipar a data prevista por estes estudos é o caminho mais prático e eficiente
para atingirmos uma democracia com transformações substantivas, em qualidade e
quantidade, tanto nos espaços públicos como domésticos. Para isto há muito que fazer.
Portanto, mãos à obra! A discriminação das mulheres é uma questão política que
demanda uma maior participação da sociedade e do Estado na concretização de
soluções.
Referências Bibliográficas
4
Fala de Layli Miller em conferência no Brasil sobre a participação política, em 2002, na Secretaria de
Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo.
1
1
A autora participou como aluna do Curso Igualdade de Gênero, promovido pela Escola do Parlamento e
coorganizado pela União de Mulheres de São Paulo. O curso, composto de dez aulas, ocorreu nas
dependências da Câmara Municipal de São Paulo entre os dias 06 de agosto e 05 de setembro de 2013.
2
Referências Bibliográficas
BLAY, Eva Alterman. Violência Contra a Mulher e Políticas Públicas. Scielo Brazil –
Nº49, Vol.17. São Paulo, 2003.
CARTILHA MPSP. Mulher: Vire a Página. Ministério Público de São Paulo. 2012.
CEPAL. Serie Mujer y desarrollo Nº 40. Violencia contra la mujer en relación de
pareja: América Latina y el Caribe. Una propuesta para medir su magnitud y
evolución. Naciones Unidas. Santiago de Chile, 2002.
8