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DEDALUS - Acervo - FFLCH ÍNDICE

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20900103424 Introdução 7
O processo de implantação do capitalismo no
México.............................. 10
O estabelecimento da ditadura porfirista . . . . . . 1S
As diversidades regionais no México pré-revolu-
cionário 23
O operariado e a Revolução . . . . . . . . . . . . . . . .. 37
A luta pela derrubada da ditaduraporfirista . .. 41
O desencadeamento da Revolução 48
A organização do poder revolucionário 61
O golpe contra M 'adero - "La decena trágica" 72
I O movimento constitucionalista 76
, A Convenção de Aguascalientes 86
A lula contra Vil/a e Zapata 92
A Constituição de 1917 103
, Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 107
Indicações para leitura. . . . . . . . . . . . . .. . . . . .. 112

li
,

INTRODUÇÃO

r " ... eucreio numa força adormecida na terra


do México."
(Artaud, Antonin, Mensagens Revolucioná-
rias, p. 60)

A Revolução Mexicana, desencadeada a partir


de 1910 e quelmobilízou grandes contingentes popu-
lacionais, atingindo amplos setores sociais, é consi-
derada por um grande número de historiadores como
a maior comoção social ocorrida na América Latina
desde as guerras da independência. Antecedendo
mesmo a revolução chinesa e a revolução russa, des-
"La explosiôn revolucionaria es una portentosa ~\ pertou a atenção de lideranças políticas de vários
fiesta em Ia que el mexicano, borracho de sí mismo, países latino-americanos, que passaram a ver nesse
conoce ai fin, en abrazo mortal, al otro mexicano". movimento um modelo a ser imitado. Ultrapassando
(Paz, Octavio, Ellaberinto de Ia soledad.) mesmo o espaço da América, a Revolução Mexicana
..I[ foi uma revelação para o mundo, uma movimentação
inesperada.
Entretanto, os caminhos percorridos pelos revo-
8 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 9

lucionários levaram-nos a resultados que nem sem- uma vitória do trabalho sobre o capital significou a
pre coincidiram com as propostas iniciais de luta, ou incorporação daquelas determinações legais sob a
talvez, com aquilo que se idealizara a princípio. O' êgide do capital. Por essas razões, 1917 representa o
final desconcertante, que, talvez por isso mesmo, não final de um determinado tipo de luta. Resta saber
{!
tenha sido aceito como tal por seus idealizadores, como um movimento, que contou com a mobilização
sendo transfigurado num constante refazer do movi- de amplos setores das classes subalternas, com argu-
mento, permitiu a criação do fetiche da Revolução mentação suficiente para sensibilizar tais setores,
Mexicana que não se conclui, que se transforma num que acarretou um milhão de mortes, teve como resul-
processo não-acabado, cada vez mais distante das tado primeiro uma peça institucional que, se de um
massas, transformando-se num instrumento de ma- lado garantia direito a trabalhadores rurais e urba-
nipulação delas. nos, tendo neste particular uma postura inovadora,
A emergência de uma multiplicidade de lide- por outro lado, inibia seu acesso ao poder, impe-
ranças, legítimas ou não, contraditórias, desencon- ", dindo a ampliação da luta social, ou seja, impedindo
tradas por vezes, permitiu a hegemonia de um grupo a radicalização das propostas iniciais.
que, investindo-se de legitimidade, passou a ver co-
mo inimigos antigos companheiros de luta. Assumin-
do o poder, os vitoriosos passaram a falar em nome
dos "revolucionários", cristalizando sua palavra nu- (
ma peça institucional, a Constituição de 1917, fazen-
do da lei sua bandeira de vitória e seu escudo contra as
investidas dos opositores. Entretanto, a Constituição
de 1917 não representa apenas a vitória de um setor
que se tornou hegernônico. Ela tem uma história que
não é apenas do povo mexicano. Ela traz em seu bojo
artigos que tratam das relações entre o capital e o
trabalho. A incorporação dessa legislação à Consti-
1\
I
e tuição Mexicana de 1917 só é compreensível levando-
se em conta a luta travada anteriormente pela Classe
trabalhadora em nível mundial. É importante ainda
constatar a forma pela qual essa legislação foi incor-
porada ao texto institucional. Antes de significar
II
A Revolução Mexicana: 1910-1917
",
parte de um processo iniciado no México em meados
do século XIX. Esse momento histórico assistiu, no
México, à tentativa de formação de um Estado Na-
cional, de caráter liberal, sob a liderança de uma
"elite crioula", expressão que designa os setores do-
minantes da sociedade, constituídos por brancos,
•. descendentes dos colonizadores espanhóis, mas dife-
rindo deles pelo fato de terem nascido' na América. A
"elite crioula" foi o embrião da burguesia mexicana,
o PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO cuja base residia na exploração de uma massa de
DO CAPITALISMO NO MÉXICO trabalhadores em atividades diversificadas.
A economia mexicana de maior expressão estava
voltada, desde os inícios da colonização, à atividade
, extrativa, particularmente à produção do açúcar, do
"Yo soy luz; en mi nombre se ve! sisal, do café e do fumo, com a finalidade de expor-
Pues con Ia luz tação. Havia, no entanto, de forma generalizada,
Que bajé
Todo el abismo encendí. .. " uma produção artesanal de tecidos, de cerâmica etc.
(Reed. p. 302) em pequena quantidade, para o consumo interno,
produção que se encontrava dispersa por grande
Ao se fazer o estudo da Revolução Mexicana parte do território mexicano. Ao lado das grandes
uma primeira constatação faz-se necessária. A Revo- plantações de cana-de-açúcar havia também uma
lução Mexicana só pode ser entendida considerando- agricultura arcaica, voltada para o autoconsumo,
se as particularidades da sociedade mexicana dentro enfrentando uma série de problemas, como a pro-
de um processo global existente num determinado cura de solos aráveis e, particularmente, a procura
estágio do desenvolvimento do capitalismo em nível da água.
mundial. Em meados do século XIX o México apresen-
As origens da Revolução Mexicana devem ser tava-se juridicamente como um Estado, política-
buscadas nas contradições econômico-sociais nasci- mente independente, em vias de organização, dentro
das do processo de desenvolvimento do capitalismo dos princípios liberais. A dificuldade da transforma-
no México em fins do século XIX, sob a ditadura de ção do México num Estado nacional residia na dis-
Porfírio Díaz (1876-1911). A ditadura porfirista faz tância entre uma ideologia liberal, fundada em prin-
12 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917

cípios expostos por Quesnay, Rousseau, Jefferson, A implantação do Estado, conforme o que fora
Adam Smith e Stuart Mill, de poder impessoal do proposto pela Constituição de 1857, não se fez tran-
Estado, fundado nas garantias individuais, na exis- qüilamente, uma vez que, para que fosse garantido o
tência de direitos individuais, e uma sociedade pro- poder à "elite crioula", nativa, era necessário pri-
fundamente marcada pelas diferenças .sociais. O po- meiramente que se efetivasse o processo iniciado com
der tinha antes um caráter local, concentrado numa a independência, no sentido de afastar dos centros de
classe social, a "elite crioula", que fora responsável poder os setores que tradicionalmente dispunham do
pelo movimento de independência, não havendo, no poder pelas ligações com o estatuto colonial. Essa
entanto, uma organização propriamente nacional. luta, que se convencionou chamar de Reforma, re-
Mesmo a "elite crioula" não representava uma uni- presentou a tentativa de implantação definitiva do
dade plenamente concretizada, uma vez que seus in- poder das "elites crioulas" em detrimento dos anti-
teresses estavam ainda muito presos a questões lo- gos setores ligados ao passado colonial. Esses setores
cais. A própria circulação interna de mercadorias es- eram representados por entidades ligadas à domina-
tava marcada pelas diferenças regionais e era dificul- ção colonial, especialmente a Igreja. Esta instituição
tada pela existência de barreiras internas. teve a particularidade de manter sua autonomia,
Em razão dessa situação assistiu-se, durante as uma vez que sua forma de organização garantia a inte-
décadas de 1850 e 1860, a um esforço das "elites gridade de seu poder. Quanto à propriedade territo-
crioulas" numa tentativa de fazer do México uma rial, por exemplo, a Igreja tinha consolidado o seu di-
nação, entendida essa medida como uma união de reito de "mãos mortas", permanecendo incólume no
esforços desenvolvidos por esse mesmo grupo para a momento em que o poder da metrópole espanhola
implantação de interesses comuns. A política liberal, era abalado com o processo das independências.
institucionalizada na Constituição de 1857, tinha Uma vez efetuada a independência, a "elite
esse caráter. Essa política demonstrou a tentativa de crioula" assumiu o poder na América e passou a
centralização, de unificação de uma sociedade diver- contestar a legitimidade do poder da Igreja sobre as
sificada e na qual o poder encontrava-se disperso. enormes porções de terras que ela havia açambar-
Reside aí o aspecto aparentemente contraditório cado. Desde então iniciou-se a luta pela incorporação
desse diploma legal ao pretender leis gerais para uma das terras da Igreja ao patrimônio do Estado em vias
sociedade diversificada. A Constituição de 1857, em de organização. O grupo que assumiu esse papel era
nome dos princípios liberais, vinha legitimar a desi- constituído pelos liberais que tinham em mente a
gualdade na medida em que restringiu o poder à formação de um Estado dentro dos princípios consti-
"elite crioula". tucionais. Com esse objetivo, esse grupo elaborou a
14 Anna Marià Martin~z Corrêa

Constituição de 1857, lutou contra a Igreja, contra a


dominação estrangeira, indispôs-se com as comuni-
dades indígenas e pretendeu a todo custo implantar o
Estado Liberal, percorrendo com essas tentativas,
sempre causadoras de conflitos, as décadas de 1850 e
1860 e inícios da década de 1870. '
Em fins da década de 187Ô e inícios da década
de 1880 a conjuntura mundial provocou alterações
Profundas que atingiram igualmente a sociedade
niexicana. A partir da segunda revolução industrial,
o ESTABELECIMENTO
o capitalismo, em sua fase monopolista, acelerou, de DA DITADURA PORFIRISTA
lllaneira sem precedentes, o consumo de matérias-
Primas e de produtos agropecuários, revolucionando
Os meios de transporte, provocando mudanças na " ... eu digo que havia justiça naquela época.
É verdade que estávamos quase que em estado
Periferia e obrigando a uma racionalização maior na de escravidão, mas don Porfírio era don Porfí-
organização da produção. A inserção da América rio e seu governo era um verdadeiro governo."
Latina na divisão internacional do trabalho nessa
iLewis, Oscar. Pedro Martínez, p. 146)
fqse monopolista apressou a "modernização", a ne-
cessidade da substituição do antigo pelo novo. A·
gtande expansão dos centros dinâmicos do capital Porfírio Díaz, mestiço de origem humilde, nas-
P~rmitiu que se iniciasse para a América Latina a ceu em Oaxaca, em 1830. Desde muito jovem parti-
realização de investimentos em bens de capital. Tais cipou de movimentos guerrilheiros contra o presi-
investimentos encontraram na América Latina a me- dente Sant'Ana. Integrado no exército participou da
diação do Estado, interessado na sua viabilização, e luta contra a dominação francesa. Manifestou-se
de uma classe social que facilitou a realização desses contra a reeleição de Juárez e Lerdo. Justamente em
investimentos, na medida em que ela própria era nome do liberalismo, combatendo a reeleição de
beneficiada. Lerdo, chegou ao poder; depois de um movimento
Essas novas exigências do capital provocaram armado. Seu projeto de revolução ficou conhecido
mudanças na América. No caso particular do México, através do Plano de Tuxtepec, de 1876. De posse do
o governo de Porfírio Díaz criou condições neces- poder, foi reeleito por 10 vezes, tendo exercido a pre-


sátias para que se processassem tais investimentos. sidência de 1876 a 1911, com apenas uma interrup-
(
1-
16 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917

ção, ao final do primeiro período. perfurados os primeiros poços de petróleo e cons-


Ao assumir o poder, Porfírio Díaz deparou-se truídas as primeiras centrais hidrelétricas. Os portos
com o sério problema das múltiplas facções internas e foram reaparelhados; iniciaram-se as comunicações
com uma instabilidade política acentuada, num am- telegráficas, pondo a capital em comunicação com
biente político tumultuado. O trabalho que se propôs regiões distantes. Intensificou-se a atividade bancá-
desenvolver foi no sentido da pacificação dos ânimos ria.
mais exaltados, da conciliação dos descontentes, da O capitalismo monopolista, interessado em rea-
unificação do México a fim de se fazer dele uma lizar seus investimentos nos países latino-america-
nação. O princípio de sua política ficou conhecido nos, colocou à disposição do governo mexicano pode-
pela expressão pan o paio. Aos opositores potencial- rosos capitais. Os investimentos realizaram-se atra-
mente perigosos oferecia a oportunidade de parti- vés da exportação de bens de produção, com a cons-
cipar do poder a fim de afastar um adversário ino- trução de uma rede ferroviári-a associada ao aparelho
portuno e mantê-lo sob suas vistas. Era uma política portuário, criando assim condições favoráveis ao
de distribuição de favores. Aos "indisciplinados", transporte, particularmente, de minérios. A rede fer-
rebeldes, bandidos, esmagava com o peso de sua roviária, cuja estrutura foi orientada basicamente
autorida'ae. Para isso soube organizar as forças ar- para a exportação de riquezas do subsolo mexicano,
madas, disciplinando-as e centralizando-as e criando permitiu não apenas que se acelerasse a circulação,
um setor especial, os rurales, encarregados de "paci- como ainda a formação de um mercado interno, va-
ficar" as regiões mais sensíveis. Serviu-se do pretexto lorizando as propriedades pela facilidade de acesso a
da insubordinação dos índios yaquis e dos maias regiões antes isoladas. A expansão da rede ferroviá-
para desenvolver contra eles uma política de exter- ria a essas regiões significou o avanço do capital para
mínio. Criou ainda o sistema de ley fuga, ou seja, de regiões praticamente inexploradas.
extermínio de marginais. Essa lei consistia em retirar A par do significado econômico da rede ferro-
da prisão indivíduos considerados indesejáveis, eli- viária, no sentido de facilitar a evasão do minério na
minando-os simplesmente, mediante simulação de direção dos portos ou, mais diretamente, na dire-
fuga. Conseguiu-se assim uma paz imposta pelo ção dos centros metalúrgicos dos Estados Unidos, ti-
terror. nha ela na. Cidade do México seu ponto nodal, à ma-
O governo de Porfírio Díaz corresponde ao pe- neira de uma teia de aranha, facilitando o contato da
ríodo de "modernização" do México. Durante este capital, o que vale dizer do poder instituído, comre-
governo foram descobertos os filões de prata na Baixa giões mais distantes. Pôde ela assim significar igual-
Calif6rnia, Sonora, Chihuahua e Durango. Foram mente a forte concentração de poder político ampa-
18 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 19

~
rada pelo crescimento econômico propiciado pelo res "livres", isto é, despojados, em condições de ofe-
avanço do capital e garantido pela organização de recer sua força de trabalho nas minas, na atividade
um aparelho de força em condições de manter a inte- agropecuária, transportes e comercialização. A par
gridade do poder central. disso era necessário, para que se tornasse viável essa
Os investimentos norte-americanos \ no México forma de investimento, evitar que os colonos proce-
dirigiram-se basicamente às minas, às ferrovias e à
exploração do petróleo. Os capitais ingleses foram
investidos nas ferrovias, na indústria têxtil, na de
.' dentes de contingentes imigratórios tivessem acesso à
propriedade da terra, restando para eles apenas o
recurso de oferecer no mercado a sua força de tra-
alimentos e na siderurgia. balho. Com esse objetivo processou-se a monopoliza-
Quanto ao setor rural, o capital dinamizava em- ção da terra pelos grandes investidores de capital.
preendimentos agrários com a introdução de técnicas A legislação a respeito da redistribuição das terras
novas e com uma política violenta de expropriação e , teve exatamente essa finalidade.
de colonização. Do ponto de vista da técnica foram ~, Na década de 1880 o capital contava com con-
realizadas melhorias, como drenagens, irrigação e dições melhores para impor suas exigências. Foi
plantações permanentes. A acumulação resultante assim que o Estado mexicano passou a desenvolver
desse processo de "modernização" favoreceu a cen- uma política de colonização mais agressiva para a
tralização do Estado e o seu fortalecimento. implantação definitiva do capital no campo. Seus
Acrescente-se a essa política a instalação de es- i objetivos residiam na incorporação de terras pelo ca-
tações agronômicas, meteorolôgicas, laboratórios e pital num momento histórico em que este, em nível
publicações técnicas que vieram beneficiar a produ- mundial e, em função da divisão internacional do
ção para a exportação: algodão, fibras, fumo, açúcar trabalho, fazia novas exigências quanto ao forneci-
e a produção do pu/que para o consumo interno. mento de mercadorias e de matérias-primas. Por
Essa política, no plano ideológico, foi orientada outro lado, a descoberta de novas minas metálicas
pelo pensamento positivista que, em nome da ciên- vinha, de certa maneira, comprovar a idealização do
cia, ditava as regras para a ação política no sentido
do progresso material, da racionalização da produ-
ção, a cargo de um grupo político conhecido, durante
" México como região fornecedora de riquezas, tal
como havia sido divulgado por Humboldt em seu
livro Ensaio Político sobre o Reino da Nova Espanha,
o período porfirista, pela designação de "cientí- cuja edição tardia na Inglaterra contribuiu para cha-
ficos" . mar a atenção a respeito desse país nesse momento.
Para atender a esses novos investimentos era É justamente nesse contexto histórico que se
necessária a criação de contingentes de trabalhado- situa a política agrária do porfirismo. Essa política
20 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 21

efetuou-se a partir da promulgação das leis que fica- comprovada sua manutenção em poder do colono e
ram conhecidas com o nome de Leis dos Baldios, de seu cultivo no todo ou em pelo menos um décimo,
1893 a 1902. Seu objetivo era promover o desenvol- durante cinco anos consecutivos.
vimento da agricultura. Cadastrando terras, difun- Para a realização efetiva da colonização o Es-
diu a privatização da propriedade fundiária e acele- J, tado autorizou a organização de companhias para a
rou a incorporação de terras que permaneciam ainda verificação, medição e divisão de terras. O primeiro
fora dos limites da exploração do capital. passo a ser dado pelas companhias seria indicar o
A primeira lei desse tipo foi promulgada a 15 de terreno considerado em condições ·de ser colonizado,
dezembro de 1893. De acordo com essa lei, o Estado isto é, o que seria "baldio". A autorização para esse
mexicano partia do princípio da necessidade, para a trabalho seria dada pelo juiz da localidade onde se
ampliação da riqueza, do estabelecimento de uma encontrava o terreno. Para compensar os gastos as
política de colonização, significando isso uma distri- companhias receberiam, como pagamento, até um
buição de terras, consideradas improdutivas, a colo- terço dos terrenos ou do seu valor; não poderiam,
nos em condições de torná-Ias rentáveis. Para isso ainda, vendê-los a estrangeiros.
determinava a lei que fossem demarcados, medidos, Essa lei foi modificada pela de 25 de março de
divididos e avaliados os terrenos baldios ou de pro- . 1894. Esta última tinha por finalidade fixar o objeto
priedade nacional que houvesse na República, no- da colonização, ou seja, as terras sobre as quais
meando para isso comissões de engenheiros necessá- deveriam recair as leis de colonização: baldios, de-
rios (Silva Herzog, EIAgrarismo, p. 113). masias, excedências, terrenos nacionais. A lei retirou
As frações de terras não poderiam ultrapassar a imposição de povoar e cultivar, bem como a proi-
2500 hectares. Uma vez localizados, medidos e divi- bição de vender a estrangeiros as terras que cabiam
didos, os terrenos seriam entregues a colonos nacio- às companhias demarcadoras. A argumentação utili-
nais ou estrangeiros que os solicitassem. As compras zada pelos porta-vozes das companhias era de que
deveriam efetuar-se conforme a avaliação feita pelos esse tipo de exploração econômica s6 seria possível
engenheiros e aprovada pela Secretaria do Fomento ~ num clima total de liberdade; quaisquer restrições
em bônus resgatáveis em 10 anos, a partir do se- poderiam dificultar as transações imobiliárias.
gundo ano de estabelecimento do colono, ou venda à De 1890 a 1906, as companhias se apropriaram,
vista por um prazo menor. A terra poderia ser cedida a título de honorários, de 16800000 hectares. A ação
gratuitamente quando fosse solicitada pelo colono, das companhias demarcadoras fez-se sentir em todo
mas para uma extensão não superior a 100 hectares. o território mexicano, sendo a área medida equiva-
O título de propriedade só seria dado quando ficasse • lente à quarta parte desse território.
22 Anna Maria M artinez Corrêa

A aplicação das leis dos baldios fundava-se na


argumentação de que a propriedade seria reconhe-
cida desde que houvesse um título compatível corres-
pondente. Essa determinação legal afetava particu-
larmente as comunidades indígenas, nem sempre (I
possuidoras de tal instrumento legal. Atingia tam-
bém proprietários individuais portadores de títulos,
mas cujas posses haviam avançado para além dos li-
mites legais. Havia a possibilidade de legalização das
posses tanto para os índios comunitários como para AS DIVERSIDADES REGIONAIS NO
os proprietários individuais. Entretanto, as condições MÉXICO PRÉ-REVOLUCIONÁRIO:
reais de legalização não eram as mesmas. Os índios e
\ os pequenos camponeses nem sempre puderam con-
tar com recursos para a legalização de suas terras.
Resultou daí a extinção sistemática das comunidades "A paz reinava ... nos desertos do norte de So-
e uma busca desenfreada, por parte das companhias, nora ... nas cidades ... nas sujas e infectas ruas
de apropriação de terras. Na tentativa de salvar suas de Veracruz... nas fazendas de gado... nas
grandes fazendas onde os camponeses aravam
terras, alguns índios comunitários chegaram a orga- a terra com suas jun tas de bois e seus arados
nizar suas próprias companhias, entrando, no en- de madeira ... nas missões ..;"
tanto, numa luta desigual.
iBrenner & Leighton , The Wind that Swept
Grande parte da temática da Revolução Mexi- Mexico, p. 117)
cana envolve a questão agrária. A motivação pela
luta esteve geralmente ligada à restituição das pro-
priedades usurpadas durante essa fase expansionista Uma das tarefas assumidas pelo governo de Por-
~II
ou à repartição das grandes propriedades. A questão fírio Díaz havia sido a transformação do México num
da restituição das propriedades, no entanto, não é Estado moderno, no estilo dos Estados europeus do
um tema novo na História Mexicana, pois o senti- momento. Para isso seria preciso continuar a ação de
-.t li
homogeneização já desenvolvida desde algum tempo
mento de usurpação remonta ao período colonial.
Desde a fase da conquista espanhola o problema é pela colonização. No entanto, em fins do século XIX
colocado. Por esse motivo, muitas vezes o apelo à N e inícios do século XX, o grande capital impunha
uma centralização maior do poder, uma "pacifica-
luta teve um caráter de volta ao passado.
L----' --' lr
, 24 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 2S

ção" e que o México se transformasse numa nação motivação, da necessidade de apropriação de terras
"civilizada" a fim de assegurar plena garantia aos

)
por parte dos camponeses. Desde o início da coloni-
investimentos do mesmo capital. No cumprimento zação o norte do México fora região privilegiada para
dessa tarefa Porfírio Díaz deparou-se com sérias difi- a expansão. Criadores, agricultores, comerciantes,
culdades resultantes da existência de uma sociedade soldados e missionários lançaram-se à conquista dos
profundamente diferenciada e, além do mais, mar- imensos espaços, quase que vazios. De início o po-
cada por ampla diferenciação regional. voamento organizou-se em função da mineração.
A legislação agrária do período porfirista afetou Durante a época porfirista a expansão foi retomada
todo o território mexicano, tendo no entanto adqui- num ritmo intenso.
rido feições diferentes conforme as diferentes regiões. Com a descoberta das novas minas durante o
De um modo geral, nesse momento histórico, a pro- período porfirista, a migração para o norte adquiriu
priedade da terra no México caracterizava-se pela uma intensidade nunca vista. Inicialmente eram os
concentração em mãos de poucos beneficiários. Cita- metais preciosos que atraíam os pioneiros, mas, a

j
se o exemplo do general Terrazas que, nessa ocasião, partir da década de 1890, teve início a busca dos
possuía 15 fazendas perfazendo um total de 1828355 metais necessários às novas exigências da indústria,
.>
hectares. Porém, a crítica maior recaía na concessão particularmente o cobre, e a busca de combustíveis,
de terras a indivíduos e a companhias estrangeiras como o carvão e, depois, o petróleo.
nas proximidades da fronteira do norte, pondo em A expansão da atividademineradora criou a
risco a própria integridade do território. I necessidade de fornecimento de alimentos e da cria-
Para se compreender a natureza do movimento ção de animais para os trabalhos nas minas. Daí a
revolucionário, bem como a atuação de suas lide- multiplicidade dos ranchos para garantir a subsis-
ranças, é importante considerar as diferenças regio- tência do pessoal envolvido na mineração na região
nais, basicamente as diferenças entre o norte e o sul. de Sierra Madre Ocidental.
Cbs~ estados do norteforam atingidos por essa Em torno das atividades mineradoras propria-
política, tendo-se formado grandes propriedades em mente ditas, da agricultura e da criação de gado em
detrimento de comunidades indígenas ou de peque- vias de modernização, surgiram igualmente ativi-
nas propriedades camponesas. A questão da reforma
agrária esteve presente nas propostas das lideranças
revolucionárias do norte. Tanto Obregôn como Villa,
'.tJ dades artesanais, industriais e de serviços que deram
ao norte um aspecto diferente das regiões propria-
mente agrícolas do país. Assim, o norte, formado
ambos comandantes de grupos revolucionários do pelos Estados do Coahuila, Chihuahua, Durango,
norte, em seus planos de ação utilizaram-se, como Nuevo León, Sinaloa e Sonora, não se apresentava
26 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 27

como uma região homogênea. Ao lado das regiões de hábito da defesa própria (Xavier-Guerra, p. 799).
agricultura e de criação tradicionais encontravam-se Em inícios do século XX ocorreram modifica-
também áreas em pleno processo de modernização, ções importantes pela implantação nessa região de
como as regiões mineiras. grandes companhias mineradoras, pela constituição
A modernização dessas regiões trouxe para elas de grandes propriedades de estrangeiros e pela cons-
um forte contingente de estrangeiros: ingleses nas trução de ferrovias. Essas empresas quase sempre
minas, franceses nas minas e na hotelaria, espanhóis estavam voltadas para mais de uma atividade. Assim,
no comércio e na agricultura, japoneses e chineses no as companhias mineradoras, na maioria dos casos,
pequeno comércio e, principalmente,' norte-ameri- adquiriam amplas extensões de terras cultiváveis
canos na direção das empresas, como técnicos, ope- para a criação de gado e adquiriam também a mono-
rários qualificados, e nas ferrovias. A presença de polização dos serviços locais, tais como rodovias, fer-
estrangeiros explica o forte sentimento nacionalista rovias secundárias, telefones, eletricidade e, mais do
da Revolução nesse local. Não se tratava apenas de que isso, mantinham as tiendas de raya nos territó-
uma reação contra a interferência na apropriação rios controlados por elas. As tiendas de raya eram
das terras e na administração das empresas, mas espécies de armazéns montados pelas empresas, que
também contra a presença constante de uma massa deveriam prover os empregados. Estes teriam de
de estrangeiros em contato direto com os trabalha- fazer suas despesas pessoais nesses armazéns, sendo
dores mexicanos, convivendo com eles, embora ocu- que muitas vezes os preços eram bastante elevados,
pando postos que lhes eram inacessíveis. a ponto de se criar uma situação freqüente de endi-
Lançada nesses espaços, fracamente ocupados, vidamento que prendia o trabalhador ao seu local de
na esperança de fazer fortuna graças à descoberta de trabalho. Enquanto não saldasse sua dívida ele não
um rico filão ou de se tornar simplesmente proprie- poderia deixar aquele trabalho, ficando reduzido a
tária de um rancho ou de um pequeno negócio ou de uma espécie de servidão.
ganhar salários mais elevados, a população do norte Os Estados de Sinaloa, Coahuila e Zacatecas,
parecia mais heterogênea e mais independente do que de forte porcentagem de populações mineiras e de
a de qualquer outra região mexicana. As condições grande número de empresas, nas quais a população
de vida eram difíceis nessa área de grandes altitudes, mineradora estava dispersa. e representando uma
relevo acidentado, clima rigoroso, sofrendo interfe- massa considerável, foram justamente os Estados
rências de índios apaches e comanches vindos dos mais atingidos pela Revolução. O centro das ativi-
Estados Unidos. Para fazer frente a essa insegu- dades revolucionárias não se encontrava, no entanto,
rança, os homens andavam armados e adquiriram o nas grandes concentrações mineiras modernas de
\
28 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 29

criação recente, mas sim na zona de contato das pe- tifica com a Revolução Mexicana foi Francisco Villa.
quenas minas, ranchos e aldeias com as grandes pro- Doroteu Arango era seu nome verdadeiro, o qual
priedades. Particularmente o Estado de Chihuahua mudou para Francisco Villa, ou Pancho como se diz
reunia condições para uma explosão revolucionária. no México, em homenagem a um herói popular de
Os grupos revolucionários que se formaram em seu tempo. Recebeu os apelidos de "Centauro do
Chihuahua eram inicialmente moradores de aldeias Norte", "O amigo dos pobres", "O Napoleão do
determinadas, geralmente pertencentes a uma mes- México", "General Invencível", "Inspirador da Bra-
ma família ou ligados por reivindicações anteriores. vura e do Patriotismo", "Esperança da República
Esses grupos exerceram a função de núcleos dos Indígena", entre outros. Aos dezesseis anos matou
quais as populações marginais das zonas mineiras um funcionário do governo que, segundo se diz,
começaram a se aproximar. Defendiam reivindica- havia violado sua irmã. Foi obrigado a viver foragido
ções comuns de caráter político e a distribuição de nas montanhas, tendo de roubar para sobreviver.
terras aos despossuídos. Essa população sem raízes, Para isso chegou a formar um bando de ladrões de
numa zona montanhosa de acesso difícil, estava dis- gado, atacando as grandes fazendas da região. Nun-
ponível para se integrar ao movimento revolucioná- ca havia freqüentado escola. Aprendeu a ler já du-
rio. Acrescente-se a isso uma longa tradição de opo- rante a Revolução. Sua vida anterior à Revolução está
sição e de revolta propagadas entre os trabalhadores envolta em fantasias das narrativas populares. Foi
das minas pelas lideranças anarquistas. Por outro idealizado como uma espécie de Robin Hood, que
lado, formaram-se grupos guerrilheiros constituídos roubava dos ricos para distribuir aos pobres.
por uma população pioneira. Esta reunia-se em torno
de personalidades que dispunham de grande prestí-
gio ou de autoridade no seu meio e "que tinham uma A situação.do sulJera bastante diferente, embora
sólida rede de relações familiares ou profissionais na a disponibilidade para a luta tivesse sido a mesma.
mesma região. Os melhores exemplos dessas lide- Região de povoamento mais antigo, foi bastante atin-
ranças são dados por Pascual Orozco e Pancho Villa. gida pela política agrária do porfirismo, de forma
Orozco era da localidade de San Isidro, ligado por particular, o Estado de Morelos.
laços familiares a mineradores da região. Esses con- Nessa região as terras públicas que restavam
tatos eram garantidos ainda em razão de seu traba- haviam sido vendidas aos grandes produtores de açú-
lho de criador de mulas para o transporte da prata. car. A nova legislação suprimiu antigos títulos de
Entretanto, o líder que alcançou maior popula- terras e direitos sobre águas em muitas aldeias. E
ridade e que justamente por esse motivo mais se iden- para conseguir fazer valer seus direitos sobre essas
30 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 31

antigas comunidades, os grandes produtores de açú- car, melado e álcool - sofreram uma diferenciação
car puderam contar com o poder dos tribunais locais. no processo produtivo. Enquanto o melado e o álcool
A região de Morelos pode servir de exemplo atendiam ao consumo interno, o açúcar visava basi-
para demonstrar como o sistema da grande proprie- camente o mercado externo. A mudança fundamen-
dade territorial foi reforçado por essa legislação. Os tal com tais inovações tecnológicas ocorreu na pro-
grandes produtores de Morelos, a partir de 1880, em dução do açúcar enquanto produto de exportação.
razão da demanda internacional, começaram a im- As novas exigências obrigaram a um aumento da
portar máquinas européias, para que os engenhos produção da cana-de-açúcar, significando esse au-
começassem a modificar a técnica de produção, tor- mento a extensão da área utilizada ou melhoria da
nando-se mais rentáveis (Melville, p. 34). Havia uma produtividade, o que significava a utilização de terras
série de obstáculos que precisariam ser contornados, irrigáveis. Ora, os mananciais haviam sido apropria-
como, por exemplo, a concorrência do açúcar de dos pelos grandes proprietários. Havia, no entanto,
beterraba. O crescimento da produção do açúcar em alguns mananciais remanescentes, mas que eram
nível internacional, acompanhado de preços vanta- distantes dos engenhos. Por esse motivo foram ado-
josos, estimulava esses investimentos. A construção tadas várias estratégias de desenvolvimento, a fim de
de ferrovias reforçou esse processo e anunciava um garantir uma produção maior, dentro dos limites
amplo sucesso econômico constatado na redução dos impostos pela escassez da água. Uma das soluções foi
custos do transporte. O uso do vapor nas moendas investir na construção de açudes t: de canais de irri-
permitiu aos proprietários aumentar a capacidade de gação, aumentando, dessa maneira, a área aprovei-
suas fábricas. As novas máquinas utilizadas com a tável para a produção da cana ou utilizando proces-
força do vapor propiciaram a fabricação de um açú- sos de racionalização do uso da água ou de rotação
car de qualidade superior e em maior quantidade. de culturas (arroz/cana). Predominou, no entanto,
Novas máquinas passaram a ser utilizadas no trans- a prática da extensão das culturas (Melville, p. 36).
porte da cana. facilitando a carga de grandes volu- Os resultados foram complexos. A utilização
mes do campo para os engenhos e destes até a ferro- das novas máquinas reduziu a necessidade de um
via. Enquanto alguns engenhos foram modernizados, grande número de trabalhadores. A instalação das
outros, já ultrapassados do ponto de vista da técnica, novas máquinas atraía, num primeiro momento, um
foram fechados e as propriedades convertidas em grande número de carpinteiros, marceneiros e fer-
fornecedoras de cana para os engenhos centrais. reiros. Passada a fase inicial da instalação, eram
Em razão do exposto, a estrutura de produção dispensados e tinham de se deslocar à procura de
sofreu alterações. As mercadorias resultantes - açú- outros trabalhos. Os antigos trabalhadores dos enge-
Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 33
32

nhos, por sua vez, eram desempregados, obrigados a


aceitar tarefas agrícolas ou emigrar para outras re-
giões, onde seus conhecimentos pudessem ser utili-
zados. O trabalho agrícola passou a ser temporário.
A população camponesa tradicional cultivava parce-
las de terras para a produção de cana e de alimentos,
principalmente o milho. Paralelamente, desenvolvia-
se a criação de gado para servir nos engenhos. Ora, a
expansão da cultura canavieira passou a avançar
sobre essas terras e, para sua conquista, todos os re-
cursos foram adotados. Para isso os produtores de
cana apoiaram-se no Estado e serviram-se do recurso
da lei para impor sua dominação sobre as terras.
Ao mesmo tempo que os produtores de açúcar
promoviam o crescimento econômico de suas empre-
sas, formava-se uma classe de camponeses antagô-
nica ao seu projeto sociopolítico. Ainda que a redis-
tribuição das oportunidades de trabalho se amoldas-
se às novas exigências do desenvolvimento capita-
lista, não se ajustava às necessidades dos campo-
neses locais.
Despojados de suas propriedades, muitos cam-
poneses começaram a trabalhar como parceiros nas
piores terras. Depois, quando suas dívidas aumen-
~)
taram, ofereceram-se como mão-de-obra. Apesar de
continuarem a viver em suas aldeias, trabalhavam
em grupos de assalariados. Morelos produzia açúcar
e arroz em quantidade, mas tinha de importar arti-
gos de primeira necessidade, e o custo de vida era
Emiliano Zapata em desenho de Posada e em fotografia
quase tão alto quanto na Cidade do México. Dessa
da época.
maneira, apesar de seus salários não serem baixos,
34 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 3S

comparativamente aos de outras regiões, contraíam dades policiais de seu distrito, o que o obrigou a
altas dívidas. Eram, então, obrigados a deixar as esconder-se durante algum tempo. De volta à aldeia,
aldeias e a se fixar nas fazendas como trabalhadores passou a ter uma certa ascendência sobre os jovens
permanentes. de sua idade, desenvolvendo uma atuação política
Por volta de 1909 o sistema de dominação dos marcante.
produtores de açúcar do sul do México, particular-
J: Zapata havia herdado de seus pais uma parte
mente da região de Morelos, preparava-se para se de terras e algum gado. Possuía uma casa de adobe e
consolidar. Os moradores das aldeias estavam debi- terra, o que, de acordo com os padrões locais, signi-
litados; seus dirigentes presos ou atemorizados. Mui- ficava que não era um homem pobre; também não
tos camponeses perderam seu gado, muitas aldeias era trabalhador assalariado. Trabalhava sua terra e
ficaram despojadas de água para suas lavouras, per- era parceiro numa fazenda próxima e, quando dimi-
dendo igualmente seus bosques de onde retiravam a nuía o trabalho, exercia as funções de muleteiro e de
madeira. Havia, assim, um clima propício à revolta e vendedor de cavalos. Nesse ofício, não só adquiriu o
uma reivindicação muito precisa - a necessidade de
fi gosto pelos cavalos, mas também a vaidade de mon-
espaço para a garantia da própria sobrevivência indi- tar um belo animal. Nos dias festivos gostava de
vidual e da família. Havia, ainda, a consciência clara apresentar-se totalmente de branco, calçando botas
da usurpação. O sentimento da usurpação represen- .de boa qualidade e cavalgando seu cavalo com arreios
tado pela expulsão da terra que, desde tempos ime- de prata. Na Cidade do México sua vestimenta negra
moriais, pertencia às populações locais predispunha 1 chamara a atenção principalmente devido a seu co-
os camponeses de Morelos a aceitarem a proposta lete com uma grande águia bordada nas costas (W 0-
revolucionária de lutar pela restituição das terras mack,p.S).
usurpadas. Havia, ainda, outro aspecto importante, O nome Zapata em Anenecuilco era conhecido
qual seja, a existência de uma forte liderança local tradicionalmente como pertencente a políticos ilus-
representada pelos moradores que se sentiam lesados tres que, desde a independência, Reforma e inter-
~I
pela política porfirista. Foi nesse grupo que se pro- venção estrangeira, sempre haviam estado na defesa
jetou a liderança de Emiliano Zapata. dos camponeses locais. Emiliano, continuando a tra-
Emiliano Zapata nasceu por volta de 1879, em dição de sua família, foi, aos 30 anos, eleito presi-
I ,
I
Anenecuilco, uma aldeia de Morelos junto ao rio
Ayala, que deveria contar, em 1909, com 400 habi-
tantes (Womack, p. 1). Perdeu os pais aos 16 anos e
, dente do Conselho local.
A 12 de setembro de 1909 reuniram-se os chefes
de família de Anenecuilco para a escolha do novo
y logo em seguida enfrentou problemas com as autori- presidente do Conselho. O antigo presidente preve-
36 Anna Maria Martinez Corrêa

nia que os tempos estavam mudando e que exigiam \1


gente nova. Os velhos já haviam dado sua ajuda à
comunidade, havendo necessidade de renovar, pois
os velhos juízes deveriam ceder seus lugares aos I
"guerreiros", uma vez que os tempos que se aproxi- ~\

mavam seriam particularmente difíceis. Para gover-


nar seu povo nesses novos tempos, foi escolhido Emi-
liano Zapata. Emergia, assim, uma liderança local,
adequada aos novos momentos que se abriam.
o OPERARIADO E A REVOLUÇÃO

I, "Y vais a ser vosotros, obreros, Ia fuerza de


esa revolución, "
(Flores Magõn, Ricardo, Regeneraci6n, p.
230)

A Revolução Mexicana é vista como um movi-


mento que mobilizou amplas massas do setor rural.
Grande parte da temática da Revolução Mexicana
esteve fundada na questão agrária. Nem por isso, no
entanto, podemos afirmar ter ela sido um movimento
exclusivamente rural. Ao contrário, os centros urba-
\' nos tiveram uma importância especial nesse movi-
mento como centros de decisão, onde se concentrava
Silva Herzog, Jesús - La Révolution Mexicaine. Trad. o poder. A população operária, concentrada em al-
de Raquel Thiercelien. Paris, Maspero, 1968, p. 7. guns desses centros, teve igualmente uma partici-

l pação na Revolução Mexicana. Apenas, por suas


características próprias e pelo número mais redu-
zido, bem como pela sua concentração, era mais
4tt
38 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 39

vulnerável do que a população camponesa, tendo sua o que significava o cerceamento da ação das lideran-
ação mais facilmente controlada pela ação refor- ças, prisões e empastelamento de jornais.
mista. As greves que tiveram uma importância maior
A organização operária mexicana teve imcio pela sua intensidade, pelo significado de seus propó-
com a própria industrialização do México, a partir sitos e pela sua repercussão foram as de Rio Branco e
da segunda metade do século XIX. A população Cananea, localidades do norte do México, nas proxi-
operária estava conc-entrada particularmente nos midades da.fronteira com os Estados Unidos. Essas
centros de mineração. As maiores concentrações es- greves tiverám uma importância política muito gran-
tavam na Cidade do México, em Veracruz, Monter- de em virtude da ação de jornalistas anarquistas que
rey, San Luis de Potosí, Tampico, Toluca e Pachuca. tiveram a preocupação de dar divulgação ao que se
A motivação da organização operária esteve ligada, passava naquelas indústrias. Através da imprensa os
desde seu início, à luta por melhores condições de anarquistas divulgaram a situação de exploração em
vida e de trabalho. Da mesma forma que os campo- que vivia o trabalhador mexicano e sua situação de
neses, os operários mexicanos também tinham suas inferioridade em relação ao trabalhador norte-ame-
reivindicações a fazer. Essas reivindicações, por força ricano.
da própria atuação política da classe operária, foram Desde inícios do século XX, os sindicatos operá-
incorporadas aos programas dos clubes políticos e rios já organizados constituíam alvo da ação alicia-
dos partidos que começaram a ser organizados no dora de lideranças políticas. Esse tipo de ação adqui-
começo do século. riu uma expressão particular com a criação da Casa
As primeiras formas de organização tiveram o dei Obrero Mundial (COM), instituição que congre-
caráter de sociedades mutualistas, de socorros mú- gava uma variedade de sindicatos operários. A tenta-
tuos e de denúncias da exploração dos trabalhadores, tiva de manipulação da COM, num momento difícil
passando em seguida à organização sindical. da história do operariado mexicano, momento de
Quanto às formas de atuação manifestaram-se desemprego, alta do custo de vida, inflação, compro-
\"
através de movimentos grevistas. A ação grevista era meteu sensivelmente a participação da classe ope-
acompanhada pela ação jornalística liderada princi- rária na Revolução Mexicana.
palmente por anarquistas. Esse tipo de ação passou a '-I O que se discute nesse particular é a desvincu-
se generalizar no México, a partir de 1865, quando lação da classe operária com o movimento dos traba-
ocorreu uma greve na localidade de San Ildefonso, lhadores rurais. Um dos pontos mais sensíveis da
numa indústria têxtil. A partir daí as greves torna- .1 Revolução Mexicana reside justamente nesse as-
ram-se freqüentes, acarretando uma ação repressiva, pecto. No momento da derrubada da ditadura porfi-
40 Anna Maria Martinez Corrêa

rista, a aliança operário-camponesa existiu e foi posi-


tiva. Posteriormente, porém, as lideranças autênticas
do operariado mexicano foram afastadas mediante
prisões, deportações e mortes. Por sua vez, os polí-
ticos reformistas passaram a desenvolver uma ação
desagregadora daquela aliança.
Desfeita a aliança operário-camponesa, afasta-
das as principais lideranças com a adesão de setores
do operariado aos grupos reformistas, o movimento
operário mexicano achava-se descaracterizado. En- A LUTA PELA DERRUBADA
tretanto, apesar de a ação ser desvirtuada, pode-se ' I11 DA DITADURA PORFIRISTA
atribuir à constância do movimento operário mexi-
cano a inclusão no texto constitucional de grande
parte de suas reivindicações.
"Ay, ay, ay, ay!
canta y no lIores,
. porque cantando, se alegran, cielito lindo,
los corazones., ."

As contradições geradas pela política desenvol-


vida por Porfírio Díaz, que resultou na transfor-
mação do México num Estado capitalista com carac-
terísticas definidas, permitiram a emergência de sé-
nos descontentamentos patenteados em problemas,
como a proletarização do homem do campo, reivin-
dicações camponesas de terras e solicitação da revo-
gação de leis que se traduziam em prejuízos ao ho-
mem do campo. Nas regiões industriais, a própria
concentração operária obrigava à convivência daque-
les que, sentindo problemas comuns, buscavam so-
luções coletivas ao sentir a exploração do trabalho.
A "modernização" do México empreendida' durante
~
lt
42 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 43

o período porfirista havia gerado um grande número' guesia, cuja atuação passava inicialmente pela uni-
de desempregados, de subempregados, de "foras-da- versidade através do movimento estudantil e, poste-
lei", criando uma massa disponível a participar de riormente, pela ação jornalistica.
contingentes armados. Todas essas tensões e novas posturas políticas
Da mesma forma, na própria burguesia mexi- seriam canalizadas por uma força política na busca
cana havia sinais de descontentamentos. Essa bur- de uma solução que aos poucos foi se revelando -
guesia não se apresentava de maneira uniforme. O a conquista do poder. Inicialmente essa força foi
rápido crescimento econômico do México durante representada pelos Clubes políticos, forma de orga-
esse período havia permitido a ascensão de um setor nização possível, dentro das limitações do momento.
mais progressista que, em razão particularmente dos O Círculo Liberal Ponciano Arriaga, organizado em
contatos com outros centros mais adiantados, passou San Luis de Potosí e dirigido por Camilo Arriaga e
a adotar uma postura crítica em relação à política Juan Sarábia é um exemplo deles. Esses clubes repre-
desenvolvida por Porfírio Díaz e, particularmente, ao sentavam o início de uma organização política que,
grupo dos "científicos". Esse grupo podia ainda sen- I posteriormente, seria consubstanciada em partido.
tir a forte tensão social que pesava sobre a sociedade A forma de luta encontrada foi a da ação jornalistica e
mexicana, antevendo os riscos a que estariam sujei- de reuniões isoladas de início, saindo depois às ruas
tos diante do agravamento dessas tensões. Por outro através de passeatas e comícios. A produção jorna-
lado, pelo contato que mantinha com outros países, lística, apesar de suas limitações, destacou-se com EI
idealizava uma "democracia liberal" para o México. Hijo dei Ahuizote, de Juan Sarábia; Excelsior, de
Camilo Arriaga e Francisco I. Madero represen- Santiago de Ia Hoz: Regeneración, de Ricardo Flores
tavam esse grupo. Magón; EI Diario dei Hogar, de Filomeno Mata,
Díaz Soto y Gama, Juan Sarábia, Rivera e Ri- e outros. .....
cardo Flores Magón representavam os intelectuais O movimento político adquiriu mais força, no
pequeno-burgueses familiarizados com os problemas entanto, com a criação de um partido político. A 30
da maioria dos mexicanos, influenciados pelas obras de agosto de 1900, em San Luis de Potosí, Camilo
anarquistas e socialistas, e defendiam a formação de Arriaga publicou o manifesto lnvitación ai Partido
uma coligação com outras classes de maneira a en-' Liberal, lançando assim as bases do partido. Dentro
volver operários e camponeses. Os irmãos Flores do Partido Liberal Mexicano (PLM) eram conhecidas
Magón tiveram uma posição muito bem definida as desavenças entre seus componentes, geralmente
dentro desse grupo. Eles representavam muito bem o intelectuais de diversos estratos sociais, que estavam
grupo de intelectuais procedentes da pequena bur- dispostos a formar novas coligações políticas, que
A Revolução Mexicana: 1910-1917 45
44 Anna Maria Martinez Corrêa
/I
!
compreendiam diferentes classes para se oporem a México, exigindo a formação de partidos políticos e
Porfírio Díaz e oferecerem reformas políticas e so- criticando, ainda, a participação dos "científicos"
ciais. Como Camilo Arriaga, Díaz Soto y Gama, num governo personalista e antidemocrático. Como
Juan Sarábia e Ricardo Flores Magôn foram repre- resposta, seus membros foram excomungados pela
sentantes de um certo tipo de intelectuais. Igreja e condenados por Porfírio Díaz.
A proposta de Arriaga continha uma reafir- Na Cidade do México os liberais fundaram a
Asociaciôn Liberal Reformista. Porfírio Díaz, pas-
mação do liberalismo do século XIX, retomando a
sando à ofensiva, fechou os clubes. Jesus e Ricardo
crítica à ação da Igreja e iniciando uma oposição a
Flores Magôn, em razão de artigos publicados em
Porfírio Díaz. Assim, tornou-se freqüente o apelo ao Regeneración, foram presos. Apesar da prisão dos
passado, à necessidade da restauração da Constitui- dois líderes, seus companheiros continuaram o tra-
ção de 1857. Daí o aspecto contradit6rio do partido. balho no jornal, que acabou empastelado. Toda essa
Para que se efetivasse o novo seria preciso restaurar o
ação do governo não diminuiu a intensidade do movi-
velho, que havia sido descartado pela política auto-
mento da oposição, que programou para novembro
ritária de Porfírio Díaz. Sem se aventurar numa pro-
de 1901 seu segundo Congresso. Os temas em debate
posta totalmente nova, o que estava presente era a
seriam a Reforma Agrária, o problema dos índios
idealização da democracia sonhada por Benito Juá-
yaquis, o regime de trabalho nas grandes fazendas e
rez na época da Reforma. Mesmo as propostas mais
avançadas, como a dos irmãos Flores Magôn, esta- o controle das riquezas da nação pelos estrangeiros.
vam marcadas por essa idealização do passado. Poucos dias antes da realização do Congresso, a polí-
Ao sair da prisão,· onde estivera algum tempo cia invadiu a sala de reuniões, fez uma série de pri-
por ter participado do movimento estudantil, Ri- sões e o Congresso foi cancelado. Numa demonstra-
cardo Flores Magôn fundou, juntamente com seu ção de força, o Estado porfirista fechou, em um ano,
irmão, um jornal com o sugestivo título de Rege- 42 jornais e 50 jornalistas foram presos.
neraciôn, O Clube Liberal, fundado por Camilo Ar- Postos em liberdade, os liberais retomaram suas
riaga, lançou o jornal Renacimiento, Da mesma
~)
atividades. No entanto, a repetição do processo de
aprisionamento impediu a circulação sistemática dos
forma, o primeiro Congresso Liberal, realizado a
jornais. Os líderes Magón, Soto y Gama e Arriaga
5 de fevereiro de 1901, teve o sentido de comemorar a
escolheram o exílio e, dos Estados Unidos, passaram
Constituinte de 1857, retomando a ideologia liberal. aos poucos a dirigir o movimento de oposição à dita-
Iniciando seu trabalho político, o Partido Libe- J, dura de Porfírio Díaz. O tema a que se apegaram os
i I
ral Mexicano publicou, em março de 1901, o Mani- liberais na campanha de 1903 era o da não-reeleição.
festo a Ia Nación denunciando a estrutura política do
46 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 47

I
I.
A campanha sofreu violenta repressão com prisões às fábricas de manter boas condições de salubridade
arbitrárias, supressão da liberdade de expressão e de e de higiene, particularmente nos casos de risco no
"reunião, com freqüentes assassinatos. Aos poucos, trabalho; obrigação de propiciar o bem-estar do tra-
concluía-se que seria difícil chegar ao poder pelos balhador. Para os trabalhadores das minas, obriga-
meios legais. Somente com o uso da força isso seria ,\I ção de fornecer acomodações higiênicas, pagando
possível. Projetou-se assim a idéia de revolução, en- indenização em casos de acidentes; menor número
tendida aqui como tornada do poder por uma ação possível de estrangeiros e obrigatoriedade de repouso
,I violenta, fora dos princípios legais. A idéia foi lan- dominical.
çada inicialmente por Ricardo Flores Magón. Reto- Quanto à produção agrária, exigia-se a obriga-
mando em San Antonio (Texas) a publicação de ção de tornar as terras produtivas. Aqueles que não
Regeneraciôn, reorganizou o Clube Liberal, rom- atendessem a essa determinação teriam suas terras
pendo com o grupo de Camilo Arriaga. Depois de confiscadas. Distribuição de terras àqueles que ne-
escapar de uma tentativa de assassinato, Ricardo mu- cessitassem delas. Criação de um Banco Agrícola.
dou-se para Sairit Louis (Missouri), passando a pre- Modificação no sistema de impostos. Cláusula espe-
gar a necessidade de uma revolução a fim de se con- cial - não-reconhecimento da dívida contraída pela
seguir "Reforma, Liberdade e Justiça", sendo preso ditadura.
pelos agentes da Pinkerton. O Manifesto de 1907 contém, de modo geral, as
A 1? de julho de 1907, o Partido Liberal Mexi- reivindicações básicas da Revolução que permane-
cano publicou seu programa, em Saint Louis, Mis- ceram durante todo o período de luta e que são
I' souri, consistindo basicamente dos seguintes itens: retomadas a partir das discussões da Assembléia
mandato presidencial de 4 anos; não-reeleição; elimi- Constituinte de 1916-1917. A comparação dos dois
nação do serviço militar obrigatório; abolição da documentos - o Manifesto e a Constituição Mexi-
pena de morte; multiplicação das escolas primárias; cana de 1917 - dá a medida do avanço ou do recuo
ensino público; melhoria salarial para os professores; das pretensões revolucionárias.
obrigatoriedade aos estrangeiros de se naturalizarem ~
ao adquirir propriedades; restrições à imigração;
imposição de impostos à Igreja.
Quanto às relações capital-trabalho: jornada
máxima de 8 horas; estabelecimento de um salário
mínimo regional; regulamentação dos serviços do-
)!
mésticos; proibição do trabalho do menor; obrigação "
jt
A Revolução Mexicana: 1910-1917 49

,
ao final de 1908 publicou um livro com o título de La
Sucesión Presidencial en 1910. El Partido Nacional
~ ') Democrático.
Francisco I. Madero era natural de Parras (Coa-
,J 1 ,l huila) , onde nasceu a 30 de outubro de 1873 numa
família de grandes proprietários territoriais (Cum-
,; berland, Madero y Ia Revolución Mexicana, p. 41).
Foi educado inicialmente por professores particu-
lares e depois matriculou-se numa escola de jesuítas
o DESENCADEAMENTO de Saltillo e, em seguida, numa escola católica de
DA REVOLUÇÃO Baltimore. Aos 14 anos foi à França para estudar co-
mércio e economia. Em 1892, em Berkeley (EUA),
.I especializou-se no estudo da agricultura. De volta ao
México, em 1893, passou longo tempo em visita às
extensas propriedades de sua família, procurando
"La Cucaracha, Ia Cucaracha,
entender as condições econômicas da região. Na
ya no puede caminar,
porque no tiene, porque le falta
marijuana que fumar,"
,\ França havia se definido pelo espiritismo e, de volta
ao México, passou a se dedicar apaixonadamente ao
I
tema, chocando-se nesse particular com a opinião
No quadro político descrito anteriormente, uma dos "científicos" da época. A partir de seus estudos e
notícia teve repercussão notável. Em janeiro de 1908, da observação pessoal das condições sociais existen-
Porfírio Díaz, em entrevista concedida ao jornalista tes no México, Madero concluiu que o único cami-
norte-americano James Creelman, deu a conhecer nho para seu país seria a prática da democracia,
sua intenção de deixar o poder. A divulgação dessa entendida esta nos moldes do liberalismo clássico do
notícia abriu possibilidades de organização das for- século XVIII. Seu envolvimento político ocorreu ini-
ças políticas que aspiravam ao poder. Emergiram cialmente em nível local, de política municipal e
11,
assim as lideranças para a disputa do poder com a estadual em Nuevo León.
reorganização dos partidos políticos, agora com um Em seu livro, La Sucesión Presidencial en 1910,
!~I objetivo imediato.
Entre os nomes que se projetaram nesse mo-
mento encontrava-se o de Francisco I. Madero, que
dedicado "aos heróis da nossa pátria, aos jornalistas
independentes e aos bons mexicanos", Madero cri-
tica a administração de Porfírio Díaz, resguardando,
\\\
50 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917

no entanto, a pessoa deste. Expõe, também, suas


~,[
idéias a respeito do que supunha dever ser a demo-
cracia mexicana. De maneira particular discute a .•..
""'tIO

questão da não-reeleição e do sufrágio universal. O ~


'I::
livro é dirigido particularmente à classe média, con- ~
~
vidando-a a dirigir um movimento regenerador. Con- 0$
C,)

tém uma proposta de gartido político, o Partido Na- .><


11)
cional Democrático. Madero supunha que talvez ::E
houvesse ainda a possibilidade de se realizar um •...
0$
acordo com Porfírio Díaz. Este ocuparia aPresidên- "5
cia e um membro do PND ocuparia a Vice-Presi- §<
~
dência. ' tIO
-0$
O projeto de Madero de formar um partido "Ó

0$
político tomou forma em 22 de maio de 1909, quando tIO

foi fundado o Partido Antirreeleccionista (Nunes, p. c,o


70). Este partido englobava principalmente elemen- .s
4'-'
tos de classe média: intelectuais independentes, pro- o
"-
\,)
fissionais liberaise a nova classe mercantil e de in-
,~
dustriais do norte e do nordeste. O Partido lançou
~
Madero como candidato à Presidência e Vázquez o
Gómez à Vice-Presidência. Sua plataforma consistia ~
em: não-reeleição, sufrágio direto, liberdade política e
<li
"1:$
e liberdade de imprensa, liberdade d~ ensino, melho-
ria das condições de vida do operário, fundação de
colônias agrícolas, tentativa de solução para ° pro-
11l) I .'~ _~~/~7A'Wh ---J.h=== i'"
•••....•.
~
{4
blema dos índios, luta contra os monopólios e privi- .g
légios, incentivo à grande e, particularmente, à pe- .•..~
quena agricultura, à irrigação, mexicanização do . <li~
pessoal das ferrovias, reforma do Exército, reforço ~
das boas relações com países estrangeiros, particu-
larmente da América Central, investimentos públicos
52 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917

~I
.'/
.I

I
em benefício do país, impostos repartidos eqüitati- imposta pelo terror - a prisão de Madero e Roque
vamente. Estrada são prova disso - deram vitória a Porfírio
Madero, na companhia de Roque Estrada, ini- Díaz.
ciou a campanha eleitoral viajando pelo país. De - Estava programada para setembro a comemo-
início, poucas pessoas acorriam para ouvi-lo, mas, ração do centenário da independência do México,
em pouco tempo, a cada comício compareciam mul- como um grande acontecimento internacional. O
tidões. A campanha desencadeada por Madero con- México mostraria para o mundo o seu crescimento
tinha uma crítica à administração de Porfírio Díaz econômico, sendo a capital totalmente remodelada e
qualificada de loucura pela imprensa porfirista, que construidos pavilhões para ostentar uma feira inter-
passou a ridicularizar Madero. nacional. Seria a apoteose da ditadura, antes que
O porfirismo era apoiado pelo clero graças à Porfirio Díaz deixasse o poder, o que já estava pre-
política de conciliação, assim como também pelas visto para breve, por insinuação do próprio presi-
forças econômicas mais poderosas do país: banquei- dente ou mesmo em razão de sua avançada idade.
ros, industriais, comerciantes e grandes proprietá- Por ocasião das festas do centenário da inde-
rios. Todos eles eram conservadores. Mas, diante do pendência, os partidários de Madero organizaram
sucesso popular de Madero, as autoridades come- uma manifestação que foi violentamente reprimida.
çaram a se preocupar (Silva Herzog, Breve Historia Foram efetuadas várias prisões na noite de 5 para 6
de Ia Revolucion Mexicana, vol. 1, p. 120). De início, de outubro. Madero fugiu de San Luis de Potosí,
criaram dificuldades para a realização de comícios, dirigindo-se a San Antonio, no Texas. No exílio,
até quando Madero e Roque Estrada foram apri- Madero redigiu o Plano de San Luis de Potosí, da-
sionados, em San Luis de Potosi, a 7 de junho de tado de S de outubro de 1910, que veio'a ser a plata-
1910, sob a acusação de incitar o povo à rebelião. forma da Revolução Mexicana.
A partir daí aumentou mais ainda a popularidade de No Plano de San Luis ,. Madero reafirmava o
Madero, que apareceu aos olhos do povo como uma exposto anteriormente em sua campanha política:
vítima de um regime despótico. Madero e Roque sufrágio direto, não-reeleição presidencial. Já neSta
Estrada foram libertados a 22 de julho, depois de 4S altura ficara claro que não seria possível, à oposição,
dias de prisão, liberdade sob fiança por interferência ascender ao poder por vias legais, colocando-se o
dos pais de Madero, com a ajuda de José Ives de problema da necessidade do recurso à luta armada,
Limantour, então ministro da Fazenda. definindo-se então Madero pela revolução.
As eleições, que ocorreram a 26 de junho de ),
A data da insurreição ficou marcada para 20 de
1910 e se desenvolveram numa atmosfera de paz novembro. Semtrazer grandes modificações em rela-
54 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 55

I
cão às propostas políticas de Madero divulgadas
• Orozco.
'I
anteriormente, o Plano de San Luis notabilizou-se O desencadeamento do movimento foi anteci-
pelo parágrafo terceiro do artigo terceiro, que teve pado, porém, pela ação da polícia porfirista que,
uma ação mobilizadora, de efeito fundamental para a 18 de novembro, em Puebla, investiu contra Aqui-
o desencadeamento da ação revolucionária. A pro- les Serdán, correligionário de Madero. Sua casa foi
pósito da necessidade de devolução das terras usur- cercada e todos os ocupantes foram mortos, depois
padas, Madero propunha-o seguinte: "Abusando da de uma resistência desesperada de algumas horas.
lei de terrenos baldios, numerosos pequenos proprie- Após os acontecimentos de Puebla começaram a
tários, em sua maioria indígenas, foram despojados se movimentar grupos armados em diversos pontos
de suas terras por acordo da Secretaria do Fomento, do país, iniciando uma ação que, embora ainda não
ou por atos dos tribunais da República. Sendo de de todo articulada, contribuiu, por isso mesmo, para
toda a justiça restituir a seus antigos possuidores os desorientar as forças federais. No norte levantaram-
terrenos que se lhes despojaram de um modo tão se as tropas de Orozco, Villa, Luiz Blanco e Guil-
arbitrário, declaram-se sujeitos à revisão tais dispo- lermo Baca, havendo ação dos grupos rebeldes em
sições e atos e se exigirá aos que os adquiriram de um Chihuahua, Sonora, Durango, Zacatecas e Cahuila.
modo tão imoral, ou a seus herdeiros, que os resti- As primeiras tentativas de luta armada foram
tuam a seus primitivos proprietários, os quais pa- inseguras, imprecisas e desarticuladas, permitindo,
garão também uma indenização pelos prejuízos so- no entanto, que outros grupos se sentissem estimu-
fridos. Só nos casos de que esses terrenos tenham lados a integrar-se ao movimento. Em Morelos a
passado a uma terceira pessoa antes da promul- adesão às forças rebeldes estava ainda sendo discu-
gação deste plano, os antigos proprietários rece- tida. Quanto a Madero, que havia se refugiado nos
berão indenização daqueles em cujo benefício se veri- Estados Unidos, tentava, de lá, coordenar a ação re-
ficar o despojo" (Silva Herzog, op. cit., p. 138). belde. A principal dificuldade do comando estava na
A questão da restituição das terrél~UJsl!!padas falta de recursos e também na falta de entendimento
seria a palavra de ordem esperada pelos cªQ:!PQJ!.e.ses entre as lideranças. Outra questão que veio interferir
que se sentiam prejudicados com o avanço sobre suas na ação do comando foi a notícia da ameaça de pri-
terras na região sul, principalmente em Morelos. De são de Madero pelo governo norte-americano. Em
maneira que era um apelo a todos aqueles que se vista disso, Madero foi obrigado a se manter oculto
sentiam prejudicados, como uma grande parte da durante algum tempo.
população do norte que, atendendo a apelo de Ma- Quanto a Porfírio Díaz, desde que surgiram as
dero, colocou-se sob a liderança de Villa ou de primeiras manifestações de revolução, entrou em
56 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 57

contato com o governo dos Estados Unidos a fim de


evitar que fosse dada ajuda aos rebeldes e insinuando
que fosse feita a prisão de Madero. Apesar da soli-
citação de Porfírio Díaz, o governo norte-americano
não criou dificuldades à ação daquele. Os combates, ~•...
continuavam intermitentes, gerando uma situação
~
insegura e confusa. Em meio a essa desarticulação
evidenciou-se uma possibilidade de vitória dos rebel- ~•...
,<:w
des em Cidade Juárez, ponto estratégico importante E.:::
pela proximidade dos Estados Unidos, o que signi-
ficava a possibilidade de se obterem 'recursosem ~
,<:w

armas e munições. A tomada de Cidade Juárez seria E.:::


"
para os rebeldes um fator decisivo de vitória, mas ~
~
para isso seria preciso que a unidade de comando ;:..

fosse assegurada pela presença de Madero. Este jul- .~


gava, no entanto, que sua presença só deveria ocorrer ~
<:w

quando, de fato, fosse configurada a vitória dos re- ~


~
beldes. Durante esse momento de indefinição, os re- ;:..
8-
beldes concentravam suas forças em Chihuahua. I::
Antes de regressar ao México, Madero elaborou ~
~
um plano de ação que consistia na captura de várias ~
localidades do norte de Chihuahua, o isolamento e a ~
§<
derrota de pequenas unidades do Exército Federal e N
a destruição das comunicações entre a capital e Ci- ~
dade Juârez e, finalmente, a captura de Cidade Juá- ~
§<
rezo .t:
A execução do plano contava com a séria difi- ..,
culdade da falta de recursos, uma vez que o governo ~
norte-americano não liberara a venda de armamen-
tos. Nessas circunstâncias, a notícia da presença de
tropas com cerca de 20000 homens do exército norte-
58 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917. 59

americano ao longo da fronteira mexicana inquietou seu caráter regional, desviando a atenção do Exército
tanto a rebeldes como a federais. Ainda que os Es- Federal. A guerrilha zapatista era típica. Os revolu-
tados Unidos tentassem desacreditar a idéia de que cionários, peões das fazendas ou habitantes das al-
se tratava de uma intervenção, era claro indício de deias, formavam comumente bandos de 30 a 200 ou
que o governo do Norte tinha dúvidas quanto à capa- 300 homens comandados por um guerri/lero. Uns
cidade de Díaz para proteger os súditos norte-ame- iam a pé, outros montavam seus pequenos cavalos ou
ricanos e suas proprie-dades. O alarme aumentou mulas roubadas das fazendas próximas. Possuíam
mais ainda com o anúncio de que a frota americana apenas as armas e munições que conseguiam roubar
do Pacífico iria efetuar manobras na costa ocidental das tropas regulares em golpes audaciosos ou então
do México. Para o governo mexicano ficava clara a '( apetrechos que eles mesmos fabricavam. Em suas
perda de confiança em sua capacidade de reprimir as ações de emboscada conseguiram alguns canhões.
forças revolucionárias e impor a paz. As "manobras" Guerra de camponeses conhecedores de seu terre-
norte-americanas nasceram de uma conferência entre no, a ação guerrilheira não estava desvinculada das
o presidente Taft e o embaixador Henry Lane Wil- atividades habituais. A passagem dos federales os
son, na qual este expressou sua opinião de que a rebeldes transformavam-se rapidamente em traba-
queda do regime de Díaz já havia começado e assi- lhadores da terra. Cortavam as comunicações, fa-
nalou os perigos para as vidas e propriedades dos ziam armadilhase emboscadas aos destacamentos
americanos (Cumberland, op. cit., p. 156). regulares. (Chevalíer, Le soulêvement de Zapata,
Por sua vez os rebeldes mantinham contatos p.69). .
com o governo norte-americano através de Vázquez No Norte os rebeldes haviam criado uma situa-
Gómez. O resultado dessas negociações foi uma pro- \ ção de governo de fato, com a sede em Bustillos,
posta de anistia geral, substituição de alguns gover- concentrando-se a luta na tomada de Cidade Juárez,
nadores, modificação da lei eleitoral, reforma da I capturada finalmente, a 11 de maio de 1911.
Constituição e mudanças ministeriais. Ao invés des- I
A 21 de maio foi assinado um acordo entre
sas soluções, os rebeldes já haviam adotado seus maderistas e federais, pelo qual estavam finalizados
próprios métodos e o. movimento passara a tomar os combates. A 25 de maio o presidente e o vice-
mais alento pela, adesão de Morelos.. com Zapata, presidente demitiram-se e foi organizado um governo
a 10 de março. provisório sob a direção de Franciscó de Ia Barra.
A ação de Zapata contribuiu sensivelmente para Este, de acordo com a Constituição, deveria convocar
I
a melhoria da situação dos rebeldes do norte em eleições gerais. A 27 de maio, Porfírio Díaz embar-
função de sua organização muito, particular e pelo . cou para a Europa.
60 Anna Maria Martinez Corrêa

Depois de uma verdadeira marcha triunfal pelo


país, Madero chegou à Cidade do México a 7 de
junho de 1911, sendo aclamado por uma verdadeira
multidão.

A ORGANIZAÇÃO
DO PODER REVOLUCIONÁRIO

"v.. hacia atrás, hacia atrás, .en Ia nostalgia,


podrás hacer tuyo cuanto deseas: no hacia
adelante, hacia atrás ..;"
iCarlos Fuentes, La Muerte de Artemio Cruz)

Um dos alvos propostos pela revolução, a derru-


bada de Porfírio Díaz do poder, fora atingido; isto,
no entanto, não significava a derrubada da ditadura.
Nesse ponto é que começam as críticas, particular-
mente em relação à forma pela qual ocorreu a saída
~ de Díaz do poder. A crítica maior reside no caráter
parcial do movimento, sua timidez, uma revolução
que não se completara em seu momento decisivo.
A idéia da conquista do poder pelas armas, com a
organização de um Exército Revolucionário, não
~ condizia com os acontecimentos quando, em nome
dos "princípios democráticos", fez-se o apelo à lei

li'
62 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 63

I:
para a organização do poder, de conformidade com a locais, oWt=cite Revolucionário não estava disposto
Constituição de 1857, o que permitiu uma continui- a cessar sua ação. Se bem que a derrubada da dita-
dade do poder em mãos de antigos porfiristas. Ape- dura tivesse sido a motivação inicial para os com-
sar de todo o aparato bélico, do choque dos dois exér- bates, a expectativa era outra. Os problemas locais
citos, na verdade a solução escolhida foi a legal, con- pesaram muito mais. Q que se esperava era a solução
forme a Constituição, uma Constituição que havia para as questões agrárias.
1 ~ sido desprezada pela ditadura. A renúncia __dopresi- As exigências dé(Exército_E.eyolucionár~o~ torna-
dente e sua substituição por •.um governo provisório, vam-se cada vez mais um peso ao novo" governo. O
dentro dos quadros do poder derrubado, deixava dú- problema a ser resolvido era grave na medida em que
, vidas sobre a natureza do movimento. o que se exigia era a a~oção de soluções ~idasJe ra-
No momento final da luta pela derrubada da \ dicais. Ao contrário.ia cúpulâ propunha soluções le-
ditadura, houve a união de esforços de setores dife- gais, institucionais, o que demandava tempo. Seria
renciados da sociedade de maneira a compor uma preciso primeiro reorganizar o poder para cólocá-Io
imensa frente dotada de um objetivo comum. Ao se em condições de agir.
atingir a meta, fazendo desaparecer o motivo da Imediatamente após o acordo de Cidade Juárez,
união momentânea, os conflitos começaram a surgir. aflorou uma série de problemas aos revolucionários.
Além do mais·, a forma pela qual fora derrotado o A 26 de maio de Ia Barra assumiu a Presidência em
poder constituído, em seu momento final, não permi- ícaráter provisório, até que fossem realizadas as elei-
tindo uma vitória retumbante das forças coligadas, ções. Organizou seu gabinete ministerial composto
diminuindo o impacto da vitória, desmerecendo-a por antigos porfiristas, liberais moderados e conser-
até, não deixou que as tropas revolucionárias osten- vadores.
tassem glórias pelo fim atingido. Ao renunciar, Por- Fora instituída uma dualidade de poder que
fírio Díaz privou Madero do sabor de uma batalha enfraquecia o movimento. De um lado estava o go-'
gan1íãêin campo. As tensões de uma vitória incom- vemo provisório, representado por de Ia Barra e, de
! pleta não tardaram a extinguir a coligação revolucio- outro, a liderança de Madero, representando as for-
I 'nária. ças revolucionárias. Essa dualidade de poder confi-
• gurava-se igualmente na existência de dois exércitos:
Entretanto, o desencadeamento da luta armada
simultaneamente, em vários pontos do país, não seria de um lado o Exército Federal, remanescente do
detido com a renúncia de Porfírio Díaz. Sem uma exército porfirista, profissional e organizado; de ou-
unidade de comando, estimulados pela possibilidade tro lado o Exército Revolucionário, improvisado, de-
de sucesso na busca de soluções para os problemas sarticulado, mas teimando em se manter mobilizado.
64 Anna M,aria M artinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 65

A liberdade instaurada com a queda da ditadura deu 'i\ o sufrágio e a não-reeleição o partido não teria mais
oportunidade ao afloramento de manifestações de razão de ser. Isso provocou descontentamentos por
toda ordem, particularmente na imprensa que, há parte daqueles que acreditavam ser necessária a sua
tanto tempo amordaçada pela censura porfirista, en- manutenção. Os descontentes desligaram-se de Ma-
contrava agora a oportunidade tão esperada do de- dero, ficando sob a liderança de Vâzquez Gômez.
bate, da crítica e da oposição. Essa cisão veio apenas completar um desentendi-
A crítica recaía sobre a própria forma de orga- mento anterior dos irmãos Vázquez Gômez com Ma-
nização do poder. A insistência de Madero na sua dero a respeito do problema agrário. Estes conside-
maneira particular de conduzir o processo, desde as , \ ravam que a solução do problema agrário deveria ser
negociações de Cidade Juárez, não querendo assumir imediata. A negativa de Madero e sua insistência por
o poder, em nome da legitimidade, insistindo na sua uma ação moderada e institucional contribuiu para
crença do(sufrágio, deu oportunidade ao enfraque- agravar a crise, culminando com a cisão.
cimento de-sua liderança aos olhos dos revolucio- \
Ao propor a dissolução do· Partido Antirreelec-
nários, que esperavam decisões mais firmes, mais cionista, Madero articulou a fundação de outro,
imediatas e mais radicais. Além disso, essa contem-
porização deu oportunidade a críticas de porfiristas, ( denominado Partido Constitucional Progresista. Ain-
( da nessa ocasião foram organizados os partidos Na-
de católicos e de revolucionários descontentes. Du- cional Democrático e o Liberal, e surgiram novos
rante essa fase, o debate sobre questões sôcio-econô- como o Partido Liberal Radical e o Partido Católico,
I micas adquiriu uma violência maior. Cada grupo ambos de oposição.
revolucionário garantia ser o verdadeiro represen- A oposição a Madero era formada pelos porfi-
tante das classes menos favorecidas e cada um tinha ristas , magonistas, reyistas, "científicos", vazquis-
num intelectual seu porta-voz. Esses grupos, con- tas, havendo ainda opositoresna Câmara dos Depu-
forme se aprofundassem no debate, dirigiam suas tados, no Senado e nas Secretarias. A par da questão
críticas à política de Madero. \
político-partidária e da oposição que se fazia pela im-
Iniciadas as articulações políticas, passou-se à prensa, Madero enfrentou ainda problemas resultan-
reorganização dos partidos com vistas às eleições. tes da manutenção de dois exércitos, o federal e o
Madero propôs, a 9 de julho, a dissolução do Partido revolucionário.
Antirreeleccionista, o que provocou uma forte crise A 12 de julho ocorreu um incidente em Puebla
política. Na sua opinião, o partido havia se formado envolvendo as duas forças. No dia seguinte, Madero
com a finalidade de combater a ditadura de Porfirio f foi a Puebla e criticou a atuação dos revolucionários,
Díaz, e acreditando que o poder instituído garantiria insistindo na necessidade da desmobilização. Esse
l
66 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917

incidente desagradou as lideranças revolucionárias I do poder revolucionário, o verdadeiro chefe do Es-


de Puebla, que lançaram um plano de ação mais tado era de Ia Barra, que não aceitou a proposta de
radical do que o de San Luis. Madero e, diante dos protestos de Zapata, enviou a
Outra questão que contribuiu para aumentar a Morelos tropas federais sob o comando de Victoriano
crítica a Madero foi a sua atitude durante a Con- Huerta, que tomou facilmente Cuatla, Yautepec e
venção do Partido Constitucional Progresista, quan- Ayala.
do da escolha do candidato à Vice-Presidência. O \r Se de um lado ficara patente a dualidade de
mais popular deles era Francisco V ázquez Gômez, poder, de outro a fragilidade da liderança de Madero
mas Madero praticamente impôs o seu candidato, era evidente, tornando-o alvo fácil das críticas oposi-
Juan María Pino Suárez. cionistas. Nesse setor, a atuação da imprensa mago-
Num ambiente tenso começaram os preparativos nista, sob a liderança de Ricardo Flores Magón, deu
para as eleições. Madero acreditava poder contar mostras de sua insatisfação, particularrn:ente em seu
com o apoio popular, em nome do patriotismo e da Manifiesto dei 23 de septiembre de 1911. Os mago-
bondade humana, esperando como resposta que esse nistas convocaram os despossuídos a expropriarem
povo depositasse nele a confiança necessária para a não só a terra, mas também todos os meios de pro-
solução dos problemas levantados no decorrer da dução para colocá-Ios na posse dos verdadeiros pro-
campanha. Como era de opinião que a manutenção dutores, as classes trabalhadoras (Regeneración,
do Exército Revolucionário seria desnecessária, des- p.306).
de que o problema agrário pudesse ser resolvido Nesse ambiente foram realizadas as eleições, em
institucionalmente, insistia na desmobilização das outubro de 1911. Concorreram: Partido Constitu-
forças revolucionárias. I cional Progresista, cujos candidatos à Presidência e à
"".
Zapata manifestou-se contrãrio à desmobiliza- Vice-Presidência eram respectivamente Francisco I.
ção, declarando que só desarmaria seus homens Madero e Pino Suárez; Partido Antirreeleccionista,
quando houvesse a devolução das terras usurpadas. com Madero para presidente e Vázquez Gómez para
Madero tentou convencê-lo, mas sem sucesso. Diri- vice-presidente; Partido Católico, presidente Madero
i I giu-se, então, a Cuatla e prometeu a devolução das ,e vice-presidente de Ia Barra. A indicação do nome
terras quando chegasse efetivamente ao poder, ofe- de Madero por partidos políticos de tendências diver-
'\ recendo ao general Eduardo Hay, ligado a Zapata, sificadas demonstra a maleabilidade de sua proposta
o governo de Morelos. Zapata concordou e deu início política, mas, ao mesmo tempo, uma possibilidade
\ à desmobilização de suas tropas. Mas, em face da de união e de efetivação das propostas revolucioná-
dualidade de poder, se Madero representava a chefia rias, o que destoava do quadro geral da expectativa
68 Anna Maria M 'artinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 69

da oposição. e a nacionalização dos bens daqueles que se opuses-


Eleito, Madero assumiu a Presidência a 6 de no- sem ao Plano de San Luis. Seus bens seriam canali-
vembro de 1911, em plena crise nacional, em meio a zados para o pagamento de indenizações de guerra.
greves operárias, à recusa dos ex-revolucionários em I I O plano teve divulgação ampla, sendo publicado em
desmobillzar suas tropas, demonstrando uma falta El Diário deI Hogar. A resposta de Madero foi o
de confiança no novo governo. Madero continuava envio de tropas para combater os zapatistas.
empolgado pelo seu otimismo, reafirmando a crença Em fevereiro de 1912 foi a vez do Norte. Os
do sucesso da revolução ao atingir a meta do sufrágio revolucionários de Chihuahua, sob o comando de
efetivo. Organizou um gabinete composto por polí- Pascual Orozco, insurgiram-se contra Madero. Pas-
ticos liberais e conservadores moderados, com ape- cual Orozco, antigo general maderista, lançou um
nas dois nomes de participantes do movimento revo- plano de ação política contra Madero, em março de
lucionário - Manuel Bonilla e Abrahan González. 1912, pelo qual acatava os planos de San Luis, Tacu-
Logo de início Madero enfrentou o levante diri- baya e Ayala. Fazia críticas a Madero e aos Estados
gido por Bernardo Reyes, que foi aprisionado. A Unidos e sua possibilidade de intervenção na política
ação mais decisiva, no entanto, foi a de Emiliano mexicana. Propunha a supressão da Vice-Presidên-
Zapata que, a 2S de novembro, lançou o Plano de cia e dos chefes políticos; que se desse maior auto-
Ayala . Por este plano, Madero foi considerado trai- nomia ao poder municipal e que fossem garantidas
dor da revolução pelo uso da força contra os próprios as liberdades de pensamento e de palavra. Reivin-
revolucionários, pela imposição de um vice-presi- dicava melhores condições de trabalho e de salário
'\ dente, por pactuar com os "científicos" e com os aos operários e sugeria uma reforma agrária com a
grandes proprietários. Sendo inepto para governar, devolução das terras usurpadas, respeitando-se os
não era reconhecido como presidente do México, portadores de títulos legais, com a distribuição de
\ para cujo cargo os zapatistas indicavam o nome de terras não-cultivadas e de terras baldias. Imediata-
\ Pascual Orozco ou, no caso de ele não aceitar, Za- mente se organizou uma coluna militar, sob o co-
pata. Propunha uma revisão do Plano de San Luis mando de Victoriano Huerta, para combater os oroz-
I com a devolução das terras usurpadas aos portadores quistas. Dessa coluna fazia parte Francisco Villa.
de títulos; expropriação dos grandes patrimônios Na mensagem de abertura dos trabalhos da As-
h territoriais monopolizados, para uma redistribuição sembléia Legislativa, a 1? de abril de 1912, Madero
da terra, quer na sua forma de apropriação indivi- informou os deputados a respeito do andamento de
dual, quer na sua forma de apropriação coletiva, seu governo. Criticou os movimentos de Zapata ede
como nos ejidos, visando o bem-estar dos mexicanos; ! Orozco, chamando-os de injustos, e reafirmou sua
70 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 71

I confiança no exército regular. Quanto à questão pécie de centro coordenador das atividades sindicais,
agrária, seria estudada inicialmente por duas comis- criada justamente com a finalidade de congregar o
sões: a Comissão Nacional Agrária e a Comissão movimento operário. Seus organizadores eram discí-
Nacional Executiva. A idéia fundamental partia do pulos de Kropotkine, Max Nordau, Bakunine e Eli-
princípio da necessidade do estabelecimento da pe- sée Réc1us. Eram anarquistas; pregavam a greve
quena propriedade. A tarefa das comissões seria en- geral e a ação direta. O governo de Madero via com
contrar as formas de estabelecimento da pequena desconfiança e com certa hostilidade a COM.
propriedade, o fracionamento e a colonização de ter- Na Mensagem ao Legislativo, de 16 de setembro
ras. Parcelamento de ejidos, fracionamento de terras de 1912, Madero procurou demonstrar otimismo ao
nacionais para vendê-Ias em lotes médios e peque- lembrar que havia atingido uma meta de seu pro-
nos. Ou ainda comprar algumas fazendas de grandes grama político - o estabelecimento da paz com a
proprietários e dividi-Ias com aquele propósito (Silva efetividade do sufrágio e da não-reeleição. Informou
Herzog, EI agrarismo mexicano y Ia reforma agraria, sobre a realização de um empréstimo de 10000 dó-
p.180). lares para os gastos de guerra. Demonstrou interesse
A lS de abril, a Comissão Agrária Executiva em melhorar a justiça.
apresentou um projeto que não coincidia com as Sobre a questão operária, informou acerca da
propostas do governo. A opinião da comissão era de realização de uma convenção obreiro-patronal das
que o trabalho de fracionamento de terrenos exigia indústrias de tecidos com l1S fábricas representadas.
estudos cuidadosos que demandariam muito tempo, ~ Quanto à questão agrária, informou a respeito da
enquanto a solução do problema exigia urgência. existência de 21 milhões de hectares nacionais. Os
Assim ela era mais favorável à reconstrução, nas al- terrenos que estavam em poder das companhias
deias, dos ejidos comunais, fazendo- se para isso as demarcadoras foram divididos e postos à venda a
reformas legais necessárias. . preços módicos ou para doações ou arrendamento.
Ao lado da questão agrária, a questão operária O otimismo de Madero contrastava, no entanto,
era igualmente preocupante, Durante o governo de com os acontecimentos desencadeados a partir de
Madero organizaram-se e fortaleceram-se as associa- então.
ções operárias. O clima de liberdade surgido com a
queda da ditadura de Porfírio Díaz favorecia o movi-
mento associativo, a organização de escolas, centros
culturais e organizações sindicais. Em julho de, 1912
foi fundada a Casa dei Obrero Mundial (COM), es-
!\
A Revolução Mexicana: 1910-1917 73

verno de Madero, particularmente à forma pela qual


haviam ocorrido as eleições para governadores, con-
trariando o princípio do sufrágio efetivo, tão defen-
dido por Madero.
A 9 de fevereiro de 1913, deu-se realmente o
golpe, com o levante de uma guarnição militar do
Distrito Federal. Iniciava-se a "decena trágica". Os
amotinados libertaram Bernardo Reyes e Félix Díaz.
Bernardo Reyes assumiu o comando dos amotinados
o GOLPE CONTRA MADERO - e dirigiu-se ao Palácio Nacional, sede do poder Exe-
"LA DECENA TRÁGICA" cutivo. O palácio foi defendido pelos seus ocupantes.
Bernardo Reyes foi morto e os rebeldes retiraram-se.
Madero nomeou Victoriano Huerta chefe das opera-
ções contra o movimento rebelde. Desencadeou-se
"Que una paloma triste muy de maãana le va então a luta entre os dois grupos e os rebeldes orga-
Icantar ... nizaram-se num local conhecido pelo nome de Cida-
hacia una casita sola con sus puertitas de par
len par ... dela.
juran que Ia paloma no es otra cosa más que Félix Díaz exigiu a renúncia de Madero, solici-
Isu alma ... tando a Henry Lane Wilson, embaixador dos Estados
que todavía le espera a que regrese Ia desdi-
Ichada .,;" Unidos no México, que funcionasse como mensa-
geiro, ao que Wilson se negou. O que se divulgou na
Em outubro de 1912 Madero enfrentou o levante época é que Wilson achava que o movimento não era
de Félix Díaz, sobrinho de Porfírio Díaz, que suble- oportuno. Na verdade, porém, o golpe foi preparado
vou o 21? Batalhão de Veracruz. Madero conseguiu sob a inspiração de H. L. Wilson. Apenas, em razão
deter o movimento. de sua condição de embaixador, dadas as incertezas
O levante de Félix Díaz representou a mani- do momento, por uma questão de segurança, Wilson
festação concreta da hostilidade já sentida desde o estaria resguardando sua pessoa e a posição dos Es-
, início da vida política de Madero. Essa hostilidade tados Unidos diante da opinião pública. Desde o
estava presente numa atmosfera geral de insatisfação início da Revolução o governo norte-americano sem-
e, dentro dela, circulavam fortes rumores de golpe pre estivera atento, acompanhando todos os passos
militar. Pelos jornais continuavam as críticas ao go- do processo. A qualquer oportunidade haveria a
74 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 75

~\

possibilidade de uma intervenção, a fim de proteger de meia-noite desse dia 22, foram retirados do Palá-
os imensos investimentos efetuados no país. cio Nacional os senhores Madero e Pino Suârez: logo
Victoriano Huerta, homem da confiança de os separaram e os obrigaram a subir em diferentes
Madero e que havia sido encarregado de combater o automóveis, garantindo-lhes que seriam conduzidos
golpe, aderiu ao grupo de Félix Díaz. Durante algum à Penitenciária para seu maior conforto. Já próximo
tempo conseguiu mascarar sua escolha, mas logo do edifício penal, um e outro foram covardemente
ficou evidente sua posição. Henry Lane Wilson con- assassinados' ao descer dos veículos, pelos agentes
.vidou Díaz e Huerta à Embaixada para estudar os que os custodiavam" (Silva Herzog, Breve Historia
meios de se manter a cidade em ordem. Dessa reu- de Ia Revolucion Mexicana, vol. 1, p. 301). Conforme
nião resultou um documento, conhecido como o a versão oficial, os carros foram abordados por ami-
Pacto da Cidadela ou Pacto da Embaixada, assim gos do presidente, a fim de libertá-lo. Houve troca de
chamado pelo envolvimento que houve da Embai- tiros, terminando com a morte de Madero e Pino
xadados Estados Unidos nesses acontecimentos. Pelo ~ Suârez.
pacto reconhecia-Se a Huerta o direito de ascender à No momento da crise, quando Huerta tentava
I Presidência provisória e organizar o seu gabinete; impor sua autoridade, as forças políticas estavam
havia ainda a promessa de Huerta e Díaz de fazerem assim distribuídas: apoiavam Huerta os banqueiros,
o necessário para impedir a restauração do governo os grandes industriais, os grandes comerciantes, o
maderista. alto clero e o Exército Federal; contra Huerta esta-
A 18 de fevereiro, Maderó e Pino Suárez foram vam os camponeses e os operários. Após a queda de
presos. No dia seguinte, Huerta assumiu o poder. Madero os operários filiados à COM passaram a
Henry Lane Wilson pronunciou nessa ocasião um adotar uma política mais agressiva, de greves e de
discurso garantindo o restabelecimento da paz. Huer- boicotes, diante da qual Huerta mostrou-se tole-
ta comunicou-se com os governadores dos vários es- rante. A 1? de maio, os trabalhadores da COM rea-
tados. por telégrafo, para que acatassem sua autori- lizaram uma passeata, apresentando por reivindica-
dade; nem todos, porém, aceitaram, como Venus-
tiano Carranza, governador de Coahuila, e o gover- •, ção a jornada de 8 horas e a semana de 6 dias; não
houve, na oportunidade, repressões. No dia 2S de
nador de Sonora. maio, porém, os trabalhadores da COM realizaram
Uma vez presos, o presidente e o vice-presidente outra passeata, desta vez de caráter político, cha-
tiveram de renunciar a seus cargos. No dia 22 à noite \ mando Huerta de ditador. A repressão foi violenta.
foram retirados da prisão sob o pretexto de mudança
de local. Silva Herzog descreve o episódio: "Já cerca ~I

lt
A Revolução Mexicana: 1910-1917 77

~
ceber a notícia, decidiu combater os usurpadores,
invocando os princípios constitucionais. Usando seu
poder de governador do Estado de Coahuila, a 19 de
fevereiro de 1913, expediu dois decretos. Um desco-
I nhecendo a autoridade de Huerta e outro assumindo
" '\ faculdades extraordinárias para restabelecer a legali-
dade. Organizou uma pequena força e com ela pre-
tendia enfrentar o Exército Federal. Contra ele mo-
veram-se as forças dos estados vizinhos que haviam
O MOVIMENTO aderido a Huerta.
CONSTITUCIONALISTA Dessa maneira surgiu o Exército Constituciona-
lista e Carranza lançou o Plano de Guadalupe, a 26
J de março de 1913, com a finalidade de derrubar o
governo usurpador de Huerta e restabelecer a ordem
"Rodaban los caãones en fila, empujados por constitucional. Piedras Negras passou a ser o Quar-
mulas blancas y ojerosas; les seguían los ar-
mones cargados de parque sobre los rieles que tel-General do movimento Constitucionalista. Car-
comunicaban el patio con Ia estaci6n. La ranza expediu vários decretos reconhecendo os gene-
tropa de caballería amarraba riendas, descol- rais que militaram no movimento maderista e desco-
gaba Ias bolsas de pienso, se aseguraba de Ia
firmeza de Ias monturas ... La iníantería acei- nhecendo os atos de Huerta. Autorizou a emissão de
taba los rifles y pasaba en fila frente el enano papel-moeda e reconheceu o direito de se reclamar
que distribuía los cartuchos. Sombreros dei
norte: sombreros de fieltro gris, de ala do- indenizações de guerra.
blada. Paãoletas amarradas ai cuello. Cana- Às forças de Carranza aderiram Luis Blanco,
nas amarradas a Ia cintura. Pocas botas: pan- que conseguiu vitórias em Tamaulipas; Francisco
tal6n de mezclilla y zapato de cuero amarillo,
cuando no huaraches. Camisa a rayas, sin
Villa, em Chihuahua; Ãlvaro Obregón em Sonora e
cuello." ~ Pablo González em Nuevo León. A ação contra
(Fuentes, Carlos, La muerte de Artemio Cruz, -, Huerta estendeu-se a todos os estados da República
p.72) e, em razão da amplitude do movimento, a cada dia
ficava mais difícil ao Exército Federal conter o movi-
Nem todos os revolucionários reagiram da mes- mento.
ma forma em relação a Huerta. Pascual Orozco ade- t, Ao assumir o poder, Huerta dissolveu as Câma-
ras e expediu um manifesto à nação, no qual tentava
riu. Zapata manifestou-se contra e Carranza, ao re-
78 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 79

justificar o golpe. A seguir, baixou três decretos. Pelo


r lução, desde seu início, iria se concretizar. De fato,
primeiro, assumia os poderes do Estado, como auto- a oportunidade ocorreu quando houve um incidente,
ridade central. Pelo segundo, de posse dessa autori- aparentemente sem importância, com um marinheiro
dade, pretendia distribuir esse poder conforme .norte-americano na cidade de Tampico. O governo
achasse mais conveniente e, pelo terceiro, garantia a j I"
norte-americano aproveitou-se desse incidente para
convocação de eleições. Seu governo caracterizou-se fazer exigências ao governo mexicano e, diante do
\ pela forte desorganização financeira, pela repressão não-cumprimento delas, determinou o desembarque
e por um militarismo acentuado. de fuzileiros navais norte-americanos em Veracruz,
No exterior, o governo de Huerta perdeu o apoio a 21 de abril de 1914.
I dos Estados Unidos desde o afastamento do embai- A presença norte-americana em Veracruz teve
1 xador Henry Lane Wilson. O presidente Woodrow um efeito importante sobre a situação geral do Mé-
Wilson manifestou-se contrário ao governo de Huer- xico. Fez renascer o sentimento nacionalista, criando
ta desde o momento em que este dissolveu as Câ- o seguinte dilema: ou aceitar-se a autoridade de Vic-
maras. O presidente norte-americano demonstrou toriano Huerta, poder de fato estranho à Revolução
sua desconfiança num governo ilegítimo. Ordenou Mexicana, mas apesarde tudo mexicano, ou subme-
que os cidadãos norte-americanos que se encontras- J ter-se a uma dominação estrangeira contrariando
sem no México voltassem para os Estados Unidos. tudo que se fizera até então. A presença norte-ame-
Na verdade, o governo norte-americano não estava ricana em Veracruz fez crescer o prestígio de Huerta,
propriamente preocupado com a legitimidade ou não criando um momento de indefinição entre os revolu-
da autoridade de Huerta, mas sim com os rumos que cionários. Apesar disso, no entanto, desde meados de
o movimento pudesse tomar no México. Zapata con- 1914, a situação de Huerta era insustentável. Por
tinuava em ação no· sul, mas o motivo maior da todo o país havia luta armada contra o Exército Fe-
preocupação do presidente norte-americano estava deral, sem que se pudesse contar com apoio do exte-
no prolongamento da ação armada no norte do Mé- rior.
xico, justamente onde se concentravam os maiores O movimento contra Huerta havia mobilizado
interesses dos investidores de seu país. A atitude do todo o país. O Exército Constitucionalista dominava
I governo norte-americano, retirando seu apoio ao go- quase que totalmente os Estados de Sonora e Sina-
verno de Huerta, de certa maneira abalou a opinião ./ loa. No norte, as forças eram constituídas pelas divi-
dos grupos envolvidos na revolução. Woodrow Wil- sões do Norte, Nordeste e Noroeste. A Divisão do
son esperava apenas uma oportunidade para intervir. Norte era comandada por Villa; a do Nordeste, em
Tudo levava a crer que a ameaça que pairava à revo- Sinaloa e Sonora, por Obreg6n; e a do Noroeste,
80 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 81

incluindo as forças de Nuevo León, Taumalipas, \ I Carranza. A união das divisões do Norte e Nordeste
Coahuila e San Luis de Potosí, estava sob o co- efetivou-se para se conseguir, conforme constava do
mando de Pablo González. I Pacto, a emancipação econômica dos camponeses
Aparentemente, o movimento contra Huerta , mexicanos e para combater o Exército Federal, a fim
mantinha sua unidade sob a liderança de Carranza, de que fosse implantada a democracia.
que havia chamado a si a responsabilidade da dire- Em outras regiões do México prosseguia a luta
ção da luta. Entretanto, era muito difícil, no mo- contra o governo federal, como em Michoacan, mes-
mento, conseguir uma adesão plena para uma ação mo em Veracruz e, particularmente, no sul, onde as
conjunta. As particularidades regionais ainda pesa- guerrilhas continuavam sob a liderança de Zapata.
-< vam muito e, mais do que isso, o sentido da autori- Quanto ao setor operário, discutia-se a questão
\ dade dentro de seu território não permitia que chefes da liberdade sindical e a ação através de greves rei-
como Villa atendessem às ordens de comando de vindicando melhorias salariais e melhores condições
Carranza. Assim, se Villa havia se colocado ao lado de vida e de trabalho. O objetivo seria a greve geral
deste contra Huerta, isso não significava que sua que teria lugar no momento em que os sindicatos
fidelidade fosse irrestrita. estivessem organizados. A 27 de maio, a COM foi
Em se tratando de ação militar, Villa tinha opi- invadida, efetuando-se prisões e deportações.
niões próprias. O desentendimento entre Villa e Car- Diante desse quadro, ficando demonstrado o
ranza projetou-se a respeito da tomada de Zacatecas. Inão-reconhecimento da autoridade de Huerta, este
Desobedecendo às ordens de Carranza, Villa colocou apresentou sua renúncia, a IS de julho de 1914, a um
em ação a poderosa Divisão do Norte que, a 23 de Congresso nomeado por ele próprio, em outubro do
junho de 1914, venceu as forças huertistas. Se de um ano anterior., Foi então substituído _por Francisco
lado a vitória espetacular fez aumentar o prestígio de Carvaj aI, que julg~ser_possíYel um acordo com os
Villa, por outro lado, aprofundou a distância em revolucionários.
relação a Carranza. Para dar continuidade ao tre- Apesar de afastado o perigo de um golpe, eli-
mendo sucesso de Zacatecas, Villa promoveu em Tor- 11 minado o inimigo comum, o Exército Revolucionário
reón um encontro com as outras lideranças do Norte e continuava ainda mobilizado. Passada a euforia da-
Nordeste, fortalecendo assim sua posição, mas indis- queles momentos, aquele exército perdera sua coe-

l
i,

, pondo-se com Carranza. O rompimento só não se são. Sem uma unidade de comando, as diversas lide-
i efetivou graças à mediação de Antonio Villareal e à ranças disputavam sua hegemonia. Villa e Zapata
celebração do Pacto de Torreón, a 8 de julho de :~', conservavam prestígio em seus territórios. Carranza
1914. Por esse pacto, a unidade de comando coube a considerava-se herdeiro de Madero e procurava um
82 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 83

entendimento com os dois primeiros. Obregón, fiel a Desde algum tempo, as forças constituciona-
Carranza, tentou uma mediação com Villa. listas já demonstravam fissuras na sua organização.
Convencido de que deveria estabelecer a união As relações entre Villa e Carranza eram cada vez
das forças revolucionárias, Carranza, no comando dos mais difíceis. Villa, envaidecido pelas sucessivas vi-
constitucionalistas, iniciou a tarefa de aliciamento tórias, convencera-se de seu valor e não estava dis-
das múltiplas facções revolucionárias. Todos os re- posto a ficar submisso a Carranza. Os jornais norte-
cursos foram utilizados, desde a parlamentação até a americanos discorreram muito sobre Villa, o "Napo-
imposição pela força. Entretanto, não se tratava leão do México", o que concorria para satisfazer sua
apenas de 'anexar territórios a seu favor ou conseguir vaidade pessoal. Além disso era patente a distância
o apoio das lideranças locais. Para Carranza havia a que separava os dois chefes, tanto no que diz respeito
necessidade imediata de realizar o processo revolu- à condição social, à formação e ao temperamento.
cionário. Para isso, ao mesmo tempo que se efetiva- W omack descreve Carranza como um homem de
vam vitórias militares ou diplomáticas, era preciso, classe média acomodada, rico proprietário, homem
na sua maneira de pensar, implantar a revolução, ou de cultura, intelectual urbano, anticlerical, calmo,
seja, realizar reformas econômico-sociais. Com esse sereno, enérgico e consciente de sua autoridade, ex-
objetivo, Carranza determinou a cobrança de um I tremamente ambicioso, às vezes inflexível e obsti-
imposto sobre a exportação do petróleo. Determinou nado (Womack, p.189).
ainda aos governadores constitucionalistas que, em . De conformidade com o Plano de Guadalupe,
seus estados, reunissem o maior número possível de . Carranza deveria assumir a Presidência da Repú-
dados para a solução da questão agrária. blica. Recusou, preferindo ser tratado como primeiro
O movimento das forças constitucionalistas foi \ chefe do Exército Constitucionalista encarregado do
feito na direção da Cidade do México. A ela chegou, poder Executivo. Instalou-se no Palácio Nacional e
a lS de agosto de 1914, Obregón. A 20 de agosto organizou sua secretaria. Uma de suas maiores preo-
chegou Carranza, entrando triunfalmente na cidade. cupações era ainda estabelecer entendimentos com
Na Cidade do México, Carranza procurou logo o Zapata.
apoio dos operários. Foi assim que um de seus pri- Desde a proclamação do Plano de Ayala, Zapata
meiros atos consistiu na reabertura da COM, doando estabeleceu como condição em qualquer situação
a esta instituição o convento dos jesuítas de Santa i para se realizar um acordo, de qualquer tipo, o cum-
Brígida. A COM reaberta, no entanto, apresentava primento do Plano de Ayala. Continuou a expedir
uma estrutura frágil, composta pelos sindicatos exis- leis complementares daquele plano. Reconstruiu em
tentes. \ Morelos a organização comunal indígena, estabele-
84 Anna Maria Martinez Corda A Revolução Mexicana: 1910-1917 85

cendo uma eleição anual de um representante em As conversações foram tensas e difíceis. Zapata
cada aldeia, como o antigo calpuleque. Sua função havia se apegado às questões locais de tal maneira
\ era guardar os títulos da comunidade e defender e que não se dispunha a fazer concessões. Reafirmou
repartir as terras. Essa organização assemelhava-se seus propósitos em relação ao Plano de Ayala, Diante
muito à do ejido mexicano. disso, fracassaram as negociações. De aliados poten-
A administração de Zapata estabelecera ainda, ciais ~ zapatistas passaram a ser tratados como ban-
os destacamentos arrnades, tomando medidas contra didos, como inimigos ...Qs carrancistas partiram,_ en-
os açambarcadores, criando o papel-moeda e cui- tão, para a sêgundª-.alternatiya = neutralizar.a ação
dando da expansão do ensino e da multiplicação das de Zapãtã, iniciando-se uma luta-entre as duas fac-
escolas. Na sua maneira de ver, os regimes que pre- ções. No entanto, restava ainda outra alternativa.
\ senciara, sob Porfírio Díaz, Madero, Huerta e agora , Carranza havia prometido a convocação de uma
Carranza, não h~iam trazido benefício algum aos Convenção Revolucionária, a fim de decidir a res-
revolucionários de~S0Daí ter tomado a inicia- peito dos rumos da Revolução. Essa decisão de Car-
tiva de, no território sob sua direção, realizar ele ranza partiu de uma convicção sua de que a batalha
mesmo aquilo que reivindicara através do Plano de estava ganha a seu favor e restava apenas forma-
Ayala. Esse tipo de autonomia não convinha ao movi- lizá-Ia.
mento liderado por Carranza. Para essa finalidade
seria preciso conseguir a adesão de Zapata, inte- I~I
I

grando-o no movimento constitucionalista ou neu-


tralizando sua ação.
Na expectativa da primeira alternativa, Car-
I ranza promoveu um encontro das lideranças carran-
cistas com as lideranças zapatistas. Os primeiros
foram representados por Luis Cabrera e o general
Villarreal. Em nome dos zapatistas falaram Díaz
Soto y Gama, Manuel Palafox e o próprio Zapata.
As conversações ocorreram em] Cuernavaci\. Aí os
carrancistas depararam-se com uma situação total-
mente diferente da que conheciam na Cidade do Mé-
xico. A capital da província encontrava-se em ruínas
e ocupada pelas forças zapatistas.

.k
A Revolução Mexicana: 1910-1917 87

A CONVENÇÃO
DE AGUASCALIENTES

"Y si acaso yo muero en campaãa,


y mi cuerpo en Ia sierra va aquedar,
Adelita, por Dios te 10 ruego,
con tus ojos me vayas a lIorar."

"La ruptura de los dos bandidos significa el


caos, es cierto; pero dei caos salieron los mun-
dos y 10s soles ... "
(Flores Magón, Regenetación, p. 339)

Os desentendimentos com Villa agravaram-se


quando este acusou Carranza de romper o Pacto de
Torreón. Carranza respondeu a Villa acrescentando
algumas cláusulas ao Plano de Guadalupe. Uma
delas proibia os chefes constitucionalistas de apre-
sentarem-se como candidatos à Presidência ou à
Vice-Presidência da República. Outra estabelecia
que fosse realizada uma Convenção Revolucionária Venustiano Carranza~
88 Anna Maria Martinez Corrêa ~ A.Revolução Mexicana: 1910-1917 89
:1
I

Mexicana que, sem prejudicar a realização das elei- confirmando a falta de um clima adequado na Ci-
ções, deveria formular o programa do governo revo- dade do México para um encontro desse tipo. Como
lucionário. A esta Convenção deveriam se apresentar se procurasse uma solução pacífica, venceu a argu-
os soldados da Revolução, por intermédio de seus mentação da mudança de local para Aguascalientes.
delegados, à razão de 1 por 1 ()()()homens. A Con- Carranza afastou-se da Convenção.
venção teria lugar a 1? de outubro, na Cidade do A 10 de outubro foi solenemente instalada a
México, e tentaria unificar todos os grupos envol- Convenção de Aguascalientes. O general Antonio
vidos na guerra civil desde 1910, a fim de se conse- Villarreal foi nomeado seu presidente. Seus membros
guir a pacificação do país. -- declararam-na soberana e colocaram suas assinatu-
. Á fim de preparar esse encontro, uma vez que as ras na bandeira nacional, jurando fazer cumprir os
relações entre Villa e Carranza não eram cordiais, acordos resultantes. -
Obregón procurou um entendimento prévio com A 16 de outubro, chegou Villa. Sua aproxima-
Villa, em Chihuahua. A presença de Villa na Conven- ção causara uma certa desconfiança, pois não se
-If
ção era necessária ao lado dos constitucionalistas, - sabia qual seria a disposição do chefe da Divisão
a fim de que fossem mantidas relações aparentemente do Norte. Villa, no entanto, aderiu à Convenção e,
amigáveis, apesar das desconfianças recíprocas. da mesma maneira que os outros convencionais, no
- A hão-adesão de vm, tornou-se explícita a par- dia 17, assinou sobre a bandeira e prestou os mesmos
tir de sua carta, datada de 22 de setembro, dirigida a juramentos.
Carranza. Por esta carta, Villa negava seu compa- Villarreal expôs a orientação geral da Revolução
recimento à Convenção na Cidade do México, por ser dizendo quê ela não--foi'a-feita para que este ou
território carrancista. Pedia outro local não-compro- aquele homem ocupasse a Presidência, mas para
metido. Ainda, a 27 de setembro, alguns chefes da acabar com a fome por meio de reformas. Afirmou:
Divisão do Norte telegrafaram a Carranza, procu- "Esta Revolução qúe é muito pouco política, que é
rando convencê-lo a entregar o poder, ao que Car- eminentemente social e que foi fomentada, saída da
ranza respondeu que o julgamento deveria caber à gleba sofrida e faminta, não estará terminada en-
Convenção, insistindo na sua realização na Cidade quanto não se extirpar do país a peonagem, dimi-
do México. nuindo as horas de trabalho e aumentando os salá-
A l? de outubro de 1914, Venustiano Carranza rios, enquanto o operário não for um cidadão ar-
inaugurou a Convenção Revolucionária Mexicana, mado" (Nunes, p. 94). Na procura de se atingir tais
- na Cidade do México, no edifício da Câmara dos objetivos, seria fundamental, de início, que se unifi-
Deputados. Logo começaram a surgir problemas, cassem as forças revolucionárias então dispersas. A
90 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 91

forma encontrada pela Convenção foi a de constituir f de interrupções, com críticas a Carranza, e terminou
duas missões de parlamentação, Uma delas se diri- I I com vivas a Villa e a Zapata. Os dois líderes, Zapata
giria a Carranza, na Cidade do México, a fim de e Villa, passavam a ser os verdadeiros donos da
convidá-Io a participar dos trabalhos de Aguasca- situação. Obregón abandonara a Convenção.
lientes. Outra a Morelos, onde faria o mesmo com A 4 de dezembro, Villa e Zapata assinaram o
Zapata. Pacto de Xoximilco . Este pacto não só consolidou os
Carranza, que da Cidade do México dirigira-se entendimentos entre as duas lideranças, como tam-
a Veracruz, havia decidido permanecer nessa cidade, bém lhes assegurou o domínio da Cidade do México.
recusando-se a participar da Convenção. Reafirmou A 6 de dezembro, na Cidade do México, os generais
que sua renúncia ao poder estava condicionada à Eulálio Gutierrez, Francisco Villa e Emiliano Zapata
atitude idêntica de Villa e Zapata. A resposta de assistiram, do Palácio Nacional, sede do poder exe-
Carranza foi discutida pela Convenção, sendo sua cutivo, ao desfile da Divisão do Norte, que ocupara a
solução difícil, à medida que envolvia as outras lide- cidade sem combate.
ranças.
Os zapatistas aceitaram o convite, compare-
cendo à Convenção. Não estavam muito empenhados
em mandar representação a um encontro dominado
por carrancistas. Também havia desconfianças em
relação a Villarreal, em razão das conversações de
Cuernavaca, em agosto. Havia receios em compro-
meter a revolução com a incerta aliança da Conven-
ção. Queriam a renúncia. de Carranza e que se con-
cedesse representação à facção agrária simbolizada
pela revolução do sul. Isto significaria a adesão ao
Plano de Ayala, Antes de se apresentar em Aguas-
calientes, procuraram se assegurar do apoio de Villa.
A 26 de outubro, uma comissão zapatista fez
sua apresentação à Assembléia. Primeiramente falou
Paulino Martínez, fazendo a apologia de Zapata e de

Villa, manifestando-se contra Carranza. Depois, Soto
y Gama fez um discurso polêmico, vibrante, cheio

lt
A Revolução Mexicana: 1910-1917 93
I I c~um_a certeza - estavam contra Carranza.
Na medida em que se distanciava de Villa e de
Zapata, Carranza buscava outras formas de recom-
por suas forças. Ao perceber que somente consegui-
ria superar o prestígio de seus rivais na medida em
que apresentasse uma proposta popular, Carranza
.•. dirigiu sua ,atenção aos trabalhadores. Através dos
decretos de 12 de dezembro de 1914, deu a conhecer
suas propostas em relação ao problema do campo.
A LUTA CONTRA VILLA E ZAPATA A 6 de janeiro de 1915, expediu o decreto de Reforma
Agrária. Por este decreto, determinava a reconstru-
ção dos ejidos e a dotação de terras aos núcleos
"Villa - ... Mis i1usiones son que se repartan
coloniais carentes.
105 terrenos de los riquitos, Dios me pérdone, Pela mediação de Obregón, aproximou-se dos
Lno habrá por aquí alguno? trabalhadores urbanos, que já se apresentavam orga-
Voces - Es pueblo, es pueblo. nizados através de seus sindicatos, e estabeleceu um
Villa - Pues para ese pueblo queremos Ias
tierritas ... Pacto com a COM, a 17 de fevereiro de 1915. O
Zapata - Le tienen mucho amor a Ia tierra. pacto continha a promessa de melhoria da sorte dos
Todavía no 10 creen cuando se les dice: 'Esta trabalhadores através de uma legislação própria. Por
tierra es tuya', Creen que es un sueno ... "
sua vez, os trabalhadores comprometeram-se a coo-
(Entrevista de Xoximilco, Contreras, p. 65)
perar pelo triunfo da Revolução Mexicana, "comba-
tendo ao lado dos revolucionários, contra os reacio-
Em fins de 1914, o poder encontrava-se divi- nários" (Meyer, Les ouvriers dans Ia Révolution
I1 dido. Os resultados da Convenção estiveram muito Mexicaine, p. 35), particularmente contra a burgue-
IIII distantes do que se esperava. A Convenção não havia sia, 'os militares e o clero. Os trabalhadores recebe-
resolvido o problema da unidade de comando; muito riam instruções de militares e cada cidade teria o seu
ao contrário, permitiu que ficassem demonstradas as regimento. Os operários filiados à COM ficariam
I \ incompatibilidades. Praticamente eram dois grupos: encarregados da propaganda, angariando adesões.
I I de um Iado..Carranza e Obreg6n apegando-se rió Os grupos armados receberam o nome de "batalhões
, . tema do constitucionalismo; de outro lado o grupo vermelhos". A situação complexa do momento con-
_.
resultante da Convençãº-,-sem muita únidade,---~mas tribuiu para as adesões num momento de instabi-
94 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 9S

lidade da revolução, inflação, desemprego, alta do antes de sair da cidade; mas carecíamos de arma-
custo de vida. Apesar disso, no entanto, a aceitação mentos para novos contingentes e por esta razão não
não foi unânime. Os trabalhadores do setor têxtil, do pudemos aproveitar as muitas vontades que se ofere-
petróleo, de madeiras, não aderiram. ciam à luta armada contra a reação. Sem dúvida,
Os grupos visados por Carranza eram os de Villa nossas fileiras aumentaram de quatro mil homens
e Zapata. Na propaganda que se fazia contra Villa, que pudemos armar com igual número de armas,
• este era mostrado como bandoleiro, perigoso para o que me foram permitidas pela Primeira Chefatura e
morador da cidade, colocando em risco a integridade um contingente de mais de cinco mil homens desar-
das famílias. Zapata era um ignorante e a pobreza e mados; a maior parte, pertencente aos grêmios operá-
a humildade dos zapatistas eram constantemente rios sindicalizados na Casa dei Obrero Mundial, foi
lembradas com desprezo. Quando Zapata estivera na remetida a Veracruz para esperar até serem armados
Cidade do México, seus homens ficaram sem aloja- quando chegasse àquele porto o armamento pedido
mento pelas ruas da cidade, mendigando água e ali- pela Primeira Chefatura aos Estados Unidos" (Obre-
mentos. Isso causara não apenas uma má impressão, gón, p. 289).
mas o medo da invasão da cidade, o que representava Enquanto Carranza tentava a rearticulação de
a
"civilização" ser dominada por índios. suas forças, as três autoridades resultantes da Con-
Por sua vez, Carranza não se ' sentia muito à venção demonstravam a impossibilidade de entendi-
vontade diante dessa aproximação da classe operá- mento. O que as mantinha unid s era Carranza, o
ria. Na sua maneira de ver, não seria muito prudente inimigo comum. o iniciar-se o ano de 1915, os
armar operários. Os "batalhões vermelhos" pode- oonsfffüClonahsfas ocupavam a periferia do país, po-
riam ser o primeiro passo para a formação de uma sições inferiores do ponto de vista estratégico; apesar
base operária forte e independente que logo teria de estarem de posse dos portos e das regiões frontei-
condições de desafiar sua autoridade. Havia mesmo riças, regiões constantemente vigiadas pelo governo
a suspeita, da parte de Carranza, de uma infiltração norte-americano. As forças villistas e zapatistas ocu-
zapatista nos batalhões. pavam as posições centrais, dominando a maior parte
Obregón, em seu livro Ocho mil kilámetros de das ferrovias.
campaiia, diz o seguinte sobre os "batalhões ver- O general Obregón havia organizado rapida-
melhos": "Era tão grande o entusiasmo despertado mente um novo exército. Ocupou Puebla e, depois,
entre as classes populares em favor da Revolução -) a Cidade do México. Aí pretendia formar um pode-
que, se tivéssemos. tido armas suficientes, teríamos I roso exército em condições de enfrentar a Divisão do
podido armar mais de vinte e cinco mil homens, Norte. Dessa força participaram 10 "batalhões ver-
96 AnnaMaria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 97

melhos". A 1? de março, Obregón deixou a Cidade


do México para combater Villa. Após sua saída,
a cidade foi ocupada pelas forças de Zapata, que
acabaram sendo expulsas em julho.
Em fins de março, Obregón chegou a Queré-
taro. Na perseguição a Villa, ocupou Celaya a 4 de
abril. O plano que havia sido proposto a Villa era de
que não combatesse no centro, mas sim no norte,
onde ~oderia contar com apoio maior. Entretanto,
Villa, empolgado com seu sucesso, não cumpriu o
plano; e lançou-se ao combate contra os constitucio-
nalistas no centro de Celaya e Aguascalientes. Aí
ocorreram quatro batalhas, numa das quais Obregón
perdeu o braço direito. Eram 40000 homens de cada
lado. Apesar da legenda que se criou em torno de seu
nome, o "Centauro do Norte" foi derrotado.
A batalha de Celaya marca o fim do apogeu de J
Villae foi o maior sucesso militar do qual pode se t
orgulhar Obregón. Este general soube aproveitar-se
das primeiras lições da guerra européia, procurando
utilizar o terreno onde ocorreu o combate, de forma
adequada. A derrota de Villa teve o efeito de desor-
ganizar suas forças; além das baixas em campo de
batalha, foram muitas as deserções.
As lutas entre villistas e constitucionalistas con-
tinuaram durante todo o ano de 1915. Aos poucos os
constitucionalistas foram se apoderando do centro e
do norte do país. Villa penetrou no Estado de Sonora
e foi derrotado em Agua Prieta, voltando a Chihua-
hua com apenas 1 000 homens.
)
A 19 de outubro de 1915, o presidente dos Es- Álvaro Obregón.
98 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 99

tados Unidos, Woodrow Wilson, ]econheceu Car- venção norte-americana, Carranza propôs a celebra-
ranza como presidente. do México, governando de ção de um acordo. Entretanto, sem esperar resposta,
fato como -presidente constitucionalista, A guerra o general John Pershing atravessou a fronteira mexi-
mundial teve sua importância nas relações entre os cana, perseguindo Villa numa expedição punitiva,
Estados Unidos e o México. Era preciso, nessa situa- sob protestos gerais no México. A questão gerou uma
ção, manter boas relações com o país vizinho, pois situação tensa entre os dois países e deu oportuni-
poderia haver a necessidade da utilização do litoral dade para mais uma intervenção norte-americana no
mexicano pelos norte-americanos para as operações México. Durante algum tempo, tropas norte-ameri-
de guerra. Por outro lado, os investidores norte-ame- canas permaneceram em territ6rio mexicano. Villa,
ricanos reclamavam uma proteção aos seus bens e derrotado, sem possibilidades de recuperar seus ar-
aos seus súditos no México. Daí a necessidade de se mamentos, abandonado por seus soldados que deser-
apoiar aquele que pudesse oferecer uma garantia tavam em massa, foi afastado da luta política. O
nesse sentido. Tal era o caso de Carranza. Ao mesmo afastamento temporário de Villa não significava que
tempo, Wilson proibia o envio de armas para o Mé- os constitucionalistas tivessem se livrado desse pe-
xico, dando instruções, no entanto, para se fazer ex- rigo; ao contrário, a situação tensa permaneceu na
ceção a favor daquele que tivesse o governo de fato. medida em que seria preciso, a custo da força,
A política norte-americana de proteção a Car- mantê-lo à distância, pois, a qualquer momento, ele
ranza irritou Villa, que reagiu violentamente. Pri- poderia voltar à ação.
meiramente, determinou a captura de um trem norte- O mesmo perigo existia em relação a Zapata.
_ americano, em Santa Isabel, Chihuahua, fuzilando Depois da expulsão das forças zapatistas da Cidade
17 americanos da Companhia Mineradora, Além do México, elas foram sendo cada vez mais afastadas
disso, determinou o assalto ao povoado de Colum- pelas tropas carrancistas. Do seu território em More-
bus, em território dos Estados Unidos, a 9 de março los, Zapata era uma incógnita para Carranza.
de 1916, atacando de surpresa e matando 3 soldados Assim, em inícios de 1916 os constitucionalistas
e ferindo 3 civis. Os estabelecimentos comerciais fo- haviam conseguido deter dois rivais fortes represen-
ram incendiados. O governo norte-americano enviou tadospelos grupos de Villa e de Zapata, justamente
a Carranza uma nota de protesto reclamando inde- as forças camponesas da revolução. Essa situação era
nização às famílias. cõnstrnngedora para os politicos que confiaram na
I A ousadia do gesto de Villa poderia causar um aliança operário-camponesa. A existência dos "bata-
, conflito internacional; tratava-se, afinal, de uma in- lhQ,es vermelhos" era, para eles,~o inex licável.
vasão de território. Diante do perigo de uma inter- ~sse respeito escreveu Ricardo. FJot:.e~-ªgón,_ a 8
Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 101
100

manifestações contrárias ao governo constituciona-


de janeiro de 1m no Regenez:acló1Z~"Nossos irmãos,
os trabalhadores das cidades, devem meditar sobre lista. Na capital, a 22 de maio, declararam-se em
este fato e estar de guarda: quando os políticos e greve vários sindicatos como, por exemplo, o dos ele-
governantes se dignam a falar de reivindicações pro- tricistas e dos ferroviários. Organizados em torno da
letárias é porque necessitam do apoio dos trabalha- COM, os operários manifestaram seu descontenta-
dores para manter-se na situação privilegiada. O mento através de atos públicos, reuniões e greves.
burguês não abaixa a vista até onde apodrece o pobre As greves, que eram esparsas e desarticuladas de iní-
de miséria e de imundície, a não ser quando precisa cio, deram lugar a um movimento amplo, organizado
dele, mas o enforcará com a maior ferocidade quando para I? de outubro, quando deveria ocorrer uma
passar a hora do perigo para o privilégio e para a grande greve atingindo particularmente os serviços
tirania. públicos. Iniciado o movimento na Cidade do Mé-
A necessidade do momento é voltar a unir as xico, o exército entrou em ação, ocupando os pontos
forças proletárias numa s6 força que vá encaminhada mais importantes e prendendo as lideranças, impe-
diretamente à expropriação da riqueza social, que se dindo, assim, a realização do movimento.
precisa fazer antes que o governo carrancista se con- A fim de combater o movimento operário, Car-
solide. Que cesse essa i!!igllA-c.ampanha..da..imprensa ranza apoiou-se na Lei de 25 de janeiro de 1862,
que impunha punição aos inimigos do governo. Am-
operária carrãncista contra.o movimento zapatisja.
pliando essa lei, Carranza incluiu os operários gre-
Essa campanha não tem outro objeto a não ser salva-
vistas entre os "inimigos do governo". Nas justifi-
guardar os interesses da burguesia da ação expro-
cativas do decreto, afirmava o seguinte: "Que as dis-
priadora dos trabalhadores rurais, e foi instigada
posições que se têm ditado pelas autoridades consti-
pelos políticos para distanciar, para alienar os traba-
lhadores uns dos outros, para dividi-los de maneira tucionalistas para remediar a situação econômica das
que não caminhem juntos à emancipação. Os polí- classes trabalhadoras e o auxílio que se lhes tem
ticos compreendem que, unidos todos os trabalhado- prestado em muitos casos, longe de as obrigar a
res, comporiam uma força que ninguém poderia prestar de boa vontade sua cooperação para ajudar o
conter" (Regeneración, p. 379). governo a solucionar as dificuldades com as quais
Durante os anos de 1915 e 1916, o México atra- vem lutando a fim de implantar a ordem e preparar o
vessou forte crise econômica. Esta crise atingiu parti- restabelecimento do regime constitucional, fizeram
cularmente os setores médios e operários. Na Cidade crer às ditas classes que delas depende exclusiva-
do México e nos centros industriais, a alta do custo mente a existência da sociedade e que são elas, por-
de vida e a indefinição política carrancista geraram tanto, que estão em condições de impor quantas
102 Anna Maria Martinez Corrêa

condições julguem convenientes a seus interesses,


ainda que por isto sacrifiquem ou prejudiquem toda
a comunidade e ainda comprometam a existência do
mesmo governo. Que para remediar esse mal, não
faz muito tempo, a autoridade militar do Distrito
,. I Federal fez saber à classe operária que, embora a )
Revolução tivesse como um de seus principais fins a
destruição da tirania capitalista, não permitiria que
se levantasse outra tão prejudicial para o bem da
Revolução como seria a tirania da classe trabalha- A CONSTITUIÇÃO DE 1917
dora" (Contreras, México Siglo XX, vol. 2, p. 199).
I A partir dessas considerações, Carranza ampliou a
\ referida lei no sentido de se punir com a morte toda e
"Villa derrotado era un dios caído. Y 10s dio-
, qualquer tentativa grevista. A lei deveria recair sobre ses caídos, ni son dioses ni son nada."
os incitadores de greves e organizadores ou partici- (Azuela, Los de Abajo, p. 179)
-, pantes de reuniões com a finalidade de se paralisar o
trabalho. Diante do terrível decreto, da prisão dos
principais líderes, do fechamento da COM, as gre- Dominado o movimento operário, os grupos
ves, bem como quaisquer manifestações de caráter zapatistas e villistas mantidos longe dos centros de
político da classe operária tornaram-se impraticá- decisão, sem poder contar com a necessária solida-
veis. riedade dos trabalhadores urbanos, Carranza, pro-
tegido pelo governo norte-americano, podia orgulho-
samente informar que havia conseguido a necessária
paz para a implantação da democracia. Assim, a 14
de setembro de 1916, anunciou a convocação de elei-
ções para a elaboração de uma Constituição.
Conforme as normas estabelecidas, foram ex-
cluídos da Assembléia Constituinte todos aqueles que
tivessem servido a governos ou facções hostis aos
constitucionalistas. Dessa maneira foram excluídos
tanto huertistas como villistas e zapatistas. Livre de

)
104 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 105

seus contestadores, em virtude da lei eleitoral ou da mãos de particulares, principalmente da Igreja. Essa
prisão das lideranças sindicais, os constitucionalistas tarefa deveria ser dividida com particulares, reser-
deram início à organização partidária, com a fina- vando-se o Estado, porém, o direito da fiscalização.
lidade de concorrer às eleições. Basicamente eram a artigo 27 trata das modificações no setor
três lideranças - Carranza, Obregón e Pablo Gon- rural. As grandes propriedades seriam, em alguns
zález. As eleições ocorreram sem grande entusiasmo casos, expropriadas e repartidas. a princípio que
ou interesse, uma vez Aue prevalecia ainda uma norteou o artigo 27 foi o do estabelecimento da pro-
atmosfera de terror. priedade, principalmente da pequena propriedade
A abertura dos trabalhos foi programada para particular. Criou também a possibilidade da manu-
20 de novembro. Carranza apresentou um projeto tenção da propriedade comunal sob a forma de ejido .
que deveria servir de roteiro para as discussões. Ape- A institucionalização do ejido se fez no sentido do
sar de a Cidade do México ter condições melhores estabelecimento de um tipo de cooperativa sob a
para receber os delegados, Carranza escolheu Queré- orientação do Estado. A matéria de que trata o artigo
taro, cidade provinciana que se tornara capital desde 27 atingiu particularmente as grandes propriedades
fevereiro de 1916, em razão de sua distância dos improdutivas, mas mais profundamente as proprie-
centros de tensão. Assim, os deputados ficariam a dades da Igreja.
salvo de pressões políticas. O artigo 123 teve por objetivo a criação de uma
A Constituição de 1917 é considerada como um legislação adequada à normalização das questões
produto da Revolução Mexicana, como um instru- trabalhistas. Por este artigo, ficou estabelecida a jor-
mento legal avançado para a época, servindo mesmo nada máxima de trabalho de 8 horas; regulamenta-
de modelo a ser copiado por outras nações latino- ção do trabalho da mulher, do menor e do trabalho
americanas. A própria Constituição brasileira de noturno; estabelecimento do repouso semanal, salá-
1946 tem muito dela. Entretanto, a análise desse rio mínimo pago em moeda corrente no país, parti-
documento demanda alguns cuidados para uma me- cipação dos trabalhadores nos lucros da empresa,
lhor compreensão de uma articulação da Revolução salários iguais para tarefas iguais, remuneração extra
Mexicana com a Constituição de 1917. Entre os ar- para trabalho extra, observação da higiene nas mora-
tigos considerados mais importantes dessa Constitui- dias e nos locais de trabalho, regulamentação das
ção, citam-se os artigos 3?, 27, 123 e 130. questões relativas aos acidentes de trabalho, liber-
a artigo 3? estabeleceu o ensino leigo. O Estado dade de organização sindical, direito de greve, esta-
passava a encarregar-se da distribuição da educação, belecimento de uma Junta de Conciliação e de Arbi-
tarefa que estivera, até então, em grande parte, nas tragem para resolver as questões de conflito entre
11\)
I
Anna Maria Martinez Corrêa

capital e trabalho, indenização ao trabalhador nos


casos de dispensa do trabalho, estabelecimento de
caixas de utilidade social e estabelecimento de socie-
dades Cooperativas.
O artigo 130 restringia o poder da Igreja. O
casamento foi considerado como um ato civil. Os
ministros das religiões seriam considerados como
outros trabalhadores, não tendo privilégios. Esse ar-
tigo estabeleceu, ainda, certas restrições quanto aos
cultos públicos, ficando demonstrado o conflito dos
dois poderes, Estado e Igreja.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

"-lVilla? lObregón? ... lCarranza? ..


IX... Y... Z ! lQué se me da a roi?... IAmo
Ia Revoluciôn como amo ai volcân que irrum-
pe! j AI volcân porque es volcân; a Ia Revo-
lución, porque es Revolución! ... Pero Ias pie-
dras que quedan arriba o abajo, después dei
cataclismo, lqué me importa a roi?"

I (Azuela, Los de Abajo, p. 178)

/,
A Revolução Mexicana, tal como ela aparece no
momento da elaboração da Constituição, é identifi-
cada com o constitucionalismo ou carrancismo, es-
tando, portanto, mutilada de componentes vitais. Na
ante-sala das discussões foram barrados os villistas,
I I os zapatistas e as lideranças operárias, justamente

aqueles que representaram, nos momentos iniciais,


L a força popular autêntica. Já desde o início ficara
estabelecido que o poder de fazer leis não seria com-
lt partido com eles e, pelo mesmo motivo, não estaria a
108 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 109

favor deles. Não que os temas em discussão não lhes O artigo 123 tem uma elaboração própria, ade-
dissessem respeito; muito ao contrário, a legislação quada à situação do trabalhador mexicano, mas é
tratava exatamente deles. Isso, no entanto, não inva- preciso considerâ-lo como produto da luta de classes)
lida a Revolução Mexicana e a própria Constituição em nível mundial. O ocorrido em Querétaro foi O
de 1917. A presença incômoda de villistas, zapatistas resultado de um momento de luta entre o capital e 0\
e lideranças 'operárias, embora distantes de Queré- trabalho. O México, na medida em que se integrou J
taro, apressou a legislação liberal. Do Estado porfi- no sistema capitalista, incorporou seus produtos,
,-
rista à Constituição de 1917, há .realmente ---um -
mas o fez mediante uma reivindicação precisa da
avanço. classe trabalhadora. Essa reivindicação antecedeu a
- O conteúdo da proposta de Reforma Agrária, Revolução Mexicana e esteve presente na luta desses
contido no artigo 27, não difere substancialmente do trabalhadores, por ocasião das greves do começo do
Plano de Ayala, ou das leis agrárias de Villa ou de século XX. Quando da luta armada, já em plena
Carranza. Há uma particularidade vital para a ques- Revolução, as reivindicações operárias adquiriram
li
tão agrária, lembrada por Ricardo Flores Magón e \
maior intensidade.
que não foi considerada nos planos: a questão da \ Em fevereiro de 1914, ao se referir à Constitui-
~ supressão da propriedade individual e suà substitui- ção de 1857, Ricardo Flores Magón afirmava: " ... a
ção pela propriedade coletiva. Os planos agraristas Constituição não foi escrita para emancipar a classe
da Revolução falavam em restituição de terras usur- 1\ trabalhadora, mas para garantir à burguesia o des-
~, \

padas, divisão de latifúndios, divisão de terrenos bal- frute/pacífico de suas rapinas e dar à autoridade o
dios etc.: nenhum deles, porém, tratou do tema, prestígio e a força moral de que tanto necessita para
constantemente lembrado por Flores Magôn, da ser obedecida e temida" rRéiene-radém, li. 32!
expropriação simples, sem indenização. O artigo 27 Quase que se pode dizer o mesmo a respeito da
da Constituição de 1917 também não trata a questão Constituição de 1917. Entretanto, é preciso consi-
agrária dessa, maneira. Pode-se argumentar que a derar que 1917 é um novo momento histórico, du-
institucionalização do ejido, pela Constituição de rante o qual não se poderia ignorar o levantamento
1917, teria sido a solução encontrada para a vigência de camponeses e de operários organizados e arma-
do estabelecimento de uma forma de propriedade dos, apresentando suas reivindicações. Os campone-
coletiva. Entretanto, o tipo de ejido resultante do ~ armados sob as lideranças de Villa e de Zapàfâ,
artigo 27 encontra-se descaracterizado em relação ao no momentoem que seelãoõtava a Constituição,
original, tendendo mais para uma forma de coope- ~stavam apenas cõntidos,JIlas não eliminacfos. Por-
rativa. tanto; já não mais seria possível utilizar a mesma
110 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 111

linguagem de Flores Magón. O mesmo recurso foi se fez tranqüilamente. Para o estabelecimento defi-
1 tentado em 1917, mas sob novas formas. Teve-se, 1\nitivo da hegemonia burguesa havia ainda muitas
pois, como resultado, conquistas parciais para a I dificuldades a contornar, mas, de qualquer maneira,
1 classe trabalhadora:. Se considerarmos a situação dos a burguesia havia conseguido institucionalizar sua \
trabalhadores nos outros países da América Latina, vitória. )
nesse momento histórico, a do trabalhador mexicano Se para a burguesia mexicana este era um mo-
apresentava-se numa 'Perspectiva mais favorável a mento de euforia, para as classes populares o mo-
essa classe. Não que os trabalhadores mexicanos ti- mento era de recolhimento, mas não necessariamente
vessem resolvido seus problemas; a partir da Consti- o fim; antes, na linguagem poética de Carlos Fuentes,
tuição de 1917, porém, passaram a dispor de uma de expectativa:
legislação em condições de lhes proporcionar certas
garantias, com as quais até então não contavam. " nuestras gentes son como Ias lagartijas, van
•• '0

\' Importa lembrar, ainda, que, para a burguesia tomando el color de Ia tierra, se meten a Ias
mexicana, seria mais conveniente proporcionar à choz1as de donde salieron, vuelven a vestirse de
classe trabalhadora uma legislação específica antes peones y vuelven a esperar Ia hora de seguir
'\ que ela o fizesse por determinação própria. Trata-se, pelean\to, aunque sea dentro de cien aãos ... "
,\ \ portanto, de uma conquista da fração da burguesia (Fuentes, Carlos, La muerte de Artemio Cruz,
I I
I
; \ mexicana que desencadeara a Revolução e que, a I, \ . p.185.)
:1
_ partir desse momento, tornava-se hegemônica, Se,
I para essa vitória foi importante o concurso do traba-
lhador mexicano, particularmente do setor rural, no
decorrer da luta houve a oportunidade de se avaliar a
força política representada por esse mesmo traba-
lhador. Por tal motivo, se o aparelho institucional
montado a partir de então não poderia, de um lado,
deixar de atender às reivindicações daquele setor,
1
I por outro teria de considerar os interesses de classe
I~ da mesma burguesia. Nunca é demais insistir que a
composição da Assembléia Constituinte favorecia
esta última classe.
A aplicação efetiva da Constituição de 1917 não

-,
A Revolução Mexicana: 1910-1917 113

Pode-se citar, ainda, em português, a tradução


do livro de John Reed, México Rebelde. O autor,

I
li
II
,
I jornalista norte-americano, mais conhecido pelo seu
livro Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, acompa-
nhou de perto a Revolução Mexicana, sendo o seu
livro um resultado disso. No entanto, mais do que
uma simples reportagem, o livro tem o valor histórico
de um depoimento de quem presenciou os aconteci-
mentos, informando principalmente a respeito da
INDICAÇÕES PARA LEITURA guerrilha de Pancho Villa.
Cabe mencionar, ainda, em português, a disser-
tação de mestrado de Maria do Carmo Sampaio Di
Creddo, "O Antirreleccionismo no contexto histórico
n o tema da Revolução Mexicana de 11910 tem maderista. Uma introdução ao estudo da Revolução
Mexicana"; de William Douglas Lansford, Pancho
atraído a atenção de historiadores e especialistas das
mais variadas procedências e das mai~ diferentes Villa, editado em 1968 pela Civilização Brasileira;
tendências. Apesar disso, o número de -obras, a res- e de H. Dunn, Zapata, editado em 1964 pela Civi-
peito desse tema, editadas em português é muito lização Brasileira.
II Em língua estrangeira, podendo ser encontrados
limitado. Em meio a essa limitação é possível, no
I~ entanto, citar algumas, entre as quais o livro de em bibliotecas especializadas, entre outros trabalhos
Américo Nunes, As Revoluções do/México. O livro podemos citar os de Jesus da Silva Herzog, Breve
foi editado pela Perspectiva, em São Paulo, em 1980, História de ta Revolución Mexicana, obra desse
numa tradução de Daniel Pastura! Conta com uma autor, publicada em comemoração ao cinqüente-
cronologia, um registro dos prin!ipais acontecimen- nário da Revolução. O autor acompanhou o movi-
tos, uma seleção de documentol e um levantamento mento como jornalista estando presente à Convenção
de Aguascalientes. Professor universitário e jorna-

)
de problemas referentes ao perfodo analisado. Apre-
senta ainda uma bibliografia" parcialmente comen- lista, sua obra está marcada por uma identificação
11\
tada, devidamente seleciona ida e classificada con- com o movimento. Importa destacar a preocupação
II forme certas especialidades e que pode funcionar do autor em fazer acompanhar seu relato de doeu-
como um roteiro para estudos sobre a Revolução \
.mentos do período em estudo. Do mesmo autor reco-
Mexicana. menda-se, ainda, EI Agrarismo Mexicano y Ia Re-

II
114 Anna Maria Martinez Corrêa A Revolução Mexicana: 1910-1917 115

forma Agrária. Exposición y Critica. de ser amplamente fotografado. O material fotográ-


Obra importante para o conhecimento da histó- fico disponível acerca da Revolução tem permitido a
ria mexicana do período estudado é o trabalho de publicação de várias obras de caráter documental
Cosío Villegas, Historia Moderna de México, com- entre as quais citam-se, de Casasola, Historia Grá-
posta de 7 volumes, editados entre 1955 e 1965. Para fica de Ia Revoluciôn Mexicana. 1900-1940, ou o tra-
Cosío Villegas, o início da modernidade no México balho de Brennet & Leights, The Wind that Swept
situa-se no período porfirista. Essa a razão pela qual México.
o período de Porfírio Díaz é estudado em profundi-
dade.
Sobre o movimento zapatista, um dos trabalhos
mais notáveis é a do historiador norte-americano, Bibliografia Consultada
John Womack Jr., Zapatay Ia Revolución Mexicana.
O trabalho caracteriza-se pela riqueza da documen- Bartra, Armando (org.) - Regeneración. 1900-1918.
tação, além da análise criteriosa e elaborada em La corriente más radical de Ia Revolución Mexi-
profundidade. cana de 1910 através de su periódico de com-
Entre as obras que compõem o acervo da Revo- bate. México, ERA, 1977 (Problemas de Mé-
lução Mexicana merecem destaque especial os depoi- xico).
mentos de participantes do movimento revolucio- Chevalier, François - "Un facteur décisif de Ia révo-
nário, além daqueles já citados de Silva Herzog ou de lution agraire au Mexique, le soulêvernent de
Reed, como os contidos na obra de Cazes, Os Revo- Zapata. 1911-1919". Annales ESC, jan.-fev.,
lucionários ou nos trabalhos de James Wi1kie ou de 1961, p. 66-82.
Oscar Lewis. Cockroft, James D. - Precursores Intelectuales de Ia
O conhecimento da Revolução Mexicana deve Revolución Mexicana. Trad. Maria Eunice Bar-
ser complementado com a leitura de obras literárias. rales, México, Siglo Veintiuno, 1971.
Entre outras citam-se as de Carlos Fuentes, La Contreras, Mario & Tamayo, Jesus - México en el
Muerte de Artemio Cruz, de Azuela, Los de Abajo, sigloXX.1900-1920. TextosyDocumentos. Mé-
de Martín Luis Guznián, Memorias de Pancho Villa xico, UNAM, 1975 (Lecturas Universitarias),
e de outros autores como José Rubén Romero, Gre- 2v.
gorio López y Fuentes e Blasco Ibâãez. Cordova, Arnaldo - La ideologia de Ia Revolución
A Revolução Mexicana constituiu, ainda, um Mexicana. La Formación del Nuevo Regimen.
acontecimento histórico que contou com o privilégio México, ERA, 1973.
116 Anna Maria Martinez Corrêa

Cumberland, Charles C. - Madero y Ia Revolución o) f (~IJ)-~ s p


~~~~-S-B ~
Mexicana. Trad. de Stella Mastrangelo, Mé- SEC:'\O DE.i~ . .:.__
xico, Siglo Veintiuno, 1977.
Gilly, Adolfo et alii - Interpretaciones de Ia Revo- AQUIS~CÃO o.W-~.v.aM.\<.:_Ic4.~O.a:n,
r .-:tA A OR

lución Mexicana. México, UNAM, Nueva Ima- . ...1Y-. ................., !


_--
gen, 1979.
Guerra, François-Xavier - "La révolution mexi-
.

.. ~..~
DATA4'Q •....... :
_-
----~~]?g .
..!. TOMBO
n •
caine: d'abord une révolution miniêre?" Anna-
les ESC, set.-out., 1981, p. 785-814.
Melville, Roberto - Crecimiento y Rebeliôn, EI
desarrollo economico de Ias haciendas azucare- Sobre a Autora
ras en Morelos (1880-1910). México, Nueva
Imagen, 1979.
Anna Maria Martinez Corrêa é licenciada em História e Geo-
Meyer, Jean - La Revolución Mejicana. 1910-1940. grafia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras "Sedes Sapientiae",
Trad. de Juis Flaquer, Barcelona, DOPESA, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Mestre em História
1973. pela Universidade de São Paulo; Doutora em Ciências (História), pela
Meyer, Jean - "Les ouvriers pendant Ia révolution Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (SP). É Professora
Assistente Doutora do Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis,
méxicaine: les bataillons rouges", Annales ESC, 10.' da Universidade Estadual Paulista, onde exerce, igualmente, a função de
jan.-fev., 1970, p. 30-55. Coordenadora do Curso de Pôs-graduação de História da América La-
tina, Período Contemporâneo. Publicou os livros: A Rebelião de 1924 em
Obregón, Alvaro - Ocho mil kilômetros en cam- São Paulo; A América Latina de Colonização Espanhola; e Mariátegui,
paiia, México, Fondo de Cultura Económica, estes dois últimos em colaboração com o Professor Manoel leio Bellotto,
1959.
Ruíz Garcia, Enrique - Zapata. Terra e Liberdade.
Trad. de Maria da Graça Morais Sarmento. Lis-
boa, Iniciativas Editoriais, 1976.
Ruíz, Ramón Eduardo - La revolución mexicana
y el movimiento obrero. México, ERA, 1978. Caro leitor:
Se você tiver alguma sugestão de novos títulos para
as nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias,
COLECÃO ~ novos títulos ou mesmo uma "segunda visão" de um
iá publicado serão sempre bem recebidos.
Prof. Car io s Alb er t o Vesentini
-~~--If .
. ~.
li

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