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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


FLM 0-622: Literatura hispanoamericana: romanticismo y modernismo
Prof. Dr. Pablo Gasparini / Segundo semestre 2018 – matutino.
Aluna: Gabriela Omena

La Emancipada: a emancipação da personagem Rosaura como


símbolo do liberalismo em uma sociedade cristã e conservadora

Este trabalho visa analisar a figura de Rosaura - personagem principal de La


Emancipada, de Miguel Riofrío - que possui pensamentos liberais; contrastando com a
personagem Eduardo, que representa o conservadorismo e o pensamento católico da
época. Para isso, serão consideradas a leitura do livro La Emancipada da editora
Libresa, de 2007, que traz consigo o estudo introdutório de Dr. Fausto Aguirre.
Também será estudado o texto De como el liberalismo se volvió una mala palabra, de
Nicolas Shumway, para melhor entender o liberalismo; e, para compreender o
posicionamento da Igreja frente a essa ideologia liberal, faremos uma leitura crítica do
texto La relación Iglesa-Estado en el Ecuador del siglo XIX, de Enrique Ayala Mora.
Assim, com esses estudos e, sobretudo, com a própria leitura e a citação de
trechos da obra do escritor equatoriano Miguel Riofrío, serão analisadas essas duas
personagens e como as pessoas enxergavam o liberalismo no Equador, na época em que
o autor escreve. Por isso, a construção dessas duas personagens é de suma importância,
pois representam esses dois polos: liberal e conservador, do século XIX.
Contudo, para que haja maior compreensão sobre a representação ideológica das
personagens, faremos um breve resumo da novela La Emancipada, na qual Rosaura, a
protagonista filha de Don Pedro e de sua falecida mãe tem todos os seus livros, papéis,
lousa, penas – para a escrita – e pincéis recolhidos por seu pai, após a morte de sua mãe.
Seu pai, proibindo-a ao acesso às artes, impede que Rosaura leia livros que não fossem
os sermões do padre Barcia e os cânones penitenciais. Aliás, Don Pedro,
autoritariamente, faz duras críticas à mãe falecida de Rosaura, dizendo que por esta
gostar muito de ler, ela havia se tornado uma má esposa por ter ideias diferentes das
suas. “[...] tu madre era muy porfiada y con sus novelerías ha danado todos los planes
que yo tenía para hacerte una buena hija” (RIOFRÍO, p.4). Sua mãe, segundo o
estudioso Aguirre, havia sido “a primeira mulher emancipada”, após receber “lecciones
de un religioso ilustrado, llamado padre Mora, a quien comisionara el Libertador
Bolívar para la fundación de las escuelas lancasterianas” (RIOFRÍO, p. 3). E nos parece
que seu pai era contrário a Bolívar e à independência americana, e isso se esclarece
quando, no fim da quarta parte da novela, o narrador diz que os tradicionalistas e os
partidários das fortes providências, como o pai de Rosaura, defendiam que:

“[…] el hombre ha sido creado para la gloria de Dios y la mujer para gloria y
comodidad del hombre; y que por consiguiente, el uno debía educarse en el temor de

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Dios obedeciendo ciegamente a los sacerdotes y los jueces, y la otra en el temor del
hombre obedeciendo ciegamente al padre y después al esposo, y que el crimen de
Rosaura debía ser severamente castigado, para vindicta de la sociedad y ejemplo vivo de
todas las hijas. Estos acababan siempre por lamentar los buenos tiempos del Rey y por
maldecir la Independencia americana y el nombre de Bolívar [grifo nosso]” (RIOFRÍO,
p.17).

Don Pedro, portanto, obriga sua filha a se casar com um homem de nome
Anselmo, pessoa que Rosaura nunca havia visto na vida. Entretanto, Rosaura resistiu
por um tempo ao pedido de casamento, por estar apaixonada por Eduardo, personagem
que costumava passar as férias na casa de Rosaura, por ser amigo de seu pai.
Assim, durante sua estada, Rosaura e Eduardo conversavam muito sobre
diversos assuntos, pois Eduardo era estudante e gostava de falar sobre seus ensaios que
escrevia para a disciplina de Retórica. Rosaura se encanta com suas palavras e, aos
poucos, se apaixona pelo rapaz.
Contudo, não há muitas descrições dos personagens, uma vez que, já nas
primeiras linhas da novela, na observação feita pelo narrador, há o aviso de que as
personagens não serão detalhadamente descritas, havendo, portanto, poucos trechos com
descrições. E essa ausência de detalhes se torna compreensível quando descobrimos, no
fim da novela, que o narrador da história é um estudante de medicina que encontra o
corpo de Rosaura e que, ao fazer a autópsia da personagem principal, encontra cartas de
Eduardo e rascunhos escritos por ela, os quais não chegaram, não se sabe o porquê, nas
mãos do destinatário Eduardo. Essas cartas e rascunhos descrevem os acontecimentos
da vida da protagonista e, através delas sua história é contada pelo estudante que lhe
averigua o corpo já sem vida.
A descrição de Eduardo, na novela, é:

“El joven era de mediana estatura, de facciones regulares y un tanto cogitabundo [...] el
joven había estudiado las materias de enseñanza secundaria en la ciudad más cercana a
la parroquia de que nos ocupamos [...] después de terminado el curso de artes, había
pasado a hacer sus estudios profesionales en la Capital” (RIOFRÍO, p. 1, 2).

O amor dos dois, porém, se torna recíproco. Rosaura tem medo que seu pai
descubra o sentimento dos dois e os separe. Entretanto, neste momento narrativo,
Eduardo se posiciona como um verdadeiro apaixonado e diz que “el alma se separa del
cuerpo [...], puede comprenderse; pero dos almas que se amen como yo te amo lleguen a
desunirse, eso no, Rosaura; si así lo piensas, tú no me amas” (RIOFRÍO, p. 4,5). Mas
Rosaura tem medo do pai: “retírate por ahora, amigo mío, porque va a anochecer y
puede venir alguién” (RIOFRÍO, p.5).
Ainda que apaixonada, Rosaura é uma mulher distinta, possui pensamentos
“inapropriados” para a sua época. Durante uma conversa com um padre, Rosaura
segreda suas ideias:

“[...] las hijas no son esclavas ni de sus padres ni de los curas. [...] si en verdad somos
cristianos, debemos ser sustancialmente distintos de aquellos pueblos, en que la mujer

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es entregada como mercancía a los caprichos de un dueño, a quien sirve de utilidad o de
entretenimiento, mas no de esposa” (RIOFRÍO, p. 6).

Rosaura, dessa forma, faz uma crítica aos católicos – e ao próprio pensamento de
seu pai - que se posicionam ao lado de ideias, segundo a personagem, não
verdadeiramente cristãs. Afinal, na concepção de Rosaura, Cristo jamais seria a favor de
casamentos arranjados, que transformam as mulheres em mercadoria comercializada
entre os homens, onde o pai entrega sua filha ao esposo por ele escolhido.
Diante da iminência de um casamento arranjado, Eduardo escreve uma carta à
Rosaura, dizendo que ele estaria ao seu lado durante a luta que ela, possivelmente,
travaria com seu pai, no momento em que recusasse o pedido de casamento de
Anselmo. Assim, Rosaura revela, ao seu pai, que ela ama outro homem, o futuro
sacerdote Eduardo, e seu pai, ferozmente, no momento da discussão, toma um criado
indígena, que ali perto estava, e o ameaça, dizendo que: “Sois una raza maldita y vais a
ser exterminados” (RIOFRÍO, p. 11). Ela implora para que o pai não faça nada ao índio,
pois não gostaria de ter um mártir e, por fim, aceita o casamento com Anselmo.
Após concordar com o casamento, o pai pergunta se ele poderia escrever uma
carta e se Rosaura a assinaria sem lê-la. A personagem consentiu e a carta foi escrita por
seu pai para Eduardo Ramírez, amado de Rosaura. Na carta dizia-se que os pais são para
os filhos como segundo deuses na terra e que Rosaura serviria ao seu esposo e seus
futuros filhos como uma boa cristã e uma mulher forte.
A carta é entregue a Eduardo, quem derrama algumas lágrimas após lê-la. Há o
casamento de Rosaura com Anselmo, mas para a surpresa de todos, após dizer sim ao
altar, a protagonista se vira ao público e se proclama “emancipada” - o que dá nome à
obra -, pois, no casamento, Rosaura encontra a sua libertação, foge livre de seu pai
autoritário. A personagem, assim, caracteriza uma mulher que desafia os costumes da
época e as práticas políticas e religiosas do momento em que vivia.
Dessa forma, a obra La Emancipada trata-se da primeira novela equatoriana,
que, de acordo com o Dr. Fausto Aguirre - professor de linguística da Universidad
Nacional de Loja e do Colégio Experimental Bernardo Valdivieso de Loja - foi escrita
em uma “generación prerromántica (1822-1897)”, constituindo um “precendente
republicano” (AGUIRRE, 2007:9). A novela possui, então, uma “intención de
denuncia de las aberraciones sociales y del fanatismo de la época” (AGUIRRE,
2007:22). Tal aberracão seria, como já citamos, o pensamento religioso que ia contra o
racionalismo que se aflorava no século XIX. Para o professor, a missão do escritor
Miguel Riofrío seria, exatamente, a difusão deste pensamento o qual a igreja tanto
abominava: as ideias liberais.
Em verdade, na época em que a obra foi escrita, havia a predominância da
alienação social, a qual o romance La emancipada revive em sua narrativa. Aguirre
relata que a história da novela de Riofrío se passa em torno do ano de 1841 e que “la
obra literária es el reflejo temporal o perenne de las manifestaciones de uma cultura,
desde el punto de vista antropológico” (AGUIRRE, 2007: 40).

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E essa última afirmação de Aguirre é muito interessante, pois é preciso
compreender que o Romantismo na América, não é como o Romantismo europeu que se
focava na subjetividade dos personagens, mas é um Romantismo que se destinava a
relatar o contexto histórico e político de seu país. A emancipação de Rosaura, portanto,
representa um choque ideológico com os costumes daquele tempo seguidos por pessoas
alienadas.

“Rosaura es la rebelde con causa. Es la mujer inteligente que no aceptó vivir de los
convencionalismos de la época. Pero ¿quién la hizo desgraciada? Eduardo la hundió, la
destruyó, la sepultó. No importó nada a él que ella se haya preparado desde sus doce
años exclusivamente para él. ¿El amor lleva a la desgracia? Sí, el amor no
correspondido [grifo nosso]” (AGUIRRE, 2007: 52).

E este trecho retirado do estudo do professor Aguirre é bastante forte, porque


Eduardo, como se verá na carta escrita por ele e encontrada junto ao corpo de Rosaura,
diz que as coisas haviam mudado e que ela era agora uma “ovelha negra”, capaz de
influenciar negativamente outras jovens. Portanto, Eduardo abandonou-a e lhe acusa das
consequências de seus atos quando, anteriormente, havia prometido estar ao seu lado na
adversidade. Ele a trai, tomando parte em defesa da moral católica e dos bons costumes,
virando as costas para quem tanto dizia amar.

“Hoy tu antiguo amigo ha llegado a saber que has tenido la desgracia de entrar en el
número de las ovejas descarriadas, y se postra desde aquí a hacerte la plegaria de que
vuelvas al aprisco. Tú piensas que te estás vengando de los que te han tiranizado.
¡Infeliz! Mira lo que haces. Reflexiona que ningún mal has recibido de las jóvenes
inocentes que pudieran pervertirse con tu ejemplo […] tú te has entregado al vicio para
viciar más la sociedad [grifo nosso]” (RIOFRÍO, p.23)

O professor nos conta também que, após a fuga da protagonista, esta foge para
um local chamado El Valle, e vive em uma casinha na rua de San Agustín, onde se
entrega aos prazeres da “libertinagem”. A opinião do narrador, estudante de medicina,
sobre a libertinagem é que os fanáticos (católicos) são os reais culpados de empurrar a
sociedade a essa prática libertina (RIOFRÍO, p.20). O personagem Eduardo inocenta os
culpados em uma carta que escreve à Rosaura, afirmando que “ellos [conservadores]
venían también empujados de otras fuerzas anteriores a que no habían podido resistir”
(RIOFRÍO, p. 23). Como se os que defendiam o patriarcado fossem inocentes ao fato de
apenas reproduzir algo que já está instaurado em nossa sociedade e em nossa moral.
Na concepção de Fausto Aguirre, Eduardo, estudante de direito, nega sua
profissão liberal e termina como frade moralista. Ele cede à ideologia da época, ficando
ao lado da moral e dos bons costumes. O professor afirma que Rosaura não morreu, mas
foi assassinada por se tornar prostituta e pelo preconceito da sociedade a esse estilo de
vida. E, para ele, a sociedade julga esses atos, pois esta é sua formação ética e moral.
Aprendemos que a libertinagem é coisa de barbárie. Por isso, Rosaura se junta à outra
camada da sociedade: aos índios, os quais são considerados como bárbaros.

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Assim, quando Rosaura se “emancipa”, ela escolhe viver uma vida liberal, em
lugar viver na vida patriarcal e autoritária a qual estava fadada.
Segundo o estudioso Nicolas Shumway, as palavras possuem o significado que
nós a damos e estas mudam de sentido com o passar do tempo. Por isso, o estudioso
busca entender o que foi o liberalismo no Equador, no século XIX.
SHUMWAY afirma que o liberalismo na América Latina defendia um livre
comércio “selvagem” e sem lei, sem ética e sem consciência comunitária. Por isso, era
comum o liberalismo ser pregado pelos padres como “decadente e pecaminoso”. Porque
os princípios liberais defendiam o individuo independente de Deus e de sua autoridade;
além da liberdade de pensamento sem a limitação da política, da moral e da religião.
Defendia-se o racionalismo individual, o racionalismo político e o racionalismo social.
Para o pensamento liberal, então, a educação deveria ser laica, o Estado deveria ter
supremacia em suas relações com a Igreja; e haveria o casamento legalizado e
sancionado pela intervenção única do Estado, havendo, portanto, a secularização.
SHUMWAY (2011: 116) explica: “la lucha por la liberdad engendró: en una palabra, el
liberalismo”.
E, de acordo com Enrique Ayala Mora, em seu estudo: La relación Iglesia-
Estado em el Ecuador del siglo XIX, ele afirma que a Igreja estava, desde o século XVI,
imbricada ao poder estatal. A Igreja tinha a função de evangelizar os indígenas na
América e não tinha muito controle dos livros e da imprensa que circulavam por aqui.
Por outro lado, no século XIX, a Igreja legitimava o poder da classe
latifundiária, alegando que os proprietários de terras as possuíam por “direito divino” e
que as constituições eram criadas no nome de Deus ou em nome do povo. Assim, em
nome de “Deus Criador do Universo” era criada as leis e a sua execução estava a cargo
de uma autoridade que representava a divindade. Pois,“la Iglesia era una persona de
derecho público dentro del Estado” (MORA, p.72), sendo contra o liberalismo que
pregava o estado e a educação laicos.
Dessa forma, La Emancipada descreve a história de uma mulher que foge ao seu
destino de mulher subjulgada, optando por escolher uma vida libertina em vez de
exercer o papel da mulher na sociedade patriarcal e opressora. Rosaura representa o
liberalismo, enquanto Eduardo cede à sociedade conservadora. Dessa forma, como a
literatura que se consolidou no Romantismo prega que a literatura depende da cor local,
da história e da política de seu tempo, a obra La Emancipada representa a época em que
é escrita, levando em consideração os problemas políticos do século XIX que são: o
afloramento das ideias liberais e a presença forte da Igreja Católica, que repreende essa
ideologia; como pode ser vista na carta em que Eduardo escreve para Rosaura.
E essas “instituições modernas”, que é o liberalismo, de acordo com o pai de
Rosaura, haviam sido os responsáveis pela morte de sua filha. Ademais, quando
Rosaura morre, Eduardo sobe ao púlpito da Igreja, como sacerdote, e relata, de acordo
com o narrador: “pateticamente”, as desgraças que a desobediência aos pais e o desacato
ao sacerdote causam na vida dos jovens que se entregam a essa ideologia.

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Referências:

MORA, Enrique Ayala. “La relación Iglesia-Estado en el Ecuador del siglo


XIX”. Procesos. revista Ecuatoriana de Historia, 6: 91-15, 1994.

RIOFRÍO, Miguel. La Emancipada. Disponível em: <


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1823737/mod_resource/content/1/La-
Emancipada.pdf > Acesso: 28/10/2018, às 18:12.

RIOFRÍO, Miguel. La Emancipada. “Estudio introductório de Dr. Fausto Aguirre”.


Santiago: Libresa, 2007.

RODRIGUEZ-ARENAS, Flor María. "Ideología, rerpesentación y actualización: el


realismo en La Emancipada de Miguel Riofrío”. Disponível em: <
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1821178/mod_resource/content/3/227834410-
La-Emancipada-Miguel-Riofrio-pdf.pdf > Acesso: 30/10/2018, às 11:19.

SHUMWAY, Nicolas. “De cómo el liberalismo se volvió una mala palabra”. In:
História Personal de una Pasión Argentina. Emecé, Buenos Aires, 2011. p. 111-143.

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