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Aos meus pais, Luiz e Flávia, pelo carinho, dedicação, pela aposta na mudança tão
radical em minha carreira, e, como não poderia deixar de ser, por terem
compartilhado comigo a paixão pela arte, pelo cinema, por W
oodyAllen e pela vida.
A h
Cu, pela maravlihosa oportunidade oferecida de estar tão perto da psicanálise,
na teoria e na prática.
A a
Tlitha, por estar tão perto, tão preocupada e tão dedicada na realização deste
trabalho.
Finalmente, ao Fernando, tão longe e tão perto, por ser aquele que, com seu amor e
carinho, pô
de ser o amor real que me permitiu, enfim, criar.
Thais Fontana Gemignani: Três Irmãs, Três Vasos, Três Escrínios: Woody Allen e as
(im)possibilidades da sublimação a partir da interpretação do discurso do filme Interiores,
2008.
Orientadora: Prof.a Dra. Talitha Ferraz de Souza
Palavras-chave: Psicanálise, arte, Woody Allen, sublimação, interpretação do discurso.
RESUMO
INTRODUÇÃO............................................................................................p. 1
1 METODOLOGIA...................................................................................... p. 7
1.1 A ESCOLHA DO FILME............................................................. p. 7
1.2 MÉTODO INTERPRETATIVO.................................................... p. 8
1.3 APORTE TEÓRICO: O CONCEITO DE SUBLIMAÇÃO............ p. 11
1.4 OUTRAS FONTES..................................................................... p. 12
2 PSICANÁLISE E ARTE: ALGUMAS APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS.... p. 13
2.1 PSICANÁLISE E A ARTE DO SÉCULO XX............................... p. 14
2.2 PSICANÁLISE E CINEMA.......................................................... p. 15
3 SUBLIMAÇÃO......................................................................................... p. 19
3.1 DUAS TEORIAS FREUDIANAS SOBRE A SUBLIMAÇÃO....... p. 21
3.1.1 A dessexualização pulsional.................................... p. 22
3.1.2 A sexualidade como matéria-prima......................... p. 26
3.2 SUBLIMAÇÃO: UMA SUBLIME AÇÃO...................................... p. 35
4 WOODY ALLEN E SUA OBRA CINEMATOGRÁFICA.......................... p. 41
4.1 WOODY ALLEN..................................................................... p. 41
4.2 INTERIORES (1978).............................................................. p. 46
4.2.1 Relato do filme........................................................... p. 47
4.2.1.1 As três irmãs, filhas de Eve............................. p. 49
4.2.1.2 A separação.................................................... p. 54
4.2.1.3 Pearl ............................................................... p. 56
4.2.1.4 O mar.............................................................. p. 58
5 DISCUSSÃO DO FILME INTERIORES.................................................. p. 61
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... p. 84
6.1 TRÊS IRMÃS, TRÊS VASOS, TRÊS ESCRÍNIOS.................... p. 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................p. 92
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................... p. 95
ANEXOS..................................................................................................... p. 96
Anexo 1 – Filmografia de Woody Allen........................................ p. 96
Anexo 2 – Roteiro de Interiores.................................................... p. 105
INTRODUÇÃO
Linda Christie: ‘V
ocê se dá conta de que estamos
em uma sala que guarda algumas das maiores
conquistas da Civilização Ocidental?
’
Alan Felix: ‘Não há garotas.’ 1
W
oodyAllen: comediante, escritor, cineasta, mú
sico e ator. Um dos
mais férteis e controversos artistas norte-americanos, que se destaca no cenário do
cinema mundial não apenas por sua incrível produtividade, mas sobretudo pela
capacidade que tem de capturar o pú
blico com suas piadas e discussões filosófico-
existenciais mais profundas, seja arregimentando fãs (de famílias a estudiosos do
cinema, de filósofos a psicanalistas), seja provocando seus opositores mais radicais.
1
personagens em psicoterapia, e iluminou diversas questões psicanalíticas
abordadas em suas películas. Partindo da idéia de que a psicanálise se transforma
continuamente, como um significante polimorfo, o autor do artigo tomou o
significante divã psicanalítico como parâ
metro e analisou os filmes Noivo Neurótico,
Noiva Nervosa (1977) e Desconstruindo Harry (1997), ora se valendo da
interpretação de determinadas cenas destacadas como relevantes, ora se
debruçando sobre a análise de técnicas cinematográficas utilizadas pelo diretor.
Q
uando fala sobre seu próprio trabalho, Woody Allen admite que um de
seus grandes temas é a arte e o conflito entre fantasia e realidade. Segundo o
cineasta, essa é uma questão que muito o mobiliza, porque embora sempre tenha
querido viver na fantasia, reconhece não poder fazê-lo, porque senão cairia na
loucura. (Bjö
rm
k an, 2004; Kapsis &Coblentz, 2006).
2
dura, sofrida, e a arte poderia surgir como uma tentativa de dar novos contornos a
ela, por meio da fantasia (Bjrökman, 2004).
W
oody Allen, como artista, escritor, cineasta, coloca-se no centro
desse embate, reconhecendo estar na encruzilhada entre fantasia e realidade, entre
o uso da arte como recurso para a sobrevivência num mundo real hostil e a vida em
sua concretude, entre a dedicação àarte e o cultivo de relaçõ
es humanas profundas
e ricas. N
o centro desse embate encontram-se, também, diversos personagens de
seus filmes – artistas ou “aspirantes a”, como Harry Block, de Desconstruindo Harry
(1997), Renata e Eve, de Interiores (1978
) e Sandy, de Memórias (198
0) – que
sofrem ao se questionar a serviço do que vem a sua arte, e se viver a realidade é
compatível com o viver na arte. N
esse sentido, pergunta-se: é possível viver apenas
em função de sua arte, e não estabelecer relaçõ
es afetivas?Onde se coloca a arte,
diante da inexorabilidade da morte (K
apsis &C
oblentz, 2006
)?
3
responsabilidade; por outro, encontramos personagens que, a despeito de buscarem
intensamente em si a capacidade artística, não a encontram (B
ailey
,0201).
Na obra de o
WodyAllen, assim, é frequente a exploração da questão
da condição do artista e a adoção de uma postura muitas vezes cética diante do
valor da arte para os seres humanos. C
omo nos lembra B
ailey(2
001), é comum que
os filmes de Allen retratem “um debate pessoal que ele trava consigo mesmo a
respeito das premissas, promessas e capacidades da arte, e sobre o preço exigido
do artista e daqueles em torno dele por seu comprometimento com ela.” 2 (p. 7).
o
Cnsiderando, então, a questão dos limites e possibilidades da
produção artística e da produção sublimatória explorada por W
oodyAllen em seus
filmes como o tema a ser estudado no presente trabalho, mostrou-se interessante
recorrer ao conceito freudiano de sublimação e tomá-lo como instrumento de análise
e de entendimento do olhar de W
oodyAllen em relação à arte - em seus limites e
possibilidades como meio de obtenção de satisfação – e em relação à condição do
artista – que vive através da arte, mas não estabelece relações afetivas, ou não
encontra, em si, condições de criar.
V
alendo-me do referencial teórico freudiano e de autores que
debruçaram sobre a obra de Freud e trouxeram contribuições ao conceito de
sublimação, como o
J el B
irman e Sissi C
astiel, pude perceber que a noção de
sublimação enquanto processo psíquico que procuraria explicar a produção da
civilização humana (arte, ciência, religião e filosofia) consiste em uma das idéias
2
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “a personal debate he’s waging with himself about
the premises, promises, and capacities of art, and about the price exacted upon the artist and those around
her/him for the commitment to it.”
4
mais controversas do discurso freudiano. Embora apareça diversas vezes ao longo
de sua obra, a sublimação não conta com um texto de Freud inteiramente dedicado
ao assunto3.
o
Cm efeito, o que se encontra no discurso freudiano são
fundamentalmente dois momentos de teorização da sublimação: um primeiro
momento, em que a sublimação seria entendida como um processo que implicaria
dessexualização pulsional e, portanto, confundir-se-ia com o recalque como
mecanismo de defesa do ser humano contra a “abjeção” da sexualidade; e um
segundo momento em que a sexualidade seria entendida como a própria matéria-
prima do processo sublimatório, e a sublimação como mais um dos destinos
pulsionais (ao lado do recalque). No entender de B
irman (2
002
), nesse segundo
momento, a sublimação corresponderia a um processo psíquico que implica
processos de subjetivação, constituição do sujeito e da alteridade, ruptura com os
investimentos libidinais nos objetos de amor originais, criação de novos objetos de
satisfação e, finalmente, inscrição do sujeito no registro da cultura.
3
Embora se tenha notícia de que Freud teria escrito um texto específico sobre o tema, no contexto da elaboração
dos artigos sobre metapsicologia, é provável que ele tenha sido um daqueles que se perdeu ou foi destruído pelo
próprio autor (Birman, 2007; Castiel, 2007).
5
Fazendo uma revisão teórica sobre referido conceito psicanalítico,
entendi que a compreensão do fenô
meno da sublimação não apenas como mais um
dos destinos pulsionais - que não exclui a necessidade de estabelecimento de
relações objetais e satisfação pulsional direta, nem tampouco a necessidade do
recalque – mas sobretudo como um mecanismo psíquico sofisticado, que demanda
estruturação subjetiva, ruptura com as relações objetais primordiais para reabertura
do circuito pulsional para novas possibilidades de satisfação, abertura para a
alteridade e reconhecimento da diferença pelo eu (B
irman, 2
002
), poderia me ajudar
a pensar a problemática que W
oodyAllen traz da arte e da relação que o artista –
bem sucedido, mas que no entanto se isola e evita relacionamentos humanos, ou
aspirante a, e que encontra dificuldades para criar e obter satisfação pela via
sublimatória – estabelece com ela.
6
Em sendo assim, para estudar a contribuição de W
oodyAllen para o
questionamento dos limites e das possibilidades da produção artística e da produção
sublimatória para o artista, esse trabalho consistirá na interpretação do discurso do
filme Interiores (1978
), buscando uma leitura da subjetividade criadora enquanto
condição de possibilidade da experiência artística de produção, a partir do conceito
psicanalítico de sublimação.
7
No capítulo 6são feitas considerações finais em torno das questões
levantadas a partir da interpretação do discurso do filme, buscando discernir seu
sentido.
8
1 MÉTODO
1.1 A ESC
AD
H
L
O OFIL
E
M
9
rápidas e atravessadas, Interiores talvez seja um filme muito mais “tp
í ico” de sua
obra do que aparenta, não só por trazer a figura de três mulheres (especificamente,
três irmãs), como é comum em seus filmes (Hannah e Suas Irmãs, 198
;
6 Sonhos
Eróticos de uma Noite de Verão, 198
,2 por exemplo), como também por ilustrar um
tema tão caro ao cineasta, e de forma tão primorosa, como a arte e a condição do
artista.
1.2M
DINT
O
T
É EREA
P TT
IV
O
a
Prtindo do entendimento de que a psicanálise se configura como um
referencial significativo para a realização da interpretação de obras de arte, tomei-a
como abordagem para a realização da interpretação do discurso do filme, a partir do
que Goldgrub (2
004) postula.
10
como discernimento de sentido a partir da significação. Isso teria acontecido por se
confundir a teoria do método com a teoria do sujeito.
11
então desconhecidos da linguagem, os mitos e os filmes
favorecem a percepção da estrutura metafórica do discurso e
conseqüentemente a legitimidade do procedimento
interpretativo. (GOLDGRUB, 2004, p. 17 e 18).
(...) pode-se dizer que todo discurso posto em ato, seja qual
for seu conteúdo, concretiza, e portanto metaforiza, um
sentido abstrato. Desse ponto de vista, qualquer relato é tão
figurado como o protagonizado pelas imagens oníricas. O
método interpretativo não tem porque se restringir à narração
dos sonhos; aplica-se a qualquer temática, por mais lógica e
concatenada que seja. (GOLDGRUB, 2004, p. 72).
12
interpretação dos sonhos caminharia na direção da desmetaforização, ou seja, da
leitura desmetaforizante do conteúdo manifesto definido enquanto discurso (do
sonho, do filme, etc.) e, assim, de seu sentido (Goldgrub, 2004).
13
pertinê
ncia, ilustra à perfeição a resistê
ncia do analista.
(G
OLDG RUB, 2004, p. 38).
Dessarte, o
Gldgrub (2004) defende a idéia de que por meio da
interpretação do discurso, processo que denomina desmetaforização, busca-se
encontrar seu sentido latente, e para tanto, devem-se considerar todos os aspectos
do discurso. No caso do discurso fílmico, a totalidade dos elementos que constituem
sua linguagem (como a fotografia, o som, o roteiro, a iluminação, a música, etc.)
deveria ser considerada em sua interpretação.
14
do circuito pulsional para novas possibilidades de satisfação, abertura para a
alteridade e reconhecimento da diferença pelo eu (B
irman, 2002), poderia me ajudar
a pensar a problemática que W
oodyAllen traz no filme Interiores acerca da arte e da
relação que o artista – bem sucedido, mas que no entanto se isola e evita
relacionamentos humanos, ou aspirante a, e que encontra dificuldades para criar e
obter satisfação pela via sublimatória - estabelece com ela.
15
As citações diretas de textos originais em inglês - arrolados nas
referências bibliográficas - serão feitas em português, a partir de tradução livre nossa.
o
Cnstarão as respectivas versões originais em inglês em notas de rodapé.
16
2 PSICANÁLISE E ARTE: ALGUMAS APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS
4
Excetuando-se seus comentários acerca de Édipo Rei e Hamlet presentes em A Interpretação dos Sonhos
(1900); Freud, algum tempo antes, enviara uma breve análise da obra de Conrad Ferdinand Meyer Die Richterin
(A Juíza) a Fliess, juntamente com carta datada de 20 de junho de 1898.
17
a mesma constelação mental que nele produziu o ímpeto de
criar. Mas por que a intenção do artista não poderia ser
comunicada e compreendida em palavras, como qualquer
outro fato da vida mental? Talvez, no que concerne às
grandes obras de arte, isso nunca seja possível sem a
aplicação da psicanálise. O próprio produto, no final das
contas, tem de admitir uma tal análise, se é que realmente
constitui uma expressão efetiva das intenções e das
atividades emocionais do artista. Para descobrir sua intenção,
contudo, tenho primeiro de descobrir o significado e o
conteúdo do que se acha representado em sua obra; devo,
em outras palavras, ser capaz de interpretá-la. (FREUD,
1914a, p. 217-218).
18
de sua condição de centro de seu universo a partir da descoberta do inconsciente. O
eu, representado nas obras de arte, ou pensado pela psicanálise, fragmentou-se,
dividiu-se, foi feito em pedaços (Rivera, 2005).
19
diálogo produziu transformações efetivas tanto no â
mbito artístico, como no â
mbito
psicanalítico.
2.2 PSICANÁ
LISE E CINEMA
5
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Very quickly, cinema becomes a way of talking
about, of picturing, the mind for psychoanalysis – just as the mind becomes one way to consider the mechanism,
and fascination, of cinema.”.
20
Lebeau, em seu livro a respeito dos encontros entre psicanálise e
cinema ao longo do século XX e da construção da teoria psicanalítica
contemporânea sobre o cinema, menciona diversos estudiosos que estabeleciam,
desde o início do século XX, esse diálogo. Ele lembra, assim, Lou Andréas-Salomé,
que, em seu diário escrito entre os anos de 1912 e 1913, durante sua permanência
em Viena para estudar psicanálise, teria registrado que “os filmes realmente
exercem um papel de não pouca significância para nós, e essa não é a primeira vez
que eu penso sobre esse fato”6 (Lebeau, 2001, p. 2-3).
6
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “The movies really play a role of no small
significance for us (...) and this is not the first time I have thought about this fact.”.
7
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês “Rank is referring to a strange and powerful film
made for Bioscope by Stellan Rye and Hanns Heinz Ewers in 1913: Der Student von Prag (The Student of
Prague). One of the first films to bring the Romantic and psychoanalytic theme of ‘the double’ – a reflection, a
double consciousness – to the screen (…) Rank is also keen to speculate on cinema’s capacity to represent both
mind and dream. ‘It may perhaps turn out’, he muses, tantalizingly, ‘that cinematography, which in numerous
ways reminds us of the dream-work, can also express certain psychological facts and relationships – which the
writer often is unable to describe with verbal clarity – in such clear and conspicuous imagery that it facilitates
our understanding of them’.”.
21
apenas brevemente em uma nota de rodapé do artigo freudiano O Estranho, de
1919, e essa se constitui como uma das poucas alusões ao cinema encontradas ao
longo de toda sua obra; seus biógrafos, Peter Gay e Ernest Jones, reportaram a
recusa de Freud de inclusive se encontrar com Samuel Goldwyn – conhecido
produtor de cinema do início de Hollywood -, que estava interessado em seu
conhecimento sobre o amor para a produção de um grande romance:
8
O filme Segredos de uma Alma (Geheimnisse einer Seele, 1926) contou com a supervisão de Karl Abraham,
presidente da Associação Psicanalítica Internacional, e Hans Sachs, analista-supervisor na Policlínica
Psicanalítica de Berlim (Gorender, 2003) e, segundo Lacoste (apud Gorender, 2003), foi a gota d’água das
divergências entre Karl Abraham e Freud.
9
Tradução livre nossa a partir do original em inglês: “‘FREUD REBUFFS GOLDWYN: Viennese
Psychoanalyst is Not Interested in Motion Picture Offer’: the headline which ran in The New York Times on 24
January 1925 announced Freud’s lifelong suspicion of cinema. According to his biographers, Freud – the
‘greatest love specialist in the world’, as Goldwyn described him to a journalist from the paper – had declined
an offer of $100,000 to advise on a ‘really great love story’ (Gay 1988: 454; Jones 1957). In a one-line telegram
that caused uproar in New York, Freud refused to see Goldwyn, shying psychoanalysis away from an apparently
unwelcome association with Hollywood. Similarly, in 1926, he resisted attempts to involve him in the production
of Secrets of a Soul, a film directed by Weimer luminary G.W. Pabst. ‘I do believe’, Freud insisted to his
colleague, Karl Abraham, ‘that a satisfactory plastic representation of our abstractions is at all impossible’
(cited in Friedberg 1990: 44).”.
22
aos Estados Unidos. Em meio a uma saraivada de
“incô
modos”, entre os quais problemas de próstata,
apendicite, dispepsia, Freud aos 5 3 anos de idade era
convidado a descobrir o cinema mudo, após um jantar
copioso, ficando-lhe da experiência a lembrança de “loucas
perseguições” desenroladas na tela. Não exatamente o que
se chamaria de bom começo.... (s.p.10).
10
Trata-se de um texto eletrônico, e portanto sem numeração de página.
23
3 SUBLIMAÇÃO
11
FREUD, Sigmund. (1915) Os Instintos e suas Vicissitudes. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
________, Sigmund. (1915) O Inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
________, Sigmund. (1915) Repressão. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
24
A construção do conceito de sublimação é, pois, no transcurso do
pensamento freudiano, não só marcada por “idas e vindas”, como também por
atravessamentos mú
ltiplos de diversos outros conceitos fundamentais ao
pensamento psicanalítico, como os de sexualidade, pulsão, narcisismo, castração,
que também passaram por reformulações ao longo do tempo. A reformulação de
cada um desses conceitos implicava a necessidade de revisão e reformulação dos
demais –o que repercutia também na formulação do conceito de sublimação.
o
J el Birman, em seus textos Fantasiando sobre a Sublime Ação (2002)
e Sublime Ação (2007), retorna ao discurso freudiano, recupera os
fragmentos/trechos/estilhaços a respeito da idéia de sublimação inseridos nos
inú
meros textos elaborados por Freud, insere-os no contexto da construção histórica
da psicanálise para, então, enfrentar o dilema teórico que o referido conceito impõe
e, finalmente, trazer um novo aporte ao entendimento da sublimação.
u
Qestionando-se sobre a possibilidade de a psicanálise não apenas
formular uma teoria da criatividade, como também de ela mesma proporcionar uma
experiência idêntica ao que aconteceria nos processos de elaboração artística,
Birman (2002) sente a necessidade de voltar às exatas (e poucas) palavras de
Freud a respeito do tema e buscar seu sentido. De acordo com Birman (2002), os
trabalhos pós-freudianos a respeito do processo criativo se furtaram ao
enfrentamento do grande impasse encontrado na obra de Freud acerca da
25
sublimação ao se reduzirem à “leitura de obras circunscritas - comparadas
freqüentemente a casos clínicos, ou reenviadas a seus autores como sendo algo da
ordem dos seus sintomas” (p. 90) ou à “repetição estereotipada do conceito
freudiano de sublimação - como se fosse óbvio e evidente na tradição freudiana,
sem polissemia e equivocidade nos seus enunciados (...)” (p. 90). Ora, se não
podemos deixar de reconhecer que sempre foi próprio da metodologia psicanalítica
a leitura do particular, também não devemos nos esquecer de que a sublimação é
um conceito obscuro e absolutamente controverso na psicanálise, cuja aplicação
formal, irrefletida e repetida na interpretação de obras particulares, a partir da
referência aos mecanismos psíquicos que estariam envolvidos na experiência
criadora, significa trazer uma idéia universal e pouco delineada para explicar uma
particularidade (Birman, 2002).
26
(...) seria apenas quando a subjetividade perde a sua
potencialidade de se movimentar e de articular a conflitualidade
em negociações constantes é que ela estaria perturbada no seu
ser. Seria quando aquela não consegue mais processar e
transformar a conflitualidade em produção psíquica é que a
subjetividade evidenciaria algo da ordem da perturbação. (...) a
transformação criativa do psíquico se paralisa enquanto tal,
perdendo esse a sua riqueza produtiva. Instala-se pois o
psiquismo na miséria e na indigência simbólicas. (...) Tudo isso
nos indica que a criatividade é a finalidade da experiência
analítica, sendo aquilo que é visado nesta experiência. Pela
mediação dessa pretende-se, pois, que o psiquismo possa
funcionar de maneira criativa, restaurando a potência conflitiva
dos opostos, para que estes então forneçam a matéria-prima
para as suas produções. Dizer, enfim, que a experiência
analítica busca promover a mudança psíquica, implica em
afirmar que aquela tem como intenção estratégica propiciar o
engendramento da criatividade na subjetividade (BIRMAN,
2002, p. 93-94).
27
Para haver sublimação, pois, necessário seria que os objetivos
pulsionais passassem de sexuais a não-sexuais; dito de outra maneira, a
sublimação ocorreria para que o sexual não aparecesse. Dessa forma, a sublimação
seria igualada ao recalque, e não adquiriria status de processo psíquico singular
(Castiel, 2007).
N
um segundo momento da teorização freudiana, por outro lado, a
sublimação não mais se oporia à erotização, mas pressuporia, justamente, sua
presença (Birman, 2002). A sublimação passa a ser definida, então, como um dos
quatro destinos pulsionais, e é caracterizada como o mais evoluído deles (Castiel,
2007). Birman (2002) destaca como é curioso o fato de o discurso psicanalítico pós-
freudiano – com exceção de um ou outro intérprete, como Jacques Lacan e Jean
Laplanche - ter se fixado na primeira teoria sobre a sublimação, recalcando a
segunda, “quando não a ignorou pura e simplesmente” (p. 9
).
3.1
.1A dessexualização pulsional
28
conceito nesse momento. R
efletindo sobre a “arquitetura da histeria”, Freud afirmou
nessa correspondência que as fantasias seriam barreiras psíquicas levantadas para
impedir o acesso à recordação das cenas primordiais esquecidas, e que serviriam,
simultaneamente, à tendência de refinar as recordações, ou seja, sublimá-las. N
esse
sentido, “a sublimação seria uma operação de ‘refinamento’ psíquico – criando as
grandes produções do espírito -, pela qual a ‘defesa’ afastaria a presença brutal dos
fantasmas sexuais.” (Birman, 2002, p. 1
00). A sublimação apontaria, assim, para um
refinamento com objetivo defensivo, e, dessa maneira, serviria ao sujeito como
dispositivo contra o sexual (Castiel, 2007). Embora referido texto não faça mais do
que destacar a palavra sublimação, Birman ressalta que não resta qualquer dúvida
de que Freud delineou, em 1
7
9
8, o campo em que inscreveria inicialmente o
conceito de sublimação, qual seja, o campo da sexualidade (Birman, 2002).
Em 1
05, em
9 Fragmento da Análise de um Caso de Histeria, Freud
mencionou novamente a sublimação, opondo-a ao sintoma histérico: se no cerne do
sintoma histérico se encontra o gozo sexual, a sublimação seria a defesa possível
contra ele, a partir do refinamento e da espiritualização. Assim como na primeira
aparição do termo, a sublimação é aqui situada como defesa contra as exigências
sexuais (Birman, 2002; Castiel, 2007).
o
Ns lembra Castiel (2007) que, no artigo Três Ensaios sobre a Teoria
da Sexualidade (1
0
95), a sublimação é trabalhada de forma mais ampla do que nos
textos anteriores, a partir de sua articulação com o conceito de sexualidade: no
processo sublimatório, as pulsões sexuais perverso-polimorfas que encontram
barreiras em forças psíquicas têm seu uso desviado para outras finalidades, não-
sexuais. e
Nsse texto Freud inicialmente aproxima a idéia de sublimação da idéia de
formação reativa e de recalcamento; mas em nota de rodapé acrescentada em 1
5,
9
acaba diferenciando os conceitos, colocando-os como processos diversos.
Éapenas em 1
08
9 , no entanto, em Moral Sexual ‘Civilizada’ e Doença
Nervosa Moderna, que a sublimação foi enunciada propriamente como um conceito,
cunhado em sua especificidade (Birman, 2002; 2007): dotada de características
metapsicológicas próprias, a sublimação pô
de então ser entendida como o
mecanismo psíquico que permitiria a inscrição da pulsão sexual perverso-polimorfa
29
no registro da cultura pela via da dessexualização da referida pulsão, com a
manutenção, no entanto, do mesmo objeto. O objeto deslocar-se-ia do registro
erótico para o registro espiritual, tornando-se efetivamente um objeto sublime
(Birman, 2007). Dessa maneira, as mais sublimes produções humanas teriam
origem no que seria mais abjeto diante da consciência e dos valores morais – a
sexualidade humana (Birman, 2002).
30
dessexualizado e transformado agora numa produção sublime.” (Birman, 2007, p. 9
).
Dessa maneira, uma mesma substância existente no estado sexual sairia do estado
sólido (materialidade corpórea, sexual) e passaria ao estado gasoso, etéreo,
espiritualizado (Birman, 2002).
u
Otro impasse colocado pelo conceito inaugural de sublimação diz
respeito aos discursos da ciência e da arte: Freud considerou que a renúncia à
pulsão sexual poderia ser válida para a ciência, mas não para a arte, colocando em
xeque a conceituação que formulara.
31
A partir das considerações dos diversos autores, pode-se
afirmar que quando Freud se refere às relações da
sublimação com a cultura, apóia sua interpretação na idéia de
que a cultura se forma às expensas da sexualidade. Isto
restringe tanto a idéia de cultura como a de sublimação, uma
vez que retirando o desejo como parte do processo
sublimatório e colocando-a como o que resta diante da
renúncia ao pulsional a sublimação atuaria no mesmo sentido
do recalcamento. (...) De certa maneira, a capacidade de
sublimar é aquela que pode dar conta de outras saídas para
o sujeito diante das necessárias renúncias ao desejo. No
entanto, se se toma o sublimatório como o que resta ao
sujeito, o que decorre é a produção de subjetividades
empobrecidas simbolicamente. (CASTIEL, 2007, p. 38)
32
.31.2 A sexualidade como matéria-prima
iD
ante dos impasses teóricos encontrados já na primeira formulação do
conceito de sublimação, pouco tempo depois Freud esboçou uma nova possibilidade
para o conceito.
iD
ssertando nesse texto sobre as vicissitudes do impulso de pesquisa
sexual infantil diante do recalcamento, Freud afirma haver trê
s possíveis caminhos:a
atividade intelectual pode permanecer inibida, juntamente com a sexualidade
(inibição neurótica); ela pode resistir ao recalcamento, e as atividades intelectuais de
pesquisa podem emergir do inconsciente sob a forma de uma preocupação
pesquisadora compulsiva e sexualizada, situação em que a pesquisa se torna ela
mesma uma atividade sexual, e o sentimento derivado da intelectualização e
explicação das coisas substitui a satisfação sexual; ou ainda, o que é mais raro e
perfeito, a atividade intelectual escapa não só da inibição, quanto do pensamento
neurótico compulsivo (Freud, 1910; Castiel, 2007). Embora neste ú
ltimo caso
também se verifique o recalcamento, “ele não consegue relegar para o inconsciente
nenhum componente instintivo do desejo sexual” (Freud, 1910, p. 8
); pelo contrário,
33
inconsciente) a qualidade neurótica está ausente; não há
ligação com os complexos originais da pesquisa sexual
infantil e o instinto pode agir livremente a serviço do interesse
intelectual. (FREUD
, 1910, p. 8
.Grifo nosso ).
35
Com o texto de 1914, o narcisismo deixa de se inserir na psicanálise
apenas como etapa evolutiva do desenvolvimento do sujeito para ganhar, de forma
explícita, um verdadeiro estatuto de estrutura; afinal, ele nunca é totalmente
abandonado pelo sujeito, como evidenciam as psicoses, por exemplo.
Economicamente, o psiquismo nunca deixa de vivenciar o investimento libidinal no
próprio ego, e os investimentos no ego ou nos objetos vão sendo balanceados:
quanto mais investimentos libidinais no ego, menos investimentos libidinais em
objetos, e vice-versa. O ego é o grande reservatório de libido, a partir do qual ela é
enviada aos objetos, e para o qual retorna (Castiel, 2007).
12
Não é nossa intenção, no presente trabalho, discutir as concepções de narcisismo primário e narcisismo
secundário. Como destaca Laplanche (2008), esses são termos que encontram na literatura psicanalítica acepções
muito diversas, que impossibilitam a apresentação de uma definição unívoca.
36
Aqui podemos até mesmo aventurar-nos a abordar a questão
de saber o que torna absolutamente necessário para a nossa
vida mental ultrapassar os limites do narcisismo e ligar a
libido a objetos. A resposta decorrente de nossa linha de
raciocínio mais uma vez seria a de que essa necessidade
surge quando a catexia do ego com a libido excede certa
quantidade. Um egoísmo forte constitui uma proteção contra
o adoecer, mas, num último recurso, devemos começar a
amar a fim de não adoecermos, e estamos destinados a cair
doentes se, em consequência da frustração, formos
incapazes de amar. (FREUD, 1914b, p. 92. Grifo nosso).
Cumpre destacar que Freud não traz em seu texto de 1914, nem em O
ego e o id, de 1923, qualquer distinção conceitual entre ego ideal (Idealich) e ideal
do ego (Ichideal), tendo ficado a cargo de autores posteriores a tentativa de
37
esclarecer a diferença entre eles, como duas formações intrapsíquicas distintas
(Laplanche e Pontalis, 2008). Ficamos, aqui, com o entendimento de Jacques Lacan
a esse respeito, trazido por Castiel (2007):
38
Freud a rever seu posicionamento em relação à dualidade pulsões sexuais X
pulsões de autoconservação; o artigo de 1914 (b), ao mesmo tempo, leva à
articulação do conceito de narcisismo com a noção de alteridade, e à consideração
de que existiriam, então, duas formas de subjetividade: uma primeira, narcísica, em
que o sujeito se vê capturado pelo objeto e a ele submetido; e uma segunda,
marcada pela alteridade, em que se leva em conta a diferença entre o eu e o outro
(Castiel, 2007).
39
sublimação diz respeito a um processo que envolve a pulsão, a idealização diz
respeito ao próprio objeto que, sem ter sua natureza alterada, é engrandecido e
exaltado pelo sujeito, e é possível tanto no âmbito da libido do ego quanto no da
libido objetal (Freud, 1914b).
40
completa e que, portanto, tenha podido sair do narcisismo
infantil que supõe a fixação aos objetos pelos quais se
satisfaz a pulsão. (...) No narcisismo primário o ego está
capturado pelo objeto que o completa; ao mesmo tempo, o
sujeito é seu próprio ideal. Sendo assim, não é possível a
sublimação das pulsões, na medida em que o sujeito está
fixado ao objeto que o completa. Só é possível a sublimação
se o sujeito se afastar desse modelo, podendo a partir de um
ideal que transcenda a si mesmo, satisfazer a pulsão por
meio de outros objetos. (CASTIEL, 2007, p. 71-72).
41
Não é difícil reconstruir esse processo. Existem, num dado
momento, uma escolha objetal, uma ligação da libido a uma
pessoa particular; então, devido a uma real desconsideração
ou desapontamento proveniente da pessoa amada, a relação
objetal foi destroçada. O resultado não foi o normal – uma
retirada da libido desse objeto e um deslocamento da mesma
para um novo -, mas algo diferente, para cuja ocorrência
várias condições parecem ser necessárias. A catexia objetal
provou ter pouco poder de resistência e foi liquidada. Mas a
libido livre não foi deslocada para outro objeto; foi retirada
para o ego. Ali, contudo, não foi empregada de maneira não
especificada, mas serviu para estabelecer uma identificação
do ego com o objeto abandonado. (...) Dessa forma, uma
perda objetal se transformou numa perda do ego, e o conflito
entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a
atividade crítica do ego e o ego enquanto alterado pela
identificação. (FREUD, 1917 [1915], p. 254-255).
Freud (1917 [1915]) assinala que um dos elementos que parece estar
por trás do processo melancólico é uma escolha objetal narcisista, que permite,
diante de obstáculos à catexia objetal, o retrocesso ao narcisismo. Além disso, as
relações libidinais com esse objeto de amor são marcadas pela ambivalência, por
sentimentos de amor e ódio, o que explicaria a punição dirigida ao objeto de amor,
agora residente no ego.
42
completude. Com isso, entende-se que para a sublimação
das pulsões torna-se fundamental que tenha ocorrido o luto
pela perda do objeto primordial no que concerne à
transformação do ego ideal em ideal de ego. (...) Se a perda
(ausência) do objeto de desejo é o que possibilita a instalação
da simbolização, pode-se pressupor que o mesmo ocorre na
sublimação. Para que o sujeito crie novas formas de
satisfação para a pulsão, por meio de novos objetos, é
necessário que tenha ocorrido o luto pelo objeto idealizado
(CASTIEL, 2007, p. 73-74).
a
Pra Birman (2007), foi somente com a formulação do conceito de
pulsão de morte e a hipótese de um novo dualismo pulsional que “a sublimação
encontrou uma solução conceitual e elegante no discurso freudiano” (p. 10).
Segundo o autor, foi a partir do ensaio Além do Princípio do Prazer (1920) que
restou claro que não haveria mais oposição entre erotizar e sublimar, pois ambas as
ações serviriam justamente ao domínio da pulsão de vida sobre a pulsão de morte.
43
sexualidade era considerada por Freud algo disruptor e da
qual o sujeito teria que se defender, na medida em que a
satisfação dela poderia colocar em risco a conservação do
sujeito. (CASTIEL, 2007, p. 81).
44
pelo registro das artes e da literatura, fundado no domínio da morte pelo sujeito
como fonte de criação e de invenção simbólicas (Birman, 2007). D
e acordo com as
idéias de Burke e a
Knt acerca do sublime, Birman (2002) postula que na segunda
conceituação freudiana sobre a sublimação esta seria um “ato sublime” não só pelo
desvanecimento limite em que a subjetividade seria lançada diante da morte, como
pela transcendência de fronteiras que ela promoveria.
.32 SU
BL
IMAÇ
O:U
à MA SU
BILMEAÇ
O
Ã
e
Pnsar a sublimação desta maneira acarretaria, por conseguinte, a
necessidade de considerá-la não apenas a partir do registro ú
nico da pulsão – como
um de seus quatro destinos – mas como um mecanismo que implica verdadeiros
processos de subjetivação (Birman, 2002).
45
inorgânico. O desamparo corresponderia ao grau zero da subjetivação que,
enquanto tabula rasa, consistiria ao mesmo tempo em fonte inesgotável de suas
potencialidades, a partir da qual as formas de subjetivação poderiam se inscrever no
psiquismo contra o fascínio da morte.
47
castração, sem que o objeto amado primordial possa ser perdido e o sujeito possa
se lançar a novas possibilidades de investimento libidinal.
48
reconhecimento. Seria por este viés, enfim, que a
subjetividade se transformaria em “ato” e denotaria um outro
mundo, numa experiência decididamente sublime, pela qual
possa se enunciar segundo outras modalidades de dizer.
(BIRMAN, 2002, p. 126).
49
a criação não apenas de novos objetos de satisfação pulsional, mas sobretudo de
novas formas de subjetivação. Entendida enquanto tal, assim, não se poderia dizer
que toda manifestação artística envolve sublimação, na medida em que esta exige
estruturas psíquicas complexas; o que se observa, com frequê
ncia, são artistas que
produzem obras mas muitas vezes não encontram satisfação pulsional –como a
sublimação supõe. No entender de C
astiel (2
007),
o
A mesmo tempo, a sublimação se insere no jogo econômico da
energia pulsional, ao lado da satisfação direta e do recalque, e dessa maneira não
podemos nos esquecer de que Freud já dizia que embora se almeje a satisfação
pulsional pela via da sublimação, uma parte da libido deve encontrar o recalque
(afinal, não sobreviveríamos se nos deparássemos com toda a verdade que há
sobre nós) e outra parte ainda deve encontrar satisfação direta, por meio de
relações objetais amorosas.
Nesse sentido,
50
para a sociedade por intermédio da sublimação contínua e
cada vez mais intensa. Mas assim como não contamos
transformar em trabalho senão parte do calor empregado em
nossas máquinas, de igual modo não devemos esforçar-nos
em desviar a totalidade da energia do instinto sexual da sua
finalidade própria. Nem o conseguiríamos. E se o
cerceamento da sexualidade for exagerado, trará consigo
todos os danos duma exploração abusiva. (FREUD, 1910
[1909], p. 64. Grifo nosso)
Também, assim,
51
4 WOODY ALLEN E SUA OBRA CINEMATOGRÁFICA
Como salienta Lee (2002), embora por muitos Woody Allen seja mais
conhecido por sua polêmica vida pessoal e por seu trabalho inicial como comediante
do que pela profundidade dos temas filosóficos que aborda em muitos de seus
filmes, ele é, de fato, um dos mais importantes artistas do cinema norte-americano,
para não dizer do mundo. Fecundo cineasta, nas últimas quatro décadas vem
produzindo cerca de um filme por ano13, filmes que escreveu e dirigiu (salvo uma ou
outra exceção) e sobre os quais fez questão de ter total controle:
13
Anexo 1, filmografia de Woody Allen, até novembro de 2008.
14
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Woody Allen’s position in the film world is unique.
He has a contract with his producers which guarantees him complete freedom to write and direct one film a year
– at least. The contract means unlimited control on Woody’s side over choice of subject, script, actors and team
members, final cut and so on. The only condition is that he keeps within the economic boundaries fixed for the
project.”
52
Em virtude do domínio que Woody Allen exerce sobre a produção de
seus filmes, Lee (2002) o considera um dos representantes do chamado cinema de
autor : esse controle garante que os filmes tenham sua marca inconfundível e
possam ser atribuídos quase exclusivamente a ele, embora envolvam outros artistas
(atores e atrizes, diretores de fotografia, etc.). Assim,
15
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “To say that a director is an auteur is to imply a
control so complete that his or her films may reasonably be regarded as the works of a single artist. (…)
Obviously not every film in which Allen has been involved has been the result of his work alone. (…) Yet it is
clear in all those films that the hand of Allen has been the determining factor of their overall worth. (…)
Although Allen does not produce his films, all of those which he has written and directed, starting with Take the
Money and Run, have been produced by individuals who have unquestionably given Allen control over all their
artistically interesting aspects. For each such film, he has either written or co-written the screenplay; chosen the
cast, crews and locations; had the final say on all of the technical aspects of the filming process; done the final
editing; and participated in the marketing and distribution process.”
16
Por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), vencedor do prêmio; Interiores (1978); Broadway Danny Rose
(1984); Hannah e suas Irmãs (1986); Crimes e Pecados (1990); Tiros na Broadway (1994). Os títulos dos filmes
são referidos aqui na tradução oficial para o português.
17
Por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), vencedor do prêmio; e Hannah e Suas Irmãs (1986).
53
original81 , vencendo por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1
)9
7e Hannah e suas
9
1
Irmãs (1
6
8
9) ; uma indicação ao Oscar de melhor ator, por Noivo Neurótico, Noiva
20
Nervosa (1
)7
9. Quatro indicações ao G
lobo de Ouro de M
elhor D
iretor ; cinco
21
indicações ao G
lobo de Ouro de M
elhor R
oteiro , e vencedor por A Rosa Púrpura
do Cairo (1
)5
8
9; duas indicações ao G
lobo de Ouro de M
elhor Ator –
Comédia/u
Msical, por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1
)7
9 e Zelig (1
)3
8.
9
Agraciado com o L
eão de Ouro, em 1
,9
5 no F
estival de Veneza, em celebração ao
0
10ºaniversário do cinema; agraciado com o U
rso de Prata no F
estival de Berlim,
pelo conjunto de sua obra; ganhador do prêmio Pasinetti de M
elhor F
ilme do F
estival
de Veneza por Zelig (1
)8
3
9, dentro outros tantos prêmios de relevo no mundo
cinematográfico. Esses são apenas alguns dos números indicadores da importância
do trabalho de W
oody Allen.
Sua vasta atividade artística nos oferece filmes muito diferentes entre si,
seja no conteúdo, seja no tom da narrativa. Entretanto, ao longo de sua obra podem
ser identificados temas recorrentes, relacionados especialmente à condição humana,
e que permeiam suas discussões (L
ee, 2002). Esses temas encerram questões
profundamente filosóficas e que se colocam como preocupações metafísicas do
próprio cineasta (Björkman, 2004; Kapsis & Coblentz, 2006), dentre as quais podem
ser destacadas a religião, e o questionamento em torno da existência ou não de um
e
Dus; o conflito entre a morte e a esperança; os relacionamentos amorosos e o
conflito entre o amor romântico e o desejo sexual; a necessidade de fundar a vida
em princípios éticos e morais para que ela tenha sentido; a condição do artista; e a
própria psicanálise (L
ee, 2002).
18
Por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa l (1977), vencedor do prêmio; Interiores (1978); Manhattan (1979);
Broadway Danny Rose (1984); A Rosa Púrpura do Cairo (1985); Hannah e suas Irmãs (1986), vencedor do
prêmio; A Era do Rádio (1987); Crimes e Pecados (1990); Simplesmente Alice (1990); Maridos e Esposas
(1992); Tiros na Broadway (1994); Poderosa Afrodite (1995); Desconstruindo Harry (1997); e Ponto Final –
Match Point (2005).
19
Até novembro de 2008.
20
Por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977); Interiores (1978); Hannah e suas Irmãs (1986) e Ponto Final –
Match Point (2005).
21
Por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977); Interiores (1978); A Rosa Púrpura do Cairo (1985); Hannah e
suas Irmãs (1986); e Ponto Final – Match Point (2005). Vencedor por A Rosa Púrpura do Cairo.
54
arte, música, até o sentido que ele entende estar por trás de suas estórias. Em
diversas situações, Allen admite usar o cinema para explorar o conflito fantasia X
realidade, questão que muito o mobiliza, porque embora sempre tenha querido viver
na fantasia, reconhece não poder fazê-lo, porque senão cairia na loucura (Björkman,
2004; Kapsis & Coblentz, 2006). Ele afirma, nesse sentido, odiar a realidade, e
tomar a arte, muitas vezes, como um mecanismo que permitiria controlá-la: a
realidade é dura, sofrida, e a arte poderia ser uma tentativa de dar novos contornos
a ela, por meio da fantasia. Essa seria a justificativa para o fato de, desde pequeno,
ele ter-se “refugiado” nos filmes. Nas palavras de Allen,
55
que elas vestem, onde elas moram, como elas falam, e isso
dá a chance a você de, por alguns meses, viver nesse mundo.
Então nos meus filmes eu simplesmente acho que há sempre
uma sensação impregnada da grandiosidade da vida
idealizada ou da fantasia versus o desconforto da realidade.
22
(Allen, em entrevista constante de B
JÖ
RK
MAN, 200
4, p.
5
0
-5
1).
22
Tradução livre do texto original, em inglês: “(…) I think it comes from my childhood, where I constantly
escaped into the cinema. I was quite an impressionable boy and I grew up during the so-called ‘Golden Age of
Cinema’, when all those wonderful films were coming out. I remember when Casablanca came out and Yankee
Doodle Dandy – all those American films – the Preston Sturge films, the Capra films… I was always escaping
into the cinema, and there they would have penthouses and white telephones and the women were lovely and the
men always had an appropriate witticism to say and things were funny, but they always turned out well and the
heroes and it was just great. So, I think that had such a crushing influence, made such an impression on me. And
I know many people my age who’ve never been able to shake it, who’ve had trouble in their lives because of it,
because they still – in advanced stages of their lives, still in their fifties or sixties – can’t understand why it
doesn’t work that way, why everything that they grew up believing and feeling and wishing for and thinking was
reality was not true and that reality is much harsher and much uglier than that. When you sat in those movie
theatres, you thought it was real. You didn’t think, well, that’s just the way it is in the movies. You thought, well,
I don’t live that way. I live in Brooklin and a poor place, but there are many people in the world who have a
home like this, and they do horseback-riding and they meet beautiful women and they have cocktails at night. It’s
just a different life. Then that gets corroborated by the fact that you read the newspapers and see that there are
people whose lives are different and happy like in the movies. It’s such a crushing thing and I’ve never
surmounted it. And it appears in my work all the time. The sense of wanting to control reality, to be able to write
a scenario for reality and make things come out the way you want it. Because what the writer does – the film-
maker or the writer – you create a world that you would like to live in. You like the people you create. You like
what they wear, where they live, how they talk, and it gives you a chance for some months to live in that world.
So in my films I just feel there’s always a pervasive feeling of the greatness of idealized life or fantasy versus the
unpleasantness of reality.”
23
Mia Farrow, atriz que interpreta a personagem principal do filme A Rosa Púrpura do Cairo (1985).
56
escolher a realidade. (K
APSIS &CO
LENT
B Z , 20
0
6
, p.
98).24
W
oody Allen, como artista, escritor, cineasta, coloca-se no centro
desse embate. No centro desse embate encontram-se, também, diversos
personagens de seus filmes –artistas ou “aspirantes a”. Assim encontramos H
arry
lBock
, protagonista de Desconstruindo Harry (1997
), que se vê diante do conflito
(trabalhado por ele inclusive em análise) de somente conseguir fazer sua vida
“funcionar” por meio da arte, por meio de seus personagens, que reencenam
repetidamente situações da “vida real” de H
arry
, escritor. Arte que permite a ele
manipular a “realidade” –fantasiosa que é -, e no entanto encontrar sua vida real
absolutamente desastrosa, em que apenas faz os outros sofrer, e em que não é
capaz de construir relacionamentos consistentes e duradouros (K
apsis &Coblentz,
20
,0 p. 16
6 )7. No mundo real, fora de seus livros, o personagem H
arrynão pode
manipular os “personagens” de sua vida a seu bel prazer –e aí encontra desconforto.
Como viver, então, dessa maneira?
o
Wody Allen reconhece estar na encruzilhada entre fantasia e
realidade, entre o uso da arte como recurso para a sobrevivência num mundo real
hostil e a vida em sua concretude. E muitos dos personagens de seus filmes –que o
cineasta cria para “sair da realidade” – também se encontram na mesma
encruzilhada de seu criador.
24
Tradução livre do texto original: “With Mia, real life in the film is an incredibly painful thing, and we’re all
forced to choose between reality and fantasy – and, of course, you can’t choose fanstasy, because there lies
madness. You must choose reality.”
57
condição daqueles que, como ele, se dedicam à arte. Muitas das figuras humanas
retratadas em suas obras - como Renata, de Interiores (197
8), Sandy, de Memórias
(1980
), e o próprio H
arry
, de Desconstruindo Harry (1997
) –sofrem ao se questionar
a serviço do quê vem a sua arte, e se viver a realidade é compatível com o viver na
arte.
Na obra de o
WodyAllen, assim, é frequente a exploração da questão
da condição do artista e uma postura muitas vezes cética diante do valor da arte
para os seres humanos, embora, como nos lembra B
ailey(20
1), esse fato seja
0
25
Personagem principal de Simplesmente Alice (1990).
26
Neblinas e Sombras, 1992.
27
Personagem principal de Tiros na Broadway (1994).
28
Tiros na Broadway, 1994.
29
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “(…) the devotion to art either disrupting existing
relations, as in Hannah and Her Sisters, or preventing the formation of families. Alice Tate is not the only would-
be artist in Allen’s films to renounce art in the name of family: “A family”, affirms Paul, the circus artist of
Shadows and Fog, “is death to an artist”. Like David Shayne in Bullets, Paul commits himself to marriage and
children only after he has forsworn his artistic ambitions.”
58
surpreendente considerando que Allen –o artista - vem produzindo, há quase quatro
décadas, praticamente um filme por ano. Assim, diz B
ailey(20
1),
0
2
3
4.2 INT
ERIO
RES (197
8)
Interiores (197
8), com roteiro e direção de W
oodyAllen, se seguiu a
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (197
) –filme aclamado e premiado que marcou
7
30
Sonhos de um Sedutor, 1972.
31
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Much of Allen’s work evokes a similarly derisive
perception of art’s deficient relationship to life, the critique of vissi d’arte having become progressively
pervasive in his movies. From Play it again, Sam forward, Allen’s films often constitute a personal debate he’s
waging with himself about the premises, promises, and capacities of art, and about the price exacted upon the
artist and those around her/him for the commitment to it.”
32
Citações feitas, neste subitem, a partir do roteiro original do filme, anexado ao presente trabalho (Anexo 2).
Como mencionado no capítulo 2, as citações diretas do roteiro do filme serão feitas em português, a partir de
tradução livre nossa do texto original em inglês.
59
claramente a passagem de W
oody Allen do cô
mico ao filosófico (Lee, 20
2;
0
jBröm
k an, 20
4
0) –e se inseriu, ao lado de Setembro (1987
) e A Outra (1988), na
seqü
ência de dramas profundos a respeito da vida interior de seus personagens nos
quais se reconhece, tradicionalmente, profunda influência de Ingmar B
ergman
(B
ailey, 20
0
1).
60
4.2.1 Relato do filme
61
Eve vivia obsessivamente buscando transformar lares em obras de
arte através da decoração, deixando de lado o estabelecimento de relações afetivas
com suas filhas e marido. Seu modo de viver distante, e fundamentalmente pela arte
a leva, no entanto, quando suas filhas ainda são crianças, a entrar em surto, em
virtude do qual é submetida a internações sucessivas e eletrochoques que a deixam
marcada e sujeita a tratamento psiquiátrico para o resto da vida. Arthur diz, já no
início do filme, “de repente, num dia, do nada, um enorme abismo se abriu sob
nossos pés, e eu olhava então para alguém que eu não reconhecia.” (Allen, 1982, p.
115
).
62
sensível. (…) A gente passava um tempo
com o Papai. (Suspirando) Principalmente, um,
cafés-da-manhã prolongados de domingo.
(ALLEN, 1982, p. 121-122).
Renata é uma poetisa bem sucedida que, embora tenha sua obra
amplamente publicada e aclamada pelos críticos, é infeliz. Sua dedicação à arte
sempre lhe serviu de desculpa para se afastar da casa da família, em Nova Iorque, e
viver em Connecticut com seu marido e filha, sob o pretexto de que o artista
necessita de isolamento para poder se concentrar e se dedicar ao trabalho. Apesar
de seu sucesso, durante o último ano Renata não vem conseguindo escrever,
enfrentando uma crise de estranhamento de si mesma, diante da própria
mortalidade.
63
que era. Mas agora, por algum motivo… Eu-
eu não consigo… Não consigo… me livrar
desse… do real significado de morrer. É
amedrontador. (...).
(ALLEN, 1982, p. 124 ).
64
Frederick Você não é sua mãe. Você não é, você não é.
Você passou por algum estresse, não tem
dormido direito, coisas desse tipo, é só isso.
(...).
(ALLEN, 1982, p. 140
-14
1).
65
apreciado. Eu quero ser capaz de
impressionar alguém agora!
Renata Eles são mais exigentes com você porque
você é mais ousado. Você não entende isso?
Eles se recusam a levar isso em consideração.
Frederick (Gritando) Pare de procurar desculpas! Okay,
eu não estou escrevendo para uma cápsula
do tempo. Eles não me dão uma migalha! E
metade do que é escrito é lixo que eles
reverenciam.
(...)
Renata Você quer parar de se agredir dessa maneira?
Isso me deixa nauseada. Eu estou saindo.
Frederick Olha, por que você não pode de vez em
quando considerar meus sentimentos e
minhas necessidades?
Renata Estou cansada de suas necessidades! Estou
cansada de sua idiossincrasia e
competitividade! Eu tenho meus próprios
problemas.
(...)
Frederick Você está falando sobre aquele cheque que
chega todo mês do seu pai para que você
possa se imortalizar em sua escrita?
Renata Eu também criei a família que você queria, ou
a família que você achava que queria!
Frederick H
ey! Você também falava sobre experimentar
a maternidade. T enho certeza que você
pensou nisso como excelente matéria-prima
em potencial. (...). Bem, agora há um outro ser
humano... três de nós!
Renata Não foi minha idéia! E eu também não tenho
vergonha de ser subsidiada. Eu transformo as
coisas!
(...)
Frederick É
, é verdade. Você transforma as coisas.
Você é incrível.
(ALLEN, 1982, p. 13
2-13
4
).
66
Joey quer ser uma artista, quer criar, mas “não se encontra”. Em
conversa com seu namorado, Mike (Sam Waterston), Joey afirma sentir uma
profunda necessidade de expressar algo, mas não sabe o que, nem como.
Insatisfeita consigo mesma, decide abandonar seu trabalho atual, como editora, em
que lê os manuscritos de diversos escritores, sem no entanto ela mesma criar algo;
hesita em voltar a atuar – o que já fez, e para o que reconhece seu pouco talento – e
afasta a possibilidade de retornar a fotografar. Autocentrada, tensa, angustiada, a
ela parece faltar o talento – ou a beleza – com que suas irmãs foram agraciadas.
67
Renata D
eixe-me vê-las.
Frederick Elas não são muito boas, eu temo.
Renata Não, ela nunca teve olho para isso.
Frederick Ela vai querer saber o que você acha, então é
melhor você se preparar.
Renata Pobre Joey. Ela tem toda a angú stia e, uh,
ansiedade da personalidade artística, sem
qualquer talento. E naturalmente, eu sou
colocada na posição de ter que encorajá-la.
Frederick Não, diga a ela a verdade. Acabe com isso.
Não a engane.
Renata Eu não a engano. Mas, sabe, D eus, eu não
posso quebrar o coração dela. E você sabe
como ela é competitiva comigo.
(ALLEN, 1982, p. 14
1-14
2).
68
Incapaz artisticamente e ofuscada pelo sucesso de suas irmãs –
que demanda tempo e isolamento, de acordo com Renata – Joey se torna a
incansável cuidadora de Eve, buscando corresponder a suas grandes exigências,
não apenas aceitando que decore o apartamento que divide com Mike, como
também satisfazendo suas excessivas demandas afetivas e encorajando-a a aceitar
novos trabalhos como decoradora. Mas Joey nutre, em relação à mãe, sentimentos
ambivalentes de amor e ódio, ódio este que fica escondido por trás das inú
meras
atitudes que toma no sentido de cuidar dela.
Joey se questiona: será que ela e Mike deveriam ter um filho? Isso
a assusta, por sua condição de irrevogabilidade. Quando finalmente engravida, Joey
fica realmente incomodada, dizendo que para ela uma criança seria o fim do mundo,
e que não poderia ter um filho se não sabia nem mesmo para onde sua vida estava
indo.
69
seja por meio de relacionamentos, seja por meio da arte (Nichols, 20
;
0 Bailey,
20
0
1).
4
.2.1.2 A separação
70
Mike (...) Você sabe, custa dinheiro ter essas coisas feitas e
refeitas duas ou três vezes.
Eve (...) Mas o – é um piso tão grande. Épor isso que a
gente concordou que tons mais pálidos dariam uma
impressão mais sutil. As madeiras pálidas seriam
adoráveis.
Mike Eu nunca concordei com nada! Eu estou sempre sendo
informado!
Eve (...) Mas nós deveríamos permanecer com meus beges
e meus tons da terra.
Mike (Imitando em voz baixa) “Meus beges e meus tons da
terra”
Joey (...) Oh, pare de implicar com ela!
Mike (respirando fundo) Ninguém está implicando com ela.
Joey Ela é uma mulher doente.
(ALLEN, 1982, p. 116 -118).
Após uma educada visita de Arthur, em que ele não faz qualquer
menção à possibilidade de reconciliação, Eve tenta se suicidar fechando as frestas
da casa com fita isolante e esparadrapo, e abrindo a saída de gás. Ela é socorrida a
tempo, levada a um hospital, e em seguida internada em um hospital psiquiátrico.
71
seu trabalho, Flyn nunca está aqui, e eu herdei
a Mamãe. (...)
(ALLEN, 1982, p. 13
8-13
9).
4
.2.1.3Pearl
Arthur viaja à G
récia, e Eve anseia seu retorno como se ele
significasse a volta a sua antiga vida de casada. Entretanto, Arthur retorna da
viagem com Pearl (Maureen Stapleton), que apresenta a suas filhas e genros em um
jantar na casa de Renata, uma exuberante mulher que em nada se assemelha a
Eve: usando vestido e unhas vermelhos, Pearl fala alto, é simpática, afetiva e
carinhosa com Arthur; pouco comedida em seus gestos e vocabulário, não se
importa em assumir que, na G
récia, preferia deitar nas praias a ver ruínas;
debatendo uma peça de teatro, enquanto o restante da família discutia com
sofisticação as ambigüidades do texto, Pearl parecia não tê-las captado, atentando
para ele de forma muito mais simples.
72
(…)
(ALLEN, 1982, p. 15
2).
Arthur anuncia, então, que pretende se casar com Pearl o mais rápido
possível. Joey não se conforma, dizendo que isso significaria o fim de Eve, e,
implicitamente, que Pearl estaria atrás de seu dinheiro. Joey e seu pai discutem, e
Renata tenta acalmá-los. Arthur diz a elas que finalmente, aos 3
6anos, quer ser feliz
e relaxar na vida, o que não pôde fazer até então com Eve, e que percebeu o olhar
crítico de superioridade que lançaram sobre Pearl durante o jantar. Renata se
defende, enquanto Joey, bastante nervosa e angustiada, continua insistindo em
dizer que essa nova mulher não é nada discreta, e pior, é vulgar. Arthur diz a elas
que quer o apoio de suas três filhas, porque não está na vida apenas para se
sacrificar e pagar as contas. Renata diz que acha que ele deve fazer o que ele achar
o melhor, com sua benção; Joey diz que não consegue pensar assim.
73
suas “bugigangas”, seus muitos móveis, e a casa iria parecer um depósito. E
pergunta a todos se querem ouvir mú
sica.
4
.2.1.4O mar
74
irônico… porque, uh, eu me preocupo tanto com
você... e você não sente nada senão desdém por mim.
(...) E ainda assim eu me sinto culpada. Eu acho que
você é, uh, realmente perfeita demais… para viver
nesse mundo. Quero dizer, todas aquelas salas
lindamente mobiliadas, interiores cuidadosamente
decorados... tudo tão controlado. Não havia qualquer
espaço para – uh eh, para sentimentos reais. Nenhum,
eu... uh, entre nenhum de nós. Exceto por Renata...
que nunca lhe deu uma hora sequer de seu dia. Você
idolatra Renata (...) Você idolatra o talento. Bem, o
que acontece com aqueles de nós que não podem
criar? O que a gente faz? O que eu faço… quando
estou tomada por sentimentos em relação à vida?
Como eu os ponho para fora? Eu sinto tanta raiva de
você! Ora, Mamãe – você não vê? Você não é
simplesmente uma mulher doente. Isso seria muito
fácil. A verdade é que… houve perversidade - e
intencionalidade de atitudes – em muitas coisas que
você fez. No centro de – de um psiquismo doente, há
um espírito doente. Mas eu te amo. E nós não temos
outra alternativa senão nos perdoarmos uma a outra.
(ALLEN, 1982, p. 172).
Pearl entra na sala, e pergunta se Joey está falando com alguém. Joey
chama “Mãe?”, e quem lhe responde é Pearl, e não Eve.
Mike socorre Joey, e Pearl o ajuda a puxá-la para fora da água. Renata
e Flyn acordam, de repente. Pearl, então, ajoelha diante de Joey e faz manobras de
ressuscitação, respiração boca-a-boca. Mike a auxilia. Joey respira novamente, e
Mike a coloca em seus braços e a leva para casa.
75
e
D volta à casa, Joey se sente compelida a escrever sobre algumas
lembranças calorosas e boas de sua mãe:
76
5 DISCUSSÃO DO FILME INTERIORES
77
transbordasse em manifestações de afeto, fosse através do contato físico, fosse até
mesmo através de mú
sica, fotos ou comida.
A ausência de mú
sica durante quase todo o filme e a exploração de
cores frias, de cenários áridos, figurinos sem viço ilustram a frieza daquele nú
cleo
familiar, o distanciamento estabelecido por aquela mãe em relação às filhas, a
rigidez daquele mundo que se pretendia tão perfeito, ordenado e sublime, mas que
se revelou desprovido de sentimentos, emoções, falas, calor, cores, sons. Em
essência, desprovido de vida. U
m mundo interior sem vida.
Esse quadro gélido pareceu ganhar maior peso ainda quando Eve
entrou em surto, e passou por sucessivas internações psiquiátricas e eletrochoques.
As meninas eram, então, ainda crianças, e sofreram profundamente as
consequências de terem uma mãe que, no final das contas, não conseguiu investir
amorosamente nelas, fosse por sua dedicação à arte, à ordem e à perfeição (e
desinvestimento no outro, em contrapartida), fosse em virtude de seu acentuado
sofrimento psíquico (caracterizado por tristeza profunda, insô
nia, pouco apego à vida
e ao que ela tem a oferecer).
78
Eve é um personagem que muito bem ilustra o questionamento de
Woody Allen em torno da condição do artista que escolhe a arte em detrimento da
vida (dos relacionamentos amorosos), tomando-a como justificativa nobre para o
afastamento dos contatos humanos e – no fundo – do risco que eles envolvem.
Como em Hannah e Suas Irmãs (1986), Simplesmente Alice (1990), Neblinas e
Sombras (1992) e Tiros na Broadway (1994), também em Interiores a dedicação à
arte de Eve ora obstaculiza o estabelecimento de relações amorosas, ora as destrói
(Bailey, 2001).
33
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “It isn’t physical chill but a grotesquely exaggerated
attempt to transform the gross materials of human life into artistic perfection which has sunk Eve’s family into
their emotional deep freeze. When the daughter’s lover moves a lamp which Eve bought to complement ‘what we
were trying to do in the bedroom’ into the dining room of his apartment, so that he can work there, Eve
aggressively returns it to the bedroom because ‘the shade is just wrong against all these slick surfaces’. The
scene epitomizes, in microcosm, Eve’s chief blind spot, one that Allen invoked in arguing, ‘When you start
putting a higher value on works of art than on people, you’re forfeiting your humanity.’ It is the characters’
conflicted attempts to deal with Eve’s tyrannical, emotion-repressing privileging of the artistic which provides a
primary dramatic trajectory for the first half of Interiors. That Eve’s life-remediating project was impossible to
begin with is conveyed by the emotional breakdown the effort has cost her before the film’s opening (…) The
episode of psychic dissociation has rendered Eve recuperative for life, her family seeking dutifully to foster her
79
Eve parece, com seu comportamento e sua arte, selar os interiores e
vedá-los contra toda e qualquer possível ameaça que o movimento e a vida do
mundo exterior possam representar (as ondas do mar lá fora, sua agitação e seu
som, versus o vazio, o silêncio e o nada de dentro da casa/família/Eve). Dessa
maneira, assim como ao entrar no apartamento de Joey e Mike, sendo contrariada
por ele, Eve pede que se fechem as janelas porque “os barulhos da rua são
enervantes” (Allen, 1978, p. 117), diante da não reconciliação com Arthur, ela tenta
se suicidar fechando as frestas de sua casa com fita isolante e esparadrapo e
abrindo a saída de gás do fogão. Esses interiores cuidadosamente vedados que ela
cria parecem ser sua câmara de morte, que revela a natureza de seu interior e seus
efeitos em sua vida e na vida daqueles que nela/com ela habitam (Nichols, 1998).
recovery by encouraging as therapy her rededication to the very source of her breakdown: a manic devotion to
transforming human habitats into artworks through interior decoration.”
80
na natureza-morta que ela está criando.34 (NICHOLS, 1998, p.
51-53).
Na linha do que Freud (1908; 1910 [1909]; 1914b) defende, com Eve (e
com sua filha Renata, como veremos a seguir) Allen anuncia seu questionamento
diante dos alcances da arte para o artista, em face da inevitabilidade da morte e da
necessidade, em última instância, de estabelecimento de relações amorosas para
encontrar sentido na vida. Para Allen, dessa maneira, não bastaria criar para que o
artista encontrasse prazer; a vida, para que ganhasse força e sentido, demandaria
relações humanas. É assim que Freud (1914b) pensa, quando defende a idéia de
que a sublimação se insere no jogo econômico da energia pulsional, ao lado da
satisfação direta e do recalque, e de que embora se objetive a satisfação pulsional
pela via da sublimação, uma parte da libido deve encontrar o recalque (afinal, não
sobreviveríamos se nos deparássemos com toda a verdade que há sobre nós) e
outra parte ainda deve encontrar satisfação direta, por meio de relações objetais
amorosas. Da mesma maneira que não é possível obter satisfação apenas a partir
do investimento narcísico no próprio ego ou em objetos fixados primordialmente, não
é possível viver e obter prazer apenas sublimando, senão adoecemos (Freud,
1914b).
Assim,
34
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Making life into still life, she can have absolute
control over it, not only her own but the lives of others as well. It’s the windows of Mike and Joey’s apartment
that she wants to close. She objects to Mike’s aftershave, which permeates the house, and wonders if he would
switch if she bought him some other kind of cologne. Nor is she pleased when she discovers that Mike has moved
the lamp she placed in his bedroom into his kitchen, where it is of more use to him. For him, his apartment is not
the still life that Eve has created but a place in which he can live and whose artifacts he uses. But Eve treats
human beings themselves as artifacts to be placed in the still life she is creating.”
81
exagerado, trará consigo todos os danos duma exploração
abusiva. (FREUD, 1910 [1909], p. 64. Grifo nosso)
35
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “That problem is less that we have no interiors, as
we sometimes think, but that we have only interiors. Our need is less to turn ‘inward’ than to turn ‘outward’.
This does not necessarily mean ‘living in the eyes of others’ (…), but that our ‘interiors’ can be humanized and
deepened by our belonging to a world.”
82
No caso de Eve, entretanto, talvez possamos falar em uma
preocupação anterior àquela que diz respeito à economia libidinal e a sua
distribuição entre sublimação e satisfação direta: será que poderíamos sequer falar
que o processo criativo de Eve envolve sublimação? Embora essa seja uma
afirmação ousada, parece-nos correto dizer que não.
Eve, tal como a Eva ainda habitante do Jardim do Éden, não reconhece
o outro (Adão/homem, no mito) em sua diferença. Entretanto, enquanto a Eva que
83
ainda não comeu a maçã do conhecimento vive a ilusão da perfeição paradisíaca e
desconhece a diferença e o mundo exterior, Eve parece antes ter entrado em
contato com o fato da alteridade mas não reconhecê-lo em virtude da frustração que
ela implica – a queda do paraíso, queda do olhar do outro, perda do controle. Eve
parece ter entrado em contato com a diferença e com o que representa estar no
mundo exterior, mas tentar negá-los a todo custo, vedando os interiores e buscando
viver eternamente no paraíso – o que se mostra impossível.
84
que ela imagina como perfeito, Eve/Eva dá a impressão de incessantemente tentar
voltar à condição do paraíso perdido, ilusão de acordo com a qual ela seria tudo
para o outro. Relutante em abrir mão de uma forma de satisfação conhecida, recusa-
se a renunciar à perfeição narcísica da ilusão paradisíaca da infâ
ncia, e tenta
recuperá-la por meio da formação de um ego ideal (Freud, 1914
b). Capturada por
essa imagem de si - dada, no espelho, pelo outro -, e se tomando por completa, Eve
(e suas concepçõ
es sobre arte, decoração, relacionamento, “loçõ
es pós-barbas”) é
seu próprio ideal. Capturada por essa imagem, torna-se um tanto prejudicado o
reconhecimento, por ela, da alteridade e da diferença.
Nesse sentido, Eve estaria ainda presa aos objetos narcísicos infantis
de satisfação, o que comprometeria a possibilidade de uma criação de natureza
sublimatória (Castiel, 2007). Para que fosse viável a sublimação, ou seja, a criação,
por Eve, de novos objetos de satisfação pulsional, seria necessário que ela pudesse
romper com as fixaçõ
es libidinais originárias - diante do desamparo e da
inevitabilidade da morte – pelo reconhecimento da incompletude e pela castração
(no Paraíso de Eva, comer da árvore do conhecimento e reconhecer a diferença que
há entre homem e mulher), dando lugar ao ideal de ego (Birman, 2002; Castiel,
2007). Entretanto, ela remanesce incapaz de enfrentar o horror do desamparo,
organizando-se frente a ele não por meio do rompimento com as fixaçõ
es originárias
e da criação de novos objetos possíveis de satisfação libidinal (sublimação), mas por
meio da repetição das formas originárias de gozo (idealização). Como mencionado
anteriormente, contra o desamparo e o terror da morte, “o psiquismo prefere a
repetição compulsiva do circuito pulsional e a restauração do objeto idealizado
regulador deste (...)” (Birman, 2002, p. 116); tal como a sublimação e a erotização
(satisfação direta), a fixação do circuito pulsional originário (e a idealização do objeto
correspondente) seria um mecanismo encontrado pelo psiquismo contra o terror da
morte, mas diferente daqueles, seria um mecanismo que enrijeceria o psiquismo e
que dificultaria a descoberta de outras formas de gozar e de enfrentar a morte. A
sublimação, por seu turno, seria um caminho estruturante da subjetividade, porque
marcada justamente pelo reconhecimento da alteridade e da incompletude, quando
do lançamento do sujeito ao grau zero de subjetivação – queda do paraíso, queda
do olhar do olho, queda do espelho, queda da posição especular (Birman, 2002). E
não é isso que observamos em Eve: não se vê criação de um mundo, mas fuga dele,
85
pela repetição mesmo; não se vê reconhecimento da alteridade, mas a negação dela,
pela imposição de seu olhar (ideal).
86
Pearl, por seu turno, é a contradição de Eve: é uma mulher que, em
todos os momentos, mostra em seus trajes, comentários, posturas e atitudes
simplicidade, capacidade de obter satisfação diretamente a partir das coisas simples
da vida (comendo, tomando sol, amando um homem, fazendo mágica, cuidando dos
outros) e de oferecer aos outros afeto, carinho, calor. Não à toa, suas roupas têm
cores fortes, quando não vermelhas; suas unhas são compridas e pintadas; seu
rosto, maquiado; ela sente imenso prazer ao comer uma boa carne, “mal-passada”,
com muito sangue – muita vida. Já foi casada duas vezes, adora tomar sol, dançar,
e ver os outros comendo, dançando e se divertindo. Écuidadosa e maternal, no
sentido mais popular da palavra: prepara comida para as filhas de Arthur, nutrindo-
as - o que era difícil imaginar Eve fazendo; coloca mú
sica, e se põ
e a dançar,
convidando as meninas e seus respectivos marido/namorado a brincarem junto com
ela; deixa-se vibrar por uma mú
sica alegre; insiste para que Arthur coma mais uma
fatia de chessecake, porque “você vai viver até cem anos se você abrir mão de
todas as coisas que fazem você querer viver” (Allen, 1978, p. 15
3). Pearl é
responsável pela ú
nica cena do filme em que se houve uma mú
sica. Nasceu na
Flórida, estado norte-americano bastante quente, e diz preferir tempos mais quentes
e lugares em que há gente. Pearl coleciona arte africana, e afirma amar estátuas
primitivas de mulheres com quadris largos e seios grandes. Em sua simplicidade,
não se importa em dizer que seu filho é dono de uma galeria de arte que vende
“porcarias”, que não é muito de ler, e que na Grécia preferiu tomar sol a olhar ruínas.
87
relacionamentos amorosos, e que valoriza o trabalho artístico e intelectual acima de
tudo.
36
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “like a creature asserting his freedom from his
creator.
88
indiferente a sua existência, mas fundamentalmente incomodada por ela: tanto
assim, que até a respiração de Joey a incomoda.
89
de uma reorganização/reação daquela família e se transforma num elemento
precioso, adorável, justamente pela demanda de reorganização e reestruturação
interna daquela família/ostra diante daquela mãe tão dominadora. Pearl invade a
família/molusco/ostra, fechada, enclausurada, e com sua irreverência e vulgaridade,
ao mesmo tempo em que provoca algumas feridas (sofrimento de Joey e de Eve),
demanda que todos ali se posicionem diferentemente uns em relação aos outros e
que novas relaçõ
es amorosas se estabeleçam: Arthur vê nela a possibilidade de
finalmente viver, depois de anos dedicados a uma casa fria; Joey “morre” e
“renasce” na praia em seus braços, porque ela lhe sopra a vida, e sua “morte” (fim
de uma Joey que só existia na impossibilidade de reconhecer a ambivalência de
sentimentos em relação a Eve) e “renascimento” são possíveis quando sua mãe Eve
morre (morte psíquica do objeto de amor primeiro de Joey) e em seu lugar aparece a
“mãe” afetuosa Pearl (Pearl, talvez, como representante do lado bom de Eve, que
sobreviveu ao suicídio, e pô
de aparecer nos pensamentos de Joey ao final do filme),
que a salva e lhe dá a chance de finalmente poder redirecionar sua pulsão de vida
para novos objetos (objetos de amor, e/ou, quiçá, criados por ela em sublimação).
90
Com efeito, como ensinam Chevalier & Gheerbrant (apud Silva, s.d.), a
pérola representa a feminilidade criativa, a perfeição atingida após uma
transmutação, e estando associada à concha/ostra, falaria de fecundidade (já que
comumente referida ao órgão sexual feminino) e ao mesmo tempo de inconsciente,
do oculto e dos mortos (por se vincular à idéia “do que esconde”, “do obscuro”).
Nesse sentido, Pearl marcaria a morte (de Eve como quando quebra acidentalmente,
em seu casamento com Arthur, um dos vasos dela, que continha uma rosa branca,
sua flor preferida; de uma família estruturada de uma maneira enrijecida e distante;
de um casamento; da Joey que não mede esforços para cuidar de Eve, como forma
de compensar os sentimentos ambivalentes em relação a ela) e ao mesmo tempo a
possibilidade de renascimento (daquela família; de Arthur, quando se apaixona
novamente; de Joey, como alguém que pode ser amada e desejada como filha de
uma mãe; do relacionamento de Renata e Joey, unidas ao final após a morte de
Eve).
91
Connecticut, e pouco se envolveu nos cuidados demandados por sua mãe ou com
sua irmã Joey.
92
a
Ms ao contrário de Eve, Renata parece conseguir recorrer (ainda que
precariamente) aos outros, nesses momentos de vivência de desamparo: ela
procura análise, e lá expressa suas angú
stias; logo após passar por um desses
momentos, vai até Frederick, expõ
e a ele o que sentiu, e se deixa abraçar e
confortar por ele diante de seu sofrimento. Eve, por seu turno, nos momentos de
ameaça a seu eu, se isola e remanesce emocionalmente distante - embora
demande constantemente comentários positivos, uma demanda muito mais
narcísica do que de elaboração do desamparo; ao final, atua a solidão, suicidando-
se quando sua filha Joey consegue dizer que a ama, a despeito da raiva que sente,
e que a perdoa.
37
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Unless she’s closer to her sisters or her husband,
or whoever, she’s lost: no amount of artistic self-importance and disdain for philistines is going to do anything
for her.”
93
produção psíquica. Assim, “(...) a transformação criativa do psíquico se paralisa
enquanto tal, perdendo esse a sua riqueza produtiva. Instala-se pois o psiquismo na
miséria e na indigência simbólicas.” (Birman, 2002, p. 93). Renata tenta, em vão,
escrever, mas o que aparece não são representaçõ
es simbólicas, mas a
experimentação da vivência concreta de seu corpo, a sensação de seu coração
batendo, do sangue correndo por entre suas veias.
Birman (2002) fala que “o ato inaugural da criação passaria então pela
morte daquilo que estaria fixado nas cadeias de satisfação, reguladas nos circuitos
pulsionais pelo falo como materialização das idealizações (...)” (p. 123). Ora, Renata
criara e sublimara, anteriormente; no entanto, o fluxo da economia libidinal não é
linear: ele está sujeito às “intempéries psíquicas”, à dinâ
mica constituinte do sujeito
que se dá a partir do olhar do outro e ao longo de toda sua vida. Parece-nos que não
à toa Renata passa a sofrer de bloqueio criativo quando, na história dessa família, o
pai faz um movimento que exige a reorganização subjetiva de todos, em função do
lugar que Eve ocupa. Assim, quando a mãe idealizada por Renata fragmenta-se
psiquicamente, a filha experimenta o encontro com o desamparo, com o
estranhamento [lembremos, quando Renata fala do retorno de sua mãe depois de
sua primeira crise nervosa, diz “eu-eu a vi... no primeiro dia que eles trouxeram ela
de volta. (...) eu não podia acreditar que havia... era como se... se ela fosse uma
estranha.” (Allen, 1982, p. 121)], e, dessa maneira, o encontro com o que
desconcerta a subjetividade pela quebra da imagem especular e, portanto, da
unidade narcísica (Birman, 2002). Renata experimenta um “desvanecimento
94
momentâneo do eu” (Birman, 2002, p. 126), uma ruptura do circuito de satisfação
original estabelecido com sua mãe, e embora isso seja sofrido, é o que poderá dar
lugar, novamente, à sublimação em sua vida.
95
p. 171). Nesse momento, Flyn passa a resistir a Frederick, ao perceber que ele
deseja uma “Flyn” totalmente diferente de Renata – superficial, não talentosa – e o
flerte se transforma em tentativa de estupro. Na opinião de Allen,
Flyn (Kristin Griffith) no filme foi para mim a pessoa que evita
a questão ao se desumanizar. Ela vai à Califórnia, ela é um
objeto bonito. Como Richard Jordan diz a ela quando ele está
tentando estuprá-la, ela só existe nos olhos dos outros, ela só
sente que existe a partir da compreensão de outra pessoa,
mas ela é só um objeto bonito. Ela não quer realmente saber
de sua família, ela vive fora, está envolvida na procura por
projetos televisivos, (...) e seus flertes, e ela flerta com
Richard Jordan.38 (Entrevista concedida por Woody Allen em
1978, in KAPSIS & COBLENTZ, 2006, p. 36).
A palavra Flyn lembra fly, que em inglês quer dizer tanto voar, pilotar,
apresentar, como correr, passar, escapar, fugir ou esperto, não facilmente enganado
(Longman Dictionary of Contemporary English, 1987). Nesse sentido, Flyn seria
aquela que foge, que escapa ao controle exercido por Eve naquela família tão rígida
e pouco afetiva, vai morar longe, “livra-se” dos problemas que a família carrega ao
afastar-se, correr dela. Ao mesmo tempo, ainda que pela fuga, não se deixa prender,
enganar pelo forte domínio que um exerce sobre o outro, e tem sempre uma
desculpa para se libertar das demandas daquela família.
Obviamente que a maneira que Flyn encontra para sair daquele vórtice
familiar não é sem consequências para ela: sua beleza, que tem dias contatos, é o
que pretensamente lhe confere “talento” para estar no meio artístico; além disso, sua
existência depende do olhar de reconhecimento alheio – como fará quando ele não
existir mais? A cocaína talvez seja a maneira de “eternizar” os momentos, para que
o tempo não passe e ela remanesça jovem e bela, ao menos aos seus próprios
olhos.
38
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Flyn (Kristin Griffith) in the picture was to me the
person who avoids the issue by dehumanizing herself. She goes to California, she’s a pretty object. As Richard
Jordan says to her when he’s trying to rape her, she only exists in other people’s eyes, she only feels that she
exists in the comprehension of another person, and she’s just a pretty object. She doesn’t want to know from the
family really, she lives out there, is involved in her pursuit of TV projects, (…) and flirtations, and she is
flirtatious with Richard Jordan.”
96
Joey não consegue criar, embora lute para manifestar seus
sentimentos por meio da arte. Ela sabe que precisa criar para dar vazão a sua
angústia, mas não sabe o que quer expressar, ou como fazê-lo. S
abe que não tem
talento para atuar, não consegue escrever, e resiste à possibilidade de voltar à
fotografia. Errante, Joey vive profundamente angustiada, insatisfeita consigo mesma,
lamentando-se sem parar por não conseguir obter satisfação nos trabalhos que
encontra. Ela, no entanto, foi a filha mais próxima do pai, quando pequena, e em
relação a qual Arthur tinha mais planos e projetos de futuro – ao menos aos olhos de
enata.
R
97
De fato, Joey suscita a impressão de não querer perder o amor do
outro fundamental – representado por Eve – que não comparece mais como objeto
de amor nas relações concretas. Eve ainda não morreu para Joey como objeto de
amor fundante e, assim, torna-se difícil para ela investir libidinalmente em novos
objetos – fosse estabelecendo relações amorosas, como tendo um filho, fosse
sublimando. Eve habita Joey, e Joey de certa maneira se torna Eve pela introjeção
do objeto de amor. Esse movimento psíquico é corroborado pela afirmação de Joey
no sentido de que não odeia a mãe, mas de que sempre quis sê-la, e pela
percepção de R
enata de que por vezes ela realmente foi Eve com suas dores de
cabeça constantes:
R
etomando as palavras de Freud (1917[1915]),
98
Não é difícil reconstruir esse processo. Existem, num dado
momento, uma escolha objetal, uma ligação da libido a uma
pessoa particular; então, devido a uma real desconsideração
ou desapontamento proveniente da pessoa amada, a relação
objetal foi destroçada. O resultado não foi o normal – uma
retirada da libido desse objeto e um deslocamento da mesma
para um novo -, mas algo diferente, para cuja ocorrência
várias condições parecem ser necessárias. A catexia objetal
provou ter pouco poder de resistência e foi liquidada. Mas a
libido livre não foi deslocada para outro objeto; foi retirada
para o ego. Ali, contudo, não foi empregada de maneira não
especificada, mas serviu para estabelecer uma identificação
do ego com o objeto abandonado. (...) Dessa forma, uma
perda objetal se transformou numa perda do ego, e o conflito
entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre a
atividade crítica do ego e o ego enquanto alterado pela
identificação. (p. 254-255).
Tanto Joey está presa na imagem do espelho com sua mãe, ou seja,
ao olhar que a reconhece como incapaz e não talentosa, que na primeira cena do
filme ela aparece refletida no vidro de uma pintura que compõe a decoração feita por
Eve na casa de praia. Como ressalta Nichols (1998), Joey gostaria de se expressar
por meio de sua própria criação, mas a pintura na qual está refletida não é sua:
99
Não só Joey está alienada da arte, e, assim, de sua
satisfação como ela a entende, mas ela está paralisada, parte
de uma natureza-morta (...) já que a noção de perfeição
artística herdada de sua mãe a deixa incapaz de agir 39
(NICHOLS, 1998, p. 51).
Joey não cria (na arte) e não consegue se imaginar criando um filho.
Quando engravida, ela tem a sensação de que uma criança nesse momento
representaria o fim do mundo, já que não sabe nem para onde sua própria vida está
indo. Como investir libidinalmente em uma outra vida, se sua energia está
praticamente toda direcionada à manutenção, no ego, de sua identificação
melancólica com a mãe? Joey sabe que é “autocentrada”, e Mike também sente que
Joey se posiciona narcisicamente: em sua opinião, ela deveria tentar um trabalho
com política, como ele, justamente para “tirá-la de si”:
Eve se incomoda com tudo o que venha de Joey e que represente vida:
o barulho de sua respiração, o cheiro da loção pós-barba de seu namorado, o
barulho através da janela de seu apartamento. Não é à toa que Joey, em seu
discurso para a mãe ao final do filme, revela sentir que a mãe só lhe tem desdém:
39
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Not only is Joey alienated from art, and hence from
her own fulfillment as she understands it, but she is rendered motionless, part of a still life (…) for the notion of
artistic perfection inherited from her mother makes her unable to act.”
100
Joey Mamãe? É você? (…) Você não deveria estar aqui.
Não hoje. Eu vou levar você para casa. (...) Você
parece tão estranha e cansada. Eu me sinto como se
nós estivéssemos em um sonho juntas. (...) Por favor,
não fique tão triste. Isso me faz sentir culpada. É
irônico… porque, uh, eu me preocupo tanto com
você... e você não sente nada senão desdém por mim.
(...) E ainda assim eu me sinto culpada. Eu acho que
você é, uh, realmente perfeita demais… para viver
nesse mundo. Quero dizer, todas aquelas salas
lindamente mobiliadas, interiores cuidadosamente
decorados... tudo tão controlado. Não havia qualquer
espaço para – uh eh, para sentimentos reais. Nenhum,
eu... uh, entre nenhum de nós. Exceto por Renata...
que nunca lhe deu uma hora sequer de seu dia. Você
idolatra Renata (...) Você idolatra o talento. Bem, o
que acontece com aqueles de nós que não podem
criar? O que a gente faz? O que eu faço… quando
estou tomada por sentimentos em relação à vida?
Como eu os ponho para fora? Eu sinto tanta raiva de
você! Ora, Mamãe – você não vê? Você não é
simplesmente uma mulher doente. Isso seria muito
fácil. A verdade é que… houve perversidade - e
intencionalidade de atitudes – em muitas coisas que
você fez. No centro de – de um psiquismo doente, há
um espírito doente. Mas eu te amo. E nós não temos
outra alternativa senão nos perdoarmos uma a outra.
(ALLEN, 1982, p. 172).
Nesse discurso, após ver Pearl (antítese de Eve) tomar o lugar da mãe
ao lado do pai e “destruí-la” simbolicamente ao quebrar o vaso com uma flor rosa
branca dentro, Joey pôde finalmente reconhecer sua raiva e o quanto se sente
culpada por ver sua mãe triste, embora saiba que sua mãe só lhe teve desdém, e
nada mais. Pôde ainda reconhecer que aquela mãe idealizada - “realmente perfeita
demais... para viver nesse mundo” - não deu espaço para que houvesse, naquela
família, sentimentos reais, exceto por Renata, idolatrada pela mãe em sua arte.
101
doença. Ao final, Joey conseguiu dizer que, mesmo odiando a mãe, a amava, e o
perdão era sua saída.
40
Tradução livre nossa, a partir do texto original em inglês: “Most importantly, she answers Joey’s call for
‘mother’ when Eve does not, and then brings Joey back to life when she almost drowns trying to save Eve from
suicide. Here the physical touching, which repulsed Joey when her father licked Pearl’s fingers and when Pearl
tried to get her to dance, is life saving, as Pearl puts her lips on Joey’s to breathe life into her.”
102
o
J ey renasce nos braços dessa segunda mãe: quem sabe agora ela
consiga redirecionar a energia pulsional para a obtenção de prazer e de alegria, por
meio de relacionamentos (com M
ie
k , tão dedicado, e que também está lá para
socorrê-la ao lado de Pearl), tendo um filho, ou, quiçá, por meio da arte sublimatória.
Talvez, agora, Joey possa “ser Renata”, aquela que diante do desamparo renasce e
consegue criar.
M
ike, ao contrário da família de Eve e até de F
rederick, não está
perdido em seu mundo interno: além de trabalhar com política (e, assim, para o
pensamento que visa ao publico, e não ao privado), ele incentiva Joey a terem um
filho, e está acordado, como Pearl, no momento em que ela precisa dele (Nichols,
1998). Como nos lembra Nichols (1998),
103
Ele não sofre da inatividade ou paralisia de que alguns outros
sofrem (...) Sua política subordina o individual a uma causa.
(...) M
ike, no entanto, é melhor que sua política, sua prática é
superior a sua teoria. (...) Ele pode falar da vida de milhares,
mas ele arrisca sua própria vida pela ú nica mulher que ele
ama.41 (NICHOLS, 1998, p. 5 7
-5
8).
o
J ey é um nome que, em inglês/hebraico, é usualmente utilizado para
nomear meninos – como diminutivo de Joseph ou Josiah -, embora também possa
ser utilizado como diminutivo de Josephine (nome feminino). Joey, personagem do
filme, é uma mulher, que namora, e pode engravidar, mas que, no entanto, tem
muito pouco da imagem feminina em sua aparência física: usando roupas sóbrias,
de cores pálidas e de corte recatado, sem brinco, unhas ou adornos que revelassem
a vaidade comumente associada a uma mulher, ou desejo de ter um filho quando
engravida.
41
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “He does not suffer from the inactivity or paralysis
that some of the others do. (…) His politics subordinate the individual to a cause. (…) Mike, however, is better
than his politics; his practice is superior to his theory. (…) He may speak of the lives of thousands, but he risks
his life for the one woman he loves”.
104
Em sendo assim, talvez os atributos “pouco femininos” de Joey
pudessem ser entendidos como uma referência àdificuldade que ela tem de se
aprox
imar da posição feminina por meio do que a subjetividade reconheceria sua
condição de desamparo originária (de castrada) e poderia, rompendo com o ciclo
pulsional primordial, disponibilizar sua energia sexual e criar novas formas de
satisfação. o
J ey não consegue criar, não consegue sublimar, e talvez sua “pouca
feminilidade” diga sobre a dificuldade de posicionar-se, em relação ao outro, como
castrada, como reconhecedora de sua condição faltante, o que a impediria de
sublimar.
Como destaca Bailey (2001), cada uma das filhas de Eve respondeu à
falta de afeto da mãe de uma maneira distinta, mas de um jeito ou de outro as
respostas foram sempre ambivalentes: as três se vestiam regularmente em seus
tons beges e cor da terra, procurando encontrar estratégias psíquicas para conseguir
sua aprovação, ao mesmo tempo em que tentavam escapar ao peso emocional que
a busca por sua aprovação custava.
105
tranqüilidade de cada uma delas – pelo fim de uma “era de rigidez”, a despeito da
tristeza que sentem pela perda da mãe (Bailey, 2001).
42
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Silence might but does not necessarily mean
emptiness and isolation, just as it does not necessarily mean lack of understanding. When Pearl helps Arthur
with his suspenders and touches his cheek, there is ‘no sound’. The silence at the end among the three sisters
differs from the silence at the beginning of the movie, for it is informed by the speech and deeds that intervene.
And that is why there is some ground for the hope that the sisters might finally arrive at a point where they could
communicate.”
106
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
107
celebridade que enriquece, mas não tem seu trabalho levado verdadeiramente a
sério para papéis mais profundos.
43
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “Renata (Keaton) has come to the conclusion that
having a great talent or having talent of some sort, expressing yourself, to create things that will live forever, in
the sense of her mother’s perception... dealing with vases and things, that doesn’t mean anything. (…) Renata
comes to realize in the movie, if it’s successful, that the only thing anyone has any chance with is human
relationships. Unless she’s closer to her sisters or her husband, or whoever, she’s lost: no amount of artistic
self-importance and disdain for philistines is going to do anything for her.”
108
Para além das questões subjetivas suscitadas pelas personagens,
pode-se dizer que cada uma delas, no contexto do discurso total do filme, metaforiza
caminhos possíveis que um sujeito pode encontrar diante da possibilidade de
criação artística/sublimatória: pode-se criar, e isso representar reconhecimento
social mas afastamento de relações amorosas signifcativas, o que pode levar a
angústias de fragmentação impensáveis, como faz Renata; pode-se tentar criar, e
não obter sucesso e nem tampouco vazão para sua energia vital, como Joey; pode-
se ser uma artista celebrada pelo grupo sem que se crie efetivamente, na medida
em que é aceita no meio social não por sua criação, mas por sua beleza, como Flyn;
finalmente, pode-se usar o subterfúgio da arte sem verdadeiramente produzir novos
objetos de satisfação, mas reproduzir aqueles objetos de satisfação conhecidos, não
se estabelecer relações amorosas significativas e sucumbir, como Eve. Todavia, de
uma maneira ou de outra, o distanciamento de relações amorosas significativas é o
que marca as (im)possibilidades do artista no filme.
E ainda,
109
E
ntretanto, não é possível am pliar indefinidamente esse
processo de deslocamento, da mesma forma que em nossas
máquinas não é possível transformar todo o calor em energia
mecâ nica. Para a grande maioria das organizaçõ es parece
ser indispensável uma certa quantidade de satisfação sexual
direta, e qualquer restrição dessa quantidade, que varia de
indivíduo para indivíduo, acarreta fenô
menos que, devido aos
prejuízos funcionais e ao caráter subjetivo do desprazer,
devem ser considerados como uma doença. (FR E
U
D, 1908,
p. 17
4
).
o
J eynão cria, mas também não se relaciona profundamente: embora
cuide de sua mãe, a relação entre as duas não é afetuosa; pelo contrário, é pautada
por cobranças e raivas não-ditas. E
la tem um namorado, com quem mora, mas com
quem parece ter dificuldade de se envolver, como quando diz a ele que não sabe
porque está com ela, se só lhe dá pesar, e que não quer ter um filho, porque seria “o
fim do mundo” (Allen, 198
2, p. 14
). Joey engravida, mas manifesta uma forte
4
repulsa pela possibilidade de ter uma criança em sua vida, já que “eu não sei nem
aonde a minha vida está indo” (Allen, 198
2, p. 14
)4; ela aponta, assim, para a
intenção de fazer um aborto, ao dizer a Mike “É claro que a gente vai cuidar disso.
Você não acha que eu vou ter uma criança, acha?” (Allen, 198
2, p. 14
). E
4 ntretanto,
o filme não deixa claro se o aborto chega a acontecer ou não. O que é interessante
110
notar é que, de certa maneira, Joeyse mostra fértil, como se a possibilidade de
engravidar metaforizasse sua possibilidade (ainda que “bloqueada”) de produzir e
criar (uma obra de arte, um filho). N
ão é possível ter certeza, porque o filme não
esclarece a questão, mas será que, ao “morrer” e r“enascer” nos braços de Pearl,
o
J eyainda está grávida, ou seja, ainda está com a “semente” de sua capacidade
criativa germinando dentro de si? E
u ousaria dizer que sim, afinal, é após seu
renascimento (vivê
ncia de desamparo, e salvação) que consegue escrever, com
suas próprias palavras, e expressar seus sentimentos, como se sua “semente”
estivesse dando seus primeiros frutos.
o
Tdavia, sua energia vital parece ser gasta em suas constantes
reclamaçõ
es, queixas, auto-puniçõ
es, e não em criaçõ
es ou relacionamentos; sua
libido está a serviço da manutenção, em seu ego, da mãe perdida que ama e odeia,
mas de quem se recusa a se afastar. T
alvez o não criar, de Joey
, seja o que
possibilite a ela se manter, no olhar materno, na posição em que ganha existê
ncia, a
posição de não ser capaz de criar. É quando essa mãe morre
(simbolicamente/fisicamente) que ela pode se libertar dessa posição, ser salva pelo
calor de uma “mãe afetiva” e esboçar suas primeiras palavras em um texto, a
respeito de significativamente boas recordaçõ
es de sua infâ
ncia com E
ve.
Fly
n vive uma vida de celebridade hollyw
oodiana, com todo o glamour
a que um dito artista tem direito; mas o glamour perde brilho diante da inveja que
sente de sua irmã R
enata, “a verdadeira artista da família”, e da necessidade que
sente de eternizar sua beleza no momento presente, por meio da cocaína (droga
que provoca euforia e, momentaneamente, a sensação de que se vive uma
realidade em que tudo é prazeroso). T
alvez a arte de Flyn seja ser bela, mas isso
não é criar, mas ser – e ser sempre do mesmo jeito, o que não é possível, porque
sua beleza se perde com o tempo. E
ssa sua “arte”(não criativa) lhe permitiu, no final
das contas, também não se relacionar, e fugir daquela cena familiar de natureza-
morta montada por E
ve.
o
N final do filme, os cinco vasos são substituídos pela imagem das trê
s
irmãs olhando, pela janela, o mar: relacionamentos anteriormente difíceis (eram
antes coisas do que seres humanos) são agora possíveis, após o desfecho da trama
111
e a entrada de uma figura que traz calor e as salva do deserto afetivo daquela casa
– Pearl. As irmãs, que ao longo do filme (assim como E
ve e Arthur) aparecem
olhando sozinhas pela janela, agora podem olhar lado a lado. Joeypode finalmente
escrever algumas palavras de mão própria; R
enata pode abraçá-la, ser ajudada e
ajudar uma irmã que lhe pedia atenção e cuidado.
o
N filme Interiores, especificamente, Allen parece tender a se
posicionar, no questionamento dos limites e possibilidades da produção artística e
sublimatória para o artista, no sentido de que somente a arte não é suficiente: ela
pode ser, sim, um recurso frente ao terror do desamparo, mas não pode ser o
destino ú
nico dos afetos do artista; R
enata é quem consegue (talvez como W
oody
112
Allen mesmo) dar vazão a esses afetos por meio da sublimação, mas a
predominâ
ncia desse destino pulsional não lhe garante toda a força frente a
inevitabilidade da morte. Para Allen – e Freud – a arte cumpre em parte esse papel,
mas também é necessário que as relaçõ
es com o outro diferente (que vão permitir,
em seu reconhecimento, justamente a possibilidade de sublimar) encontrem espaço,
até porque é nessa relação com o outro que o sujeito se estrutura e pode, a partir
daí, criar e se recriar.
6.1 T
SR
Ê
R M
I Ã
S, R
S
Ê
TAVSOS, T
SE
Ê
R SCR
IOS
ÍN
São trê
s irmãs, trê
s dos cinco vasos expostos sobre a lareira da casa
da praia, que metaforizam trê
s caminhos possíveis que um sujeito pode encontrar
diante da possibilidade de criação artística/sublimatória. T
rsê irmãs, trê
s vasos, que
nos remetem ao texto O Tema dos Três Escrínios, de 1913, em que Freud discute o
fato de a escolha de um homem entre três mulheres, com frequência apresentadas
como irmãs, ser um tema humano, que aparece recorrentemente em obras da
literatura, como escritos medievais, obras de Shakespeare, mitos e contos de fadas.
113
Com efeito, escrínio significa escrivaninha, ou cofre pequeno, estofado,
em que se guardam jóias (Houaiss, 2001). Freud (1913), a propósito de O Mercador
de Veneza, de Shakespeare, recorda que “(...) escrínios são também mulheres,
símbolos do que é essencial na mulher, e portanto da própria mulher – como arcas,
cofres, caixas, cestos etc.” (p. 316) – e, assim, poderíamos dizer, também vasos.
114
(...) A própria Deusa do Amor, que agora assumira o lugar da
Deusa da Morte, fora outrora idêntica a ela. Mesmo a Afrodite
grega não abandonara inteiramente sua vinculação com o
mundo dos mortos, embora há muito tempo houvesse
entregado seu papel ctônico a outras figuras Divinas, a
Perséfone ou à triforme Ártemis-Hécate. As grandes deusas-
Mães dos povos orientais, contudo, parecem todas ter sido
tanto criadoras quanto destruidoras – tanto deusas da vida
quanto deusas da morte. Assim, a substituição por um oposto
desejado em nosso tema retorna a uma identidade primeva.
(FREUD, 1913, p. 322-323).
Joey parece a irmã morta (sem vida, sem rumo, sem propósito), e no
final, é aquela que q
uase morre para poder viver novamente. Talvez ela possa ser
pensada, na alegoria do filme, também como aquela que representa a necessidade
inexorável de (quase) morrer – de se defrontar com o desamparo e a inevitabilidade
da morte – para que se possa criar, sublimar, redirecionar a força pulsional
115
(desvencilhada das fixações eróticas originárias) para a criação do novo e também
estabelecer relacionamentos afetivos profundos e significativos. É certo que Joey
não chega a produzir artisticamente, mas acredito que o filme aponte para uma
possibilidade de que isso venha a acontecer num futuro, considerando seu discurso
no final. Assim também pensa Woody Allen – que também “escolhe” Joey:
44
Tradução livre nossa a partir do texto original, em inglês: “SB: Joey’s been ‘Daddy’s favourite’ and now he’s
got a new favorite.
WA: Yes, but Pearl is the breath of spring in the movie. She represents vitality and life and vibrancy. And it turns
out that Joey is the one that Pearl saves. She saves her from the water in the end and Gives her mouth-to-mouth
resuscitation.
SB: And do you think that Joey’s life can change after this?
WA: Hopefully. She’s the one that I think has a chance. The others, I think, are too far gone. One is a superficial
actress and the other one a cold artist who hides behind her talent. And Joey is potentially real, having no big
talent but human feelings. (…) So, yes, I think she gets a new mother in the end, and this mother is going to make
a difference in her life.”
116
incompletude e, vivenciando o desamparo, conseguiria romper com as fixações
eróticas originárias e redirecionar sua pulsão sexual à criação de novos objetos de
satisfação possíveis (Birman, 2002).
117
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121
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123
Anexo 1 – Filmografia de Woody Allen
124
Filmografia de Woody Allen45
1969
Um Assaltante Bem Trapalhão (T
ake the M
oneyand Run )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen e Mickey Rose
Elenco: Woody Allen, Janet Margolin, Marcel Hillaire, Jacqueline Hyde, Lonny Chapman,
Jan Merlin, Ethel Sokolow, Henry Jeff, Don Frazer, Nate Jacobson, Louise Lasser, Jackson
Beck.
1971
Bananas (B
ananas )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen e Mickey Rose
Elenco: Woody Allen, Louise Lasser, Carlos Montalban, Natividad Abascal, Jacobo Morales,
Miguel Suarez, David Ortiz, Renée Enriquez, Jack Axelrod, Charlotte Rae, Dan Frazer,
Dorthi Fox, Sylvester Stallone.
1972
“Tudo o Que Você Sempre Quis Saber sobre Sexo* (*Mas Tinha Medo de
Perguntar)”
(“Everything Y
ou Alw
ay
sWanted to K
nowAbout Sex*[*B
ut W
ere Afraid to Ask]”)
P
rodução : Jack Rollins, Charles H. Joffe e Brodsky-Gould
Roteiro: Woody Allen, baseado no livro do Dr. David Reuben
Elenco: Episódio I, O s Afrodisíacos Funcionam : Woody Allen, Lynn Redgrave, Anthony
Quayle; Episódio 2, Oque é sodomia? : Gene Wilder, Elaine Giftos, Titos Vandis; Episódio 3,
P
or que Algumas M ulheres T
em Problemas para Atingir o Orgasmo? : Woody Allen, Louise
Lasser; Episódio 4, OsTravestis são Homossexuais? : Lou Jacobi, Sidney Miller; Episódio 5,
Oque são Pervertidos Sexuais? : Jack Barry, Toni Holt, Robert Q. Lewis, Pamela Mason,
Regis Philbin (por ele mesmo), Don Chuy, Tom Mack; Episódio 6, O s Achados M édicos e
C
línicos em P
esq
uisa e Exper recisos? : Woody Allen, Heather McRea,
imentos Sexuais São P
John Carradine; Episódio 7, OQ ue Acontece Durante a Ejaculação? : Woody Allen, Tony
Randall, Burt Reynolds, Erin Fleming, Stanley Adams, Robert Walden.
1973
O Dorminhoco (Sleeper)
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen e Marshall Brickman
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, John Beck, Mary Gregory, Don Keefer, John McLiam,
Bartlett Robinson, Chris Forbes, Marya Small, Peter Hobbs, Susan Miller, Lou Picetti.
45
Fontes: SCHICKEL, Richard. Woody Allen: A Life in Film. Chicago: Ivan R. Dee, Publisher, 2003.
BJÖRKMAN, Stig. Woody Allen on Woody Allen. In Conversation with Stig Björkman. ed. rev. New York:
Grove Press, 2004.
MARTIN, Mick; PORTER, Marsha. DVD & Video Guide 2007. New York: Ballantine Books, 2006.
São feitas referências apenas aos seguintes elementos do filme: título (na tradução oficial para o português,
quando houver; e em inglês), ano, direção, produção, roteiro e elenco.
125
1975
A Última Noite de Boris Grushenko (L
ove and e
Dath )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Olga Georges-Picot, Jessica Harper, Jack Lenoir,
James Tolkan, Alfred Lutter III, Lloyd Battista, Frank Adu, Harold Gould, C.A.R. Smith,
George Adet.
1977
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie H
all )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen e Marshall Brickman
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Tony Roberts, Carol Kane, Paul Simon, Shelley Duvall,
Jane Margolin, Colleen Dewhurst, Christopher Walken, Donald Symington, Helen Ludlam,
Mordechai Lawner, Joan Newman, Jonathan Munk, Ruth Volner, Martin Rosenblatt, Hy
Anzell, Marshall McLuhan.
1978
Interiores (Interiors )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Kristin Griffith, MaryBeth Hurt, Richard Jordan, Diane Keaton, E.G. Marshall,
Geraldine Page, Maureen Stapleton, Sam Waterston, Missy Hope, Kerry Duffy, Nancy
Collins, Penny Gaston, Roger Morden.
1979
Manhattan (M
anhattan )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen e Marshall Brickman
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Michael Murphy, Mariel Hemingway, Meryl Streep,
Anne Byrne, Karen Ludwig, Wallace Shawn, Michael O’Donoghue.
1980
Memórias (Stardust M
emories )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Charlotte Rampling, Jessica Harper, Marie-Christine Barrault, Tony
Robert, Daniel Stern, Amy Wright, Hellen Hanft, John Tothman, Anne de Salvo, Joan
Neuman, Ken Chapin, Leonardo Cimino, Louise Lasser, Robert Munk, Sharon Stone, Andy
Albeck, Robert Friedman, Douglas Ireland, Jack Rollins, Laraine Newman, Howard Kissel,
Max Leavitt, Renee Lippin, Sol Lomita, Irving Metzman, Dorothy Leon.
1982
Sonhos Eróticos de Uma Noite de Verão (A M
idsummer Night’s SexC
omedy )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, José Ferrer, Julie Hagarty, Tony Roberts, Mary
Steenburgen.
126
1983
Zelig (Z
elig )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, John Rothman, John Buckwater, Marvin Chatinover,
Stanley Sverdlow, Paul Nevens, Howard Erskine, Stephanie Farrow, Ellen Garrison,
Sherman Loud, Elizabeth Rothschild, com Susan Sontag, Irving Howe, Saul Bellow, Dr
Bruno Bettelheim, Professor John Morton Blum (eles mesmos).
1984
Broadway Danny Rose (B
roadw
ayD
annyRose )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, Nick Apollo Forte, Sandy Baron, Corbett Monica, Jackie
Gayle, Morty Gunty, Will Jordan, Howard Storm, Jack Rollins, Milton Berle, Craig
Vandenburgh, Herb Reynolds, Paul Greco, Frank Renzulli, Edwin Bordo, Gina DeAngelis.
1985
A Rosa Púrpura do Cairo (T
he u
Prple Rose of C
airo )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Mia Farrow, Jeff Daniels, Danny Aiello, Irving Metzman, Stephanie Farrow, Diane
Wiest, e no filme dentro do filme: Jeff Daniels, Edward Herrmann, John Wood, Deborah
Rush, Van Johnson, Zoe Caldwell, Eugene Anthony, Karen Akers, Milo O’Shea, Annie Joe
Edwards, Peter McRobbie.
1986
Hannah e Suas Irmãs (H
annah and e
Hr Sisters )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Mia Farrow, Woody Allen, Michael Cane, Carrie Fischer, Barbara Hershey, Lloyd
Nolan, Maureen O’Sullivan, Max Von Sydow, Sam Waterston, Dianne Wiest, Julie Kavner,
J.T. Walsh, John Turturro, Joanna Gleason, Tony Roberts, Daniel Stern.
1987
A Era do Rádio (Radio a
Dsy )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Seth Green, Julie Kavner, Michael Tucker, Dianne Wiest, Josh Mostel, Mia Farrow,
Danny Aiello, Jeff Daniels, Tony Roberts, Diane Keaton, Wallace Shawn, Julie Kurnitz, David
Warrilow, Hy Anzell, Judith Malina, Woody Allen (narrador).
1987
Setembro (September)
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Denholm Elliott, Mia Farrow, Elaine Stritch, Jack Warden, Sam Waterston, Dianne
Wiest, Rosemary Murphy, Ira Wheeler, Jane Cecil.
127
1988
A Outra (Another W
oman )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Gena Rowlands, Mia Farrow, Blythe Danner, Sandy Dennis, Gene Hackman, Ian
Holm, John Houseman, Harris Yulin, Philip Bosco, Betty Buckley, Martha Plimpton, Josh
Hamilton, Margaret Marx, David Ogden Stier.
1989
Édipo Arrasado, em Contos de Nova Iorque (O
edipus W
recks, in NewY
ork Stories )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, Mae Questel, Julie Kavner, Jessie Keosian, George
Schindler, Marvin Chatinover, Ed Koch.
1989
Crimes e Pecados (C
rimes and M
isdemeanors )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Caroline Aaron, Alan Alda, Woody Allen, Claire Bloom, Mia Farrow, Joanna Gleason,
Anjelica Houston, Martin Landau, Jerry Orbach, Sam Waterston, Martin Bergmann, Jenny
Nichols, Stephanie Roth, Anna Berger, Grace Zimmermann, Daryl Hannah.
1990
Simplesmente Alice (Alice)
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Mia Farrow, Alec Baldwin, Blythe Danner, Judy Davis, William Hurt, Keye Luke, Joe
Mantegna, Bernadette Peters, Cybill Shepperd, Gwen Verdon, Patrick O’Neal, Robin Bartlett,
Julie Kavner, Carolin Aaron, David Spielberg.
1992
Neblinas e Sombras (Shadow
s and Fog )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, John Malkovich, Madonna, Donald Pleasance, Kathy
Bates, Jodie Foster, Lily Tomlin, John Cusack, Kate Nelligan, Julie Kavner, Fred Gwynne,
Kenneth Mars, David Ogden Stiers, Wallace Shawn, Philip Bosco, Michael Kirby.
1992
Maridos e Esposas (H
usbands and W
ives )
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Judy Davis, Mia Farrow, Juliet Lewis, Liam Neeson, Sydney Pollack,
Lysette Anthony, Blythe Danner, Ron Rifkin, Benno Schmidt, Jeffrey Kurland.
1993
Misterioso Assassinato em Manhattan (M
anhattan M
urder M
ystery )
128
P
rodução : Jack Rollins e Charles H. Joffe
Roteiro: Woody Allen e Marshall Brickman
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Alan Alda, Anjelica Houston, Jerry Adler, Lynn Cohen,
Ron Rifkin, Joy Behar, Melanie Norris, Marge Redmond, Zach Braff.
1994
Tiros na Broadway (B
ullets O
ver B
roadw
ay )
P
rodução : Jean Doumanian
Roteiro: Woody Allen e Douglas McGrath
Elenco: John Cusack, Jack Warden, Chazz Palminteri, Joe Viterelli, Paul Herman, Jennifer
Tilly, Rob Reiner, Stacy Nelkin, Dianne Wiest.
1995
Poderosa Afrodite (M
ightyAphrodite )
P
rodução : Jean Doumanian
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Helen Bonham-Carter, Steven Randazzo, J. Smith-Cameron, Mira
Sorvino, Michael Rapaport, Danielle Ferland, Jeffrey Curland, Olympia Dukakis.
1996
Todos Dizem ‘Eu Te Amo’ (Every
one Says I‘ o
Lve Y
ou’ )
P
rodução : Jean Doumanian
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Edward Norton, Drew Barrymore, Alan Alda, Goldie Hawn, Julia Roberts, Woody
Allen, Tim Roth, Barbara Hollander, John Griffin, Itzhak Perlman.
1997
Desconstruindo Harry (D
econstructing H
arry )
P
rodução : Jean Doumanian
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Judy Davis, Elizabeth Shue, Richard Benjamin, Julia Louis-Dreyfus,
Kirstie Alley, Bob Balaban, Hazelle Goodman, Demi Moore, Tobey Maguire.
1998
Celebridades (C
elebrity )
P
rodução : Jean Doumanian
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Hank Azaria, Kenneth Branagh, Judy Davis, Leonardo DiCaprio, Melanie Griffith,
Famke Janssen, Michael Lerner, Joe Mantegna, Winona Ryder, Donald Trump, Charlize
Theron.
1999
Poucas e Boas (Sw
eet and L
owdow
n)
P
rodução : Jean Doumanian
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Sean Penn, Samantha Morton, Woody Allen (ele mesmo), Ben Duncan, Daniel
Okrrent, Tony Darrow, Christofer Bauer, Constance Shulman, Kellie Overbey, Darryl Alan
Reed, Uma Thurman.
129
2000
Trapaceiros (Small T
ime rCooks )
P
rodução : Jean Doumanian
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Carolyn Saxon, Tracey Ullman, Michael Rapaport, Tony Darrow, Sam
Josepher, Jon Lovitz, Lawrence Howard Levy, Brian Markinson, Elaine May (M
aySloan ).
2001
O Escorpião de Jade (T
he u
Crse of the a
J de Scorpion)
P
rodução : Gravier
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Helen Hunt, Charlize Theron, Dan Akroyd, Elizabeth Berkley, Kaili
Vernoff, John Schuck, John Tormey, Brian Markinson, Maurice Sonnenberg, John
Doumanian, Peter Gerety.
2002
Dirigindo no Escuro (H
olly
o
wod Ending)
P
rodução : Gravier
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, George Hamilton, Téa Leoni, Debra Messing, Mark Rydell, Treat
Williams, Tiffany-Amber Thiessen, Barney Cheng.
2003
Igual a Tudo na Vida (Any
thing Else )
P
rodução : Gravier
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Jason Biggs, Christina Ricci, Fisher Stevens, Anthony Arkin, Danny De
Vito, KaDee Strickland, Jimmy Fallon, Stockard Channing.
2004
Melinda e Melinda (M
elinda and M
elinda )
P
rodução : Gravier
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Will Ferrel, Vinessa Shaw, Radha Mitchell, Jonny Lee Miller, Chiwetel Ejiofor, Chloe
Sevigny, Josh Brolin, Amanda Peet.
2005
Ponto Final – Match Point (M
atch P
oint )
P
rodução : Jada
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Scarlett Johansson, Jonathan Rhys Myers, Emily Mortimer, Matthew Goode, Brian
Cox, Penelope Wilton, James Nesbitt, Ewen Bremner, Rupert Penry Jones, Margaret Tyzack.
2006
Scoop – O Grande Furo (Scoop)
P
rodução : Jelly Roll
Roteiro: Woody Allen
130
Elenco: Scarlett Johansson, Hugh Jackman, Ian McShane, Woody Allen, Kevin McNally, Jim
Dunk, Romola Garai, Charles Dance, Fenella Woolgar, Victoria Hamilton.
2007
O Sonho de Cassandra (C
assandra’s D
ream )
P
rodução : Iberville
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Colin Farrel, Ewan McGregor, Tom Wilkinson, Hayley Atwell, Sally Hawkins, Mark
Umbers, John Benfield, Phil Davies, Peter Hugo Daly, Clare Higgins.
2008
Vicky Cristina Barcelona
P
rodução : Letty Aronson, Gareth Wiley, Stephen Tenenbaum
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Javier Bardem, Patricia Clarkson, Penelope Cruz, Kevin Dunn, Rebecca Hall,
Scarlett Johansson, Chris Messina.
1965
O que é que há, gatinha? (W
hat’s new
,P
ussycat?
)
D
ireção : Clive Donner
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Peter Sellers, Peter O’Toole, Romy Schneider, Capucine, Paula
Prentiss, Ursula Andress., Edra Gale.
1966
What’s up, Tiger Lily?
D
ireção : Senkichi Taniguchi
Roteiro e dublagem: Woody Allen, Frank Buxton, Len Maxwell, Louise Lasser, Mickey Rose,
Julie Bennett, Bryan Wilson.
P
rodução : Henry G. Saperstein, Woody Allen
1967
Cassino Royale (C
asino Roy
ale)
D
ireção: John Huston, Ken Hughes, Val Guest, Robert Parrish, Joseph McGrath
Elenco: Woody Allen, Peter Sellers, Ursula Andress, David Niven, Orson Welles, Joanna
Pettet, Deborah Kerr, Daliah Lavi, William Holden, Charles Boyer, John Huston, George Raft,
Jean-Paul Belmondo, Barbara Bouchet, Jacqueline Bisset.
1969
Don’t Drink the Water
P
rodução r: Jean Doumanian
D
ireção : Howard Morris
Roteiro: R.S. Allen e Harvey Bullock a partir da peça de Woody Allen.
Elenco: Jackie Gleason, Estelle Parsons, Joan Delaney.
131
1972
Sonhos de um Sedutor (P
layit again, Sam)
P
rodução : Arthur P. Jacobs e Rollins Joffe Productions
D
ireção: Herbert Ross
Roteiro: Woody Allen, a partir de sua própria peça
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Tony Roberts, Jerry Lacy, Susan Anspach, Jennifer
Salt, Joy Bang, Viva.
1976
Testa de Ferro por Acaso (T
he Front)
P
rodução : Martin Ritt, Jack Rollins, Charles H. Joffe
D
ireção: Martin Ritt
Elenco: Woody Allen, Zero Mostel, Herschel Bernardi, Michael Murphy, Andrea Marcovici.
1987
Rei Lear (K
ing L
ear)
Roteiro e direção: Jean-Luc Godard
Elenco: Woody Allen, Norman Mailer, Burgess Meredith, Molly Ringwald.
1991
Cenas de um Shopping (Scenes From a M
all)
Roteiro e direção: Paul Mazursky
Elenco: Woody Allen, Bette Midler, Bill Irwin, Daren Firestone, Rebecca Nickels, Paul
Mazursky.
1997
Wild Man Blues
P
rodução : Jean Doumanian
D
ireção : Barbara Kopple
P
rodução : J.E. Beaucaire e Jean Doumanian
1998
FormiguinhaZ (Antz)
D
ireção : Eric Darnell e Tim Johnson
Roteiro: Todd Alcott, Chris Weitz e Paul Weitz
P
rodução : Brad Lewis, Aron Warner e Paaty Wooton
Elenco: Woody Allen (Z-4195, voz), Dan Akroyd (C hip , voz), Anne Bancroft (Rainha, voz),
Jane Curtin (Muffy, voz), Danny Glover (Barbatus, voz), Gene Hackman (General Mandible,
voz), Jennifer Lopez (Azteca, voz), Sylvester Stallone (Weaver, voz), Sharon Stone
(Prinsessan Bala, voz), Christopher Walken (Coronel Cutter).
Os Impostores (T
he Impostors)
D
ireção : Stanley Tucci
Roteiro: Stanley Tucci
P
rodução : Beth Alexander e Stanley Tucci
Elenco: Oliver Platt, Stanley Tucci, Walker Jones, Jessica Walling, David Lippman, E.
Katherine Kerr, George Guidall, William Hill, Alfred Molina, Michael Emerson, Woody Allen.
132
2000
Recolhendo os Pedaços (P
icking U
p the P
ieces)
D
ireção : Alfonso Arau
Roteiro: Bill Wilson
Elenco: Woody Allen, Angélica Aragón, Alfonso Arau, Brian Brophy, Betty Carvalho, Enrique
Castillo, Jorge Cervera Jr., O’Neal Compton, Maria Grazia Cucinotta.
Company Man (C
ompanyM
an)
Roteiro e D
ireção : Peter Askin e Douglas McGrath
P
rodução : Guy East, Rick Leed, John Penotti e James Skotchdopole
Elenco: Paul Guilfoyle, Jeffrey Jones, Reathel Bean, Harriet Koppel, Douglas McGrath,
Sigourney Weaver, Terry Beaver, Sean Dugan, Grant Walden, Nathan Dean, Woody Allen.
Cyber World (C
ber W
y orld)
(filme animado)
D
ireção : Colin Davies e Elaine Despins
Roteiro: Hugh Murray, Charlie e Steven Hoban
Elenco: Jenna Elfan (Phig, voz ), Matt Frewer (Frazzled, voz), Robert Smith (Buzzed/Wired,
voz), Dave Foley (Hank the Technician, voz), Woody Allen (Z-4165, voz), Sylvester Stallone
(Weaver, voz, archive film), Sharon Stone (Princesssan Bala, voz; arquive filme).
III. TV
1971
Men in Crisis: The Harvey Wallinger Story
D
ireção : Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Diane Keaton, Louise Lasser.
1994
Don’t Drink the Water
Roteiro: Woody Allen, a partir de sua peça
P
rodução : Robert Greenhut
Fotografia: Carlo Di Palma
Edição: Susan E. Morse
D
ireção de Arte : Santo Loquasto
Figurinos: Suzy Benzinger
Elenco: Ed Herlihy, Josef Sommer, Robert Stanton, Edward Herrman, Rosemary Murphy,
Michael J. Fox, Woody Allen, Julie Kavner, Ed Van Nuys, Skip Rose, Leonid Usher.
2001
Sounds From a Town I Love
D
ireção : Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Marshall Brickman, Griffin Dunne, Michael Emerson, Hazelle Goodman, Bebe
Neuwirth, Tony Roberts, Celia Weston.
133
Anexo 2 – Roteiro de Interiores (1978)
134