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UFES – 2011

TEMA 08 – R EVOLUÇÃO F RANCESA : PERSPECTIVAS E


HISTORIOGRAFIA •Cita Lefebvre, pois este dá autonomia ao campesinato no
processo revolucionário. Para Soboul, interesse do campesinato
Marco Aurélio – História Contemporânea I coincide com interesse da burguesia.

•Acontecimento de ruptura histórica importante (1789-1914) •Soboul vai mencionar que a caracterização mais profunda da
•Não há consenso sobre sua data terminal. burguesia na Revolução exigiria um estudo detalhado dos
•Um problema historiográfico segmentos que participaram da revolução.
•Grande debate: significado da Revolução.
•Historiadores tem se deixado influenciar pelas problemáticas de seu •Sans-cullotes: para Soboul, eles não têm perfil sociológico
próprio tempo. definido, tem projeto confuso. Projeta no passado a visão do
•Até a década de 1970, historiografia muito influenciada pelo proletariado moderno.
marxismo e seu projeto de revolução.
•1970: Revisionismo – Furet – Pensando a Revolução Francesa. “A •Quando Soboul analisa a revolução como um PROCESSO, ele
Revolução acabou”. está introduzindo algumas questões:
•Muitos julgamentos motivados pelo que havia ocorrido na Revolução 1) Revolução como necessidade histórica.
de 1917. 2) Sua ocorrência está ligada a um projeto histórico.
•Início: símbolo – queda da Bastilha. 3) Vê o processo como Revolução burguesa porque liquidou com
•Visão sobre a Revolução: “caos” que articula vários movimentos que o feudalismo e criou bases para a dominação burguesa.
estão em sua base. Movimentos estimulados por uma crise econômica 4) Burguesia aparece mais como conceito que como classe.
e social também. E política.
•Conflito entre o monarca e a base social que o sustenta. Falta de Marco Aurélio: Na visão de Soboul, revolução francesa parece se
legitimidade dos governos para impor autoridade. reduzir a um “economicismo”. Resta saber como esta evolução
•Revolta da Nobreza: não vêem mais seus interesses representados. econômica conflita com organizações institucionais e como as
•Monarca demonstra incapacidade de solucionar problemas. Estados camadas sociais reagem a estes conflitos.
Gerais. Parte da nobreza está sob influência do liberalismo inglês,
querem parlamento. Crítica de Furet: Marx estaria usando a Revolução francesa em termos
•Revolução articulou duas dinâmicas: institucional e nas ruas. de comprovação de suas teorias sobre a revolução proletária (ideia de
revolução permanente).
•Revolução Permanente?
LEFEBVRE:
Termo usado no século XIX por Marx. Revolução iria se transformando •Dentro da Revolução há vários movimentos simultâneos:
até ser uma revolução proletária. Aos liberais que festejavam a nobreza, burguesia, campesinato.
revolução, era indispensável que ela tivesse acabado. •Se pergunta porque só a França conseguiu uma revolução com
tais características e com essa tamanha repercussão.
Debate historiográfico sobre a Revolução •Vê Revolução como RUPTURA. Tocqueville vê como
CONTINUIDADE.
1) SOBOUL (marxista – 1914-1982)

•Obra: “A revolução Francesa”, de 1970. FURET, François. Pensando a Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Paz e
•Revolução constitui o coroamento de uma longa evolução Terra, 1989.
econômica e social, a qual deu forças à burguesia.
Escrito em 1977.
•Segundo ele, Guizot (XIX) já tinha mostrado a originalidade da
Revolução Francesa em relação à Grã-Bretanha. “A REVOLUÇÃO F RANCESA T ERMINOU ”

•Cita também Tocqueville, que ao falar de uma Revolução que 1789 vista como “mito fundador”, ano zero de um novo mundo,
marcha através dos tempos, ultrapassando obstáculos. Para fundado na igualdade. Revela uma Identidade nacional – tem como
Guizot e Tocqueville, Revolução era um PROCESSO. A revolução função social manter o “relato das origens”. 1789 – um divisor de
não é obra do acaso, e sim de um processo. águas (Idade Moderna para Contemporânea).

•Diz que Tocqueville e Guizot não perceberam que a revolução Revolução tem data de início, mas não de fim. Uma elasticidade sem
se caracterizava pelo conflito entre forças de produção e das fim. Pode ser 1789 mesmo, 1794, 1799 ou até Napoleão.
forças políticas. Advento do capitalismo resulta de uma relação
insuportável entre forças de produção contraditórias. Visão: história linear da emancipação humana, cuja primeira etapa
seria a eclosão e difusão dos valores de 89, a segunda devendo
•Ambição burguesa apoiada pela realidade social e econômica, mas se cumprir a promessa de 89, através de uma nova revolução, desta vez
chocava com o espírito aristocrático das leis e instituição. Burguesia socialista. Mecanismo de disparo duplo.
revolucionária possuía uma consciência esclarecida de realidade econômica, o
que constitui a força que determinaria sua vontade. Tudo muda em 1917. Revolução Russa identifica sua filiação com
francesa.
•A aristocracia (dissidente) incitou a luta contra o absolutismo para
restabelecer a sua preponderância política e salvaguardar privilégios sociais. Há 200 anos o discurso sobre Revolução nunca deixou de ser um
Tentativa de reforma do antigo Regime. A nobreza e o clero relato sobre as origens, sobre identidade. Na terceira República, ela
perderam parte de seu privilégio fiscal, mas conservavam uma vira uma INSTITUIÇÃO NACIONAL.
referência social. As reformas não colocavam em debate a estrutura
aristocrática do antigo Regime. GEORGES LEFEBVRE:
Do ponto de vista social existe não uma, mas várias revoluções.
Revolução camponesa, autônoma, independente das outras,
anticapitalista, ou seja, voltada para o passado.
Na história agrária do Antigo Regime, o “espírito” capitalista penetrou Texto: HOBSBAWM, Eric. Ecos da Marselhesa: dois séculos revêem a
na aristocracia fundiária. Revolução não muda pressão exercida pelos Revolução Francesa. Trad. Maria Célia Paoli. São Paulo: Companhia das
camponeses. Letras, 1996.
Vê Revolução como ruptura, ADVENTO, mudança.
Ensaio: “tanto uma defesa quanto uma explicação da velha tradição”.
Conclusão: Ideias difíceis de conciliar com uma visão da Revolução
enquanto fenômeno social e histórico homogêneo, abrindo o futuro Objetivo: trabalhar não só com a história da própria revolução, mas
capitalista, ou burguês. Critica a visão de ruptura. com a história de sua recepção, interpretação e herança que deixou
nos séculos XIX e XX. Quer entender as grandes divergências,
Chama Lefebvre de “militante do Cartel das esquerdas” – o que extremadas, sobre o tema.
prejudica sua análise cheia de erudição.
UMA REVOLUÇÃO DE CLASSE MÉDIA
Continua sendo questão de “origem” a Revolução: Sentimento de Revolução:
- Antes: origem da liberdade. “Pode ou não ser correto demonstrar, através do arquivo e
- Agora: origem/advento da burguesia. da equação, que nada mudou muito entre 1780 e 1830, mas até
que entendamos que as pessoas acreditavam que viveram ou que
Histórias da Revolução Francesa são histórias de identidade. estavam vivendo em uma era de revolução – um processo de
transformação que já havia convulsionado o continente e
Proposta: romper com círculo vicioso da HISTORIOGRAFIA continuaria a convulsioná-lo -, nada entenderemos sobre a história
COMEMORATIVA. do mundo depois de 1789”.

Desafia o que ele chama de “historiografia de esquerda” de rever os A interpretação da revolução variou enormemente devido a questões
seus CONCEITOS. políticas e ideológicas. Pontos de concordância sobre a “paisagem”
que se vê:
Revolução Francesa foi “canonizada” por uma “racionalização
marxista. 1º ponto de concordância: sequência de eventos.
Mito do “corte revolucionário”. •Todos concordam que havia uma crise na velha monarquia, que
Essa racionalização não existe em Marx, que não analisa a Revolução. levou aos Estados Gerais (não convocada desde 1614).
Essa interpretação é “produto” de um “encontro confuso” entre •Transformação dos Estados Gerais na Assembléia Nacional.
bolchevismo e jacobinismo, que se alimenta da concepção linear de •Tomada da Bastilha, a prisão real.
progresso. Ideias não demonstráveis. •Desistência pela nobreza de seus direitos feudais.
•A Declaração dos direitos do homem
O Problema do conceito de Revolução: •Transformação da Assembléia Nacional em Assembléia
Qualquer conceitualização da história revolucionária começa pela Constituinte (entre 1789 e 1791 revolucionou
crítica da ideia de revolução. Não há mudança no todo de uma vez só. administrativamente o país).
Inexistência da mudança radical, dando origem a um novo tempo. •Organizou uma monarquia constitucional na França.
•Dupla radicalização da Revolução depois de 1791: guerra
Tocqueville revolucionária em 1792 contra potências estrangeiras +
•Livro: O Antigo Regime e a Revolução. insurreições internas que duraram até 1815.
• Faz uma história oposta a Michelet. •Revolução de 1792 que instaurou República.
• Aristocrático normando. •Reconhecimento do período do Terror entre 1792 a 1794.
•Fez crítica da ideologia revolucionária e daquilo que se constitui, na •Golpe 9 Termidor – queda Robespierre, moderados no poder.
sua opinião, a “ilusão da Revolução”. •18 Brumário em 1799 – ditadura militar mal disfarçada.
•Não vê na Revolução uma ruptura. Ela é o desabrochar do passado.
Ela conclui a obra da monarquia. 2º ponto de concordância: impacto profundo e sem paralelo da
•Ao longo da monarquia, houve penetração da ideologia Revolução.
“democrática” na antiga sociedade francesa. Ou seja, a Revolução,
naquilo que tem de constitutivo, foi amplamente cumprida pela Três aspectos da análise empreendida por Hobsbawm:
monarquia, antes de ter sido terminada por jacobinos e pelo império. 1) Revolução Francesa será tida como burguesa e, em certo
•Revolução não é senão a ACELERAÇÃO DA EVOLUÇÃO POLÍTICA E sentido, o protótipo das Revoluções Burguesas.
SOCIAL ANTERIOR. 2) Servirá como modelo para revoluções subseqüentes.
•Revolução é PROCESSO. 3) Considerará as transformações nas atitudes políticas refletidas
•A revolução descende em linha direta do Antigo Regime. nas comemorações da Revolução Francesa.
Historiadores comumente falam de “dentro da Revolução”, a partir das
ideias de seus heróis. Tocqueville fala de “fora”. Duvida. Revolução burguesa:
Revisionismo critica o conceito de que a Revolução foi essencialmente
A Revolução francesa é fatal? Inevitável? uma revolução social necessária, um passo inevitável no
Chocando-se com inércias da tradição e do Estado, classes sociais, as desenvolvimento histórico. Questionam também a transferência de
forças do progresso só têm, então, uma saída: a Revolução. poder de uma classe para outra.

Volta a Tocqueville: Hobsbawm afirma:


Por que esse processo de continuidade entre o Antigo Regime e o •Não havia uma classe burguesa autoconsciente em 1789 que
novo tomou as vias da Revolução? Tocqueville não responde, mas dá pudesse representar as novas realidades do poder econômico.
elementos: •Seu alvo não era fazer uma revolução, mas reformar as
•Substituição dos homens políticos pelos intelectuais da instituições do Estado.
França do XVIII. •Não visava a construção sistemática de uma economia
•Generalização para todas as classes de um estado de industrial capitalista.
espírito democrático. Mas o problema não acaba quando reconhecemos que não havia duas
classes antagônicas e distintas (nobres e burgueses), lutando pela
supremacia. Mas existiam grupos não-nobres combatendo grupos
identificados como nobres. E revolução prepara estruturas que Michelet – história jacobina da Revolução Francesa. Em 1889 o
preparam o desenvolvimento econômico do XIX. jacobinismo significava democracia. E a democracia é que preocupava
os analistas.
Revolução não se pretendeu burguesa, mas foi burguesa.
O 1º centenário: interpretações
Os próprios homens contemporâneos celebraram a Revolução como Há uma grande diferença entre o primeiro e o segundo centenários.
“epopéia das classes médias francesas”. Epopéia que para Guizot, Exceto pela democracia, ninguém, dos liberais até a esquerda, via a
Thierry e Marx começou muito antes da Revolução. revolução de outro modo a não ser como um notável acontecimento
histórico, cujas maiores realizações eram julgadas positivamente, no
Guizot todo.
•Primeiro ministro da França entre 1830 a 1848.
•Classe média já se formando nos burgos medievais e ganhando Hobsbawm tenta diferenciar os anti-jacobinos de 1889 e os de 1989.
independência. Ele afirma que até os anti-jacobinos de 1889 não negavam que a
Revolução havia feito algum bem para a França.
Hobsbawm: havia interesse na liberdade de comércio. Grande sucesso
da obra de Adam Smith na França. Liames entre progresso, política No primeiro centenário, o pior que se podia dizer da Revolução é que
econômica e indústria já estava na cabeça dos filósofos (ex. Victor a França, desde então, tornou-se politicamente instável. Havia
Cousin em 1828) – Ideias eram um prolongamento natural do também o medo do “voto universal sem inteligência”, medo do
pensamento iluminista. jacobinismo (ex. Taine). Não gerou resistências histéricas.

F. A. Mignet: em 1824 já fala em oposição de nobres versus “povo”, Segundo centenário: 1989
cujo “poder, riqueza, estabilidade e inteligência cresciam diariamente”.
“Obra da classe média” •Sabe-se mais sobre a Revolução Francesa.
Revolução vista como processo complexo, cujo clímax é a ascensão da •Historiadores do início do século XX: Mathiez (“um homem de
classe média, substituição da antiga sociedade pela nova. 1793”) Lefebvre (se dizia socialista, mas tinha outras influências mais
evidentes) Sagnac e Caron. Nenhum deles era marxista.
Alexis de Tocqueville: luta entre “Antigo Regime” versus “Nova
França”, liderada pela “classe média”. •Hobsbawm: os historiadores da Revolução Francesa eram
republicanos democráticos e apaixonados, na versão jacobina, e isso
Classe média era heterogênea, foi se formando ao longo dos anos. Era automaticamente os empurrou para uma posição mais a esquerda do
diversa em sua composição. espectro político. (Por volta dos anos de 1900 – 1920)
Guizot e outros liberais do início do XIX viam a revolução como
burguesa, ao mesmo tempo que a viam como uma sucessora da Cinco períodos da historiografia:
Revolução inglesa. Esse mesmos liberais também falavam na Tirando o último (atual/1989), todos são apaixonadamente
revolução como necessária, incluindo seus excessos, para destruir o republicanos e jacobinos. Os anti-revolucionários não tinham
antigo. reconhecimento acadêmico.

É inegável que geração imediatamente pós-revolucionária de 1) Versão Clássica, política e Institucional:


franceses liberais visse a Revolução como burguesa. É também •Entre 1880 até a Primeira Guerra.
igualmente claro que a análise da luta de classes teria surpreendido os •Aulard
participantes da revolução. Por quê?Porque foi a própria revolução
que criou a consciência dos estratos situados entre aristocracia e 2) Depois da Primeira Guerra:
povo. •Moveu-se para a esquerda, nitidamente socialista.
•Autor: Mathiez. Histoire socialiste de la Révolution Française.
Os liberais da Restauração, embora amedrontados por muito do que •Sua versão tornou-se uma das mais influentes. Assumida nos
aconteceu em seu país, não rejeitaram a Revolução Francesa nem EUA.
foram seus apologistas. Eles se recusaram a abandonar mesmo aquela •Em importância, sucedeu Aulard e foi sucedido por Lefebvre
parte da Revolução que era indefensável em termos liberais (Terror). (1874-1959)
Guizot a chamou de “batalha terrível”, mas legítima, do direito contra Lefebvre e o domínio nos anos 1930.
o privilégio. •trabalho sobre o campesinato francês.
•The great fear of 1789 (1932) – ponto de partida para a
ALÉM DA BURGUESIA “história vinda de baixo”.
“Tanto o liberalismo quanto a revolução social, tanto a burguesia •Também escreveu: The coming of the French Revolution (1939
quanto, potencialmente, o proletariado, tanto a democracia (em – sob o título Quatre-vingt-neuf). Este livro é exatamente aquilo
qualquer das suas versões) quando a ditadura encontram seus que a historiografia moderna está atacando, mas não sem
ancestrais na extraordinária década que começou com a convocação respeitá-lo.
dos Estados-Gerais, a tomada da Bastilha e a Declaração dos direitos •Período pós-guerra até os anos 1960: foi dominado por
do homem e do Cidadão.” Lefebvre, que morre em 1959.
•Seu sucessor: Albert Soboul (1914-1982) – tradição
Ou seja, todos tiveram a “sua Revolução Francesa”, e o que foi nela republicana. Sua vaga foi ocupada por Michel Vovelle (1933 -),
celebrado, condenado ou rejeitado dependeu não da política ou da ex-comunista, cujos estudos estão no campo da história cultural
ideologia de 1789, mas do tempo e do lugar dos próprios (“mentalidades”)
comentaristas.
Conclusão Central:
DE UM CENTENÁRIO A OUTRO “A ideia da Revolução Francesa como uma vitória burguesa na
No primeiro centenário, 1889, todos as maiores grandes potências luta de classes, que Marx assumiu, veio dos liberais burgueses da
(Rússia, Itália, Áustria-Hungria, Alemanha, Grã-Bretanha) recusaram- Restauração. O marxismo recebeu bem a ideia da Revolução Francesa
se incisivamente a comparecer às celebrações do aniversário do como uma revolução do povo e tentou olhá-la a partir da perspectiva
encontro dos Estados-Gerais (data escolhida para marcar início da popular, mas isso foi menos especificamente marxista ainda:pertencia
Revolução). EUA comemorou. a Michelet”. Culto a Robespierre não era originalmente marxista.
“Contudo, por que deveria a Revolução Francesa tornar-se o bode
Ou seja: expiratório de nossa inabilidade para entender o presente?”
“Os marxistas tiraram bem mais da historiografia republicana da
Revolução Francesa, tal como ela se desenvolveu no século XX, do que Reafirma a importância óbvia e indiscutível da Revolução Francesa e
contribuíram para ela. No entanto, não há dúvidas de que fizeram seu impacto sobre o mundo
dessa historiografia a sua própria e, portanto, asseguraram que um
ataque ao marxismo deveria ser também um ataque àquela Texto: FALCON, Francisco José Calazans. A historiografia da Revolução
historiografia”. Francesa – perspectiva de uma polêmica sem fim. Análise e
Conjuntura, Belo Horizonte, vol. 4 – nos. 2 e 3 – Maio/Dezembro de
A REVISÃO QUE SUBSISTE 1989.

A partir dos anos 1970, revisão maciça desta “visão canônica” sobre a J. Bouvier: “A escrita da história é filha de seu tempo, não há
Revolução francesa. historiadores inocentes”.

1989: Georges Rudé publica The French Revolution, baseado na “velha 1) Século XIX e início do XX: Aulard, Lord Acton, Paul Caron. Tendência
visão” e foi bombardeado pelo revisionismo. liberal e republicana.

Forte extremismo indica mais que questões acadêmicas.Tentativa de Período entreguerras (sobretudo década de 1930): Georges Lefebvre,
mostrar que a Revolução francesa não foi importante. Sagnac, Louis Villat.

Início do Revisionismo 3) Após Segunda Guerra: surgem avaliações historiográficas –


1955: Ataque de Alfred Cobban (1901-1968) ao conceito da Revolução Georges Lefebvre, Alfred Cobban, S. Mellon, Alice Gérard.
Francesa como uma revolução burguesa.
Segundo MacManners, há três tendências históricas:
Argumento comum: Na hipótese marxista, deveria, por direito, •Direitistas: apoio a Luís XVI, emigrados, Napoleão.
ter impulsionado o capitalismo na França, quando é evidente •Republicana: Terror visto como desgraça ou como necessidade.
que a economia francesa não esteve particularmente bem nem •Socialista: oscilam entre Robespierre e Hébert, simpatia e ódio à
durante nem após a época revolucionária. Algo já considerado burguesia.
inclusive por marxistas, problema não era novo e parecia não
invalidar teses. Algo óbvio. Tendências oriundas não só do debate acadêmico, mas de visões de
mundo, política, diferentes.
Ataque revisionista era contra o marxismo e não contra a Revolução
Francesa. Um “ajuste de contas” na Rive Gauche de Paris, ajuste de Michelet: “História da Revolução”.
contas com o passado, com o marxismo. •”Povo” é seu intérprete maior. Herói, noção sentimental, sempre
em busca da liberdade coletiva. Bondade inata do homem. “Povo” é a
Historiografia acadêmica da Revolução Francesa era a carne e os ossos expressão do nacionalismo, presente no terceiro Estado.
da Terceira República (1870 – 1940) cuja permanência política foi •Origem da revolução: miséria do povo
assegurada por uma associação entre os descendentes do liberalismo
de 1789 e do jacobinismo de 1793 contra os inimigos da Revolução e Fase entre o fracasso das ilusões de 1848 e a consolidação da
da República. [...] Seus grandes historiadores foram homens do povo, República (1880). Dilemas entre liberdade e igualdade (democracia –
que atingiram postos acadêmicos por passagens estreitas. Essa França associada agora ao despotismo plebiscitário imperial de Luís
já não existia mais. Napoleão.

Antigos historiadores (não ricos) X Historiadores e intelectuais da Alexis de Tocqueville: historiografia liberal.
mídia, França tecnológica, urbana. Sob essas circunstâncias, Revolução
fica cada vez mais longínqua. Paris hoje “habitat enobrecido da classe •Obra: O Antigo Regime e a Revolução (1856) – estudo da França
média”, aqueles antes chamados de “povo” estão nos subúrbios do Antigo Regime, no limiar da Revolução de 1789. Tema: a
periféricos e cidades-satélites.Prefeito de Paris em 1989 era um ex- liberdade.
primeiro ministro ultraconservador, líder da direita. • No Antigo regime, aristocracia tinha cavado um fosso entre ela e
a nação por causa dos privilégios.
Se a França mudou tão radicalmente, por que não mudaria a história
de sua revolução? •Origem da Revolução: transformações havidas durante o século
XVIII, uma “revolução da prosperidade” de crescentes e
O Revisionismo: importantes segmentos sociais criou uma força muito poderosa.

•jovens historiadores coagidos a inovar, ser original, produzir •Longo caminho de transformações – desde o passado – vinha
algo novo na forma de uma “interpretação”, de uma “revisão”. conduzindo a França para a igualdade. (O que foi lido por alguns
como a Revolução tendo sido inútil)
•O liberalismo anti-comunista é também fator de importância.
Dupla interpretação: direita – elogio à monarquia e instituições
•Recuo internacional do marxismo. Versão monolítica e tradicionais. A esquerda, socialistas – falou em luta de classes
monocêntrica do marxismo, corporificada na ideologia dos como essencial no processo histórico.
partidos comunistas alinhados com Moscou.
Hipólito Taine: Origens da França contemporânea (década de 1870)
Ou seja: •Postura cética e cientificista.
“O revisionismo na história da Revolução Francesa é, simplesmente, •Revolução revelaria o “âmago” da alma francesa.
um aspecto de um revisionismo muito maior sobre o processo de •Liberal e materialista. Sua obra: maior ataque à Revolução,
desenvolvimento ocidental - e mais tarde global – na era do França era uma nação doente, origem desse mal: filósofos do
capitalismo e em seu interior”. Mundo passa por transformações XVIII.
radicais após fim da Segunda Guerra. •Adepto da “psicologia social” quer encontrar o “mal” ou “males”:
luta de classes, minoria transviados (jacobinos), imbuídos do
“espírito revolucionário” (Contrato Social – Rousseau) – “Multidão Georges Lefebvre:
epilética” – convulsões chamadas Revolução, “ascensão da escória •Estuda o campesinato francês. Revela diferentes atitudes
social”. camponesas frente à revolução
•Violências da Revolução revelariam que a natureza humana é má. •1939: O grande medo de 1789 – obra precursora da história das
Somente a ciência pode contrapor-se à razão corrosiva dos mentalidades coletivas.
filósofos iluministas. •No centro de sua problemática estão as classes sociais, a partir
•Monarquia quem cavou a própria sepultura e o “esgoto” fez delas é que se definem estruturas sociais, cujo substratos são as
valer a sua vontade. estruturas econômicas.

A fase dos anos 1880 até 1945: triunfo da Terceira República – Balanço da historiografia até aqui (até 1945):
representa a continuidade da Revolução de 1789, mística •Lefebvre: necessidade de levar em conta a existência não de
revolucionária está no poder. Revolução institucionalizava-se. uma, mas de várias revoluções em 1789.
ocidental.
Alphonse Aulard:
•Cátedra da “História da Revolução” na Sorbonne.
•Para ele, Revolução era sinônimo da Declaração dos Direitos do
Homem.
•Revolução era uma nova religião, laica e humanitária. Herói:
Danton.
•”Povo” cede lugar a “grupos organizados”: municipalidades
patrióticas, Guarda Nacional, Exércitos da Revolução.
•Destaca papel das circunstâncias no processo revolucionário.
•Era um republicano moderado

A Belle Époque foi o período em que chegaram ao auge os esforços


republicanos destinados a promover a eliminação da historiografia da
imagem radical da revolução. Construir imagem idealizada da Grande
Revolução reverenciada pela burguesia triunfante.

Jean Jaurès: História Socialista da Revolução Francesa (1901/1905)


•Ressalta importância da ascensão da burguesia ao poder político.
Chama de “classes médias”.
•Lamenta revolução não ter sido pacífica.
•Objeto: história econômica e social da Revolução.

Albert Mathiez:
•Não era marxista como Jaurès também não o era.
•ênfase: papel das ideias e de determinados indivíduos no
processo histórico.
•Resgata Robespierre e condena Danton. Rompeu com Aulard
(seu mestre)
•Revolução deve ser entendida em termos de classes e forças
econômicas, sem abandonar as ideias.
•Acusa burguesia de ludibriar o povo.
•Cidadão de esquerda, decepcionado com a república.

A historiografia conservadora ou de “direita”: referência em comum –


visão de Tocqueville sobre Antigo Regime. Para ela, Revolução fora
obra de minorias, além das intrigas políticas dos orleanistas e
estrangeiras e da multidão de carreiristas levados apenas pelo
interesse. Revolução manobra de grupos.

Auguste Cochin:
•1909: publica “A crise da história revolucionária, Taine e o Sr.
Aulard”.
•”tese das circunstâncias” versus “tese da conspiração”. Para ele,
nenhuma dessas duas teses explica a revolução, que para ele é o
protótipo do poder coletivista, da tirania impessoal das sociedades
de pensamento que manipularam e enganaram o povo.

Após 1914: duas experiências novas – a Guerra (trouxe volta ao


patriotismo da Revolução) e a Revolução Russa (busca relações com
Revolução Francesa – filiação parece evidente para todos – chegando
a resultados diferentes.

A década de 1930: nova fase historiográfica. 1929 surgem os Annales


d’histoire economique et sociale, sob a direção de Marc Bloch e Lucien
Febvre contra « escola metódica » . Annales eram hostis à história
política, privilegiando história econômica e social. Retomam tradição
de Jaurès.

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