Aprofundar conhecimentos através da procura de uma
acção de formação no Alentejo é uma aventura. Existem poucas, são mal divulgadas e por regra não têm muitas vagas para a inevitável procura. Quando se tenta então procurar sobre uma temática mais especifica mais complicado se torna. A Universidade de Évora tem um bom corpo docente e 500 anos de história, mas não são desenvolvidas muitas acções específicas. O Instituto Politécnico de Beja segue a mesma linha. De realçar que existe a possibilidade de ser eu quem não está devidamente informado.
Quando se chega a uma encruzilhada de dúvida em que
é primordial chegar a uma conclusão, só resta um caminho - alargar fronteiras. A oferta formativa em Lisboa é sobejamente maior e agradavelmente mais específica.
Assim, através de uma colega que vai realizar uma acção
na Escola Superior de Educação Almeida Garrett, em Setembro próximo (na terceira ou quarta turma que vai abrir numa acção de formação sobre a CIF) tomei conhecimento desta acção sobre a dislexia: diagnóstico e intervenção pedagógica, uma temática sobre a qual incidia o meu interesse.
No início do ano lectivo 2009/2010 fui colocado em
oferta de escola na EB 2,3 D. João de Portel, em Portel, no departamento de ensino especial, para mais uma licença de maternidade. Dos vários alunos abrangidos pelo Dec-Lei 3/2008 de 7 de Janeiro que me foram atribuídos, a aluna com dislexia foi a menos consensual, uma vez que não era claro o seu diagnóstico. Fui impelido a aprofundar mais conhecimentos sobre o assunto por ser essa a minha forma de estar. Em concordância com os membros da equipa de reavaliação da aluna foi desenvolvida nova tentativa de esclarecimento. A directora de turma alegou desconhecimento da perturbação e deixou a meu critério a avaliação. A psicóloga educacional, que já no ano anterior discordara do diagnóstico, apoiou completamente a minha intenção, não tendo também ela indicadores concretos. Fundamentada com a desconfiança da mãe e dos professores que trabalham com a aluna foram pedidos testes auditivos, que a aluna realizou contrariada, e que nada vieram acrescentar por apresentarem resultados normais para a idade.
Depois de muita pesquisa, umas horas de acção de
formação sobre o método específico da Dr. Paula Teles, umas horas de acção de formação com o Dr. Nuno Lobo Antunes, uma oficina de formação inserida no projecto COMENIUS, organizada pelo DAFFODIL, sobre Avaliação Dinâmica e Funcional orientada para o Desenvolvimento e Aprendizagem Inclusiva: Estratégias de Mediatização no Processo de ensino- aprendizagem da Leitura, ainda muitas dúvidas restavam. A licença de maternidade chegou ao fim... Os tempos de amamentação revelaram-se insuficientes. Mas, em conjunto com outros tempos foi possível dar continuidade até ao final do ano lectivo ao trabalho que vinha a desenvolver com os alunos. Na entrada para a acção de formação na Escola Superior de Educação Almeida Garrett as expectativas eram altas, depois de tantas tentativas feitas que acrescentaram, apenas, um pouco mais, sem chegar a uma conclusão.
Na acção de formação ministrada pela mestre Teresa Gil,
a abordagem à temática foi muito coerente, uma vez que depois da apresentação dos pressupostos teóricos existiu sempre um momento para a sua aplicação numa situação prática, o que a meu ver e para mim torna as aprendizagens mais significativas.
No início já tinha algumas noções sobre a dislexia que
foram enriquecidas com a partilha nas primeiras sessões.
No decorrer das sessões os indicadores apontavam para
uma direcção para a qual a minha aluna disléxica não se dirigia - permaneciam as dúvidas.
Revi-me nas questões colocadas aos país. Apesar de
estar consciente que não fui tão exaustivo, nem tão assertivo no objectivo da entrevista, nem mesmo falei com o pai ou a irmã. Algumas das informações relevantes foram adquiridas, mas muitas ficaram por perguntar - antecedentes familiares; tipo de linguagem dos primeiros anos...
A relação com os professores da turma, também, não foi
fácil por estarem habituados a um tipo de apoio à aluna diferente, que reforçava conteúdos e camuflava os problemas reais da aluna. A turma em que a aluna está inserida apresenta problemas comportamentais com alguns professores o que inviabiliza as hipóteses de sucesso nas disciplinas fundamentais. Sabendo que as dificuldades da aluna se acentuam com ambientes perturbadores e, com situações que a possam colocar em pressão o panorama nem sempre foi positivo e, foi sempre o meu principio de trabalho reforçar a auto-estima e promover ambientes mais propícios e facilitadores.
Conquistar a confiança da aluna não foi tarefa fácil. O
princípio da intervenção foi condicionado pelo relatório da terapia da fala que dava alta à aluna depois de três sessões de intervenção, apontado apenas para dificuldade no traço de vozeamento entre o "f" e o "v", na componente escrita, nada declarado na componente leitura. Testes de despiste foram uma grave ofensa à aluna, que declarou estar "farta" de tanto teste. Com a auto-estima muito frágil, que varia do muito confiante ao péssimo de uma mensagem de telemóvel das "amigas" a outra mensagem de telemóvel; enveredei pelas causas nobres que tanto preenchem a aluna. Sempre trabalhando mais a escrita que a leitura (por intuição) escreveu e-mails para a AMI para saber mais sobre a instituição, realizou recolhas de fundos com autorizações à direcção e informação aos directores de turma. Enfim, uma panóplia de produção escrita que em ambiente calmo e tranquilo não deixava passar/transparecer o chorrilho de erros de omissões e troca de letras nas palavras patentes nos testes. A história de Leo Neoni, "O Nadadorzinho", da editora espanhola Kalatrava, serviu para ajudar a subir a auto-estima da aluna na recta final do ano em que para além da pressão dos testes, as hormonas começaram a manifestar-se e as colegas da turma desenrolaram um novelo de complicações.
Ganha a confiança, mas sem certezas o trabalho foi
fluindo.
A sessão sobre a disortografia começou a desvendar o
mistério, por apontar indicadores nas direcções em que a aluna seguia, mais problemas de escrita do que de leitura.
O final da acção de formação foi um trabalho de análise
e aplicação de uma sessão de trabalho num aluno real, que fiz questão ser este meu caso de dúvida. Mais uma leitura de todo o processo e, neste caso um ponto a meu favor, mais duas pessoas a ler o mesmo processo com o mesmo intuito. Resultou numa produtiva reflexão e discussão.
Antes da preparação da intervenção era necessário
concluir e definir: dislexia e/ou disortografia?
Não foi de ânimo leve que tomámos a decisão, nem
querendo por em causa os colegas que anteriormente analisaram e trabalharam com a aluna.
Os indicadores de perturbação específica da escrita
prevaleceram e a nossa sessão de intervenção foi direccionada para a manipulação autónoma das palavras, através da criação e utilização de um blog, www.advinhaoqueaiesta.blogspot.com, que apesar de não ter ocorrido sessão de intervenção, o blog foi dado à aluna para que possa ir dando mais alguns passos no bom caminho.
Creio que este esclarecimento foi muito mais útil para a
aluna do que para mim. Eu fico muito satisfeito por ter conseguido alcançar uma explicação para a problemática e por ter ferramentas que posso indicar para o trabalho que deve ser realizado com esta a aluna em particular. Ganhou a aluna e a família, por ter sido possível explicar com convicção que as dificuldades da aluna pertencem a uma perturbação específica e que devem ser trabalhadas a partir daí - da consciência da palavra global, da sua divisão e da imagem mental que a aluna deve ter.
O balanço é positivo pois através desta acção consegui
defender os interesses da aluna de forma mais veemente de fundamentada, perante os professores que com ela trabalham e perante a família que se esforça para a acompanhar.
Fico a lamentar o facto de que existirão, à semelhança
desta aluna, centenas de crianças com diagnósticos duvidosos e com professores que nada fazem para a resolução dos seus problemas, à espera que os alunos amadureçam, enquanto estes apodrecem. Tenho noção que sabia muito pouco sobre a temática e ler sobre o assunto não foi suficiente. Os conhecimentos gerais, não passam disso mesmo, gerais. Considero que dei um salto de gigante com esta aprendizagem acerca da dislexia, mas que será sempre um passinho de bebé, pois muito ainda existe para fazer.
"A leitura é para o intelecto, o que o exercício é para o corpo."