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11/12/2018 Mises Brasil - As consequências inesperadas da criação de um imposto sobre o consumo

Mises Brasil - As consequências


inesperadas da criação de um
imposto sobre o consumo

O senso comum nos assegura que um imposto sobre a renda é


"justo" porque tira dinheiro apenas dos ricos ao passo que impostos
sobre bens de consumo penalizam majoritariamente os consumidores
pobres, pois os empresários gananciosos repassam integralmente
tais impostos ao preço final destes bens. Será mesmo?

Seria realmente possível as empresas repassarem os impostos que


incidem sobre bens de consumo totalmente para os consumidores na
forma de um preço final mais elevado?

O fato de impostos sobre a renda acabarem prejudicando


diretamente também os mais pobres já foi devidamente abordado em
outros artigos (aqui e aqui), de modo que este irá se concentrar
exclusivamente na questão de impostos sobre bens de consumo.

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Para entendermos claramente o mecanismo de uma transmissão de


impostos para os consumidores, e verificarmos se tal transmissão
realmente é possível em termos econômicos, comecemos do início.

A transmissão não é simples

Imagine que o mercado esteja funcionando normalmente sem um


imposto sobre bens de consumo. Assim, todos os preços vigentes
são aqueles determinados pela interação entre a oferta de bens — o
estoque de bens disponíveis para serem vendidos — e a demanda
por esses bens.

E então vem o governo e impõe uma taxa de 20% sobre o valor de


todos os bens de consumo da economia. O que irá ocorrer?

Em primeiro lugar, todos os varejistas sofrerão um imediato aumento


de 20% em seus custos de vendas. Se a receita era de $100, eles
agora ficarão com apenas $80.

Eles podem aumentar integralmente os preços para compensar este


custo adicional? Difícil. Afinal, os preços, em todo e qualquer
momento, tendem a já estar estipulados em um valor que traga o
máximo possível de receita líquida para cada vendedor. Se os
vendedores pudessem simplesmente repassar integralmente o
aumento de 20% em seus custos para os consumidores, então por
que já não haviam feito isso antes? Por que tiveram de esperar que o
governo estipulasse um imposto sobre bens de consumo para que
então elevassem seus preços?

Assim, se os preços de fato forem aumentados em decorrência desta


elevação dos impostos, haverá necessariamente uma queda no
consumo. Afinal, as preferências dos consumidores não se alteraram
em decorrência desta elevação de impostos. A demanda dos
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consumidores não foi alterada só porque o governo criou um imposto.


Se o governo criar um imposto sobre as vendas, os consumidores
não irão alterar suas curvas de demanda de modo a repentinamente
aceitarem um preço maior para os bens de consumo.

Logo, se o aumento de custos for repassado aos preços, estes


preços mais altos, tudo o mais constante, reduzirão o consumo.

A conclusão básica é que qualquer aumento nos custos terá de ser


absorvido pela empresa; tal aumento não pode ser repassado
integralmente para os consumidores.

Por isso, se as empresas repassarem o imposto para o preço final de


seus produtos, elas simplesmente perderão receitas, pois menos
consumidores comprarão seus produtos (assumindo aqui que a
quantidade de dinheiro na economia não sofreu alterações
volumosas).

No final, os custos dos impostos serão absorvidos pelas empresas.


[Isso explica por que era ingenuidade imaginar que os preços cairiam
por causa da extinção da CPMF ou por causa da abolição da sacola
plástica nos supermercados].

O efeito inesperado da elevação de impostos sobre bens


específicos

O exemplo acima abordou a criação de um imposto uniforme sobre


todos os bens de consumo da economia. Analisemos agora o que
ocorreria caso este mesmo imposto incidisse apenas sobre bens
específicos.

Imagine que o governo impõe uma taxa de 20% sobre um


determinado bem — por exemplo, produtos cítricos. Tal imposto faria
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com que as empresas que vendem laranjas, limões, pomelos, sucos


de laranja e limão, picolés, saladas de frutas etc. inicialmente
tivessem de lidar com um aumento em seus custos de produção e,
consequentemente, uma redução em seus lucros.

Como consequência, as pequenas empresas que operam


marginalmente nesta indústria poderão sofrer prejuízos e falir, ao
passo que as empresas mais eficientes irão cortar custos e reduzir
sua produção, de modo a provocar uma redução na oferta de
produtos cítricos no mercado. Ao fazerem isso, a redução na oferta
levará a um aumento dos preços e a uma queda na demanda, mas
os lucros não serão afetados, pois houve também uma redução na
produção.

Portanto, a taxa de 20% não pôde simplesmente ser repassada para


os preços. Se as empresas fizessem isso e não alterassem seus
custos de produção, o aumento dos preços levaria uma queda na
demanda. E por não ter havido redução na produção, os lucros
cairiam.

Por isso, é exatamente o efeito destrutivo do imposto sobre os lucros


da empresa o que afeta a relação de oferta e demanda, levando a
uma redução da oferta e a um consequente aumento dos preços para
os consumidores.

Adicionalmente, dado que os consumidores podem, e irão, alterar


suas preferências, passando a consumir outros tipos de frutas e
sucos assim que os preços dos cítricos subirem, as empresas de
cítricos não poderão aumentar os preços de seus produtos em exatos
20%. Tudo vai depender da oferta de produtos da
concorrência. Dependendo dessa disponibilidade de substitutos e da
elasticidade das curvas de demanda dos consumidores, o aumento

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percentual no preço dos cítricos pode acabar sendo bem menor do


que 20%.

Até aqui, essa análise austríaca é bastante semelhante à análise


neoclássica padrão. O diferencial vem agora.

No longo prazo — e este é o ponto distintivamente austríaco —, o


fardo do imposto será jogado para os proprietários dos fatores de
produção voltados especificamente para o setor de frutas cítricas —
no caso, os cultivadores de frutas cítricas e donos de pomares.

O valor de seu capital — sua terra e sua mão-de-obra — cairá


acentuadamente como consequência da queda na demanda por
produtos cítricos. Os trabalhadores destes setores terão seus salários
reduzidos. Caso não aceitem tal redução, serão demitidos e terão de
procurar empregos em outras áreas. Esta maior oferta de mão-de-
obra irá deprimir os salários destas outras áreas da economia.

E é assim que os consumidores serão prejudicados por este imposto


indireto: como os cultivadores menos eficientes terão parado de
produzir simplesmente porque não eram capazes de cobrir seus
custos salariais, passa a haver uma maior escassez de produtos
cítricos no mercado. E isso leva a um aumento nos preços para os
consumidores.

É desta forma, portanto, que impostos indiretos levam a aumentos


nos preços. Eles não são simplesmente repassados; há toda uma
distorção na cadeia de produção que leva a este aumento de
preços. Quanto maior o imposto, maior será este efeito.

Um famoso exemplo prático dessa teoria — e se tornou famoso


justamente porque foi amplamente visível — ocorreu nos EUA no
início da década de 1990, com a indústria de iates. Para combater
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uma queda nas receitas decorrente da recessão da época, o governo


aprovou um imposto de 50% sobre 'artigos de luxo', como aviões
particulares, automóveis e barcos que custassem mais de
US$100.000. Mas a demanda por estes itens de luxo era tão elástica
que as compras de iate despencaram de 400 unidades em 1990 (ano
anterior à criação do imposto) para 10 unidades em 1992.

Quase todos os construtores de iates foram à falência e vários


trabalhadores desta indústria — uma mão-de-obra muito
especializada — foram demitidos e tiveram de aceitar salários muito
menores como pescadores de caranguejos, pilotos de barcos de
turismo etc. Os consumidores tiveram de lidar com altos preços até o
imposto ser finalmente abolido em 1993.

O governo quis aumentar suas receitas mas acabou apenas gerando


desemprego.

Conclusão

Como bem explicou Frédéric Bastiat, na economia há aquilo que se


vê e o que não se vê. Um economista tem de ser igualmente versado
nas duas artes. Nenhum imposto é neutro ao mercado; todo e
qualquer imposto gera consequências inesperadas e não-
premeditadas.

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