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DIREITO PENAL

PROF. SAMER AGI


Noções gerais de direito penal.
Evolução histórica. Fontes. Interpretação da lei penal.
Teoria geral da norma penal.
• Noções gerais de direito penal
I. Conceito de Direito Penal
Rogério Sanches: o direito penal possui três aspectos:
Aspecto formal (estático): direito penal é um conjunto de
normas que qualificam certos comportamentos humanos como
infrações penais. São normas que definem os agentes e fixam as
sanções.
Aspecto material: direito penal se refere a comportamentos
considerados danosos ao organismo social, que violam bens
jurídicos indispensáveis ao organismo social.

Aspecto sociológico (ou dinâmico): direito penal é


instrumento de controle social.
II. Princípio da intervenção mínima
Se outro mecanismo de controle social se revelar suficiente par
a tutela de um bem, não cabe criminalizar este comportamento.
O Direito Penal é a ultima ratio.
III. Criminologia e política criminal
Ciência penal: estuda a delinquência como fato natural da
sociedade. Na ciência penal, estudamos criminologia e política
criminal.
• Criminologia: ciência empírica, que estuda o crime, a vítima,
o criminoso e o controle social. As constatações se dão a
partir da observação daquilo que acontece na realidade social,
na experiência.
• Política criminal: possui uma finalidade (estratégias e
mecanismos de controle social da criminalidade). Trabalha com
a finalidade da lei. Orienta a forma do legislador atuar e
positivar certas matérias.
IV. Função do direito penal

Funcionalismo penal  movimento que busca definiar a real


função do direito penal. Duas correntes se destacam:

• Funcionalismo teleológico (moderado);


• Funcionalismo sistêmico (radical).
Funcionalismo teleológico (moderado):
Claus Roxin.
Finalidade do direito penal: assegurar bens jurídicos

Funcionalismo sistêmico (radical):


Günther Jakobs.
Função do direito penal: assegurar a vigência do sistema,
Para Günther Jakobs, o indivíduo que reiteradamente e
deliberadamente se comporta como um violador contumaz da
lei penal, não deve ser tratado como um cidadão, devendo, sim,
ser visto como um inimigo da sociedade, devendo ser
tratado como um inimigo.

Direito Penal do Inimigo: o direito penal deve tratar de maneira


diferenciada aquele que se mostra infiel ao sistema.
V. Classificações do direito penal
a) Direito penal substantivo e direito penal adjetivo

a) Direito penal objetivo e direito penal subjetivo

Direito penal objetivo: é o conjunto de leis penais em vigor


no país;

Direito penal subjetivo: é o direito de punir do Estado (ius


puniendi).
c) D. penal de emergência e direito penal simbólico
• Direito penal de emergência: é o criado a partir de uma
situação atípica. O legislador cria normas de repressão, pois a
opinião pública naquele momento exige isso. O direito penal
de emergência é um campo fértil para nascer um direito penal
meramente simbólico.
• Direito penal simbólico: é o direito penal que vai ao
encontro aos anseios populares, pois o legislador atua
pensando na opinião pública para devolver à sociedade uma
ilusória sensação de tranquilidade.
d) Direito penal promocional

É um direito penal político, que visa a promoção do próprio


Estado. É um direito penal demagogo, que cria a ideia de que
o direito penal pode promover a alteração da sociedade.

Exemplo: até 2009, a mendicância era uma contravenção penal.


e) Direito penal de intervenção
Windfried Hassemer trata sobre o direito de intervenção.

O direito penal não deve ser alargado, devendo se preocupar


apenas com os bens jurídicos individuais, tais como a vida,
patrimônio, propriedade, etc., bem como de infrações penais que
causem perigo concreto.
E se o tipo penal visa proteger bem jurídico difuso,
coletivo ou de natureza abstrata, ele não deveria ser
considerado infração penal, mas o bem deveria ser tutelado
pela administração pública, sem risco de privação da
liberdade do infrator. Este seria o direito de intervenção.
O direito de intervenção (ou interventivo) estaria acima do
direito administrativo, do ponto de vista de resposta estatal, mas
abaixo do direito penal.

Crítica: não se sabe como atuaria o direito de intervenção.


f) Direito penal como proteção de contextos da vida em
sociedade
• Ideia oposta à de Hassemer.
• Günter Stratenwerth: a proteção de bens estritamente
individuais deve ter um foco secundário no direito
penal. O direito penal deve focar nos interesses
difusos e da coletividade, que são os mais importantes
para a sociedade.
• O que há aqui é a substituição do bem jurídico pela tutela
direta de relações ou contextos de vida. (direito de gestão
punitiva dos riscos gerais)
g) Direito penal garantista
Expoente: Luigi Ferrajoli.
CF traz garantias fundamentais, dividas em 2 categorias:
• Garantias primárias: limites impostos aos exercícios de
qualquer poder.
• Garantias secundárias: se o limite estabelecido pela g.
primária não for observado  garantia secundária.
Exemplo: garantia primária: não haverá penas de caráter
perpétuo. Se essa garantia não é observada pelo legislador, que
cria crime e com pena de caráter perpétuo, temos garantia
secundária: controle de constitucionalidade.
Ferrajoli  Teoria garantista penal:
Os 10 axiomas ou implicações deônticas:
• Nulla poena sine crimine
• Nullum crimen sine lege
• Nulla lex (poenalis) sine necessitate
• Nulla necessitas sine injuria
• Nulla injuria sine actione
• Nulla actio sine culpa
• Nulla culpa sine judicio
• Nulla judicium sine accusatione
• Nulla accusatio sine probatione
• Nulla probatio sine defensione
h) Direito penal secularizado

Luigi Ferrajoli: é a ideia de que inexiste uma conexão entre o


direito e a moral.

O direito penal não tem a missão de reproduzir os elementos


da moral ou de outro sistema metajurídico de valores éticos-
políticos, como os dogmas religiosos.

É a ruptura entre a cultura eclesiástica e as doutrinas


filosóficas, especialmente entre a moral do clero e a
forma de produção da ciência.
i) D. penal subterrâneo e D. penal paralelo
Zaffaroni: refere-se aos sistemas penais paralelos e subterrâneos.
• Direito penal paralelo: o sistema penal formal do Estado
não exerce grande parte do poder punitivo, de forma que
outras agências acabam se apropriando desse espaço e passam
a exercer o poder punitivo paralelamente ao Estado. Ex.:
médicos aprisionando doentes mentais.
• Direito penal subterrâneo: ocorre quando as instituições
oficiais atuam com poder punitivo ilegal, acarretando abuso de
poder. Ex.: desaparecimentos de indivíduos pela polícia.
j) Direito penal quântico
Consiste no direito penal que não se contenta com a mera
relação de causalidade (relação física de causa e efeito), mas
também com elementos indeterminados, como o chamado nexo
normativo e a chamada tipicidade material.

O Direito Penal Quântico caracteriza-se pela existência de uma


imprecisão no direito que se afasta da dogmática penal e se
aproxima da política criminal.
VI. Privatização do direito penal

É uma expressão que destaca a crescente participação da


vítima, ou da importância dada à vítima, no âmbito criminal.

Ex.: composição civil dos danos no JEC e indenização mínima na


sentença penal condenatória (Lei 11.719/08).
Por conta disso, temos a teoria da justiça restaurativa.

A justiça restaurativa cria a chamada terceira via da função


da pena: reparação do dano causado.
VII.Velocidades do direito penal
Jesús-María Silva Sánchez cria as chamadas velocidades do
direito penal:
• Direito penal de 1ª velocidade: enfatiza infrações penais
mais graves, que podem ser punidas com penas privativas de
liberdade. Mas é preciso que se observem todas as garantias
do indivíduo que está sendo acusado.
• Direito penal de 2ª velocidade: flexibilização de direitos e
garantias fundamentais. Destina-se a infrações penais menos
graves, às quais se aplicam penas não privativas de liberdade,
penas alternativas.
• Direito penal de 3ª velocidade: flexibilização de direitos e
garantais fundamentais, porém há infrações penais mais graves,
podendo cominar pena privativa de liberdade. É aqui que se
encontra o Direito Penal do Inimigo.
VIII. Espiritualização, dinamização ou desmaterialização
do bem jurídico

A espiritualização do bem jurídico foi uma expressão criada pela


doutrina para criticar a tipificação de condutas que visam tutelar
bens jurídicos de interesse transindividual, com o fim de
combater condutas difusas e perigosas, que se não evitadas
acabariam resultando em danos às pessoas.
Exemplo: crimes ambientais. A proteção do meio ambiente traz
benefícios às pessoas em geral.

Parcela da doutrina critica a inadequada expansão da tutela


penal na proteção de bens jurídicos de caráter difuso ou
coletivo. Argumenta-se que tais bens são formulados de modo
vago e impreciso, ensejando a denominada desmaterialização,
espiritualização, ou liquefação do bem jurídico.
IX. Garantismo hiperbólico monocular
Garantismo é a visão do direito constitucional aplicada no
direito penal e direito processual penal. Expressão cunhada por
Luigi Ferrajoli.

Para muitos, o garantismo serviria apenas para beneficiar


o réu, forma de proteção de seus direitos fundamentais
e individuais.
Hiperbólico: é aplicado de uma forma ampliada,
desproporcional.

Monocular: só enxerga os direitos fundamentais do réu.

O garantismo hiperbólico monocular contrapõe-se ao garantismo


penal integral, que visa resguardar os direitos fundamentais não só
dos réus, mas também das vítimas.
X. Ecocídio
Tribunal Penal Internacional decidiu, no final de 2016, reconhecer
o ecocídio como crime contra a humanidade.

Ecocídio: destruição em larga escala do meio ambiente.

Em caso de ecocídio comprovado, as vítimas poderão


entrar com recurso internacional para obrigar os
autores do crime, sejam empresas ou chefes de Estado
e autoridades, a pagar por danos morais ou econômicos.
• A responsabilidade direta e as penas de prisão podem ser
emitidas, no caso de países signatários do TPI.

• A sentença que caracteriza o ecocídio deve ser votada por,


no mínimo, um terço dos seus membros.

• O Brasil é signatário do Tratado de Roma, que aceita a


jurisdição do TPI.
Evolução histórica
I. Período da Vingança
• Fase da vingança divina: ideia de punição perpetrada por
entidades divinas. Quando o indivíduo cometesse infração, ele
era penalizado pela tribo para que a divindade não punisse
todos os membros daquela comunidade.
• Fase da vingança privada: um sujeito defende seu direito
em face do outro. “Homo homini lúpus”.
• Fase da vingança pública: o direito de punir passa a ser do
Estado.
II. Período iluminista
A partir do século XVIII.
Busca-se a racionalidade e o desenvolvimento humano.

A partir disso, surgiu a obra de Cesare Beccaria (Marquês de


Beccaria), conhecida como “Dos Delitos e das Penas”.
Conclusão de Beccaria:

“Para que cada pena não seja uma violência, de um ou


de muitos, contra um cidadão, esta pena deve ser
essencialmente pública, rápida, necessária e a mínima
possível nas circunstâncias dadas, observada a
proporcionalidade aos delitos, e ditadas tais penas pelas
leis”.
III. Período das Escolas Penais
Após o período iluminista, surgem as escolas penais.

Dois destaques:

• Escola clássica
• Escola positiva
Escola Clássica – expoente: Francesco Carrara, dizia:
• crime é um ente jurídico: consiste na violação de um
direito (razão por que atinge a esfera jurídica).
• Delinquente: ser livre, que pratica um delito por vontade
própria, alheia à moral.
• função da pena: prevenir a prática de novos crimes e a
necessidade ética.

A Escola Clássica tem como base os ensinamentos de Beccaria.


Escola Positiva – expoente: Cesare Lombroso.
• Crime: decorre de fatores naturais e sociais;
• Delinquente: não é dotado de livre arbítrio, pois, do ponto
de vista biológico ou psíquico, seria portador de uma
anormalidade. Criminoso nato;
• finalidade da pena: prevenir crimes, mas deverá ser
indeterminada, fixada a partir do caso concreto, tendo em vista
que estamos diante de um criminoso nato. A pena deve ter um
caráter para tratar o criminoso.

Escola positiva possui uma caráter determinista.


IV. Direito penal brasileiro

• Brasil colônia: vigoravam as Ordenações Afonsinas, mesmas


normas que vigiam em Portugal. Normas com caráter
religioso.
• Em 1514, estas Ordenações Afonsinas foram revogadas pelas
Ordenações Manuelinas, as quais, posteriormente, foram
substituídas por uma compilação feita por Nunes Leão,
criando o Código Sebastiânico.
• Esta compilação, mais tarde, dá lugar às Ordenações
Filipinas. Continuam as ideias de direito confundido com
religião e moral, direito penal não secularizado.
Brasil independente em 1822.

• Constituição de 1824, vindo, após, o Código Criminal do


Império.

• Tratava-se de um código penal humanitário, trazendo,


inclusive, o princípio da individualização da pena. A pena de
morte fica limitada aos crimes cometidos por
escravos.
• Em 1890, posteriormente a Constituição da República,
sanciona-se o Código Criminal da República.

• A Constituição de 1891 vedou a pena de morte e a


pena de prisão de caráter perpétuo.

• O Código Republicano permitia as penas de prisão,


banimento e suspensão de direitos, mas o banimento
seria de natureza temporária, já que vedado o caráter
perpétuo.
• Em 1932, vem uma Consolidação das Leis Penais,
realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe, recebendo o
nome de Consolidação de Piragibe.

• Em 1942, entra em vigor o Código Penal atual, sendo


sua parte geral reformulada pela Lei 7.209.
Fontes do direito penal
Podem ser divididas em fonte material e fonte formal

I. Doutrina clássica
• Fonte material: é o órgão criador do direito penal. No
Brasil, a União tem competência privativa. Estados
podem legislar sobre d. penal, em casos específicos, desde que
haja uma autorização dada por LC.
• Fonte formal: instrumentos pelos quais se exterioriza o
direito penal. Fonte formal imediata: a lei. Fonte formal
mediata: princípios gerais do direito e os costumes.
II. Doutrina moderna

• Fontes formais imediatas: lei, CF, tratados e convenções


internacionais de direitos humanos, jurisprudência, princípios e
a norma penal em branco.
• Fonte formal mediata: é apenas a doutrina.
• Fonte informal: costumes.
III. Costume
Costume: comportamento uniforme e constante (elemento
objetivo) qualificado pela convicção de obrigatoriedade
(elemento subjetivo).

• Costumes não criam infrações penais (p. reserva legal).


• Costumes não extinguem nem revogam infrações
penais. Esta é a corrente prevalente, mas há mais duas
correntes:
• 1ªC: corrente abolicionista entende que costumes revogam
infrações penais, material e formalmente.
• 2ªC: um fato que deixa de ser considerado como infração
penal para a sociedade não revoga formalmente, mas
materialmente a norma, não devendo a lei ser aplicada pelo
magistrado.
• 3ªC: entende que somente lei revoga lei. LINDB: “Não se
destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até que outra
a modifique ou revogue”. Esta é a corrente adotada pelo STF e
pela doutrina majoritária.
IV. Características da lei penal
• Exclusividade: somente a lei define infrações e comina
sanções;
• Imperatividade: a lei penal é imposta a todos;
• Generalidade: a lei penal é de acatamento geral, ainda que
sejam inimputáveis os seus destinatários;
• Impessoalidade: a lei penal se dirige a todos abstratamente.
A lei penal trata de fatos, e não de pessoas.
V. Classificação da lei penal
Duas classificações:
• Lei penal incriminadora: define crimes e comina sanções
(preceito primário e secundário).
• Lei penal não incriminadora: a doutrina subdivide:
oPermissiva (justificante e exculpante)
oExplicativa (interpretativa): explica o conteúdo da
norma. Ex.: peculato é crime cometido por funcionário
público. Art. 327 explica.
oComplementar: delimita a aplicação das leis
incriminadoras. O art. 5º do CP trata da aplicação da lei
penal no território brasileiro.
oDe extensão (integrativa): viabiliza a tipicidade de alguns
fatos. Norma de adequação típica mediata. Ex.: art. 14, II, CP
e art. 29, CP.
Intepretação da lei penal
Interpretar: buscar o significado.

I. Quanto à origem (ou ao sujeito que interpreta)


• Autêntica: feita pelo legislador;
• Doutrinária: feita pelo estudioso;
• Jurisprudencial: realizada pelos Tribunais.
II. Quanto ao modo
• Gramatical: busca-se o sentido literal das palavras;
• Teleológica: busca-se a finalidade da lei;
• Histórica: busca-se o fundamento de criação da norma.
• Sistemático: busca-se analisar o sistema em que a norma está
inserida.
• Progressiva: busca-se o significado legal de acordo com a
ciência que está progredindo.
• Lógica: busca-se utilizar métodos indutivos, dedutivos de
dialética, tentando encontrar o sentido da lei, a partir da razão.
III. Quanto ao resultado

• Declarativa: o resultado que se alcança é o que está escrito


no texto;
• Restritiva: é preciso reduzir o alcance das palavras da lei.
Legislador disse mais do que queria;
• Extensiva: é necessário ampliar o alcance das palavras.
R. Sanches - Interpretação sui generis:
• interpretação sui generis exofórica: o significado da
norma não está no ordenamento normativo. Exemplo: art. 20
do CP não traz o significado da palavra “tipo”.
• interpretação sui generis endofórica: o texto normativo
interpretado procura o significado em outros textos do
próprio ordenamento. É o que ocorre quando estamos
diante de uma norma penal em branco.
A interpretação conforme a Constituição o intérprete
busca, dentre várias intepretações possíveis, aquela que se
coaduna com a Constituição.
IV. Formas de interpretar a lei penal
a) Interpretação extensiva

• Art. 22 do Estatuto de Roma - Não é possível interpretação


extensiva em prejuízo do réu. Em caso de ambiguidade, a
norma deve ser interpretada em favor da pessoa investigada
ou acusada.

• O STJ também já disse que o princípio da estrita


legalidade impede a interpretação extensiva. Mas, por
exemplo, e o conceito de arma do 157, §2º, do CP?
Zaffaroni e Pierangeli: em casos excepcionais, é possível
interpretação extensiva em prejuízo do réu, quando sua
aplicação restrita resulta em notória irracionalidade. É chamado
“escândalo interpretativo”.

b) Interpretação analógica
O legislador traz uma série de situações que pretende regular e,
no fim, permite que aquilo que seja semelhante àquelas situações
também seja abrangido pela norma. Ex.: homicídio pode ser
qualificado mediante paga, promessa ou recompensa, ou por
outro motivo torpe.
V. Analogia

Não é forma de se interpretar a norma.


É modo de integração da lei penal.

Não havendo lei para o caso concreto, aplica-se a norma que


regule o caso semelhante.

Por conta da reserva legal, está vedada a analogia in malam


partem.
Para que a analogia seja aplicada, deverá haver uma lacuna
legal, e não um silêncio intencional do legislador.

A analogia poderá ser:

• analogia legis: há uma norma regulando tema semelhante.


• analogia iuris: não há uma norma regulando o tema, mas
poderá se utilizar de um princípio geral do direito, que regula
caso semelhante, e integrá-lo àquela lacuna.
Teoria geral da norma penal
É preciso tratar dos princípios gerais do direito penal.

I. Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos


A criação de tipos penais deve ser pautada pela proibição de
comportamentos que exponham a risco ou lesionem bens
jurídicos, valores essenciais para o ser humano. E isto vai pautar
a atuação do legislador.
II. Princípio da intervenção mínima
A atuação do direito penal fica condicionada à insuficiência das
demais esferas do controle social.
O direito penal atua nos casos em que houver uma relevante
lesão ou perigo de lesão relevante a um bem juridicamente
tutelado: caráter fragmentário do direito penal.
III. Princípio da insignificância

Há subsunção do fato à norma, mas não há tipicidade


material.

Zaffaroni: não basta tipicidade formal, é necessário que haja


tipicidade conglobante, a qual seria composta pela tipicidade
material e pela antinormatividade.
Tribunais Superiores - 4 requisitos para aplicação do
princípio da insignificância:
• Mínima ofensividade da conduta;
• Ausência de periculosidade social da ação;
• Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
• Inexpressividade da lesão jurídica causada.
 STF e STJ: reiteração delitiva impede reconhecimento
do princípio da insignificância.
 Obs.: para aplicação do p. da bagatela o STJ e o STF
consideram a condição financeira da vítima.
• TSE: não é possível a aplicação do princípio da
insignificância em crimes eleitorais (REsp 11887-
18/RN).

• STF: é possível a aplicação do princípio da


insignificância ao crime consistente na conduta de
Prefeito que utilizou máquinas e caminhões da
Prefeitura para realizar terraplanagem no terreno de
sua residência.
Doutrina moderna: distingue o princípio da insignificância do
princípio da bagatela imprópria:
• Princípio da bagatela própria: conduta materialmente
atípica;
• Princípio da bagatela imprópria: há uma irrelevância da
pena, ainda que o fato seja relevante. Ex.: perdão judicial.
IV. Princípio da adequação social
Idealizado por Häns Welzel.
Ainda que uma conduta seja formalmente e materialmente típica,
não poderá ser considerada típica, se socialmente adequada.

Duas funções básicas:


• Se o fato está de acordo com a norma, mas não está de
acordo com o interesse social, a conduta deverá ser tida
como atípica.
• Se esta conduta está de acordo com a sociedade, o legislador
não pode criminalizar esta conduta.
V. Princípio da exteriorização ou da materialização do
fato
Vem do axioma: Nulla injuria sine actione. Não há ofensa ao bem
jurídico sem ação.

Não há como punir o pensamento do autor.


VI. Princípio da legalidade
Art. 1º do CP: não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal.
A partir daí é possível perceber a ótica do direito penal sob três
fundamentos:
• Fundamento político: vincula o P. Executivo e P. Judiciário,
proibindo arbitrariedade do poder punitivo.
• Fundamento democrático: é o povo que elege o
representante que vai definir o que é crime.
• Fundamento jurídico: a lei deve existir antes de se punir
alguém, pois a lei cria um efeito intimidativo.
A doutrina desmembra o princípio da legalidade em outros 6
princípios:

• Não há crime nem pena sem lei: princípio da reserva


legal. A lei deve ser em sentido estrito. Medida provisória não
pode definir infração penal nem cominar pena, mas pode
versar sobre direito penal não incriminador, segundo o
STF.
É inadmissível que lei delegada verse sobre d. penal. CF: é vedada
delegação de lei que verse sobre d. individuais.
• Não há crime nem pena sem lei anterior;
• Não há crime nem pena sem lei escrita;
• Não há crime nem pena sem lei estrita: proibição de
analogia para tipo incriminador e para agravar a pena.
• Não há crime nem pena sem lei certa: é o princípio da
taxatividade. Os tipos penais devem ter clareza.
• Não há crime nem pena sem lei necessária: advém do
princípio da intervenção mínima do direito penal.
A legalidade deve ser analisada sob dois aspectos:
• Legalidade formal: obediência aos trâmites processuais,
denominado de devido processo legislativo.
• Legalidade material: lei compatível com a Constituição.

A lei penal pode ser classificada como:


• Lei completa: não depende de complemento, seja valorativo
(pelo juiz) ou normativo (por outra norma). Ex.: “matar
alguém”, é uma lei completa.
• Lei incompleta: depende de completo valorativo ou
normativo.
oTipo penal aberto: depende de um complemento
valorativo, dado pelo juiz. Ex.: crimes culposos.
oNorma penal em branco: há a necessidade de um
complemento normativo. A doutrina subdivide essa norma
penal em branco em:
• Própria (em sentido estrito, heterogênea): o
complemento normativo advém de uma norma diversa do
legislador. Ex.: Portaria complementa o crime de tráfico de
drogas.
• Imprópria (em sentido amplo, homogênea): o
complemento normativo emana do próprio legislador:
• Homovitelina: o complemento emana do mesmo
diploma legal. Ex.: peculato é complementado pelo
conceito de funcionário público do art. 327, ambos do
Código Penal;
• Heterovitelina: o complemento emana de instância
legislativa diversa. Ex.: o CP, quando fala em contrair
casamento com impedimento, não fala o que seja
impedimento, de maneira que deverá se complementar
com o conceito previsto no CC.

Atenção! Rogério Greco vai dizer que a norma penal em


branco imprópria pode ser homovitelina ou heterovitelina,
conforme emane ou não do mesmo ramo do direito.
Norma penal em branco ao revés: o complemento vem no
preceito secundário. É o caso dos crimes de genocídio.
Por se tratar de pena, necessariamente será complementada por
meio de lei.

Norma penal em branco ao quadrado: a norma penal requer


um complemento, mas este complemento também exige a
integração por outra norma. Ex.: art. 38 da Lei 9.605,
estabelecendo que é crime destruir ou danificar floresta de
preservação permanente.
A norma penal em branco pode ser de instâncias
federativas diversas.

Exemplo: a lei de crimes ambientais pode criminalizar uma


conduta de alguém que altere a estrutura da edificação, em
desacordo com o ato administrativo ou com uma lei, podendo
esta ser municipal, estadual ou federal.
Norma penal em branco é passível de complemento
internacional, por norma de direito internacional.

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