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As práticas antitruste são classificadas conforme suas três principais manifestações como
acordos, abuso de posição dominante e concentrações. A tipificação legal da Lei 12.529 é peculiar
se comparada aos sistemas estrangeiros. O art. 36, caput dessa lei inclui, para efeitos de
caracterização da infração à ordem econômica, toda e qualquer conduta que possa prejudicar a
concorrência, sem distinção entre acordos, abusos ou concentrações.
Esse dispositivo, ademais, refere-se a atos sob qualquer forma manifestados e engloba,
assim, a um só tempo, acordos e concentrações entre empresas, bem como o domínio de mercado
e o abuso de posição dominante. Basta que se determine a incidência do art. 36, caput1 para que
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Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer
forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam
alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante. [...]
o ato seja considerado contrário à ordem econômica. Por conta disso, em regra, não é necessário,
em nosso ordenamento jurídico, que se caracterize a posição dominante do agente para lhe
imputar o abuso. Há situações, entretanto, que tornam relevante essa diferenciação, especialmente
para fins de: (a) determinação dos agentes que devem ser responsabilizados, em acordos nos
quais há a presença de um agente em posição dominante, caso em que, geralmente, apenas esse
agente será responsabilizado; (b) argumentação quanto à existência de infração à ordem
econômica, nos casos em que uma empresa de tamanho diminuto não é apta a prejudicar a livre
iniciativa ou a livre concorrência; e (c) nos casos de “paralelismo consciente”, quando se procura
comprovar que o comportamento paralelo dosa gentes não decorreu de motivo outro senão o
exercício saudável da concorrência.
3.3 – Disciplina das infrações à ordem econômica e das concentrações na Lei 12.529,
de 2011. Conexão entre os artigos 36 (tipificação e exemplificação das infrações), 88 (dever
de submissão e análise das concentrações) e 90 (definição das concentrações que devem ser
submetidas à apreciação governamental)
3.4.2 – Incisos II e IV do art. 36, caput, da Lei Antitruste. Domínio de mercado e abuso
de posição dominante. Ainda a tutela da livre concorrência e da livre iniciativa.
3.4.3 – Inciso III do art. 36 da Lei Antitruste. A tutela do consumidor, além da livre
iniciativa e da livre concorrência
A primeira alma a habitar a lei antitruste brasileira é a proteção à livre iniciativa e à livre
concorrência. Ao mesmo tempo, tutela-se o consumidor, impedindo que lhe sejam impostos
preços excessivos, por meio do aumento arbitrário de lucros.
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[...] § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente
econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste
artigo.
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A possibilidade de auferir grandes lucros é sinalizador para a concorrência potencial, que poderia ampliar
a competitividade em um mercado relevante. Onde há lucros, se não houver barreiras à entrada, uma
concorrência potencial tende a se transformar em efetiva.
3.5 - Efeitos potenciais dos atos restritivos da concorrência
A Lei Antitruste procura coibir atos que, no futuro, possam vir a gerar abusos ou prejuízos
concorrenciais. Os efeitos potenciais a serem produzidos pela prática analisada devem ser
considerados. Por conta disso, a definição estrita de ato jurídico, como concebido pela doutrina
de direito privado, não é aplicável ao art. 36 dessa lei. Até mesmo atos nulos, inválidos, ineficazes
ou que não tenham existido no mundo jurídico poderão se subsumir à Lei Antitruste, desde que
determinem a incidência de algum dos incisos do caput da Lei 12.529, de 2011.
Para a subsunção de qualquer ato à Lei Antitruste, pouco importará a forma de que ele se
reveste. O texto normativo veda atos, “sob qualquer forma manifestados”. Basta que se verifique
a existência de efeitos atuais ou potenciais para comprovar a existência da prática.
Qualquer um que possa praticar ato restritivo da concorrência deverá ser atingido pelas
disposições da lei, ainda que sua atividade não tenha fins lucrativos. É o que se depreende da
leitura do art. 314 da Lei 12.529/2011. Quanto à Administração Pública, verifica-se a sua sujeição
à Lei Antitruste apenas na exploração de atividade econômica em sentido estrito, pelas entidades
que compõem a Administração Indireta.
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Art. 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a
quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que
temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de
monopólio legal.
3.9 – Procedimentos administrativos no âmbito do CADE
O CADE atua em duas frentes distintas: (a) a apuração e o julgamento de condutas que
possam implicar a incidência do art. 36, caput; e (b) a análise de concentrações visando à sua
eventual aprovação.
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Em caso de aprovação, terceiros interessados poderão apresentar recurso contra essa concordância e
qualquer conselheiro poderá submeter a prática à apreciação do plenário. Em caso de impugnação, as partes
poderão opor-se à decisão por meio de petição, dirigida ao Presidente do Tribunal.
3.10 – Acordos entre a Administração Pública e empresas: compromisso de
cessação, acordo em controle de concentração e acordo de leniência
A Lei Antitruste permite que o CADE e o agente econômico ao qual foi imputada a prática
de infração tipificada no art. 36, caput celebrem, no âmbito dos procedimentos preparatórios,
inquérito ou processos administrativos, compromisso de cessação, acordo por força do qual “(i)
a Administração abre mão do prosseguimento do processo administrativo (e, pois, da penalização
do agente6), enquanto estiverem sendo cumpridos os termos do compromisso e (ii) o administrado
compromete-se a fazer cessar imediatamente a prática, sem que haja reconhecimento de eventual
ilicitude”. Nesse caso, será feito um controle do interesse público pelo Ministério Público, que
pode provocar o Judiciário.
3.10.2 – Acordos em controle de concentrações (referido nos arts. 9º, V, 13, X e 46, § 2º)
Nesse caso, a operação de concentração é admitida pelo CADE, porém com restrições
aceitas pelas partes. Assim, elas assumem compromissos que visam a garantir que os benefícios
esperados da concentração se efetivem.
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Vale ressaltar que a lei exige, em alguns casos, que o Compromisso de Cessação preveja a obrigação de
recolher ao Fundo de defesa de Direitos difusos valor pecuniário não inferior à sanção mínima aplicável.
São os casos dos incisos I e II do § 3º do art. 36 da Lei Antitruste, in verbis: “§ 3º As seguintes condutas,
além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos,
caracterizam infração da ordem econômica:
I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um
número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre
outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre
concorrentes; [...]”
confissão das infrações ou o reconhecimento da ilicitude das condutas analisadas. A lei impõe,
no art. 867, caput e §1º, condições que devem ser efetivadas para que o acordo de leniência se
viabilize.
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Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência-Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a
extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade
aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem
econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que
dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração; e
II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. §
§ 1º O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos,
cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação;
II - a empresa cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir
da data de propositura do acordo;
III - a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da
empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e
IV - a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a
todos os atos processuais, até seu encerramento. [...]
inclusive, a responsabilização de autoridades integrantes do CADE que deixem de cumprir o seu
dever-poder.
Boa parte das ações antitruste poderia ser promovida por agentes econômicos privados.
No Brasil, o desconhecimento da legislação antitruste impede que a defesa de empresas e de
consumidores seja realizada de forma plena, inclusive e especialmente perante o Poder Judiciário.
Todas as causas antitruste podem ser levadas à apreciação do Poder Judiciário, por força
do art. 5º, XXXV8 da Constituição da República. A atuação do Judiciário pode ocorrer em
qualquer fase e independentemente do processo administrativo conduzido pelo CADE. Podem ser
apreciadas diretamente as infrações à ordem econômica e, além disso, pode haver a revisão das
decisões tomadas pelo CADE. O MP e demais interessados podem provocar o Judiciário para
tanto.
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[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;