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Angelo C. Pinto
Nas sociedades indígenas, até hoje, a pintura corporal tem grande importância
e seu significado é muito amplo, podendo ir da simples expressão de beleza e erotismo à
indicação de preparação para a guerra, ou, até mesmo, como uma das formas de aplacar
a ira dos demônios. Além de protegerem o corpo dos raios solares e das picadas de
insetos, a ornamentação corporal é como se fosse uma segunda "pele" do indivíduo: a
social em substituição à biológica. O padrão da pintura e o local de sua localização no
corpo revela o "status" de seu detentor na sociedade.
A pintura corporal dos índios brasileiros foi uma das primeiras coisas que chamou a
atenção do colonizador português. Pero Vaz de Caminha, em sua famosa carta ao rei D.
Manoel I, já falava de uns "pequenos ouriços que os índios traziam nas mãos e da nudeza
colorida das índias. Traziam alguns deles ouriços verdes, de árvores, que na cor, quase
queriam parecer de castanheiros; apenas que eram mais e mais pequenos. E os mesmos
eram cheios de grãos vermelhos, pequenos, que, esmagados entre os dedos, faziam
tintura muito vermelha, da que eles andavam tintos; e quando se mais molhavam mais
vermelhos ficavam".
"Uma
daquel
as
moças
estava
toda
tinta,
de
baixo
acima,
daquel
a
tintura,
a qual,
na
verdad
e, era
tão
bem
feita e
tão
redond
a, e sua
vergon
ha, que
ela não
tinha,
tão
gracios
a, que
a
muitas
mulher
es de
nossa
terra,
vendo-
lhes
tais
feições,
faria
vergon
ha, por
não
terem a
sua
como
ela".
Trecho
da
carta
de Pero
Vaz de
Caminh
a ao rei
D.
Manoel
I
Esses ouriços nada mais eram do que a bixácea - Bixa orellana – conhecida como
urucu, palavra de origem tupi que significa vermelho. A tintura dos indígenas era feita com
as sementes, cujo principal corante é o norcarotenóide bixina, o primeiro cis-polieno a ser
reconhecido na natureza. O nome botânico do urucu homenageia a Francisco Orellana,
lugar-tenente de Francisco Pizarro, que foi o primeiro homem branco a navegar no rio
Amazonas.
O outro corante muito usado pelos indígenas era obtido da seiva do fruto do
jenipapo. As tatuagens de cores pretas usadas pelos índios que tanto impressionaram os
colonizadores, feitas com esta rubiácea, cujo nome botânico é Genipa americana deve-se
ao iridóide conhecido como genipina. Do fruto maduro e fresco foi isolado a genipina em
~1% de rendimento. Incolor em si, este iridóide produz cor preta após reagir com as
proteínas da pele. Hans Staden, o alemão que quase foi comido pelos índios tupinambás
do litoral de São Paulo, assim se refere à árvore do jenipapo: "Numa árvore que os
selvagens chamam de jenipapo ivá, cresce uma fruta que tem certa semelhança com a
maçã. Os selvagens mascam essa fruta e espremem o suco dentro de um vaso. Com ele
é que se pintam. Quando esfregam o suco sobre a pele, no início parece água. Mas depois
de algum tempo a pele fica tão preta como se fosse tinta. Isso perdura até o nono dia.
Depois a cor desaparece, mas não antes desse prazo, mesmo quando eles se lavam
muitas vezes".
Nas sociedades modernas pintar o rosto e os cabelos é um ato que cada vez ganha
mais adeptos, deixando de ser coisa de jovens exóticos. No mercado de cosméticos, um
dos poucos que não conhece crises econômicas, são lançados todos os anos novos
corantes de cabelo. Tanto há os que saem com simples lavagem como os que resistem a
água. Na Copa do Mundo de futebol de 1998, as televisões transmitiram para todo o
mundo as imagens de jogadores, e em alguns casos, até de toda a equipe, com os
cabelos tingidos de variadas cores, e nas arquibancadas torcedores esfuziantes com
rostos e cabelos pintados com as cores de seus clubes, num espetáculo de rara beleza.
A moda surgida espontaneamente é saudável, mas antes que seus filhos ou você
pintem as caras assegure-se se os corantes que vão utilizar são permitidos pela legislação
brasileira. Cada um trás obrigatoriamente um número que indica a classe química ao qual
o corante pertence. A partir deste número pode-se, conhecendo a legislação, saber se o
corante pode ser usado para pintar a pele, ou se for outro caso, por exemplo para colorir
alimentos ou medicamentos.
Bibliografia
O Brasil dos Viajantes e dos Exploradores e a Química de Produtos Naturais Brasileira. Angelo C.
Pinto, Química Nova 18, 608-615 (1995)
Viagem ao Mundo Indígena. Luís Donisete Benzi Grupione, Berlendis & Vertecchia Editores Ltda,
1997, Coleção Pawana, vol.1
Duas Viagens ao Brasil. Hans Staden, séc.16; tradução de Guiomar de Carvalho Franco; transcrito
em alemão moderno por Carlos Fouquet, prefácio de Mario Guimarães Ferri, introdução e notas de
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São Paulo, 1974 (Coleção Reconquista do Brasil, 17)
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"Handbook of U.S. Colorants for Foods, Drugs, and Cosmetics ". Daniel M. Marmion , John Wiley
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