You are on page 1of 35
2 A QUESTAO “O QUE E?” E A QUESTAO “POR QUE?” CONTRAPROVA DAS TRES LINGUAGENS-MUNDO *O que é?” “Por qué?” Sao esses, sem duvida, os dois modos de interrogacdo fundamentais para quem procura compreender 0 mun- do. O que ¢ 0 Verdadeiro, 0 Belo, o Bem, o vivo, o homem, a cién- cia, a arte, a filosofia, etc.! Por que o céu estrelado, por que o movi- mento, por que viver em sociedade. por que sempre 0 mal, por que agir assim, por que ha a histdria, por que hé algo ao inves de nada, etc.? Essas questées ndo so eternas €, no entanto, definiram duran- te muito tempo o campo da filosofia. Pode acontecer que alguém se pergunte “onde?", “quando!” ou “como!”, mas as quest6es “oqued? ¢ “por qué!” acabavam por retornar quando a interroga¢ao visava um, fim tedrico e inteiramente ngo pratico. O welho sonho de com- preensdo total do mundo era aquele de um saber que no deixaria nenhum o que é nem nenhum por que sem resposta. ‘O abandono do sonho nao foi o ebandono do modo de ques- tionamento que © apresentava. Os conceitos, os pedidos, as préprias questées mudaram, mas 0 9 que € 0 por que permanecem. O que é pensar? O que é 2 técnica, a metafisica, a filosofia? O que um nime- ro, um conceito, uma coisa? E mesmo quando a interrogacAo s¢ pre- tende renovada 0.0 que é ou 0 por que parecem continuar a trabalhar subterraneamente. Por trds de qualquer outra questaa estas perma- necem latentes. Como a espera. A maxima positivista segundo a qual seria preciso abandonar 0s pot que pelos como equivale, ela pré- pria, a uma renuncia: os como sdo “para nds", seres finitos incapazes de atingir as razdes ultimas, mas os por que permanecem “em si”, se se pode dizer assim. Da mesma maneira, parece vao 0 projeto “anti- essencialista* de abandonar os o que € ou substitui-los pelos onde ou 7A Francis Wolff ; “Quando!”, isto €, em que circunsténcias, sob que condi- do quais critérios, ha ciéncia ou arte, por exemplo? A gdes, segundo ql é de fz ntar- formulagao difere, mas continua-se realmente a, de fato, perguntar se o que sdo a ciéncia ou a arte. Como se, forcosamente, er aoe © 0 que é fossem, hoje ¢ sempre, as unicas questées filos6ficas senao legitimas, ao menos inevitdveis, sérias- | Haveria, portanto, necessariamente o que é © por que por tras de cada vontade de compreender e, a fortiori, em qualquer filosofia, ao ponto que se poderia, talvez, ler a histéria da filosofia como a alternancia entre o primade de uma ¢ de outra (Platao do lado do o que é, Aristoteles do lado do por qué, Descartes no o que é, Leibniz no por qué, Husserl versus Heidegger, etc.). Poderiamos também per- guntar se as interrogages singulares de cada filosofia finalmente nao so maneiras originais de atar essas duas questdes, ou Manciras par- ticulares de renunciar a elas, ou ainda temtativas renascentes para redutir uma A outra. E, alias, o por que que geralmente se quer redu- zir a0 0 que é: nao se tentou freqdentemente responder 4 questdc de saber por que o que ocorre, ocorre, ou justificar que nao se possa responder a isso, mostrando que € porque as coisas sda como elas sao? Poderiamos também analisar alguns dos principais conceitos metafisicos classicos como efeitos do entrecruzamento dessas duas _ interrogacées, produtos do esforc¢o por determinar ao mesmo tempo “o que sdo” as coisas, o que sao verdadeiramente, para além de suas simples aparéncias, ¢ por que ocorrem assim, ¢ ndo de outra manei- ra. Pois ha aqui duas questées distintas postas 20 mundo e por isso mesmo um problema posto para a metafisica: o que é que funda sua distingao e como elas podem interrogar o mesmo mundo? Aqui nao procuraremos respostas para © o que é para o por qué (as respostas conhecidas sic inuteis, € novas, sem dtivida impos- siveis de serem obtidas), mas tentaremos analisar as préprias ques- © t6es, sua estrutura, seu alvo, a fim de medir e delimitar o sentido que _ se pode dar a todas suas respostas. A interrogacao que nos servird de primeiro fio condutor €, portanto, esta: o que pode ser o mundo Fa que essas questdes fagam sentido? Que deve ser o mundo para © possa responder a clas completamente? Essa primeira analise, ", desembocara em dois mundos ideais. Uma nova con- ica” de nossa interrogagao nos conduziré novamente a Aguagens-mundo. A QUESTAO “O QUE £” E A QuEsTAo “POR O que ée 0 mundo das coisas De que falamos quando perguntamos ‘o que €?” Quando, no questionamento ordinario, perguNtamos 0 que, tal ou tal coisa, podemos satisfazer-nos com respostas muito diferen. tes: podemos procurar o nome de uma coisa (como se chama isto? uma rosa), a identificacao de um percepto (o que é isto? uma rosa), a subsun¢ao a um género ou a uma classe (o que € uma rosa? uma flor), ou uma definicao (a rosa é a flor da roseira). O 0 que € da interrogacao filoscfica s6 se distingue desse ques- tionamento ordindrio Por sua insisténcia e pela insatisfacao que ela testemunha em face de todas suas respostas imeciatas — mas sua ex- pectativa e seu alvo permanecem fundamentalmente os mesmos. (Ocorrerd o mesmo com a relagao do por que ordinario ao por que flloséfico.) Filosofar € repetir 00 que €€ Passar ao limite. E querer a0 mesmo tempo saber tudo sobre o que sao as coisas e saber o que elas sao realmente. Procurar saber tudo sobre uma coisa é antes de tudo supor que ela é completamente determinada. Querer saber 0 que ela € verdadeiramente, em seu proprio ser, ¢ admitir que ndo se deve parar no que ela parece. Determinidade e realidade da coisa inter- rogada estao, portanto, pressupostas na interrogagao. O limite para o qual se tende quando se poe filosoficamente a questao “o que é” situa-se, além disso, em duas diregoes: radicalizacdo do o que é ordi- io € generalizagdo. Generalizagdo: quer-se saber o que so todas as isas coletivamente, ¢ distributivamente o que é cada coisa na sua de essencial. Radicalizagao: quer-se saber 0 que cada coisa ece sendo, por trds de suas aparéncias mutiveis ou da diver- de seus nomes. A generalizagao do o que é conduz-nos a ter algo como a ipseidade de cada coisa a respeito da qual a € posta. (Por “ipseidade” entendemos 0 que faz com que um. 1° seja ele proprio ¢ nado outro, isto é, aquilo em que é unico te de todos os outros de sua espécie.) A radicalizagac con- a pressupor sua idencidade. (Por “identidade” entendemos o ¢ com que um individuo permanega sendo o mesmo numeri- enquanto €.) A vontade de saber que encerra a insisténcia “o que é!" atribui, portanto, a priori a seu objeco os intes: é uma coisa singular, unica, parecida com ne- im. ipsisimaan; é também uma coisa una, que € € per-

You might also like