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Os adolescentes e os pais: conflitos do quotidiano

in
Lavrar o mar

O Autor

Daniel Sampaio nasceu em Lisboa em 1946, tendo-se formado em Medicina em


1970. Doutorou-se na especialidade de Psiquiatria em 1986 e em 1997 torna-se
professor da Faculdade de Medicina de Lisboa.
É o coordenador do NES (Núcleo de Estudos do Suicídio) no Hospital de Santa
Maria e foi um dos introdutores, em Portugal, da Terapia Familiar.
É autor de vários livros: Ninguém Morre Sozinho (1991), Vozes e Ruídos (1993),
Inventem-se Novos Pais (1994), Voltei à Escola (1996), A Cinza do Tempo (1997),
Vivemos Livres Numa Prisão (1998), A Arte da Fuga (1999), Tudo o que Temos Cá
Dentro (2000), Vagabundos de Nós (2003), Árvore Sem Voz (2004) e Lavrar o Mar
(2006).

O Livro

Foi publicado em 2006 pela Editorial Caminho e surge no seguimento de um


outro livro, Inventem-se Novos Pais, publicado em 1994. Ambos os textos abordam,
entre outras questões, os conflitos do quotidiano mas Lavrar o Mar tem como
destinatários pais e professores, ao passo que o livro de 1994 se destinava aos filhos.

Temas

O autor procurou abordar vários temas que de alguma forma se relacionam com
a adolescência: os conflitos do quotidiano, o amor e o sexo entre adolescentes, o uso de
álcool e de drogas. Procurou, também, dar o seu contributo para a definição do conceito
de adolescência. Daniel Sampaio não esqueceu, ainda, a infância e os diferentes «tipos»
de pais como elementos de vital importância durante os anos da adolescência.
O livro termina com a troca de correspondência entre Daniel Sampaio e Eulália
Barros, num capítulo chamado «Cartas sobre a Escola».

O Conceito de Adolescência

A adolescência consiste, essencialmente, no crescimento físico, mental, na


maturação, no desenvolvimento. A palavra «adolescência» vem do Latim adolescere,
que significa «crescer».
Até ao século XIX, o conceito de adolescência não existia. Quem não
continuasse a estudar, isto é, quem tinha menos posses, era forçado a trabalhar e, aí, era
considerado um adulto.
A industrialização veio causar a deslocação de muitas famílias do campo para a
cidade, o que acabou por gerar a necessidade de uma educação generalizada como meio
de progresso social. Estudando mais, as crianças permaneciam mais tempo com a
família, começando a trabalhar cada vez mais tarde. Assim, começou a ter-se
consciência da existência de um período de transição entre a infância e a idade adulta: o
período da adolescência.

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O estudo científico da adolescência começa no início do século XX com Stanley
Hall. Influenciado pelas teorias de Darwin, acreditava que «os comportamentos
humanos característicos de cada etapa da vida seriam a reprodução de uma era anterior
da evolução: os adolescentes reproduziriam períodos mais selvagens da civilização,
caracterizados por comportamentos desregrados e agressivos, dos quais se poderiam
libertar através da integração social. Por essa razão, viviam um período de “tempestade
e inquietação/conflito” (...)». Ainda hoje podemos encontrar uma ideia de adolescência
semelhante a esta, caracterizada por conflitos, agressividade, tensão ou desequilíbrio. A
ideia de que a adolescência era uma etapa dedicada ao estudo deu lugar à noção de um
período marcado pela indisciplina.
A ideia seria (e ainda hoje existe) a de que o adolescente precisa de uma cura, o
que nos leva a perceber que muitos consideram esta fase como sendo uma doença.

«Por isso gostaríamos muito que viesse à nossa escola, para nos ajudar a compreender
a fase da vida em que estamos e para nos informar quais os sintomas da adolescência.»

(in Lavrar o Mar, p. 9)

Os Conflitos do Quotidiano

O autor de Lavrar o Mar acredita que «na maioria dos casos a adolescência
corre bem e é uma decisiva ocasião para o crescimento emocional de toda a família».
São, em seu entender, os média e alguns profissionais os responsáveis pela ideia de que
todos os adolescentes vão ter desentendimentos graves com os pais, protagonizar actos
marginais, andar com más companhias ou vestir de forma bizarra. Este aparato é, por
sua vez, a causa de muitos medos sentidos pelos familiares dos jovens e «uma das
origens da falsa crença de que a adolescência corre sempre mal».
Daniel Sampaio propõe uma reflexão, e não uma solução, para alguns conflitos:

- Limites: cabe aos pais saber dizer não de uma forma clara, sempre que a segurança ou
o bem-estar dos mais novos possam estar em perigo.

-Horários: os horários são essenciais, é necessário haver uma boa organização do


tempo. É importante que se fixem horas na família para as várias actividades de modo a
que todos possam, pelo menos, encontrar-se à hora de jantar.

-Conversas: nem sempre os adolescentes estão dispostos a falar e obrigá-los a fazê-lo


pode ser o ponto de partida para um enorme conflito. É importante não desistir dos
filhos mas tentar encontrar o melhor momento para falar com o jovem. Quando eles
quiserem falar, falarão.

-Dinheiros: muitos pais acham que será pelo facto de darem pouco dinheiro aos filhos
que eles entrarão no mundo da droga, outros acham que é por darem muito que eles o
farão. O dinheiro é um dos causadores de conflitos em muitos lares com adolescentes.
Optar pela entrega semanal de uma quantia preestabelecida talvez acabe por ser uma
boa solução, tentando ensinar sempre o valor do dinheiro, de modo a evitar gastos sem
sentido.

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-Más Companhias: tentar impedir os filhos de andarem com esta ou aquela pessoa só
porque usa roupas bizarras ou porque tem determinado corte de cabelo não dá bom
resultado. Quando os pais não têm boa impressão dos amigos dos filhos e não
fundamentam correctamente a sua opinião, acabarão por gerar discussões que a nada
levam. Não interessa se têm piercings ou tatuagens: importa, sim, o que os filhos fazem
com esses amigos. É nisso que os pais se devem centrar.

-Espaços Comuns e Espaços Privados: os espaços vão, geralmente, sendo definidos


de forma progressiva e natural, de acordo com a idade dos filhos. «Pode entrar-se no
quarto de uma criança a qualquer hora, não faz sentido entrar no quarto de um
adolescente sem bater à porta (...) a não ser quando há suspeita de que o filho possa
estar a correr riscos (consumo de drogas, tentativa de suicídio)». Contudo, o respeito
pela privacidade não deve levar os pais a serem demasiado tolerantes com certos
pedidos dos filhos.

-Prémios e Castigos: «Alguns pais dão prémios por tudo e por nada». Vivemos numa
sociedade que privilegia tanto os lucros que a família tem de ser o lugar onde se
defendem e conservam os valores humanos, o local onde se aprende a valorizar o
esforço. Gratificar os filhos pelas boas notas não faz sentido porque estudar é uma
obrigação deles, é o seu dever.

-Depressão e mudanças de humor: são muitos os adolescentes que sofrem de


depressão e a família deve entender que não pode funcionar como psiquiatra. É
importante que actuem e que convençam o adolescente a procurar ajuda médica. Se
houver recusa por parte do adolescente, importa deixar passar uns dias e voltar ao
assunto.

-Mentiras: muitos pais sentem que foram maus educadores quando verificam que os
filhos mentem. Acreditam que não lhes conseguiram transmitir valores de honestidade.
É importante mostrar ao jovem que a mentira é algo negativo mas que se espera que
sejam capazes de superar o problema. «A mentira é o grande inimigo da vida familiar».

-Internet e Jogos Electrónicos: é do conhecimento de todos que hoje os jovens têm à


sua disposição jogos e outros materiais electrónicos que não existiam durante a
juventude dos seus pais. Desde cedo começam a utilizar o computador e fazem-no,
muitas vezes, com grande perícia. Mas, como em tudo, é necessário que se estabeleçam
limites. Por exemplo, «mesmo com adolescentes mais velhos, o acesso à Net não deve
ser completamente livre, nem em termos de horários, nem de conteúdos.» É necessário
que os filhos percebam que o mundo virtual tem aspectos fantásticos mas que esconde,
também, muitos perigos.

Conclusão

«Os conflitos fazem bem à saúde. As pessoas que não vivem conflitos são
pessoas que já morreram e ainda não repararam.»

(Eduardo Sá, Psicólogo)

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«(...) os confrontos existem em todas as épocas da vida e são essenciais ao
desenvolvimento. Uma criança precisa de questionar, discutir, opor-se, crescer.»

(Daniel Sampaio, in Lavrar o Mar, p. 77)

Embora os média passem a imagem de que a adolescência é um mar de


tormentos, é importante perceber que se pode, pelo menos, tentar lavrar esse mar.
Conflitos, como provam os excertos acima transcritos, haverá em todas as épocas, sendo
até saudável que tal aconteça.
E, embora se acredite no contrário, a adolescência NÃO é igual para todos,
sendo que a maioria dos adolescentes mantém com os pais um relacionamento caloroso
e positivo.
Concluímos com algumas palavras de Eduardo Sá, que nos parecem fazer todo o
sentido, principalmente para todos aqueles que acham que é sendo os melhores amigos
dos filhos que serão melhores pais.

«Os pais não podem ser os melhores amigos dos adolescentes. Um pai ou uma
mãe é muito mais do que um melhor amigo.»

Nota: O sublinhado é da nossa autoria.

Bibliografia

SAMPAIO, Daniel. Lavrar o Mar, Lisboa, Editorial Caminho, 2006.

SAMPAIO, Daniel. Inventem-se novos Pais, Lisboa, Editorial Caminho, 1994.

SPRINTHALL, Norman A. e COLLINS, W. Andrew. Psicologia do Adolescente,


Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

Para as citações de Eduardo Sá:


http://sic.aeiou.pt/online/blogs/livrodereclamações?
month=052007#20070529%20adolescentes

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