A questão da performance1 como objeto de estudo vem pairando sobre musicólogos há
quase três décadas mas apenas recentemente que a performance é vista como não só objeto, mas também método de pesquisa e até mesmo parte do processo criativo do fazer musical. É nesse contexto que o texto de Dogantan-Dack se sobressai. A partir de um episódio emocional em uma performance do trio do qual o autor faz parte, surge as questões para a pesquisa: “Como intérpretes2 continuam a aprender no palco” e “que métodos seriam apropriados para documentar e analisar uma performance ao vivo” (p..34). O primeiro estágio do texto apresenta o panorama das pesquisas na área, com uma cronologia de 2 centros de pesquisa dedicados ao campo: CHARM3 , CMPCP4 e um projeto próprio do autor de nome encurtado “Alchemy” que finalmente se propõe a “explorar os processos cognitivo-afetivos individuais e coletivos que moldam a performance ao vivo”, ressaltando a importância do tocar ao vivo como “norma última na prática da música clássica” (p.36). O autor apresenta e reconhece as dificuldades e as especificidades no estudo da performance, visto que essa é caracterizada por sua “imprevisibilidade” e “indeterminação” e subjetividade, assimilando a experiência da performance de maneira tangível a leitores intérpretes ou leigos (p.37). Segundo o autor essa nova perspectiva do estudo da performance é valiosa se incluir a “voz autêntica do intérprete” mas ressalva que “o discurso do intérprete é imbuído do discurso do pesquisador” (p.38), indo tão longe quanto casos onde o intérprete-objeto de estudo se mistura ao intérprete-pesquisador. Para solucionar esse problema o autor sugere uma abordagem multi-modal incluindo a representação da performance através de documentação áudio-visual mas não se limitando ao estudo dessa representação que abstrairia a performance “viva” em si; e a escrita narrativa autoetnográfica do autor que contextualize a visão do intérprete no cenário da performance ao vivo (p.40). Explorando ainda o tocar musical o autor ressalta mais uma vez a subjetividade da performance ao descrever a dificuldade que certos intérpretes apresentam em certos 1 Performance aqui entendida como o ato de tocar, de apresentar um objeto sonoro em um determinado contexto, também conhecido como “interpretação” ou simplesmente “tocar”. A discussão do uso da palavra já foi muito explorada por outros autores e será evitada nessa resenha para conservar a síntese. 2 Intérpretes será usado ao longo desse texto como tradução livre de performers no texto original. 3 CHARM (2004 a 2009) foi um centro de pesquisas dedicado a reestruturar o estudo de performance a partir de performances gravadas. 4 CMPCP (2009) é um centro de pesquisas que colabora com intérpretes ao incluir no estudo mas ao mesmo tempo se limitar aos processos preparatórios de performances ao invés de estudar a performance em si. gestos/trechos musicais em certos instrumentos, resolvidos de maneira corporal “que podem ser diferentes a cada pianista”. (p.41). No seguimento do texto o autor fala sobre o processo criativo coletivo vivenciado por ele em preparo de uma apresentação de seu trio de câmara, descrevendo discussões e consensos que levaram ele e o violoncelista a decidir o andamento de uma parte lenta da música e definindo que “as dinâmicas sociais entre os co-intérpretes são tão importantes quanto as dinâmicas musicais para o sucesso de uma performance, e cada performance ao vivo é uma oportunidade para desenvolver e fortalecer os laços sociais entre os co- intérpretes” (pág.43) unindo assim o componente social ao processo criativo da performance. O autor conclui com a contraposição de conceitos da “aquisição de conhecimento” que ocorre apenas durante a performance e o “componente afetivo” do intérprete para com a performance. Segundo o autor a aquisição de conhecimento durante uma performance é diferenciada: no sentido tradicional de adquirir conhecimento, há uma distinção nítida entre o sujeito do saber e o objeto do saber, enquanto na performance há um envolvimento altamente emocional entre o não-saber e o saber do intérprete- pesquisador, evidenciado pelas condições críticas e inesperadas da performance. Assim, o autor inclui o envolvimento emocional em seu objeto de estudo (p.44). Concluindo o texto o autor pondera a posteriori sobre as possibilidades de novas performances da mesma obra musical que nunca serão a mesma após a performance vivida previamente, novamente pontuando o caráter moldador da performance como processo criativo: vivida apenas no momento da performance e que modifica o entendimento da obra musical (p.46). O autor permeia o texto de subjetividade, tanto em sua forma com experiências pessoais relevantes ao texto; quanto em conceitos, ao reconhecer a subjetividade no estudo de uma atividade artística, seja no individual do intérprete ou no gosto individual de um coletivo de músicos. O texto é de grande importância para o estudo da performance como processo criativo, definindo com precisão um novo objeto de estudo, seus problemas e suas respectivas e possíveis soluções, abrindo caminho para novos pesquisadores reformularem o que significa estudar a performance musical.
João Gabriel Caldeira Pires Ferrari é mestrando em Música pela Universidade