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A catarse do “ao vivo”: uma resenha crítica de “The art of research in live music

performance”

DOĞANTAN-DACK, Mine.The art of research in live music performance. IN: Music


Performance Research, Manchester, vol. 5, p.34-48, 2012.

A questão da performance1 como objeto de estudo vem pairando sobre musicólogos há


quase três décadas mas apenas recentemente que a performance é vista como não só
objeto, mas também método de pesquisa e até mesmo parte do processo criativo do
fazer musical. É nesse contexto que o texto de Dogantan-Dack se sobressai.
A partir de um episódio emocional em uma performance do trio do qual o autor faz
parte, surge as questões para a pesquisa: “Como intérpretes2 continuam a aprender no
palco” e “que métodos seriam apropriados para documentar e analisar uma performance
ao vivo” (p..34).
O primeiro estágio do texto apresenta o panorama das pesquisas na área, com uma
cronologia de 2 centros de pesquisa dedicados ao campo: CHARM3 , CMPCP4 e um
projeto próprio do autor de nome encurtado “Alchemy” que finalmente se propõe a
“explorar os processos cognitivo-afetivos individuais e coletivos que moldam a
performance ao vivo”, ressaltando a importância do tocar ao vivo como “norma última
na prática da música clássica” (p.36).
O autor apresenta e reconhece as dificuldades e as especificidades no estudo da
performance, visto que essa é caracterizada por sua “imprevisibilidade” e
“indeterminação” e subjetividade, assimilando a experiência da performance de maneira
tangível a leitores intérpretes ou leigos (p.37).
Segundo o autor essa nova perspectiva do estudo da performance é valiosa se incluir a
“voz autêntica do intérprete” mas ressalva que “o discurso do intérprete é imbuído do
discurso do pesquisador” (p.38), indo tão longe quanto casos onde o intérprete-objeto de
estudo se mistura ao intérprete-pesquisador. Para solucionar esse problema o autor
sugere uma abordagem multi-modal incluindo a representação da performance através
de documentação áudio-visual mas não se limitando ao estudo dessa representação que
abstrairia a performance “viva” em si; e a escrita narrativa autoetnográfica do autor que
contextualize a visão do intérprete no cenário da performance ao vivo (p.40).
Explorando ainda o tocar musical o autor ressalta mais uma vez a subjetividade da
performance ao descrever a dificuldade que certos intérpretes apresentam em certos
1
Performance aqui entendida como o ato de tocar, de apresentar um objeto sonoro em um
determinado contexto, também conhecido como “interpretação” ou simplesmente “tocar”. A discussão
do uso da palavra já foi muito explorada por outros autores e será evitada nessa resenha para conservar
a síntese.
2
Intérpretes será usado ao longo desse texto como tradução livre de performers no texto original.
3
CHARM (2004 a 2009) foi um centro de pesquisas dedicado a reestruturar o estudo de performance a
partir de performances gravadas.
4
CMPCP (2009) é um centro de pesquisas que colabora com intérpretes ao incluir no estudo mas ao
mesmo tempo se limitar aos processos preparatórios de performances ao invés de estudar a
performance em si.
gestos/trechos musicais em certos instrumentos, resolvidos de maneira corporal “que
podem ser diferentes a cada pianista”. (p.41).
No seguimento do texto o autor fala sobre o processo criativo coletivo vivenciado por
ele em preparo de uma apresentação de seu trio de câmara, descrevendo discussões e
consensos que levaram ele e o violoncelista a decidir o andamento de uma parte lenta da
música e definindo que “as dinâmicas sociais entre os co-intérpretes são tão importantes
quanto as dinâmicas musicais para o sucesso de uma performance, e cada performance
ao vivo é uma oportunidade para desenvolver e fortalecer os laços sociais entre os co-
intérpretes” (pág.43) unindo assim o componente social ao processo criativo da
performance.
O autor conclui com a contraposição de conceitos da “aquisição de conhecimento” que
ocorre apenas durante a performance e o “componente afetivo” do intérprete para com a
performance. Segundo o autor a aquisição de conhecimento durante uma performance é
diferenciada: no sentido tradicional de adquirir conhecimento, há uma distinção nítida
entre o sujeito do saber e o objeto do saber, enquanto na performance há um
envolvimento altamente emocional entre o não-saber e o saber do intérprete-
pesquisador, evidenciado pelas condições críticas e inesperadas da performance. Assim,
o autor inclui o envolvimento emocional em seu objeto de estudo (p.44).
Concluindo o texto o autor pondera a posteriori sobre as possibilidades de novas
performances da mesma obra musical que nunca serão a mesma após a performance
vivida previamente, novamente pontuando o caráter moldador da performance como
processo criativo: vivida apenas no momento da performance e que modifica o
entendimento da obra musical (p.46).
O autor permeia o texto de subjetividade, tanto em sua forma com experiências pessoais
relevantes ao texto; quanto em conceitos, ao reconhecer a subjetividade no estudo de
uma atividade artística, seja no individual do intérprete ou no gosto individual de um
coletivo de músicos.
O texto é de grande importância para o estudo da performance como processo criativo,
definindo com precisão um novo objeto de estudo, seus problemas e suas respectivas e
possíveis soluções, abrindo caminho para novos pesquisadores reformularem o que
significa estudar a performance musical.

João Gabriel Caldeira Pires Ferrari é mestrando em Música pela Universidade


Federal do Rio de Janeiro.

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