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Breve ensaio sobre a irracionalidade humana Tecnologia e mulheres — segurança ou


POR LADISLAU DOWBOR
controle? | COTO.NET #3
– ON 05/11/2018
CATEGORIAS: COMPORTAMENTO, DESTAQUES, MUNDO, SOCIEDADE
Tecnologia e mulheres — s…

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Aos nossos amigos


A minha idade e a minha confiança na racionalidade do ser humano
Crise e insurreição
têm evoluído em sentidos inversos. Mas como somos animais
Autor: Comite Invisivel
sofisticados, quanto mais absurdo o que defendemos, mais argumentos De R$ 32,00 por R$ 27,00
racionais inventamos. E, sobretudo, quando já fomos identificados
com uma posição ou atitude política completamente absurda, Compre
conseguimos apenas nos aprofundar na burrice. Segundo as sábias
palavras de Barbara Tuchman, a propósito de como os norte-
americanos foram se afundando no Vietnã, ao custo de imenso
sofrimento daquele povo, e desgaste político de quatro sucessivos
presidentes, “uma vez que uma política foi adotada e implementada,
toda atividade subsequente se transforma num esforço para justificá-
la.” (263) Qualquer semelhança com o golpismo no Brasil insistir
numa política que empurra o país para trás, mesmo depois de 4 anos de
desastre, não é evidentemente uma coincidência, é a regra. No túnel da
burrice, os que a perpetram sempre imaginam que logo adiante surgirá
a proverbial luzinha. Se a política sacrifica em vez de ajudar, dirão que
o sacrifício não foi suficiente, é só aprofundar um pouco mais.
Não perceber a nossa irracionalidade é simplesmente perigoso. E
obviamente pouco inteligente. Nada como a história para substituir o
conceito de homo sapiens pelo de homo demens. Já pensaram que em
nenhum momento da história registrada da humanidade deixamos de
nos massacrar uns aos outros? Em cada guerra ou massacre que
estudamos, buscamos definir quem eram os bons e quem eram os
maus. E se a própria incapacidade de vivermos em paz e colaboração,
o que sem dúvida seria mais proveitoso para todos, fosse objeto da
nossa análise? Eu gosto muito do texto de Frans de Waal, Our Inner
Ape (O Primata Dentro de Nós), em que surge com toda clareza o
quanto nos comportamos, quanto à defesa dos nossos territórios, como
os nossos parentes mais próximos, os chimpanzés [leia resenha].
Guerras tribais, guerras nacionais, guerras mundiais, alguma delas tem
algum sentido?

Um outro belíssimo texto, The Righteous Mind (a mente moralista),


Jonathan Haidt analisa as nossas motivações, e em particular como as
conseguimos embelezar [leia resenha]. O Ku-Klux-Klan massacrava
para proteger as virgens brancas e queimava casas para civilizar os
negros. Os nazistas estavam limpando a raça. As guerras das religiões
mataram e torturam em toda parte segundo as ordens expressas dos
respectivos deuses. A inquisição torturava mulheres, de preferência
nuas, para extirpar o demônio que se apossara das suas almas. No
Vietnã mataram dois milhões, na Argélia um milhão, na II Guerra
Mundial 60 milhões, o Oriente Médio está aumentando a conta a cada
dia. Tudo em nome dos mais elevados ideais. O que Haidt deixa claro
é como é agradável, profundamente satisfatório, dar livre vazão do que
há de mais podre dentro de nós, em nome dos mais elevados ideais. É
o orgasmo supremo. O ódio justificado gera um gozo irreprimível. É
ignorância? Sem dúvida, mas não falta de diplomas. Metade dos
médicos da Alemanha aderiu ao partido nazista.

Barbara Tuchman escreve muito bem, e isso não é secundário. Mas em


particular faz uma análise maravilhosa da burrice no poder, da imensa
capacidade de coletivos humanos de gente bem informada, e com
poder de decisão, se enterrar em políticas que não só representam
interesses egoístas, mas que ao fim e ao cabo prejudicam os próprios
agentes que as implementam. É o que ela chama de folly, insensatez:
“a implementação de políticas contrárias ao próprio interesse da
instituição ou do Estado envolvido. Auto-interesse é qualquer política
que conduz ao bem estar ou vantagem do grupo sendo governado:
insensatez é uma política que nestes termos é contraprodutiva.” (6) A
exploração colonial por parte da Grã-Bretanha era uma violência
inadmissível, mas pelo menos compreensível pelas vantagens. A
extorsão que tentaram impor à sua colônia americana foi tão burra que
conseguiram obter o impensável: a unificação indignada dos tão
diversos segmentos do que hoje são os Estados Unidos, e uma guerra
fadada ao desastre. É o que resumimos no Brasil com a expressão “dar
um tiro no próprio pé.” Haja tiro, e haja burrice.

As patéticas políticas da Grã-Bretanha frente aos Estados Unidos


foram em grande parte devidas ao que podemos chamar de
solidariedade da ”patota”, que permite avançar gloriosamente até a
evidente derrota. Tentando entender a marcha da insensatez dos
britânicos, Tuchman lembra como era a composição dos ministérios:
“Eles provêm de cerca de 200 famílias incluindo 174 nobres em 1760.
Conheciam-se da escola e da universidade, eram relacionados por
meio de cadeias de primos, alianças de casamentos, sogros e familiares
de segundos e terceiros casamentos. Casavam com as irmãs, filhas e
viúvas uns dos outros, e regularmente trocavam amantes (uma tal
Senhora Armstead serviu neste papel ao lorde George Germain; ao seu
sobrinho, o duque de Dorset; ao lorde Derby; ao príncipe de Wales e a
Charles James Fox, com quem viria a casar), nomeavam-se uns aos
outros em posições de autoridade e asseguravam uns aos outros
posições e aposentadorias”. (145) Soa familiar? Com duques e lordes a
menos, patotas semelhantes empurram o mundo para o desastre nas
mais variadas circunstâncias.

Tuchman nos traz uma análise detalhada dos seis papas que
conseguiram, entre 1470 e 1530, e sempre em nome dos mais sagrados
ideais, se comportar de maneira tão corrupta e indecente, que
liquidaram o imenso poder que a instituição representava, abriram
portas escancaradas para a reforma protestante e para as sucessivas
guerras das religiões. Não eram inconscientes. Mas tinham gerado uma
dinâmica que não permitia a volta. Como se os grandes erros
buscassem justificativas em erros ainda maiores. Voltar atrás
significaria admitir demasiados erros para que fosse possível.
Constitui-se um processo irreversível de autodestruição.

Particularmente interessante é a análise detalhada de como se montou


e manteve durante décadas uma narrativa completamente surrealista
que justificaria o aprofundamento do envolvimento dos EUA na guerra
do Vietnã. Com o fim da II Guerra Mundial, a França queria retomar o
seu papel colonial neste país. Levaram uma surra homérica na batalha
de Dien-Bien-Phu, apesar do apoio aéreo norte-americano. Mas tinha
sentido os americanos se envolverem numa guerra pela manutenção de
um poder colonial francês na Ásia? Como parlamentares bem
informados fizeram discursos, em público, explicitando aos colegas e
aos cidadãos que se o Vietnã ganhasse a guerra, os Estados Unidos se
veriam “irremediavelmente cercados”!! Quando os franceses, depois
da surra, se tornaram mais sábios e voltaram para a França, repassaram
a bola para os americanos, que nunca conseguiram se desvencilhar da
herança – até que levassem eles também uma surra, décadas e milhões
de mortos depois.

As grandes burradas exigem grandes narrativas, que de tanto repetidas


acabam sendo aceitas até por quem as inventa. É tão agradável poder
se justificar de forma simples e compreensível para si e para os outros.
Imaginar que países asiáticos como Vietnã, Laos, Cambodia, Tailândia
e outros fossem pedras de dominó, caindo uma cairiam as outras,
aparece hoje como ridículo. No entanto, tantos acreditaram, e em
particular os americanos. “Confundir vários países da Ásia do Leste
como se não tivessem individualidade, nem história, nem diferenças ou
circunstâncias próprias foi o pensamento – desinformado, superficial
ou ainda conscientemente falso – que criou a teoria do dominó, e
permitiu que se tornasse dogma. Porque os orientais no conjunto
pareciam tão semelhantes aos olhos dos ocidentais, esperava-se que
agissem de forma idêntica e atuassem com a uniformidade de
dominós.” (271) Algum americano conhecia os séculos de lutas do
Vietnã por sua independência relativamente aos vizinhos? Os GIs que
desembarcavam em Saigon não falavam nem francês, nem vietnamita.
O racismo implícito nesta visão do “perigo amarelo” teve sem dúvida
um papel importante. (296)

A autora usa um conceito rico, cognitive dissonance, que poderíamos


traduzir como dissonância cognitiva, em que o conjunto da narrativa
criada se mantém apesar de os fatos a desmentirem de maneira
escandalosa. Entre a realidade e a narrativa, dane-se a realidade. “Para
o governante é mais fácil, uma vez que entrou num casulo político (a
policy box), permanecer dentro dele. Para um político em nível
hierárquico inferior é melhor, para o bem da sua posição, não gerar
marolas, não pressionar com evidências que o chefe acharia penoso
aceitar. Os psicólogos chamam esse processo de filtrar evidências
discordantes de ‘dissonância cognitiva’, uma forma fantasiosa para o
acadêmico dizer ‘não me confundam com fatos’.” (322) Em outros
termos, o apego aos erros torna-se mais rígido. Como é possível que
com mais de 1,5 milhões de toneladas de bombas, mais do que na II
Guerra Mundial, os vietnamitas não se convencem que devem
negociar? Mais bombas! (367)

Tuchman, claramente, não tem muita confiança na lógica do poder ou


na inteligência dos grupos que o manejam. “A ausência de pensamento
inteligente no exercício do poder é outro dado universal, que levanta a
questão de a que ponto, nos Estados modernos, há algo na vida política
e burocrática que reduz o funcionamento do intelecto em favor de
‘manejar as alavancas’ sem considerar as expectativas racionais. Isso
parece ser uma prospectiva que se mantêm.” (398) A filosofia que
permeia os escritos de Barbara Tuchman resulta sem dúvida dos seus
próprios estudos da História, mas o seu ceticismo relativamente ao
exercício do poder tem raízes mais antigas. A autora lembra Platão:
“Ele também teve de aceitar que os seus colegas humanos estavam
ancorados na vida de sentimentos, agitados como bonecos pelos fios
dos desejos e medos que os fazem dançar. Quando o desejo não está de
acordo com o julgamento da razão, disse ele, há uma doença na alma.
E quando a alma se opõe ao conhecimento, ou opinião ou razão que
são as suas leis naturais, isso eu chamo de insensatez.” (404)

Uma belíssima leitura. Boa tradução em português, disponível por


exemplo em Estante Virtual.

Sobre o mesmo tema:

04/10/2018 10/02/2018 06/08/2015 31/07/2018


O ódio, o voto e a As raízes Para a máxima EUA: quem lucra
pulsão de morte filosóficas da glória de com as crianças
(7) destruição do Washington separadas
mundo
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Ladislau Dowbor
Ladislau Dowbor é professor de economia nas pós-
graduações em economia e em administração da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), e consultor de várias agências das
Nações Unidas. Seus artigos estão disponíveis
online em http://dowbor.org

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TAGS:Barbara Tuchman, batalha de Dien-Bien-Phu,


dissonância cognitiva, Frans de Waal,
Grã Bretanha e colônia americana, guerra da Argélia,
guerra do Vietnã, guerras dsa religiões, II Guerra Mundial,
irracionalidade humana, Jonathan Haidt, Ku-Klux-Klan, nazismo,
Oriente Médio, Platão

1 Comment

josé mário ferraz


Posted novembro 7, 2018 at 6:31 AM

Para saber da irracionalidade humana não é preciso tantas palavras. É suficiente


constatar que logo não haverá mais água potável, que o ar está se tornando
irrespirável e a comida causando câncer.

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