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Mulheres Perigosas:
Rio de Janeiro
2016
Larissa Quillinan Machado Larangeira
Mulheres perigosas:
Rio de Janeiro
2016
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Agradecimentos
aceitado o desafio de me orientar e por ter feito isso com tanta paciência, carinho e amor.
apoio e ao CNPq pelo fomento que foi fundamental para essa pesquisa.
Aos membros da família Rebouças Quillinan Machado quero expressar minha eterna
gratidão, pois todos me auxiliaram tanto durante minha graduação quanto no mestrado,
pedagoga e avó do mundo, que me ensinou a ensinar. Agradeço a minha mãe, Adelaide
Regina Rebouças Quillinan Machado, por ter me aceitado como filha e por amar e aceitar essa
Agradeço a todos os professores que passaram pela minha vida, pois sem eles esse
Gostaria de agradecer a todos os amigos que fiz no IFCS ao longo desses anos, aos
amigos do NESEG e principalmente aos que foram muito bons amigos: Beatriz Gesteira,
Dayana Jacintho, Gabriela Fernandez, Vanessa Lourenço, Julia Flauzino, Raissa Rodrigues,
Resumo
Abstract
Lista de Ilustrações
Fonte: http://blogmodapopular.blogspot.com.br/2013/04/piripi-piri-pi-piri-piriguete.html
Fonte: http://miolodohenrique.blogspot.com.br/2014/04/conceituando-piriguete.html
Fonte: http://www.google.com.br/#newwindow=1&safe=off&q=piriguete+
Fonte: http://manualdapiriguetchy.blogspot.com.br/2011/06/rebolar-com-tudo-dentro-e-
preciso.html
Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/avenida-brasil/personagem/suelen-isis-valverde.html
Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/malhacao/2012/personagem/fatinha-juliana-
paiva.html
Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/salve-jorge/personagem/lurdinha-bruna-
marquezine.html
Fonte: http://caras.uol.com.br/blog/caras-especiais/look-piriguete-saiba-como-montar-o-seu-
e-arrasar#image0
Figura 11 - “Moda evangélica: o que você precisa saber para não virar uma
'pirigospel'”
Fonte: http://m.mdemulher.abril.com.br/moda/moda-evangelica-743484
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Sumário
Introdução ................................................................................................................................. 9
Introdução
Para Mirian Goldenberg (2007), o corpo é visto como questão central na construção da
identidade do brasileiro. Segundo a autora, “no Rio de Janeiro, a centralidade que o corpo
assume na vida cotidiana é muito mais evidente” (p. 09). Considerando esse cenário carioca,
da piriguete na mídia e no ciberespaço (blogs, sites, redes sociais, etc.). Foi também realizada
a análise das piriguetes nas telenovelas e seriados através de personagens que condensam
sentidos sobre essa categoria como Suellen, de Avenida Brasil, Fatinha, de Malhação, e
mundo do funk carioca e analisar a disseminação do termo e seus múltiplos sentidos. A partir
do funk.
essa lógica e a utilizam em seu próprio benefício, pois parte-se da hipótese que a forma de
agir da piriguete pode reforçar as normas de gênero e a dominação masculina. Dessa maneira,
tratarei as piriguetes mais como desviantes do que como subversivas. Ao falar de desvio,
utilizo a concepção de Howard S. Becker (2008), de maneira que o desvio é aqui entendido
como uma falha apontada pelo processo de desobediência à determinadas regras instituídas.
Para Becker, os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui
desvio e, ao aplicar essas regras a pessoas particulares - no caso aqui estudado, as mulheres
uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outras
determinadas pessoas rotulam como tal. Além disso, é importante destacar que a acusação
pode ou não ser internalizada pelas pessoas que são acusadas de serem desviantes.
Acredito que a mulher rotulada ou acusada de ser piriguete é uma mulher que constrói
seu corpo e sua estética hiperfeminilizados como máscara, maquiagem ou armadura do seu
comportamento sexual mais ativo e/ou considerado socialmente como típico do masculino e
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Disponível em http://blogmodapopular.blogspot.com.br/2013/04/piripi-piri-pi-piri-piriguete.html.
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Disponível em: http://miolodohenrique.blogspot.com.br/2014/04/conceituando-piriguete.html
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O que é piriguete?
rotulação e de acusação. Seu primeiro uso parece ter sido feito na Bahia, mais
versão “piriguete”, é fruto da junção das palavras "perigosa" e "girl" (“garota” em inglês),
tendo se realizado o acoplamento do final “-ete” simplesmente para soar melhor. Optei, aqui,
por utilizar a versão com i (“piriguete”) por considerá-la mais presente nos discursos
pesquisados.
[perigo + -ete] significa “moça ou mulher namoradeira”. Embora a piriguete denote perigo,
sexual. A piriguete é entendida como uma mulher com modos heterodoxos de vestir, de agir e
existência no imaginário social através do qual o seu corpo, a sua roupa e o seu
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Trecho de Show das Poderosas, música de Anitta lançada em 2013. Composição: Larissa Machado. Fonte:
http://www.vagalume.com.br/anitta/show-das-poderosas.html
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Edição lançada em 11 de setembro de 2012, durante a Bienal do Livro no Rio de Janeiro.
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informações midiáticas nos quais são feitas referências às piriguetes. O tom mais geral e
recorrente das reportagens, dos comentários sobre a vida de famosas e das personagens de
como pouco ortodoxo destas mulheres, com relacionamentos afetivos e sexuais vistos como
Apesar de ser uma categoria recente, tendo começado a ser estudada nas ciências
humanas no início dos anos 2000, o termo piriguete é usado também em referência a outros
tempos. Nos discursos presentes no ciberespaço costuma-se fazer algumas alusões a mulheres
que viveram antes da gênese dessa categoria, mas que são vistas como precursoras desse
estilo de vida. As atrizes Marilyn Monroe e Leila Diniz e a cantora Maysa, por exemplo,
assim como uma série de pinups dos anos 1950, são muitas vezes resgatadas nesse sentido, já
que levavam uma vida “livre” no que diz respeito aos seus comportamentos e à sua
sexualidade.
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No buscador Google BR aparecem aproximadamente 606.000 resultados para a palavra piriguete.
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Disponível em: https://www.google.com.br/#newwindow=1&safe=off&q=piriguete+
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Até em trabalhos acadêmicos vemos esse tipo de comparação. Nascimento (2010) diz,
parafraseando o título do livro de Mirian Goldenberg Toda mulher é meio Leila Diniz, que
Fora dos limites dos pagodes baianos, essa representação constrói um amplo
espectro de significações e deslocamentos já que se trata de uma construção
discursiva em processo, servindo de suporte para as diversas representações da
mulher independente e sexualmente livre na cultura brasileira contemporânea, dando
a entender que “toda mulher é meio piriguete” (NASCIMENTO, 2010a, p. 07).
descobrir, por exemplo, se sua amiga é piriguete. Um exemplo é o questionário abaixo, que
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Disponível em: http://www.dicasdemulher.com.br/sua-amiga-e-piriguete/
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( ) Para ir à igreja
( ) Para ir ao dentista
( ) Para ir à balada
( ) Só em casa
( ) Raramente
( ) Quase sempre
( ) Scarpin ou sapatilha
( ) Patrícia Poeta
( ) Panicats
( ) Deborah Secco
tipo ideal de piriguete combina estética, ética e corporalidade. Nesse sentido, Lagrou, em
gênero nas letras de pagode baiano, Nascimento (2008) afirma que a palavra piriguete ainda
não tem definição em dicionários de Língua Portuguesa8, mas é disseminada no Brasil com
Para Nascimento, tendo em vista a relação de poder entre homens e mulheres, o termo
produção de diferenças, tais como cor, classe, gênero e sexualidade. Para ele, esses elementos
piriguete:
A escolha pelo uso de roupas curtas e justas faz com que as pessoas definam o estilo
da participante como “piriguete”. O termo piriguete (ou periguete), de conotação
pejorativa, tem sido usado (na música popular, na mídia, na conversa informal) para
definir a mulher que não está adequada aos padrões tradicionais de conduta
feminina, seja por ter muitos parceiros sexuais, seja por agir ou se vestir de maneira
considerada provocante (CERQUEIRA, CORRÊA e ROSA, 2012, p. 133).
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A definição do termo “periguete” no dicionário é de 2012.
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a piriguete no contexto do brega no Recife. Para Soares (2012), as piriguetes acionam sua
identidade piriguete no momento que lhes é conveniente, já que “ser” piriguete pode assumir
de certa forma que essa mulher categorizada, representada e identificada como piriguete não
al. (2012) concordam que as piriguetes transgridem e subvertem o que é convencionado como
Facina (2009) afirma que a história do funk carioca tem origem na junção de tradições
ritmo, mas sim uma releitura de um tipo de música ligado à diáspora africana.
Vianna (1987) salienta que, no mundo funk, a festa entra em cena como um outro
“mundo”, onde as pessoas podem experimentar uma alegria impossível nas atividades
“comuns”. Vianna afirma que nos bailes nenhuma regra social é contestada. Para ele, não
existe nenhuma inversão de papéis ou valores como no carnaval. Ele acredita que até a
liberdade sexual que se vê nos bailes não é nenhuma transgressão, pois os gestos eróticos
mais ousados são veiculados pela publicidade no horário nobre da televisão - portanto, não é
fácil identificar um sistema de valores dominantes ao qual a festa possa se opor. Ele conclui
O autor mostra que os grupos de dança nos bailes funk são divididos entre apenas
femininos ou apenas masculinos. Ele explica que essa divisão sexual se dá principalmente
pelas diferenças entre os modos de dançar das mulheres e dos homens. Nesse sentido, o autor
Mizrahi (2006) aborda o “figurino funk” como um todo formado por relações de
adornos corporais. A autora observa que a roupa das mulheres é sempre muito combinada:
elas escolhem um dos tons do traje e o repetem em todo conjunto, nos acessórios, como cintos
e bijuterias, e nas cores das sombras colocadas sobre as pálpebras dos olhos. A marca da
roupa, para as moças, não tem tanta importância, mas é importante que a roupa feminina “te
moda, como os cristais e os cintos de elástico. De acordo com a autora, a “calça de moletom
stretch” é uma ressignificação quiçá erótica do jeans. Estas mulheres criam uma moda que
guarda estreita associação com seu universo, concedendo uma marca estética à brasilidade,
“carregando a marca da tradição”. Contudo, esse maior apego às tradições estéticas não
significa que as moças não apreciem as alterações que a moda possibilita. A autora ressalta
surgimento de uma nova calça que apresenta um caráter de continuidade com a anterior, ainda
que não deva ser considerada como mais uma versão do mesmo estilo. Essa peça de roupa é
feita em uma malha leve, como é o moletom stretch, tem cintura baixa e realça o corpo. Esse
tecido é categorizado pela autora como “darlene”, nome de uma personagem de novela da
emissora televisiva Rede Globo que vestia saias feitas com esse tipo de tecido. Pode-se
perceber, portanto, uma tendência de imitação dos estilos de roupa usados por personagens
femininas de telenovelas.
distinção e de inclusão social. Ela entende que a distinção e imitação são duas faces da mesma
Mizrahi afirma que as moças querem roupas justas, que realcem seus corpos na dança,
revelando sua sinuosidade através de uma dança composta por movimentos igualmente
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sinuosos. Mas as roupas não podem ser apenas justas: elas devem permitir liberdade dos
Facina (2011) observa que a marca da roupa, para as mulheres, não é tão importante
maquiagem também são muito importantes. A autora afirma que todos se preparam para o
baile funk de alguma forma, principalmente para “agradar o sexo oposto (por vezes o mesmo
sexo), pois o objetivo é, na linguagem nativa, ‘beijar muito’, paquerar, ficar” (p. 6).
Facina (2011) ressalta que a trilha sonora dos bailes é, na maioria das vezes, funks
analisa esses funks “putaria”, cantados tanto por MCs homens quanto por MCs mulheres, e
conclui que, apesar dessas mulheres estarem empoderadas pelo domínio do palco e de seus
corpos, em geral elas reproduzem uma visão socialmente atribuída ao homem sobre
relacionamentos afetivos, traição e desejo. É importante ressaltar que só a partir dos anos
2000 surge um número considerável de MCs mulheres: “Estas, que antes eram uma minoria
funk, está hoje dividido em duas linhas de percepção opostas. Uma delas entende que a
status de objeto sexual submisso do gênero feminino na sociedade, enquanto a segunda linha
conceito de indústria cultural. A postura feminina, apesar de ser considerada como uma
Lopes (2011), por exemplo, defende que algumas repetições subversivas dos gêneros “são
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depoimentos de cantores que excluem a resistência como motivação para a produção destes
funks e colocam como prioridade o lucro que eles trazem. Dessa maneira, a perspectiva da
reificação apresenta o apelo do mercado como um dos principais fatores que influenciam o
exigido pelos próprios produtores. Já a segunda perspectiva entende que essa representação
das relações de gênero. Ou seja, as letras cantadas por mulheres no funk, e não só isso, mas
também a representação física dessa mulher, a construção do corpo, a forma como ela se veste
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Noção de que a mulher toma para si o poder que antes estava na mão do sexo masculino, tomando uma postura
de não submissão, provocando, dessa maneira, uma transgressão da convenção de gênero e logo da performance
de gênero e da noção hegemônica de feminilidade. Segundo Cortez e Souza, o acesso e uso do poder pelas
mulheres representam, assim, um desafio às relações patriarcais, principalmente no ambiente familiar, uma vez
que desafiam o poder do homem e ameaçam seus privilégios, sinalizando a possibilidade de mudança na relação
de dominação dos homens sobre as mulheres. Alteração essa que proporciona às mulheres a autonomia sobre
seus corpos, sua sexualidade e seu direito de ir e vir e também o repúdio ao abuso físico, à impunidade e às
decisões unilaterais masculinas (Cortez e Souza, 2008, p. 179).
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Mc Luan
Eita louca
Mc Pocahontas
Outro bom exemplo de música “resposta” que se apresenta como um duelo entre o
Conto mentira pros meus pais pra conseguir tudo o que eu quero
E, e fudeu...
O discurso de Vou Largar de Barriga mostra a resposta das MCs mulheres aos
determinadas situações.
Percebe-se, a partir das letras, que as mulheres que são MCs não têm problemas em
tomar para si os discursos e atitudes masculinas, como é explicitado na letra de Casa dos
Machos. Nesse sentido, cabe pensar se elas subvertem ou reforçam a dominação masculina,
reproduzem. Nesse sentido, Facina (2011) afirma: “É como se o canto feminino invertesse o
sujeito da dominação de gênero, mas preservando a sua lógica desigual intacta” (p. 8).
anos 1960-1970. Essa resistência estaria justamente ligada à questão da quebra de tabus no
Os elementos trazidos pelo mundo do funk para a investigação das relações de gênero
portanto, não poderia descrever e aproximar-se dessa mulher brasileira, permitindo captar a
as relações de gênero que se dão no ambiente doméstico, de lazer e de trabalho, propõe que as
mulheres das classes populares possuem uma dupla carga horária: trabalham e cuidam da
casa. Além disso, elas devem estar à disposição dos homens para a satisfação dos seus desejos
sexuais. Um tema levantado e que não pode ser esquecido justamente por ser fundamental
para o real entendimento de quem é essa mulher é o fato de que, na maioria dos casos, ela não
é apenas a mãe e a dona da casa, mas também cumpre o papel social de “pai” enquanto
provedor de renda. Soihet (2003) afirma que, embora não seja negado que os ideais
XIX assumia multiplicidades de formas, sendo inúmeras famílias chefiadas por mulheres sós.
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Na concepção da autora, isso não se devia apenas às dificuldades econômicas, como afirmam
outros autores, mas igualmente pelo fato de que estes populares apresentam segmentos,
normas e valores diversos, frutos de uma cultura própria que expressa sua prática cotidiana de
existência.
Soihet (2003) afirma que as mulheres pobres viviam sua sexualidade de forma distinta
àquela considerada conveniente na época estudada por ela, o século XIX. É interessante
pensar que o “processo civilizador” pelo qual todas as mulheres da nossa formação social
passaram não é, em essência, o mesmo. Esse processo pode ter congruências, mas as
Amorim (2009) compara o mundo do funk e as mulheres que estão dentro desse
mundo ao movimento do Hip-Hop nos EUA. A autora sustenta que nessas “comunidades”,
geralmente compostas por pessoas negras, pobres e faveladas, os homens tendem “a morrer
mais cedo por causa do tráfico, ou vão para a prisão, ou bebem, ou largam as famílias”, o que
ocasiona a tomada do poder por parte das mulheres. A autora afirma que “então elas já eram
Soihet (2004) revela como as atividades das mulheres pobres desdobram-se também
no seu modo prático de vida e no tipo de moral que seguem e constroem: a forma mais
desinibida de mostrar o corpo, de falar sobre corpo, sexo e prazer seriam, segundo a autora,
características desse grupo social. Cuidar da própria vida, dos filhos, da casa, das contas no
fim do mês e de outros inúmeros problemas, já que não tem o padrão de configuração familiar
permitiu a essa mulher ser mais livre com seu próprio corpo e buscar seu prazer e sua
liberação sexual - o seu discurso e o seu comportamento refletem suas condições concretas de
vida e o processo histórico de independência que a mulher das classes menos abastadas vem
impostas pelo cânone burguês. Apesar da absorção de muitos valores das classes burguesas
pelas mulheres pobres, a incorporação de certas prescrições sociais não era possível, uma vez
que o homem não estava presente para poder exercer o papel de provedor do sustento nessas
deste segmento social, como pode ser visto nas performances do “funk putaria” em que as
mulheres expressam desejo e prazer com menor pudor do que em outros estilos musicais
que esta liberação sexual feminina aparece em diversos trabalhos sociológicos voltados para
outros movimentos musicais das classes baixas brasileiras. Trotta (2009), por exemplo,
prática sexual por parte das mulheres, independentemente da sujeição ao poder patriarcal
Soihet (2004) destaca as privações e os discursos sobre as mulheres como uma forma
de violência simbólica. Ela afirma que os grupos que sofrem este tipo de violência
missão atribuída ao sexo feminino". No mundo do funk, a mulher assume o discurso que antes
era exclusivamente do homem. Sendo assim, não existe necessariamente a subversão de uma
ordem, nem uma mudança daquilo que está estabelecido. As mulheres, atores antes pouco
presentes nesta cena, vem produzindo discursos semelhantes aos dos homens e conseguindo
processo cultural que produz essa mulher. Essas mulheres aprenderam a usar o corpo de uma
maneira distinta das mulheres das camadas médias e altas. Para elas, o corpo é central no
mundo do trabalho e, eu diria até que ele é fundamental para a sua sobrevivência. Como
afirma Goldenberg (2007), neste universo, o corpo é “um verdadeiro capital”, uma riqueza,
um valor.
disciplinar do que é ser uma mulher favelada, suburbana e funkeira. O modelo de corpo
bonito para essas mulheres é bastante diferente do modelo canônico. Um exemplo de corpo
bonito, entre as funkeiras, é o da cantora Valesca Popozuda. Elas não buscam a magreza - no
contexto do mundo do funk, o corpo feminino valorizado é o corpo com muitas curvas. A
exposição desse corpo é feita de maneira que a sinuosidade do corpo seja evidenciada, e o uso
de roupas justas e curtas auxilia na exposição desta característica curvilínea do corpo. Outras
estratégias são bastante utilizadas por essas mulheres, como o clareamento dos pelos do corpo
contexto).
foram inspiradas por mulheres presentes no mundo do funk tais como a dançarina e cantora
Renata Frisson, popularmente conhecida como “Mulher Melão”, que afirma que “inspirou Ísis
agosto de 2011 e 23 de março de 2012 pela emissora Rede Globo. A personagem Teodora,
interpretada por Carolina Dieckman, constitui um exemplo de personagem que expressou essa
ética e essa estética. A primeira piriguete relacionada com o mundo do funk foi Suellen,
interpretada pela atriz Ísis Valverde na novela Avenida Brasil, escrita por João Emanuel
emissora.
Outra personagem de destaque foi Fatinha, interpretada pela atriz Juliana Paiva em
Malhação, escrita por Rosane Svartman e Glória Barreto e exibida entre 13 de agosto de 2012
2013, estava no ar a novela das 21 horas Salve Jorge, escrita por Gloria Perez e também
transmitida pela Rede Globo, que contava com a personagem Lurdinha, interpretada por
Diante desta vasta quantidade de exemplos, parece ter-se criado uma tendência nas
telenovelas de se ter ao menos uma personagem que se identifique com a ética e estética
piriguete. Nesse sentido, o escritor e produtor cultural Nelson Motta fez um vídeo-coluna
intitulado Piriguetes vieram para ficar e são queridas até entre crianças10 para o Jornal da
10
Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-da-globo/v/piriguetes-vieram-para-ficar-e-sao-
queridas-ate-entre-criancas/2095745/. O vídeo foi originalmente publicado no site em 17 de Agosto de 2012.
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grupo de risco depois da AIDS e fizeram dos testes de paternidade por DNA um
meio de vida. Hoje elas são as adoráveis piriguetes, que são queridas até pelas
crianças e as famílias.
Nesse momento do vídeo começa a tocar a música Folhetim, composta por Chico
Buarque e lançada em 1979, quando ainda não existiam as piriguetes das telenovelas:
Se acaso me quiseres/ Sou dessas mulheres/ Que só dizem sim/ Por uma coisa à toa/
Uma noitada boa/Um cinema, um botequim/ E, se tiveres renda/ Aceito uma
prenda/Qualquer coisa assim/ Como uma pedra falsa/ Um sonho de valsa/ Ou um
corte de cetim/ E eu te farei as vontades/ Direi meias verdades/Sempre à meia luz/ E
te farei, vaidoso, supor/ Que és o maior e que me possui/ Mas na manhã seguinte/
Não conta até vinte/ Te afasta de mim/ Pois já não vales nada/ És página virada/
Descartada do meu folhetim.
ele seria algo entre a música Folhetim, de Chico Buarque, e a música A doida, do cantor
carioca Seu Jorge. O tipo de comportamento relatado por Seu Jorge na letra da música deixa
bem clara a depreciação da mulher quando ela não age de acordo com o que os homens
A doida vazou/ A doida vazou/ Nem quis meu amor/ Nem quis meu amor/Ela se
querendo toda foi chegando doida/ Pra perto de mim/ Eu fui me sentindo o cara,
botei a minha cara/ Pensando no fim/ Ela, toda venenosa de vestido rosa/ Pra me
seduzir/ Eu banquei a noite inteira, foi tanta saideira/ E nada de partir/ E ela no
Absolut, misturando ice, uísque e Redbull/ Eu vivi um pesadelo, entrei em
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Bairro fictício onde se passava a trama da novela Avenida Brasil.
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No artigo Rebolar com tudo dentro é preciso!, publicado pelo blog Manual da
blog, que destaca o trecho de uma de suas músicas de maior sucesso: “sinta-se diva e mostre
A dica de hoje vai para você, pirigue do meu Brazyl varonil, que assim como nós
AMA dançar funk, but tem vergoinha de admitir no meio da sua galera pseudo-cult-
clássica-amo-egberto-gismonti (tb adoramos gente, nada contra, mas vamos se abrir
pro mundo em todos os sentidos, plis!). Nada disso! Além de obviamente ser contra
esses preconceitos escrotos, tem uma coisinha que não pode ser desprezada: tem
coisas que só o funk faz por você!
Sim, sim, sim, minha cara colega de labuta. Por algum acaso, você ouve (e canta)
todas as letras dos proibidões delícia da Valesca Popozuda (musa forever) e acha
que é apenas poesia? Não, não, não! Preste atenção na música de Mc Katia: "pra ele
eu dou o koo de cabeça pra baixo". Se você é dessas que pensa: nossa, que coisa!
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Disponível em: http://manualdapiriguetchy.blogspot.com.br
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Fonte: http://manualdapiriguetchy.blogspot.com.br/2011/06/rebolar-com-tudo-dentro-e-preciso.html
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Imagina isso! E dá boas gargalhadas com suas otrazamigas... Tá andando com gente
errada! É CLARO QUE A MC KATIA FAZ ISSO! Ela e todas as outras mulheres
que empinam o popozão, descem até o chão e, claro, fazem a velocidade 5 do créu.
Não tem muito caô: sabe dançar funk? Muito (muito mesmo) provavelmente manda
bem na cama. Isso porquê (tese desenvolvida por moi): fazer agachamento não é pra
qualquer uma fia! Rebolar o popozão tb não! Se vc treme na dança do créu, os caras
já pensam - imediatamente - em você fazendo aquilo em cima dele. E se eles
pensam, faça! Isso mesmo. Baixe a pompagira funkeira que há em você! Acredite no
seu poder de sedução e ataque. Não precisa falar, apenas "senta, senta, senta"! Ele
vai se sentir o Mr Catra, mandando vc rebolar "a-há, com tudo dentro!" Vai dizer
que não é bom a beça?
Então, querida. Não se envergonhe e pratique. Há comprovações empíricas ;) sobre
os resultados dos passos de funk aplicados no sexo de maneira muito positiva
(positiva=orgasmos para o casal). Joga o preconceito pra lá, passe numa boa banca
de jornal ou camelô, compre seus bons DVD da Furacão e A R R A S A na coreô!
Sensualiza bastante, sinta-se diva e mostre pra ele que "my pussy é o
podeeeeeeeeeeeer!".
Acredito que My Pussy é o Poder, lançada em 2010, é a música que melhor representa
de que a ética é também uma estética, pois mostra que a partir do uso do corpo e do poder do
sexo a piriguete se torna mais poderosa. Aqui, a ideia de poder está muito relacionada ao
corpo, principalmente à buceta, termo popular para a vagina. No entanto, nota-se que a
mulher atribui este poder baseada em uma valorização masculina da buceta, como mostra a
letra: “Minha buceta é o poder/ Por ela o homem chora/ Por ela o homem gasta/ Por ela o
homem mata”. Essa ideia reforça a ideia de que essa mulher constrói seu corpo, por vezes
acusado de ser objetificado, mas também mascarado como uma isca para os homens que as
tratam como objeto. Sendo assim, a buceta é algo que, se utilizado dentro de uma ética
específica, dá poder a essas mulheres. A buceta, portanto, é um capital simbólico, uma forma
de poder.
A música mostra que a piriguete quer agradar os homens, mas também fazê-lo
enlouquecer, fazê-lo gastar muito dinheiro. Uma das principais acusações que a piriguete
acusações com relação à ética piriguete são ligadas aos seus comportamentos e
“piriguete da vida real”, a piriguete da vida real também se inspira na piriguete de novela e,
assim, cria-se um ciclo de influências. Sabe-se que são realizadas pesquisas tanto pela
produção quanto pelos atores para a composição das personagens das novelas com o intuito
Como exemplo dessa representação inspirada na vida real temos uma entrevista de Renata
Frisson, conhecida como Mulher Melão14, concedida em 2012 a Valmir Moratelli, jornalista
do portal iG Rio de Janeiro. A reportagem, intitulada Sou doutorada como piriguete e maria-
14
Nome artístico de Renata como cantora de funk.
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chuteira aposentada, fala sobre “como ela inspirou Ísis Valverde a compor Suellen, a
personagem foguenta de Avenida Brasil”, nas palavras do autor. Moratelli descreve a vida de
Faltavam vinte minutos para o fim do treino. Com uma minissaia “Deus nos acuda”,
salto alto e um top minúsculo, uma moça subiu na lata de lixo para, enfim, pular o
muro que separava a rua do campo de futebol de um famoso clube carioca.
Desequilibrou-se. Quase se machucou. O treino foi interrompido.
Parece cena de Suellen, a personagem de Ísis Valverde em “Avenida Brasil”. Mas o
episódio aconteceu de verdade. Renata Frisson, que hoje é a cantora de funk. Mulher
Melão, conta que dos “16 aos vinte e poucos” foi uma autêntica maria-chuteira.
Tanto que a ficção se misturou com a realidade. “Invadia os treinos para causar
tumulto, chamar a atenção dos jogadores. Sempre gostei disso. Mas não me
interessava o cara que estava começando, mirava nos artilheiros com potencial de ir
para a Eurocopa”, diverte-se ela, relembrando passagens de seu passado. Só não
entra em detalhes sobre times, jogadores ou qualquer pista que possa levar ao nome
das “vítimas”.
A catarinense Renata mora há dois anos num flat no anexo do Sheraton Barra Hotel
& Suites, que diz manter sozinha, sem ajuda financeira de ninguém. O aluguel
mensal não sai por menos de R$ 3,5 mil. Em baixa temporada. A entrevista ao iG
não podia acontecer em local mais apropriado. No restaurante do hotel, tendo nas
mesas ao redor dirigentes e jogadores do Boca Juniors, hospedados no Rio para uma
partida pela Copa Libertadores, contra o Fluminense.
Enquanto fala de suas táticas para fisgar “partidões”, a cantora confere, a cada cinco
minutos, as mensagens de seu celular. Ela não percebe, mas o centroavante Santiago
Silva, que teve uma rápida passagem pelo Corinthians em 2002 e é conhecido como
"El Tanque”, passa bem próximo da mesa e fuzila olhares em direção a suas pernas.
“Os argentinos nunca me interessaram”, desdenha ela, cheia de graça.
iG: Como Isis Valverde teria se inspirado em você para a personagem da novela?
RENATA FRISSON: Estava sendo observada e não sabia. Tudo começou quando
cheguei no salão do Flavio Priscott, o mesmo que fez a caracterização da Isis.
Discreta, ela falou pro Flavio que eu era “a” personagem dela. Isis demorou a vir
falar comigo. Só na quinta ou sexta vez que nos encontramos no salão é que ela veio
falar. Ela tinha medo que eu ficasse ofendida, já que a personagem é uma piriguete.
iG: Não se ofendeu?
RENATA FRISSON: Imagina! Eu sou aquilo mesmo (risos). Falo hoje em dia que
sou ex-piriguete, sou doutorada no assunto. É meu jeito natural de ser. A Isis não me
perguntava nada, só ficava observando e anotando tudo. Ela pegou até meus
bordões. “O corpo é meu, a pista é nossa”, “Eu sou dessas”, “Não quero namorar um
BR (baixa renda)”... Até a unha comprida foi copiada de mim.
38
A partir das respostas da Renata pode-se explorar muitas questões, tais como o
da piriguete, a associação da piriguete com o sexo, entre outras. A própria Renata fala das
táticas utilizadas para escolher bons partidos enquanto desdenha do jogador que estava
passando no momento da entrevista, deixando bem claro que as escolhas são feitas por ela.
Renata teve algum tipo de relação como “vítimas”, termo que deixa visível a dimensão de
perigo relacionada às mulheres consideradas piriguetes. A própria Renata diz: “Sou doutorada
como piriguete e maria-chuteira aposentada”. Ela também conta sobre suas estratégias de
escolha dos jogadores dizendo: “Invadia os treinos para causar tumulto, chamar a atenção dos
jogadores. Sempre gostei disso. Mas não me interessava o cara que estava começando, mirava
nos artilheiros com potencial de ir para a Eurocopa”. Esse trecho é especialmente interessante
porque explicita alguns aspectos da ética piriguete: o primeiro é chamar muita atenção,
A entrevista também traz o relato de uma das “invasões” feitas por Renata: “Faltavam
vinte minutos para o fim do treino. Com uma minissaia ‘Deus nos acuda’, salto alto e um top
15
A “maria-chuteira” é popularmente compreendida como uma mulher interesseira que se sente atraída e busca
travar relações com jogadores de futebol.
40
minúsculo, uma moça subiu na lata de lixo para, enfim, pular o muro que separava a rua do
treino foi interrompido”. Nesta passagem percebe-se que a estratégia da invasão não foi nada
discreta e que a intenção não é chamar a atenção de qualquer um, mas dos jogadores, e,
também, não é a atenção de qualquer jogador, como Renata diz: “Mas não me interessava o
cara que estava começando, mirava nos artilheiros com potencial de ir para a Eurocopa”. Ao
escolher o alvo, ou a “vítima”, parte da estratégia é mirar alguém que já tenha um futuro
promissor. Ao mesmo tempo entende-se que ela não quer uma relação que se mantenha no
“futuro” com a “vítima”, mas que ela quer chamar atenção de alguém que já tenha fama,
sucesso e muito dinheiro, de preferência um “bilionário”. Assim, ela constrói a própria fama,
conseguindo se beneficiar e se sustentar com essa fama. Renata salienta: “Eu pago tudo com
meu dinheiro. Trabalho para isso. Faço shows (como funkeira) no Brasil todo”.
escolhi três personagens piriguetes para uma análise mais detalhada. As personagens
Acredito que elas são bastante interessantes, pois representam piriguetes de diferentes faixas
etárias e de telenovelas exibidas em diferentes horários, apesar de terem uma mesma relação
intensa com o mundo do funk e com o Rio de Janeiro. É importante destacar que elas são
muito citadas nos discursos do ciberespaço tanto de maneira pejorativa quanto como
“exemplo de vida”. As três têm ou tiveram fã-clubes virtuais que exaltam seus bordões e
“ensinamentos”.
41
(muito curtas e justas) e, ao longo dos capítulos das telenovelas, mostraram-se associadas ao
mundo do funk.
completamente nua.
Ela se casa com Roni e os dois fazem um acordo de mútuo benefício: ela precisava
casar para conseguir a cidadania brasileira, já que era uma imigrante boliviana residindo
16
Disponível em: http://gshow.globo.com/novelas/avenida-brasil/personagem/suelen-isis-valverde.html
42
ilegalmente no Brasil, e ele para acabar com as suspeitas de ser homossexual. Ao longo da
trama ela se relaciona com Roni e Leandro simultaneamente e de forma “escondida”. Com a
descoberta de uma gravidez, eles iniciam um relacionamento a três. Na novela, quem é o pai
Um dos aspectos interessantes a ser lembrado é o fato de que, pelo enredo original do
autor da novela, Suellen iria morrer. Mas o sucesso e a aceitação do público e a expectativa
em torno doo que ela ainda poderia “causar” ou “aprontar” fizeram com que ela ficasse “viva”
homens, mas também no sentido de expor e destruir o homem que não “cai” em sua
piriguetes.
Fatinha:
namorado de verdade.17
17
Disponível em: http://gshow.globo.com/novelas/malhacao/2012/personagem/fatinha-juliana-paiva.html
44
californiana" – boné, blusa curta com outra blusa sobreposta, saia curta e tênis. Estudante do
ensino médio, Fatinha começa sua história sendo expulsa de casa por dançar funk no sarau do
colégio. Filha de pais conservadores, a personagem vive uma vida dupla. Em alguns
momentos ela é Maria de Fátima, uma jovem recatada no modo de vestir e agir, em outros
momentos ela é Fatinha, uma jovem que gosta de “causar”, de se vestir e se comportar de
maneira ousada. Em certo ponto da trama ela “assume” a Fatinha e não volta mais a ser a
Maria de Fátima recatada. Fatinha posa para uma propaganda de calcinha e causa a fúria do
namorado. Ela trabalha num hostel, onde sofre uma tentativa de estupro por parte de um dos
clientes. Embora fosse bastante ousada, a sua “primeira vez” é com o namorado Bruno.
Ela é debochada
Ela é debochada
Senta, quica rebolando, olhando pra minha cara
Senta quica rebolando, senta quica rebolando,
Senta quica rebolando olhando pra minha cara
Ela é danada é poderosa
E quando dança ela sabe que provoca
Jogando avanço toda empinada
Ela incomoda essa mina se destaca
Eu tô vidrado, ligado nessa mulher
Tá jogando charminho mostrando que me quer
Nesse clima envolvente, num jogo de sedução
Ela fica me estigando pra chamar minha atenção
Ela é debochada
Senta, quica rebolando, olhando pra minha cara
Debocha que eu tô facinho
Debocha que eu gosto assim
Debochada desse jeito eu quero você pra mim
45
O funk tema de Fatinha mostra como as mulheres são vistas como poderosas ao se
utilizarem das provocações. Diz a letra da música: “Ela é danada, é poderosa/ E quando dança
ela sabe que provoca/ Jogando avanço toda empinada/ Ela incomoda, essa mina se destaca”.
Elas são poderosas e elas não são invisíveis: as piriguetes se “destacam”, “chamam atenção”,
“Tá jogando charminho mostrando que me quer/ Nesse clima envolvente, num jogo de
sedução/ Ela fica me estigando [“instigando”] pra chamar minha atenção/Ela é debochada”. O
autor da música deixa claro que quem domina o jogo da sedução é ela, e, mais ainda, ela não
Lurdinha:
irmã.18
18
Disponível em: http://gshow.globo.com/novelas/salve-jorge/personagem/lurdinha-bruna-marquezine.html
19
O complexo do Alemão é um conjunto de favelas localizado na Zona Norte do município do Rio de Janeiro.
46
“quadradinho”20. Nas cenas da laje são evidenciadas técnicas corporais utilizadas pela
piriguete, como usar tiras de esparadrapo para ficar com a “marquinha de biquíni” bem
definida ou clarear os pelos corporais com água oxigenada. Lurdinha namorou um menino de
classe alta. Na maioria das cenas a personagem usa shorts ou saias curtas, tops e sandália de
salto.
Como mostrei anteriormente, uma das piriguetes mais famosas das telenovelas foi
Suellen, que fazia de tudo para conquistar um promissor jogador de futebol. Ela foi inspirada
em Renata Frisson, a cantora de funk Mulher Melão, que disse que foi uma autêntica “maria-
chuteira” e invadia os treinos para chamar a atenção dos jogadores com potencial “para ir para
a Eurocopa”. Como curiosidade, vale a pena destacar que a atriz Bruna Marquezine, que
interpretou a piriguete Lurdinha, foi namorada de um dos jogadores mais famosos e bem
20
Um dos movimentos da dança do funk cujo o objetivo é “fazer a forma de um quadrado com o quadril”, para
isso se coloca a mão no joelho e mexe o quadril repetidamente na seguinte ordem: para direita, para trás, para
esquerda, para frente.
47
ressaltada a ideia de que essa mulher quer chamar atenção e que ela consegue ter a atenção
que deseja. Dessa maneira, entende-se que a ética, a estética e a performance estão
relacionadas e são explicitadas algumas vezes como uma coisa única, condensada na
A partir da revisão teórica temos um tipo ideal de piriguete: uma mulher jovem e
pobre. Essa jovem usa roupas curtas, frequenta bailes funks e foi criada por mulheres que em
sua juventude também frequentaram bailes e usavam roupas curtas além de trabalhar,
A roupa da piriguete não é somente curta e justa; essa roupa é literalmente colada ao
corpo. Essas mulheres usam fitas adesivas dupla-face para colar a roupa ao corpo, evitando
assim que ela “saia do lugar” e mostre mais do que ela deseja. A técnica de colar a roupa ao
corpo é utilizada tanto em saias curtas, evitando que elas “subam”, quanto para colar decotes,
Ela foi categorizada dessa maneira a partir do momento em que os MCs de funk carioca se
Quando ela me vê
Ela mexe
Piri pipiri pipiri piriguete
Rebola devagar
Depois desce
Piri pipiri pipiri piriguete
Minissaia rodada, blusa rosinha
Decote enfeitado com monte de purpurina
Ela não paga, ganha cortesia
Foge se a sua carteira tiver vazia
Vai na micareta
Vai no pop rock
Festa de axé, ela só anda de top
49
questão do interesse financeiro, do modo de agir e de vestir, ética e estética da piriguete, com
destaque para elementos como o famoso bordão “piriguete não sente frio” e a bastante
começou:
Ouvia meninas do meu colégio que tinham viajado para a Bahia repetirem a gíria
‘piriguete’ incessantemente. Fiquei curioso, fui pesquisar o que era e acabei
21
“Um cinco sete” se refere ao artigo 157 do Código Penal Brasileiro: subtrair coisa móvel alheia, para si ou
para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência. Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
50
gostando do tema”, explica. “Não imaginava que viraria um fenômeno. Fui pego de
surpresa, foi a primeira gravação em estúdio.22
O mundo do funk já havia “criado” a mulher funkeira, uma mulher jovem e pobre.
Esse mundo também foi o ideal para o processo de criação da representação da piriguete
afirma que:
O pagode baiano faz parte de um movimento cultural mais amplo cujo discurso
perpassa não apenas esse gênero musical como também outros gêneros massivos, a
exemplo do forró, do funk carioca que tem usado e abusado do corpo feminino
como objeto de consumo, transformando as mulheres em frutas, algo consumível,
comível e descartável. Com efeito, essas representações de gênero se estendem a
outros espaços midiáticos a exemplo das propagandas, das telenovelas, das revistas
femininas, etc. (NASCIMENTO, 2008, p. 6).
Almeida (2007) afirma que a mídia é uma tecnologia do gênero. Para a autora, a mídia
é uma esfera social poderosa na construção de sentidos simbólicos. Essa tecnologia do gênero
autora ressalta que é senso comum publicitário que a televisão facilita a criação de “novos
comportamentos”.
amorosos e da vida familiar e são centradas em personagens femininos de classe média e alta
22
Disponível em: http://www.revistaencontro.com.br/app/noticia/encontro-
indica/2014/01/28/noticia_encontro_indica,147360/o-principe-das-piriguetes.shtml
51
dos grandes centros urbanos. Essas histórias até mesmo incorporam alguns ideais feministas
no que diz respeito a uma moral sexual, mas mantém coerência com valores ditos tradicionais,
como ser uma boa mãe e se dedicar à família. Entretanto, para que a novela funcione e atraia
toda a família, colocam-se na trama personagens de diversas faixas etárias e estilos de vida.
Almeida (2007) argumenta que é reconhecido no Brasil que o papel das novelas é
promover e difundir a moda – aqui, as roupas são compreendidas como um dos sinais de
distinção para assumir um estilo individual. Nas novelas, estilos específicos são associados a
exibição da novela. Para a autora, a novela fornece um panorama que permite um relativo
“processo reflexivo do eu” – assim, o espectador repensa suas experiências no campo das
mesmas relações que vê representadas na narrativa da novela. No entanto, para ela existe
também uma “educação de sentimentos” que é mais incorporada no caso das gerações mais
novas. A autora afirma que há outros tipos e apelos femininos; apelos muito mais marcados
natureza. Esses apelos já foram convencionados por alguns autores de novela, e essa
Tendo em vista as imagens das piriguetes nas telenovelas e a análise dos autores que
acreditam que as piriguetes são subversivas e transgressoras, pode-se sugerir que as piriguetes
das novelas não são de todo transgressoras e subversivas, mas sim desviantes. Mesmo
existindo muitos funks feitos e cantados por mulheres, nas telenovelas os funks que
representam as piriguetes são cantados majoritariamente por MCs homens23, o que nos leva a
afirmar que estas personagens agem dentro daquilo que é esperado pelos MCs autores das
23
Umas das precursoras no funk carioca, a cantora Tati Quebra-Barraco teve sua canção Boladona na trilha
sonora da novela O Clone, escrita por Glória Perez e exibida no horário das 21 horas pela Rede Globo entre 1 de
outubro de 2001 e 14 de junho de 2002.
52
músicas.24 Pode-se pensar que elas entram no jogo da sedução na posição que os homens já
esperam delas e, uma vez dentro dele, as piriguetes jogam para se favorecer. Nesse momento,
Acredito que, diferentemente do que é entendido e do que elas possam fazer parecer,
elas não são “mulheres fáceis”. Como Mirian Goldenberg (2007) afirma, “O corpo é um
trabalho, no mercado do casamento e no mercado sexual” (p. 27). As piriguetes não são
apenas aquilo que define o dicionário, “moça ou mulher namoradeira”. Suas relações são
Pensando no “final feliz” das piriguetes das novelas, vemos que Suellen e Fatinha se
casam. Suellen é uma personagem da novela das 21 horas, e Fatinha é uma personagem de
possibilitou um final mais ousado para a piriguete Suellen, que terminou a novela com um
casamento com dois homens e um filho cujo pai biológico é indeterminado. Fatinha, mesmo
se casando ao fim da novela, o fez no “melhor estilo piriguete”, com um vestido de noiva bem
curto na parte da frente. Mesmo após o casamento estas personagens não mudaram seus
modos de agir como piriguetes. Já o final feliz de Lurdinha não diz respeito apenas ao
casamento, mas também inclui um momento de encontro com a irmã, que foi furtada da mãe e
vendida quando era bebê. De modo geral, podemos afirmar que o final feliz das piriguetes das
novelas está relacionado ao casamento e a ter filhos, ressaltando a importância da família para
sua felicidade.
Não é minha intenção defender que “virar piriguete” traz felicidade ou um “final
feliz”, mas sim buscar compreender porque as piriguetes das novelas aparentam e são
24
As letras das músicas temas das personagens piriguetes das novelas encontram-se nos anexos desta
dissertação.
53
entendidas como felizes e poderosas a ponto de serem imitadas (ou invejadas?) por outras
mulheres.
Por fim, quero destacar que Nascimento (2010a) afirma que a imagem da piriguete
remete ao estereótipo da mulher negra das camadas populares. Entretanto, quando esse
representacional de diálogo entre os vários segmentos sociais que ainda reproduz a hierarquia
racial. A autora ainda salienta que há uma negação de negritude nas novelas:
Esta negação da negritude, tenazmente abordada por Frantz Fanon (2008), como
valorização da norma branca, constitui-se como um recurso recorrente nas
telenovelas, onde as personagens negras são usualmente denominadas através de
jogos de cores que insistem em negar a afirmação da raça negra (LEWIS, 2013, p.
5).
Nesse sentido, ressalto que, embora essas personagens sejam de camadas populares, a
“mais fácil”, tendo em vista que a piriguete já é estigmatizada pela sua falta de adequação às
comportamento poderia ser “explicado” por sua raça, já que temos a figura da mulher negra
O termo piriguete é representativo de uma determinada maneira de ser mulher, mas ele
determinadas distinções sociais, sobretudo àquelas estruturadas pela raça, pela classe social,
pela corporalidade e pelo gosto, há uma apropriação do modo de ser piriguete por mulheres de
A criança, como o adulto, imita atos bem-sucedidos que ela viu ser efetuados por
pessoas nas quais confia e que têm autoridade sobre ela (...). O indivíduo assimila a
série dos movimentos de que é composto o ato executado diante dele ou com ele
pelos outros (MAUSS, 2003, p. 405).
e corpos que obtiveram êxito e que têm prestígio em sua cultura. É importante destacar que
este processo de imitação não é, necessariamente, um ato consciente dos membros de cada
cultura. No caso aqui estudado, pode-se pensar que a imitação da piriguete não é tão
Cabe ainda ressaltar que se deve usar com cuidado algumas adjetivações que se colocam
não são consenso nos estudos sobre as potencialidades dos movimentos de mudança do
feminino das camadas populares. No entanto, aqui essas adjetivações são adotadas como
nativas. No mundo do funk carioca, no qual se usa largamente a categoria piriguete, sempre
homens e mulheres.
marcadas nas personagens. Ultrapassando este limite, são criadas várias distinções entre as
piriguetes.
comporta como muitas outras configurações, tais como a honra, por exemplo, “cuja dupla
função é formar um círculo social fechado e, ao mesmo tempo, isolá-los dos outros” (p. 25).
O autor ainda mostra que é “o perigo da mistura e da confusão que induz as classes dos povos
civilizados a diferenciar-se pela indumentária, pela conduta, pelo gosto, etc.” (p. 29).
56
Sugiro que, a partir de uma moda piriguete, pode ocorrer uma ressignificação do
ser/estar piriguete, tornando positivo esse modo de agir. Como exemplo dessa ressignificação
positiva de uma categoria de acusação temos um editorial de moda assinado pela crítica de
Esse editorial de moda traz sugestões para compor um look e se vestir “na moda
25
Disponível em: http://msn.lilianpacce.com.br/moda/periguete-editorial/
57
Figura 8 - Vestido com renda Dolce & Gabbana (R$ 7.485) e argolas Accessorize (R$ 24)
58
Figura 9 - Vestido Zinco (R$ 285,78), brincos Renner (R$ 27,90) e sapatos Dior (R$ 2.150)
Figura 10 - Maiô Cyann (R$ 343), calça jeans Yes London (R$ 545) e brincos Renner (R$ 27,90)
Existem, inclusive, manuais de como se vestir como uma piriguete, como podemos ler
abaixo:
59
Caras, afirma:
Inúmeras piriguetes já passaram pelas telinhas e até no cinema, mas raramente se viu
um fenômeno das proporções de Suellen, personagem vivida por Isis Valverde na
novela Avenida Brasil. Vestidos com zíper na frente, que são sensuais e
provocativos, acessórios chamativos e saltos altíssimos, peças-ícone da moda
piriguete, marcam o visual da personagem.
Juliana ainda afirma que a tendência do “piriguetismo” resiste até mesmo às baixas
temperaturas do inverno. No frio, o estilo das roupas se mantém, mas são utilizados tecidos
mais quentes e mangas compridas. Segundo a jornalista, está enganado quem pensa que as
roupas de piriguetes estão restritas às classes D e E. Para sustentar o argumento, ela utiliza
provocante e atrair atenção do sexo oposto é um desejo das mulheres atuais, independente da
classe social” e “O que diferencia uma piriguete é sua atitude, o intuito com que ela se veste”.
entanto, ser piriguete também é uma estética, uma moda, um estilo que reúne elementos
diversos: roupa, cabelo, unhas, saltos, acessórios, maquiagem etc. Não há dúvida que este
estilo se disseminou amplamente. Acredito que, embora a moda piriguete tenha de difundido
primeiramente nas classes mais baixas, as classes mais altas se apropriaram do “piriguetismo”
26
Disponível em: http://caras.uol.com.br/blog/caras-especiais/look-piriguete-saiba-como-montar-o-seu-e-
arrasar#image0
60
de uma forma distinta. Nesse sentido, podemos compreendê-lo como uma moda, e não como
uma identidade.
A moda piriguete nas classes mais baixas se mostra mais exagerada do que nas classes
mais altas, pois as piriguetes das classes abastadas adotam menos acessórios, maquiagem
mais discreta e não usam as roupas tão curtas, coladas, coloridas e chamativas como as
piriguetes das classes populares. Pode-se sugerir que as mulheres de classes mais altas se
algum elas se “unem” ou têm algum contato mais estreito com as piriguetes de classe mais
àquelas estruturadas pela raça, classe social ou corporalidade. Existem, nos termos de Simmel
(2008), distinções de conteúdo que criam novas categorias de classificação, tais como a
Figura 11 - “Moda evangélica: o que você precisa saber para não virar uma 'pirigospel'” 27
27
Fonte: http://m.mdemulher.abril.com.br/moda/moda-evangelica-743484
61
acusam as mulheres como outsiders por não se adequarem às normas de piriguetes. Também
as mulheres de classe mais alta, ao se apropriarem do “piriguetismo”, podem ser vistas como
mais ampla.
62
feminista;
piriguete carioca nesse quadro das quatro tecnologias da identidade. Ressalto que a diferença
do cenário cultural do Reino Unido e do Brasil acabam por produzir diferentes estatutos da
semelhanças e diferenças entre esses tipos e o que é representado como típico da piriguete.
Dentre esses quatro tipos, ressalto a mascarada pós-feminista e a garota fálica para refletir
28
Cada um deles funcionando para sustentar e revitalizar o que Butler chamou de “matriz heterossexual”, que
simultaneamente estabelece e confirma, sutilmente, tanto normas de hierarquia racial quanto divisões de classe
reconfiguradas, as quais assumem formas mais autônomas das dimensão de gênero (McROBBIE, 2013, p. 2).
63
Acredito que a ética piriguete pode ser situada dentro desse espaço, pois, embora as piriguetes
reordenem alguns aspectos dessa matriz heterossexual em relação ao jogo de sedução, elas
dispositivo interpelativo:
Nesse sentido, a autora salienta que a nova mascarada enfatiza que seus artifícios são
adotados como uma atitude consciente. Essas mulheres fantasiadas, para autora, estão
afirmando que escolheram livremente seu look. Ressalto aqui que a representação da piriguete
é tão hiperfeminilizada que sua pouca roupa literalmente colada ao corpo, em conjunto com
sua ética, a transforma em uma mulher bastante caricata. Nos discursos de acusação que ela
sofre está muito presente a ideia de que a piriguete exagera tanto na feminilidade que acaba
por “perdê-la”. Assim, sua representação muitas vezes está mais próxima das representações
performáticas das drag queens do que das mulheres consideradas “reais”, “naturais” ou
64
“mulheres de verdade”. A autora salienta, contudo, que a mascarada pós-feminista não teme a
desforra masculina:
Assim, o simbólico repassa suas demandas para o domínio comercial, e esse domínio
com os homens ao se assemelhar a seus parceiros. Contudo, nesta adoção simbólica do falo,
não há crítica à hegemonia masculina. Ela entende que essa garota é uma jovem mulher para
quem as liberdades associadas aos prazeres sexuais masculinos não estão só disponíveis, mas
são estimulados e festejados. Assim, a autora mostra que a essa garota fálica
se solicita estar de acordo com a definição do sexo como um prazer alegre, uma
atividade recreativa, como hedonismo, esporte, recompensa e status. A
65
A autora entende que, sob a pretensa igualdade promovida pela cultura de consumo, o
falicismo feminino é de fato uma provocação ao feminismo, e até mesmo um gesto triunfante
Embora as piriguetes usem saias curtíssimas e saltos altíssimos, acredito que elas não
sentido de mascarar, ocultar, seu lado de garota fálica. Afinal, como o próprio nome já denota,
de certa forma as piriguetes são perigosas; elas ameaçam algo. Entretanto, elas jogam dentro
Não se trata de aceitar um “cavalheirismo”, por exemplo, como submissão, mas sim de aceitar
e entender que elas estão fazendo esse homem de “trouxa”, de “otário”, como uma espécie de
“vingança”. Portanto, esse tipo de vestimenta e atitude da piriguete não denotaria apenas um
Tendo em vista as considerações de Angela McRobbie, sugiro que a piriguete pode ser
vista como uma garota fálica mascarada, pois entendo que a representação da piriguete
apresenta comportamentos que se assemelham, de certa forma, tanto com a mascarada pós-
feminista quanto com a garota fálica. Sugiro que a piriguete pode ser pensada como
piriguete, combinando estes aspectos, pode ser acusada de “perder a feminilidade natural” por
exagerar nas transformações corporais (a partir do uso de próteses de silicone, por exemplo),
nos cabelos, nas unhas, na maquiagem, nas roupas muito justas e curtas, etc. Dessa maneira,
assim como McRobbie, acredito que as piriguetes também podem contribuir para re-
classificatório, mas também no nível da acusação. Em geral, o tom das reportagens e dos
comentários sobre a vida de famosas que levam esse título, assim como o de personagens de
Elias e Scotson (2000) mostram como os diferenciais de poder podem ser distintos em
cada contexto, mas que toda relação de desigualdade apresenta, de certa forma, uma
outro.
além de ser precondição para a “estigmatização eficaz de um grupo outsider por um grupo
estabelecido” (p. 23). Analisando a configuração de Winston Parva, os autores mostram como
estabelecidos desenvolvem uma “ideologia” como arma. Essa ideologia de status é construída
em torno dos temas estereotipados e é disseminada e mantida em seu local de pesquisa através
latentes (quando os diferenciais de poder são muito grandes) ou aparecer abertamente (quando
valor humano inferior é uma arma dos estabelecidos nas disputas de poder para manter a
são exemplos.” (p. 27), mas o poder de ferir desses termos depende dos diferenciais de poder.
Assim, enquanto o equilíbrio de poder entre estabelecidos e outsiders for desigual, os termos
estigmatizantes proferidos por outsiders nada significam, pois estes não têm poder para ferir
os estabelecidos.
68
Pode-se pensar no termo piriguete como uma acusação com intenção depreciativa que
parte do grupo estabelecido (homens e mulheres das camadas médias e altas) para
estigmatizar essa “mulher perigosa”. Os homens podem ser vistos como estabelecidos por
terem, ao longo do tempo, construído uma ideologia29 que permite atribuir valor humano
particularmente os das classes mais baixas, que, de alguma forma, se sentiram “ameaçados”
por essas mulheres e tentaram atribuir a essa mulher um rótulo de valor humano inferior. No
discurso masculino estigmatizante percebe-se que a piriguete é entendida como uma mulher
social.
categoria piriguete: o primeiro deles aponta para uma forte demarcação de gênero e o segundo
para o estigma, para o sentido acusatório das falas e das representações negativas sobre o que
é ser piriguete. Percebe-se, ainda, que esses dois problemas estão imbricados. Segundo o
29
A ideologia é “um sistema de atitudes e crenças que enfatizava e justificava sua própria superioridade, e que
rotulava as pessoas do loteamento como sendo de categoria inferior” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 65).
69
autor, é precisamente por causa das demarcações de gênero que o termo piriguete é usado
Nascimento (2010a) afirma que as representações sobre o que é ser piriguete são
Segundo Misse (2007), ser passiva é o estereótipo síntese da mulher. O autor ainda
salienta que esse estereótipo de mulher passiva reflete o comportamento que a sociedade
espera da mulher. Nesse sentido, a piriguete, ao tomar para si o poder sobre seu corpo e seus
usos, quebra com a passividade que é esperada da mulher. Assim, o estigma se relaciona
principalmente com o caráter ativo dessa mulher, especialmente no que diz respeito à
sexualidade.
sociólogo francês acredita que o mundo social, por meio da experiência dóxica, constrói e
reitera divisões que são arbitrárias, mas que se naturalizam nas formações sociais, sendo
apresentadas na “ordem das coisas” como evidentes e adquirindo assim todo o poder de
maneira, não só é legitimamente reconhecido como também é desejável que o homem tenha
mulheres, por sua vez, devem conter seus impulsos sexuais, procurando, ao longo da vida, ter
mulher negra das camadas populares cuja cultura não considera a sexualidade como um tabu.
70
Essa mulher também participa dos shows protagonizando as coreografias das músicas, sabe do
seu desejo e quer viver intensamente o momento presente. A piriguete é vista por Cerqueira
A escolha pelo uso de roupas curtas e justas faz com que as pessoas definam o estilo
da participante como “piriguete”. O termo piriguete (ou periguete), de conotação
pejorativa, tem sido usado (na música popular, na mídia, na conversa informal) para
definir a mulher que não está adequada aos padrões tradicionais de conduta
feminina, seja por ter muitos parceiros sexuais, seja por agir ou se vestir de maneira
considerada provocante. A mulher piriguete é vista como um perigo para a
sociedade, pois ameaça valores tradicionais com seu comportamento sexual fora de
relações estáveis/aceitas ou pela exposição do corpo, que pode sugerir conduta
inadequada. É importante observar que não há termo pejorativo correspondente que
se refira ao comportamento sexual heterossexual masculino ou à maneira de se vestir
do homem. A crítica ao homem passa pela heterossexualidade/homossexualidade.
Chamar a atenção do sexo oposto ou se relacionar com muitas mulheres não é
considerado um problema para os homens, pelo contrário, é algo valorizado
socialmente (CERQUEIRA, CORRÊA e ROSA, 2012, p. 133).
que, justamente por não se adequarem, elas adquirem poder, desestabilizando as convenções
estabelecidas no campo das diferenças instituídas entre homens e mulheres. Elas tornam seu
corpo um objeto de desejo para os homens, mas subvertem o jogo de sedução: o modo de usar
o corpo é escolha delas. Seu corpo, seu desejo e sua liberdade não são utilizados a partir do
Saliento aqui, que, por vezes, ter poder no jogo de sedução, para as piriguetes, parece
mais importante do que “conquistar” de fato. Elas se sentem mais poderosas quando
final, não “ficam” com esse homem. Elas têm o poder de dizer “não”, e mais do que isso, elas
regras de comportamento que se impõem sobre as mulheres: elas deveriam ter poucos
71
parceiros afetivo-sexuais, mas têm muitos; elas deveriam usar roupas que escondessem seus
corpos, mas não o fazem. As mulheres devem, de maneira geral, falar baixo, se comportar
como “mocinhas” e conter suas pulsões sexuais, mas as representações feitas sobre a
fortalecer a dominação masculina pois sua ética e estética só são possíveis dentro de certo tipo
exemplo, a valorização do papel do homem como provedor e o uso do corpo como capital nas
relações afetivas e sexuais ou, até mesmo, como meio de sustento e sobrevivência.
É preciso ressaltar que não estou afirmando que as mulheres acusadas de piriguetes
são submissas ou interesseiras. O que estou sugerindo é que estas mulheres acusadas de serem
especialmente com relação ao poder e ao sucesso financeiro masculino. Não é por acaso que,
nas representações midiáticas das piriguetes, especialmente nas telenovelas, está muito
presente sua associação com os mais famosos e ricos jogadores de futebol, suas “vítimas”
preferidas.
72
Nas minhas andanças pela vida tenho me deparado com um novo tipo
de mulher: a coroa piriguete.
Marcel Kume
gerações e analisar a produção da “coroa piriguete” como uma categoria performativa que se
articula a diferentes operadores sociais da diferença, tais como gênero, sexualidade e idade.
Dentro da categoria piriguete existe uma divisão: há piriguetes jovens, que chamo aqui apenas
esse passa a atingir um amplo espectro de significações, tentarei mostrar as diferenças que se
estabelecem dentro do próprio discurso sobre o que é ser piriguete. Trata-se aqui de uma
questão de níveis: existem as mulheres acusadas de serem piriguetes e, “pior ainda”, existem
celebradas por interações cotidianas. Para tanto, analisei alguns discursos sobre as “coroas
piriguetes” no ciberespaço.
A partir da observação de alguns blogs na internet, constatei que mulheres mais velhas
que se relacionam afetivo-sexualmente com homens mais novos são rotuladas de “coroas
piriguetes”. No blog Plano Feminino, a seção “O que eles pensam” traz um texto intitulado
73
Puxão de Orelha: Coroa piriguete!30, de autoria de Marcel Kume, que se descreve como
“Empresário e blogueiro responsável pelo blog Santo Papo. Observador, sincero até demais e
não perde uma boa discussão quando o assunto é comportamento, relacionamento e sexo”.
O título do texto já mostra uma forte acusação à coroa piriguete: Kume pretende dar
primeiro por serem piriguetes, e, em segundo lugar, por serem coroas. Fica clara a proposta de
trabalhar com níveis: um primeiro nível, o das piriguetes, e outro ainda mais estigmatizado, o
das mulheres velhas que assumem a conduta dessa categoria. Vê-se, aqui, um problema muito
Nas minhas andanças pela vida tenho me deparado com um novo tipo de mulher, a
coroa piriguete. Há um tempo atrás, era algo que eu só via na balada, mas elas estão
tomando conta do pedaço, dos shoppings, das baladas, dos parques de caminhadas,
das redes sociais, enfim, elas estão em todos os lugares. Mas o que vem a ser a
coroa piriguete? Coroa piriguete é aquela mulher que já passou dos seus 40 anos e
ainda acha que é uma adolescente de 15. Usa roupas ousadas, fala gírias, pega os
garotões na balada e acham que estão abafando. Sinceramente, defino todas essas
atitudes com uma única palavra: RIDÍCULO!
Segundo Simone de Beauvoir (1990), a velhice não é uma verdade interior. É o mundo
exterior, a partir do “outro”, que determina a nossa velhice através do imperativo “seja um
30
Disponível em: http://planofeminino.com.br/puxao-de-orelha-coroa-piriguete/
74
rótulo do que é ser velho, conjuntamente com o rótulo do que é ser mulher, defende que as
mulheres desempenhem o papel de velha esperado por ele. O que não é visto como adequado
A mulher mais velha que não aceita o imperativo “seja um velho!” e que não
corresponde ao modo de agir e vestir instituído para a sua idade, adotando um comportamento
“piriguete x putão”, conforme afirmou Nascimento (2008), o “putão” tem um valor positivo,
O “coroa garanhão”, justamente por estar numa posição privilegiada na sociedade por
ser homem, traz consigo um valor positivo. A “coroa piriguete” se aproxima do que é
desprestigiados.
1) o que é estabelecido para “ser mulher” (ser mãe, ser velha, ser avó);
A não aceitação do estilo de vida das “coroas piriguetes” faz o blogueiro procurar
motivações para o estilo de vida adotado por essas mulheres: a desilusão e a solteirice nessa
Ele acredita que a frustração amorosa seja uma mola para que as coroas adotem o
estilo piriguete:
Outra característica que tenho percebido é que essas mulheres são as que mais
sofrem emocionalmente, sempre com a sensação de vazio e de serem usadas, mas
acredito em um ditado que diz “quem procura acha…”, afinal, se eu me deparar com
uma mulher dessas ficaria bastante claro que ela só procura curtição e nada mais.
Segundo Simone de Beauvoir (1990), a mulher é mais afetada pela velhice porque,
enquanto é jovem, seu corpo é visto como objeto sexual, ou seja, um atributo importante.
Quando velha, seu corpo não é mais desejado - um corpo velho é repulsivo e a mulher velha
torna-se invisível.
Já que a piriguete é aquela mulher que constrói o seu “corpo como um veículo
intensamente não aceito que mulheres mais velhas assumam essa postura, pois o corpo delas
não pode e não deve ser usado e/ou construído como um capital.
Mirian Goldenberg (2015), assim como Simone de Beauvoir (1990), revela que a
mulher mais velha é invisível. Sugiro que, já que a piriguete é bastante visível, sexualizada e
76
desejada, tornar-se uma “coroa piriguete” pode ser uma estratégia, consciente ou inconsciente,
torna-se piriguete, acredito que a mulher categorizada como “coroa piriguete’ pode ter tido
um estilo de vida durante a juventude que se assemelha àquilo que é posto como o estilo de
vida piriguete. Portanto, essa mulher não se “torna piriguete”, ela “sempre foi e continua
sendo piriguete”.
piriguetes” no buscador Google, constatei que o termo aparece inúmeras vezes, tendo maior
coroaspopozudas.blogsexy.com.br/65628/Coroa+Bunduda+Piriguete.html
28/8/2013 - Coroa Bunduda Piriguete ... Site dedicado as Coroas Popozudas Caseiras,
www.coroasbrasileiras.com/coroas.../fudendo-com-a-coroa-piriguete/
coroa piriguete essa vadia safada trepa bem gostoso com seu cunhado toda semana ele n
trepa na casa dela,e essa vadia rabuda empina sua bunda e leva ...
www.pornosafadas.net/videos/piriguetes+safadas/
Coroas safadas lesbicas. Duas raparigas se pegando no pau do sortudo, ele geme todinho e
finca gostoso nas safadas, as vadias caem de boca e dão uma ...
31
Acesso realizado no dia 26 de Novembro de 2014.
77
www.coroas.tv/transando/tiazona-piriguete/
26 de jun de 2012 - Tiazona piriguete. Uma tia safadinha dando um caldo em marmanjo
tarado! Confira a foda louca que rola com essa cachorra em cima da ...
sexomanual.com/coroas-piriguetes-transando-clip114399.html
sexomanual.com/coroas-piriguetes-gostosas-nuas-clip160914.html
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26 de jul de 2012 - coroa ensinando a malhar. ... coroa piriguete malhando ... coroa com
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7 de fev de 2014 - Putaria com macho que é tarado por pé, ele lambe as putinhas nuas
deixando elas loucas de tesão, topando de tudo com ele. As piriguetes ...
a maioria dos resultados no buscador sobre esta categoria está relacionada a sites de filmes
pornôs. Elas são estigmatizadas pelo seu comportamento, mas parecem fazer sucesso nos sites
pornográficos.
musculação, sendo este um espaço onde elas, além de cuidar do corpo, também encontrariam
Mulheres mais velhas casadas com homens mais jovens é um tema recorrente nas
telenovelas, filmes, romances, colunas de fofocas etc. Provoca o olhar de censura, o
sentimento de repulsa e, talvez, o de inveja; são relacionamentos considerados
proibidos, reprováveis ou inaceitáveis em nossa cultura. (GOLDENBERG, 2014, p.
498).
mulheres casadas com homens mais jovens apontados pela revista Veja (14/5/2010): Ana
Maria Braga, Elba Ramalho, Marília Gabriela, Susana Vieira e Elza Soares. Goldenberg
destaca que
Duas das mulheres famosas que aparecem na matéria da revista Veja, Susana Vieira
e Elza Soares, foram as mais citadas na minha pesquisa quando pedi: “dê um
exemplo de uma pessoa famosa que envelheceu mal”. As duas apareceram em
primeiro lugar, por não “aceitarem o envelhecimento” e “se comportarem de forma
inadequada para a idade”. Nos dois casos, o fato de terem relacionamentos com
homens muito mais jovens é muito criticado. Elza Soares também é extremamente
criticada em função do excesso de cirurgias plásticas. A ênfase dos pesquisados é a
de que, por não aceitarem a idade, as duas se comportam de forma inapropriada:
namoram homens mais jovens, usam roupas inadequadas para a idade e fazem um
excesso de cirurgias plásticas. Outro exemplo de mau envelhecimento citado nas
respostas dos pesquisados é o da atriz Vera Fischer. Ela aparece por não aceitar a
idade, por namorar homens mais jovens, pelo uso de botox, pelas cirurgias plásticas
79
e, também, pelo vício em drogas e álcool. Eles dizem: “ela é barraqueira”, “está
sempre metida em brigas e confusões”. Seu comportamento é considerado
totalmente inapropriado para uma mulher de mais de 60 anos (ela nasceu em 1951).
É fácil constatar que as “coroas piriguetes” sofrem as mesmas acusações que aparecem
“coroas piriguetes” são acusadas de “não saberem envelhecer”. Ser uma mulher mais velha,
usar roupas curtas e justas, e, principalmente, “namorar garotão”, ou seja, homens mais
possível afirmar que as mulheres acusadas de coroas piriguetes, com seus comportamentos e
autora, em seus estudos com mulheres de mais de 50 anos, revelou que uma das maiores
afetivo e sexual.
universitária de 55 anos:
Eu sempre fui uma mulher muito paquerada, acostumada a levar cantada na rua.
Quando fiz 50 anos, parece que me tornei invisível. Ninguém mais diz nada, um
elogio, um olhar, nada. É a coisa que mais me dá a sensação de ter me tornado uma
velha. Hoje, me chamam de senhora, de tia, me tratam como alguém que não tem
mais sensualidade, que não desperta mais desejo. É muito difícil aceitar que os
homens me tratam como uma velha, e não como uma mulher. Na verdade, não acho
nem que me tratam como velha, simplesmente me ignoram, me tornei invisível.
Outro tipo de discurso analisado por Goldenberg é o de falta, como ela mostra em um
Sei que é o maior clichê, mas é a mais pura verdade: falta homem no mercado.
Todas as minhas amigas que estão na faixa dos 50, estão sozinhas. Na verdade, uma
não está sozinha, é amante de um canalha e outra está casada com um cara que é
80
função de não corresponderem mais a um determinado modelo de corpo jovem, magro e sexy.
É interessante notar que são elas próprias, e não os homens, que se excluem do mercado,
Eu morro de inveja daquelas barangas horrendas que transam e têm aqueles orgasmos
maravilhosos e digo ‘Ai, meu Deus, será que algum dia eu vou conseguir ter prazer de
novo?’. Essa autocensura, acho que é alguma coisa hormonal. Eu não tenho mais desejo
sexual. Isso foi depois dos 50. A última vez que transei eu tinha 50 anos, com meu último
namorado. É uma escolha minha porque eu ainda tenho uma plateia. Tem quem me queira,
eu é que não quero. Me aposentei nesse setor. Não precisa me consolar, não. Eu só estou
falando que existem mulheres de 50, com corpo despencado, aí junta com hormônio, e aí eu
fico broxinha, uma verdadeira aposentada.
Segundo Mirian Goldenberg (2015), esses três tipos de discurso, que ela classificou
postura de vitimização das mulheres nessa faixa etária que apontam, predominantemente, as
questão de sua pesquisa: “Dê um exemplo de uma pessoa pública que envelheceu mal”. Todas
também foram citadas atrizes, cantoras e apresentadoras que são vistas como tendo
81
comportamentos inadequados para a idade, tais como “namorar garotão” ou “usar minissaia,
decote ou roupa muito justa”. Elas foram acusadas de serem “ridículas”, “patéticas”, “sem
noção”, “escandalosas”. A principal razão para apontarem essas mulheres como exemplos de
Duas pessoas públicas foram muito citadas tanto como exemplos de bom
pesquisados afirmaram que elas são ridículas, sem noção, desbocadas, vestem-se e
comportam-se de maneira inadequada para a idade. Estes dois exemplos ambíguos são de
É importante destacar que os homens quase não foram citados como exemplos de mau
exemplos ambíguos. A grande maioria das respostas sobre mau envelhecimento esteve
namorarem homens mais jovens, já que outras mulheres famosas que também fizeram
plásticas e mantém relacionamentos com homens mais jovens não foram lembradas como
exemplos de um mau envelhecimento. As famosas citadas são vistas como negando a idade e
fingindo ser jovens. A não aceitação da própria idade é, para os pesquisados de Goldenberg, o
Goldenberg faz a seguinte pergunta para seus pesquisados: “Você deixaria de usar algo
porque envelheceu?”. A diferença de gênero foi marcante: 96% das mulheres disseram sim;
91% dos homens disseram não. As mulheres pesquisadas por Goldenberg enfatizaram que não
usariam minissaia. Também disseram que não vestiriam shorts, biquínis pequenos, roupas
justas e decotadas, que evitariam acessórios exagerados, que não teriam cabelos longos e que
não usariam franja ou rabo de cavalo. Para suas pesquisadas, uma mulher mais velha que usa
Eu sempre gostei de cabelos longos, mas fiquei com medo de ser considerada uma
velha ridícula se continuasse com o cabelo na cintura. Aposentei meus shorts, saias
curtas, botas, camisetas, jeans e vestidos justos, apesar de continuar magra e com o
corpo em forma. Passei por uma verdadeira transformação para me tornar uma
senhora respeitável. Já o meu marido continua usando o mesmo jeans desbotado, as
mesmas camisetas surradas, o mesmo tênis velho. Morro de inveja!
Goldenberg (2013) ressalta que é muito curioso perceber que a minissaia, que foi um
símbolo da libertação feminina nos anos 1960, foi o item mais citado como proibido para as
mulheres que envelhecem. Para a autora, a proibição do uso da minissaia parece sintetizar a
outras roupas consideradas jovens revela, segundo a pesquisadora, um controle social muito
disseram que não mudariam nada na sua forma de vestir, permanecendo, quando mais velhos,
conquistada com a idade, especialmente aquela relacionada à ideia de “ser eu mesma” e não
se incomodar com a opinião e o julgamento dos outros. Elas valorizam a liberdade para se
comportarem e se vestirem como bem entenderem. Acredito que a mulher acusada de ser uma
“coroa piriguete” incomoda exatamente por não ter medo de se vestir como quer, usar
83
minissaias e roupas consideradas inadequadas para a idade. Ela parece não ter medo das
acusações, seja de “coroa piriguete”, seja de velha ridícula. Ela não se torna invisível: muito
pelo contrário, ela é extremamente visível e, indo além, contesta, com suas roupas e
comportamentos, a lógica da dominação masculina. Ela não aceita o rótulo “seja uma velha!”,
Considerações Finais
estigma que, de maneira geral, conduz as narrativas sobre as mulheres que adotam esse estilo,
ética ou estética, sejam elas celebridades, mulheres do cotidiano ou até mesmo personagens
disseminam um “piriguetismo” o fazem mais como uma moda/estilo de vestir do que como
comportamento/estilo de vida.
classes sociais menos favorecidas, o que vem se reconfigurando através dos manuais sobre
“como ser uma piriguete”, onde essas fronteiras sociais são quebradas ou pelo menos
abaladas.
O que a breve análise de material empírico e a reflexão sobre o tema revelam é que
muitas mulheres procuram um estilo piriguete não apenas em função do sucesso que ele
desejo de ter em suas próprias mãos o domínio da sua sexualidade. Desta forma, ser piriguete
pode ser compreendida como uma forma de “imitação prestigiosa” por meio da qual se
incorporam determinados traços que contribuem para que mulheres se sintam mais livres e
poderosas.
As piriguetes denotam perigo por não se adequarem às regras e por serem desviantes.
Além disso, ao não se adequarem às regras elas podem adquirir poder, desestabilizando as
mesmo tempo, acredito que elas reificam algumas normas de gênero, de modo que considero
As piriguetes constroem seus corpos como um objeto de desejo para os homens, mas,
no jogo de sedução, o modo de usar o corpo é uma escolha delas. Usando a metáfora de
Simmel (2008), que entende a coqueteria como jogo, as piriguetes entram no jogo na posição
que os homens esperam delas, mas, uma vez dentro do jogo, elas jogam para se favorecer.
Assim, diferentemente do que é entendido e do que elas possam fazer parecer, elas detém o
poder de escolha e não são “mulheres fáceis”. Elas entendem, como Mirian Goldenberg
(GOLDENBERG, 2007: 27). Assim, elas calculam quem é o melhor parceiro, ou seja, quem
pode favorecê-las da forma que desejam. As piriguetes não são apenas o que aparece no
Seu corpo, seu desejo, sua liberdade, não são, de todo, utilizados a partir do paradigma
são um perigo e podem subverter a dominação masculina, elas podem também, a partir da sua
forma de agir, reforçar algumas normas de gênero referentes à dominação masculina, e desta
Acredito que, a partir deste objeto de pesquisa, foi possível discutir questões como
gênero, desvio, sexualidade, moda, juventude, envelhecimento, entre outras. Cada uma destas
rotulação, um estigma que determinadas mulheres sofrem em função de seu modo de vestir e
a categoria de acusação como forma de poder. Mais ainda, “ser piriguete” é uma moda, ou,
melhor ainda, uma determinada estética adotada, primeiramente, por mulheres das camadas
mais pobres e, posteriormente, por mulheres das camadas médias e altas. Não podemos
esquecer a importância do sucesso dos personagens piriguetes nas telenovelas para a ampla
Por fim, o perigo das piriguetes parece residir, exatamente, em sua ambiguidade. Se,
de um lado, elas são acusadas de serem interesseiras, fáceis, vulgares, ridículas, exageradas
etc; por outro, elas são invejadas por serem poderosas, livres, atraentes, sedutoras, seguras,
ousadas, etc. Elas são mulheres que não se escondem, não são invisíveis, não têm vergonha de
gênero e de sexualidade mais amplamente aceitos, elas provocam inveja por não se
Procurei mostrar que esta moda ou estética piriguete não está, hoje, restrita a
Para concluir, gostaria de fazer uma provocação para reflexões futuras: Mirian
Goldenberg (1995), ao estudar a trajetória de Leila Diniz, usou como referência a música
“Todas as mulheres do mundo”, de Rita Lee, para afirmar que “Toda mulher é meio Leila
Diniz”. Parafraseando Goldenberg, seria possível afirmar que, no Brasil de hoje, e, mais
particularmente, na cidade do Rio de Janeiro, “Toda mulher é (ou gostaria de ser) um pouco
piriguete”?
88
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