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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia

Mulheres Perigosas:

Uma Análise da Construção da Categoria Piriguete

Larissa Quillinan Machado Larangeira

Orientadora: Profa. Dra. Mirian Goldenberg

Rio de Janeiro

2016
Larissa Quillinan Machado Larangeira

Mulheres perigosas:

Uma Análise da Construção da Categoria Piriguete

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Sociologia e Antropologia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

requisito para a obtenção do título de Mestre em

Sociologia com ênfase em Antropologia.

Orientadora: Profa. Dra. Mirian Goldenberg

Rio de Janeiro

2016
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Agradecimentos

Primeiramente gostaria de agradecer à minha orientadora Mirian Goldenberg por ter

aceitado o desafio de me orientar e por ter feito isso com tanta paciência, carinho e amor.

Agradeço ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia por todo o

apoio e ao CNPq pelo fomento que foi fundamental para essa pesquisa.

Aos membros da família Rebouças Quillinan Machado quero expressar minha eterna

gratidão, pois todos me auxiliaram tanto durante minha graduação quanto no mestrado,

oferecendo palavras carinhosas e outras não tanto, mas sempre me apoiando.

Um agradecimento especial à Hilda Maria Rebouças Quillinan Machado, melhor

pedagoga e avó do mundo, que me ensinou a ensinar. Agradeço a minha mãe, Adelaide

Regina Rebouças Quillinan Machado, por ter me aceitado como filha e por amar e aceitar essa

pessoa que me tornei.

Agradeço também à Vera Regina Rebouças Quillinan Machado por sempre me

receber em sua casa.

Agradeço a todos os professores que passaram pela minha vida, pois sem eles esse

trabalho não existiria.

Gostaria de agradecer a todos os amigos que fiz no IFCS ao longo desses anos, aos

amigos do NESEG e principalmente aos que foram muito bons amigos: Beatriz Gesteira,

Dayana Jacintho, Gabriela Fernandez, Vanessa Lourenço, Julia Flauzino, Raissa Rodrigues,

Gabriela Montez, Thiago Soliva e Luis Flávio Godinho.

Enfim, obrigada a todos que me ajudaram direta ou indiretamente na realização deste

trabalho. Serei eternamente grata!


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Resumo

Esta dissertação tem por objetivo analisar as representações sobre as piriguetes,


focalizando a estética e a moda associadas à determinadas mulheres rotuladas ou acusadas de
serem piriguetes. A piriguete representa, primeiramente, uma mulher que não se adéqua às
normas de conduta feminina - ela expressa sua sexualidade e seu desejo, sua liberdade e seu
poder.
Pretende-se entender como o mundo do funk carioca se tornou o sustentáculo desse
tipo de representação do feminino no qual se cria um modo ou moda piriguete e,
posteriormente, como essa representação foi dissociada do mundo funk. Para tanto, foi
analisada a representação da piriguete na mídia, especialmente a partir das personagens
Suellen, da telenovela Avenida Brasil, Fatinha, do seriado Malhação, e Lurdinha, da
telenovela Salve Jorge.
Também foi analisada a construção da categoria “coroa piriguete” como uma categoria
de acusação que se articula a diferentes operadores sociais da diferença, tais como gênero,
sexualidade e idade. De um conjunto de características relacionadas às piriguetes podem-se
apreender duas ordens de problemas sociológicos: a primeira delas aponta para uma forte
demarcação de gênero e interdição da sexualidade e a segunda para o estigma relacionado ao
peso acusatório das falas e das representações negativas sobre o que é ser piriguete.
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Abstract

This dissertation aims to analyze the representations of “piriguetes” focusing on


aesthetics and fashion associated with certain women accused of being or labeled as
“piriguetes”. The “piriguete” is, first of all, a woman who does not fit in the standard feminine
behaviors - she expresses her sexuality and desire, her freedom and power.
It also aims to understand how the world of “funk carioca” became the mainstay of this type
of female representation in which you create a “piriguete” fashion and subsequently how this
representation was dissociated from the funk world.

Therefore, the representation of “piriguetes” in the media was analyzed, especially


regarding the characters Suellen, from the soap opera Avenida Brasil, Fatinha, from the
Malhação tv series, and Lurdinha, from the soap opera Salve Jorge. We also analyzed the
construction of the category "coroa piriguete" as a complaint category that articulates
different social operators of difference, such as gender, sexuality and age.

A set of characteristics related to “piriguetes” may apprehend two sociological


problems of orders: the first points out to a strong demarcation of gender and interdiction of
sexuality and the second to the stigma related to the accusatory weight from the statements
and negative representations about what is to be a “piriguete”.

Palavras-chave: piriguetes, funk, gênero, sexualidade, envelhecimento.


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Lista de Ilustrações

 Figura 1 - “Saiba como reconhecer uma periguete”

Fonte: http://blogmodapopular.blogspot.com.br/2013/04/piripi-piri-pi-piri-piriguete.html

 Figura 2 - “Anatomia da piriguete”

Fonte: http://miolodohenrique.blogspot.com.br/2014/04/conceituando-piriguete.html

 Figura 3 – Primeiro resultado ao pesquisar “piriguete” no buscador Google BR

Fonte: http://www.google.com.br/#newwindow=1&safe=off&q=piriguete+

 Figura 4 - “Rebolar com tudo dentro é preciso!”

Fonte: http://manualdapiriguetchy.blogspot.com.br/2011/06/rebolar-com-tudo-dentro-e-
preciso.html

 Figura 5 – A atriz Ísis Valverde como Suellen

Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/avenida-brasil/personagem/suelen-isis-valverde.html

 Figura 6 - A atriz Juliana Paiva como Fatinha

Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/malhacao/2012/personagem/fatinha-juliana-
paiva.html

 Figura 7 – A atriz Bruna Marquezine como Lurdinha

Fonte: http://gshow.globo.com/novelas/salve-jorge/personagem/lurdinha-bruna-
marquezine.html

 Figuras 8, 9 e 10 - Editorial de moda da Revista Caras

Fonte: http://caras.uol.com.br/blog/caras-especiais/look-piriguete-saiba-como-montar-o-seu-
e-arrasar#image0

 Figura 11 - “Moda evangélica: o que você precisa saber para não virar uma
'pirigospel'”

Fonte: http://m.mdemulher.abril.com.br/moda/moda-evangelica-743484
8

Sumário

Introdução ................................................................................................................................. 9

O que é piriguete? ............................................................................................................... 14

Capítulo 1 - O Mundo do Funk ............................................................................................. 21

1.1 - A piriguete no mundo do funk .................................................................................. 28

Capítulo 2 - A Piriguete na Telenovela ................................................................................. 32

2.1 - Três piriguetes, três personagens marcantes ........................................................... 40

Capítulo 3 - Funk, Piriguete e Telenovela ............................................................................ 48

Capítulo 4 - “Piriguetismo” como Moda .............................................................................. 54

Capítulo 5 - Piriguete: a Garota Fálica Mascarada ............................................................ 62

5.1 - Piriguete como estigma .............................................................................................. 66

Capítulo 6 - Distinção entre as Piriguetes: o Estigma dentro do Estigma ......................... 72

Considerações Finais .............................................................................................................. 84

Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 88

Referências do ciberespaço ................................................................................................ 94


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Introdução

Tendo em vista a importância do estudo, nas ciências sociais, de novas identidades,

representações e categorias, esta dissertação tem por objetivo analisar os sentidos e as

representações sobre o corpo e o estilo de vida associado a uma categoria de mulheres

popularmente conhecidas como piriguetes ou, melhor ainda, acusadas de serem ou se

comportarem como piriguetes.

Para Mirian Goldenberg (2007), o corpo é visto como questão central na construção da

identidade do brasileiro. Segundo a autora, “no Rio de Janeiro, a centralidade que o corpo

assume na vida cotidiana é muito mais evidente” (p. 09). Considerando esse cenário carioca,

essa pesquisa analisa como as produções de representações sobre as piriguetes são

organizadas em relação a determinadas distinções sociais, sobretudo aquelas estruturadas pela

cor, classe social, idade, corpo e gosto.

Os dados para a presente pesquisa foram obtidos através de pesquisa documental

conduzida com material sobre a representação feminina no mundo do funk e da representação

da piriguete na mídia e no ciberespaço (blogs, sites, redes sociais, etc.). Foi também realizada

a análise das piriguetes nas telenovelas e seriados através de personagens que condensam

sentidos sobre essa categoria como Suellen, de Avenida Brasil, Fatinha, de Malhação, e

Lurdinha, de Salve Jorge.

A partir dos dados coletados foi analisado o processo de construção da mulher

funkeira a fim de possibilitar o entendimento tanto do processo de construção da

representação piriguete relacionada ao mundo do funk quanto da criação do “piriguetismo”

como modo de se vestir e de se comportar.


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Esta pesquisa pretende compreender a apropriação da categoria piriguete a partir do

mundo do funk carioca e analisar a disseminação do termo e seus múltiplos sentidos. A partir

da discussão sobre as piriguetes, serão também discutidas questões como empoderamento,

performatividade, transgressão/ subversão/estigma, reificação e desvio, presentes na

bibliografia existente sobre as piriguetes e no campo das representações femininas no mundo

do funk.

Nossa intenção não é defender a ideia de que as piriguetes subvertem totalmente a

lógica da dominação masculina. Na realidade, pretende-se compreender como elas apreendem

essa lógica e a utilizam em seu próprio benefício, pois parte-se da hipótese que a forma de

agir da piriguete pode reforçar as normas de gênero e a dominação masculina. Dessa maneira,

tratarei as piriguetes mais como desviantes do que como subversivas. Ao falar de desvio,

utilizo a concepção de Howard S. Becker (2008), de maneira que o desvio é aqui entendido

como uma falha apontada pelo processo de desobediência à determinadas regras instituídas.

Para Becker, os grupos sociais criam o desvio ao fazer as regras cuja infração constitui

desvio e, ao aplicar essas regras a pessoas particulares - no caso aqui estudado, as mulheres

consideradas piriguetes -, rotulá-las como marginais ou desviantes. Portanto, o desvio não é

uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outras

pessoas de regras e sanções a um transgressor. O comportamento desviante é aquele que

determinadas pessoas rotulam como tal. Além disso, é importante destacar que a acusação

pode ou não ser internalizada pelas pessoas que são acusadas de serem desviantes.

Acredito que a mulher rotulada ou acusada de ser piriguete é uma mulher que constrói

seu corpo e sua estética hiperfeminilizados como máscara, maquiagem ou armadura do seu

comportamento sexual mais ativo e/ou considerado socialmente como típico do masculino e

não do feminino, ou seja, da sua ética.


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Pretendo discutir as seguintes questões na presente dissertação: o contexto de

apropriação da categoria piriguete pelo mundo do funk, a piriguete como personagem de

telenovela, as características das personagens piriguetes, a imitação das piriguetes e a

disseminação da moda piriguete e a construção da “coroa piriguete”.

Essa dissertação foi produzida dentro do Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NESEG-UFRJ) e está associada à pesquisa

"Corpo, Envelhecimento e Felicidade", coordenada pela antropóloga Mirian Goldenberg.


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Figura 1 - “Saiba como reconhecer uma periguete” 1

1
Disponível em http://blogmodapopular.blogspot.com.br/2013/04/piripi-piri-pi-piri-piriguete.html.
13

Figura 2 - “Anatomia da piriguete” 2

2
Disponível em: http://miolodohenrique.blogspot.com.br/2014/04/conceituando-piriguete.html
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O que é piriguete?

Meu exército é pesado


A gente tem poder
Ameaça coisas do tipo você

Anitta – Show das Poderosas3

A categoria piriguete tem sido, simultaneamente, uma categoria de classificação, de

rotulação e de acusação. Seu primeiro uso parece ter sido feito na Bahia, mais

especificamente na periferia de Salvador. A expressão “periguete”, que é mais usada na

versão “piriguete”, é fruto da junção das palavras "perigosa" e "girl" (“garota” em inglês),

tendo se realizado o acoplamento do final “-ete” simplesmente para soar melhor. Optei, aqui,

por utilizar a versão com i (“piriguete”) por considerá-la mais presente nos discursos

pesquisados.

No Dicionário Aurélio Escolar4 a expressão aparece como um verbete. Lá, periguete

[perigo + -ete] significa “moça ou mulher namoradeira”. Embora a piriguete denote perigo,

ela é dotada de uma dimensão de poder, de não submissão e de liberdade, principalmente

sexual. A piriguete é entendida como uma mulher com modos heterodoxos de vestir, de agir e

de expressar sua sexualidade.

A consolidação de um significado sobre a piriguete implica reconhecer a sua

existência no imaginário social através do qual o seu corpo, a sua roupa e o seu

comportamento sexual ganham materialidade.

3
Trecho de Show das Poderosas, música de Anitta lançada em 2013. Composição: Larissa Machado. Fonte:
http://www.vagalume.com.br/anitta/show-das-poderosas.html
4
Edição lançada em 11 de setembro de 2012, durante a Bienal do Livro no Rio de Janeiro.
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É possível encontrar uma série de matérias no ciberespaço5, pesquisas acadêmicas e

informações midiáticas nos quais são feitas referências às piriguetes. O tom mais geral e

recorrente das reportagens, dos comentários sobre a vida de famosas e das personagens de

telenovelas que são rotuladas de piriguetes é o de estigma. O comportamento considerado

como pouco ortodoxo destas mulheres, com relacionamentos afetivos e sexuais vistos como

interesseiros e pouco duradouros, é frequentemente reprovado.

Figura 3 – Primeiro resultado ao pesquisar “piriguete” no buscador Google BR6

Apesar de ser uma categoria recente, tendo começado a ser estudada nas ciências

humanas no início dos anos 2000, o termo piriguete é usado também em referência a outros

tempos. Nos discursos presentes no ciberespaço costuma-se fazer algumas alusões a mulheres

que viveram antes da gênese dessa categoria, mas que são vistas como precursoras desse

estilo de vida. As atrizes Marilyn Monroe e Leila Diniz e a cantora Maysa, por exemplo,

assim como uma série de pinups dos anos 1950, são muitas vezes resgatadas nesse sentido, já

que levavam uma vida “livre” no que diz respeito aos seus comportamentos e à sua

sexualidade.

5
No buscador Google BR aparecem aproximadamente 606.000 resultados para a palavra piriguete.
6
Disponível em: https://www.google.com.br/#newwindow=1&safe=off&q=piriguete+
16

Até em trabalhos acadêmicos vemos esse tipo de comparação. Nascimento (2010) diz,

parafraseando o título do livro de Mirian Goldenberg Toda mulher é meio Leila Diniz, que

“toda mulher é meio piriguete”:

Fora dos limites dos pagodes baianos, essa representação constrói um amplo
espectro de significações e deslocamentos já que se trata de uma construção
discursiva em processo, servindo de suporte para as diversas representações da
mulher independente e sexualmente livre na cultura brasileira contemporânea, dando
a entender que “toda mulher é meio piriguete” (NASCIMENTO, 2010a, p. 07).

Podem ser encontrados no ciberespaço alguns “testes” em forma de questionário para

descobrir, por exemplo, se sua amiga é piriguete. Um exemplo é o questionário abaixo, que

possui muitas semelhanças com a descrição comumente feita da piriguete:

Sua amiga é piriguete?7

Responda as perguntas e descubra se sua amiga pode ser uma delas.

Sabe aquela amiga que está sempre querendo causar e se aparecer?

Toda mulher já teve uma assim ou pelo menos conheceu alguém

assim. Se você acha que sua amiga anda tendo um comportamento de

piriguete, responda as perguntas sobre ela e descubra se ela está

realmente incorporando esse estilo de vida.

1- Ela fala alto?

( ) Quando se empolga, sim

( ) Ela está sempre gritando e chamando atenção

( ) Só quando está nervosa

7
Disponível em: http://www.dicasdemulher.com.br/sua-amiga-e-piriguete/
17

2- Em que situações ela usaria um decote profundo ou saia curta?

( ) Para ir à igreja

( ) Para ir ao dentista

( ) Para ir à balada

3- Ela usa blusas que mostrem a barriga?

( ) Só em casa

( ) Raramente

( ) Quase sempre

4- No inverno, ela deixa de usar as roupas curtas e decotadas?

( ) Não, sempre sai de roupa curta

( ) Sim, ela sente frio

( ) Depende de onde ela vai

5- Qual destes calçados ela usaria?

( ) Sandália de tiras finas

( ) Scarpin ou sapatilha

( )Tamanco com salto transparente

6- Na balada, ela causa?

( ) Sim, sempre chama atenção

( ) Ela dança, mas não chama tanta atenção

( ) Às vezes quando ela bebe faz escândalo

7- Quem melhor representa o ideal de beleza dela?


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( ) Patrícia Poeta

( ) Panicats

( ) Deborah Secco

8- Ela dá em cima de homens compromissados?

( ) Já aconteceu algumas vezes

( ) Ela não se importa se ele é casado

( ) Nunca faria isso

9- Como ela iria vestida em uma festa à fantasia?

( ) Hippie, anos 60, pirata

( ) Fadinha, Minnie, princesa

( ) Enfermeira, policial, coelhinha

É possível constatar, a partir das figuras 1 e 2 e do questionário, que a percepção do

tipo ideal de piriguete combina estética, ética e corporalidade. Nesse sentido, Lagrou, em

Etnografía do gosto: a ética que é uma estética, salienta que:

Retomando à nossa discussão sobre o conceito de estética, não há dúvida de que, no


sentido amplo da palavra, as sociedades constroem sua “estética” ou teoria do gosto
ligado a um valor e, consequentemente, a um julgamento. Percepções visuais,
gostos, cheiros e sons que agradam serão sempre contrastados com outros que
desagradam e esta percepção implica em interpretação e valor, pressupondo
esquemas de significação que precedem a mera possibilidade de percepção.
Percepções dos sentidos são classificadas e julgadas de acordo com o que significam
para o perceptor. Grupos sociais se diferenciam em termos do que gostam, e os
critérios variam de acordo com o uso político ou social do julgamento estético
(LAGROU, 2007, p. 93).
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A preocupação acadêmica sobre o tema se dedica a analisar as origens e os

significados da expressão piriguete. No artigo “Piriguetes” e “putões”: representações de

gênero nas letras de pagode baiano, Nascimento (2008) afirma que a palavra piriguete ainda

não tem definição em dicionários de Língua Portuguesa8, mas é disseminada no Brasil com

algumas variações de sentido.

Para Nascimento, tendo em vista a relação de poder entre homens e mulheres, o termo

“piriguete” é usado como um estigma, pejorativo e negativo, quando comparado a seu

congênere: o “putão”, que tem um valor positivo, ou seja, reforça a masculinidade

hegemônica e a virilidade, assim como reitera os estereótipos de superioridade, força e

dominação como atributos inquestionáveis do masculino.

Analisando o pagode baiano, Nascimento (2010a) argumenta que na construção do

imaginário social sobre a piriguete há um cruzamento entre diferentes marcadores sociais de

produção de diferenças, tais como cor, classe, gênero e sexualidade. Para ele, esses elementos

se combinam na produção de uma percepção pública dessa categoria de mulher.

A imagem da piriguete remete ao estereótipo dessa mulher negra das camadas


populares cuja cultura não leva a sexualidade para um tabu, que participa dos shows
protagonizando as coreografias das letras e, principalmente, sabe do seu desejo e
quer viver o momento (NASCIMENTO, 2010a, p. 6).

No artigo intitulado A cartilha da mulher adequada: ser piriguete e ser feminina no

Esquadrão da Moda encontra-se uma definição do estilo, do termo e da forma de agir da

piriguete:

A escolha pelo uso de roupas curtas e justas faz com que as pessoas definam o estilo
da participante como “piriguete”. O termo piriguete (ou periguete), de conotação
pejorativa, tem sido usado (na música popular, na mídia, na conversa informal) para
definir a mulher que não está adequada aos padrões tradicionais de conduta
feminina, seja por ter muitos parceiros sexuais, seja por agir ou se vestir de maneira
considerada provocante (CERQUEIRA, CORRÊA e ROSA, 2012, p. 133).

8
A definição do termo “periguete” no dicionário é de 2012.
20

Soares (2012), em Conveniências performáticas num show de brega no Recife:

Espaços sexualizados e desejos deslizantes de piriguetes e cafuçus, analisa como se configura

a piriguete no contexto do brega no Recife. Para Soares (2012), as piriguetes acionam sua

identidade piriguete no momento que lhes é conveniente, já que “ser” piriguete pode assumir

uma conotação negativa.

A questão de “acionar” uma identidade de forma estratégica, dentro de uma


determinada situação, de forma deliberadamente efêmera, autônoma e, de alguma
forma, política, nos remete à problemática debatida pela teórica Judith Butler, que,
em 1990, publicou o seu Problemas de Gênero (“Gender Trouble”), onde busca uma
desconstrução das configurações de identidade de gênero e propõe um pensamento
que se desloca da análise recorrente da questão relacionada a homem e mulher,
inclui na questão os indivíduos inadequados ao ideal normativo (SOARES, 2012, p.
58).

A partir da ideia de performatividade de Butler, Soares (2012) afirma que:

A noção de piriguete é um deslocamento de um certo eixo normativo sobre a


constituição do feminino e da mulher. A piriguete, em sua acepção de mulher fatal,
sedutora e sexualmente ativa, se constitui numa espécie de deslize da normatização
social da mulher inscrita nas retrancas de uma premissa patriarcal, masculina e
heteronormativa (SOARES, 2012, p. 59).

Os autores que estudam as piriguetes, mesmo que em contextos diferentes, concordam

de certa forma que essa mulher categorizada, representada e identificada como piriguete não

se adéqua ao ideal normativo estabelecido. Nascimento (2008, 2010a e 2010b) e Cerqueira et

al. (2012) concordam que as piriguetes transgridem e subvertem o que é convencionado como

“ser mulher” em vários aspectos.


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Capítulo 1 - O Mundo do Funk

Facina (2009) afirma que a história do funk carioca tem origem na junção de tradições

musicais afrodescendentes brasileiras e estadunidenses. Para ela, não há uma importação de

ritmo, mas sim uma releitura de um tipo de música ligado à diáspora africana.

Vianna (1987) salienta que, no mundo funk, a festa entra em cena como um outro

“mundo”, onde as pessoas podem experimentar uma alegria impossível nas atividades

“comuns”. Vianna afirma que nos bailes nenhuma regra social é contestada. Para ele, não

existe nenhuma inversão de papéis ou valores como no carnaval. Ele acredita que até a

liberdade sexual que se vê nos bailes não é nenhuma transgressão, pois os gestos eróticos

mais ousados são veiculados pela publicidade no horário nobre da televisão - portanto, não é

fácil identificar um sistema de valores dominantes ao qual a festa possa se opor. Ele conclui

que a festa pode servir de catarse ou não.

O autor mostra que os grupos de dança nos bailes funk são divididos entre apenas

femininos ou apenas masculinos. Ele explica que essa divisão sexual se dá principalmente

pelas diferenças entre os modos de dançar das mulheres e dos homens. Nesse sentido, o autor

também descreve o “esfrega-esfrega”:

Pernas entrelaçadas, seios colados, várias dançarinas amontoadas nas costas


“esfregando” as nádegas, o ventre e muitas vezes simulando uma relação sexual.
Essa dança só aumenta a carga erótica que perpassa todo o baile, do começo ao fim
(VIANNA, 1987, p. 97).

Ele também analisa o vestuário das frequentadoras dos bailes:

As saias (muito curtas) e as calças compridas são justíssimas, realçando as formas


do corpo da dançarina. Existe também uma preferência por bustiês colantes e
camisas curtas, que deixem a barriga de fora. Mas não percebi um padrão específico
de corte de cabelo, nem de maquiagem, nem de bijuteria (os cordões de prata e os
bonés são mais utilizados pelos homens). As cores das roupas também são “vivas”:
rosa, verde-limão, muito amarelo (VIANNA, 1987, p. 91).
22

Mizrahi (2006) aborda o “figurino funk” como um todo formado por relações de

oposição estabelecidas pelos diversos elementos que constituem o grupamento de roupas e

adornos corporais. A autora observa que a roupa das mulheres é sempre muito combinada:

elas escolhem um dos tons do traje e o repetem em todo conjunto, nos acessórios, como cintos

e bijuterias, e nas cores das sombras colocadas sobre as pálpebras dos olhos. A marca da

roupa, para as moças, não tem tanta importância, mas é importante que a roupa feminina “te

deixe com um corpão”. Para a antropóloga, as meninas ressignificam diversos elementos da

moda, como os cristais e os cintos de elástico. De acordo com a autora, a “calça de moletom

stretch” é uma ressignificação quiçá erótica do jeans. Estas mulheres criam uma moda que

guarda estreita associação com seu universo, concedendo uma marca estética à brasilidade,

“carregando a marca da tradição”. Contudo, esse maior apego às tradições estéticas não

significa que as moças não apreciem as alterações que a moda possibilita. A autora ressalta

que já é possível notar um certo “cansaço” da “calça de moletom stretch” e observa o

surgimento de uma nova calça que apresenta um caráter de continuidade com a anterior, ainda

que não deva ser considerada como mais uma versão do mesmo estilo. Essa peça de roupa é

feita em uma malha leve, como é o moletom stretch, tem cintura baixa e realça o corpo. Esse

tecido é categorizado pela autora como “darlene”, nome de uma personagem de novela da

emissora televisiva Rede Globo que vestia saias feitas com esse tipo de tecido. Pode-se

perceber, portanto, uma tendência de imitação dos estilos de roupa usados por personagens

femininas de telenovelas.

A autora argumenta, a partir de Simmel, que a moda é produto das necessidades de

distinção e de inclusão social. Ela entende que a distinção e imitação são duas faces da mesma

moeda, resultando em uma “individualização relativa” que a moda é capaz de promover.

Mizrahi afirma que as moças querem roupas justas, que realcem seus corpos na dança,

revelando sua sinuosidade através de uma dança composta por movimentos igualmente
23

sinuosos. Mas as roupas não podem ser apenas justas: elas devem permitir liberdade dos

movimentos corporais, daí a necessidade que sejam elásticas.

Facina (2011) observa que a marca da roupa, para as mulheres, não é tão importante

quanto a exibição do corpo em roupas curtas e justas. Os cuidados com o cabelo e a

maquiagem também são muito importantes. A autora afirma que todos se preparam para o

baile funk de alguma forma, principalmente para “agradar o sexo oposto (por vezes o mesmo

sexo), pois o objetivo é, na linguagem nativa, ‘beijar muito’, paquerar, ficar” (p. 6).

Facina (2011) ressalta que a trilha sonora dos bailes é, na maioria das vezes, funks

“proibidões” ou “putaria”, aqueles que falam abertamente de temáticas sexuais. A autora

analisa esses funks “putaria”, cantados tanto por MCs homens quanto por MCs mulheres, e

conclui que, apesar dessas mulheres estarem empoderadas pelo domínio do palco e de seus

corpos, em geral elas reproduzem uma visão socialmente atribuída ao homem sobre

relacionamentos afetivos, traição e desejo. É importante ressaltar que só a partir dos anos

2000 surge um número considerável de MCs mulheres: “Estas, que antes eram uma minoria

absoluta no funk e se restringiam a cantar o amor romântico, aparecem agora falando

abertamente de sexo e de suas preferências na cama” (p. 7).

O campo no qual se insere essa pesquisa, as representações femininas no mundo do

funk, está hoje dividido em duas linhas de percepção opostas. Uma delas entende que a

representação feminina no mundo do funk desvaloriza a mulher, levando à reificação do

status de objeto sexual submisso do gênero feminino na sociedade, enquanto a segunda linha

defende que essa representação expressa um “empoderamento” das mulheres. A perspectiva

que considera a representação feminina no mundo do funk como reificação baseia-se no

conceito de indústria cultural. A postura feminina, apesar de ser considerada como uma

espécie de subversão, apresenta-se como algo não necessariamente dotado de resistência.

Lopes (2011), por exemplo, defende que algumas repetições subversivas dos gêneros “são
24

domesticadas e redefinidas como instrumento da hegemonia cultural”. A autora mostra

depoimentos de cantores que excluem a resistência como motivação para a produção destes

funks e colocam como prioridade o lucro que eles trazem. Dessa maneira, a perspectiva da

reificação apresenta o apelo do mercado como um dos principais fatores que influenciam o

tipo de representação construída sobre a mulher. O tipo de música feito, substancialmente

baseado no tema do sexo, seria uma demanda mercadológica, fenômeno impulsionado e

exigido pelos próprios produtores. Já a segunda perspectiva entende que essa representação

feminina expressa o movimento de “empoderamento”9 que ocorre no mundo funk no âmbito

das relações de gênero. Ou seja, as letras cantadas por mulheres no funk, e não só isso, mas

também a representação física dessa mulher, a construção do corpo, a forma como ela se veste

e se comporta, demonstrariam justamente a condição na qual essa mulher se coloca em

relação ao homem: a de detentora do poder.

Um bom exemplo dessa representação estaria expresso em uma espécie de duelo


travado entre cantores e cantoras de funk: algumas músicas do estilo “funk putaria” cantados
por homens expressam uma visão da mulher submissa, dominada, correspondente àquilo que
é considerado tradicional na visão machista da nossa sociedade. Mergulhando no mundo do
funk, pode-se perceber que essas músicas geram respostas femininas, criando um atrito
catalisador de luta por poder entre cantores e cantoras: enquanto o homem canta a mulher
dominada, a mulher responde com uma letra que a desloca do papel de dominada para o de
dominadora. Um exemplo interessante dessa dinâmica de músicas com “respostas” são as
canções “Casa das Primas”, do Mc Luan, e “Casa Dos Machos”, da Mc Pocahontas, lançadas
em 2012:

9
Noção de que a mulher toma para si o poder que antes estava na mão do sexo masculino, tomando uma postura
de não submissão, provocando, dessa maneira, uma transgressão da convenção de gênero e logo da performance
de gênero e da noção hegemônica de feminilidade. Segundo Cortez e Souza, o acesso e uso do poder pelas
mulheres representam, assim, um desafio às relações patriarcais, principalmente no ambiente familiar, uma vez
que desafiam o poder do homem e ameaçam seus privilégios, sinalizando a possibilidade de mudança na relação
de dominação dos homens sobre as mulheres. Alteração essa que proporciona às mulheres a autonomia sobre
seus corpos, sua sexualidade e seu direito de ir e vir e também o repúdio ao abuso físico, à impunidade e às
decisões unilaterais masculinas (Cortez e Souza, 2008, p. 179).
25

Casa das Primas

Mc Luan

Eu tô rindo a toa e ela tá estressada

Ontem meia noite, mando eu embora de casa

Então tá amor, bota minhas roupa no portão

Vou pro cabaré, eu vo para curtição

Eita louca

Vou dormir lá em cima na casa das prima

La o whisky é do bom e as melhores menina.

Verdadeiro cabaré é só curtição

Na casa das prima tem o whisky do bom

Vou dormir lá em cima na casa das prima

Lá o whisky é do bom e as melhores menina

Casa dos Machos

Mc Pocahontas

Eu tô estressada, e ele fica com gracinha

Ontem meia noite, me arrumou uma desculpinha

Então ta amor, hoje eu tô revoltada

Eu vou pro cabaré, junto com a mulherada

Eu vou dormir lá em baixo, na casa dos macho

Pode ter certeza que lá eu me acho

Eu vou dormir lá em baixo, na casa dos machos

Pode ter certeza que lá eu me acho

Verdadeiro cabaré é só curtição

Na casa dos macho, eu encontrei um patrão


26

Eu vou dormir lá em baixo, na casa dos macho

Pode ter certeza que lá eu me acho

Outro bom exemplo de música “resposta” que se apresenta como um duelo entre o

masculino e o feminino é Vou Largar de Barriga, de Mc Parafuso e Mc Carol:

Ele chegou lá em casa pedindo um copo d'agua

Vai rolar uma pentada, vai rolar uma pentada

Pediu pra tomar banho se enrolou na minha toalha

Vai rolar uma pentada, vai rolar uma pentada

Eu não quero nem saber se você tem namorada

Vai rolar uma pentada, vai rolar uma pentada

Fica me assoviando no portão de madrugada

Vai rolar uma pentada, vai rolar uma pentada

A missão vai ser comprida

Vou largar de barriga, vou largar de barriga

Pra dá de minissaia e de calça comprida

Vou largar de barriga, vou largar de barriga

Te meto atrás das grades, eu destruo sua vida

Se largar de barriga, se largar de barriga

Eu vou na Maria da Penha, vou no batalhão

Não adianta tu fugir, tu vai pagar pensão

Tu vai ter que trabalhar no PAC noite e dia

Se largar de barriga, se largar de barriga

Vai dormir na minha casa, vai comer da minha comida, pô

Vou largar de barriga, vou largar de barriga

Eu não moro na tua casa, nem como da sua comida

Vou te processar, botar seu nome na justiça


27

Vou chamar o advogado, te acuso de agressão

Conto umas historinhas pra te ver no camburão

Conto mentira pros meus pais pra conseguir tudo o que eu quero

Roubei o seu caráter, te joguei no inferno

Estourei a camisinha, sou esperta pra caralho

Ganhei na justiça, te dei golpe de Estado

E, e fudeu...

Que a missão vai ser comprida

Vou largar de barriga, vou largar de barriga

A comida que eu te dou é ovo com linguiça

Vou largar de barriga, vou largar de barriga

Você me engravidou, pra mim tá tudo bem

Agora eu vou tirar tudo o que você tem

E a missão vai ser comprida

Vou largar de barriga, vou largar de barriga

Com as pernas esculhaçadas e a xereca toda fudida

Vou largar de barriga, vou largar de barriga

O discurso de Vou Largar de Barriga mostra a resposta das MCs mulheres aos

discursos masculinos e também evidencia as estratégias femininas de manipulação de

determinadas situações.

Percebe-se, a partir das letras, que as mulheres que são MCs não têm problemas em

tomar para si os discursos e atitudes masculinas, como é explicitado na letra de Casa dos

Machos. Nesse sentido, cabe pensar se elas subvertem ou reforçam a dominação masculina,

ou se elas se desviam da lógica de gênero mais hegemônica, ao mesmo tempo em que a


28

reproduzem. Nesse sentido, Facina (2011) afirma: “É como se o canto feminino invertesse o

sujeito da dominação de gênero, mas preservando a sua lógica desigual intacta” (p. 8).

Algumas leituras sobre o mundo do funk trazem a percepção de que a mulher no

movimento expressa “resistência”, bem ao estilo de teorias feministas norte-americanas dos

anos 1960-1970. Essa resistência estaria justamente ligada à questão da quebra de tabus no

âmbito da sexualidade feminina.

Os elementos trazidos pelo mundo do funk para a investigação das relações de gênero

e do discurso de construção da mulher são representativos porque trazem à tona questões

importantes sobre os papeis e as representações sobre as mulheres, especialmente sobre as

mulheres mais pobres, na sociedade brasileira.

1.1 - A piriguete no mundo do funk

A mulher brasileira não existe no singular. A representação feminina no funk,

portanto, não poderia descrever e aproximar-se dessa mulher brasileira, permitindo captar a

representação feminina de maneira totalizante ou generalizante. Landim (2008), ao analisar

as relações de gênero que se dão no ambiente doméstico, de lazer e de trabalho, propõe que as

mulheres das classes populares possuem uma dupla carga horária: trabalham e cuidam da

casa. Além disso, elas devem estar à disposição dos homens para a satisfação dos seus desejos

sexuais. Um tema levantado e que não pode ser esquecido justamente por ser fundamental

para o real entendimento de quem é essa mulher é o fato de que, na maioria dos casos, ela não

é apenas a mãe e a dona da casa, mas também cumpre o papel social de “pai” enquanto

provedor de renda. Soihet (2003) afirma que, embora não seja negado que os ideais

dominantes perpassem o universo popular, a organização familiar dos populares no século

XIX assumia multiplicidades de formas, sendo inúmeras famílias chefiadas por mulheres sós.
29

Na concepção da autora, isso não se devia apenas às dificuldades econômicas, como afirmam

outros autores, mas igualmente pelo fato de que estes populares apresentam segmentos,

normas e valores diversos, frutos de uma cultura própria que expressa sua prática cotidiana de

existência.

Soihet (2003) afirma que as mulheres pobres viviam sua sexualidade de forma distinta

àquela considerada conveniente na época estudada por ela, o século XIX. É interessante

pensar que o “processo civilizador” pelo qual todas as mulheres da nossa formação social

passaram não é, em essência, o mesmo. Esse processo pode ter congruências, mas as

divergências parecem mais explícitas e significativas para problematizar o objeto em questão.

Amorim (2009) compara o mundo do funk e as mulheres que estão dentro desse

mundo ao movimento do Hip-Hop nos EUA. A autora sustenta que nessas “comunidades”,

geralmente compostas por pessoas negras, pobres e faveladas, os homens tendem “a morrer

mais cedo por causa do tráfico, ou vão para a prisão, ou bebem, ou largam as famílias”, o que

ocasiona a tomada do poder por parte das mulheres. A autora afirma que “então elas já eram

feministas antes mesmo da classe média”.

Soihet (2004) revela como as atividades das mulheres pobres desdobram-se também

no seu modo prático de vida e no tipo de moral que seguem e constroem: a forma mais

desinibida de mostrar o corpo, de falar sobre corpo, sexo e prazer seriam, segundo a autora,

características desse grupo social. Cuidar da própria vida, dos filhos, da casa, das contas no

fim do mês e de outros inúmeros problemas, já que não tem o padrão de configuração familiar

no qual o homem monopoliza a resolução de problemas econômicos e administrativos,

permitiu a essa mulher ser mais livre com seu próprio corpo e buscar seu prazer e sua

liberação sexual - o seu discurso e o seu comportamento refletem suas condições concretas de

vida e o processo histórico de independência que a mulher das classes menos abastadas vem

construindo com o passar dos séculos.


30

A autora ressalta ainda que diversas condições de comportamento, tais como a

condenação da frequência desacompanhada nos espaços públicos e os excessos verbais, eram

impostas pelo cânone burguês. Apesar da absorção de muitos valores das classes burguesas

pelas mulheres pobres, a incorporação de certas prescrições sociais não era possível, uma vez

que o homem não estava presente para poder exercer o papel de provedor do sustento nessas

famílias, facilitando assim estas condutas desviantes da norma padrão.

A forma pouco adequada e desviante do cânone burguês de expressão é constituinte

deste segmento social, como pode ser visto nas performances do “funk putaria” em que as

mulheres expressam desejo e prazer com menor pudor do que em outros estilos musicais

oriundos e consumidos pelos segmentos médios e altos da sociedade. É importante ressaltar

que esta liberação sexual feminina aparece em diversos trabalhos sociológicos voltados para

outros movimentos musicais das classes baixas brasileiras. Trotta (2009), por exemplo,

defende que o discurso dentro do movimento do forró reflete “empoderamento” e controle da

prática sexual por parte das mulheres, independentemente da sujeição ao poder patriarcal

normatizador da nossa sociedade.

Soihet (2004) destaca as privações e os discursos sobre as mulheres como uma forma

de violência simbólica. Ela afirma que os grupos que sofrem este tipo de violência

"reempregam a linguagem da dominação para marcar uma resistência, invocando a tradicional

missão atribuída ao sexo feminino". No mundo do funk, a mulher assume o discurso que antes

era exclusivamente do homem. Sendo assim, não existe necessariamente a subversão de uma

ordem, nem uma mudança daquilo que está estabelecido. As mulheres, atores antes pouco

presentes nesta cena, vem produzindo discursos semelhantes aos dos homens e conseguindo

espaços cada vez maiores neste mundo.

Tendo em vista que a representação da piriguete nas telenovelas é fortemente

relacionada à mulher favelada, carioca e funkeira, acredito que é importante entender o


31

processo cultural que produz essa mulher. Essas mulheres aprenderam a usar o corpo de uma

maneira distinta das mulheres das camadas médias e altas. Para elas, o corpo é central no

mundo do trabalho e, eu diria até que ele é fundamental para a sua sobrevivência. Como

afirma Goldenberg (2007), neste universo, o corpo é “um verdadeiro capital”, uma riqueza,

um valor.

A representação da piriguete é moldada, principalmente, pela prática discursiva

disciplinar do que é ser uma mulher favelada, suburbana e funkeira. O modelo de corpo

bonito para essas mulheres é bastante diferente do modelo canônico. Um exemplo de corpo

bonito, entre as funkeiras, é o da cantora Valesca Popozuda. Elas não buscam a magreza - no

contexto do mundo do funk, o corpo feminino valorizado é o corpo com muitas curvas. A

exposição desse corpo é feita de maneira que a sinuosidade do corpo seja evidenciada, e o uso

de roupas justas e curtas auxilia na exposição desta característica curvilínea do corpo. Outras

estratégias são bastante utilizadas por essas mulheres, como o clareamento dos pelos do corpo

e o bronzeamento da pele (a “marquinha de biquíni”, por exemplo, é muito valorizada nesse

contexto).

Materiais empíricos mostram que as representações das piriguetes nas telenovelas

foram inspiradas por mulheres presentes no mundo do funk tais como a dançarina e cantora

Renata Frisson, popularmente conhecida como “Mulher Melão”, que afirma que “inspirou Ísis

Valverde a compor Suellen, a personagem foguenta de ‘Avenida Brasil’”, personagem que

será analisada no próximo capítulo.


32

Capítulo 2 - A Piriguete na Telenovela

A categoria piriguete apareceu como uma categoria de acusação direcionada a uma

personagem com um protagonismo considerável na novela Fina Estampa, exibida entre 22 de

agosto de 2011 e 23 de março de 2012 pela emissora Rede Globo. A personagem Teodora,

interpretada por Carolina Dieckman, constitui um exemplo de personagem que expressou essa

ética e essa estética. A primeira piriguete relacionada com o mundo do funk foi Suellen,

interpretada pela atriz Ísis Valverde na novela Avenida Brasil, escrita por João Emanuel

Carneiro e transmitida entre 26 de março de 2012 e 19 de outubro de 2012 pela mesma

emissora.

Outra personagem de destaque foi Fatinha, interpretada pela atriz Juliana Paiva em

Malhação, escrita por Rosane Svartman e Glória Barreto e exibida entre 13 de agosto de 2012

e 5 de julho de 2013. Quase no mesmo período, de 22 de outubro de 2012 a 17 de maio de

2013, estava no ar a novela das 21 horas Salve Jorge, escrita por Gloria Perez e também

transmitida pela Rede Globo, que contava com a personagem Lurdinha, interpretada por

Bruna Marquezine, representando a piriguete da novela.

Diante desta vasta quantidade de exemplos, parece ter-se criado uma tendência nas

telenovelas de se ter ao menos uma personagem que se identifique com a ética e estética

piriguete. Nesse sentido, o escritor e produtor cultural Nelson Motta fez um vídeo-coluna

intitulado Piriguetes vieram para ficar e são queridas até entre crianças10 para o Jornal da

Globo. Nesta coluna, ele diz:

Antes elas eram as abomináveis cachorras e piranhas que devoravam os maridos e


namorados alheios, eram grupos de banda de rock e maria-chuteira que viraram

10
Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-da-globo/v/piriguetes-vieram-para-ficar-e-sao-
queridas-ate-entre-criancas/2095745/. O vídeo foi originalmente publicado no site em 17 de Agosto de 2012.
33

grupo de risco depois da AIDS e fizeram dos testes de paternidade por DNA um
meio de vida. Hoje elas são as adoráveis piriguetes, que são queridas até pelas
crianças e as famílias.

Depois ele afirma que

Há piriguetes milionárias como Paris Hilton e célebres como Marilyn Monroe e,


naturalmente, Madonna. (...) Mas, como tudo na vida, há piriguetes do bem e do
mal. (...) Um dos maiores sucessos de Avenida Brasil é Isis Valverde com a
piriguete boliviana Suellen, boa de cama e de mesa que faz gato e sapato dos
corações masculinos do Divino11. Com seu mix de malícia e ingenuidade e uma
infinita capacidade de seduzir e enganar, as piriguetes vieram para ficar, onde a
novela não vivem sem elas, que inspiraram Chico Buarque no hino das piriguetes.

Nesse momento do vídeo começa a tocar a música Folhetim, composta por Chico

Buarque e lançada em 1979, quando ainda não existiam as piriguetes das telenovelas:

Se acaso me quiseres/ Sou dessas mulheres/ Que só dizem sim/ Por uma coisa à toa/
Uma noitada boa/Um cinema, um botequim/ E, se tiveres renda/ Aceito uma
prenda/Qualquer coisa assim/ Como uma pedra falsa/ Um sonho de valsa/ Ou um
corte de cetim/ E eu te farei as vontades/ Direi meias verdades/Sempre à meia luz/ E
te farei, vaidoso, supor/ Que és o maior e que me possui/ Mas na manhã seguinte/
Não conta até vinte/ Te afasta de mim/ Pois já não vales nada/ És página virada/
Descartada do meu folhetim.

Para Nelson Motta, contudo, as piriguetes têm alguns comportamentos semelhantes

aos da mulher descrita na música. Entretanto, de qualquer maneira, a piriguete é descrita,

pensada e entendida pelo ponto de vista dos homens.

Pensando em um tipo ideal de piriguete, sugiro que se existisse um “hino piriguete”

ele seria algo entre a música Folhetim, de Chico Buarque, e a música A doida, do cantor

carioca Seu Jorge. O tipo de comportamento relatado por Seu Jorge na letra da música deixa

bem clara a depreciação da mulher quando ela não age de acordo com o que os homens

esperam. Assim, ela é classificada, rotulada e acusada de ser “doida”:

A doida vazou/ A doida vazou/ Nem quis meu amor/ Nem quis meu amor/Ela se
querendo toda foi chegando doida/ Pra perto de mim/ Eu fui me sentindo o cara,
botei a minha cara/ Pensando no fim/ Ela, toda venenosa de vestido rosa/ Pra me
seduzir/ Eu banquei a noite inteira, foi tanta saideira/ E nada de partir/ E ela no
Absolut, misturando ice, uísque e Redbull/ Eu vivi um pesadelo, entrei em

11
Bairro fictício onde se passava a trama da novela Avenida Brasil.
34

desespero/ E fiquei à bangu/ A galera da balada tava antenada no seu proceder/ Eu


não quis saber de nada, banquei essa parada/ Eu não sou de perder / Perdi/ Foi
clareando o dia/ E eu na agonia/ A banca quebrou/ Ela saiu de fininho/ Me negou
carinho/ E foi pegar o metrô/ A doida vazou/ A doida vazou/ Nem quis meu amor/
Nem quis meu amor.

No artigo Rebolar com tudo dentro é preciso!, publicado pelo blog Manual da

Piriguetchy12, a cantora de funk Valesca Popozuda é apontada como a musa da autora do

blog, que destaca o trecho de uma de suas músicas de maior sucesso: “sinta-se diva e mostre

pra ele que my pussy é o podeeeeeeeeeeeer!".

Figura 4 - “Rebolar com tudo dentro é preciso!”13

A dica de hoje vai para você, pirigue do meu Brazyl varonil, que assim como nós
AMA dançar funk, but tem vergoinha de admitir no meio da sua galera pseudo-cult-
clássica-amo-egberto-gismonti (tb adoramos gente, nada contra, mas vamos se abrir
pro mundo em todos os sentidos, plis!). Nada disso! Além de obviamente ser contra
esses preconceitos escrotos, tem uma coisinha que não pode ser desprezada: tem
coisas que só o funk faz por você!
Sim, sim, sim, minha cara colega de labuta. Por algum acaso, você ouve (e canta)
todas as letras dos proibidões delícia da Valesca Popozuda (musa forever) e acha
que é apenas poesia? Não, não, não! Preste atenção na música de Mc Katia: "pra ele
eu dou o koo de cabeça pra baixo". Se você é dessas que pensa: nossa, que coisa!

12
Disponível em: http://manualdapiriguetchy.blogspot.com.br
13
Fonte: http://manualdapiriguetchy.blogspot.com.br/2011/06/rebolar-com-tudo-dentro-e-preciso.html
35

Imagina isso! E dá boas gargalhadas com suas otrazamigas... Tá andando com gente
errada! É CLARO QUE A MC KATIA FAZ ISSO! Ela e todas as outras mulheres
que empinam o popozão, descem até o chão e, claro, fazem a velocidade 5 do créu.
Não tem muito caô: sabe dançar funk? Muito (muito mesmo) provavelmente manda
bem na cama. Isso porquê (tese desenvolvida por moi): fazer agachamento não é pra
qualquer uma fia! Rebolar o popozão tb não! Se vc treme na dança do créu, os caras
já pensam - imediatamente - em você fazendo aquilo em cima dele. E se eles
pensam, faça! Isso mesmo. Baixe a pompagira funkeira que há em você! Acredite no
seu poder de sedução e ataque. Não precisa falar, apenas "senta, senta, senta"! Ele
vai se sentir o Mr Catra, mandando vc rebolar "a-há, com tudo dentro!" Vai dizer
que não é bom a beça?
Então, querida. Não se envergonhe e pratique. Há comprovações empíricas ;) sobre
os resultados dos passos de funk aplicados no sexo de maneira muito positiva
(positiva=orgasmos para o casal). Joga o preconceito pra lá, passe numa boa banca
de jornal ou camelô, compre seus bons DVD da Furacão e A R R A S A na coreô!
Sensualiza bastante, sinta-se diva e mostre pra ele que "my pussy é o
podeeeeeeeeeeeer!".

Acredito que My Pussy é o Poder, lançada em 2010, é a música que melhor representa

a ética e estética piriguete:

Na cama faço de tudo


Sou eu que te dou prazer
Sou profissional do sexo
E vou te mostrar por que
Minha buceta é o poder
Minha buceta é o poder
Mulher burra fica pobre
Mas eu vou te dizer
Se for inteligente pode até enriquecer
Minha buceta é o poder
Minha buceta é o poder
Por ela o homem chora
Por ela o homem gasta
Por ela o homem mata
Por ela o homem enlouquece
Dá carro, apartamento, joias, roupas e mansão
Coloca silicone
E faz lipoaspiração
Implante no cabelo com rostinho de atriz
Aumenta a sua bunda pra você ficar feliz
Você que não conhece eu apresento pra você
Sabe de quem tô falando?
Minha buceta é o poder
Minha buceta é o poder
Mulher burra fica pobre
Mas eu vou te dizer
Se for inteligente pode até enriquecer
Minha buceta é o poder
Rasta no chão, rasta no chão, rasta que rasta que rasta...
36

O discurso presente na música My Pussy é o Poder ressalta a ideia de Lagrou (2007)

de que a ética é também uma estética, pois mostra que a partir do uso do corpo e do poder do

sexo a piriguete se torna mais poderosa. Aqui, a ideia de poder está muito relacionada ao

corpo, principalmente à buceta, termo popular para a vagina. No entanto, nota-se que a

mulher atribui este poder baseada em uma valorização masculina da buceta, como mostra a

letra: “Minha buceta é o poder/ Por ela o homem chora/ Por ela o homem gasta/ Por ela o

homem mata”. Essa ideia reforça a ideia de que essa mulher constrói seu corpo, por vezes

acusado de ser objetificado, mas também mascarado como uma isca para os homens que as

tratam como objeto. Sendo assim, a buceta é algo que, se utilizado dentro de uma ética

específica, dá poder a essas mulheres. A buceta, portanto, é um capital simbólico, uma forma

de poder.

A música mostra que a piriguete quer agradar os homens, mas também fazê-lo

enlouquecer, fazê-lo gastar muito dinheiro. Uma das principais acusações que a piriguete

sofre é a de ser aproveitadora e interesseira. Contudo, é importante entender que essas

acusações com relação à ética piriguete são ligadas aos seus comportamentos e

principalmente ao seu estilo de se vestir, ou seja, à sua estética.

Da mesma maneira que a “piriguete da telenovela” é uma representação inspirada na

“piriguete da vida real”, a piriguete da vida real também se inspira na piriguete de novela e,

assim, cria-se um ciclo de influências. Sabe-se que são realizadas pesquisas tanto pela

produção quanto pelos atores para a composição das personagens das novelas com o intuito

de encontrar embasamento para a criação e interpretação desses papeis de forma fidedigna.

Como exemplo dessa representação inspirada na vida real temos uma entrevista de Renata

Frisson, conhecida como Mulher Melão14, concedida em 2012 a Valmir Moratelli, jornalista

do portal iG Rio de Janeiro. A reportagem, intitulada Sou doutorada como piriguete e maria-

14
Nome artístico de Renata como cantora de funk.
37

chuteira aposentada, fala sobre “como ela inspirou Ísis Valverde a compor Suellen, a

personagem foguenta de Avenida Brasil”, nas palavras do autor. Moratelli descreve a vida de

Renata, que inspirou uma das cenas de Avenida Brasil:

Faltavam vinte minutos para o fim do treino. Com uma minissaia “Deus nos acuda”,
salto alto e um top minúsculo, uma moça subiu na lata de lixo para, enfim, pular o
muro que separava a rua do campo de futebol de um famoso clube carioca.
Desequilibrou-se. Quase se machucou. O treino foi interrompido.
Parece cena de Suellen, a personagem de Ísis Valverde em “Avenida Brasil”. Mas o
episódio aconteceu de verdade. Renata Frisson, que hoje é a cantora de funk. Mulher
Melão, conta que dos “16 aos vinte e poucos” foi uma autêntica maria-chuteira.
Tanto que a ficção se misturou com a realidade. “Invadia os treinos para causar
tumulto, chamar a atenção dos jogadores. Sempre gostei disso. Mas não me
interessava o cara que estava começando, mirava nos artilheiros com potencial de ir
para a Eurocopa”, diverte-se ela, relembrando passagens de seu passado. Só não
entra em detalhes sobre times, jogadores ou qualquer pista que possa levar ao nome
das “vítimas”.

O jornalista continua descrevendo a vida da Renata:

A catarinense Renata mora há dois anos num flat no anexo do Sheraton Barra Hotel
& Suites, que diz manter sozinha, sem ajuda financeira de ninguém. O aluguel
mensal não sai por menos de R$ 3,5 mil. Em baixa temporada. A entrevista ao iG
não podia acontecer em local mais apropriado. No restaurante do hotel, tendo nas
mesas ao redor dirigentes e jogadores do Boca Juniors, hospedados no Rio para uma
partida pela Copa Libertadores, contra o Fluminense.
Enquanto fala de suas táticas para fisgar “partidões”, a cantora confere, a cada cinco
minutos, as mensagens de seu celular. Ela não percebe, mas o centroavante Santiago
Silva, que teve uma rápida passagem pelo Corinthians em 2002 e é conhecido como
"El Tanque”, passa bem próximo da mesa e fuzila olhares em direção a suas pernas.
“Os argentinos nunca me interessaram”, desdenha ela, cheia de graça.

Depois dessas considerações iniciais surge o texto da entrevista com Renata:

iG: Como Isis Valverde teria se inspirado em você para a personagem da novela?
RENATA FRISSON: Estava sendo observada e não sabia. Tudo começou quando
cheguei no salão do Flavio Priscott, o mesmo que fez a caracterização da Isis.
Discreta, ela falou pro Flavio que eu era “a” personagem dela. Isis demorou a vir
falar comigo. Só na quinta ou sexta vez que nos encontramos no salão é que ela veio
falar. Ela tinha medo que eu ficasse ofendida, já que a personagem é uma piriguete.
iG: Não se ofendeu?
RENATA FRISSON: Imagina! Eu sou aquilo mesmo (risos). Falo hoje em dia que
sou ex-piriguete, sou doutorada no assunto. É meu jeito natural de ser. A Isis não me
perguntava nada, só ficava observando e anotando tudo. Ela pegou até meus
bordões. “O corpo é meu, a pista é nossa”, “Eu sou dessas”, “Não quero namorar um
BR (baixa renda)”... Até a unha comprida foi copiada de mim.
38

iG: Saberia definir uma piriguete?


RENATA FRISSON: É a mulher maravilhosa, espontânea, que gosta do próprio
corpo, se acha sexy, sensual, é bem resolvida, foguenta, gosta de sexo. Suellen não
engana ninguém. Já cansei de falar como ela. Quero um homem para melhorar
minha vida. Vai me bancar? Vai me dar um salário por mês? Então não se mete
comigo.
iG: Sofre preconceito por pensar assim?
RENATA FRISSON: Não mais. Fui ficando tão popular, com meu carisma e meu
trabalho, que hoje quebrei este tabu. É passado. Tanto que até a Christiane Torloni
me chamou para o lançamento do livro dela dia desses. Tá pensando o quê? Eu sei
me comportar, me vestir, me cobrir com um short e uma blusa mais tranquila.
iG: Já se arrependeu de pegar jogador que atua no Brasil?
RENATA FRISSON: Já, só não cito nomes. Conto o santo, mas não conto o
milagre. Não entro em detalhes. Nem sob tortura. Pulava muro de clube para chegar
perto de jogador... Por isso que falo que sou maria-chuteira aposentada. Tive dez
anos de carreira como maria-chuteira. Agora sou só amiga dos jogadores.
iG: Ainda é convidada para as festinhas nas casas deles?
RENATA FRISSON: Sim, mas tem muito mito nisso que falam. Festa de
Ronaldinho Gaúcho não rola nada demais. Ele é tranquilo. As que fui até hoje não vi
nada demais. Sou amiga do Romário desde que ele ainda jogava no Flamengo. A
gente bebe cerveja, ouve música e troca um papo. Levei umas amigas numa dessas
festas e elas ficaram encantadas com a gentileza deles.
iG: Sei.
RENATA FRISSON: Meu amor, vou fazer uma declaração que nunca fiz na vida.
Já cheguei a ir para concentração escondida, já dormi com jogador sem ninguém ver
que eu estava ali. Fazia festinha a noite toda e, no outro dia, o bofe ia capengando
para o campo. Mas isso é passado, agora sou quase uma santa.
iG: Quase?
RENATA FRISSON: Só falta o papa me canonizar. Porque o resto está babado!
iG: Estado civil atual?
RENATA FRISSON: Solteira, focada no trabalho. Não namoro fixo há dois anos.
Namorar é perder o foco, identidade, amigos, shows, roupas curtas... Se bem que
ando tão vestida ultimamente. Estou com dificuldade de encontrar roupa pelada no
meu armário. Por incrível que pareça.
iG: Além de jogador, já investiu em empresário?
RENATA FRISSON: Meu negócio sempre foi jogador. A mulher tem fetiche por
jogador. Ele é famoso, tem corpo lindo, tem dinheiro, alguns até são bonitinhos. Já
falei que quero casar com um bilionário. Porque milionário tem um monte no País.
Banalizou.
iG: E presentes? Você deve ter ganhado vários.
RENATA FRISSON: Eles nunca deram nada. Jogador é mão-fechada com mulher,
meu amor. Só um até hoje me bancou, porque fiquei dois anos como namorada dele.
Me deu até uma Mercedes. Ilusão da mulher que acha que vai pegar para ela um
jogador casado. É uma observação que faço por ser vivida. Jogador não larga mulher
para casar com outra. Ele fica uma noite, e só.
iG: Qual foi a fantasia sexual mais louca que realizou?
RENATA FRISSON: Pare de ser curioso.
iG: Conta uma...
RENATA FRISSON: Já fiz várias fantasias. Realizei tudo que eu quis quanto a
sexo. Já fiz até dentro do avião, voltando de Madri. Era, inclusive, com um jogador
que morava por lá.
iG: Rolou em vestiário de estádio?
RENATA FRISSON: Não, mas engraçado você perguntar isso. Dia desses
provoquei um amigo meu. Tenho a maior vontade. O jogador vindo da partida todo
suado e eu ali esperando louca para arrancar o uniforme dele. Um dia, quem sabe.
iG: Já mentiu ser torcedora de um time só para agradar o companheiro?
RENATA FRISSON: Sou Flamengo, benzinho. Em qualquer Estado do Brasil.
iG: Por que você mora num hotel?
RENATA FRISSON: Aqui tenho SPA, segurança 24 horas por dia, restaurante,
piscina, janela com vista para o mar, garagem, empregados... É mais cômodo.
39

iG: Não deve ser barato se manter aqui.


RENATA FRISSON: Eu pago tudo com meu dinheiro. Trabalho para isso. Faço
shows no Brasil todo.
iG: Planos para o futuro?
RENATA FRISSON: Penso a curto prazo. Quero muito fazer participação na
novela. Quero fazer uma cena na qual bato de frente com a Suellen, a gente sairia na
briga, gritando “sua piranha, este jogador é meu...” Não iria ser tudo?
iG: Iria.
RENATA FRISSON: Isso existe mesmo. Já fui maria-chuteira de brigar por
homem. Já passei por tanta coisa. Fica parecendo que o autor da novela me conhece.
Era muito gostoso ser maria-chuteira.
iG: Você percebeu que tem dirigentes e jogadores do [time de futebol argentino]
Boca Juniors aqui no hotel?
RENATA FRISSON: É, mas é tudo argentino. Os argentinos nunca me
interessaram (risos). É tudo jogando na Libertadores. Tem que focar na Eurocopa,
pesquisar o potencial do cara, ver o currículo dele. Conselho para as novinhas: não
dá certo isso de namorar quem joga no Brasileirão. Tem que pensar grande.

A partir das respostas da Renata pode-se explorar muitas questões, tais como o

estigma, a questão da “maria-chuteira”15 e das outras “marias” condensadas na representação

da piriguete, a associação da piriguete com o sexo, entre outras. A própria Renata fala das

táticas utilizadas para escolher bons partidos enquanto desdenha do jogador que estava

passando no momento da entrevista, deixando bem claro que as escolhas são feitas por ela.

No início da entrevista o jornalista se refere aos jogadores de futebol com quem

Renata teve algum tipo de relação como “vítimas”, termo que deixa visível a dimensão de

perigo relacionada às mulheres consideradas piriguetes. A própria Renata diz: “Sou doutorada

como piriguete e maria-chuteira aposentada”. Ela também conta sobre suas estratégias de

escolha dos jogadores dizendo: “Invadia os treinos para causar tumulto, chamar a atenção dos

jogadores. Sempre gostei disso. Mas não me interessava o cara que estava começando, mirava

nos artilheiros com potencial de ir para a Eurocopa”. Esse trecho é especialmente interessante

porque explicita alguns aspectos da ética piriguete: o primeiro é chamar muita atenção,

especialmente com uma estética bastante chamativa.

A entrevista também traz o relato de uma das “invasões” feitas por Renata: “Faltavam

vinte minutos para o fim do treino. Com uma minissaia ‘Deus nos acuda’, salto alto e um top

15
A “maria-chuteira” é popularmente compreendida como uma mulher interesseira que se sente atraída e busca
travar relações com jogadores de futebol.
40

minúsculo, uma moça subiu na lata de lixo para, enfim, pular o muro que separava a rua do

campo de futebol de um famoso clube carioca. Desequilibrou-se. Quase se machucou. O

treino foi interrompido”. Nesta passagem percebe-se que a estratégia da invasão não foi nada

discreta e que a intenção não é chamar a atenção de qualquer um, mas dos jogadores, e,

também, não é a atenção de qualquer jogador, como Renata diz: “Mas não me interessava o

cara que estava começando, mirava nos artilheiros com potencial de ir para a Eurocopa”. Ao

escolher o alvo, ou a “vítima”, parte da estratégia é mirar alguém que já tenha um futuro

promissor. Ao mesmo tempo entende-se que ela não quer uma relação que se mantenha no

“futuro” com a “vítima”, mas que ela quer chamar atenção de alguém que já tenha fama,

sucesso e muito dinheiro, de preferência um “bilionário”. Assim, ela constrói a própria fama,

conseguindo se beneficiar e se sustentar com essa fama. Renata salienta: “Eu pago tudo com

meu dinheiro. Trabalho para isso. Faço shows (como funkeira) no Brasil todo”.

2.1 - Três piriguetes, três personagens marcantes

Mesmo existindo várias personagens de telenovelas classificadas como piriguetes,

escolhi três personagens piriguetes para uma análise mais detalhada. As personagens

selecionadas foram as primeiras piriguetes de maior projeção no enredo das telenovelas.

Acredito que elas são bastante interessantes, pois representam piriguetes de diferentes faixas

etárias e de telenovelas exibidas em diferentes horários, apesar de terem uma mesma relação

intensa com o mundo do funk e com o Rio de Janeiro. É importante destacar que elas são

muito citadas nos discursos do ciberespaço tanto de maneira pejorativa quanto como

“exemplo de vida”. As três têm ou tiveram fã-clubes virtuais que exaltam seus bordões e

“ensinamentos”.
41

As três personagens, Suellen, Fatinha e Lurdinha, além de categorizadas como

piriguetes, eram desinibidas, “barraqueiras”, se vestiam com roupas consideradas ousadas

(muito curtas e justas) e, ao longo dos capítulos das telenovelas, mostraram-se associadas ao

mundo do funk.

Figura 5 – A atriz Ísis Valverde


como Suellen
Suellen:

Era a musa periguete do Divino. Maria-chuteira

de carteirinha, agarrou os dois craques do time, Roni e

Leandro, e não largou mais. Desse triângulo amoroso,

nasceu um lindo bebê. Trabalhou na loja de Diógenes.16

Na novela, Suellen era moradora do subúrbio

carioca e seu figurino se constituía basicamente de

calças justas e tops – bastante similar à descrição do

figurino funk de Mizrahi (2006).

Ao longo da novela ela se envolveu com

vários homens, e em alguns episódios ficou muito clara a


Figura 3
questão do interesse financeiro. Uma de suas cenas mais

marcantes se deu quando Suellen invadiu um campo de futebol durante um jogo

completamente nua.

Ela se casa com Roni e os dois fazem um acordo de mútuo benefício: ela precisava

casar para conseguir a cidadania brasileira, já que era uma imigrante boliviana residindo

16
Disponível em: http://gshow.globo.com/novelas/avenida-brasil/personagem/suelen-isis-valverde.html
42

ilegalmente no Brasil, e ele para acabar com as suspeitas de ser homossexual. Ao longo da

trama ela se relaciona com Roni e Leandro simultaneamente e de forma “escondida”. Com a

descoberta de uma gravidez, eles iniciam um relacionamento a três. Na novela, quem é o pai

biológico do bebê não se mostra uma preocupação para eles.

Um dos aspectos interessantes a ser lembrado é o fato de que, pelo enredo original do

autor da novela, Suellen iria morrer. Mas o sucesso e a aceitação do público e a expectativa

em torno doo que ela ainda poderia “causar” ou “aprontar” fizeram com que ela ficasse “viva”

até o final da novela.

A música tema de Suellen era o funk Pra Me Provocar, de Mc Koringa:

Ela desce, desce, desce


Gosta de ir até o chão
Ela fica me olhando
Com o dedo na boca
Descendo no chão
A noite chega ela só quer dançar
A festa acaba e ela quer relaxar
Aí liga pra mim
Me diz se eu tô a fim
Eu nunca digo não
É meu pente certo
Ela desce, desce, desce
Gosta de ir até o chão
Faz carinha de safada
Me excita, que tesão!
Me deixa maluco
Sabe muito bem me provocar
Quando quer carinho
Me procura pra gente se amar
Ah, vem mexer!
Vem dançar!
Que eu gosto quando dança pra me provocar
Ah, vem mexer!
Vem dançar!
43

Que eu gosto quando quica, quica, quica


Ah, vem mexer!
Vem dançar!
Que eu gosto quando dança pra me provocar

O funk tema de Suellen ressalta uma das estratégias muito presentes no

comportamento das piriguetes: a provocação. A provocação atua em relação à sedução dos

homens, mas também no sentido de expor e destruir o homem que não “cai” em sua

armadilha. A provocação, associada à sexualidade, é uma das formas de obtenção de poder

dessas mulheres, e, portanto, está extremamente ligada à dimensão de perigo associada às

piriguetes.

Fatinha:

Às vezes venerada pelos meninos, às

vezes odiada pelas meninas, sempre

chamou atenção pela ousadia dos seus

modelitos e atitudes. Se fazia de facinha,

mas na verdade sempre teve sonhos de

menina romântica. Usa de suas

provocações para conseguir o que quer, se

colocando sempre em confusões. Depois

de muitas idas e vindas, acabou se casando

com Bruno, seu primeiro e único

namorado de verdade.17

Figura 6 – A atriz Juliana Paiva como Fatinha

17
Disponível em: http://gshow.globo.com/novelas/malhacao/2012/personagem/fatinha-juliana-paiva.html
44

Segundo o site da Rede Globo, a personagem tem um estilo de "periguete

californiana" – boné, blusa curta com outra blusa sobreposta, saia curta e tênis. Estudante do

ensino médio, Fatinha começa sua história sendo expulsa de casa por dançar funk no sarau do

colégio. Filha de pais conservadores, a personagem vive uma vida dupla. Em alguns

momentos ela é Maria de Fátima, uma jovem recatada no modo de vestir e agir, em outros

momentos ela é Fatinha, uma jovem que gosta de “causar”, de se vestir e se comportar de

maneira ousada. Em certo ponto da trama ela “assume” a Fatinha e não volta mais a ser a

Maria de Fátima recatada. Fatinha posa para uma propaganda de calcinha e causa a fúria do

namorado. Ela trabalha num hostel, onde sofre uma tentativa de estupro por parte de um dos

clientes. Embora fosse bastante ousada, a sua “primeira vez” é com o namorado Bruno.

Fatinha e Bruno se casam.

A música tema da Fatinha é o funk Debochada, de Mc Romário:

Ela é debochada
Ela é debochada
Senta, quica rebolando, olhando pra minha cara
Senta quica rebolando, senta quica rebolando,
Senta quica rebolando olhando pra minha cara
Ela é danada é poderosa
E quando dança ela sabe que provoca
Jogando avanço toda empinada
Ela incomoda essa mina se destaca
Eu tô vidrado, ligado nessa mulher
Tá jogando charminho mostrando que me quer
Nesse clima envolvente, num jogo de sedução
Ela fica me estigando pra chamar minha atenção
Ela é debochada
Senta, quica rebolando, olhando pra minha cara
Debocha que eu tô facinho
Debocha que eu gosto assim
Debochada desse jeito eu quero você pra mim
45

O funk tema de Fatinha mostra como as mulheres são vistas como poderosas ao se

utilizarem das provocações. Diz a letra da música: “Ela é danada, é poderosa/ E quando dança

ela sabe que provoca/ Jogando avanço toda empinada/ Ela incomoda, essa mina se destaca”.

Elas são poderosas e elas não são invisíveis: as piriguetes se “destacam”, “chamam atenção”,

e isso gera incômodo.

“Tá jogando charminho mostrando que me quer/ Nesse clima envolvente, num jogo de

sedução/ Ela fica me estigando [“instigando”] pra chamar minha atenção/Ela é debochada”. O

autor da música deixa claro que quem domina o jogo da sedução é ela, e, mais ainda, ela não

só domina como também debocha da falta de domínio dele.

Lurdinha:

Adolescente rebelde do Alemão, adora cair

na farra. Seu ideal de homem é alguém que a

sustente. Filha de Delzuite e irmã de

Samantha, descobriu que Aisha era sua

irmã.18

Lurdinha é estudante e muito jovem. Suas

cenas marcantes incluem tomar sol na laje

dançando funk e a participação no baile funk

Figura 7 – A atriz Bruna Marquezine como do complexo do Alemão19 dançando o


Lurdinha

18
Disponível em: http://gshow.globo.com/novelas/salve-jorge/personagem/lurdinha-bruna-marquezine.html
19
O complexo do Alemão é um conjunto de favelas localizado na Zona Norte do município do Rio de Janeiro.
46

“quadradinho”20. Nas cenas da laje são evidenciadas técnicas corporais utilizadas pela

piriguete, como usar tiras de esparadrapo para ficar com a “marquinha de biquíni” bem

definida ou clarear os pelos corporais com água oxigenada. Lurdinha namorou um menino de

classe alta. Na maioria das cenas a personagem usa shorts ou saias curtas, tops e sandália de

salto.

Como mostrei anteriormente, uma das piriguetes mais famosas das telenovelas foi

Suellen, que fazia de tudo para conquistar um promissor jogador de futebol. Ela foi inspirada

em Renata Frisson, a cantora de funk Mulher Melão, que disse que foi uma autêntica “maria-

chuteira” e invadia os treinos para chamar a atenção dos jogadores com potencial “para ir para

a Eurocopa”. Como curiosidade, vale a pena destacar que a atriz Bruna Marquezine, que

interpretou a piriguete Lurdinha, foi namorada de um dos jogadores mais famosos e bem

pagos de todo o mundo, o atacante Neymar Jr.

A música tema de Lurdinha foi o funk Toda Gostosa, de Mc Leozinho:

Desce, sobe, empina e rebola


Vem mulher, sento, sento rebolando, vem rebolando
Desce, sobe, a noite toda
Vou passa a noite com ela
Beija na boca
Desce, sobe, empina e rebola
Toda delícia, toda gostosa
Desce, sobe, a noite toda
Rebola na pista, beija na boca
DJ sacode a pista que ela quer dançar
DJ sacode a pista que ela quer mexer
Tá envolvida, não quer mais parar
Enlouquecida, ela quer descer
Balança e sobe e desce
Teu corpo me enlouquece demais

20
Um dos movimentos da dança do funk cujo o objetivo é “fazer a forma de um quadrado com o quadril”, para
isso se coloca a mão no joelho e mexe o quadril repetidamente na seguinte ordem: para direita, para trás, para
esquerda, para frente.
47

Me diz, amor, como é que faz


Desce, sobe empina e rebola
Toda delícia, toda gostosa
Desce, sobe, a noite toda
Rebola na pista, beija na boca

O funk tema de Lurdinha é relacionado à representação de uma performance

localizada dentro do contexto específico do baile funk ou de “baladas” em geral. Também é

ressaltada a ideia de que essa mulher quer chamar atenção e que ela consegue ter a atenção

que deseja. Dessa maneira, entende-se que a ética, a estética e a performance estão

relacionadas e são explicitadas algumas vezes como uma coisa única, condensada na

representação do tipo ideal da piriguete.


48

Capítulo 3 - Funk, Piriguete e Telenovela

A partir da revisão teórica temos um tipo ideal de piriguete: uma mulher jovem e

pobre. Essa jovem usa roupas curtas, frequenta bailes funks e foi criada por mulheres que em

sua juventude também frequentaram bailes e usavam roupas curtas além de trabalhar,

sustentar a casa e criar os filhos.

A roupa da piriguete não é somente curta e justa; essa roupa é literalmente colada ao

corpo. Essas mulheres usam fitas adesivas dupla-face para colar a roupa ao corpo, evitando

assim que ela “saia do lugar” e mostre mais do que ela deseja. A técnica de colar a roupa ao

corpo é utilizada tanto em saias curtas, evitando que elas “subam”, quanto para colar decotes,

evitando assim que os seios fiquem à mostra.

A ética e a estética piriguete já existiam antes da criação desta categoria de acusação.

Ela foi categorizada dessa maneira a partir do momento em que os MCs de funk carioca se

apropriaram da categoria baiana “piriguete” para classificar a mulher funkeira do Rio de

Janeiro - assim surge a “piriguete carioca”.

Como exemplo dessa apropriação temos o funk intitulado Piriguete, lançado em

meados de 2007 pelo Mc Papo:

Quando ela me vê
Ela mexe
Piri pipiri pipiri piriguete
Rebola devagar
Depois desce
Piri pipiri pipiri piriguete
Minissaia rodada, blusa rosinha
Decote enfeitado com monte de purpurina
Ela não paga, ganha cortesia
Foge se a sua carteira tiver vazia
Vai na micareta
Vai no pop rock
Festa de axé, ela só anda de top
49

Ela usa brilho, piercing no umbigo


Quando toca reggaeton, quer ficar comigo
Quando ela me vê
Ela mexe
Piri pipiri pipiri piriguete
Rebola devagar
Depois desce
Piri pipiri pipiri piriguete
Foto de espelho na exibição
Ela curte funk quando chega o verão
No inverno essa mina nunca sente frio
Desfila pela night de short curtinho
“Um cinco sete” de marido
Ela gosta é de cara comprometido
Não tem carro, anda de carona
Ela anda sexy, toda guapetona
Ela não é amante, não é prostituta, ela é fiel, ela é substituta
Em Governador, lá em Salvador,
Rio de Janeiro, Santos e Belo
Todo mundo já conhece, sabe o que acontece
Quando vê a gente, ela se oferece
Mexe o seu corpo como se fosse uma mola
Dedinho na boquinha, ela olha e rebola
Chama atenção, vem na sedução, essa noite vai ser quente
Eu vou dar pressão

Na letra da música vê-se que o estereótipo da piriguete é explorado ressaltando a

questão do interesse financeiro, do modo de agir e de vestir, ética e estética da piriguete, com

destaque para elementos como o famoso bordão “piriguete não sente frio” e a bastante

significativa expressão “157 de marido”21. Em entrevista, Mc Papo contou como tudo

começou:

Ouvia meninas do meu colégio que tinham viajado para a Bahia repetirem a gíria
‘piriguete’ incessantemente. Fiquei curioso, fui pesquisar o que era e acabei

21
“Um cinco sete” se refere ao artigo 157 do Código Penal Brasileiro: subtrair coisa móvel alheia, para si ou
para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência. Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
50

gostando do tema”, explica. “Não imaginava que viraria um fenômeno. Fui pego de
surpresa, foi a primeira gravação em estúdio.22

Mizrahi (2010) define a piriguete como:

Personagem que deriva de música proveniente da Bahia, de musicalidade inspirada


no ritmo Reggaeton, muito popular em países de fala hispânica da América Latina –
foi incorporada ao repertório funk e reflete esta fluidez. A moça é descrita como
aquela que se deixa atrair pelo homem que tem dinheiro mas, diz o cantor, ela “não é
amante, não é prostituta”, é ao mesmo tempo “fiel”, o equivalente da esposa, e
“substituta”, a que substitui a esposa (MIZRAHI, 2010, p. 240).

O mundo do funk já havia “criado” a mulher funkeira, uma mulher jovem e pobre.

Esse mundo também foi o ideal para o processo de criação da representação da piriguete

carioca. À classificação piriguete são adicionadas questões como a do interesse financeiro

(antes predominava a questão do interesse sexual). Assim surge a acusação de aproveitadora e

interesseira, em um sentido fortemente pejorativo. Posteriormente, as telenovelas

transformaram esse estereótipo de piriguete carioca em personagem. Nascimento (2008)

afirma que:

O pagode baiano faz parte de um movimento cultural mais amplo cujo discurso
perpassa não apenas esse gênero musical como também outros gêneros massivos, a
exemplo do forró, do funk carioca que tem usado e abusado do corpo feminino
como objeto de consumo, transformando as mulheres em frutas, algo consumível,
comível e descartável. Com efeito, essas representações de gênero se estendem a
outros espaços midiáticos a exemplo das propagandas, das telenovelas, das revistas
femininas, etc. (NASCIMENTO, 2008, p. 6).

Almeida (2007) afirma que a mídia é uma tecnologia do gênero. Para a autora, a mídia

é uma esfera social poderosa na construção de sentidos simbólicos. Essa tecnologia do gênero

constrói concepções de masculino e de feminino que se tornam construções hegemônicas. A

autora ressalta que é senso comum publicitário que a televisão facilita a criação de “novos

comportamentos”.

A novela é pensada como um produto feminino: suas histórias tratam de dramas

amorosos e da vida familiar e são centradas em personagens femininos de classe média e alta

22
Disponível em: http://www.revistaencontro.com.br/app/noticia/encontro-
indica/2014/01/28/noticia_encontro_indica,147360/o-principe-das-piriguetes.shtml
51

dos grandes centros urbanos. Essas histórias até mesmo incorporam alguns ideais feministas

no que diz respeito a uma moral sexual, mas mantém coerência com valores ditos tradicionais,

como ser uma boa mãe e se dedicar à família. Entretanto, para que a novela funcione e atraia

toda a família, colocam-se na trama personagens de diversas faixas etárias e estilos de vida.

Almeida (2007) argumenta que é reconhecido no Brasil que o papel das novelas é

promover e difundir a moda – aqui, as roupas são compreendidas como um dos sinais de

distinção para assumir um estilo individual. Nas novelas, estilos específicos são associados a

determinados personagens e narrativas. Esses estilos se popularizam ou não ao longo da

exibição da novela. Para a autora, a novela fornece um panorama que permite um relativo

“processo reflexivo do eu” – assim, o espectador repensa suas experiências no campo das

mesmas relações que vê representadas na narrativa da novela. No entanto, para ela existe

também uma “educação de sentimentos” que é mais incorporada no caso das gerações mais

novas. A autora afirma que há outros tipos e apelos femininos; apelos muito mais marcados

em termos de sexualização de imagens femininas, ideais de liberdade e prazer, juventude ou

natureza. Esses apelos já foram convencionados por alguns autores de novela, e essa

convenção já foi incorporada e é até esperada pelas audiências.

Tendo em vista as imagens das piriguetes nas telenovelas e a análise dos autores que

acreditam que as piriguetes são subversivas e transgressoras, pode-se sugerir que as piriguetes

das novelas não são de todo transgressoras e subversivas, mas sim desviantes. Mesmo

existindo muitos funks feitos e cantados por mulheres, nas telenovelas os funks que

representam as piriguetes são cantados majoritariamente por MCs homens23, o que nos leva a

afirmar que estas personagens agem dentro daquilo que é esperado pelos MCs autores das

23
Umas das precursoras no funk carioca, a cantora Tati Quebra-Barraco teve sua canção Boladona na trilha
sonora da novela O Clone, escrita por Glória Perez e exibida no horário das 21 horas pela Rede Globo entre 1 de
outubro de 2001 e 14 de junho de 2002.
52

músicas.24 Pode-se pensar que elas entram no jogo da sedução na posição que os homens já

esperam delas e, uma vez dentro dele, as piriguetes jogam para se favorecer. Nesse momento,

elas detém o poder de escolha.

Acredito que, diferentemente do que é entendido e do que elas possam fazer parecer,

elas não são “mulheres fáceis”. Como Mirian Goldenberg (2007) afirma, “O corpo é um

veículo fundamental de ascensão social e, também, um importante capital no mercado de

trabalho, no mercado do casamento e no mercado sexual” (p. 27). As piriguetes não são

apenas aquilo que define o dicionário, “moça ou mulher namoradeira”. Suas relações são

estabelecidas de acordo com seus interesses.

Pensando no “final feliz” das piriguetes das novelas, vemos que Suellen e Fatinha se

casam. Suellen é uma personagem da novela das 21 horas, e Fatinha é uma personagem de

Malhação, novela exibida entre as 17 e 18 horas. O próprio horário de exibição da novela

possibilitou um final mais ousado para a piriguete Suellen, que terminou a novela com um

casamento com dois homens e um filho cujo pai biológico é indeterminado. Fatinha, mesmo

se casando ao fim da novela, o fez no “melhor estilo piriguete”, com um vestido de noiva bem

curto na parte da frente. Mesmo após o casamento estas personagens não mudaram seus

modos de agir como piriguetes. Já o final feliz de Lurdinha não diz respeito apenas ao

casamento, mas também inclui um momento de encontro com a irmã, que foi furtada da mãe e

vendida quando era bebê. De modo geral, podemos afirmar que o final feliz das piriguetes das

novelas está relacionado ao casamento e a ter filhos, ressaltando a importância da família para

sua felicidade.

Não é minha intenção defender que “virar piriguete” traz felicidade ou um “final

feliz”, mas sim buscar compreender porque as piriguetes das novelas aparentam e são

24
As letras das músicas temas das personagens piriguetes das novelas encontram-se nos anexos desta
dissertação.
53

entendidas como felizes e poderosas a ponto de serem imitadas (ou invejadas?) por outras

mulheres.

Por fim, quero destacar que Nascimento (2010a) afirma que a imagem da piriguete

remete ao estereótipo da mulher negra das camadas populares. Entretanto, quando esse

estereótipo é transformado em personagens de telenovelas, é possível notar um

“embranquecimento da piriguete”. Para Liana Lewis (2013), a telenovela é um campo

complexo e polissêmico de produção e decodificação cultural e se apresenta como um espaço

representacional de diálogo entre os vários segmentos sociais que ainda reproduz a hierarquia

racial. A autora ainda salienta que há uma negação de negritude nas novelas:

Esta negação da negritude, tenazmente abordada por Frantz Fanon (2008), como
valorização da norma branca, constitui-se como um recurso recorrente nas
telenovelas, onde as personagens negras são usualmente denominadas através de
jogos de cores que insistem em negar a afirmação da raça negra (LEWIS, 2013, p.
5).

Nesse sentido, ressalto que, embora essas personagens sejam de camadas populares, a

piriguete da telenovela é invariavelmente interpretada por atrizes brancas. Talvez esse

embranquecimento se relacione a uma tentativa de tornar a recepção da piriguete da novela

“mais fácil”, tendo em vista que a piriguete já é estigmatizada pela sua falta de adequação às

normas. Sendo negra, esta personagem seria duplamente estigmatizada, ou seu

comportamento poderia ser “explicado” por sua raça, já que temos a figura da mulher negra

hipersexualizada no imaginário brasileiro.


54

Capítulo 4 - “Piriguetismo” como Moda

Se tivermos que entender as regras éticas que regulam uma


sociedade, é a estética que temos que estudar.
Edmund Leach (1954)

O termo piriguete é representativo de uma determinada maneira de ser mulher, mas ele

é apropriado e reconfigurado de acordo com as expectativas e possibilidades do meio e do

indivíduo que o vive. A categoria piriguete é usada simultaneamente como classificação e

acusação. Apesar das representações sobre as piriguetes serem organizadas em relação a

determinadas distinções sociais, sobretudo àquelas estruturadas pela raça, pela classe social,

pela corporalidade e pelo gosto, há uma apropriação do modo de ser piriguete por mulheres de

várias classes e de várias idades em um processo de “imitação prestigiosa” de uma mulher

ousada, poderosa, desejada e livre.

A ideia de “imitação prestigiosa” de Marcel Mauss (2003) é interessante para

compreender a disseminação da estética piriguete:

A criança, como o adulto, imita atos bem-sucedidos que ela viu ser efetuados por
pessoas nas quais confia e que têm autoridade sobre ela (...). O indivíduo assimila a
série dos movimentos de que é composto o ato executado diante dele ou com ele
pelos outros (MAUSS, 2003, p. 405).

Falar de “imitação prestigiosa” é falar de indivíduos que imitam atos, comportamentos

e corpos que obtiveram êxito e que têm prestígio em sua cultura. É importante destacar que

este processo de imitação não é, necessariamente, um ato consciente dos membros de cada

cultura. No caso aqui estudado, pode-se pensar que a imitação da piriguete não é tão

prestigiosa em relação à cultura dominante na sociedade, pois a piriguete é estigmatizada.

Cabe ainda ressaltar que se deve usar com cuidado algumas adjetivações que se colocam

sobre as piriguetes. As noções de empoderamento, de liberdade e de subversão, por exemplo,


55

não são consenso nos estudos sobre as potencialidades dos movimentos de mudança do

feminino das camadas populares. No entanto, aqui essas adjetivações são adotadas como

nativas. No mundo do funk carioca, no qual se usa largamente a categoria piriguete, sempre

há referências a um tipo de mulher “livre”, “poderosa” e “ousada”. Porém, essas

representações não necessariamente constroem um novo tipo de relação de poder entre

homens e mulheres.

Por meio das telenovelas, o estilo piriguete é difundido a partir da imitação,

primeiramente no modo de vestir. A piriguete ultrapassa as fronteiras de classe claramente

marcadas nas personagens. Ultrapassando este limite, são criadas várias distinções entre as

piriguetes.

Segundo Simmel (2008), a moda, como manifestação constante na história humana,

(...) é imitação de um modelo dado e satisfaz assim a necessidade de apoio social,


conduz o indivíduo ao trilho que todos percorrem, fornece um universal, que faz do
comportamento de cada indivíduo um simples exemplo. E satisfaz igualmente a
necessidade de distinção, a tendência para a diferenciação, para mudar e se separar
(SIMMEL, 2008, p. 24).

O autor afirma que

Se a moda expressa e acentua ao mesmo tempo o impulso para igualização e para


individualização, o estímulo da imitação e da distinção, isso explica talvez porque é
que as mulheres aderem em geral à moda com particular exuberância. Com efeito, a
debilidade da posição social que as mulheres estiveram condenadas durante a maior
parte da história gera nelas uma estreita relação com tudo que é “costume”, com
aquilo “que fica bem”, com a forma de vida geralmente aceita e é reconhecida
(SIMMEL, 2008, p. 38).

Simmel (2008) vê a moda como um produto da divisão de classes. Assim, ela se

comporta como muitas outras configurações, tais como a honra, por exemplo, “cuja dupla

função é formar um círculo social fechado e, ao mesmo tempo, isolá-los dos outros” (p. 25).

O autor ainda mostra que é “o perigo da mistura e da confusão que induz as classes dos povos

civilizados a diferenciar-se pela indumentária, pela conduta, pelo gosto, etc.” (p. 29).
56

Sobre a “tragédia da moda”, o autor afirma que:

A essência da moda consiste em que só uma parte do grupo a pratica, enquanto a


totalidade se encontra a caminho dela. Uma vez plenamente difundida, isto é, logo
que aquilo que, no início, só alguns faziam, sem exceção, como aconteceu em certos
elementos do vestuário e das formas de trato, já não se considera mais moda. Cada
expansão sua impele-a para o seu fim, porque ela ab-roga assim a possibilidade de
diferença. Através desse jogo entre a tendência para a difusão geral e a aniquilação
do seu sentido, que suscita justamente essa expansão, ela tem o peculiar fascínio das
fronteiras, o fascínio do simultâneo começo e fim, o encanto da novidade e, ao
mesmo tempo, o da efemeridade (SIMMEL, 2008, p. 31).

Sugiro que, a partir de uma moda piriguete, pode ocorrer uma ressignificação do

ser/estar piriguete, tornando positivo esse modo de agir. Como exemplo dessa ressignificação

positiva de uma categoria de acusação temos um editorial de moda assinado pela crítica de

moda brasileira Lilian Pacce intitulado Piriguetemos!25. Ele diz:

Hoje, meninas universitárias e jovens profissionais se autodenominam periguete sem


culpa nem pudor, longe de se associar à ideia de rapariga ou quenga. E quem sabe
periguete esteja deixando de ser substantivo pra virar um adjetivo na sua vida
também? Especialmente quando você quer ir à balada pra se divertir! (...) roupa pra
aquela balada forte, sem medo de ser feliz. E de sensualizar! (...) e periguetemos!

Esse editorial de moda traz sugestões para compor um look e se vestir “na moda

piriguete” com roupas e acessórios de diversas marcas e seus respectivos preços:

25
Disponível em: http://msn.lilianpacce.com.br/moda/periguete-editorial/
57

Figura 8 - Vestido com renda Dolce & Gabbana (R$ 7.485) e argolas Accessorize (R$ 24)
58

Figura 9 - Vestido Zinco (R$ 285,78), brincos Renner (R$ 27,90) e sapatos Dior (R$ 2.150)

Figura 10 - Maiô Cyann (R$ 343), calça jeans Yes London (R$ 545) e brincos Renner (R$ 27,90)

Existem, inclusive, manuais de como se vestir como uma piriguete, como podemos ler

abaixo:
59

Quer arrasar usando a moda das piriguetes?


Anote as dicas:
- Vestidos justos e curtos
- Minissaias
- Decote ousado ou barriga de fora
- Acessórios chamativos
- Salto alto26

Juliana Cazarine, jornalista de moda e autora do manual publicado no site da revista

Caras, afirma:

Inúmeras piriguetes já passaram pelas telinhas e até no cinema, mas raramente se viu
um fenômeno das proporções de Suellen, personagem vivida por Isis Valverde na
novela Avenida Brasil. Vestidos com zíper na frente, que são sensuais e
provocativos, acessórios chamativos e saltos altíssimos, peças-ícone da moda
piriguete, marcam o visual da personagem.

Juliana ainda afirma que a tendência do “piriguetismo” resiste até mesmo às baixas

temperaturas do inverno. No frio, o estilo das roupas se mantém, mas são utilizados tecidos

mais quentes e mangas compridas. Segundo a jornalista, está enganado quem pensa que as

roupas de piriguetes estão restritas às classes D e E. Para sustentar o argumento, ela utiliza

afirmativas de Denise Morais, consultora de moda do SENAC Moda e Informação: “Ser

provocante e atrair atenção do sexo oposto é um desejo das mulheres atuais, independente da

classe social” e “O que diferencia uma piriguete é sua atitude, o intuito com que ela se veste”.

Como mostrei anteriormente, ser piriguete é uma categoria de acusação, relacionada

ao modo de se vestir e de se comportar, especialmente no que diz respeito à sexualidade. No

entanto, ser piriguete também é uma estética, uma moda, um estilo que reúne elementos

diversos: roupa, cabelo, unhas, saltos, acessórios, maquiagem etc. Não há dúvida que este

estilo se disseminou amplamente. Acredito que, embora a moda piriguete tenha de difundido

primeiramente nas classes mais baixas, as classes mais altas se apropriaram do “piriguetismo”

26
Disponível em: http://caras.uol.com.br/blog/caras-especiais/look-piriguete-saiba-como-montar-o-seu-e-
arrasar#image0
60

de uma forma distinta. Nesse sentido, podemos compreendê-lo como uma moda, e não como

uma identidade.

A moda piriguete nas classes mais baixas se mostra mais exagerada do que nas classes

mais altas, pois as piriguetes das classes abastadas adotam menos acessórios, maquiagem

mais discreta e não usam as roupas tão curtas, coladas, coloridas e chamativas como as

piriguetes das classes populares. Pode-se sugerir que as mulheres de classes mais altas se

apropriam do “piriguetismo” a partir de uma ressignificação distintiva, já que em momento

algum elas se “unem” ou têm algum contato mais estreito com as piriguetes de classe mais

baixas - elas não se encontram nem dividem o mesmo espaço físico.

As distinções entre as piriguetes não se limitam às distinções sociais, sobretudo

àquelas estruturadas pela raça, classe social ou corporalidade. Existem, nos termos de Simmel

(2008), distinções de conteúdo que criam novas categorias de classificação, tais como a

“pirigótica”, a “pirigospel”, a “coroa piriguete”, entre outras.

Figura 11 - “Moda evangélica: o que você precisa saber para não virar uma 'pirigospel'” 27

27
Fonte: http://m.mdemulher.abril.com.br/moda/moda-evangelica-743484
61

Podemos pensar os vários tipos de piriguetes a partir da configuração estabelecidos-

outsiders. Primeiramente, como já mostramos, os homens (estabelecidos em certo sentido)

acusam as mulheres como outsiders por não se adequarem às normas de piriguetes. Também

as mulheres de classe mais alta, ao se apropriarem do “piriguetismo”, podem ser vistas como

“piriguetes estabelecidas” que estigmatizam as “piriguetes outsiders”. Contudo, as “piriguetes

estabelecidas” e as “piriguetes outsiders” também são estigmatizadas em uma configuração

mais ampla.
62

Capítulo 5 - Piriguete: a Garota Fálica Mascarada

No texto Quatro tecnologias da identidade juvenil feminina, Angela McRobbie (2013)

analisa o estatuto da mulher contemporânea considerando quatro “espaços de atenção”28:

1º relativo ao complexo da moda e beleza – no qual emerge a mascarada pós-

feminista;

2º relativo à educação e emprego – aqui se encontra a figura da working girl;

3º relativo ao espaço hipervisível da sexualidade, fertilidade e reprodução – nesse

emerge a garota fálica;

4º relativo ao espaço da globalização e especialmente a produção de feminilidades

comerciais no mundo em desenvolvimento – nesse emerge a menina global amigável, nada

ameaçadora, linda e maleável, ansiosa por agradar e nem um pouco rancorosa.

Pretendo, a partir das considerações de McRobbie (2013), situar a representação da

piriguete carioca nesse quadro das quatro tecnologias da identidade. Ressalto que a diferença

do cenário cultural do Reino Unido e do Brasil acabam por produzir diferentes estatutos da

mulher contemporânea, mas tentarei, tendo em vista a tipificação de McRobbie, encontrar

semelhanças e diferenças entre esses tipos e o que é representado como típico da piriguete.

Dentre esses quatro tipos, ressalto a mascarada pós-feminista e a garota fálica para refletir

sobre as piriguetes. A autora destaca que a mascarada pós-feminista

(...) reaparece como meio altamente autoconsciente de incentivar as jovens mulheres


a colaborarem com a re-estabilização de normas de gênero, de tal forma a desfazer
os ganhos do feminismo e a se desassociarem dessa identidade política agora
desautorizada (McROBBIE, 2013, p. 3).

28
Cada um deles funcionando para sustentar e revitalizar o que Butler chamou de “matriz heterossexual”, que
simultaneamente estabelece e confirma, sutilmente, tanto normas de hierarquia racial quanto divisões de classe
reconfiguradas, as quais assumem formas mais autônomas das dimensão de gênero (McROBBIE, 2013, p. 2).
63

Ela ressalta que

Mulheres que desejam a masculinidade podem vestir uma máscara de feminilidade


para evitar a ansiedade e a retribuição temida dos homens (...). Riviere entende que a
feminilidade e a máscara são indistinguíveis, e que não há uma mulher naturalmente
feminina à espreita, atrás da máscara (McROBBIE, 2013, p. 3).

Para a autora, a mascarada pós-feminista se apresenta como um reordenamento da

matriz heterossexual que assegura a existência da lei patriarcal e a hegemonia masculina.

Acredito que a ética piriguete pode ser situada dentro desse espaço, pois, embora as piriguetes

reordenem alguns aspectos dessa matriz heterossexual em relação ao jogo de sedução, elas

não destroem ou buscam destruir a hegemonia masculina, elas a manipulam.

McRobbie entende a mascarada pós-feminista como um modo de inscrição feminina

que se apoia no “refrão de feminilidade” e atravessa a superfície do corpo feminino enquanto

dispositivo interpelativo:

Recentemente este “refrão” foi reinstituído ironicamente no repertório da


feminilidade. Ele sinaliza que a hiperfeminilidade da mascarada, que parece
devolver as mulheres aos termos das hierarquias tradicionais de gênero, ao fazer
com que ela vista sapatos salto agulha e saias tubo, por exemplo, não significa de
fato que ela está presa (como as feministas teriam entendido, no passado), já que
hoje isto é questão de escolha, e não uma imposição (McROBBIE, 2013, p. 3).

Nesse sentido, a autora salienta que a nova mascarada enfatiza que seus artifícios são

adotados como uma atitude consciente. Essas mulheres fantasiadas, para autora, estão

afirmando que escolheram livremente seu look. Ressalto aqui que a representação da piriguete

é tão hiperfeminilizada que sua pouca roupa literalmente colada ao corpo, em conjunto com

sua ética, a transforma em uma mulher bastante caricata. Nos discursos de acusação que ela

sofre está muito presente a ideia de que a piriguete exagera tanto na feminilidade que acaba

por “perdê-la”. Assim, sua representação muitas vezes está mais próxima das representações

performáticas das drag queens do que das mulheres consideradas “reais”, “naturais” ou
64

“mulheres de verdade”. A autora salienta, contudo, que a mascarada pós-feminista não teme a

desforra masculina:

É a estrutura de reprimenda do sistema de moda e beleza que funciona como regime


de autoridade. Daí o aparente desprezo da aprovação masculina, sobretudo se o traje
e look forem amplamente admirados no meio da moda. Este é um tema recorrente
na série de televisão Sex and the City, por exemplo (McROBBIE, 2013, p. 3).

Assim, o simbólico repassa suas demandas para o domínio comercial, e esse domínio

se torna fonte de autoridade e julgamento para essas mulheres jovens:

Esta mascarada resgata as mulheres da ameaça dessas configurações, ao reinstituir


triunfalmente o espetáculo da feminilidade excessiva (baseada na condição de
assalariada independente), enquanto reforça a masculinidade hegemônica, ao
endossar a feminilidade pública que parece minar, ou pelo menos estorvar, o novo
poder que as mulheres acumulam com base em sua capacidade econômica. Existem
muitas variantes da mascarada pós-feminista, mas essencialmente ela consiste no
reordenamento da feminilidade, para que os estilos antigos (regras sobre chapéus,
bolsas, sapatos etc.), que sinalizavam a submissão a uma autoridade invisível ou a
um conjunto opaco de instruções, sejam reinstituídos. Por exemplo, a minissaia de
Bridget Jones, seu hábito de flertar no local de trabalho e suas auto reprimendas. A
mascarada pós-feminista resgata a mocinha com um retorno ao passado e ela adota
esse estilo (assumindo, por exemplo, uma cara de “tola e sem noção”) para ajudá-la
a navegar no terreno da masculinidade hegemônica sem colocar em perigo sua
identidade sexual que, já que está inserida legitimamente no mundo institucional do
trabalho do qual foi excluída ou teve acesso restrito, pode se tornar um locus de
vulnerabilidade. Ou simplesmente ela teme ser considerada agressivamente
antifeminina ao se destacar como mulher poderosa, e passa a adotar o ar de
distração, meio afobada, de uma menina supercarregada de bolsas, sapatos, pulseiras
e outros itens decorativos que precisam de atenção constante. O chapéu bobinho, a
saia curta demais, os saltos altíssimos são todas formas de enfatizar, como o faziam
as comédias hollywoodianas, a vulnerabilidade, fragilidade, incerteza e ansiedade da
mulher acerca da possibilidade de sua condição lhe custar o desejo masculino
(McROBBIE, 2013, pp. 3-4).

A autora salienta que a garota fálica dá a impressão de haver conquistado a igualdade

com os homens ao se assemelhar a seus parceiros. Contudo, nesta adoção simbólica do falo,

não há crítica à hegemonia masculina. Ela entende que essa garota é uma jovem mulher para

quem as liberdades associadas aos prazeres sexuais masculinos não estão só disponíveis, mas

são estimulados e festejados. Assim, a autora mostra que a essa garota fálica

se solicita estar de acordo com a definição do sexo como um prazer alegre, uma
atividade recreativa, como hedonismo, esporte, recompensa e status. A
65

luminosidade recai sobre a menina que adota os hábitos associados à masculinidade,


inclusive beber muito, falar palavrão, fumar, se envolver em brigas, participar de
sexo casual, ser detida pela polícia, consumir pornografia e ir a boates com shows
eróticos etc., mas sem abrir mão de ser desejável para os homens; de fato, essa
aparente masculinidade potencializa o desejo por ela na economia visual da
heterossexualidade (McROBBIE, 2013, p. 6).

McRobbie ainda mostra que a garota fálica é

capaz de assumir alguns dos instrumentos da masculinidade, a menina embriagada,


que fala palavrão, olha lubricamente e não tem aversão a fazer sexo com outras
meninas, demonstra que dentro do domínio da autoridade Simbólica, tudo parece
possível. A cultura de consumo, a imprensa marrom, o setor de revistas de meninas
e mulheres, as revistas masculinas e também a televisão popularesca, todos
estimulam as jovens mulheres, pretensamente em nome da igualdade sexual, a
reverterem os antigos costumes e imitarem os estilos de sexualidade assertivos e
hedonistas dos homens jovens (McROBBIE, 2013 , p. 6).

A autora entende que, sob a pretensa igualdade promovida pela cultura de consumo, o

falicismo feminino é de fato uma provocação ao feminismo, e até mesmo um gesto triunfante

de parte do patriarcado ressurgente:

Ao emergir e se mostrar “sempre disposta”, a garota fálica como luminosidade


permite certos modos de retrocesso do que se tornou senso comum feminista, e que
se torna então objeto de revisão. Assim, seu comportamento anti-feminino permite a
volta aos debates sobre a violência sexual e o estupro, quando se tratar, por exemplo,
de uma garota que estava tão bêbada que não tem ideia do que realmente aconteceu,
ou de outra que concordou em ter sexo com vários homens, mas não esperava ser
tratada com violência ou brutalidade. Ao endossar normas de conduta masculinas no
campo da sexualidade, ela remove qualquer obrigação, por parte dos homens, de
refletir sobre seu próprio comportamento e sobre o tratamento dado às mulheres. A
garota fálica - por exemplo, a modelo glamourosa que está envelhecendo -, deve
aguentar a hostilidade masculina, agora que já não é tão desejável. A hostilidade do
homem jovem para com as mulheres reaparece sem reprovação, sobretudo na
comédia e na cultura de massa (McROBBIE, 2013, pp. 6-7).

Embora as piriguetes usem saias curtíssimas e saltos altíssimos, acredito que elas não

os adotam em um sentido de aparentar fragilidade ou vulnerabilidade - elas os utilizam no

sentido de mascarar, ocultar, seu lado de garota fálica. Afinal, como o próprio nome já denota,

de certa forma as piriguetes são perigosas; elas ameaçam algo. Entretanto, elas jogam dentro

do jogo da dominação masculina e usam os aspectos dessa dominação em benefício próprio.


66

Não se trata de aceitar um “cavalheirismo”, por exemplo, como submissão, mas sim de aceitar

e entender que elas estão fazendo esse homem de “trouxa”, de “otário”, como uma espécie de

“vingança”. Portanto, esse tipo de vestimenta e atitude da piriguete não denotaria apenas um

sentido de máscara, mas seria também uma armadura.

Tendo em vista as considerações de Angela McRobbie, sugiro que a piriguete pode ser

vista como uma garota fálica mascarada, pois entendo que a representação da piriguete

apresenta comportamentos que se assemelham, de certa forma, tanto com a mascarada pós-

feminista quanto com a garota fálica. Sugiro que a piriguete pode ser pensada como

possuidora de uma estética da mascarada pós-feminista e uma ética da garota fálica. A

piriguete, combinando estes aspectos, pode ser acusada de “perder a feminilidade natural” por

exagerar nas transformações corporais (a partir do uso de próteses de silicone, por exemplo),

nos cabelos, nas unhas, na maquiagem, nas roupas muito justas e curtas, etc. Dessa maneira,

assim como McRobbie, acredito que as piriguetes também podem contribuir para re-

estabilizar as relações de gênero.

5.1 - Piriguete como estigma

Como afirmamos anteriormente, a categoria piriguete atua não só no nível

classificatório, mas também no nível da acusação. Em geral, o tom das reportagens e dos

comentários sobre a vida de famosas que levam esse título, assim como o de personagens de

telenovelas caracterizadas como piriguetes, é o tom do estigma.

Elias e Scotson (2000) mostram como os diferenciais de poder podem ser distintos em

cada contexto, mas que toda relação de desigualdade apresenta, de certa forma, uma

configuração estabelecidos-outsiders. Entende-se a existência dos outsiders a partir da


67

sociodinâmica da estigmatização social, ou seja, o que possibilita um grupo estigmatizar o

outro.

O equilíbrio instável do poder é peça central dessa figuração estabelecidos-outsiders,

além de ser precondição para a “estigmatização eficaz de um grupo outsider por um grupo

estabelecido” (p. 23). Analisando a configuração de Winston Parva, os autores mostram como

a legitimação de poder está intimamente ligada à estigmatização social do outro através de

fofocas depreciativas. Os autores mostram como a autoimagem e a coesão são fundamentais

na possibilidade de deter o poder de estigmatizar o outro. Para Elias e Scotson (2000), os

estabelecidos desenvolvem uma “ideologia” como arma. Essa ideologia de status é construída

em torno dos temas estereotipados e é disseminada e mantida em seu local de pesquisa através

de um fluxo constante de fofocas.

Para os autores, os conflitos e tensões entre estabelecidos e outsiders podem se manter

latentes (quando os diferenciais de poder são muito grandes) ou aparecer abertamente (quando

a relação de poder se altera em favor dos outsiders). A possibilidade de fixar um rótulo de

valor humano inferior é uma arma dos estabelecidos nas disputas de poder para manter a

superioridade social do grupo. O grupo estabelecido se atribui um valor humano superior e

atribui características “ruins” aos outsiders.

Os autores lembram que em todas as línguas, e, portanto, em todas as sociedades,

existem termos estigmatizantes. “’Crioulo’, ‘gringo’, ‘carcamano’, ‘sapatão’ e ‘papa-hóstia’

são exemplos.” (p. 27), mas o poder de ferir desses termos depende dos diferenciais de poder.

Assim, enquanto o equilíbrio de poder entre estabelecidos e outsiders for desigual, os termos

estigmatizantes proferidos por outsiders nada significam, pois estes não têm poder para ferir

os estabelecidos.
68

Pode-se pensar no termo piriguete como uma acusação com intenção depreciativa que

parte do grupo estabelecido (homens e mulheres das camadas médias e altas) para

estigmatizar essa “mulher perigosa”. Os homens podem ser vistos como estabelecidos por

terem, ao longo do tempo, construído uma ideologia29 que permite atribuir valor humano

inferior às mulheres que não se adéquam às regras, como as piriguetes.

Acredito que a estigmatização da piriguete partiu, principalmente, dos homens,

particularmente os das classes mais baixas, que, de alguma forma, se sentiram “ameaçados”

por essas mulheres e tentaram atribuir a essa mulher um rótulo de valor humano inferior. No

discurso masculino estigmatizante percebe-se que a piriguete é entendida como uma mulher

que não merece ser respeitada como as outras mulheres.

Um dos vetores de construção do estigma da piriguete parece ser uma série de

comportamentos considerados pouco ortodoxos. Tais comportamentos dizem respeito às

regras seguidas em seus relacionamentos pouco duradouros e descompromissados, que

gestam a construção de um estilo de vida e de um padrão relacional reprovado pelo mundo

social.

Desse modo, o tipo de masculinidade identificado na representação do “putão” tem


um valor “positivo”, reforça a masculinidade hegemônica e a virilidade, assim como
reitera os estereótipos de superioridade, força e dominação como atributos
inquestionáveis do masculino, natural e universal. Enquanto que o termo piriguete
está situado no outro extremo da representação binária e tem um sentido pejorativo,
negativo (NASCIMENTO, 2008, p. 3).

O trecho acima apresenta duas questões que auxiliam a compreensão da construção da

categoria piriguete: o primeiro deles aponta para uma forte demarcação de gênero e o segundo

para o estigma, para o sentido acusatório das falas e das representações negativas sobre o que

é ser piriguete. Percebe-se, ainda, que esses dois problemas estão imbricados. Segundo o

29
A ideologia é “um sistema de atitudes e crenças que enfatizava e justificava sua própria superioridade, e que
rotulava as pessoas do loteamento como sendo de categoria inferior” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 65).
69

autor, é precisamente por causa das demarcações de gênero que o termo piriguete é usado

como categoria de acusação.

Nascimento (2010a) afirma que as representações sobre o que é ser piriguete são

gestadas a partir de um amplo espectro de significações, já que são construções discursivas

em processo, servindo de suporte para as diversas representações da mulher independente e

sexualmente livre na cultura brasileira contemporânea.

Segundo Misse (2007), ser passiva é o estereótipo síntese da mulher. O autor ainda

salienta que esse estereótipo de mulher passiva reflete o comportamento que a sociedade

espera da mulher. Nesse sentido, a piriguete, ao tomar para si o poder sobre seu corpo e seus

usos, quebra com a passividade que é esperada da mulher. Assim, o estigma se relaciona

principalmente com o caráter ativo dessa mulher, especialmente no que diz respeito à

sexualidade.

Nascimento (2008), quando trata das diferentes representações do “putão” e da

“piriguete”, aproxima-se da ideia de dominação masculina de Pierre Bourdieu (1999). O

sociólogo francês acredita que o mundo social, por meio da experiência dóxica, constrói e

reitera divisões que são arbitrárias, mas que se naturalizam nas formações sociais, sendo

apresentadas na “ordem das coisas” como evidentes e adquirindo assim todo o poder de

reconhecimento legítimo. Essas arbitrariedades naturalizadas estão intrinsecamente

relacionadas à dominação masculina que se realiza, inclusive, no plano simbólico. Dessa

maneira, não só é legitimamente reconhecido como também é desejável que o homem tenha

vários relacionamentos sexuais com o maior número possível de mulheres, enquanto as

mulheres, por sua vez, devem conter seus impulsos sexuais, procurando, ao longo da vida, ter

o menor número de parceiros.

Nascimento (2010a) salienta que a imagem da piriguete remete ao estereótipo da

mulher negra das camadas populares cuja cultura não considera a sexualidade como um tabu.
70

Essa mulher também participa dos shows protagonizando as coreografias das músicas, sabe do

seu desejo e quer viver intensamente o momento presente. A piriguete é vista por Cerqueira

et al. (2012) como um elemento transgressor do padrão vigente e da norma a ponto de

desestabilizar as relações de poder entre homens e mulheres:

A escolha pelo uso de roupas curtas e justas faz com que as pessoas definam o estilo
da participante como “piriguete”. O termo piriguete (ou periguete), de conotação
pejorativa, tem sido usado (na música popular, na mídia, na conversa informal) para
definir a mulher que não está adequada aos padrões tradicionais de conduta
feminina, seja por ter muitos parceiros sexuais, seja por agir ou se vestir de maneira
considerada provocante. A mulher piriguete é vista como um perigo para a
sociedade, pois ameaça valores tradicionais com seu comportamento sexual fora de
relações estáveis/aceitas ou pela exposição do corpo, que pode sugerir conduta
inadequada. É importante observar que não há termo pejorativo correspondente que
se refira ao comportamento sexual heterossexual masculino ou à maneira de se vestir
do homem. A crítica ao homem passa pela heterossexualidade/homossexualidade.
Chamar a atenção do sexo oposto ou se relacionar com muitas mulheres não é
considerado um problema para os homens, pelo contrário, é algo valorizado
socialmente (CERQUEIRA, CORRÊA e ROSA, 2012, p. 133).

As piriguetes denotam perigo porque não se adequarem às regras. No entanto, sugiro

que, justamente por não se adequarem, elas adquirem poder, desestabilizando as convenções

estabelecidas no campo das diferenças instituídas entre homens e mulheres. Elas tornam seu

corpo um objeto de desejo para os homens, mas subvertem o jogo de sedução: o modo de usar

o corpo é escolha delas. Seu corpo, seu desejo e sua liberdade não são utilizados a partir do

paradigma normativo instituído pela dominação masculina e, por conseguinte, do homem.

Saliento aqui, que, por vezes, ter poder no jogo de sedução, para as piriguetes, parece

mais importante do que “conquistar” de fato. Elas se sentem mais poderosas quando

“conquistam” um homem, aproveitam as vantagens que podem obter no jogo de sedução e, no

final, não “ficam” com esse homem. Elas têm o poder de dizer “não”, e mais do que isso, elas

têm, muitas vezes, prazer em dizer “não”.

As mulheres consideradas piriguetes são tidas como mulheres de conduta promíscua,

duvidosa ou simplesmente errada, já que, em suas experiências de vida, elas escapam às

regras de comportamento que se impõem sobre as mulheres: elas deveriam ter poucos
71

parceiros afetivo-sexuais, mas têm muitos; elas deveriam usar roupas que escondessem seus

corpos, mas não o fazem. As mulheres devem, de maneira geral, falar baixo, se comportar

como “mocinhas” e conter suas pulsões sexuais, mas as representações feitas sobre a

categoria de classificação e acusação piriguete apontam para um não alinhamento dessas

mulheres em relação a esse comportamento esperado pelo mundo social.

As piriguetes são consideradas um perigo à dominação masculina. No entanto,

acredito que, paradoxalmente, as piriguetes podem colaborar para fortalecer a dominação

masculina existente na sociedade brasileira. Sugiro que as piriguetes podem ajudar a

fortalecer a dominação masculina pois sua ética e estética só são possíveis dentro de certo tipo

de relação de gênero. É verdade que elas manipulam e se desviam de certos papéis e

comportamentos femininos considerados socialmente mais legítimos, n entanto, elas também

fortalecem papéis de gênero considerados mais tradicionais ou submissos, como, por

exemplo, a valorização do papel do homem como provedor e o uso do corpo como capital nas

relações afetivas e sexuais ou, até mesmo, como meio de sustento e sobrevivência.

É preciso ressaltar que não estou afirmando que as mulheres acusadas de piriguetes

são submissas ou interesseiras. O que estou sugerindo é que estas mulheres acusadas de serem

piriguetes parecem reforçar determinados valores associados à dominação masculina,

especialmente com relação ao poder e ao sucesso financeiro masculino. Não é por acaso que,

nas representações midiáticas das piriguetes, especialmente nas telenovelas, está muito

presente sua associação com os mais famosos e ricos jogadores de futebol, suas “vítimas”

preferidas.
72

Capítulo 6 - Distinção entre as Piriguetes: o Estigma dentro do Estigma

Nas minhas andanças pela vida tenho me deparado com um novo tipo
de mulher: a coroa piriguete.
Marcel Kume

Neste capítulo pretendo discutir como as representações sobre a tendência,

comportamento ou moda piriguete vêm sendo apropriadas pelas mulheres de diferentes

gerações e analisar a produção da “coroa piriguete” como uma categoria performativa que se

articula a diferentes operadores sociais da diferença, tais como gênero, sexualidade e idade.

Dentro da categoria piriguete existe uma divisão: há piriguetes jovens, que chamo aqui apenas

de “piriguetes” e há piriguetes velhas, conhecidas como “coroas piriguetes”.

Partindo da ideia de que há um deslocamento na apropriação do termo piriguete e que

esse passa a atingir um amplo espectro de significações, tentarei mostrar as diferenças que se

estabelecem dentro do próprio discurso sobre o que é ser piriguete. Trata-se aqui de uma

questão de níveis: existem as mulheres acusadas de serem piriguetes e, “pior ainda”, existem

aquelas que são acusadas de serem “coroas piriguetes”.

As “coroas piriguetes” recebem acusações que ajudam a entender como sensibilidades,

performances e representações sobre o universo feminino são produtos de convenções sociais

celebradas por interações cotidianas. Para tanto, analisei alguns discursos sobre as “coroas

piriguetes” no ciberespaço.

A partir da observação de alguns blogs na internet, constatei que mulheres mais velhas

que se relacionam afetivo-sexualmente com homens mais novos são rotuladas de “coroas

piriguetes”. No blog Plano Feminino, a seção “O que eles pensam” traz um texto intitulado
73

Puxão de Orelha: Coroa piriguete!30, de autoria de Marcel Kume, que se descreve como

“Empresário e blogueiro responsável pelo blog Santo Papo. Observador, sincero até demais e

não perde uma boa discussão quando o assunto é comportamento, relacionamento e sexo”.

O título do texto já mostra uma forte acusação à coroa piriguete: Kume pretende dar

um “puxão de orelha” nessas mulheres que têm um comportamento duplamente desviante,

primeiro por serem piriguetes, e, em segundo lugar, por serem coroas. Fica clara a proposta de

trabalhar com níveis: um primeiro nível, o das piriguetes, e outro ainda mais estigmatizado, o

das mulheres velhas que assumem a conduta dessa categoria. Vê-se, aqui, um problema muito

estudado pelas ciências sociais, e que se relaciona à questão da velhice.

Um dos pontos que incomoda o autor são os relacionamentos erótico-afetivos dessas

mulheres que são classificadas como “coroas”:

Nas minhas andanças pela vida tenho me deparado com um novo tipo de mulher, a
coroa piriguete. Há um tempo atrás, era algo que eu só via na balada, mas elas estão
tomando conta do pedaço, dos shoppings, das baladas, dos parques de caminhadas,
das redes sociais, enfim, elas estão em todos os lugares. Mas o que vem a ser a
coroa piriguete? Coroa piriguete é aquela mulher que já passou dos seus 40 anos e
ainda acha que é uma adolescente de 15. Usa roupas ousadas, fala gírias, pega os
garotões na balada e acham que estão abafando. Sinceramente, defino todas essas
atitudes com uma única palavra: RIDÍCULO!

Segundo Simone de Beauvoir (1990), a velhice não é uma verdade interior. É o mundo

exterior, a partir do “outro”, que determina a nossa velhice através do imperativo “seja um

velho!”. A filósofa afirma:

Se os velhos manifestam os mesmos desejos, os mesmos sentimentos, as mesmas


reivindicações que os jovens, eles escandalizam; neles, o amor, o ciúme, parecem
odiosos ou ridículos, a sexualidade repugnante, a violência irrisória. Devem dar
exemplo de todas as virtudes. Antes de tudo exige-se deles a serenidade, o que
autoriza o desinteresse por sua infelicidade (BEAUVOIR, 1990, p. 10).

30
Disponível em: http://planofeminino.com.br/puxao-de-orelha-coroa-piriguete/
74

Partindo dessa leitura de Beauvoir, pode-se compreender que o blogueiro, a partir do

rótulo do que é ser velho, conjuntamente com o rótulo do que é ser mulher, defende que as

mulheres desempenhem o papel de velha esperado por ele. O que não é visto como adequado

a essa expectativa é, em suas palavras, “ridículo”.

A mulher mais velha que não aceita o imperativo “seja um velho!” e que não

corresponde ao modo de agir e vestir instituído para a sua idade, adotando um comportamento

desviante, é considerada ridícula, como mostrou Goldenberg (2015).

É encontrada uma oposição do mesmo tipo da configuração “piriguete” x “putão” em

relação à configuração “coroa piriguete” x “coroa garanhão”. Segundo a configuração

“piriguete x putão”, conforme afirmou Nascimento (2008), o “putão” tem um valor positivo,

reforçando a masculinidade hegemônica e a virilidade e reiterando os estereótipos de

superioridade, força e dominação como atributos inquestionáveis do masculino.

O “coroa garanhão”, justamente por estar numa posição privilegiada na sociedade por

ser homem, traz consigo um valor positivo. A “coroa piriguete” se aproxima do que é

atribuído às piriguetes, que, por serem mulheres, encontram-se no outro extremo da

representação binária, carregando uma série de sentidos negativos e essencialmente

desprestigiados.

Ser uma “coroa piriguete” é assumir uma postura duplamente desviante e

estigmatizante porque essa mulher transgride:

1) o que é estabelecido para “ser mulher” (ser mãe, ser velha, ser avó);

2) o que é estabelecido para ser piriguete (ser jovem).


75

A não aceitação do estilo de vida das “coroas piriguetes” faz o blogueiro procurar

motivações para o estilo de vida adotado por essas mulheres: a desilusão e a solteirice nessa

fase da vida são os motivos principais apontados por ele.

Discretamente fiz algumas pesquisas para entender o motivo do surgimento dessas


estranhas criaturas e o perfil de todas é bastante parecido: mulheres que começaram
a se relacionar cedo demais, sofreram algum tipo de desilusão amorosa e estão
solteiras – querendo tirar o atraso de uma vida frustrada.

Ele acredita que a frustração amorosa seja uma mola para que as coroas adotem o

estilo piriguete:

Outra característica que tenho percebido é que essas mulheres são as que mais
sofrem emocionalmente, sempre com a sensação de vazio e de serem usadas, mas
acredito em um ditado que diz “quem procura acha…”, afinal, se eu me deparar com
uma mulher dessas ficaria bastante claro que ela só procura curtição e nada mais.

De acordo com o blogueiro, é um paradoxo a mulher mais velha – e, por isso,

sexualmente indesejada - adotar um estilo de vida de piriguete.

Segundo Simone de Beauvoir (1990), a mulher é mais afetada pela velhice porque,

enquanto é jovem, seu corpo é visto como objeto sexual, ou seja, um atributo importante.

Quando velha, seu corpo não é mais desejado - um corpo velho é repulsivo e a mulher velha

torna-se invisível.

Já que a piriguete é aquela mulher que constrói o seu “corpo como um veículo

fundamental de ascensão social e, também, um importante capital no mercado de trabalho, no

mercado do casamento e no mercado sexual” (GOLDENBERG, 2007, p. 27), torna-se

intensamente não aceito que mulheres mais velhas assumam essa postura, pois o corpo delas

não pode e não deve ser usado e/ou construído como um capital.

Mirian Goldenberg (2015), assim como Simone de Beauvoir (1990), revela que a

mulher mais velha é invisível. Sugiro que, já que a piriguete é bastante visível, sexualizada e
76

desejada, tornar-se uma “coroa piriguete” pode ser uma estratégia, consciente ou inconsciente,

de visibilidade. Por outro lado, diferentemente da concepção do blogueiro de que a coroa

torna-se piriguete, acredito que a mulher categorizada como “coroa piriguete’ pode ter tido

um estilo de vida durante a juventude que se assemelha àquilo que é posto como o estilo de

vida piriguete. Portanto, essa mulher não se “torna piriguete”, ela “sempre foi e continua

sendo piriguete”.

Através de uma breve pesquisa das expressões “coroas piriguetes” e “velhas

piriguetes” no buscador Google, constatei que o termo aparece inúmeras vezes, tendo maior

frequência em sites pornográficos. Ao buscar “coroas piriguetes” no Google aparecem,

segundo a fonte do buscador, aproximadamente 78.900 resultados31. Seguem os 10 primeiros

resultados da 1ª página do buscador Google:

 Coroas Popozudas - Coroa Bunduda Piriguete

coroaspopozudas.blogsexy.com.br/65628/Coroa+Bunduda+Piriguete.html

28/8/2013 - Coroa Bunduda Piriguete ... Site dedicado as Coroas Popozudas Caseiras,

principalmente as Amadoras do Brasil RABUDAS, POPOZUDAS, ...

 Fudendo com a coroa piriguete - Coroas Brasileiras

www.coroasbrasileiras.com/coroas.../fudendo-com-a-coroa-piriguete/

coroa piriguete essa vadia safada trepa bem gostoso com seu cunhado toda semana ele n

trepa na casa dela,e essa vadia rabuda empina sua bunda e leva ...

 Piriguetes safadas - Página Inicial

www.pornosafadas.net/videos/piriguetes+safadas/

Coroas safadas lesbicas. Duas raparigas se pegando no pau do sortudo, ele geme todinho e

finca gostoso nas safadas, as vadias caem de boca e dão uma ...

31
Acesso realizado no dia 26 de Novembro de 2014.
77

 Videos Coroas| Tiazona piriguete - transando

www.coroas.tv/transando/tiazona-piriguete/

26 de jun de 2012 - Tiazona piriguete. Uma tia safadinha dando um caldo em marmanjo

tarado! Confira a foda louca que rola com essa cachorra em cima da ...

 Coroas Piriguetes Transando - Sexo Manual

sexomanual.com/coroas-piriguetes-transando-clip114399.html

Pornomariaexbbcombr garotas da ufpb trasando cu arrega.

 Coroas Piriguetes Gostosas Nuas - Sexo Manual

sexomanual.com/coroas-piriguetes-gostosas-nuas-clip160914.html

Fotos de sexo mais fuleiras cameras flagras nuas robertinhas nuas fotos.

 Coroas Piriguetes E Gostosas Fazendo Sexo Com Novinho ...

semcamisinhas.com/videos/coroas-piriguetes-e-gostosas-fazendo.../4/

coroas piriguetes e gostosas fazendo sexo com novinho, videos porno de coroas piriguetes e

gostosas fazendo sexo com novinho gratis.

 Coroa piriguete malhando - YouTube

www.youtube.com/watch?v=WbexlwCgb0Q

26 de jul de 2012 - coroa ensinando a malhar. ... coroa piriguete malhando ... coroa com

corpinho de ninfeta na academia by wlian pasquin 4,491 views; 1:24.

 Fotos de piriguetes - Fotos Caseiras

www.fotosdecaseiras.com.br/tag/piriguetes/

Amadoras · Morenas · Loiras · Ninfetas · Coroas · sexo Anal · Sexo Grupal · Sexo Oral ·

Contato · Envie suas fotos. Search. Pesquisar por: Tag: piriguetes ...

 Putaria com piriguetes rabudas - coroas peladas | videos ...

www.coroasporno.com/putaria/putaria-com-piriguetes-rabudas/
78

7 de fev de 2014 - Putaria com macho que é tarado por pé, ele lambe as putinhas nuas

deixando elas loucas de tesão, topando de tudo com ele. As piriguetes ...

É interessante notar que, embora a ‘coroa piriguete” seja estigmatizada no ciberespaço,

a maioria dos resultados no buscador sobre esta categoria está relacionada a sites de filmes

pornôs. Elas são estigmatizadas pelo seu comportamento, mas parecem fazer sucesso nos sites

pornográficos.

Foram encontrados também muitos resultados referentes a exercícios físicos. As

“coroas piriguetes” também são bastante relacionadas com academias de ginástica e

musculação, sendo este um espaço onde elas, além de cuidar do corpo, também encontrariam

namorados mais jovens. Mirian Goldenberg (2014), em Casamentos invertidos: acusações e

preconceitos em arranjos conjugais desviantes, salienta que:

Mulheres mais velhas casadas com homens mais jovens é um tema recorrente nas
telenovelas, filmes, romances, colunas de fofocas etc. Provoca o olhar de censura, o
sentimento de repulsa e, talvez, o de inveja; são relacionamentos considerados
proibidos, reprováveis ou inaceitáveis em nossa cultura. (GOLDENBERG, 2014, p.
498).

A autora, pensando no conceito de “imitação prestigiosa”, lista casos famosos de

mulheres casadas com homens mais jovens apontados pela revista Veja (14/5/2010): Ana

Maria Braga, Elba Ramalho, Marília Gabriela, Susana Vieira e Elza Soares. Goldenberg

destaca que

Duas das mulheres famosas que aparecem na matéria da revista Veja, Susana Vieira
e Elza Soares, foram as mais citadas na minha pesquisa quando pedi: “dê um
exemplo de uma pessoa famosa que envelheceu mal”. As duas apareceram em
primeiro lugar, por não “aceitarem o envelhecimento” e “se comportarem de forma
inadequada para a idade”. Nos dois casos, o fato de terem relacionamentos com
homens muito mais jovens é muito criticado. Elza Soares também é extremamente
criticada em função do excesso de cirurgias plásticas. A ênfase dos pesquisados é a
de que, por não aceitarem a idade, as duas se comportam de forma inapropriada:
namoram homens mais jovens, usam roupas inadequadas para a idade e fazem um
excesso de cirurgias plásticas. Outro exemplo de mau envelhecimento citado nas
respostas dos pesquisados é o da atriz Vera Fischer. Ela aparece por não aceitar a
idade, por namorar homens mais jovens, pelo uso de botox, pelas cirurgias plásticas
79

e, também, pelo vício em drogas e álcool. Eles dizem: “ela é barraqueira”, “está
sempre metida em brigas e confusões”. Seu comportamento é considerado
totalmente inapropriado para uma mulher de mais de 60 anos (ela nasceu em 1951).

É fácil constatar que as “coroas piriguetes” sofrem as mesmas acusações que aparecem

na pesquisa de Goldenberg sobre envelhecimento, ou seja, tanto essas famosas quanto as

“coroas piriguetes” são acusadas de “não saberem envelhecer”. Ser uma mulher mais velha,

usar roupas curtas e justas, e, principalmente, “namorar garotão”, ou seja, homens mais

jovens, são comportamentos passíveis de acusação.

Utilizando as ideias de Mirian Goldenberg apresentadas no livro Coroas (2015), é

possível afirmar que as mulheres acusadas de coroas piriguetes, com seus comportamentos e

roupas, questionam a postura de invisibilidade assumida pelas mulheres mais velhas. A

autora, em seus estudos com mulheres de mais de 50 anos, revelou que uma das maiores

queixas femininas é, exatamente, a de terem se tornado invisíveis, especialmente no mercado

afetivo e sexual.

Um exemplo apontado pela antropóloga é o depoimento de uma professora

universitária de 55 anos:

Eu sempre fui uma mulher muito paquerada, acostumada a levar cantada na rua.
Quando fiz 50 anos, parece que me tornei invisível. Ninguém mais diz nada, um
elogio, um olhar, nada. É a coisa que mais me dá a sensação de ter me tornado uma
velha. Hoje, me chamam de senhora, de tia, me tratam como alguém que não tem
mais sensualidade, que não desperta mais desejo. É muito difícil aceitar que os
homens me tratam como uma velha, e não como uma mulher. Na verdade, não acho
nem que me tratam como velha, simplesmente me ignoram, me tornei invisível.

Outro tipo de discurso analisado por Goldenberg é o de falta, como ela mostra em um

depoimento de uma jornalista de 51 anos:

Sei que é o maior clichê, mas é a mais pura verdade: falta homem no mercado.
Todas as minhas amigas que estão na faixa dos 50, estão sozinhas. Na verdade, uma
não está sozinha, é amante de um canalha e outra está casada com um cara que é
80

completamente broxa, eles não transam há anos. Eu não tenho namorado há um


tempão. Até saio com uns caras, mas é horrível sair com um cara de 50 anos que fala
e se comporta como um garotão. É o botox dos homens. Eles se separam e passam a
falar, a se vestir e a se comportar como um adolescente. Acho ridículo, até patético.
Eu queria ter um namorado, um companheiro. Sinto falta. Meu ex-marido, três
meses depois da separação, já estava com uma namorada vinte anos mais nova. Que
maluco vai querer uma velha decrépita, ou até mesmo uma coroa enxuta, se pode ter
uma jovem durinha, com tudo no lugar?

As mulheres pesquisadas por Goldenberg se excluem do mercado afetivo-sexual em

função de não corresponderem mais a um determinado modelo de corpo jovem, magro e sexy.

É interessante notar que são elas próprias, e não os homens, que se excluem do mercado,

especialmente o sexual. Uma analista de sistemas de 56 anos usa a ideia da “aposentadoria”

para explicar essa exclusão:

Eu morro de inveja daquelas barangas horrendas que transam e têm aqueles orgasmos
maravilhosos e digo ‘Ai, meu Deus, será que algum dia eu vou conseguir ter prazer de
novo?’. Essa autocensura, acho que é alguma coisa hormonal. Eu não tenho mais desejo
sexual. Isso foi depois dos 50. A última vez que transei eu tinha 50 anos, com meu último
namorado. É uma escolha minha porque eu ainda tenho uma plateia. Tem quem me queira,
eu é que não quero. Me aposentei nesse setor. Não precisa me consolar, não. Eu só estou
falando que existem mulheres de 50, com corpo despencado, aí junta com hormônio, e aí eu
fico broxinha, uma verdadeira aposentada.

Segundo Mirian Goldenberg (2015), esses três tipos de discurso, que ela classificou

como o de falta, da invisibilidade e da aposentadoria, podem ser interpretados como uma

postura de vitimização das mulheres nessa faixa etária que apontam, predominantemente, as

perdas associadas ao envelhecimento.

No livro A bela velhice, publicado em 2013, Goldenberg analisa as respostas para a

questão de sua pesquisa: “Dê um exemplo de uma pessoa pública que envelheceu mal”. Todas

as respostas foram de atrizes, cantoras e apresentadoras de programas de televisão que

fizeram um excesso de cirurgias plásticas, tornando-se, segundo os pesquisados, “monstros”,

“deformadas”, “desfiguradas”, “esticadas”, “artificiais”. No entanto, e o que é mais

interessante para refletirmos sobre as mulheres acusadas de serem “coroas piriguetes”,

também foram citadas atrizes, cantoras e apresentadoras que são vistas como tendo
81

comportamentos inadequados para a idade, tais como “namorar garotão” ou “usar minissaia,

decote ou roupa muito justa”. Elas foram acusadas de serem “ridículas”, “patéticas”, “sem

noção”, “escandalosas”. A principal razão para apontarem essas mulheres como exemplos de

mau envelhecimento foi “elas não aceitam a idade que têm”.

Duas pessoas públicas foram muito citadas tanto como exemplos de bom

envelhecimento quanto de mau envelhecimento. Quando aparecem como exemplos de bom

envelhecimento, os pesquisados de Goldenberg disseram que elas são felizes, espontâneas,

autênticas, alegres, ativas, irreverentes, contestadoras, divertidas, bem-humoradas,

brincalhonas, joviais. Quando são citadas como exemplos de mau envelhecimento, os

pesquisados afirmaram que elas são ridículas, sem noção, desbocadas, vestem-se e

comportam-se de maneira inadequada para a idade. Estes dois exemplos ambíguos são de

mulheres: a atriz Dercy Gonçalves e a apresentadora Hebe Camargo.

É importante destacar que os homens quase não foram citados como exemplos de mau

envelhecimento na pesquisa de Goldenberg, e também não foram mencionados como

exemplos ambíguos. A grande maioria das respostas sobre mau envelhecimento esteve

concentrada em mulheres famosas. Portanto, são feitas avaliações distintas a respeito do

envelhecimento masculino e feminino. As mulheres foram muito mais julgadas pelo

comportamento e pela aparência. Já os homens foram avaliados pela atividade, pela

produtividade e pelo sucesso. Para os pesquisados de Goldenberg, o problema não é o fato de

as mulheres citadas como exemplos de mau envelhecimento terem feito plásticas ou

namorarem homens mais jovens, já que outras mulheres famosas que também fizeram

plásticas e mantém relacionamentos com homens mais jovens não foram lembradas como

exemplos de um mau envelhecimento. As famosas citadas são vistas como negando a idade e

fingindo ser jovens. A não aceitação da própria idade é, para os pesquisados de Goldenberg, o

verdadeiro problema do mau envelhecimento.


82

Também é muito interessante para pensar a acusação de “coroa piriguete” quando

Goldenberg faz a seguinte pergunta para seus pesquisados: “Você deixaria de usar algo

porque envelheceu?”. A diferença de gênero foi marcante: 96% das mulheres disseram sim;

91% dos homens disseram não. As mulheres pesquisadas por Goldenberg enfatizaram que não

usariam minissaia. Também disseram que não vestiriam shorts, biquínis pequenos, roupas

justas e decotadas, que evitariam acessórios exagerados, que não teriam cabelos longos e que

não usariam franja ou rabo de cavalo. Para suas pesquisadas, uma mulher mais velha que usa

minissaia é “ridícula”. Uma de suas pesquisadas, uma jornalista de 59 anos, disse:

Eu sempre gostei de cabelos longos, mas fiquei com medo de ser considerada uma
velha ridícula se continuasse com o cabelo na cintura. Aposentei meus shorts, saias
curtas, botas, camisetas, jeans e vestidos justos, apesar de continuar magra e com o
corpo em forma. Passei por uma verdadeira transformação para me tornar uma
senhora respeitável. Já o meu marido continua usando o mesmo jeans desbotado, as
mesmas camisetas surradas, o mesmo tênis velho. Morro de inveja!

Goldenberg (2013) ressalta que é muito curioso perceber que a minissaia, que foi um

símbolo da libertação feminina nos anos 1960, foi o item mais citado como proibido para as

mulheres que envelhecem. Para a autora, a proibição do uso da minissaia parece sintetizar a

rejeição do corpo e da sexualidade da mulher mais velha. A aposentadoria da minissaia e de

outras roupas consideradas jovens revela, segundo a pesquisadora, um controle social muito

maior sobre o envelhecimento feminino do que sobre o masculino. Os homens pesquisados

disseram que não mudariam nada na sua forma de vestir, permanecendo, quando mais velhos,

fiéis ao estilo que sempre tiveram.

No entanto, como mostra a autora, muitas pesquisadas preferem valorizar a liberdade

conquistada com a idade, especialmente aquela relacionada à ideia de “ser eu mesma” e não

se incomodar com a opinião e o julgamento dos outros. Elas valorizam a liberdade para se

comportarem e se vestirem como bem entenderem. Acredito que a mulher acusada de ser uma

“coroa piriguete” incomoda exatamente por não ter medo de se vestir como quer, usar
83

minissaias e roupas consideradas inadequadas para a idade. Ela parece não ter medo das

acusações, seja de “coroa piriguete”, seja de velha ridícula. Ela não se torna invisível: muito

pelo contrário, ela é extremamente visível e, indo além, contesta, com suas roupas e

comportamentos, a lógica da dominação masculina. Ela não aceita o rótulo “seja uma velha!”,

“comporte-se como uma velha!”, “torne-se invisível!”.


84

Considerações Finais

Ao analisar o material existente sobre a categoria piriguete, percebe-se que é o tom do

estigma que, de maneira geral, conduz as narrativas sobre as mulheres que adotam esse estilo,

ética ou estética, sejam elas celebridades, mulheres do cotidiano ou até mesmo personagens

de novelas televisivas. Entretanto, observa-se também que os discursos do ciberespaço que

disseminam um “piriguetismo” o fazem mais como uma moda/estilo de vestir do que como

comportamento/estilo de vida.

A forma mais frequente de se pensar as piriguetes as identifica como mulheres de

classes sociais menos favorecidas, o que vem se reconfigurando através dos manuais sobre

“como ser uma piriguete”, onde essas fronteiras sociais são quebradas ou pelo menos

abaladas.

O que a breve análise de material empírico e a reflexão sobre o tema revelam é que

muitas mulheres procuram um estilo piriguete não apenas em função do sucesso que ele

provocar junto ao público masculino, mas, principalmente, adotando o “piriguetismo” pelo

desejo de ter em suas próprias mãos o domínio da sua sexualidade. Desta forma, ser piriguete

pode ser compreendida como uma forma de “imitação prestigiosa” por meio da qual se

incorporam determinados traços que contribuem para que mulheres se sintam mais livres e

poderosas.

As piriguetes denotam perigo por não se adequarem às regras e por serem desviantes.

Além disso, ao não se adequarem às regras elas podem adquirir poder, desestabilizando as

convenções estabelecidas no campo das diferenças instituídas entre homens e mulheres. Ao

mesmo tempo, acredito que elas reificam algumas normas de gênero, de modo que considero

o comportamento da piriguete como ambíguo.


85

As piriguetes constroem seus corpos como um objeto de desejo para os homens, mas,

no jogo de sedução, o modo de usar o corpo é uma escolha delas. Usando a metáfora de

Simmel (2008), que entende a coqueteria como jogo, as piriguetes entram no jogo na posição

que os homens esperam delas, mas, uma vez dentro do jogo, elas jogam para se favorecer.

Assim, diferentemente do que é entendido e do que elas possam fazer parecer, elas detém o

poder de escolha e não são “mulheres fáceis”. Elas entendem, como Mirian Goldenberg

afirma, “o corpo como um veículo fundamental de ascensão social e, também, um importante

capital no mercado de trabalho, no mercado do casamento e no mercado sexual”

(GOLDENBERG, 2007: 27). Assim, elas calculam quem é o melhor parceiro, ou seja, quem

pode favorecê-las da forma que desejam. As piriguetes não são apenas o que aparece no

dicionário – “moça ou mulher namoradeira”. Suas relações afetivo-eróticas são estabelecidas

de acordo com seus interesses.

Não tenho a intenção de defender que as piriguetes subvertem totalmente a lógica da

dominação masculina. Na realidade, é mais interessante compreender como elas apreendem

essa lógica e a reutilizam em seu próprio benefício.

Seu corpo, seu desejo, sua liberdade, não são, de todo, utilizados a partir do paradigma

normativo instituído pela dominação da masculina. A piriguete é desviante. A partir desse

desvio, a piriguete torna-se um perigo à dominação masculina. Em resposta, a sociedade

estigmatiza o estilo ou a estética piriguete. Entretanto, ao mesmo tempo em que as piriguetes

são um perigo e podem subverter a dominação masculina, elas podem também, a partir da sua

forma de agir, reforçar algumas normas de gênero referentes à dominação masculina, e desta

maneira, fortalecer essas normas e preconceitos contra elas mesmas.


86

Acredito que, a partir deste objeto de pesquisa, foi possível discutir questões como

gênero, desvio, sexualidade, moda, juventude, envelhecimento, entre outras. Cada uma destas

questões pode e deve ser mais aprofundada em estudos futuros.

Gostaria de destacar que “ser piriguete” não é uma identidade de determinadas

mulheres brasileiras. Ser piriguete é, em primeiro lugar, uma categoria de acusação e de

rotulação, um estigma que determinadas mulheres sofrem em função de seu modo de vestir e

de se comportar sexualmente. É importante dizer que muitas manipulam o estigma e utilizam

a categoria de acusação como forma de poder. Mais ainda, “ser piriguete” é uma moda, ou,

melhor ainda, uma determinada estética adotada, primeiramente, por mulheres das camadas

mais pobres e, posteriormente, por mulheres das camadas médias e altas. Não podemos

esquecer a importância do sucesso dos personagens piriguetes nas telenovelas para a ampla

disseminação desta estética.

Por fim, o perigo das piriguetes parece residir, exatamente, em sua ambiguidade. Se,

de um lado, elas são acusadas de serem interesseiras, fáceis, vulgares, ridículas, exageradas

etc; por outro, elas são invejadas por serem poderosas, livres, atraentes, sedutoras, seguras,

ousadas, etc. Elas são mulheres que não se escondem, não são invisíveis, não têm vergonha de

seu corpo e de sua sexualidade.

Ao mesmo tempo que elas incomodam por questionarem os comportamentos de

gênero e de sexualidade mais amplamente aceitos, elas provocam inveja por não se

submeterem ao que é socialmente esperado e por lutarem, mesmo que inconscientemente,

contra os preconceitos e tabus relacionados ao corpo e ao exercício da sexualidade feminina.

Procurei mostrar que esta moda ou estética piriguete não está, hoje, restrita a

determinada classe social ou faixa etária, tendo se disseminado amplamente, especialmente na

cidade do Rio de Janeiro.


87

Para concluir, gostaria de fazer uma provocação para reflexões futuras: Mirian

Goldenberg (1995), ao estudar a trajetória de Leila Diniz, usou como referência a música

“Todas as mulheres do mundo”, de Rita Lee, para afirmar que “Toda mulher é meio Leila

Diniz”. Parafraseando Goldenberg, seria possível afirmar que, no Brasil de hoje, e, mais

particularmente, na cidade do Rio de Janeiro, “Toda mulher é (ou gostaria de ser) um pouco

piriguete”?
88

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