Professional Documents
Culture Documents
__________________________________________________________________
Resumo
Deste modo, afirma-se Direitos Humanos a partir de nossas práticas e, assim, como
positivista que naturaliza os objetos estudados, entende-se que não existem direitos
humanos naturais, mas contextos históricos que os produzem. Por meio da noção
convocar para se pensar nos lugares que se ocupam, nas subjetividades que são
que se insere o tema Direitos Humanos. Deste modo, entende-se que tal debate
1
Professor do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ) – ppbicalho@ufrj.br
2
Discente do curso de Doutorado em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - robertabrasilino@gmail.com
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
processos de intervenção.
_________________________________________________________________
normativa.
uma resultante de relações de forças que compõem tal forma (DELEUZE, 1992).
Homem, assim, é pensado como relação, como “um singular que não pode existir
força (sempre em relação com outras forças) que constituem o poder. Da mesma
forma, Foucault não emprega a palavra sujeito como pessoa ou forma de identidade,
É neste sentido que Foucault nos ensina que o homem não possui uma
que provocam um exercício ético (REVEL, 2005). São produções que dizem respeito
ou de transcendência.
os sujeitos que nele habitam e suas práticas sociais são produzidas historicamente,
não tendo, portanto uma existência em si, coisas já dadas, essência ou natureza.
destes homens que somos. (...) Muitas vezes não há outra saída. (...) Corremos o
3
O termo ‘singularização’ é usado por Guattari para designar os processos de ruptura com o modo de produção
da subjetividade capitalística. Guattari chama a atenção para a importância política de tais processos, entre os
quais se situariam os movimentos sociais, as minorias – enfim, os desvios de toda a espécie. Guattari utiliza
também outros termos, como revoluções moleculares, minorização ou autonomização. Segundo ele: “É um devir
diferencial que recusa a subjetivação capitalística” (GUATTARI; ROLNIK, 2000).
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
internalizados por uma idéia de subjetividade que precisa ‘ser preenchida’, oposta a
preestabelecidos.
Direito humano é, como nos diz Almeida (2002), “direito de viver bem, direito
produzidos pelo cotidiano de nossas práticas e ações. Deste modo, não entendemos
a noção de direitos humanos a partir de uma história linear assinalada por grandes
Assim, não faz sentido citar ‘os direitos humanos’ de modo genérico, sem pôr
4
“Acontecimento para Deleuze, Guattari e Foucault, mesmo em suas sutis diferenças, é um efeito sem corpo, um
traçado de linhas e percursos que cruzam estruturas diversas e conjuntos específicos. O acontecimento não se dá
a partir de uma intenção primordial ou como resultado de algo; ele põe em cena o jogo de forças que emerge no
acaso da luta. Produz rupturas, decompondo o que se apresenta como totalidade excludente; é datado, localizado
e funciona por conexão e contágio. Nele não há sujeito. As quebras que produz podem se irradiar, encontrar
ressonância em uma multiplicidade de outros acontecimentos ainda invisíveis, e suas potenciais invenções numa
forma de atualização” (NEVES, 2002, p.2-3)
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
senso comum – por muitas vezes está presente o elemento segurança como um
bem que para ser acautelado não pode prescindir de uma existência ‘saudável’,
afetam diretamente e das mais diversas formas as pessoas que moram nas favelas
sujeitos.
Drogas, tema que vem sendo entendido neste país como “epidemia”, forjado
penas advindos de um ideal normativo que não suporta a transgressão como parte
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
armadilha, pois entende que há um sujeito errado a ser corrigido, e punido. Uma
‘drogas’ que parece ser bastante característica do momento atual. Ocorreu nessa
foram invadidos por tanques e outros equipamentos de guerra usados pela Marinha,
diferentes bairros espalhados por todo estado do Rio de Janeiro (como lançamento
divulgadas na mídia como ações terroristas que urgiam por uma resposta do Estado.
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
E a resposta foi dada na forma de uma ‘Guerra contra o Tráfico’, maneira como foi
Não é apenas de forma recente que ações armadas por parte do Estado são
segurança nacional.
até clamor) das elites, teve início em outubro de 1994 (e durou até maio do ano
ostensiva das Forças Armadas nas favelas e bairros populares fluminenses, locais
Nota-se assim que “da mesma forma que ontem os ‘terroristas’ punham em
ideias que tiveram início desde os anos 80, quando o aumento da criminalidade foi
associado ao fim dos governos militares. Tal mudança foi denominada por Batista
terrorismo de Estado.’” (p. 167) Ele chama a atenção para o fato de que a
pública’ e da ‘paz social’, mas sempre com restrições em relação ao tempo e aos
tipo de relação entre governantes e governados, muito mais que uma técnica dos
vontade jurídica e consequente anulação dos interesses dos homens, mas a partir
segurança por meio dessa regulação. E para exercer esse papel o Estado faz uso
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
própria população.
de regulação da vida. Embora não se possa afirmar ser essa modalidade de poder
poderia nos levar a uma conclusão da ideia de uma guerra. Mas, qual
enfrentadas, mas daí a dizer que é uma guerra traz uma concepção e
Freixo chama a atenção para um dos efeitos dessa política: “numa guerra a
reação do Estado seria de matar ou morrer”. E tal ideia condiz perfeitamente com as
criminoso que deve ser exterminado. [...] Sua função [...] não é prender, é matar.
Com isso, fecha-se o circuito e ganha espaço a crença de que vivemos em uma
‘guerra civil’ que, por sua vez, fortalece mais ainda a concepção militarizada de
tida como de menor valor. Em outras palavras, ser traficante é elemento legitimador
5
Disponível em <http://www.marcelofreixo.com.br/site/noticias_do.php?codigo=114>. Acesso: 16 Dez.2013.
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
Foucault (2002) faz uma comparação entre o ‘fazer morrer e deixar viver’,
presente nas práticas biopolíticas de governo da vida, que parece muito cara a
soberano por meio do qual o corpo do inimigo é marcado para que se restabeleça a
superioridade lesada, comparece por meio das ações (e pedidos) de combate aos
seja, matam-se formas de existência singulares que não se deixam assujeitar (ou
se e infantiliza-se toda iniciativa que insiste em ousar ser autônoma e afirmar outro
abusivo dessas substâncias, é Zaccone (2007). Para ele essa guerra é bastante
o sistema penal num fator de concentração econômica, que não importa na exclusão
atividades legais. [de lavagem desse dinheiro ilegal]” (p. 25) O autor pontua ainda
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
o modelo médico, uma vez que se trata de dependência química, uma doença;
Contudo, fica uma pergunta. Tomando como base a realidade do Brasil (e,
grupo social do qual são oriundos. “Aos jovens de classe média que a consumiam
próximas àquelas apontadas por Zaccone (2007), quando destaca que não é a
partir dos mercados que abastecem. Para esse autor, no Brasil existem: o tráfico
que acontece nas favelas; o que acontece fora delas sem passar por elas; e um
denomina o mercado informal ilegal de drogas no varejo nas favelas – tem como
com base familiar. Isso significa que “[o movimento] não se subordina diretamente
que isso os critérios apontados enquanto aqueles utilizados para captura dessas
periculosidade como aquele que torna possível a punição pelo controle, pela
vigilância, uma vez que se pauta na virtualidade do sujeito. Na distinção das formas
traficantes parece estar presente (e atuante) um interesse no vir a ser, interesse que
O que fazer?
uma certa fisionomia para o objeto Direitos Humanos. Fisionomias que nos possam
alertar para que não nos acostumemos com práticas cotidianas de violações dos
mais diferentes direitos, fazendo com que não percamos nossa capacidade de
6
Campanha Nacional de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia, lançada em novembro de 2011,
na sede do Conselho Federal de Psicologia, em Brasília.
BICALHO, Pedro Paulo.; BARBOSA, Roberta Brasilino. As violações de direitos humanos
nas políticas de 'guerra às drogas' no Brasil. In: Silvana Maciel; Wânia Lima; Samkya
Andrade. (Org.). Saúde Mental & Dependência Química. João Pessoa: Ed.UFPB, 2014, v. 2,
p. 169-184
Referências bibliográficas:
concepção de direitos humanos onde caibam mais humanos. 2005. Tese (Doutorado
276, 2006.
COIMBRA, Cecília Maria Bouças. Operação Rio: o mito das classes perigosas: um
M.; CRUZ, M.S.; MATIAS, R.. (Org.). Drogas e Pós Modernidade. Rio de Janeiro:
Vozes, 2000.
NEVES, Cláudia Elizabeth Baêta. Interferir entre desejo e capital. Tese (Doutorado