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Há duas coisas erradas com este argumento. A primeira é que, mesmo assumindo a sua
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06/11/2018 O chamado "interesse dos consumidores"
validade, ele equivale a dar prioridade ao interesse dos consumidores em relação ao dos
produtores locais. Na verdade, equivale a dar um certificado de legitimidade ética à
própria ideia de um "interesse dos consumidores" que está totalmente despreocupada
com a situação difícil dos produtores locais. Este último ponto foi salientado por Gandhi há
muito tempo atrás quando escreveu: "É pecaminoso comprar trigo americano e deixar o
meu vizinho comerciante de cereais morrer de fome por falta de clientes. Analogamente,
para mim é pecado usar atavios elegantes da Regent Street quando sei que, se tivesse
vestido as coisas tecidas pelos fiandeiros e tecelões vizinhos, isso teria vestido a mim e
alimentado e vestido a eles". "Pecado" na linguagem de Gandhi é o que nós chamaríamos
eticamente inaceitável. A sua objecção, no terreno ético, é quanto à aceitação de um
conceito de "interesse dos consumidores" sem qualquer preocupação com a situação
difícil dos produtores locais.
O exemplo da desindustrialização colonial, mais uma vez, deixará claro este ponto.
Quando tecedeiras manuais foram deslocadas pela importação de vestuário de algodão
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aquele país especializar-se-á na produção daquele bem enquanto alguns outros países
produzirão os outros bens que este país estava a produzir anteriormente.
Este argumento também é completamente falacioso, tal como era o argumento original de
Ricardo o qual estava baseado na infame Lei de Say de que uma economia capitalista
nunca experimenta deficiência da procura agregada. Dizer que diferentes países se
especializam na produção de diferentes bens e que não há problema em qualquer país
perca emprego por causa do tal aprovisionamento global pressupõe no mínimo a Lei de
Say. Uma vez que abandonemos a suposição absurda da Lei de Say, torna-se claro que o
total do emprego mundial cairá em consequência do aprovisionamento global.
Dito de modo diferente, para qualquer dado nível de investimento global em termos reais
(o qual não muda no curto prazo), uma vez que as poupanças globais devem igualar o
investimento global, e uma vez que o rácio das poupanças extraídas dos lucros e maior do
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que as extraídas dos salários, um aumento na fatia de lucro por unidade de produto deve
levar a uma redução no consumo e produção globais. E o principal objectivo de retalhistas
gigantes como a Walmart que cavalgam o globo é elevar o montante de lucro por unidade
de produto, tanto através do deslocamento de pequenos comerciantes como através do
aprovisionamento global de produtos junto aos produtores mais baratos. (O deslocamento
de pequenos comerciantes tem um efeito adicional na depressão da procura pois o rácio
das poupanças sobre os lucros é maior para os blocos de lucro maiores do que para os
menores).
Numa tal situação, apesar de ser concebível que um país particular possa não
testemunhar uma queda no emprego, isso só implica que algum outro país testemunhou
uma queda no emprego ainda maior. Numa situação em que o emprego global se contrai
devido às depredações de tais gigantes do retalho, um país pode escapar a um declínio
no emprego só se o fardo for passado com ainda maior ferocidade a algum outro país.
20/Maio/2018
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