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Jorge Boaventura

DEMOCRACIA LIBERAL,
NEOLIBERALISMO,
GLOBALIZAÇÃO:
CAMINHOS DEFINITIVOS
E ÚNICOS DO PROGRESSO
OU
ESTRATÉGIAS DE DOMÍNIO
MUNDIAL
EM PROVEITO DE POUCOS?

1
Copyright © 2002 by Jorge Boaventura
Digitação: Antônio César Caldas Pinto

Diagramação e Capa: Raul Magalhães e Antônio César Caldas Pinto


Fotos: Paulo André O. do Lago
Revisão: Pelo Autor

Impressão e Acabamento: IL Rung Gráfica e Editora

Todos os direitos reservados (Lei 5.988 de 14 de dezembro de 1973)

Boaventura, Jorge, 1921.


DEMOCRACIA LIBERAL,
NEOLIBERALISMO,
GLOBALIZAÇÃO:
CAMINHOS DEFINITIVOS
E ÚNICOS DO PROGRESSO
OU
ESTRATÉGIAS DE DOMÍNIO MUNDIAL
EM PROVEITO DE POUCOS?

Jorge Boaventura, 2002.


214 p.
21,0 x 29,0 cm
Inclui Bibliografia

Gráfica e Editora Ltda.


Rua Lisboa, 932 - Jd. América - 05413-001 - São Paulo - SP
Telefax: (0xx11) 3062-4740, 3083-6489

Proibida a reprodução total ou parcial,


sem expressa autorização do autor, a exceção de citações breves.

2002
Impresso no Brasil

2
ÍNDICE
PREFÁCIO 07

DEDICATÓRIA 09

ESCLARECIMENTO PRELIMINAR INDISPENSÁVEL 11

CAPÍTULO I
REALIDADES QUE APARÊNCIAS MASCARAM
E OCULTAM 15

CAPÍTULO II
HOMEOSTASE CIVILIZACIONAL: O SURGIMENTO, JÁ
MUITO PRÓXIMO, DE UMA NOVA CIVILIZAÇÃO, SOBRE
OS ESCOMBROS DA NOSSA 25

2.1 — O SENTIDO GENÉRICO DO CONCEITO DE


HOMEOSTASE 25
2.2 — O CONCEITO DE LIMITE DE HOMEOSTASE 26
2.3 — A ARGUMENTAÇÃO CIENTÍFICA 29

CAPÍTULO III
RESUMO DESCRITIVO DE ASPECTOS FUNDAMENTAIS
DA REALIDADE CONTEMPORÂNEA 35

3.1 — REMOVENDO OBSTÁCULOS 35


3.2 — O FALSO DILEMA 41
3.3 — A QUESTÃO PRELIMINAR 45
3.4 — O LONGO CAMINHO DE VOLTA AO BEZERRO DE
OURO 48
3.5 — O FALSO DILEMA 62
3.6 — O QUE SÃO AS DITADURAS. O DILEMA
VERDADEIRO 65

CAPÍTULO IV
COM EXEMPLOS DE INVERDADES POSTAS EM CURSO

3
DE VERDADES OCULTADAS DA OPINIÃO PÚBLICA 71

4.1 — O MERCADO 72
4.2 — A QUESTÃO DO PADRÃO MONETÁRIO
INTERNACIONAL 74
4.3 — O TANTAS VEZES ALEGADO AMOR AO QUE
DENOMINAM DEMOCRACIA 77
4.4 — A CAMPANHA CONTRA AS FORÇAS ARMADAS.
SUA MOTIVAÇÃO E SEU SIGNIFICADO 80
4.5 — AS ONGS, SUA MISTERIOSA PROLIFERAÇÃO E A
CONTRADIÇÃO QUE REPRESENTAM 83
4.6 — AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIAS 85
4.7 — A “IDADE DAS TREVAS 87
4.8 — O “RENASCIMENTO 93
4.9 — A DEMOCRACIA NASCEU NA GRÉCIA 102
4.10 — A TEORIA DA EVOLUÇÃO 109

CAPÍTULO V
IDÉIAS E CONCEITOS FUNDAMENTAIS A SEREM
DESTACADOS ANTES DE PROSSEGUIR 115

5.1 — O “MOTOR PERMANENTE DE EFICÁCIA DE


HISTÓRICA” 115
5.2 — A EXISTÊNCIA DE DOIS TIPOS DE IGNORÂNCIA:
A “IGNORÂNCIA INTERNA” E A
“IGNORÂNCIA EXTERNA” 118
5.3 — A EXISTÊNCIA DE DOIS PLANOS: NA HISTÓRIA E
NO QUE TANGE À EVOLUÇÃO 119
5.4 — O CONCEITO DE LIBERDADE 119
5.5 — O CONCEITO DE DEMOCRACIA 120

CAPÍTULO VI
ALGUNS ASPECTOS VERDADEIRAMENTE
SURPREENDENTES DA CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA 125

6.1 — ALGUNS DADOS REFERENTES


À COSMOLOGIA 130

4
CAPÍTULO VII
A CIÊNCIA ATUAL NOS LEVA À CONCLUSÃO DA
EXISTÊNCIA DE UM DOMÍNIO QUE NÃO CORRESPONDE
AO QUE NÃO É, AINDA, CONHECIDO, MAS AO QUE NÃO
É CONHECÍVEL 139

CAPÍTULO VIII
EXISTIRÃO O ACASO E O CAOS? 151

CAPÍTULO IX
UM HIATO HISTÓRICO QUE NÃO EXISTIU, MAS
PREVALECEU, COMO INDÍCIO CLARO DE MANIPULAÇÃO
DE INFORMAÇÕES 157

CAPÍTULO X
A QUESTÃO DO DIREITO NATURAL 171

10.1 — SUBSÍDIOS AO ENTENDIMENTO DO DIREITO


NATURAL 175

CAPÍTULO XI
QUAIS SÃO OS CONTROLADORES DO “MOTOR DE
EFICÁCIA HISTÓRICA”, QUAL A ORIGEM
DA SUA POTÊNCIA E QUAIS SÃO
OS FATORES QUE A INTEGRAM 179

11.1 — OS CONTROLADORES DO “MOTOR DE EFICÁCIA


HISTÓRICA” 179
11.2 — ORIGEM, E FATORES QUE INTEGRAM A
POTÊNCIA DO “MOTOR” 183

CAPÍTULO XII
O QUE FAZER, ENTÃO? 189

POSFÁCIO 209

BIBLIOGRAFIA 213

5
6
PREFÁCIO

É com satisfação que, desde logo, não hesito em


afirmar que o novo esforço em que se constitui este livro que o
meu velho amigo, de cuja luta tenho sido, por mais de uma vez,
testemunha e co-partícipe, me pediu para prefaciar, representa
obra cujo conteúdo merece a atenção do maior número possível
dos nossos contemporâneos. Merece-o pelo sentido
surpreendentemente revelador do que o autor nela expõe, em
linguagem respeitosa em relação ao leitor, mas com coragem capaz
de oferecer-lhe uma perspectiva de realidades do mundo moderno,
que vêm sendo sonegadas do conhecimento geral, por interesses
inconfessáveis. Interesses que, por detrás das cortinas, tudo fazem
para manter o povo alienado em relação a circunstâncias da mais
evidente e preocupante gravidade. Nesta sua obra, Jorge
Boaventura, com a coragem que o tem caracterizado, as revela,
lançando mão, para isso, de idéias de índole sociológica, filosófica
e científica muitas das quais, quero frisar, originais e de graves

7
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

implicações.
Não me cabe, nem seria próprio ou factível,
antecipá-las. Insisto, porém, no caráter surpreendentemente
revelador das mesmas. E faço, também, questão de sublinhar que,
quanto lhe esteve ao alcance, o autor procurou expressar-se
sempre, mesmo quando argumenta dentro das mais avançadas
fronteiras da ciência moderna, em linguagem acessível à
compreensão do leitor, ainda que não especializado naquele
domínio. Da mesma maneira, no que se refere aos argumentos de
natureza sociológica, filosófica ou econômica.
Creio, também, ser de justiça, louvar a iniciativa
dos editores em dar a lume obra tão revolucionária e polêmica
prestando, assim, um serviço inestimável ao que, ao menos eu,
suponho seja a verdade, e aos interesses da nossa gente e de
quantos venham a tomar conhecimento da obra que se resolveram
a editar.
Creio, ainda, que devo confessar a minha
satisfação ao verificar que Jorge Boaventura, que acredito um
dos mais profundos e sérios pensadores da atualidade brasileira,
cujo pensamento tantos têm feito o possível para que não se difunda
e seja adequadamente conhecido, a despeito de tudo, não cedeu à
tentação que o meu saudoso avô, conselheiro Ruy-Barbosa,
expressou nas seguintes palavras: “De tanto ver triunfar as
nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer
a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos
maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto.”
Jorge Boaventura persevera no bom combate. E,
com a edição desta obra, presta mais um serviço, ao mesmo tempo
em que o seu surgimento comprova que nem tudo está perdido e
que, espero, além dele, muitos mantenham a chama da esperança
e do amor ao que pareça verdadeiro à luz das suas consciências.
João Valentin Ruy-Barbosa

8
DEDICATÓRIA

Dedicamos este livro a todos quantos, como nós,


sentem que há, no mundo contraditório em que estamos vivendo,
algo que, pairando de maneira imprecisa no ar, traz uma
preocupação, uma angústia mesmo, cuja índole e cujas causas são
difíceis de discernir. Sobretudo levado em conta o ritmo
alucinatório a que nos impele a necessidade da sobrevivência como,
às vezes, aspirações induzidas pela promoção de um consumismo
exagerado e, freqüentemente, inútil. Vivemos todos sob aquele
ritmo, sem exagero, mais ou menos como os galés das embarcações
romanas que, sem acesso à visão do exterior, agrilhoados aos
bancos que ocupavam para acionar os remos, faziam-no sob a
cadência marcada por alguém que, às suas costas, acionava um
bombo a cujas batidas deviam corresponder as remadas que davam.
Remadas, pois, que impulsionavam o barco em que estavam, para
destino que eles ignoravam qual fosse. Assim, pensamos, vivemos
nós, que compomos as multidões deste mundo absurdo no qual,

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

ao brilho dos avanços científico-tecnológicos e a par de uma


capacidade de produção sem precedentes, milhões de seres
humanos morrem anualmente de fome ou em conseqüência de
subnutrição, multiplicam-se os conflitos e as violências, espraia-
se a degradação dos costumes e, cada vez mais, consomem-se
drogas e morre-se de Aids. Disse-o certa vez Louis Salleron que,
melhor do que maldizer a escuridão, será sempre riscar um fósforo.
Pois este livro, leitor, é um fósforo que acendemos e oferecemos à
consideração da sua inteligência, o que ele tenta esclarecer e revelar
quanto aos que tocam o bombo. É um esforço a mais que fazemos
e, estamos certos — ainda que não nos consideremos proprietários
de verdade alguma — à luz do pequenino fósforo que ele representa,
a sua inteligência e a sua consciência se defrontarão com dados
que têm sido, deliberadamente, ocultados do conhecimento geral
e que são muito, muito importantes, para compreensão das causas
daquela preocupação e daquela angústia a que nos referimos
inicialmente.
E é em espírito de serviço, que nós o oferecemos à
sua consideração e à sua análise.

O Autor.

10
ESCLARECIMENTO PRELIMINAR
INDISPENSÁVEL
Parece muito evidente um paradoxo que marca os
dias que vivemos nesta transição de século e de milênio: a par de
extraordinários e cada vez mais acelerados progressos da Ciência
e da Tecnologia, a permanência de brutais desigualdades entre os
homens e as nações, ao mesmo tempo em que se eternizam, e em
muitos casos se agravam, áreas de conflitos que vêm sacrificando
milhões de vidas, seja pela ação direta de armas de destruição que
na maioria dos casos os litigantes não produzem, seja pela fome,
endêmica ou aguda, que vitima mulheres e homens, adultos e
crianças, circunstâncias indicativas da presença de ignorância e
barbárie.
É que, segundo nos parece e submetemos à
consideração pela inteligência e, sobretudo, pela consciência do
leitor, — aquela voz que nunca deixa de falar-nos no íntimo, ainda
que, muitas vezes, quase inaudível, diante de fatores e estímulos
que nos tornam pouco menos que surdos em relação a ela, — na
11
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

verdade somos como que vítimas de dois tipos de ignorância: uma,


externa, relacionada à nossa realidade corpórea e material e ao
mundo material em que vivemos e de que somos parte e com o
qual nos relacionamos por intermédio dos nossos cinco sentidos,
diretamente ou amplificados em sua capacidade pelo uso de
dispositivos e de instrumentos adequados; e outra, interna,
relacionada à realidade espiritual, onde se situam os nossos
valores1 . Ao menos esta é a perspectiva básica da cultura em que
teve origem e se desenvolveu a civilização a que pertencemos,
cultura de raízes judaico-cristãs, assentes na convicção de ser o
homem, essencialmente, uma dualidade de corpo e espírito, aquele
de duração efêmera e este de duração eterna.
Os caminhos para a dissipação das duas
modalidades de ignorância citadas têm sido diferentes. A ignorância
externa, a ser dissipada pelo esforço de extroversão da inteligência,
na pesquisa das características e circunstâncias do universo material
de que somos parte. A ignorância interna a ser reduzida pelo esforço
realizado segundo dois caminhos: o da religiosidade e o da
indagação filosófica.
Durante muitos milênios foram predominantes os
caminhos da religiosidade e da filosofia, tendo sido
extraordinariamente lentos os avanços da Ciência e da Tecnologia.
E foi somente à altura do século XIV da era cristã que, tendo
surgido, nos domínios da Teoria do Conhecimento, e já um pouco
antes, a corrente Nominalista de Ruscelino, para quem os valores
universais não tinham existência real, não passando do que ele
denominou “flatus voces”, sons vazios, que o Nominalismo mais
moderado de William Ockham, um sacerdote católico, desencadeou
a célebre “querela dos universais”, que acabou dando por terra
com os exageros da Escolástica, predominante até ali, nos domínios
da filosofia ocidental.
Eram, assim, os homens convidados a, abandonando
o pensamento contemplativo, extroverterem-se na busca do

12
1
MOON, Sun Myung Rev. Dr. – Princípio Divino, Ed. Associação do Espírito Santo
para a unificação do Cristianismo Mundial – 1977.
Esclarecimento Preliminar Indispensável

conhecimento do universo que nos cerca. A partir de então, como


é fácil entender, passou a reduzir-se o que designamos inicialmente
como “ignorância externa” e os progressos da Ciência e da
Tecnologia começaram a acentuar-se e a faze-lo em velocidade
crescente até que, à altura do século XVIII, com o aproveitamento
das fontes energéticas naturais, representadas pelos combustíveis
fósseis, e pela invenção da máquina a vapor, devida a Watt e Papin,
aquele aumento de velocidade tornou-se exponencial e
atordoadoramente rápido, ultrapassando qualquer possibilidade da
maioria dos homens conhecer-lhes as intimidades, as multidões
se deixando arrastar pelos que, conhecendo aquelas intimidades e
dominando as fontes criativas e os recursos de que elas necessitam,
se vão constituindo em detentores ocultos do poder mundial de
nossos dias.
E tudo isso, é claro, de que estamos dando, por
enquanto, apenas rapidíssimo “flash”, acarretou o aumento
crescente do que antes designamos como “ignorância interna”,
nesse sentido se reinstalando — o que inicialmente não fora previsto
nem desejado — a barbárie presente em nossos dias, paradoxo a
que foi feita referência no início deste “Esclarecimento”.
Inicialmente não fora previsto nem desejado, mas,
a partir de um dado momento, já como resultado da reinstalação
da barbárie conseqüente à “ignorância interna”, passou a ser
aproveitado por intermédio de planejamento que, a esta altura, já
data de alguns séculos. E é tão insensato esse planejamento que, é
nossa convicção, a civilização a que pertencemos, por
desvinculação dos alicerces culturais de que proveio e de muitos
dos seus símbolos, já entrou em processo de degradação
irreversível.
Dele, do planejamento a que nos estamos referindo,
decorre a manutenção de conceitos equivocados acerca de
liberdade, de democracia, de maiorias como fontes de verdade, e
outros equívocos que o homem comum não percebe, atordoado

13
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

pela avalancha de realidades cambiantes e de pura e simples


propaganda, que não lhe deixam alternativa senão a de achar “o
que todo mundo acha” de pensar “como todo mundo pensa” e de
agir “como todo mundo age”.
Bem sabemos a gravidade do que acabamos de
registrar linhas acima. Mas, no contexto da obra que estamos apenas
iniciando neste instante, pretendemos oferecer ao exame pela
inteligência e pela consciência do leitor, os argumentos com que,
sem outra pretensão além de servir ao que nos parece ser a verdade,
tentaremos contribuir para que se reduzam os véus que a
“ignorância interna” vem antepondo entre ela e as multidões
sofridas do mundo contraditório em que estamos vivendo. E que
Deus nos ajude em tão ingente tarefa.

Teresópolis, 02/01/2001

14
CAPÍTULO I

REALIDADES QUE APARÊNCIAS


MASCARAM E OCULTAM
No “Esclarecimento Preliminar Indispensável”,
entre outras observações, assinalamos diante da inteligência do
leitor o avanço rapidíssimo da Ciência e da Tecnologia, conseqüente
à tendência à extroversão, com o resultante declínio do pensamento
contemplativo e das suas principais vias de exercício, a indagação
filosófica e a religiosidade. O fenômeno em causa, produtor da
redução crescente do que designamos como “ignorância externa”,
teria tido como causa, principalmente, a epistemologia nominalista,
para a qual os conceitos universais não seriam mais do que os
nomes que os designavam, surgente um pouco antes do século
XIV, mas especialmente no referido século, quando o Nominalismo
moderado ou Conceptualismo do sacerdote regular católico
William Ockham, desencadeou o movimento que acabou por abalar

15
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

a Escolástica e derrubar os seus excessos. E dissemos que, desde


então, cada vez menos propensos ao exercício do pensamento
contemplativo e, cada vez mais, buscando conhecer as
características, as circunstâncias, e as relações aparentes de causa
e efeito observáveis no mundo material, o progresso da Ciência e
da Tecnologia, até ali lentíssimo, passou a acelerar-se em
velocidade cada vez maior até que, à altura do século XVIII,
adquiriu feição exponencial, retirando à maioria dos homens
qualquer possibilidade de conhecer-lhes as intimidades. Acresce,
ainda, a circunstância importantíssima, e que registramos desde
logo, que o avanço a que nos estamos referindo efetuou-se com a
multiplicação de especialidades, inevitável como é fácil
compreender, cada setor científico desdobrando-se em subsetores,
por sua vez também vindo, rapidamente, a subdividir-se, tudo
resultando na perda de unidade do pensamento relativo ao acervo
dos conhecimentos humanos, unidade que, anteriormente ao
fenômeno de que estamos tratando, permitia, ao menos aos eruditos,
o conhecimento, ainda que nem sempre detalhado, mas pelo menos
o das linhas mestras do referido acervo. Assim, disparates e
contradições flagrantes aos princípios fundamentais que
sustentavam aquelas linhas mestras seriam prontamente
identificados e seu trânsito tornava-se muito difícil, quando não
impossível. Hoje, como ficou dito no “Esclarecimento Preliminar
Indispensável”, as multidões vão sendo arrastadas sem saberem
exatamente para onde, indefesas diante do poder real e oculto que
as tange como rebanhos, os próprios detentores do referido poder,
também eles, envolvidos e dominados pela obra que julgam
controlar. É que neles, e o dissemos no “Esclarecimento”, a
crescente “ignorância interna” os reconduziu à barbárie, a mesma
cujas causas exaltam, promovem e disseminam de maneira, a nosso
ver, insensata e perigosa.
Idéias assim, seja-nos permitido assinalar, nós as
defendemos há cerca de quatro décadas, desde quando, para a

16
Capítulo I - Realidades que Aparências Mascaram e Ocultam

importância do Nominalismo nas transformações da cultura e do


processo civilizacional do Ocidente, nos foi despertada a atenção
pelo saudoso Almirante Arnoldo Hasselmann, em curso que ambos
fazíamos com o ex-frei dominicano, então professor na antiga
Universidade do Brasil, sobre Lógica Pura, professor Hasselmann,
primo do Almirante Arnoldo. E, ao longo de todo esse tempo, em
que, na imprensa, na tribuna, na mídia eletrônica, sempre que
ensejada a oportunidade, procuramos despertar para o tema a
atenção das inteligências dos que nos liam, nos ouviam, ou nos
viam, os ecos produzidos foram praticamente nulos o que,
pensamos, não se deveu à falta de compreensão sobre a gravidade
do assunto, mas, segundo parece, à falta de interesse em divulgá-
lo, se não ao empenho em ocultá-lo. Apercebidos, embora, da nossa
insignificância, não nos deixamos, entretanto, desalentar, sobretudo
porque a nossa consciência não nos consentia, e porque fomos
tomando conhecimento da coincidência com autores ilustres do
pensamento dos quais nos permitiremos citar alguns trechos.
Susanne Langer, 1 por exemplo, professora emérita do Connecticut
College, EUA, assim se expressa em obra que, entre nós, foi
publicada sob o título “Ensaios Filosóficos”: “...o fato, penso eu, é
que a produção científica ultrapassou-nos a imaginação, e a
mudança em nossa civilização — dos meios práticos e técnicas da
vida — avançou com impulso próprio e sobrepujou o avanço do
nosso pensamento. Por conseguinte, a nossa civilização tecnológica
parece acometer-nos e engolfar-nos como se fosse algo estranho
vindo sobre nós; faz todas as nossas instituições tradicionais
inadequadas, de forma que tendemos a abandona-las. Religião
estatal, matrimônio, a autoridade paterna, respeito pelas pessoas
idosas, piedade para com os mortos, santidade, hierarquia e realeza
— todos esses antigos valores perderam sua condição de
inviolabilidade e precisam ser defendidos do iconoclasta “espírito
moderno”. Às vezes, apesar das defesas que a geração mais velha
possa apresentar em favor deles, uma geração mais jovem varre-

17
1
LANGER, Susanne K. – Ensaios Filosóficos, Ed. Cultrix – 1971.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

os como relíquias de um passado supersticioso, servil e bárbaro.


Mas, com eles, varre também seus próprios símbolos sociais e os
elementos de sua própria orientação no mundo,* então, a vida
pessoal sente-se de súbito vazia, e a civilização que lhes destroça
os confortos espirituais em nome de melhoramentos práticos,
parece ter-lhe sobrevindo como um poder imposto do exterior”.
E, mais adiante... “encontramo-nos num estado
socialmente anômalo, entre um mundo povoado com religiões e
interesses tribais, e um mundo de organização industrial global,
povoado por uma sociedade de interesses globais, mas sem
símbolos que os exprimam, sem religião que apóie o indivíduo
neste novo e vasto teatro da vida”.
Há, parece-nos, de fato, uma evidente coincidência
entre certos aspectos de observações nossas e as mencionadas pela
eminente professora Susanne Langer, sobretudo no que se refere à
realidade de que os progressos materiais que caracterizam a
civilização moderna, não se têm feito acompanhar, ao menos na
desejada proporção, por um bem-estar crescente para a maioria da
humanidade. Afinal, qual é o propósito fundamental da criatura
humana nesta vida? Parece fora de dúvida que ele consiste em
alcançar, o mais e o melhor possível, a felicidade. E esta, o que
será? Uma coisa? Um objeto palpável pelos nossos sentidos
corpóreos, e mensurável pelos métodos e instrumentos destinados
à mensuração? Quem já ouviu alguém dizer, estando no uso normal
de suas faculdades, algo como: eu hoje estou mais feliz do que
ontem; hoje tenho 2.500 gramas de felicidade, enquanto ontem só
possuía um quilo e trezentos gramas dela? O que nós dizemos e
ouvimos semelhantes nossos dizerem é: eu hoje estou me sentindo
feliz. A felicidade, portanto, é uma sensação. É algo que se realiza
em nossa subjetividade. Fatores externos, excetuados os que,
realmente, são indispensáveis à vida e ao bem-estar dependente
da saúde, são acessórios. Não fora assim, e deveríamos acreditar
que nos milênios que antecederam o surgimento dos bens postos à

18
*
Uma das causas da fácil propagação do uso de drogas entre os jovens. (NA)
Capítulo I - Realidades que Aparências Mascaram e Ocultam

nossa disposição pelos progressos da Ciência e da Tecnologia, todas


as criaturas humanas eram desgraçadas, sendo desconhecidos a
alegria e o riso. Não é o que a História e a Antropologia podem
respaldar e, nos dias presentes, comunidades humanas ainda
mantidas à margem da atual civilização, como nossas comunidades
indígenas, por exemplo, o evidenciam de maneira claríssima.
Bens materiais acessórios podem constituir-se, sim,
em fatores de satisfação e felicidade, mas como símbolos que,
atuando sobre a nossa subjetividade, os transformam na sensação
em que, sempre inexoravelmente, consiste a felicidade. Sendo
assim, parece que ela, felicidade, é algo pertinente à nossa
componente espiritual — não necessariamente tomada essa
expressão em sua acepção religiosa — componente a que, no
sentido comprometido com os alicerces da cultura judaico-cristã,
refere-se ao que, no homem é eterno e tem, de fato, sentido e
compromissos de natureza religiosa. Este é assunto a que teremos
oportunidade de voltar bem mais adiante nesta obra. Por enquanto,
seja-nos permitido, em socorro à nossa insignificância, recorrer à
citação de trechos do pensamento de outro autor, do qual tomamos
conhecimento há apenas algumas semanas. Referimo-nos a René
Guénon,2 renomado orientalista, cuja obra “La Crise du Monde
Moderne”, apareceu em Paris, ainda no ano de 1927. Vejamos o
que nos diz o autor em questão, traduzido para numerosas línguas,
inclusive para o tibetano, de cujas traduções possuímos a que
apareceu em espanhol, em Buenos Aires, em 1966: ...
“naturalmente, cuando nos encontramos en presencia de una idea
como la de “igualdad”, o como la de “progreso”, o como la de
cualquiera de los demás “dogmas laicos” que casi todos nuestros
contemporaneos aceptan ciegamente, y cuya mayor parte
comenzaron a formular-se claramente en el curso del siglo 18* , no
nos es posible admitir que tales ideas hayan nacido
espontáneamente. Se trata, en suma, de verdaderas “sugestiones”
en el sentido más estricto de esta palabra, las cuales no podrian

2
19
GUÉNON, René – La Crisis del Mondo Moderno, Ed. Huenul, B.Aires – 1966.
*
Observar a coincidência do período histórico, com o que está assinalado em nosso texto. (N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

por otra parte, producir su efecto más que en un medio ya preparado


para recibirlas; ellas no han creado de pies a cabeza el estado de
espíritu que caracteriza la época moderna, pero si an contribuido
ampliamente a nutrirlo y a desarrollarlo hasta un punto que no
habria alcanzado sin ellas. Si estas sugestiones llegasen a
desvanecerse, la mentalidad general estaria muy cerca de cambiar
de orientación; por eso son tan cuidadosamente sustenidas por todos
aquellos que tienen algún interés en mantener el desorden, si no
en agravarlo más aun, y también porque, en un tiempo en que se
pretende someterlo todo a discusión, son las únicas cosas que non
se permite, jamás, discutir. Es por otra parte difícil determinar
exactamente el grado de sinceridad de los que se constituyen en
propagadores de semejantes ideas, de saber en que medida algunos
hombres llegan a prenderse en sus proprias mentiras y a
sugestionarse a si mismos sugestionando a los demás; incluso en
una propaganda de este genero, los que representan un papel de
candidas vítimas son a menudo los mejores instrumentos, porque
ellos aportan a esto una convicción que a los demás costaria trabajo
emular, y que és facilmente contagiosa; pero, por detrás de todo
esto, y al menos en el orígen, es necessaria una acción mucho más
consciente, una dirección que no puede provenir más que de
hombres que sepan perfectamente a que atenerse sobre las ideas
que lanzan de este modo a la circulación. Hemos hablado de
“ideas”, pero no es sino muy impropiamente como esta palabra
puede aplicarse aqui, porque és de todo punto evidente que non se
trata de manera alguna de ideas puras, ni siquiera de algo que
pertenece de cerca o de lejos al orden intelectual. Si trata, si se
quiere, de ideas falsas, aunque mejor seria hablar de “pseudo-
ideas”, destinadas principalmente a provocar reacciones
sentimentales, lo que és, en efecto, el médio más eficaz e más fácil
para actuar sobre las masas.”
Como pode verificar o leitor, nesta citação, admite-
se a existência de um planejamento destinado a iludir as massas

20
Capítulo I - Realidades que Aparências Mascaram e Ocultam

para conduzi-las, sem que se dêem conta e possam reagir contra o


que de fato, e no fundo, não lhes convenha.
E não apenas faz-se a alusão à existência de um
planejamento, como se assinala claramente, que a manifestação
desse fenômeno passou a ser realçada para um observador atento,
a partir do século XVIII.
Seria oportuno, parece-nos, já neste ponto, ainda
que sem o aprofundamento que deverá ocorrer mais adiante nesta
obra, despertar a atenção para o fato de que, quando o autor citado
se refere à manipulação, deliberada ou inconsciente, de certas
idéias, não está criticando desfavoravelmente o que elas significam,
mas o uso maliciosamente distorcido que é feito delas, de modo a
transformá-las, assim distorcidas, no que ele designa como
“dogmas laicos”, no sentido de sua transformação em coisas sobre
as quais não se permite qualquer discussão — e isto em clima em
que se promove ao máximo, como expressão incontestável de
liberdade, o direito de tudo discutir...
Da mesma maneira como em nosso
“Esclarecimento Preliminar Indispensável”, ao mencionar a
liberdade, a democracia, as maiorias como fontes de verdade, o
fizemos registrando ainda a existência de outros equívocos, nos
referíamos às versões deturpadas que são impostas, usando agora
as expressões de René Guénon, como “dogmas laicos”, de vez
que sobre elas não se permite qualquer discussão. A democracia,
por exemplo, como ideal de construção de superestruturas político-
administrativas, o mais e o melhor possível, capazes de proteger
os anseios, aspirações e interesses legítimos daqueles que irão viver
sob sua jurisdição e, até, de intervir, subsidiariamente, em sua
promoção, é ideal eterno, universal e insubstituível, de vez que,
na matéria, o único compatível com a dignidade e racionalidade
humanas. As formas e mecanismos que, como “dogmas laicos”,
têm sido, deliberadamente confundidos com o referido ideal, são
outra coisa, aquela que interessa aos que, por detrás do cenário

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

visível, têm manipulado desde há muito, os cordões da História, o


mais que lhes tem sido possível. No que tange à liberdade, por
enquanto pedimos ao leitor apenas que reflita sobre o fato
irrecusável de que ela é uma coisa como conceito, no plano,
digamos, metafísico. Conceito cujo atributo caracterizador seria o
de não sofrer restrições. Quanto ao exercício da liberdade, por parte
de seres como somos todos, sem exceção, dotados de boas e de
más tendências, de altruísmo construtivo e de egoísmo
desagregador e gerador de malefícios, já a liberdade deve ser
encarada de outra maneira — o que os semeadores do caos tentam
fazer ignorar, exatamente para que se torne mais fácil a
transformação das massas em rebanhos dóceis, a serviço dos seus
apetites insaciáveis e ameaçadores. Quanto às maiorias como fontes
de verdade, os próprios semeadores do caos levam tão pouco a
sério que, na ONU, e para citar um único exemplo, instituíram em
caráter permanente e não rotativo, o famoso “direito” de veto, do
qual gozam apenas os cinco que o instituíram, bastando o veto de
um único deles, para invalidar qualquer decisão, ainda que tomada
pela totalidade dos demais membros da organização, hoje em
número de cerca de 200 países, dentre os quais não se inclui,
curiosamente, a Suíça....
E, em episódio bastante recente, como foi o
massacre da Sérvia, para evitar o veto de um ou dois dos integrantes
do grupo privilegiado, alguns deles deixaram de consultar os demais
e agiram por intermédio da OTAN. E as massas aturdidas a que
nos temos referido, aparentemente não se deram conta da realidade
da qual cremos poder dizer-se, à luz do exemplo citado e de
numerosos outros que poderiam sê-lo, que a ordem internacional
vigente é regida pela pura e simples lei do mais forte. Sim, porque
a única coisa que têm em comum é a força devastadora de que
dispõem. Doutrinariamente, entre eles se faz presente a mais
flagrante contradição, com as posturas formais, do regime chinês
e do capitalismo que se diz democrático.

22
Capítulo I - Realidades que Aparências Mascaram e Ocultam

E continuam os semeadores do caos a, tranqüilamente, falar de


liberdade e de democracia, palavras cujo sentido real não fazem
mais do que conspurcar e degradar. Existem, porém, realmente,
dois planos na História — e agora não estamos falando no sentido
da teoria do planejamento porém, mais adequadamente, nas leis
da perspectiva: Um, consistente no que os homens desejam fazer,
planejam e fazem; outro, o que resulta da consecução do que eles
planejaram, e de suas interações e circunstâncias, não previstas
nem desejadas. E, pensamos, quem dá a última palavra no evoluir
dos acontecimentos, é sempre o 2 o plano, a que acabamos de referir-
nos. A propósito, não nos parece descabido introduzir aqui, resumo
de ensaio nosso sobre idéia que vimos difundindo há cerca de 3
anos, e que foi recentemente publicado por prestigioso órgão de
imprensa e já, segundo nos consta, vem sendo objeto de análise no
exterior. Trata-se, neste momento da nossa exposição, de algo que
exemplifica, cremos que didaticamente, e por intermédio de
exemplo claro, o que queremos significar quando falamos da
existência de um 2o plano da História. É o que será transcrito em
seguida, com aquele objetivo, como integrante do segundo capítulo
que irá seguir-se, espécie de parêntese no texto, parêntese cuja
leitura será útil e contribuirá para a coerência do conjunto desta
obra.

23
24
CAPÍTULO II

HOMEOSTASE CIVILIZACIONAL:
O SURGIMENTO, JÁ MUITO PRÓXIMO,
DE UMA NOVA CIVILIZAÇÃO, SOBRE OS
ESCOMBROS DA NOSSA
2.1 — O SENTIDO GENÉRICO DO CONCEITO DE
HOMEOSTASE

Estabelecido em 1878, por Claude Bénard, consistiu


na observação de que todo sistema em equilíbrio reage
espontaneamente no sentido de manter constante o seu ambiente
interno, em face de variações do meio em que esteja inserido.
A sua importância em cibernética e, para mencionar
assunto que está na ordem do dia, as preocupações com a ecologia,
que tiveram o seu interesse agudizado a partir da tomada de

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

consciência acerca da alarmante degradação ambiental,


sublinharam a importância da preservação dos ecossistemas, e da
homeostase.

2.2 — O CONCEITO DE LIMITE DE HOMEOSTASE


Neste momento, porém, e para os objetivos deste
ensaio, desejamos oferecer à consideração do leitor o conceito do
que vem a ser o limite de homeostase.
Para tanto, lançaremos mão de um exemplo,
evitando embora entrar em assuntos pertinentes à especialização
de ecologistas e à engenharia ambiental, para nos atermos ao
conceito que acaba de ser mencionado. É que a homeostase e a
existência do referido limite serão objeto mais adiante, da aplicação,
esta sim inovadora, aos “formatos civilizacionais”, ou mais
simplesmente, às civilizações, sempre produtos das culturas de
que se originam.
Tomemos, então, como exemplo, o ecossistema
representado por uma floresta, tropical úmida, do tipo situado entre
os trópicos de Câncer e de Capricórnio. A nossa floresta amazônica
é do tipo citado e, nela, a biodiversidade apresenta-se enorme. Se
levarmos em conta o número de espécies vegetais, a espantosa
variedade do reino animal, em ambos os casos incluindo desde
vidas microscópicas até as mais complexas e de grande porte, o
conjunto, à primeira vista, parecer-nos-á algo existente de maneira
aleatória e caótica. Impressão que haverá de acentuar-se se
somarmos dados como regime pluviométrico, composição e
espessura de solos e de húmus, constituindo-se tudo em algo, de
fato, de aparência inteiramente casual. E foi nesse engano que
incorreram muitos dos que, hoje, de maneira suspeitíssima, clamam
pela preservação de ecossistemas. Por causa desse engano, no
passado, trataram eles os ecossistemas que possuíam, orientados
exclusivamente por interesses e necessidades econômicas, com os
conseqüentes e devastadores resultados sobre a biodiversidade que

26
Capítulo II - Homeostase Civilizacional: O Surgimento,
já muito próximo, de uma Nova Civilização, sobre os Escombros da Nossa

todos sabemos.
Dentro da mesma ignorância acerca de realidade
que não se detiveram para identificar, lançaram-se igualmente à
exploração dos recursos energéticos disponíveis — o carvão,
primeiro, a que logo se seguiu o petróleo. Ambos, como se sabe,
esgotáveis e sem perspectivas práticas de reposição. Ávidos,
exploraram-nos a ponto de, agora, já se configurar o fantasma do
seu esgotamento sendo que, no caso de outros recursos não
renováveis, como minérios de fundamental importância industrial,
de há muito passaram a buscar suprimento e reservas para o futuro,
pela prática, ostensiva ou não, do imperialismo. É que as atividades
extrativas predatórias a que nos estamos referindo, foram levadas
a cabo, de certo ponto de vista, de maneira competente,
impulsionando o progresso material que passaram a comandar os
que as praticavam, e que constituem, hoje, o chamado Primeiro
Mundo. Da mesma maneira, têm eles todas as razões para se
preocuparem com as fontes hídricas de energia cujo teto, na maioria
deles, já alcançado, tem resultado no emprego de reatores nucleares.
Estes, entretanto, apresentam o problema dos rejeitos, ou “lixo”,
nos quais estão presentes perigosos elementos radioativos, cuja
meia-vida conta-se por milhares de anos. Não bastassem esses
motivos de preocupação, têm eles, ainda, o consistente na
perspectiva da escassez de água potável, vislumbrável em projeções
a cada dia mais inquietantes. Por tudo isso, e considerando que em
nossa pátria possuímos cerca de 16% da água potável do planeta;
considerando a variada e colossal riqueza mineral que possuímos;
a fantástica riqueza da biodiversidade, possivelmente a maior do
mundo; o fato de termos uma área insolada por tempo maior do
que a de qualquer outro país, parece-nos incompreensível, para
não dizer claramente suspeita, a nossa abstinência em fazer valer
a nossa posição nas negociações internacionais nas quais, quase
sempre, nos temos mantido em atitude de clara e melancólica —
para não dizer vergonhosa — subserviência. Haverá exagero na

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

enumeração dos nossos recursos para o mundo de hoje e de


amanhã? Vejamos um único fato: somente a incidência da energia
solar sobre a floresta amazônica em um dado período de tempo,
corresponde à energia produzida por 300.000 usinas de Itaipu em
período igual! São dados impressionantes, mas factuais. Desses
dados, factuais, e da evidência que deles decorre, a necessidade
que tem nossa gente de auto-estima que nos leve a “alavancar” o
necessário ao aproveitamento prático — e para só falar nela — da
energia solar. Energia que, no futuro, juntamente com a eólica,
virá a constituir-se na fonte fundamental da energia limpa de que
necessita a humanidade para continuar no rumo do progresso, sem
violentar o planeta em que vivemos.
Encerrada a digressão, voltemos aos conceitos
centrais deste ensaio: o de homeostase e, sobretudo, o de limite de
homeostase. Registrávamos, ao iniciar a digressão ora encerrada,
que uma floresta representativa, embora, de ecossistema
extremamente complexo — caso da nossa floresta amazônica —
pode ser agredida, até severamente, que, cessada a agressão, ela se
recomporá espontaneamente — mostrando tratar-se de algo que
não é aleatório ou casual, como se supunha. Existe um limite,
porém, além do qual, caso a agressão o ultrapasse, o ecossistema
entrará em degradação irreversível. A esse limite é que se denomina
limite de homeostase. A contribuição, original, deste ensaio,
consiste na hipótese de que o referido limite existe, também, para
as civilizações, ou “formatos civilizacionais”.
A pergunta crucial que se coloca no momento, e
que mais objetivamente nos interessa, passa a ser, portanto: a nossa
civilização, que vem sendo agredida inegável e violentamente, nos
próprios alicerces da cultura de que se originou, e que são os de
sentido judaico-cristão, sobre cujos alicerces surgiu, desenvolveu-
se e, mais tarde, passou a ser transplantada para outras culturas, já
teve alcançado e ultrapassado o seu limite de homeostase? E a
nossa resposta, sem dúvida muito grave e exigente de coragem é:

28
Capítulo II - Homeostase Civilizacional: O Surgimento,
já muito próximo, de uma Nova Civilização, sobre os Escombros da Nossa

sim, ela já teve ultrapassado o seu limite de homeostase, e já entrou


em processo de degradação irreversível, pela perda, tal como
acontece em um ecossistema, de sua capacidade de auto-
regeneração.

2.3 — A ARGUMENTAÇÃO CIENTÍFICA


Sabemos, porém, que não basta afirmar — é
indispensável argumentar em favor da afirmação, a fim de torná-
la consistente, ao menos como hipótese digna de exame e de
pesquisas ulteriores. Para tanto, voltemos ao exemplo dado quando
buscamos introduzir os conceitos de homeostase e de seu limite.
Sem entrar no domínio da engenharia ambiental, em suas
minudências, basta assinalar que ela, para o caso daquele exemplo,
identificou como variáveis garantidoras da capacidade de auto-
regeneração, as chamadas “cadeias alimentares” as quais, uma vez
rompidas pela agressão, retiram do ecossistema a sua capacidade
de recompor-se espontaneamente. Pois bem. Parece-nos que no
caso dos “formatos civilizacionais” ou civilizações, as variáveis
que, vulneradas, conduzem-nos ao processo de degradação
irreversível, são: a individuação e o envolvimento. A primeira
refere-se, no sentido biológico, à formação do indivíduo, i.é, de
ente capaz de manter sozinho as próprias funções vitais, sem auxílio
externo de outros entes interessados em que elas se mantenham.
Em todas as espécies do reino animal, mesmo nas de maior porte,
o nascituro se individua, às vezes com semanas, apenas, após
nascido. Na espécie humana, porém, o processo de individuação
exige anos, antes dos quais o nascituro necessita, absolutamente,
de aporte externo para poder sobreviver. Quanto ao de
envolvimento, que exige tempo ainda muito mais longo, este
consiste na transmissão de critérios, valores, visão crítica,
sentimentos e motivações que dela resultam, objetivando a
manutenção e o aperfeiçoamento, operativos e não desfiguradores,
da civilização ou do formato civilizacional a que o indivíduo deverá

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

integrar-se.
Pois bem, acrescentaremos agora que os homens
são, sobretudo, seres espirituais — não necessariamente no sentido
religioso. E que, por isso, serão tanto mais livres, quanto maior o
espaço alcançado pelas ideações criadas por suas mentes. Tais
ideações, e os sentimentos que desencadeiam, disciplinam e
alimentam o comportamento individual, no sentido da manutenção
e do aperfeiçoamento não descaracterizador do formato
civilizacional, são inquestionavelmente dependentes — e, portanto,
o “envolvimento” em que se constituem — da sua fonte
alimentadora, insubstituível em termos de confiabilidade e eficácia,
que é sempre, quaisquer que sejam as feições que assuma, a
instituição familiar. Essa instituição em nossa civilização está em
crise galopante, conforme indicam as estatísticas. Em vários países
do chamado Primeiro Mundo, as uniões conjugais estabelecidas
legalmente estão mostrando uma duração média inferior a três anos
e meio. Menor, portanto, do que a necessária à individuação. O
que dizer, portanto, do envolvimento? Basta observar o que vem
ocorrendo no mundo, em termos de insegurança, de violência, de
degradação de costumes, em um quadro em que, no Primeiro
Mundo, algumas sociedades estão refertas de bens materiais, mas
indigentes espiritualmente falando, ao menos em termos dos
alicerces dos quais se originou a nossa civilização. Há como que
uma cinificação crescente, possibilitada pelas bases institucionais
fundadas em liberalismo que, no fundo, assenta em uma postura
de naturalismo agnóstico * antagônico do que decorreria da
aceitação coerente dos valores sobre os quais nasceu e desenvolveu-
se a nossa civilização. Como, porém, o caos realmente não existe,
sendo sempre prenunciador do surgimento de uma nova ordem,
superior à que a antecede — segundo foi suscitado pelo prêmio
Nobel Ilya Prigogine — parece-nos, realmente em rápida
aproximação, uma nova civilização sobre os escombros desta. E o
futuro próximo, anterior ao surgimento daquela nova ordem,

30
*
Assunto que pretendemos discutir mais adiante nesta obra. (N.A.)
Capítulo II - Homeostase Civilizacional: O Surgimento,
já muito próximo, de uma Nova Civilização, sobre os Escombros da Nossa

configura-se ameaçador, levados em conta os arsenais nucleares


existentes nos EUA, na Rússia, na Inglaterra, na França, em Israel,
na África do Sul, na Índia, no Paquistão, na China, e a presença de
lideranças políticas saídas do contexto, na maioria dos casos, do
já mencionado agnosticismo naturalista e da “cinificação” dele
decorrente. Apenas para terminar: no caso da nossa pátria, dados
do IBGE, relativos ao censo de 1991 — o último realizado com
resultados, neste momento, disponíveis, mostram o declínio da
duração das uniões conjugais, em todos os grupos pesquisados.
Isto, há dez anos. Hoje, e levando em conta que o processo de
degradação a que nos temos referido vem crescendo
exponencialmente, a situação deve apresentar-se ainda mais grave.
É uma pena, tudo isso, mas, infelizmente, parece-nos verdadeiro,
ainda que muito amargo. À inteligência e à consciência do leitor,
cabe julgá-lo.

Como pode inferir-se da leitura do resumo de ensaio


que acaba de ser transcrito, a promoção sistemática do que Guénon
denominou de “dogmas laicos”, no que tange às possibilidades de
manutenção do atual formato civilizacional que tantos supõem de
duração permanente, acabou por vulnerar ao menos duas das
variáveis fundamentais de que dependeria aquela permanência
indefinida. E é tamanho o atordoamento a que são submetidas as
pessoas em nossos dias, que elas não se lembram de que, antes da
nossa, muitas civilizações surgiram, desenvolveram-se, atingiram
o apogeu e entraram em declínio, sendo substituídas por outras,
que não escaparam a igual trajetória. Por qual motivo seria a atual
civilização a única exceção?
A esta altura, parece também útil recordar ao leitor
a diferença, ou diferenças, existentes entre cultura e civilização. A
cultura, para usar conceito que nos parece magnificamente conciso
e preciso, devido a Susanne Langer, op. cit. “é a expressão simbólica
de modos de sentir habituais desenvolvidos”. Desenvolvidos,

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

ousamos acrescentar, no sentido de se projetarem externamente,


como resultado de gostos, preferências, parâmetros críticos tudo,
afinal, dependente dos “modos de sentir”, cujo universo é subjetivo.
E é do solo das culturas que brotam as civilizações, como
expressões práticas da vida, tanto pública quanto privada. Essas
expressões práticas podem ser rapidamente transplantadas do seio
da cultura de que se originaram, para outras culturas — como se
verifica em nossos dias, em que a civilização ocidental espraiou-
se praticamente pelo mundo inteiro. O difícil e, caso possível, muito
mais lento, é o processo de substituição de uma cultura por outra.
As invenções, as tecnologias, muitos aspectos da legislação
positiva, tudo isso pode ser, de fato, transplantado rapidamente de
uma cultura para outra. O Oriente, hoje apresenta focos de
civilização extremamente influenciados pela que importa do
Ocidente. Apenas lá, tais aspectos civilizacionais, que não se
originaram nas culturas locais, tornam-se ainda mais perturbadores
e de difícil compreensão, desvinculadas de muitos dos seus
símbolos, passando a ser muito pouco além do simples fruir,
inteiramente material, das coisas materiais em cuja produção é tão
rica a civilização moderna. A disposição materialista se vai
acentuando nelas, como no próprio contexto cultural judaico-cristão
em que surgiu, mas de cujas raízes mais profundas se vem cada
vez mais e mais rapidamente, desvinculando. E, no bojo da
confusão e do aturdimento que se vão generalizando, atua o
persistente e compreensivelmente multissecular planejamento
realizado em proveito de poucos, violentando o amor, desvirtuando
a justiça que é um seu parâmetro e corolário, e reintroduzindo a
barbárie, no íntimo dos próprios planejadores que, assim, “supondo-
se sábios, tornaram-se estultos” e serão atropelados em breve,
supomos, pelo 2o plano da História.

32
Capítulo II - Homeostase Civilizacional: O Surgimento,
já muito próximo, de uma Nova Civilização, sobre os Escombros da Nossa

“A DESORDEM QUE REINA NA SOCIEDADE REINOU


PRIMEIRO NA MENTE E NO CORAÇÃO
DOS QUE A COMPÕEM”
Fulton Sheen in “Angústia e Paz”

“O DESTINO DOS POVOS DEPENDE


DAS IDÉIAS QUE OS VÃO DIRIGIR”
Gustave Le Bon in “Premières Conséquences de la Guerre”,
apud Mons. Dr. Emílio Silva in “Filosofias da Hora e Filosofia Perene”

33
34
CAPÍTULO III
RESUMO DESCRITIVO
DE ASPECTOS FUNDAMENTAIS
DA REALIDADE CONTEMPORÂNEA
3.1 — REMOVENDO OBSTÁCULOS
Em nosso “Esclarecimento preliminar
indispensável”, fizemos menção à existência de equívocos
promovidos e transformados em verdadeiras superstições pelos
interesses que os engendraram e os alimentam com sucesso, a
despeito dos frutos nefastos que, desde há muito, têm produzido.
Trata-se do fenômeno mencionado por Michael Novak em sua obra
“O Espírito do Capitalismo Democrático”, segundo o qual idéias,
no mundo moderno, podem prevalecer sobre realidades concretas,
mesmo quando estas as desmintam frontalmente. Refere-se o autor
ao formidável poder da mídia e das técnicas de comunicação, cada
vez mais sofisticadas, de que pode dispor e cuja eficácia, dizemos
nós, cresce na medida em que as sociedades, esvaziadas da crença
em valores permanentes, entregam-se, ainda que sem percebê-lo,
35
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

a ceticismo que as torna disponíveis e vulneráveis à magia de uma


comunicação de volume avassalador e às ciladas da sua retórica e
das suas abordagens cada vez mais penetrantes e mais sutis.
Convém lembrar, a propósito, amigo que perdemos
há alguns anos, e de cuja estima tivemos o privilégio de privar por
muito tempo. Estamos nos referindo ao saudoso professor Armando
Dias Tavares, cientista dos mais importantes dentre os que tivemos
nestas últimas décadas, e que só não desfrutou da notoriedade a
que fazia jus, exatamente pela extraordinária dimensão humana e
pela lúcida inteligência que possuía e que o tornavam muito
resistente às influências acima referidas. Para que tenha o leitor
uma idéia acerca do valor daquele homem extraordinário, basta
dizer que, de origem humilde morou, em solteiro, em distante
subúrbio da zona norte do Rio de Janeiro, em casa que construiu
com as suas próprias mãos a despeito de ser, à altura da referida
construção, já professor na antiga Universidade do Brasil, hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Formado em Matemática, foi diletíssimo aluno de
eminentes mestres italianos, entre os quais Luigi Sobrero e
Francesco Mamana, contratados pelo Governo Federal, para
lecionar na então recentemente criada Universidade do Distrito
Federal, em seguida transformada na Faculdade Nacional de
Filosofia, em que se diplomou.
Iniciando as suas atividades de magistério e de
pesquisas, dedicou-se o dileto amigo de quem estamos traçando
resumidíssimo currículo, às Matemáticas, de onde transitou para a
Física teórica, instrumentalmente tão dependente daquelas. Na
objetividade e humildade inerentes ao seu espírito, mais adiante
passou a dedicar-se à investigação experimental dos fenômenos
físicos, logo desempenhando as funções de assistente do eminente
professor e pesquisador Joaquim da Costa Ribeiro, descobridor
do efeito termo-dielétrico, em pouco conhecido pelos físicos do
mundo inteiro como “efeito Costa Ribeiro”. Tendo sido aquele

36
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

cientista surpreendido precocemente pela morte, continuou-lhe as


pesquisas o nosso dileto amigo, ao qual se devem os maiores
desenvolvimentos dos estudos do fenômeno a que acabamos de
aludir, realizados principalmente em instituição criada por ele, fora
da área do serviço público, cansado como estava dos entraves
burocráticos tão presentes na administração estatal, agravados ainda
mais pelos pequenos grupos que monopolizavam, ou monopolizam,
as pesquisas em nosso país, dominados pelos adeptos da ideologia
que nestes dias caiu em descrédito, na medida em que as forças
que a promoveram e a sustentaram no poder na União Soviética,
convenceram-se da sua incapacidade para realizar os objetivos
maiores e mais sutis que tinham em vista. Àqueles adeptos,
somavam-se os oportunistas de todas as épocas e de todos os
campos, com a mediocridade e o servilismo que costumam
caracterizá-los.
Como se estava já, na plena fase destrutiva da
“revolução progressista”, importava aos seus seguidores, em outros
domínios, a promoção de hábitos corruptos e de costumes fáceis,
elementos de desagregação de qualquer sociedade a ser conquistada
e, por isso, outros tantos fatores de aproximação, mesmo nos
arraiais das ciências exatas, com as forças e os elementos que de
fato os dominavam. Jamais, porém, o amigo de quem estamos
tratando sequer colocou um cigarro na boca ou provou de alguma
bebida alcoólica, tendo se casado aos trinta e cinco anos de idade,
segundo supõem os seus mais íntimos amigos, de vez que — ele
mesmo jamais discutiu tal assunto — sem ter conhecido antes
qualquer mulher. De sua exemplar esposa Doramia, teve seis filhos.
Por tais razões, a despeito de seus hábitos singelos, a ponto de,
pelo descuido com que se trajava, em desacordo com a pequena
classe média a que pertencia, sugerir tudo, menos o domínio pelo
que os “progressistas” da época denunciavam como “preconceitos
pequeno-burgueses”; e de mais de uma vez o termos surpreendido
realizando, com as próprias mãos, lanternagem de automóveis —

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

e ele mesmo andava a pé ou de ônibus — para, com o dinheiro


auferido, conceder bolsas a estudantes pobres; a despeito de ter
sido eleito membro da Academia Brasileira de Ciências, ainda não
dominada totalmente pelas forças e grupos a que fizemos referência
antes; de publicar os seus trabalhos em revistas cientificas das mais
reputadas do exterior; de manter habitual correspondência e
cooperação com pesquisadores de universidades como, entre outras,
a de Pisa, na Itália, e a de Cambridge, na Inglaterra, viveu e morreu
quase na obscuridade conhecido, praticamente, em nosso país,
apenas em círculos científicos, pelos motivos vistos, geralmente
indiferentes aos seus esforços, e pelos seus alunos, que o estimavam
e admiravam. Tudo isso estamos dizendo para que tenha o leitor
idéia da magnitude do chamado “patrulhamento”, não apenas no
livro, na imprensa escrita, falada, televisada, nas artes, a nível
popular ou erudito, mas até no campo das ciências exatas, eis que
desejava, e deseja, dar prestigio e notoriedade apenas aos
integrantes dos grupos antes referidos. E o exemplo que estamos
usando é ainda mais expressivo, antológico mesmo, porque
Armando Dias Tavares não era, como talvez suponha o leitor,
alguém com opção religiosa e, em, tal sentido, capaz de, por aquele
motivo, contrariar as idéias e os grupos já antes mencionados. Não;
o nosso amigo Armando jamais conseguiu acreditar em Deus, só
não se dizendo ateu por não se sentir capaz de provar a Sua
inexistência, coisa a que pretenderam abalançar-se os que, ao menos
até ontem, se apresentavam como conhecedores de única e
exclusiva ciência, o Materialismo Histórico, resultante do
Materialismo Dialético, fora dos quais tudo seria ignorância e
alienação... Quanto aos males conseqüentes a tão colossal equivoco,
à sua coorte de ódio e de lutas, tantas vezes sangrentos, ao atraso
e, ela sim, alienação que ele produziu e alimentou ao longo de
tantos anos, os que até aqui se apresentavam como arautos daquela
única e exclusiva “verdade” preferem agora silenciar e mudar de
assunto, ou realizar claras tentativas de tergiversação, como se nada

38
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

tivesse acontecido e como se não fossem responsáveis por nada.


A alienação pedante a que estamos nos referindo, catalisadora e
promotora de tanta violência e tanta perversão da realidade, não é,
porém, a única. Nem é, sequer, originária, mas conseqüente ao
outro dos descaminhos a que foi feita alusão no
“Esclarecimentos...” com que iniciamos este trabalho.
A esta altura, tem todo o direito de se perguntar o
leitor pelo menos duas coisas: Qual será um outro descaminho e
por que terá sido feito aqui o relato, ainda que sumaríssimo, da
vida e da obra do professor e cientista Armando Dias Tavares? E a
resposta é a seguinte: Um outro descaminho é a forma equivocada
que se tem dado à democracia, cuja forma, com ligeiras e
irrelevantes nuanças, certos interesses pretendem impor a todo o
mundo, depois de terem abandonado, convencidos da sua
obsolescência e do seu fracasso, o grande projeto de aluição das
fronteiras e dos sentimentos nacionais, projeto em fase atual de
abandono* . O referido projeto, não se espantem os leitores, longe
de antagônico, sempre foi um desdobramento logicamente
previsível do processo de confusão cultural do Ocidente, acelerado
a partir do século dezoito, século encharcado de falsa racionalidade,
e cheio de exaltação com respeito às supostas capacidades
ilimitadas da razão humana* .
Quanto à segunda parte da pergunta, relativa ao
relato acerca da vida e da obra da grande figura humana que foi
Armando Dias Tavares, a resposta consiste no seguinte: a confusão
cultural acima mencionada é tanta que, embora a maioria entre
nós continue a dizer-se cristã, a impregnação por um pragmatismo
viciado a quase todos atinge, tendo sido ensejada tal impregnação
pelo ceticismo que se foi instalando e fortalecendo, na mesma
medida em que se cuidava do enfraquecimento da fé religiosa e
das preocupações com a transcendência da realidade e da vida dos
homens. Daí a suspeita que tantos alimentam quanto à validade e
à operacionalidade do que se afirma, independentemente das

39
*
Hoje substituído pelo neoliberalismo e a globalização. (N.A.)
*
Assunto, aliás, tratado em trabalho. deste autor, editado na série “Tema Atual”, pela coragem e honestidade editorial
de –“PRESENÇA”, sob o titulo: “Posição do Marxismo no Processo Cultural do Ocidente”.(N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

provetas, das balanças e dos microscópios. Pois Armando Dias


Tavares, investigador devotado e competente, tanto quanto os que
mais o tenham sido entre nós, ademais agnóstico e, por isto,
completamente cético em matéria religiosa, reiteradas vezes nos
disse que não lhe era necessário crer na divindade de Jesus Cristo
para compreender, sem sombra de dúvida em seu espírito, que
fora dos seus ensinamentos, não haverá solução para os problemas
que angustiam a humanidade. E era nele tão firme a convicção a
tal respeito que sua vida foi sempre, em todos os aspectos, exemplo
irrecusável e coerente dela. E, acreditamos, ele amou, conheceu e
serviu muito mais à Ciência do que a maioria de nós jamais o fez.
Outros grandes vultos da Ciência, a começar por
Einstein, foram também deístas e transcendentalistas. O ceticismo,
pois, e a disponibilidade que dele costuma decorrer, são, assim,
filhos da inadvertência e da falta de reflexão mais profunda,
submetidas a uma massa avassaladora de propaganda, geralmente
indireta, que visa a desarmar os espíritos para melhor manipula-
los, manipulação da qual, tantas vezes têm resultado as guerras
que ninguém diria representarem o que de mais racional e mais
prático podem os homens fazer.
Uma coisa é, pois, a essência do ideal democrático.
Outra, muito diferente, são as formas institucionais
que pretendem realizá-lo, quase todas, senão todas, impregnadas
das conseqüências do agnosticismo, do Racionalismo iluminista
ou, mesmo, do ateísmo, tão presentes no período histórico em que
se originaram.
“Pelos frutos os conhecereis”, é a lição imortal.
E quais têm sido, em termos de valores e de vida
cristãos, em consonância com os alicerces da cultura e da
civilização a que pertencemos, os por elas produzidos, em qualquer
parte, mas, muito particularmente, por estar disponível à nossa
observação, neste país em que vivemos? Afora a repetição
paroxística da propaganda a seu favor, cantando-lhe

40
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

incansavelmente as excelências, o que é que tem se mostrado entre


nós excelente como resultado do seu funcionamento?
São estas, questões muito profundas com as quais,
permitindo-nos Deus, pretendemos nos ocupar, ainda que
resumidamente, em páginas que se vão seguir.

3.2 — O FALSO DILEMA


Quando, a despeito da formidável propaganda que
a promove, alguém ousa ponderar que, talvez, alguma coisa
equivocada existe no que, com tanta freqüência, é denominado
“normalidade democrática”, algo supostamente tão perfeito e tão
definitivo que, fora dele, tudo mais seria anômalo e, portanto,
absolutamente condenável, de imediato aquele alguém passa a ser
descrito como possível adepto da tirania e das ditaduras. Teria,
portanto, a sociedade dos homens, em matéria de organização social
e política, atingido a perfeição.
Ora, toda a gente percebe que, desprezados os
engodos daquela propaganda, sustentados por interesses que se
guardam de mencionar os reais objetivos que os movem, nenhuma
obra humana foi, é, ou será, perfeita e definitiva dada a precariedade
da nossa irrecusável insuficiência de seres contingentes. Assim,
somente com relação a objetos tão complexos como são a sociedade
humana, e as suas formas de organização e de convivência
interpessoal e intergrupal, somente aí teríamos alcançado a
perfeição definitiva. Mas, afirmou-o Michael Novak,1 op. cit., em
nossos dias, idéias,conseguem prevalecer sobre fatos, “ainda
quando estes as desmintam de modo frontal.”
E somente isto enseja a sustentação do mito da
irretocabilidade a que nos estamos referindo, a despeito das
realidades, clamorosas, que ai estão, diante dos olhos de todos,
algumas representando contradições gritantes e grosseiras. Veja-
se, por exemplo, na ordenação do convívio internacional, como
funciona a famosa Organização das Nações Unidas. Integram-na

41
1
NOVAK, Michael – O Espírito do Capitalismo Democrático.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
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– e nunca será demais repetir – cerca de duas centenas de países,


dos quais cerca de dez por cento compõem o chamado Conselho
de Segurança e, neste, como já visto, somente os EUA, a Rússia, a
Grã-Bretanha, a França e a República Popular da China gozam do
especialíssimo privilégio, consistente no chamado “direito de veto”.
Note-se que os integrantes desse grupo privilegiado, compõem-no
em caráter permanente, excluída a hipótese de qualquer
rotatividade. O que existirá de comum entre esses co-partícipes,
capaz de, no plano moral, justificar o privilégio de que gozam
com exclusividade? Será a identidade de pontos de vista acerca da
organização da sociedade ou, indo mais fundo, acerca da maneira
de conceber a própria natureza do homem e as finalidades da sua
existência? Todos sabemos que, absolutamente, não. E em que
consiste o privilégio de que desfrutam? Simplesmente em vetar,
tornando sem efeito, com um único voto de qualquer deles,
resoluções adotadas pela Assembléia Geral, ainda que unânimes,
com exclusão, apenas, do representante do que veio a exercer o
veto. Mas, qual é, basicamente, a espécie de deusa suprema que
caracteriza a democracia, na forma em que ela se tem materializado
até aqui? Não é a famosa vontade da maioria, critério soberano e
inatacável de quaisquer decisões?
Nem se pense que a contradição que estamos
apontando existe apenas em potencial. Ao contrário, ela tem se
materializado com freqüência, inclusive em áreas sensíveis do
mundo, como o Oriente Médio, no momento em que estamos
escrevendo, em lamentável, perigosa e sangrenta conflagração. Ali,
a criação do Estado de Israel em território Palestino abriu uma
ferida que se tem agravado continuamente, de vez que aquele
Estado, alegando necessidades relativas à sua segurança nacional
— aquela mesma que, entre nós, foi tão abrangente e
irresponsavelmente criticada e condenada — ocupou territórios
como o da Cisjordânia, a faixa de Gaza e a região de Golan, como
a do Sul do Líbano, esbarrando todas as decisões da Assembléia

42
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

Geral, contrárias àquelas ocupações, no veto sistemático, pelo


menos dos EUA, cujo governo, como é notório, no mínimo em
sua política externa relativa àquela região, tem se mostrado absoluta
e totalmente dócil a todos os ditames de Jerusalém.
Não é nosso propósito aqui, apreciar, no mérito, as
razões ou sem razões dos fatos apontados. O que desejamos é pôr
de manifesto, a contradição entre o direito de veto e o principio
basilar, a própria alma da democracia como tem sido propalada,
sobretudo no Ocidente, contradição existente no órgão supremo
que resultou da vitória, na 2ª Guerra Mundial, dos que se diziam
defensores e propugnadores do citado regime. E buscamos fazê-lo
por meio de exemplo tirado de acontecimentos de inquestionável
gravidade, para que se possa ter idéia da dimensão do exercício da
escandalosa distorção. Entretanto, nada obstante a gravidade da
evidência que estamos apontando, não é tanto ela, em si, ou outras
que lhe sejam congêneres, o que mais importa. O que mais importa
são as razões profundas que tornam possível a sua prática e a abúlica
apatia de suas vítimas, que permite que se implantem e possam
operar. Como explicar, por outro lado, que algo tão perfeito e
irretocável se possa mostrar tão contraditório, mesmo com relação
aos seus mais característicos fundamentos? Quais serão, de fato,
as raízes de tão deplorável fenômeno?
Por enquanto, seja-nos permitido dizer que a
sustentação acrítica* , equivalente a uma espécie de superstição,
de alguma coisa que se evidencia muito longe de qualquer idéia,
já não diríamos de perfeição, mas de excelência, só é compreensível
à luz do fenômeno apontado por Novak, da prevalência de idéias
sobre fatos, ainda quando estes as contrariem e desmintam de modo
frontal. Refere-se aquele autor, seguramente, à formidável
capacidade da mídia e das técnicas à sua disposição, para a prática
de uma espécie de sedução ou de anestesia intelectual coletiva,
que conduz a maioria à aceitação passiva de modismos e de idéias
falsas, entre as quais as referentes à supremacia absoluta das

43
*
São os “dogmas laicos” a que se refere Guénon. (N.A.)
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decisões majoritárias — as mesmas que são contrariadas em


Instituições como, entre outras, a ONU — com elisão de valores
permanentes, aos quais todos devam submeter-se.
A desconsideração de tais valores, é claro, equivale
à adoção, como critério supremo para todas as decisões, da areia
movediça representada por maiorias volúveis, cada dia mais
influenciáveis pelos meios de comunicação de massa. É preciso
entender, digamo-lo desde já, que a consulta à opinião das maiorias
é somente, e tão somente, um método ou processo de tomada de
decisões, de fato, em muitos casos, insubstituível. Supô-lo, porém,
instância suprema para tudo, é um dramático equívoco, em aberta
contradição com os fundamentos da cultura cristã em que nos
integramos e, de resto, com os de outras culturas de bases
transcendentalistas como a nossa. A sua prevalência em tais
dimensões, só seria logicamente defensável em sociedades
confessadamente céticas, infensas à admissão da hipótese sobre a
transcendentalidade do que somos como realidades existenciais, e
daquilo a que estamos destinados.
Como vê o leitor, a alternativa democracia x
ditaduras é uma simplificação que não nos honra a inteligência e,
talvez, uma espécie de intimidação para que voltemos à abulia
que convém a tantos interesses estabelecidos e, por isto mesmo,
empenhados na manutenção do “status quo”.
O ideal democrático, ao menos segundo o
entendemos, repitamos mais uma vez, consiste na organização de
superestruturas sociais e políticas que sirvam, o melhor possível,
aos objetivos legítimos e aos interesses justos daqueles que deverão
viver sob a sua jurisdição. Como realizá-las é algo que, no mínimo,
deve ajustar-se constantemente à variação da realidade a que,
naqueles termos, devem servir.
A discussão, como se vê, merece ser aprofundada,
e é o que pretendemos fazer, nas páginas que irão seguir-se.

44
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

3.3 — A QUESTÃO PRELIMINAR


Parece-nos bastante óbvio que, antes de saber-se
como os homens devem organizar-se, é necessário definir, com
clareza, o que é que eles são. Somente a partir daí será possível,
razoavelmente, identificar a natureza das suas necessidades,
qualificá-las adequadamente e estabelecer uma ordem racional e
moralmente defensável de prioridades.
A partir de meados do século passado, surgiu no
panorama cultural do. Ocidente, o Materialismo Dialético de Marx-
Engels, cuja feição dinâmica e impulsionadora da ação serviu para
que atendesse a um anseio de seu principal autor segundo o qual,
“a Filosofia servira, até então, para descrever o mundo, cumprindo,
dali para diante, que fosse capaz de transformá-lo”. Como se sabe,
em 1848 era divulgado o manifesto com que aqueles dois íntimos
colaboradores pretendiam se iniciasse uma revolução de âmbito
mundial, destruidora das fronteiras e dos sentimentos nacionais,
que não passariam de alienações do homem, revolução que,
libertando-o também da de natureza religiosa, o integrasse, afinal,
no que eles consideravam a sua verdadeira realidade.
Copiosa literatura foi produzida sobre o assunto,
em todos os países do mundo e, nós mesmos, a ele dedicamos
principalmente duas obras: “Marxismo: Alvorada ou Crepúsculo?”,
ed. Récord, e “Ocidente Traído”, lª ed. Impres, S. Paulo * . Tratava-
se, no que tange àquele materialismo, da primeira tentativa, ao
longo de toda a História, de organizar os homens e educá-los,
compulsoriamente, com base na negação explícita da sua
transcendência, da existência de um Deus criador e, finalmente,
de qualquer coisa diferente ou além da matéria, que seria a única
realidade. Como se vê, o Comunismo moderno, corolário do
Materialismo Histórico, por sua vez conseqüente ao Materialismo
Dialético, e os partidos que o tinham como ideário, era algo novo,
sem qualquer precedente, e que, do ponto de vista religioso,
qualquer que fosse ele, era inaceitável. Nem foi por outra razão

45
*
Para nossa honra, prefaciada pelo grande Gilberto Freyre. (N.A.)
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que o Magistério da Igreja, em carta encíclica de Pio XI, a “Divini


Redemptoris”, o qualificou como “intrinsecamente perverso”. Nada
obstante, como sabemos todos, as democracias ocidentais, que já
no final da primeira metade deste século, levaram à morte muitos
milhões de jovens do mundo inteiro, com os objetivos proclamados
de “salvar a civilização ocidental cristã, defender a soberania da
Polônia e a Democracia” realizaram-nos, infelizmente, assim: a
civilização do ocidente cristão, trazendo para o coração da Europa
Ocidental e cristã, as legiões de um Estado, o Estado soviético,
pública e oficialmente sob regime materialista e ateu, sendo que
numerosas daquelas legiões eram originárias dos recessos da Ásia;
a soberania da Polônia, — que havia sido encorajada a resistir às
pressões nazistas, reivindicando a posse do chamado “corredor
polonês”, como ninguém ignora, faixa da Prússia Oriental, e que a
dividia em duas e fora adjudicada à soberania de Varsóvia em
conseqüência da derrota alemã na I Grande Guerra — com a cessão
do território polonês situado a leste da chamada “linha Curzon”,
para efeito de anexação à União Soviética; e, finalmente, a
Democracia foi defendida por intermédio da realização dessas
coisas, em criminoso conúbio com o Estado ditatorial, materialista
e ateu, personificado em Joseph Stálin que, hoje, as agências
internacionais de notícias descrevem como o mais sanguinário
déspota da História contemporânea* . Mais tarde, bem mais tarde,
os auto-apregoados defensores “da Democracia e da civilização
cristã”, deram acabamento jurídico às injustiças que resultaram
daquele conúbio, por intermédio do tratado de Helsinque, pelo
qual foi coonestada a anexação, pela União Soviética, também
dos territórios da Carélia, arrebatado violentamente da pacífica
Finlândia, como ninguém ignora, as repúblicas do Báltico, e os
territórios da Bessarábia e da Bucovina, conquistados da Romênia.
Os acontecimentos dos dias presentes estão se constituindo, pela
evidência de que as populações daquelas áreas não estiveram nunca
de acordo com os atos contra elas praticados, não apenas por

46
*
Curiosa mudança de avaliação. (N.A.)
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

Moscou mas, também, como vimos, pelos supostos defensores da


justiça e da eqüidade entre os povos, em um libelo contra eles.
Outros exemplos poderiam ser citados, e
abundantes, inclusive dos dias que correm, da diferença entre o
discurso daqueles “paladinos”, e os seus atos e práticas. Não nos
estenderemos, porém, em seu rol, contentando-nos com os
exemplos, que entendemos bastante significativos, e que acabam
de ser citados. É que, ainda que os mencionássemos todos, a soma
deles não teria tanta importância quanto a análise das causas que
os tornaram possíveis, estas sim, segundo pensamos, da mais
preocupante significação. O que resta, no sentido cultural, do
Ocidente cristão, precisa decidir-se: continua a prosternar-se diante
do Bezerro de Ouro, ou volta aos seus valores originários,*
fundados na aceitação da transcendência e na convicção de que,
ao contrário do que supõem os materialistas, dialéticos ou não, a
realidade do homem não se esgota, como temos procurado repetir
tantas vezes, na consideração da sua realidade biológica a qual,
tão fugaz, transcorre entre o nascimento e a morte. Que, ao
contrário, é algo que se projeta em termos de infinito e de
eternidade, diante da qual, quanto ao nosso destino, somos
responsáveis desde agora.
Como se pode vislumbrar do que, tão
resumidamente, foi dito até aqui, estamos diante de problemática
cuja complexidade já a faz difícil de ser percebida sem reflexão.
Tanto mais quanto a propaganda a que fizemos referência desde o
início, quase toda se volta para a manutenção dos erros que
agasalham interesses espúrios e inconfessáveis, mas sempre por
ela revestidos de um “make up” brilhante, ainda que geralmente
enganador.
Em páginas que se vão seguir, procuraremos
oferecer à inteligência dos que venham a lê-las alguns subsídios
fundamentais para a compreensão do que, realmente, jaz, tão
cuidadosamente velado, no fundo da crise destes dias atormentados

47
*
O assinalado é factual, reconhecendo o autor que nem todos podem ou são obrigados
a aceitar a validade daqueles valores originários ou de suas fontes. (N.A.)
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em que o Ocidente, referto de bens materiais, vem se tornando


moralmente indigente e, do ponto de vista cultural, racionalmente
ininteligível.
É o que começaremos a tentar a seguir.

3.4 — O LONGO CAMINHO DE VOLTA AO BEZERRO DE


OURO
Estamos perfeitamente conscientes de que um dos
efeitos da prevalência da propaganda a que temos feito tão
reiteradas referências — nem toda ela realizada com clara
consciência pelos seus autores, acerca do seu verdadeiro significado
— consiste numa espécie de disposição comodista a qual, a pretexto
de pragmatismo geralmente distorcido em sua significação, leva
quase todos a se absterem de reflexões consideradas abstratas, ou
teóricas. Ocorre, porém, que “o que os homens fazem, depende do
que eles pensam”. E que, “a desordem que reina na sociedade,
reinou primeiro na mente e no coração daqueles que a compõem”.
Realmente, nenhuma realização do homem,
existente no plano concreto, deixou de existir, antes, em seu
pensamento. Como, fora da visão holística, que visa abranger os
fatos do presente e os do passado que lhe deram origem, com
identificação dos nexos lógicos que os correlacionam e tornam
compreensível o processo de que são parte, fica muito difícil, senão
impossível, apreender-lhes o significado e a dimensão, teremos
que pedir ao leitor que aquiesça em acompanhar-nos em
resumidíssimo retrospecto histórico-cultural, que, longe de mero
diletantismo, esperamos venha a ser de real utilidade — e nisso
vai uma aspiração pragmática — para quantos desejem livrar-se
das “superstições” referidas já no começo deste trabalho. E isso
nos recomenda a utilidade de recuar até o século XIV, para focalizar
uma dada colocação filosófica que, em si mesma, de importância
modesta, passou a influenciar, grandemente, o pensamento
ocidental, na criação de um novo “zeitgeist”, um novo espírito de

48
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

época, muito à feição de interesses que já se haviam constituído e


procuravam manifestar-se, praticamente desde os primórdios da
influência do cristianismo sobre o Ocidente. E a compreensão da
índole e da gênese de tais interesses, na Europa, nos recomenda
um recuo ainda maior no tempo. Que os leitores nos relevem e se
armem de paciência para acompanhar-nos nesta marcha, que
buscaremos tornar brevíssima, mas sem a qual, parece-nos, torna-
se impossível entender o que, de confuso, contraditório e
praticamente ininteligível, está presente e debilita a cultura a que
todos pertencemos. É necessário realçar que, efetivamente, como
matéria de fato, não meramente opinativa, aquela e a civilização a
que pertencemos têm os seus fundamentos assentados
essencialmente na mensagem do cristianismo. Naturalmente, não
é possível ignorar a contribuição dada a esse contexto pelas
tradições judaicas, nem outras contribuições menores como, por
exemplo, as representadas pela presença árabe no Ocidente, além
de influências da África negra e de culturas autóctones de maior
ou menor relevância. Essencialmente, porém, repitamo-lo, somos
parte de cultura e civilização de origem cristã.
Ora, para a visão do cristianismo existem,
claramente estabelecidos, valores permanentes, cuja realidade e
pertinência não dependem de decisões humanas, eis que assentam
na Revelação. Segundo a mesma visão, o homem é um ser criado
por Deus à sua imagem e semelhança, porém decaído da graça em
razão do que, em linguagem religiosa, se denomina pecado original.
Decaído, assim, da sua condição original, o destino desejável do
homem é a sua reintegração no seio do Criador e o desfrute da Sua
contemplação, em eterna bem-aventurança, destino tornado
acessível pela Redenção, com a qual foi reafirmada a Lei, e
esclarecido o seu significado. Tudo isso, é claro, do ponto de vista
do cristianismo. Tal ponto de vista, entretanto, tem sido tão
desconsiderado, para não dizer, deliberadamente ocultado, que já
é difícil mencioná-lo, para que não soe falso ou “pouco objetivo”.

49
*
Pela sua grande importância, estamos voltando a ele novamente. (N.A.)
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Em que, porém, consistiu o Nominalismo* de novo referido, e


qual a importância que veio a adquirir, não diretamente, mas por
via de conseqüência?
A resposta à questão acima, remete-nos a uma
discussão epistemológica, que em suas minúcias, ultrapassaria os
limites deste trabalho e seria de difícil entendimento para o leitor
não especializado a que ele, essencialmente, se destina. Cabe,
entretanto, esclarecer que, essencialmente, ele se propôs negar a
existência objetiva dos universais, dos conceitos que, assim, não
teriam existência concreta, fora do domínio mental. Existiriam,
portanto, objetivamente, e realmente, apenas os objetos da nossa
percepção sensorial; os conceitos não passariam, voltemos a dize-
lo, para citar as expressões de Ruscelino, de “flatus voces”, sons
vazios. William Ockham, praticamente o iniciador do Nominalismo
a que nos estamos referindo, por alguns não é tido senão como um
“nominalista moderado”. De qualquer maneira, foi a sua obra que,
principalmente, suscitou a célebre “querela dos universais”,
colocando em cheque, sobretudo, os excessos da escolástica. Na
verdade, entretanto, servia o Nominalismo aos interesses dos que
pretendiam contestar a validade do pensamento contemplativo,
contribuindo para desligar o homem da sua realidade interior e
das suas ligações com um Criador, situado fora da natureza e do
alcance da sua percepção sensorial. Ao mesmo tempo, é claro,
impulsionava-o para a extroversão e para o estudo prioritário dos
fenômenos naturais.
Poderíamos dizer que o indutivismo de Francis
Bacon, alguns séculos mais tarde, de tamanha influência sobre a
Enciclopédia, especialmente em razão dos bons ofícios de
Condillac e de Diderot, estava marcado claramente pelo
Nominalismo a que nos estamos referindo. Foi, assim, o referido
Nominalismo, componente essencial do extraordinário impulso à
pesquisa dos fenômenos naturais, cujos frutos numerosos, fecundos
e surgentes rapidamente, deram origem a uma contrapartida

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Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

negativa, representada por uma espécie de “cientificismo” exaltador


das capacidades da razão humana, exaltação característica do
Racionalismo, o mesmo que levou Immanuel Kant a declarar,
pouco adiante, que a humanidade alcançara a sua maioridade, já
não necessitando mais de nada que não fosse elaborado pela sua
própria razão. Como se vê, as correntes influentes de pensamento
tendiam para uma disposição cada vez menos marcada pela
religiosidade e pelos valores permanentes por ela, no caso da nossa
cultura, principalmente trazidos pelo cristianismo. Foi em tal clima
cultural, em meio a semelhantes tendências dominantes, que
prosperaram e produziram conseqüências sociais e políticas, os
pensamentos de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau. O
primeiro, como é notório, inspirador fundamental da Revolução
Americana de 1776, e o segundo, da Revolução Francesa de 1789.
E quem desconhecerá que a democracia, tal como vem sendo
praticada e, de algum tempo a esta parte, praticamente imposta ao
mundo, especialmente ocidental, brotou daqueles pensamentos e
alimentou-se do clima a que fizemos alusão? Clima que tem sido,
continuamente, mais e mais difundido e adensado, com os
resultados de paganização crescente que, hoje, já o mais distraído
dos observadores pode notar com clareza? Paganização que tem
produzido, invariavelmente, e por toda a parte, os frutos da
degradação dos costumes, da corrupção cada vez mais extensa,
dos vícios que grassam, cada vez mais difundidos, da violência
pessoal e institucional, sempre mais e mais bestial e vergonhosa.
Entretanto, como as idéias, segundo Novak, conseguem prevalecer
sobre os fatos, mesmo quando estes as desmentem frontalmente,
consegue não apenas manter-se como imperar, uma ordem de
coisas, denominada democracia, a despeito dos frutos assinalados
que acima apontamos, e que tendem a agravar-se, na medida em
que continuem prevalecendo alguns de seus aspectos fundamentais,
como: a desconsideração de valores permanentes ou eternos,
trazidos aos homens pela Revelação, substituídos por um mero

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

método para a tomada de decisões como, indiscutivelmente, é a


consulta à vontade ou à opinião da maioria. Tal opinião, ou vontade,
como já foi antes assinalado, é algo influenciável e volúvel não
podendo, pois, substituir valores permanentes e eternos, situados
fora e acima daquela volubilidade. O esquecimento de realidade
tão evidente é que tem conduzido as sociedades modernas a
incorrerem no que se condena, por exemplo, no cap. V, vers. 16-
23, da epístola de S. Paulo aos Gálatas, no qual se lê: “Digo-vos,
pois: Andai segundo o Espírito e não os apetites da carne. Porque
os desejos da carne são opostos aos do Espírito, e estes aos da
carne, pois são contrários uns aos outros. É por isso que não fazeis
o que quereries.
“Se, porém, vos deixais guiar pelo Espírito, não
estais sob a Lei* . Ora, as obras da carne são estas: Prostituição,
impureza, desonestidade, idolatria, malefícios, inimizades,
contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos, invejas,
homicídios, embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes, contra
as quais eu previno como já antes preveni: Os que as praticarem
não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: Caridade,
alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade,
mansidão, temperança. Contra estas coisas, não existe lei.”
Considere o leitor, porém, que, segundo a visão
adotada pelo cristianismo, fonte originária da nossa cultura — seja-
nos permitido repetir mais uma vez — o homem é uma dualidade
de corpo e alma, na qual coexistem, sempre e necessariamente,
em conseqüência do pecado original cometido pelos nossos
primeiros pais, tendências boas e más, as marcadas pela natureza
espiritual e pela natureza carnal, segundo a lição dada aos Gálatas,
primeiramente e, após, a todos os cristãos, pelo Apóstolo Paulo.
Em acordo com essa lição, o caminho a seguir, pelo homem,
visando a uma vida de duração eterna, é um caminho difícil, eis
que deve passar, não pela supressão dos impulsos carnais, mas
pela sua disciplina sublimadora, de modo a que cada vez mais e

52
*
Na interpretação do mosaismo. (N.A.)
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

melhor se realizem as tendências do espírito e dos frutos que elas


podem produzir, descritos na última parte da transcrição feita de
trecho da epístola citada. Trava-se, nessa visão, no íntimo de cada
ser humano, um combate permanente entre o Bem aspirado pelo
Espírito, e o Mal, resultante da entrega exacerbada aos reclamos
carnais. E estes últimos, é necessário realçar, são mais próximos,
em nossa fase de existência corpórea, clamando, por isto mesmo,
as suas vozes, muito alto e cada vez mais exigentemente, de vez
que é, no homem, indefinida a capacidade de crescimento de certos
apetites, sendo limitada, porém, a sua capacidade de atendê-los a
todos plenamente. É justo que o homem se alimente com satisfação,
não lhe convindo, porém, a gula. Como é justo que satisfaça o seu
impulso genésico, mas não que se entregue à lascívia, como uma
espécie de objetivo de vida, pois seria este mutilador da sua
realidade dual, por corresponder, apenas, às exigências de seu
componente carnal. O leitor percebe, é claro, a instrumentalidade
da noção de pecado e dos prejuízos decorrentes de sua prática.
Como percebe que, na medida em que tais conceitos e valores vão
sendo desacreditados em nome, por exemplo, do exercício de uma
liberdade mal conceituada, vão se instalando os frutos descritos
como da carne na epístola que, neste momento, serve de suporte
às nossas considerações. Assim, as atividades humanas voltadas,
essencialmente, para o atendimento injusto das exigências ou dos
reclamos carnais, as atividades inspiradas pela concupiscência,
sempre encontraram entraves na ética decorrente da aceitação dos
princípios do cristianismo em .nosso contexto cultural. E, em tal
contradição, entendemos, está a raiz mais profunda de grande parte
dos males que compõem a crise civilizacional que estamos vivendo,
crise registrada e mencionada por, praticamente, todos os autores
que se têm ocupado com assuntos dessa natureza; desde Berdiaeff
e Spengler, até vultos mais recentes como, entre outros, o de Arnold
Toynbee,2 passando por mais de um Papa e mais de um documento
de origem pontificial.

53
2
TOYNBEE, Arnold – Sociedade do Futuro, Ed. Zahar, 2a ed.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

E é aqui que nos permitiremos iniciar novo recuo


histórico, ainda mais profundo, para destacar detalhe importante
do mundo pagão, ao tempo do domínio romano. Àquele tempo, à
retaguarda dos exércitos que marchavam para os confrontos
resultantes das políticas dos poderes a que obedeciam, era sempre
identificada a presença de algumas pessoas que não tinham
interesse pela justiça, ou injustiça, das causas defendidas pelas
forças em litígio, desejando, apenas, comerciar com elas, na busca
de lucros e proveitos materiais. Os evangelizadores cristãos, porém,
originariamente provenientes do Oriente Médio, realizavam a sua
obra, que progredia, do Sul para o Norte da Europa. Ao mesmo
tempo, desciam em sentido contrário, tribos germânicas,
constituídas por guerreiros notoriamente belicosos e que buscavam,
não uma nova ordem de idéias, mas a ocupação de espaços, com
suas riquezas, tornados disponíveis quando ocorreu a queda do
império que, até há pouco, dominara a Europa. Ocorre, ainda, que
com aquela queda, a ordem reinante nas estradas construídas pela
diligente administração romana desapareceu, em conseqüência da
retração do gládio das legiões, que até ali a mantivera. Com isso,
as referidas estradas passaram a ser extremamente inseguras,
especialmente para os possuidores de bens e de riquezas cobiçáveis.
Entre eles, obviamente, os que, anteriormente enriqueciam às
expensas do comércio lucrativo com as. forças em campanha.
Entretanto, os evangelizadores a que já nos referimos, ao
desempenharem a sua tarefa junto aos guerreiros germânicos,
também já mencionados, longe de tentarem eliminar-lhes a
belicosidade, buscaram sabiamente colocá-la a serviço da nova
ética que lhes era transmitida durante a catequese. E foi assim
que, essencialmente, surgiram os primeiros cavaleiros feudais, em
torno de cujas residências passou a reinar a segurança que havia
desaparecido das estradas. É que os evangelizados, herdeiros de
tradição guerreira, punham agora, impregnados dos ideais da fé
cristã que haviam abraçado, as suas espadas e as suas lanças, ao

54
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

serviço da virtude e da justiça, na conformidade da nova visão da


vida à que haviam aderido as suas consciências. Dentre eles
surgiram os personagens que povoaram, como cavaleiros andantes,
as lendas mais douradas da nossa infância e da nossa juventude.
Ocorre, porém, que tais cavaleiros, ao mesmo tempo em que
buscavam reprimir as violências e injustiças dos malfeitores,
também buscavam impedir as transações baseadas no desejo puro
e simples, de levar vantagem em relação ao próximo. É que,
entendiam em sua visão da vida, o único móvel da atividade
econômica, digno do dever de um cristão, haveria de ser o
suprimento. de suas necessidades e das carências do seu próximo.
Com isto, é claro, teve origem, já então, uma oposição de interesses
entre os que, antes, haviam andado atrás dos exércitos, na busca
exclusiva de lucros, os seus descendentes e os imitadores de suas
atividades, mais lucrativas e menos sacrificantes do que o amanho
da terra e o apascentar dos rebanhos, e os cavaleiros cristãos e
seus inspiradores espirituais. O leitor, é claro, compreende que
estamos tentando oferecer-lhe um bosquejo, extremamente,
resumido, de fatos e circunstâncias cujo tratamento mais
circunstanciado exigiria, entre outras coisas, muito mais espaço
do que o que é compatível com o previsto para a presente obra.
Entretanto, parece-nos, aponta esse bosquejo para a raiz da oposição
que, desde aquela época, e à feição de suas características, se
estabeleceu entre aspectos da atitude cristã diante da atividade
econômica e a dos que, na mesma atividade, objetivam,
prioritariamente, a auferição de lucros e vantagens materiais. O
problema está colocado, neste momento, em simplificação
esquemática, mas põe, supomos, de fato em evidência, uma
antinomia que tem atravessado os séculos e cuja raiz, embora
muitas vezes oculta ou não aparente, consiste na maior ou menor
ênfase a ser dada quanto aos objetivos da vida e à felicidade passível
de ser nela conquistada: ou devem eles levar em conta a aceitação
da vida eterna e da nossa responsabilidade nela tal como na cultura

55
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

a que pertencemos, é descrito este problema, ou centralizar as


energias na satisfação das necessidades do corpo e no aqui e agora
da transitoriedade das nossas existências biológicas que, como
costumamos dizer, fugacíssimas transcorrem entre o nascimento e
a morte. A aceitação daquela responsabilidade, o leitor bem o
entende, traz conseqüências que haverão de projetar-se,
praticamente, no dimensionamento que deveremos dar às nossas
vidas individuais e ao relacionamento com os nossos semelhantes.
Para dar um exemplo da importância da opção a que nos estamos
referindo, basta pensar, no processo produtivo, na sua orientação e
nos tipos de relações de produção a serem adotadas. É
indispensável, neste caso, considerar o trabalho, ou apenas em sua
dimensão objetiva, representada pelos frutos materiais que ele
produz, ou também, e talvez prioritariamente, na dimensão
subjetiva que pode ser inferida já da leitura do livro do Gênese,
quando o Criador de todas as coisas determinou às suas criaturas:
“Crescei, multiplicai-vos, e dominai toda a terra”. Este domínio, é
claro, é feito por intermédio do trabalho, que é, assim, obrigação
insculpida na natureza do homem, para que se cumpra a vontade
do Criador* . Daí, obviamente, no que tange sobretudo às relações
de produção, existir uma diferença essencial entre a visão dos que
aceitam a ética cristã e a dos que a contestam ou, de maneira
emoliente no sentido do debate de idéias, simplesmente ignoram-
na, quanto possível, na prática.
A compreensão, porém, de aspectos, para nós
fundamentais, da realidade dos dias que correm, recomenda-nos,
em compromisso com a visão holística que nos propusemos adotar,
volver ao fio da exposição que vínhamos seguindo, e na qual fora
assinalada a oposição existente, em matéria de atividades
econômicas, entre os cavaleiros cristãos e seus mentores espirituais,
e aqueles que, naquelas atividades, colocavam em primeiro plano,
senão exclusivamente, o propósito de auferir vantagens materiais.
Claro que a estes últimos interessou, sempre, promover tudo quanto

56
*
Daí, do ponto de vista da ética cristã, a precedência do trabalho sobre o capital. (N.A.)
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

surgisse capaz de criar dificuldades, de enfraquecer a fé, fonte


animadora do novo poder que se ia constituindo à medida em que
avançava a evangelização. E tal trabalho, tenaz, persistente — e
tal persistência é compreensível na medida em que persistia a
oposição de interesses a que já nos referimos — foi produzindo os
seus frutos. Por exemplo, foi assim que surgiu, como tão bem o
assinalou Mac Fadden,3 o que ele designou como “liberalismo
intelectual”. Em que consistiria ele? Na reivindicação,
aparentemente até louvável, do livre exame dos textos do
paganismo, muitos dos quais vedados, pelo “index” da Igreja, única
mantenedora dos centros de estudos universitários da época, que
não desejava se multiplicassem tendências heréticas, por acaso
resultantes da leitura de alguns daqueles textos. De fato o
cristianismo, àquele tempo, era ainda chama bruxuleante, ameaçada
pelo sopro de desvios doutrinários e heresias que, como todos
sabem, não faltaram em seus primeiros dias. A esse “liberalismo
intelectual” seguiu-se, ainda segundo Mac Fadden, o que ele
designou como “liberalismo moral”, consistente no
descumprimento das normas rígidas de conduta, característicos,
dos primeiros tempos de fervor religioso, exatamente aquele fervor
que os interesses a que nos estamos referindo, desejavam atenuar,
pela via da não sujeição às suas normas, de cristãos que, assim, a
pouco e pouco, se iriam “libertando”. De fato, a instigação do
propósito de não levar tão em conta as recomendações e exigências
da Igreja, acabou por desaguar na insubordinação à autoridade de
Roma, representada pela Reforma, pelo cisma do cristianismo que
ela representou, e cujas razões ou sem razões seria impertinente
discutir aqui, de vez que o que estamos propondo à consideração
pela inteligência dos leitores é apenas uma via, um caminho traçado
pela antinomia entre a ética cristã em matéria econômica, e os
interesses por ela prejudicados. Tal antinomia, é claro, não é
suficiente para explicar todo o quadro; mas é, supomos, bastante
para evidenciar o seu principal motor, em consistência, em pujança

57
3
FADDEN, Charles J. Mac Dr – Filosofia do Comunismo, Ed. União Gráfica, Lisboa.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

e em continuidade de ação. Mas o que poderíamos denominar de


“liberalismo intelectual” não parou aí. Como seria previsível,
transitou para o domínio político, tendo encontrado, ai, seus
principais arautos, nos vultos já citados de John Locke, Jean-
Jacques Rousseau, e em muitos Enciclopedistas. É que, ao se
contestar a autoridade de Roma, a estabilidade de todos os tronos
dos reinos cristãos, obviamente sofreu abalo profundo, de vez que
a autoridade dos reis era como que chancelada pela autoridade
papal. Como se vê, iniciativa aparentemente apenas de ordem
intelectual, foi gerando a progressão de um espírito de rebeldia em
relação à autoridade espiritual suprema daquele tempo, rebelião, é
claro, que acicatada pelos reclamos dos impulsos instintivos, fazia
apelo crescente ao orgulho dos homens, colocando-lhes diante dos
olhos um reclamo por liberdade a qual, entretanto, não se definia
quanto aos contornos e limites do seu exercício justo — o que
acabou por se corporificar politicamente, na Revolução Americana
de 1776 e na Revolução Francesa de 1789 * , igualmente já
mencionadas. Com elas, subia ao cenário político uma nova ordem
que, desconsiderando o referencial fixo, de conteúdo axiológico,
representado pela Revelação, mas reconhecendo a impossibilidade
de organizar a sociedade na ausência de quaisquer valores,
estabeleceu a afirmação — ímpia do ponto* de vista religioso —
segundo a qual “todo poder vem do povo” . A proclamação em
causa, em sua essência, tem sido consagrada em todos os nossos
textos constitucionais, inclusive no que está atualmente em vigor.
E, para operacionalizar essa disposição, instituiu-se a adoção do
critério da maioria, que não é outra coisa, repitamos, senão um
método, por vezes insubstituível, para a tomada de decisões. Mas,
*
Explicitando-se no art 6o da Declaração Universal dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, promulgada pela
Assembléia Nacional Francesa, em 1791, segundo a qual “a lei é a expressão da vontade geral”. Desvinculava-se,
assim, a organização social da Revelação. (N.A.)
* Do ponto de vista religioso, o que deveria dizer-se é que: “Todo o poder vem de Deus, e será exercido pelo povo ou
por seus representantes, na conformidade de Sua Lei.” Daí, a importância deletéria do art. 6º citado. Daí, a homenagem
à data de 1789 na moeda americana, cujo povo, sem sabê-lo, passou a ser o principal instrumento de força da “nova
ordem” anunciada também nos dólares. Vejam-se a imagem e os dizeres em latim, que nela figuram. Quanto à maioria
de singularidades estranhas contidas nas notas de dólar, a maioria das quais nos dispusemos a citar, pelo seu número
e extensão, tiveram a nossa atenção despertada para elas pelo economista Armindo Augusto de Abreu, a nosso ver,
o maior e melhor informado pesquisador que temos de gravíssimos aspectos da economia e finanças internacionais.(N.A.)
*
Como, aliás, já o denunciara Cícero, em “De Legibus”, há dezenas de séculos...(N.A.)

58
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

as maiorias são volúveis, como já vimos, e suscetíveis de


influências condicionadoras de suas preferências e opiniões. Erigi-
las, assim, em critério último e definitivo de sentido avaliador, ao
desamparo de um referencial axiológico fixo, é, de fato, tentar
construir o edifício social sobre areia movediça, suscetível,
inclusive, de sofrer influências deletérias, desagregadoras e
corruptoras* . Na ausência daquele referencial, é meridianamente
claro que quanto favoreça aos sentidos e à concupiscência em seu
sentido mais amplo, poderá ser manipulado, sobretudo em nome
da liberdade — sempre anunciada sem contornos precisos quanto
aos limites do seu exercício — com relação ao qual o que se usa
dizer, com deplorável superficialidade, é que “o direito de cada
um termina onde começa o de outro”. Ora, a mais ligeira reflexão
mostrará que à pergunta sobre onde começa o do outro, a única
resposta consiste em dizer que é onde termina o do um...
Convenhamos que não se faz necessária demasiada exigência
critica para verificar que estamos diante de lamentável, para não
dizer imperdoável, inconsistência.
De quanto foi dito até aqui, não é difícil ao leitor
compreender que, na mesma direção do enfraquecimento das
exigências religiosas — em muitos casos, contrárias à
transformação da atividade econômica em uma espécie de
desalmado vale-tudo — exigências voltadas, obviamente, em
grande parte, para o aperfeiçoamento do espírito, impunha-se a
exaltação da “necessidade” de transformar os reclamos carnais em
“direitos”, a serem proclamados e reivindicados em nome da
liberdade. Mas daquela liberdade que não se define quanto a
objetivos nem quanto a limites, transformada, portanto, em uma
espécie de carta sem endereço. Ora, pelas razões já vistas, e por
tantas outras que poderiam ser acrescentadas, a liberdade dentro
de uma perspectiva cultural cristã deve ter sentido finalista, de
sorte a dar conteúdo e clara inteligibilidade a tão sublime aspiração
do espírito, eis que no que diz respeito, estrita e tão somente, ao

59
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

corpo, o que de fato existe são apetites que reclamam satisfação.


Tal satisfação, assim, longe de libertadora, é restritiva e limitadora,
mais aprisionando o homem, estiolado por tal via em sua
criatividade sem paralelo no mundo natural, à estrita e, em tal
sentido, aprisionante dimensão corpórea, sem projetos e sem
amplitude. Acreditamos, pois, que a esta altura, já se torna fácil
compreender que o agnosticismo o qual, na prática, impregnou,
tanto a Revolução Francesa, quanto a Americana, ambas
implementadoras de Estados laicos, e não apenas no sentido da
separação, em nosso entendimento salutar, para ambas as
Instituições, entre a Igreja e o Estado, levou ao desprezo crescente
pela disciplina decorrente de valores eternos fundados na
Revelação. Tal afirmativa é plenamente compreensível de vez que
se tratava, exatamente, e assim tem sido feito ao longo do tempo,
de esvaziar a influência da Revelação cristã, sobretudo pelos seus
efeitos lesivos aos interesses dos que pretendiam, e pretendem,
praticar a atividade econômica sem peias e sem condicionantes
superiores aos interesses materiais. Tais interesses, é claro,
correspondem mais à concupiscência em suas múltiplas formas,
do que à obediência a preceitos que levam à salvação na vida eterna,
segundo a hipótese religiosa, mais próprios dos reclamos do
espírito. Quando tenham aqueles interesses feito concessões à
justiça, quase sempre o fizeram sob pressão, no contexto da luta
de classes. O século dezoito, portanto, berço de ambas as
Revoluções citadas, no campo cultural passou a apresentar,
agudamente, o fenômeno que temos denominado de interferência,
por analogia ao que ocorre com um receptor de rádio cujo seletor
de freqüências esteja com defeito. Tal receptor começa a amplificar
não mais sons inteligíveis, mas silvos, estrondos, guinchos, em
desagradável algaravia. Do ponto de vista cultural, sobretudo o
Ocidente, tem vivido, ou sofrido, essa algaravia, desde quando, à
altura do século dezoito foi-lhe superposta a visão agnóstica e a
disposição nominalista que, em última análise, lhe deu origem.

60
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

No século seguinte, não como uma ruptura, mas como um


desdobramento logicamente inteligível do longo processo iniciado
muitos e muitos séculos antes, fazia-se presente no cenário da
História, o Materialismo Dialético, com os seus corolários de
Materialismo Histórico e de Comunismo, de certo modo
conseqüentes à oposição, já citada, entre a ética cristã e os que
achavam conveniente esvaziá-la. O leitor deve observar como,
partindo da luta contra o vigor da influência religiosa e dos valores
permanentes que ela recomenda, chegamos, como fenômeno sem
nenhum precedente conhecido, à tentativa de organizar a sociedade
dos homens, excluindo a hipótese da transcendência e da existência
de um Deus criador e providencial. Como parte do percurso, o
liberalismo agnóstico, com o seu laicismo, do ponto de vista da
cultura cristã, contraditório, a sua exaltação de um conceito
impreciso de liberdade o qual, pela inexistência de contornos e
limites nítidos, enseja a transformação dos reclamos instintivos
em direitos, e suas práticas como necessariamente toleráveis e
freqüentemente objetos de promoção e exaltação. E tudo isso, é
fácil entender, significa uma marcha no rumo da paganização, em
cujo bojo se realizam as circunstâncias e realidades apontadas na
epístola de São Paulo aos Gálatas, anteriormente citada, como obras
da carne, com a sua coorte de desarmonia, confusão, corrupção,
egoísmo, luta e sofrimento. Tudo característico do caos que brota
e é alimentado pelo “Pai da mentira desde o início”, aquele mesmo
que, ao rebelar-se, bradou “Non Serviam”, não servirei, a disposição
básica, o traço, nem sempre ostensivo, mas sempre presente, de
todas as tendências que convergem para a submissão aos impulsos
instintivos, cada vez mais sem peias, exaltada em nome daquela
liberdade a que nos temos referido e a que se referiu Leão XIII em
sua encíclica “Libertas”4 . Nós nos atrevemos, neste ponto, a
recomendar, com ênfase, aos leitores deste trabalho, que não
deixem, se puderem, de ler a referida encíclica, contemporânea da
famosa “Rerum Novarum”5 . Esta, por referir-se à questão operária,

61
4
CARTA ENCÍCLICA LEÃO XIII – Libertas, Ed. Paulinas.
5
CARTA ENCÍCLICA LEÃO XIII – Rerum Novarum, Ed. Paulinas.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

foi muito divulgada e tornou-se universalmente conhecida.


“Libertas”, por colocar o dedo sobre a essência de um liberalismo
político que, no plano filosófico, corresponde ao naturalismo
agnóstico, não foi promovida pelos interesses que estamos
apontando neste trabalho, pelos motivos óbvios que os leitores
podem perceber. As considerações até aqui propostas à análise
pela inteligência do leitor, supomos, ainda que extremamente
sumárias, são suficientes para, em termos de coerência com os
fundamentos da cultura cristã a que pertencemos, revelar a clara
inadequação de aspectos fundamentais da democracia, tal como
vem sendo concebida e tenta impor-se a todas as sociedades do
mundo; e para mostrar o quanto é superficial e ingênua a suposição
de que o dilema profundo presente à crise do mundo em que
estamos vivendo, em termos de ordenação social, consiste na
oposição democracia x ditaduras.

3.5 — O FALSO DILEMA


No final do tópico anterior (3.4), fizemos duas
afirmações que cumpre, agora, justificar. A primeira, referente à
desarmonia existente entre uma ordem política e social que, na
prática, para a formulação dos seus instrumentos operacionais,
política e socialmente falando, desconsiderou a necessidade da
observância de valores permanentes que, vindos da Revelação,
transcendem critérios meramente humanos acerca da sua validade.
Tais valores, como vimos, foram sendo erodidos por trabalho
pertinaz e multissecular, levado a cabo pelos interesses contrariados
em tal ou qual medida, pela ética deles decorrente, interesses cuja
luta ao longo do tempo foi fazendo prosélitos. Alguns, talvez a
maioria, enganados por aspectos superficiais de uma propaganda
de efeitos verdadeiramente mágicos feita, sempre, ou quase sempre,
com ostentação de rótulos enganosos, mas atraentes. Um deles,
talvez o principal, a reivindicação por liberdade, como vimos
anteriormente, colocada com imprecisão de contornos e de limites

62
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

referentes ao seu exercício, o que vem transformando, e todos, a


esta altura, podemos vê-lo como meridiana clareza, em
licenciosidade, fora de qualquer dúvida, muito mais própria de
sociedades pagãs do que de uma sociedade propriamente cristã.
Entenda-se, desde logo, que não é nosso propósito tentar impor a
aceitação do cristianismo como postura religiosa e cultural
necessariamente observável por todos. O que queremos significar,
e isto parece-nos fora de dúvida é que sendo a cultura a que
pertencemos fundada, essencialmente, na mensagem do
cristianismo, a erosão de seus valores fundamentais, a pouco e
pouco substituídos pelo ceticismo e por uma postura de caráter
predominantemente naturalista e agnóstico, constitui-se — e a
realidade concreta o vem mostrando de maneira claríssima — em
um caminho de retorno ao paganismo e à corrupção que, do ponto
de vista cristão, o caracterizou. Em termos religiosos e dentro da
ótica cristã, em um retorno ao clima descrito por S. Paulo, em sua
epístola aos Gálatas, que voltamos a lembrar, correspondente à
submissão aos reclamos da carne, cujos frutos são os descritos
pelo apóstolo e evidenciados pela observação das circunstâncias e
dos sintomas presente no mundo que nos cerca. Quem, observando
este mundo, deixará de concordar que, nele, de modo crescente,
estão presentes “as obras da carne”, nas expressões do evangelista
dos gentios: prostituição, impureza, desonestidade, idolatria,
malefícios, inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias,
partidos, invejas, homicídios, embriaguez, orgias e outras coisas
semelhantes?
Estamos conscientes de que nenhum homem
conseguirá livrar-se totalmente de suas más tendências e viver
apenas para as obras do espírito, que ainda segundo o mesmo
evangelista, são: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade,
bondade, fidelidade, mansidão, temperança. Mas, se o clima
cultural em que vivemos passa a prestigiar, na prática,
preferencialmente, as “obras da carne”, fazendo-o, embora, em

63
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

nome da liberdade, aquela mesma que se recusa a definir com


precisão de contornos e de limites quanto ao seu exercício, alguém
de bom senso haverá de supor que os resultados possam vir a ser
outros senão os do aumento do egoísmo mais brutal, com todas as
suas conseqüências, em todos os níveis e circunstâncias da vida,
o crescimento, entre tantos outros efeitos, da prática da injustiça e
do exercício da violência mais vergonhosa? Ainda agora, o mundo,
estarrecido, assiste a selvagerias sem nome, praticadas na disputa
de bens materiais — eis que ninguém é tão ingênuo ao ponto de
supor que o móvel das questões gira em torno da observância, ou
não, de normas éticas desejáveis para o convívio internacional.
Será isto cristão ou, claramente, algo mais próprio do paganismo
mais perverso? O dilema profundo, portanto, que está na raiz da
crise dramática em que há muito tempo vimos mergulhando —
tenhamos a coragem de dizê-lo — não reside na oposição entre
democracia e ditaduras, mas entre cristianismo e paganização. E,
ainda uma vez, tenhamos a coragem de dizer que a chamada
democracia, tal como vem sendo concebida e, praticamente,
imposta a todos, é concepção gestada no âmbito do clima de
interferência cultural a que já tivemos a oportunidade de referir-
nos, sob a égide de tendências cada vez mais claramente laicas,
céticas, agnósticas ou, como foi tentado a partir do século passado,
franca e cruamente materialista. Materialismo, de resto, como o
dissemos anteriormente, que não representou ruptura no processo
cultural do Ocidente, mas um seu desdobramento lógico, ainda
que não necessário ou inevitável, do qual o passo imediatamente
antecedente foi dado pelas formas políticas resultantes,
essencialmente, dos pensamentos de John Locke e de Jean-Jacques
Rousseau. O dilema profundo, assim, é paganização x cristianismo
e, nele, a democracia, tal como entendida e em fase de tentativa de
imposição a todos, é mais aliada do primeiro do que do segundo
termo do referido dilema. Deveremos, por isso, repudiar a
democracia e supor que a alternativa válida para ela são as

64
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

ditaduras? De maneira alguma. Tenhamos, porém, a bravura de


dizer que se torna imprescindível — se é que desejamos salvar o
que resta de cristianismo no mundo dos nossos dias — proclamar
que o ideal de governos que sejam representativos dos interesses
justos e das aspirações legítimas daqueles que eles irão jurisdicionar
é eterno, por ser o único compatível com a racionalidade com que
o Criador dotou os seres humanos e com a Justiça, que deve presidir
a vida e o convívio. entre eles. Por isso afirmou o aquinatense:
“Não é o reino que pertence ao rei; é o rei que pertence ao reino”.
Quando falamos, porém, de interesses justos e de aspirações
legítimas, estamos evidenciando a necessidade da existência de
referencial axiológico permanente que, em nossa cultura, será o
que decorre da Revelação. A substituição desse referencial pelas
decisões de maiorias eventuais, influenciáveis e volúveis, é um
equívoco cujos frutos estão aí, patentes diante dos olhos de todos.
Pedimos ao leitor, encarecidamente, que reflita, no âmago de sua
consciência, sobre as ponderações que estamos oferecendo à análise
pela sua inteligência. São problemas muito profundos, cuja
apreensão é ainda mais dificultada pelo fascínio verdadeiramente
mágico de idéias repetidas milhões e milhões de vezes, a ponto de
se transformarem em algo que se passa a aceitar sem análise, nada
obstante os resultados concretos que produzem e que nos cercam
e nos angustiam indiscutivelmente, as desmintam frontalmente. É
o fenômeno que já mencionamos, apontado por Michael Novak
como um dos mais preocupantes do mundo moderno. Quanto às
ditaduras e à justa interpretação das suas motivações mais
freqüentes, seja-nos permitido acrescentar, novamente com
coragem, verdades que nos parecem bastante evidentes, o que
buscaremos fazer no tópico que irá seguir-se.

3.6 — O QUE SÃO AS DITADURAS. O DILEMA


VERDADEIRO
O estabelecimento de uma ditadura no mundo

65
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

moderno, obviamente pode ter mais de uma causa. O certo, porém


é que será muito ingênuo supor que a assunção do poder por
qualquer delas se torne viável na ausência de circunstâncias que
sirvam de motivo, ou de pretexto.
Por outro lado, é um dado que não pode deixar de
ser levado em consideração, o consistente no fato de que, na maioria
absoluta das vezes, os regimes ditatoriais resultam de iniciativas
militares, sobretudo no Terceiro Mundo, a que pertencemos. Ora,
as alegações quanto às suas causas, consistentes em atribuí-las,
tão somente, às ambições pessoais de seus líderes, é uma
superficialidade que não pode, sequer, merecer a consideração de
um exame mais demorado. Claro que a ambição dos homens que
aspiram ao poder é componente do fenômeno relativo à sua
conquista, mas não explica o fenômeno todo nem é exclusividade
dele. É indispensável, pois, que se levem em conta as características
do contexto social que ensejou a subida ao poder de um regime
ditatorial. No caso brasileiro — é necessário ter-se a coragem de
dizê-lo, desde que se implantou a República* , o processo político
resultante transformou-se em uma sucessão de sobressaltos, a que
não faltaram rebeliões militares e governos civis de exercício
autoritário, como, notoriamente, foi o do presidente Arthur
Bernardes. Figura marcante dos bastidores do Movimento de Março
de 64, por exemplo, em matéria amplamente divulgada pela
imprensa, assinalou aqueles sobressaltos, designando-os como
“sístoles” e “diástoles”, por analogia com a contração e a expansão
do músculo cardíaco, no desempenho de suas funções. A imagem,
a nosso ver muito feliz, sê-lo-ia ainda mais, se aquele personagem
tivesse invertido a ordem dos termos usados, e falado de “diástoles”
e “sístoles”. À primeira vista, a muitos haverá de parecer irrelevante
a observação. Em nosso entendimento, porém, é ela de capital
importância para a compreensão da atribulada trajetória da nossa
vida republicana. É que a Constituição de 91, amplamente liberal,
representou o que, no funcionamento do coração, representa a

66
*
Por intermédio, exatamente, de um golpe militar, fato que não é posto em realce pelos que, influenciados pelos
“dogmas laicos”, a que se referiu Guenón, os fulminam hoje, por definição e em qualquer caso. (N.A.)
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

dilatação daquele músculo, a cuja dilatação sucede um aperto, ou


“sístole”. As idéias republicanas, como é sabido, chegaram-nos
impregnadas da embriaguez resultante do clima intelectual da
Enciclopédia, com o seu componente libertário, e apoiadas pela
Maçonaria e pelo Positivismo. Os que implantaram a República,
fizeram-no por meio de um típico golpe militar, contando para o
seu sucesso com o apoio da influência, já mencionada, do
Positivismo no meio castrensa. Como se vê, tudo inteiramente
dissociado, já não diremos do apoio, mas do próprio conhecimento
do povo, do que é sintoma a rebeldia desencadeada em Canudos
tanto tempo depois, tendo como uma de suas aspirações centrais
restaurar a monarquia, de vez que Antonio Conselheiro e os seus
seguidores consideravam a República, pura e simplesmente, “obra
do demônio”. Pressentiam, assim, aqueles sertanejos, em sua rude
simplicidade, que de fato ela contou com o apoio e foi concebida
por integrantes de forças e de interesses do tipo mencionado em
partes anteriores deste trabalho, como interessadas em esvaziar a
fé religiosa e a autoridade de governos e regimes cujo prestigio
assentava na adesão àquela fé. A observação que acabamos de
fazer não significa, de nenhuma maneira, tentativa de abrir
discussão entre as excelências das monarquias e as das repúblicas.
Mantivemo-nos, ao fazê-la, em terreno puramente factual e
descritivo, de vez que achamos que os aspectos formais dos regimes
políticos podem apresentar vantagens ou desvantagens, mas que o
grande problema não consiste essencialmente naquelas formas,
mas nos ideais dos homens. Pode-se, perfeitamente, conceber uma
república impregnada de ceticismo, agnosticismo, e imprecisão
quanto, por exemplo, ao conceito de liberdade, da mesma maneira
como ocorre às monarquias constitucionais modernas. Mas
estávamos falando das ditaduras e do fato delas, na maioria dos
casos, nascerem de intervenções do estamento militar na condução
do processo político, e tal fato merece uma explicação. Em nosso
entendimento, é ela muito simples. É que, em toda a parte, as

67
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

Instituições militares têm formação conservadora e voltada,


especialmente, para o sentimento de que a elas compete, como
parte dos seus deveres, garantir a defesa dos valores fundamentais
da nacionalidade a que pertencem. Os países do Terceiro Mundo,
como o temos dito tantas vezes são, em muitos aspectos da sua
realidade, inclusive nos que respeitam às suas superestruturas
políticas, países de cultura reflexa. Assim, idéias e formas políticas
concebidas em outras sociedades, de configuração sensivelmente
diferente da dos que lhes importam aquelas idéias e formas, são
como que transplantadas, com um mínimo de adaptação, ou sem
adaptação alguma, e passam a sofrer o que temos chamado de
“processos de rejeição”, por analogia com os que acontecem a
tecidos estranhos, impostos a um organismo diferente daquele que
os gerara. Foi assim em 189l – diástole antecipada ou, de certo
modo irrealista em relação ao nosso organismo social de então.
Daí, problemas, crises e sístoles, às vezes determinadas por
intervenções militares. Mas, como já vimos em páginas anteriores,
as formas institucionais que convêm aos interesses que se opõem
à ética do cristianismo, ou a qualquer ética equivalente, sobretudo
em matéria de atividades econômicas, oposição que fazem desde
os recessos da História, são transformadas em verdadeiras
superstições, aceitas pela maioria esmagadora de maneira
praticamente acrítica. Foi assim, entre nós, em Março de 64.
Embora líderes políticos tentem hoje faltar à verdade a respeito, a
realidade é que estávamos, então, entregues à mais desenfreada e
reles demagogia, e a um passo de termos implantado em nosso
pais, de cima para baixo, um regime pró-comunista, do mesmo
tipo cujo fracasso, hoje, patenteia-se diante dos olhos de todos* .
Nesse ponto, os militares, instigados pela maior parte da nossa
burguesia — que gosta dos exageros da liberdade, mas temia a
implantação do bolchevismo — e por parte ponderável do clero
católico, animou-se, com o aplauso da classe média, a derrubar o
governo vigente e a instaurar um regime autoritário, que hoje é

68
*
Implantação defendida pela maioria dos que, hoje no poder, apresentam-se como
democratas perseguidos por “negra e sanguinária ditadura militar”... (N.A.)
Capítulo III - Resumo Descritivo de Aspectos Fundamentais da Realidade
Contemporânea

caricaturado como uma negra ditadura. Politicamente, porém,


estavam eles — como imaginamos que continuam a estar —
vitimados pela alienação consistente na crença supersticiosa de
que o que se tem denominado democracia entre nós, representa
algo perfeito ou, pelo menos, irretocável, de vez que, com a maior
boa-fé e comovente candura, continuam a falar de “normalidade
democrática”, sem sequer parar um momento para refletir que a
sua vigência, antes de 64, ensejara, precisamente, a ordem, ou
desordem das coisas contra as quais se haviam eles insurgido. E,
fiéis a tal concepção, acabaram por cumprir a promessa que todos
os governos anteriores haviam feito, de restaurar a “normalidade
democrática” — restauração que só não veio antes em virtude das
guerrilhas urbana e rural desencadeadas pelas alas mais radicais
das esquerdas. No momento em que escrevemos, estamos com
mais de vinte anos de “normalidade”, de diástole, pois. E o que foi
que melhorou na nossa realidade e no que tange aos interesses
legítimos e aspirações justas do povo? Aliás, como defini-los com
firmeza, na ausência de um referencial fixo, de conteúdo
axiológico?
De quanto foi dito até aqui, parece-nos ter ficado
claro que, de fato, o dilema profundo não é, na prática, democracia
x ditaduras, pois estas, nos casos mais singelos a que acabamos de
referir-nos, não nascem de movimentos contra a democracia, que
consideram a “normalidade”. Mas contra o que imaginam desvios
e distorções praticados por pessoas e grupos contra ela. Em alguns
casos, uma vez no poder, ditadores e seus amigos, por motivos
ainda mais insignificantes e desprezíveis agarram-se a ele, nunca,
porém, falando a respeito, em campo doutrinário ou, ainda menos,
propriamente teórico. Em nosso século, talvez as únicas exceções,
fora do campo do socialismo marxista, foram os regimes fascista,
e, até certo ponto, o salazarista, o franquista e o integralismo que,
entre nós, porém, não chegou ao poder. Sem que isto signifique
que eles foram excelentes ou, sequer, representaram alternativas

69
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

válidas para a ordem política baseada no ceticismo e impregnada


de agnosticismo naturalista que tantos consideram tão perfeita que,
fora dela, tudo seria anormal, parece-nos que os historiadores do
futuro, quando se debruçarem sobre aspectos essenciais da crise
dos nossos dias, encararão aquelas exceções fora do campo do
marxismo, como espasmos, estertores de reação contra as forças
de destruição da ordem fundada na admissão de valores eternos, e
em uma disposição não nominalista, embora provavelmente nem
sempre consciente em seus líderes e em seus adeptos. O dilema
profundo, portanto, repitamo-lo ainda uma vez, que está na raiz da
crise dramática que estamos vivendo, em nosso entendimento, não
é pelas razões vistas, representado por democracia x ditaduras mas,
na verdade, por paganização x cristianismo. As formas de
organização social e política só serão aperfeiçoadas, em termos da
visão da cultura a que pertencemos, quando forem concebidas por
quem aceite, de maneira consciente, os princípios norteadores da
conduta individual e social que defluem do cristianismo e quando
forem usadas por pessoas e grupos de mesma inspiração. É preciso
compreender que a questão de fundo reside na paganização
crescente que continua em curso e da qual, digamo-lo com coragem,
faz parte, pelos erros que agasalha em seus próprios alicerces, a
democracia liberal, que tantos interesses se esforçam para fazer
supor que é obra humana — a única aliás — acabada, perfeita e,
portanto, irretocável. O campo de batalha da reação contra a crise
cruel em que vamos mergulhando, e esta é uma verdade de
dramática importância, está na mente e no coração dos homens,
pois, segundo Fulton Sheen, já citado, “a desordem que reina na
sociedade reinou primeiro no coração e na mente daqueles que a
compõem”. Muito, ainda, resta por dizer. Consentindo Deus,
tentaremos fazê-lo mais adiante, quando serão ventilados assuntos
que não foram, por agora tocados, bem como ampliado o
tratamento, aqui apenas aflorado, de alguns outros. Por enquanto,
por favor, pedimos encarecidamente que meditem os leitores no
que ficou dito até aqui.
70
CAPÍTULO IV
COM EXEMPLOS DE INVERDADES
POSTAS EM CURSO E DE VERDADES
OCULTADAS DA OPINIÃO PÚBLICA
Da leitura do que foi registrado até aqui, esperamos,
resulta como que uma visão, feita em nível, talvez, mais descritivo
do que interpretativo, da realidade contemporânea; além do que,
no Capítulo II, supõe este autor possa vir a acontecer em futuro
que parece cada vez mais próximo, quanto ao surgimento, sobre
os escombros da atual, de uma civilização mais justa, mais sábia e
mais humana.
No empenho de tornar simples e suficientemente
claro o entendimento do quanto tem sido vitimada, e não de hoje,
mas desde há muito, a humanidade, sobretudo no Ocidente, pelo
que temos designado como fenômeno de “interferência cultural”,
permitir-nos-emos destacar alguns exemplos factuais,
representados por temas que o leitor conhece mas dos quais
tentaremos oferecer à análise de sua inteligência, a visão que deles
71
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

pode ser obtida, a partir de outro ponto de vista ou de outro enfoque.


Lembremos que o que vem acontecendo desde há muito e cada
vez mais acentuadamente, no domínio cultural em nossos dias,
resulta, segundo pensamos, da superposição ao quadro fundamental
de valores oriundos das raízes judaico-cristãs de que proviemos e
das quais brotou e se desenvolveu a civilização a que pertencemos,
de outros valores e conceitos que estão, em numerosos casos, em
flagrante contradição com aqueles, produzindo a “interferência
cultural” a que fizemos alusões. Assim, e cada vez mais
acentuadamente, procede-se na prática, desconsiderando, quando
não desmentindo, valores que ainda continuam a ser afirmados,
nada obstante a contradição acima apontada. Por outro lado, o ritmo
frenético da vida que a maioria é compelida a levar, sobretudo nas
concentrações urbanas — e às populações rurais geralmente servem
de paradigmas as coisas que se passam naquelas concentrações —
a impede de refletir e a coloca na situação, já registrada no
“Esclarecimento Inicial”, de pensar “como todo mundo pensa”,
de agir “com todo mundo age”, de proceder “como todo mundo
procede”. Apenas, na verdade, aquele “todo mundo”, não reflete
senão os comportamentos que lhe são introjetados por uma pequena
minoria, a dos que detêm o controle da grande mídia e que, mais
ou menos conscientemente, vão realizando as ações que lhes
parecem úteis e práticas, mas que são geralmente frutos da
“ignorância interna” a que já nos referimos, e que nos estão levando
à operação do que consideramos constituir o “2o plano da História”.
Vejamos, agora, alguns exemplos factuais, tal como
prometido no início do presente capítulo.

4.1 — O MERCADO
O leitor, com toda certeza, conhece e tem sentido a
presença, cada vez mais despótica e mais acentuada de um certo
Sr. Mercado, do qual, diga-se de passagem, ninguém conhece o
endereço, o CPF ou o telefone, o fax ou o endereço eletrônico,

72
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

mas que passou a existir como se fora um ente autônomo e, além


de autônomo, autoritário, sendo correntes e não discutidas
expressões tais como: isso não é possível pois contraria “as leis do
mercado”; ou “o mercado não aceita”, “o mercado exige” ou outras
equivalentes. Note-se, ainda, que tais sentenças são definitivas e
irrecorríveis e poucos, pouquíssimos, se dão conta de que o Sr.
Mercado não existiria se o homem, cuja atividade o gera, não fosse,
indubitavelmente, seu autor. Sendo o homem um ser racional, não
parece ao leitor que o mercado e suas “Leis” deveriam visar,
prioritariamente, o bem de quem o cria? O bem comum, o bem de
quantos participam e devam partilhar de seus frutos? Assim, em
resumo, o mercado deveria existir para o homem, e não este para
ele, transformado em uma espécie de absurdo baal Moloch, a
serviço de uma minoria. De fato, no mundo inteiro, acentuam-se
as diferenças entre os povos e as pessoas, aumentando o
desemprego e, em vastas regiões, sobretudo da África, da Ásia e
da América Latina, estima o próprio organismo especializado da
ONU que existem no momento cerca de 800 milhões de seres
humanos em situação de subnutrição endêmica, enquanto morrem
de fome aguda, falta praticamente total de alimentos, cerca de 200
mil por ano!
Quanto ao desemprego, alega-se que o avanço da
tecnologia vem tornando menos necessário o concurso humano
no processo produtivo; então, as leis do Moloch Mercado
determinam a dispensa de mão-de-obra, para que se mantenha o
“nível de competitividade”, não se cogitando de, em proporção
adequada, ser diminuído o número de horas de trabalho. Afinal,
voltamos a perguntar: deve existir o homem para o Mercado, que
ele gera, ou este para ele? Na base da resposta, estão as que possam
ser dadas à indagação: qual é, no fundo, o objetivo do homem
nesta vida? É ser feliz, ou é manter o “nível de competitividade”,
ou a famosa “estabilidade monetária”? Aliás, a propósito desta
última, permitir-nos-emos informar ao leitor que porventura ainda

73
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

não o saiba — e, acreditamos, constituem a maioria, pois os


manipuladores conscientes das informações procuram manter sobre
o assunto o mais completo silêncio — a estabilidade monetária
sofre a influência predominante do padrão monetário internacional,
o dólar americano.

4.2 — A QUESTÃO DO PADRÃO MONETÁRIO


INTERNACIONAL
Vejamos o que a maioria ignora sobre a questão a
que se refere este tópico, inclusive nos EUA, diante de cuja
população o assunto é mantido em discretíssimo silêncio. Ignora
que a referida moeda é emitida, não pelo Estado Americano, mas
por doze bancos, todos particulares, cujos nomes começam,
curiosamente, com as palavras “Federal Reserve Bank” a que se
seguem “of Richmond, Virginia”, ou “of New York, New York”,
ou “of Cleveland, Ohio”, ou “of Boston, Massachusetts”, ou “of
Atlanta, Geórgia”, e assim em diante, no total já mencionado de
doze “Federal Reserve Banks”. As palavras Federal Reserve Bank,
maliciosamente, sugerem algo oficial quando, repetimos, são todos
os doze, bancos privados. Se o leitor duvida, procure examinar na
face das notas de US$ 1, no sinete marcado com uma letra
maiúscula o que, em pequeninos caracteres, a contorna. Isto vale
para a imensa maioria dos dólares em circulação no mundo inteiro,
que são os emitidos desde 1913 até 1998, quando começou a
transpirar o assunto em comentários esparsos, mas que foram se
tornando explosivamente perigosos, levando à modificação do
desenho das novas notas de dólar em número ainda
comparativamente ínfimo em relação ao total existente em
circulação. A verificação, pelo leitor, do que acabamos de afirmar
continua, pois, facílima.*
Ora, a gravidade do que estamos informando aos
que venham a percorrer estas linhas, vem, essencialmente, do
seguinte: na Conferência de Bretton Woods, quando já estava por

74
*
E várias outras observações, altamente preocupantes poderiam ser feitas. Deixamos de registra-las
para não sermos mais extensos do que o estritamente indispensável. (N.A.)
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

terminar a 2a Guerra Mundial, foi convencionado que, a partir de


então, o padrão referencial monetário internacional passaria a ser
o dólar americano. Aparentemente, não haveria nada de maior
importância internacional a objetar, de vez que, conforme fora
estabelecida em 1913, no final de dezembro daquele ano, pelo
Congresso Americano, fora que aos citados doze bancos caberia,
dali em diante, emitir a moeda americana, com o compromisso
dos bancos emissores fazerem corresponder, a cada dólar, uma
certa quantidade definida de ouro, a ser guardado em Fort Knox,
instituição, esta sim, do Estado Americano. O privilégio em
questão, obtido pelos doze bancos, não violentava as tradições
americanas, de vez que, até então, muitas instituições financeiras
particulares o faziam consentidamente, com o resultado de uma
certa confusão que, aparentemente, estabelecendo a lei o privilégio
para apenas e tão somente doze, viria a ser sanada. E o tempo foi
passando, e veio a primeira Grande Guerra, depois a segunda e,
afinal, a citada conferência de Bretton Woods. Terminada a guerra,
à altura de 1971, o governo de George Pompidou, na França,
solicitou ao governo americano a troca dos dólares que a França
possuía, pelo ouro a eles correspondente, guardado em Fort Knox.
E a resposta, pasme o leitor, dada oficialmente pelo governo
americano, foi que o referido ouro não estava disponível. A isto
não se chamou calote mas, apenas, pasme de novo o leitor, quebra
do padrão ouro... E continuou a valer, impositivamente, o que se
estabelecera na conferência de Bretton Woods, ainda quando aos
dólares não corresponda nenhuma garantia, senão o poderio
econômico e militar dos EUA, postos a serviço, de alguma maneira
e indiscutivelmente, dos interesses dos acionistas majoritários de
doze bancos particulares. Parece fantástico mas, infelizmente, é a
verdade factual e concreta. Ainda em tempo, diga-se que, pela
legislação de 1913, os doze bancos integrariam uma junta, o
atualmente famoso “FED”, que tantos supõem um organismo
governamental, a ser presidida por alguém nomeado pelo presidente

75
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

dos EUA. Ah! Pensará o leitor, então o Governo Americano,


representando o Estado Americano, por sua vez expressão política
da nação americana, tem o controle! Vejamos, na realidade, como
tem funcionado esse “controle”. O atual presidente do “FED” é o
senhor Alan Greenspan. O referido senhor foi nomeado para o
cargo que ocupa, pelo então presidente Ronald Reagan,
republicano; reconduzido ao mesmo cargo pelo Sr. George Bush,
também republicano; novamente reconduzido pelo Sr. Bill Clinton,
democrata, o qual, reeleito, de novo reconduziu o senhor Alan
Greenspan às mesmíssimas funções. Como se vê, aparentemente,
o referido Sr. está acima dos governantes e dos partidos pelos quais
são eleitos... As inferências, a inteligência do leitor as tirará
facilmente, sobre quais forças, de fato, elegem e governam ou
influenciam predominantemente os governos daquele país. E, se
tal influência fosse somente exercida sobre ele, seria lamentável,
mas não diria respeito às preocupações dos cerca de 200 países
hoje representados na ONU. O caso, porém, é que o referencial
monetário mundial é aquela moeda sem lastro, emitida por doze
instituições privadas, os interesses de cujos acionistas majoritários
influenciam, poderosamente, as economias de todo o planeta terra.
Parece ao leitor, seja isso razoável? O fato de não sê-lo é o que
explica o pesado silêncio que paira sobre tão grave realidade cujo
cerne, cujo miolo, estamos oferecendo à consideração dos que
venham a ler estas linhas. O resto que possa ser dito na tentativa
de desmentir o referido cerne, representará apenas esforço para
confundir o entendimento da situação, tornando a sua compreensão
mais difícil pela adição de complicadores, minudências e
argumentos especiosos. Aí está, pois, um exemplo factual, da
confusão reinante em nossos dias, com a maioria submetida ao
fenômeno de “interferência cultural”, com a racionalmente
inaceitável inversão consistente em colocar o homem, a quem o
mercado deveria servir, como seu servidor, e que permite o absurdo
do mundo, em grande parte servindo a meia dúzia de acionistas de

76
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

bancos, ignorar quase completamente fato de tamanha gravidade.


Mas existem outros dados, factuais, que pretendemos, ainda neste
capítulo, expor à consideração dos que nos honrem com sua leitura.

4.3 — O TANTAS VEZES ALEGADO AMOR AO QUE


DENOMINAM DEMOCRACIA
É hoje fato notório que, sobretudo os cinco, ou
alguns dos 5 membros da ONU que se auto-atribuíram o “direito”
de veto, sobre o qual já tivemos oportunidade de tecer comentários,
assinalando o absurdo e a contradição em que se constitui tal
“direito” em relação à mesmíssima forma de democracia da qual,
quando lhes convém, se declaram defensores, não hesitam em, na
tentativa de impô-la, empregar, não apenas pressões diplomáticas
e/ou econômicas, mas também a força, explícita e brutal. Aliás, há
de lembrar-se o leitor de que, quando comentamos o absurdo
“direito” de veto, sublinhamos que os seus detentores, a única coisa
que têm, realmente, em comum, é o devastador poderio militar,
incluindo formidáveis arsenais nucleares cujo eventual emprego
será capaz, segundo estimativas reiteradamente divulgadas, de
eliminar, não apenas uma, mas dezenas de vezes, se fosse o caso,
qualquer vestígio de vida em nosso planeta. Quando tão “sinceros”
defensores dos direitos humanos, em outra das alegações de que
costumam valer-se, falam de tratados de “não proliferação de armas
nucleares”, na verdade o que estão desejando é impedir o aumento
do número de nações que as possuam. Quanto a eles, continuam
sofisticando e tornando mais poderosos os seus arsenais, do que
deu provas a França quando, não obstante a oposição de outros
membros do grupo dos cinco, e da atoarda das ONGs* , em grande
parte sob seu controle e orientação, levou a cabo todos os testes
que os seus pesquisadores consideraram necessários, testes
realizados, o leitor possivelmente se lembra, no longínquo Atol de
Mururôa. Ainda mais recentemente os EUA anunciaram o seu
“guerra nas estrelas”. Quanto a nós, que certamente somos um

77
*
Das quais trataremos mais adiante, ainda neste capítulo. (N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

país com riquezas mais cobiçáveis do que o Paquistão, ou do que


Israel — ambos potências nucleares — todos se lembram do gesto
simbólico de submissão de um presidente ao lançar uma pá de cal
em escavação feita na Serra do Cachimbo, onde os cientistas da
Força Aérea pretendiam levar a cabo um teste de explosão nuclear
subterrânea. Quanto ao projeto ARAMAR, sob orientação da nossa
Marinha, sem nenhuma cooperação internacional, chegou, a
duríssimas penas, ao desenvolvimento de tecnologia própria e
original para o enriquecimento do urânio natural, no seu isótopo
235, que pode ser empregado na fabricação de artefato nuclear
explosivo. O objetivo declarado da Marinha, entretanto, não era a
produção do mencionado artefato, mas a de combustível para fins
pacíficos ou, pelo menos, não explosivos, destinado ao
acionamento de motor para um submarino atômico que ela desejava
e deseja construir. A pressão internacional, porém, paralisou
praticamente o referido projeto, hoje esvaziado de verbas e sujeito
à inspeção internacional... A grande mídia, porém, não dá realce a
realidades como estas.
Em tempo, queremos dizer que não estamos, de
maneira nenhuma, tentando defender a proliferação dessa prova
de dramática “ignorância interna”, como são as bombas nucleares
de emprego militar. Apenas, estamos tentando mostrar a
manipulação, em nível internacional e em nível interno, das
informações, de maneira a desorientar, ou a marginalizar a opinião
pública, sempre que isto for do interesse das grandes potências,
sobretudo do de algumas das que integram o grupo dos cinco, de
maneira a que a referida opinião seja, na prática, anulada no que
tange à sua capacidade de reagir contra o que lhe pareça
inconveniente. O mundo de hoje, pois, repitamos ainda uma vez,
no plano internacional, vive sob o que, com toda a propriedade,
pode ser afirmado que é a lei do mais forte, a lei primitiva do
tacape, fruto indiscutível, quaisquer que sejam os seus rótulos e
disfarces, da “ignorância interna”, a que tantas e tantas vezes nos

78
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

temos referido.
Mas a manipulação da opinião pública, pela desinformação ou pela
sonegação de informações, leva ainda a maioria a não se dar conta
de que o objetivo de impor o que chamam de democracia, não se
faz acompanhar de qualquer coerência. Não parecem sociedades
classificáveis como democráticas, segundo a ótica dos detentores
do tacape, países como a Arábia Saudita, ou como a China
Continental. Ambos objetos do maior respeito e carinho daqueles,
digamos, “democratas”. A primeira, por flutuar em um mar de
petróleo, sob o controle das chamadas “sete irmãs” e, por isto
mesmo, não se importam os “defensores da democracia”, que ali
impere um regime de monarquia absoluta e que, segundo suas leis,
o simples furto de uma fruta leva o autor do delito a ter a mão
direita amputada — o que, positivamente, não parece coincidir
com acendrado amor aos direitos humanos, dos manipuladores do
tacape, tão presente em outros casos. Quanto à China Continental,
cujo chefe de governo era recebido em Washington, com tapete
vermelho e a mais risonha cordialidade, ao mesmo tempo em que
era massacrada a Sérvia, inclusive, segundo se noticia agora, com
o uso de explosivos preparados tendo como componentes alguns
resíduos ricos em urânio, encontráveis no chamado “lixo nuclear”,
quanto à China, dizíamos, representa um mercado — e aí está a
explicação do carinho a ela manifestado — de mais de um bilhão
de consumidores, além de colossal contingente de mão de obra
comparativamente baratíssima...*
Os fatos que estamos oferecendo à consideração do
leitor aparecem em “flashes” desconectados na mídia, além de
truncados e insuficientes, e nunca sob o enfoque que, neste
momento, estamos submetendo à análise pela inteligência e pela
consciência do leitor.
A apreensão do sentido fundamental representado
pelo império real da lei do mais forte serve também à compreensão
do verdadeiro objetivo da campanha que, de maneira sistemática,

79
*
Neste momento, surgem indícios, veementes, de que os controladores do “motor”, os quais, segundo pensamos, montaram e desmontaram
a União Soviética, desconfiados de que Beijing está se preparando para recalcitrar, estão providenciando a eventual, e temerária,
desmontagem da China. (N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

se tem desenvolvido entre nós, e em outros países-alvo dos


defensores da “democracia” e dos “direitos humanos”, contra as
Forças Armadas.

4.4 — A CAMPANHA CONTRA AS FORÇAS ARMADAS.


SUA MOTIVAÇÃO E SEU SIGNIFICADO
É que elas são, de fato, como o conceituamos e
temos repetido tantas vezes, “a expressão física do instinto de
sobrevivência do grupo nacional a que pertencem”.
O conceito em causa, pensamos, encontra pleno
respaldo na Antropologia Cultural. Realmente nesta, sobretudo no
que se infere das pesquisas da Paleontologia, em especial nas
investigações da Espeleologia, em inscrições rupestres, atribuídas
a habitantes de eras pré-históricas, com freqüência, em grupos
representando seres humanos, algum ou alguns deles aparecem
portando armas primitivas, como, por exemplo, simples porretes,
sem nenhuma utilidade como ferramentas de trabalho, seja de
coleta, de pesca ou de caça. E a que se deverá isso? Segundo nos
parece claro, a que, quando um grupo humano adquire a noção, o
sentimento de que representa algo que tem peculiaridades que lhe
parecem fazerem-no distinto de outros grupos; e vivencia a
realidade de que existe em ambiente eventualmente conflitual,
espontaneamente tende a continuar a existir, com as suas
peculiaridades, e prepara-se para fazê-lo. Esta, repitamos, parece-
nos ser a gênese dos segmentos sociais hoje existentes em todas as
nações, constituindo as suas Forças Armadas. Alega-se, no caso
da América Latina, o caso de Costa Rica, que não possui
organizações militares, mas apenas uma organização policial. A
realidade, porém, quando vista de mais perto, configura situação
diferente, cujos detalhes não nos parece próprio mencionar com
relação a uma nação amiga. Bastará, se a tanto o levar a curiosidade
do leitor, verificar as características de alguns episódios ocorridos
ao tempo da liderança política naquele simpático país, de um líder

80
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

que era conhecido como José “Pepe” Filgueres, para que se torne
claro o que, com respeito àquele país e a certas peculiaridades
suas, quisemos dizer.
Por outro lado, em virtude mesmo da gênese que
lhes atribuímos, as Forças Armadas de qualquer país, representam
instituições de tendência conservadora, e são instruídas e
doutrinadas no sentido de terem como sua missão fundamental, a
defesa das instituições e da soberania nacionais. E é daí, dessa
noção de que lhes incumbe defender a soberania nacional, que
vem a especial hostilidade que lhes é dedicada pelos que, no
momento atual, impulsionam o que denominam como
neoliberalismo e globalização. Percebe o leitor que, de nenhuma
maneira, estamos nos referindo às pessoas que integram as Forças
Armadas, mas sim à gênese dessas instituições e ao papel que, em
virtude dela, lhes incumbe. Aquelas pessoas podem ser boas ou
más, excelentes ou péssimas, e suas lideranças podem ser mais ou
menos fiéis a natureza da sua missão. Nada disso alterará, no que
respeita à gênese e ao papel que lhes incumbe desempenhar, o que
foi dito acima.
E agora endereçamos à inteligência do leitor a
pergunta: Em um mundo em que o cenário internacional vive,
evidente e indiscutivelmente, sob a lei do mais forte; e em um país
como o nosso, em que superabundam riquezas que começam a
escassear, ou são inexistentes, em outros países que manejam, como
têm manifestamente manejado, o tacape, será inteligente
enfraquecer as Forças Armadas, pela carência de meios materiais
indispensáveis ao cumprimento eficaz da missão básica que lhes
está afeta e pela campanha sistemática, ainda que geralmente sutil,
visando a desacreditá-las perante a opinião pública, como vem
sendo feito entre nós e em outros países, pela insaciável cobiça
dos defensores da “democracia” e dos “direitos humanos”? Ou
trata-se de lesão a interesses fundamentais da Nação, e não
simplesmente do Estado ou, ainda menos, de tais ou quais

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

governos? Lesão que, quando praticada de boa-fé, representa, pelo


menos imprudência, e em outra hipótese, constitui-se em inegável,
pura e simples traição.
Parece oportuno esclarecer, ainda que se trate de
assunto de natureza pessoal, que este autor não é e não tem, sequer,
um único parente militar. Não argumenta, portanto, em causa
própria. O esclarecimento é registrado porque nos parece
conjunturalmente real e preocupante, a campanha de distorção da
verdade levada a cabo a partir de centros de poder, que têm
contribuído, política e economicamente, para manter-nos
subjugados e semiparalisados, em termos de desenvolvimento e
verdadeiro progresso, sobretudo por juros de uma dívida que, longe
de extinguir-se, a cada dia aumenta mais para gáudio,
principalmente, dos acionistas majoritários daqueles doze bancos
e de outros muitos colegas seus, da insaciável usura internacional,
a cujo serviço atuam notórios organismos também internacionais.
E observe, por favor, o leitor que nos honra com
sua leitura: é tal a força da verdade — e estamos nos referindo ao
conceito por nós formulado quanto à gênese das Forças Armadas
— que a despeito da pertinaz campanha contra elas desenvolvida,
quando, em qualquer comunidade, no ensejo de alguma
comemoração, elas desfilam, a população acorre às ruas, às janelas
ou, se fora do trajeto, muitas vezes à TV. Não porque imagine que
elas são integradas por santos ou por heróis; mas porque, no âmago
do seu inconsciente, se sente mais segura, de vez que, de fato, as
Forças Armadas são “a expressão física” do instinto de manutenção
da sua identidade e das suas peculiaridades.
Por outro lado, em pesquisa de opinião
recentemente efetuada sobre a credibilidade acerca das nossas
instituições fundamentais, as Forças Armadas, a despeito de tudo,
apareceram em primeiro lugar, com cerca de 85% da confiança
popular, contra 15% atribuídos ao próprio Congresso Nacional que,
segundo a doutrina democrática, representaria o próprio povo, eis

82
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

que, segundo aquela doutrina, a democracia é o governo do povo,


pelo povo. Como vê o leitor, para a referida doutrina, algo pode
ser, simultaneamente, sujeito e objeto — o que não se compadece
com as exigências da lógica, de qualquer lógica, constituindo o
que poderia ser denominado uma “contradição em termos”.
Ainda em tempo, e para que não se estabeleça
confusão em matéria tão fundamental e tão grave, ao mencionarmos
“doutrina democrática”, não nos estamos referindo ao ideal
democrático, como foi enunciado anteriormente. Este é eterno,
universal e insubstituível; mas às formas deturpadas a partir,
sobretudo, dos pensamentos de Locke e Rousseau, mencionadas
em trecho anterior desta obra e a que pretendemos voltar bem mais
adiante, para tratamento mais aprofundado.
Formas que se pretende, maliciosa, ingênua ou
oportunistamente, confundir com aquele ideal.

4.5 — AS ONG’S, SUA MISTERIOSA PROLIFERAÇÃO E


A CONTRADIÇÃO QUE REPRESENTAM
De alguns anos a esta parte, em meio a um clima de
confusão de valores e de egoísmo crescente, começaram a proliferar
as hoje famosas ONGs que, entre nós, conforme já nos despertava
atenção há cerca de uma década e meia, somavam, pasme o leitor,
mais de mil. E, acrescente-se, em sua maioria, estipendiadas com
recursos oriundos do primeiro mundo. Assim, surpreendentemente,
brotavam do aparentemente nada, muitas e muitas pessoas altruístas
que, supostamente de maneira desinteressada, dispunham-se ao
exercício de tarefas todas, ou quase todas, de natureza humanitária,
direta ou indiretamente, e nobres.
Nós acreditamos que existam algumas ou, até,
muitas ONGs, de fato organizadas por pessoas de boa-fé e de
propósitos altruístas e nobres, mas que passaram a existir, supomos,
por efeito de mimetismo, acarretado pelas que, insistimos,
misteriosamente, brotaram em grande número e, igualmente

83
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

insistimos, amparadas com recursos vindos do exterior.


Acreditamos seja esta a realidade, sobretudo nos países do terceiro
mundo, muito especialmente naqueles que possuem riquezas
cobiçadas pelo poder internacional dominante. Não seria o
propósito neste momento, esmiuçar a questão, de vastíssima
amplitude. Apenas como exemplos da utilidade que elas podem
ter para aquele poder, diríamos que as referentes aos grupos
indígenas,ou às nações indígenas, e ao interesse em demarcar-lhes
reservas imensas, que muitas vezes as áreas de tais reservas
coincidem com províncias minerais riquíssimas, que passam,
assim, a constituir-se em reservas intocáveis, a serem utilizadas,
quem sabe, quando se torne útil proclamar a independência da
“nação” indígena que as habita, sob a égide dos “defensores
internacionais da democracia e dos direitos humanos...” É o caso,
segundo nos consta, da reserva Ianomâmi, cujos habitantes situam-
se, parte no Brasil, parte na Venezuela. Quanto à parte brasileira,
corresponde sua configuração, talvez à mais rica província mineral
da nossa Amazônia. E, segundo algumas notícias que têm
transpirado, já existe, residindo na Suíça, um índio ianomâmi, quem
sabe, ele ou alguém que venha a substituí-lo amanhã, a ser erigido
em patriota reivindicante da independência da sua nação... E tudo
isso para não falar da biodiversidade, que “devotados” e
“desinteressados” membros de ONGs ambientalistas investigam
junto a pajés de experiência multimilenar acerca de plantas e
animais eventualmente úteis à formidável e multinacional indústria
farmacêutica, que depois de identificados os princípios ativos e
substâncias medicamentosas descobertos, os sintetizam e
industrializam como medicamentos, que nós passamos a importar
a peso de ouro, de vez que eles já estarão competentemente
resguardados pelas respectivas patentes... Por isso, entre membros
de ONGs ambientalistas, bem como, aliás, também entre membros
de certas missões religiosas, não faltam geólogos e botânicos...
Mas, no título deste tópico de que estamos tratando

84
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

no momento, mencionamos contradição que existiria no que tange


à natureza das ONGs. O leitor conhece o significado da sigla:
organizações não-governamentais. Ora, segundo a doutrina
“democrática”, dos manipuladores do poder internacional, “a
democracia é o governo do povo, pelo povo”. Organizações não-
governamentais são pois, em boa lógica, organizações que ignoram
o povo, eis que, na “democracia”, o governo é o próprio povo. Em
que ficamos, então? Até onde pretendem abusar da confusão em
que nos colocam e zombar da nossa inteligência?
Quanto às ONGs que se dedicam a questões sociais,
excluídas, bem como nas anteriormente mencionadas, as que sejam
integradas por pessoas de boa fé, podem ser úteis ao poder
internacional tantas vezes citado, seja pela criação de imagem
negativa com relação ao funcionamento das nossas instituições, e
a conseqüente desmoralização do Estado brasileiro, em uma espécie
de preparação da opinião pública mundial para ações que, quem
sabe, se tornem necessárias no futuro; seja para o suscitar de
questões, extemporaneamente exacerbadas, de maneira a criar
dificuldades geradoras de fatos alimentadores da preparação acima
mencionada. Tudo isso sem excluir, é claro, atividades e iniciativas
realmente úteis que possam praticar, excetuadas as que estejam
agindo de boa-fé, como espécie de “marketing” em favor da
continuidade de sua existência e atividades que, “malgré tout”,
começam a suscitar suspeitas e indagações, para elas obviamente
incômodas e de todo em todo, inconvenientes.
Bem sabemos que nada do que foi dito neste tópico
constitui novidade. O fato, porém, é que tais coisas aparecem, como
já o dissemos anteriormente, em termos de mídia, em “flashes”
ocasionais e desconectados, escapando o sentido geral do problema,
da compreensão nítida pela maioria.

4.6 — AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE NOTÍCIAS


Já observou o leitor que, nos episódios internacionais,

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

sobretudo naqueles em que atua o tacape, econômico ou militar, o


noticiário internacional, na maioria das vezes tem, no fundo, um
“mocinho” e um “bandido”? E que o “mocinho” é, geralmente, o
poder que pode manipular o tacape? Trata-se, então, de informação
ou seria melhor dizer-se de propaganda? E quantas são essas
agências internacionais de notícias? E a quem elas pertencem, e
de quem dependerá a continuidade de sua existência com sucesso
financeiro?
A resposta à última pergunta formulada, obviamente
consiste na existência de número adequado de veículos de mídia
interessados em contratar os seus serviços. Mas, de que depende a
continuidade da existência, com sucesso financeiro, para a maioria
esmagadora dos veículos de mídia? Depende da publicidade, da
propaganda paga cuja realização seja contratada por eles. E quais
são as fontes fundamentais dessa publicidade e propaganda? São
elas de duas naturezas fundamentais: a propaganda institucional,
contratada sobretudo por executivos municipais, estaduais e
federais, e a propaganda e publicidade pagas por empresas privadas,
seja para a divulgação de seus balanços ou balancetes e,
esporadicamente, de comunicados especiais que se tornem
necessários, e principalmente, para a propaganda e “marketing”
dos serviços e produtos que desejam promover e vender.
Além, então, dos governos municipais, estaduais e
federais, quais são os grandes anunciantes, aqueles que ocupam
páginas inteiras dos veículos de mídia impressa, ou patrocinam os
programas em horários de maior audiência na mídia eletrônica,
senão as grandes empresas, geralmente multinacionais ou, em
menor escala, algumas locais, que equivocadamente, ao menos
em visão de longo prazo, julgam os seus interesses análogos aos
das primeiras? E quais são, notoriamente, os grandes financiadores
das campanhas políticas, nos três níveis já mencionados? Assim,
percebe-o certamente a inteligência do leitor, o noticiário
internacional é predominantemente influenciado pelo grande

86
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

capital transnacional, cujos centros decisórios situam-se,


invariavelmente, nos países do primeiro mundo, o que, afinal,
explica o fato de serem eles, nos grandes temas internacionais de
caráter polêmico, os invariáveis protagonistas do papel de
“mocinho”, cabendo aos que lhes contrariam os objetivos e
interesses, o papel de “bandido”. A verdade, pois, sem dúvida é
muito difícil de ser apreendida por intermédio de semelhante
“noticiário”, de fato, como vimos, representando muitas vezes,
pura e simples propaganda. E dizemos muitas vezes, possivelmente
na maioria das vezes, e não todas as vezes. Isto porque, é claro, há
também, sempre a possibilidade de estarem sendo noticiados fatos
e circunstâncias verdadeiros. A conclusão, portanto, que nos parece
honesta e isenta, é a de que não merece confiança, grandemente
interferido por pura e simples propaganda, o noticiário de que
estamos tratando; e de que, em última instância, ele está sob o
controle não formalizado, mas grande e concretamente eficiente,
do grande capital. E que este, quando seja realmente grande, é
transnacional e tem os seus centros de poder localizados no primeiro
mundo, os quais privilegiam os serviços de agências que os servem,
quando não lhes pertençam, e que são em número, como já o terá
observado o leitor, reduzidíssimo.

4.7 — A “IDADE DAS TREVAS”


É noção que, no ocidente, ganha foros de verdade
indiscutível perante a opinião pública, a de que a chamada Idade
Média, foi uma idade de trevas, de ignorância, de barbárie e de
opressão. Isso mesmo é o que se ensina e figura nos compêndios
escolares e é comum em pronunciamentos de altas figuras da
administração pública, inclusive de seu primeiro escalão, a ela se
referirem de público, coonestando semelhante opinião com a qual
não concorda, pasme o leitor, um único medievalista, em qualquer
parte do mundo. Mas, as opiniões deles, fora dos círculos de
estudiosos e especialistas no assunto, são simplesmente abafadas

87
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

e escamoteadas do conhecimento geral. A difusão sistemática de


tão grosseiro equívoco constitui-se, claramente, em uma denúncia
acerca da existência de interesses que, de há muito, coordenada e
planejadamente, se incumbem de mantê-lo e de propagá-lo. A que
período de tempo, porém, se refere à chamada Idade Média? Como
já vimos, embora haja pequenas discordâncias entre diferentes
autores, a algo que se situa entre os séculos V e o século XV. Algo,
portanto, que durou cerca de mil anos, o dobro do tempo
transcorrido desde o chamado Renascimento até os presentes dias.
Já daí pode perceber o leitor a grosseira simplificação consistente
em mencioná-lo como um período uniforme e, além de uniforme,
abjetamente injusto, perverso, grosseiro e, até, sujo, este último
libelo robustecido, sobretudo em razão da obra de Michelet, um
notório e furibundo anticlerical, denominada “La Sorcière”, “A
Bruxa”, na qual ele, descrevendo-o, registrou “Mil ans; pas um
bain!”, “Mil anos sem um banho!”.
O período em questão, entretanto foi, como é
incontestável, o de maior influência e o de maior fervor religioso
cristão de que tem registro a História. Fervor que, como vimos no
Capítulo III, fulminava como pecaminosa a atividade econômica
que visasse o lucro material de quem a praticava. E vimos que, ao
tempo do fastígio do Império Romano, atrás das legiões que
marchavam para combater forças contrárias ao seu expansionismo
e aos seus interesses, marchavam sempre, como atrás daquelas
forças, pessoas que, sem ter interesse nas causas de uns ou outros
dos litigantes, desejavam, simplesmente, comerciar com eles,
objetivando, precisamente, o lucro que a ética do cristianismo dos
primeiros tempos combatia vigorosamente. E vimos, no referido
capítulo, que com a queda do Império Romano, a retração do gládio
de suas legiões das estradas — admiráveis para a época — as
haviam tornado perigosas pela atuação de bandos de saqueadores,
interessados, é claro, principalmente em roubar os que possuíam
bens cobiçáveis — e que se constituíam, principalmente, dos que,

88
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

antes, ou seus descendentes, se haviam dedicado a comerciar


visando o lucro que a nova ética condenava. Assim, as áreas de
maior segurança para eles, passaram a ser as convizinhas às
residências dos cavaleiros cristãos, que eficazmente combatiam
os crimes e roubos praticados por aqueles bandos.
Tais cavaleiros, como já visto naquele capítulo,
àquele tempo eram, em sua grande maioria, ex-guerreiros
germânicos que, convertidos à nova fé, colocavam agora a sua
habilidade e a sua disposição para o uso das armas, a serviço da
ética que dela resultava, com a firme adesão de suas consciências.
E essa nova ética, repitamos, condenava como pecaminosa a
atividade econômica que não tivesse como objetivo apenas o
suprimento das próprias necessidades ou das dos seus dependentes,
ou de semelhantes carentes de auxílio. Fora disso, a atividade em
causa parecia-lhes roubo, cujo tratamento merecido seria o que se
podia depreender do episódio bíblico da expulsão do átrio do
templo, dos que ali comerciavam visando exatamente o lucro,
expulsão feita, enérgica e vigorosamente, pelo próprio Jesus.
Assim, nos arredores das residências dos cavaleiros cristãos, a par
da segurança que suas armas garantiam contra as tropelias dos
bandos de salteadores que infestavam as estradas após a retração
do gládio das legiões romanas, também era combatida a atividade
econômica com o objetivo que lhes parecia condenável e
pecaminoso. Criava-se, assim, uma situação em que, em torno das
residências de que estamos falando, começaram a aglomerar-se os
que buscavam segurança. Entre eles, pastores e agricultores e, com
melhores motivos ainda os que, anteriormente, marchavam atrás
das legiões romanas e das forças contra as quais elas se deslocavam,
com objetivo de comerciar com ambas. Tais personagens, ou seus
descendentes, à medida que o tempo passava, compreensivelmente,
gostavam da segurança existente ao redor das residências dos
cavaleiros cristãos, mas não gostavam, também
compreensivelmente, da condenação e da perseguição que lhes

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

eram movidas, pelos motivos já vistos e repisados, pelos referidos


cavaleiros. Nascia, assim, um antagonismo básico entre uns e outros
dos atores da História de que estamos tratando. Antagonismo, como
se vê, pela sua própria natureza, com tendência a permanecer e a
ampliar-se, como força histórica, tanto mais quanto, camponeses
e agricultores, se sentiam tentados a aderir à nova disposição que
lhes era exemplificada pelas vantagens obtidas pelos comerciantes
que os cavaleiros combatiam e perseguiam, vantagens maiores e
muito menos exigentes de esforços e sacrifícios do que aquelas a
que se haviam entregado no amanho da terra e no manejo dos
rebanhos. A esta altura, é oportuno lembrar que as habitações a
que nos estamos referindo chamavam-se burgos; e que as
aglomerações em torno delas constituíram os embriões das cidades
que, cada vez maiores e com características e prerrogativas
surgentes ao longo do tempo, abrigavam sempre mercadores e
comerciantes, por aquela razão, burgueses, a que se foram somando,
também à medida que se tornavam mais numerosas e mais
complexas as transações comerciais, agiotas e, muito mais adiante,
banqueiros, igualmente integrantes da burguesia.
Assim, em torno dos burgos, ou castelos, surgia a
sociedade feudal, que tendo durado cerca de mil anos, conheceu
circunstâncias e fenômenos variados e bastante numerosos, para
que não coubesse aqui a pretensão de esmiúça-los ou, sequer, de
enumerá-los a todos. Por enquanto, o que constitui nosso objetivo
é realçar, diante da atenção e da inteligência do leitor, que, desde
os seus primórdios, colocou-se, como vimos, uma oposição de
interesses entre a visão cristã da economia * , e a dos que tinham
todo interesse em combatê-la. Também é oportuno sublinhar que
a autoridade dos senhores feudais lhes vinha da sanção da Igreja
Católica, àquele tempo, única representante do cristianismo. Assim,
tudo quanto contribuísse para enfraquecer a fé, contribuiria para
enfraquecer a autoridade dos senhores feudais e a estabilidade da
ordem vigente sob ela. E foi daí, dessa fonte permanente de

90
*
Visão Cristã da Economia que veio a ser abandonada sobretudo por influência de Adam Smith, na obra em que ele
desvinculou a Filosofia moral da Economia em sua célebre obra “Inquiry on the Causes of the Wealth of the Nations”,
já na idade moderna.(N.A.)
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

oposição de interesses, que nasceu o libelo contra a Idade Média


alimentado, obviamente de modo constante, ao longo do tempo.
A princípio, à medida que crescia o poder das cidades e, nelas, o
da burguesia, se foi configurando o objetivo de destruir os
numerosos feudos, pois se tornava cada vez mais custoso atenuar
os efeitos da autoridade de seus titulares pela via da corrupção.
Autoridade política cuja fonte, como vimos, era a Igreja Católica,
da anuência de cujo magistério, provinha aquela autoridade. Terá
parecido conveniente, pois, quando surgiram as condições
adequadas para tanto, reduzir o número de senhores feudais, por
meio de estados governados por reis. Estes, porém, eram coroados
pelo papa, mantendo-se, assim, a subordinação do poder político
à autoridade religiosa. O interesse, porém, dos monarcas, em
proveito da sua própria autoridade, era a de reduzir a dos senhores
feudais, uns e outros representando, segundo pensamos, ainda que
de maneira muito sutil e pela via da corrupção, o início de declínio
da civilização ocidental, nascida das raízes culturais judaico-cristãs.
Estas, pelos motivos vistos no brevíssimo e necessariamente
lacunoso resumo que estamos fazendo, era parte da oposição de
interesses, que tem permeado a História desde tantos e tantos
séculos. Oposição, já agora com novos e poderosos componentes,
que produziram o enfraquecimento da autoridade dos reis, a
democracia liberal, o Materialismo Dialético, o internacionalismo
do comunismo moderno, e, hoje, o neoliberalismo e a globalização.
O leitor, e achamos que com razão, a esta altura
haverá de estar achando fantasioso o reduzidíssimo resumo de
acontecimentos históricos, percorridos com botas, não de 7 léguas,
mas de vários séculos. Temos a esperança, porém, de que talvez
venha a achar que valha a pena pensar sobre o que foi exposto,
quando se lembrar de que, de fato, a Idade Média é objeto de maciça
propaganda desmoralizadora: Idade das Trevas, da barbárie, da
ignorância, da brutalidade, da porcaria. E quando se lembrar de
que o que existia, antes dela, era o paganismo e, depois dela veio o

91
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

que tão generosamente é designado como Renascimento. Então, o


período da História em que mais nitidamente prevaleceu a visão
cristã no relacionamento entre as pessoas e na ordem social, sub-
reptciamente aparece como um período de morte ou de profundo
letargo, do qual foi necessário renascer, ou ressurgir, a humanidade.
Quanto aos frutos desse renascer, em período de tempo da ordem
de metade do período medieval — de vez que este durou mil anos
e do Renascimento até agora, transcorreram apenas quinhentos —
são os que nós podemos ver hoje, em termos do que temos chamado
de “ignorância interna”. O esplendor dos conhecimentos externos
não impediu os maiores morticínios e barbaridades jamais vistos
pela humanidade, com as duas grandes guerras, o holocausto brutal
de Hiroshima e Nagasaki, o holocausto de judeus, e o constante
pesadelo de um confronto nuclear, em que as nações tidas como
do primeiro mundo, mantêm arsenais nucleares, como já
mencionamos antes, capazes de extinguir, e várias vezes, qualquer
modalidade de vida existente em nosso planeta. E, finalmente, para
oferecer mais razões para a reflexão do leitor: de fato não existe
nenhum medievalista, absolutamente nenhum, que respalde a idéia
de que o medievo foi um período de trevas. É que eles sabem,
embora as ações que resultam basicamente da antinomia vista
nascente já no surgimento das primeiras aglomerações humanas
em torno dos burgos, o tenha ocultado desrespeitando a inteligência
do grande público, que: a idéia de Universidade nasceu na Idade
Média; que as principais e mais reputadas e tradicionais
universidades ainda hoje existentes foram criadas na Idade Média,
como, entre outras, a Sorbonne — que do século XII para o XIII,
já tinha cerca de 10.000 integrantes, entre mestres e alunos —
como Oxford, como Cambridge, como Cracóvia, como Pádua,
como Heidelberg, como Salamanca. Que o, talvez, maior poeta
lírico do ocidente foi Petrarca, medieval; que o, talvez, maior
escritor do ocidente foi Dante Alighieri, medieval; que o maior
filósofo que o ocidente conheceu, incluindo-se, aí, os da antigüidade

92
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

clássica, foi São Tomás de Aquino; que São Luís não foi outro
senão Luiz IX, Rei de França; que São Fernando foi o Rei Fernando
III, de Espanha; que Santa Adelaide foi esposa do imperador Oto,
o Grande, a quem substituiu no poder, por alguns anos, após sua
morte — todos medievais. E, para não tornar demasiadamente
extensa esta lista, como exemplo de “barbárie”, da “brutalidade” e
da “perversidade” medievais, podemos citar São Francisco de
Assis!* Não acha, assim, o leitor, que têm zombado e desrespeitado
demais a nossa inteligência, os que controlam a propaganda,
fazendo incluir, até em compêndios escolares, tão flagrantes
falsificações da verdade? Pois, na mesma medida, impingem-nos
outras mentiras, das quais ainda daremos exemplos, no tópico que
irá seguir-se.
Em tempo: não queremos significar que o vasto
período medieval não teve falhas e erros gravíssimos. Nem que
deva ser restaurado hoje, o que seria impraticável por muitas razões.
Mas aviltá-lo como tem sido aviltado é um desrespeito que cumpre
desmascarar e com cujo desrespeito não concordam, repitamos,
os medievalistas, em nenhuma parte do mundo.

4.8 — O “RENASCIMENTO”
Como já tivemos a oportunidade de assinalar
anteriormente, é de fato surpreendente, para não dizer espantosa,
a facilidade com que, no ocidente que, ao menos oficialmente,
continua a declarar-se cristão, aceita-se e difunde-se a idéia de que
o período da História em que o cristianismo teve, sem sombra de
dúvida, maior influência na avaliação da criatura humana, da sua
natureza e do seu destino — com as projeções e conseqüências
sociais e políticas fáceis de depreender — foi um período de negras
trevas. Diga-se de passagem, que não estamos tentando insinuar a
idéia de que todos devam ser cristãos, ou, sequer, a de que todos
tenham uma convicção de natureza transcendentalista e religiosa.
Assinalamos, isto sim, o absurdo que se contém na referida

93
*
Em “Os Sofrimentos e o Caos deste Final de Século”, ed. Presença, deste autor, bem como em outras obras, das
quais algumas figurarão na bibliografia final deste livro, o leitor poderá encontrar outras e surpreendentes informações
sobre o período medieval. (N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

contradição, inexplicável, segundo supomos, na ausência da


atividade de interesses que, poder detrás do pano, se venham
aplicando, ao longo do tempo, à sua difusão e sustentação. Quanto
à gênese daquela atividade e daqueles interesses, acreditamos que
terá ficado clara, no mínimo como hipótese a ser analisada e
avaliada, como tendo sido devida ao que designamos como “motor
de eficácia histórica”, representado pela oposição entre a ética do
cristianismo em matéria de atividade econômica, e os interesses
dos que desejavam, e ainda hoje, na prática, desejam, desvincular
aquela atividade de quaisquer compromissos externos, que possam
ter efeitos limitadores sobre ela. Sobre ela, pensamos, absurdamente
pensada como ente autônomo, desvinculada do que possam ser as
reais necessidades básicas do seu sujeito, aquele sem o qual ela
não existiria, o ser humano. No tópico que dedicamos ao
“mercado”, o assunto que estamos repisando foi aflorado e não é
nosso objetivo, no momento, aprofundar o exame do tema em nível
teórico, exame a figurar muito mais adiante, para aqueles que
tenham interesse nesse aprofundamento, em outra parte deste livro.
Por enquanto, acrescente-se que, antes da Idade
Média ou “das trevas”, o que existia no ocidente era o paganismo,
geralmente designado como “Antigüidade Clássica”, designação,
como se vê, nada pejorativa e centrada principalmente na produção
intelectual e artística, sobretudo da Grécia, e dos efeitos de sua
influência sobre Roma imperial. Em tal período, a humanidade
não teria estado em letargia ou morta, o que lhe sobreveio com as
“trevas” de que foi necessário “renascer”. Assim, o
“Renascimento”, teve algo a ver com o ressurgir do que antes vivera
e atuara e, em muitos aspectos, tão positivamente. Em outros
termos, o que queremos significar é que o “Renascimento”, na
verdade, implicou, por todas as razões até aqui propostas à
consideração pela inteligência do leitor, na reintrodução no ocidente
de muitas tendências e aspectos do paganismo.
Em favor do que acabamos de assinalar, seja-nos

94
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

permitido recorrer a citações de autor competente e insuspeito o


Sr. Pennigton Haile, extraídas de sua obra “Raízes Filosóficas da
Democracia e do Comunismo”. Vejamos: ... “mas havia também
outros motivos para o colapso da concepção medieval. Entre estes,
o mais importante foi a radical mudança da atitude dos homens
face à autoridade estabelecida.”...”Escrevendo muito tempo depois,
assim disse este Papa (Leão XIII): “Esse pernicioso e deplorável
amor das novidades que o século XVI viu nascer, depois de haver
primeiro transtornado a religião cristã, em breve, por inclinação
natural, passou à filosofia e da filosofia a todas as camadas da
sociedade civil. É a tal fonte que cumpre fazer remontar esses
princípios modernos de liberdade desenfreada...”. “Cada homem
é de tal maneira senhor de si mesmo que, de modo algum, está
sujeito à autoridade de outrem; pode, com toda liberdade, pensar o
que quiser sobre qualquer assunto”... “numa sociedade baseada
em tais princípios a autoridade é apenas a vontade do povo”.
Os trechos citados por Pennigton Haile são da
encíclica “Immortale Dei” do mesmo autor das encíclicas “Rerum
Novarum” e “Libertas”, a primeira muito conhecida, por tratar da
questão operária. A segunda, nem tanto, por analisar, de seu ponto
de vista, o liberalismo.
Agora, vejamos opiniões do próprio Pennigton
Haile sobre tendências do “Renascimento”: ... “interesse por este
mundo, mais do que pelo céu e pelo inferno; uma apaixonada
insistência em abordar todos os assuntos; e um acentuado ceticismo
em relação à autoridade estabelecida. A todos era comum aquele
carimbo da renascença — a determinação do homem de pensar
por si mesmo”.
Cabe aqui sublinhar que quando se fala de
“autoridade estabelecida”, a expressão se refere a qualquer
autoridade; não apenas aquelas de natureza política. Um texto tido
como sagrado por expressar a palavra de um Criador, tem, para os
cristãos, inquestionável autoridade, pela fonte de que, na hipótese,

95
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

proveio.
Por via de conseqüência, intérpretes considerados
idôneos do referido texto passam a ter, também autoridade.
Vejamos, entretanto, ainda algumas opiniões do autor que estamos
citando: ... “soprava sobre o mundo ocidental uma fresca aragem
de inquietação. Suas conseqüências foram múltiplas. Mas,
fundamentalmente, todas elas se achavam vinculadas ao nosso
próprio planeta, sua amplitude e beleza, e as possibilidades de uma
vida melhor em sua superfície. Havia muitos motivos para esta
evolução do interesse do homem, do céu que se cria estar lá em
cima, para a terra que sabia achar-se em torno dele”.
... “todas estas coisas tocaram de modo profundo o
homem europeu. A beleza da carne e da paisagem florescia na
pintura. Os navios europeus sulcavam os mares de todo mundo.
Saíram os homens a procura de uma vida melhor nas novas terras,
começando a desejar vida melhor já nesta terra, em vez de só no
céu.
... “Queriam os homens explorar todo o alcance da
sua inteligência”.
Como pode ver o leitor, o autor insuspeito de que
acabamos de fazer algumas citações, deixa entrever nelas que,
realmente, o chamado Renascimento trouxe a marca da
reintrodução no ocidente, de disposições e tendências mais próprias
do paganismo vigente na denominada antigüidade clássica, do que
do fundamentalismo cristão, em vigor no período mais
característico do medievo. E dizemos insuspeito o autor que
estamos citando, não apenas por tratar-se de um liberal confesso,
como por ter, na mesma obra a que estamos recorrendo e referindo-
se à encíclica “Immortale Dei”, na qual Leão XIII profliga o que
chamou de “princípios modernos de liberdade desenfreada”, como
igualmente condena que em tal sociedade “a autoridade é apenas a
vontade do povo”, afirmado que os princípios que Leão XIII
condena “são exatamente aqueles em que cremos tão

96
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

apaixonadamente, nos quais se funda a nossa nação e em defesa


dos quais seríamos capazes de morrer.” O Sr. Pennigton Haile é de
nacionalidade norte-americana, cuja Constituição foi redigida sob
a influência predominante de Thomas Jefferson, um discípulo do
pensamento de John Locke, de evidente semelhança em aspectos
fundamentais, com o de Jean Jacques Rousseau. Locke, assim,
influenciou a revolução Americana de 1776, como Rousseau
influenciou a revolução francesa de 1789. Quanto à questão da
vontade do povo, e da maneira de autenticamente conhecê-la, é
algo que, no plano teórico, comporta mais de uma discussão. Por
enquanto, não sendo ainda o nosso objetivo colocar as questões
apresentadas, no enfoque de discussão teórica, seja-nos permitido
observar, apenas, que a vontade é um apetite obediente à razão. E
que as “infinitas” possibilidades e capacidades desta, foi suporte
para a rejeição da autoridade. De qualquer autoridade. Tendência
que marcou, como já vimos, o período do Iluminismo, sobretudo
francês de que, um pouco adiante, foi reflexo expressivo a
declaração de Inmanuel Kant, em sua “Crítica da Razão Pura”,
segundo a qual “a humanidade atingira a maioridade, não
necessitando de nada além da sua própria razão”. Nós acreditamos
em que o grande pensador e filósofo, que já em sua obra “Crítica
da Razão Prática”, mostrava-se menos otimista em relação às
capacidades da razão, se ressuscitasse hoje, e observasse o homem
subordinado a fruto de sua atividade como é o mercado, de quem
ele passou a ser servo, absurdamente; e se defrontasse entre outras
coisas, com a existência de arsenais nucleares capazes de destruir
toda a vida em nosso planeta, com as mortandades das duas grandes
guerras e com a multiplicação dos conflitos, e o alastramento da
violência, da miséria e dos vícios, cada vez mais presentes em
toda parte, a par das mais clamorosas injustiças, aquilataria melhor
o quanto fora imprudente ao declarar a maioridade da humanidade
e da suficiência absoluta de sua razão....
Ocorre, porém, e seja desde logo declarado, que a

97
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

par das tendências negativas do paganismo reintroduzidas no


ocidente, ocorreu, também, a introdução de tendências ou, melhor,
de marcas positivas de suas culturas. E que a exaltação das
possibilidades da razão e de sua aplicação ao conhecimento das
coisas e circunstâncias do mundo em que vivemos, trouxeram a
aceleração, a partir do Renascimento, do avanço da ciência e da
tecnologia, em velocidade que se foi tornando exponencial a partir
do século XVIII, como assinalado anteriormente. Mas, o fato que
acabamos de apontar, longe de justificar a designação de Idade
das Trevas, difundida deliberadamente e desde há muito, por
motivos que se vão tornando cada vez mais claros em nossos dias,
e aplicada ao medievo, é tanto mais absurda quanto é verdade que
foi dele que resultou a chamada renascença, como conseqüência
da epistemologia Nominalista, também já assinalada anteriormente
neste livro, surgente como Ruscelino, anterior à Ockham que,
nominalista moderado, acarretou a “querela dos universais” e, com
ela, a queda dos exageros da Escolástica. E Ockham, como
Ruscelino antes dele eram, ambos, medievais, de vez que a querela
a que nos estamos referindo, feriu-se a partir do século XIV. O
Nominalismo, repisemos, foi o convite à extroversão do
pensamento humano, de sorte a que ele começasse a dedicar-se
mais, muito mais do que até então o fizera, ao mundo material de
que somos parte e no qual vivemos. Ao conhecimento de suas
características, das relações, ao menos aparentes, de causa e efeito,
de tudo quanto contribuiu e continua a contribuir, para o progresso
da ciência e da tecnologia. De tudo quanto, afinal, tem ajudado a
dissipação da “ignorância externa” do homem, com cuja dissipação
ele se ocupara pouco, desde os primórdios do cristianismo e até
quase o final do medievo, preocupado predominantemente com a
introspecção, com as indagações filosóficas e com as de natureza
metafísica, ligadas à religiosidade e à sua fonte de autoridade, as
Sagradas Escrituras. E dizemos que se ocupara pouco, porque seria
injusto ignorar que são medievais invenções como a da roda d’água

98
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

e a do moinho de vento, utilizando energia limpa na produção de


força motriz, a das primeiras lentes para correção de deficiências
de acuidade visual, do arado de aiveca e de quanto de novo se fez
necessário à construção, por exemplo, das catedrais góticas, com
sua grandiosidade e seus vitrais maravilhosos. Tudo isso e o que
ainda se possa acrescentar, representou, porém, pouquíssimo, para
um período de tempo de cerca de mil anos. No que dependeu,
porém, do pensamento contemplativo, pelas vias da filosofia e da
religião, foi grande e sem paralelo nos tempos modernos, a
produção de pensadores, de místicos e de santos, alguns dos quais
canonizados depois de terem exercido poder temporal como reis
ou rainhas. Hoje, ocorre ao leitor algum chefe de governo que, de
longe, possa sugerir a possibilidade de vir a ser canonizado por
suas virtudes e por sua atuação em favor do próximo?
Este é o momento, pensamos, para repetir ao leitor
que acreditamos na existência de dois planos da História; e na
existência de dois tipos de ignorância: a interna e externa. Estes
dois planos e estes dois tipos de ignorância convém de fato levar
em conta e ter em mente, por quem queira entender o evoluir,
aparentemente contraditório da história da humanidade. E
pretendemos voltar ao assunto, bem mais adiante, nesta obra. Por
enquanto, registremos apenas que a tendência natural do
pensamento humano, sempre foi para a unificação dos
conhecimentos acerca da realidade que a sua curiosidade busca
conhecer, e isso, tanto no campo da Filosofia, quanto no da Ciência.
No primeiro, registre-se que já os filósofos da Antiguidade Clássica,
na tentativa de entender a constituição do mundo que nos cerca,
fundamentalmente tentavam reduzir a extrema variedade com que
se nos apresenta aos sentidos, a apenas quatro componentes
fundamentais: a água, o ar, a terra e o fogo, quando não, como
Demócrito, Leucipo e os que aceitaram as suas idéias, a concepção
de que toda matéria seria constituída por partículas ínfimas e
indivisíveis por conseqüência, homogêneas — denominadas

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

átomos exatamente por serem indivisíveis. Do segundo, da ciência,


buscaremos tratar mais adiante neste livro. Para finalizar este
tópico, que já se vai tornando muito extenso, e levando em conta
que estamos tentando oferecer ao exame pela inteligência do leitor,
a tese de que, em decorrência do que conceituamos anteriormente
como “o motor permanente de eficácia histórica”, tem sido
pertinazmente enganada a opinião da maioria, pela difusão de
propaganda realizada sem nenhum compromisso com a verdade,
em favor dela, daremos alguns exemplos. É o caso das fogueiras
da Inquisição, que a maioria supõe terem sido obra, principalmente,
da “Idade das Trevas”, quando a verdade histórica é bem outra: a
maioria esmagadora das referidas fogueiras pertence, exatamente,
ao “Renascimento”. O terrível inquisidor Torquemada, Grande
inquisidor da Espanha, exerceu as funções para as quais fora
nomeado pelo Papa a instâncias de Isabel, a católica, e de seu esposo
o Rei Fernando IV (não confundir com Fernando III, canonizado
pela igreja e venerado pelo mundo católico como São Fernando),
exerceu as suas funções no último quartel do século XV. Já,
portanto, nos estertores do medievo que marcaram a transição para
o “Renascimento”. Seria, portanto, pouco honesto,
intelectualmente, tomá-lo como exemplo da cultura propriamente
medieval. As fogueiras da Inquisição foram, repitamos, em sua
esmagadora maioria, eventos ocorridos a partir do século XV. E
para que o leitor tenha uma idéia de quanto tem sido desrespeitada
a nossa inteligência ao longo do tempo, propomos-lhe a seguinte
pergunta: se alguém lhe dissesse que determinados réus foram
condenados a serem supliciados “em cadafalso alto, feito de
madeira, para que seu suplício na roda pudesse ser presenciado
pelo maior número possível de pessoas; e, antes da morte dos
supliciados, fosse ateado fogo aos seus cadafalsos, a fim de queimá-
los ainda com vida”; e se lhe pedissem para dizer em que época
teria acontecido semelhante barbaridade, a sua resposta não seria,
provavelmente, “na Idade Média”?

100
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

Pois não foi. A sentença em questão, realmente


existente e documentada nos arquivos da época, ainda hoje
disponíveis, foi dada e cumprida em 1756, segunda metade do
século XVIII, como sabe o leitor, denominado “século das luzes”,
precisamente o século do Iluminismo e do “soi disant”
Racionalismo, aquele período a que, ou pouco adiante, se referiria
Kant, como sendo o da maioridade da humanidade, que já não
necessitaria de nada além do que fosse produto de sua própria razão!
E sabe o leitor quem foi o inspirador e promotor do
processo de que resultou a iníqua sentença? Foi, pasme, nada mais
nada menos do que o Marquês de Pombal, sobre o qual,
provavelmente, só tenha lido referências elogiosas, como estadista
esclarecido e eficiente, autor, que realmente foi, da reconstrução
de Lisboa, depois do terrível terremoto que a destruíra. Os
condenados foram o Duque de Aveiro e o Padre Malagrida. Era
rainha reinante em Portugal, Dona Maria, a louca, como passou à
História, depois que lhe sobreveio a loucura. Ao Duque de Aveiro,
Dona Maria o indultou, contrariando Pombal. O padre Malagrida,
porém, sofreu o martírio descrito na sentença, eis que em relação a
ele, Pombal se mostrou irredutível. O mesmo Pombal que, como
se sabe, expulsou os jesuítas de Portugal e inviabilizou o trabalho
dos mesmos no além-mar, inclusive em nosso país, com as
conseqüências que todos sabemos.
Também é muito provável que o leitor já tenha
ouvido falar na condenação pelo tribunal da Inquisição de Giordano
Bruno, acrescida a informação de que ele fora perseguido e
condenado por ser progressista e amigo devotado das ciências,
contra cujo progresso sempre se teria colocado a Igreja Católica.
De fato, Giordano Bruno foi um jovem brilhante e rebelde, de
grande valor intelectual e que, hoje, não seria condenado à morte
pelas idéias e atitudes que defendia e tomava. Mas, o curioso é
que é muito possível que o leitor jamais tenha ouvido falar em
Michel Serveto, igualmente jovem, igualmente brilhante e

101
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

combativo, que depois de deixar o catolicismo e aderir a Calvino,


acabou por dissentir dele também — tendo sido condenado à
fogueira por Calvino ou seus seguidores. Por que não se ouve falar
do trágico destino daquele jovem? Talvez porque o calvinismo
não represente a ameaça ao “motor de eficácia histórica”, que a
igreja católica representa, com a sua orientação centralizada no
Papa, e o tremendo acervo intelectual acumulado por seu
magistério.
Para terminar:
O reconhecido como “rei sol”, bem sabe o leitor
que foi Luís XIV e tornou-se célebre a frase a ele atribuída,
entretanto expressão enfática da mais clara afirmação de
absolutismo monárquico: “l’État cest moi!”.
Já o “Trevoso” Tomaz de Aquino dissera: “Non est
regnum propter regem; sede regem propter regnum”; ou seja, “não
é o reino que pertence ao rei; é o rei que pertence ao reino”.
Quanto à porcaria medieval, enfatizada por
Michelet, o citado Rei Sol fez construir o Palácio de Versailles —
e nenhum dos cerca de 700 cômodos nele existentes foi destinado
a quarto de banho, havendo cronistas que asseguraram que durante
todo seu reinado ele não trocou de camisa uma única vez. Da
validade de tal assertiva, não temos segurança; mas parece-nos,
isto sim, bastante evidente, a manipulação, com direcionamento
visando a proteger determinados interesses, manipulação que, ao
longo da História, nos tem, repitamos, desrespeitado.

4.9 — A DEMOCRACIA NASCEU NA GRÉCIA


O título deste tópico refere-se a mais uma das
inverdades com que vem sendo enganada a humanidade, sempre
em decorrência da atividade deliberada do “motor de eficácia
histórica” que continuamente atua porque continuamente está
presente a oposição entre certas exigências de natureza ética,
remanescentes das raízes culturais de que proviemos e que, embora

102
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

grandemente erodidas, ainda de certa forma remanescem, e os


ímpetos dos que, controlando a economia mundial, desejam-na
desvinculada de quaisquer exigências fora do seu âmbito que
objetivam encarar, como já vimos, como ente autônomo, posto
entretanto a serviço dos que o controlam.
A esta altura pensará o leitor, e compreensivelmente,
que estamos defendendo a chamada “teoria conspirativa da
História”, segundo a qual ela, História, seria algo resultante, estrita
e tão somente, de um processo conspirativo. Longe de nós a adesão
a semelhante modo de ver as coisas. Como longe de nós, também,
a posição ingênua consistente em supor que nada do que acontece
em dimensão histórica possa ser resultado de atividades
conspirativas. A nossa posição, que propomos a consideração pela
inteligência do leitor é, como já o afirmamos reiteradamente, a de
que existe, de fato e incontestavelmente, uma irremovível
antinomia, entre determinadas exigências éticas impostas ou
decorrentes das raízes judaico-cristãs da cultura a que pertencemos
e da qual brotou a civilização ora em crise, e os motivos
fundamentais desta crise, gerados, precisamente pelo
desvirtuamento das inferências daquelas raízes, pelos que
desejavam e desejam praticar a atividade econômica visando
prioritariamente o lucro, o quanto maior, melhor. Objetivo que
levou à inversão absurda a que também já temos feito reiteradas
referências, consistente em colocar o sujeito indispensável da
economia, o ser humano, a quem ela deveria, em conseqüência,
servir, como seu servo, mero instrumento, ou ferramenta de
trabalho, como via Aristóteles os escravos, para ele, explicitamente
comparáveis a pás, picaretas ou outros objetos inanimados, úteis à
produção de bens ou serviços. A única diferença, acentua o
estagirita, é que os escravos são ferramentas vivas, não inertes. E
Aristóteles, como bem sabe o leitor, foi um dos maiores filósofos
da Grécia, e o conceito, acima citado, consta da sua obra, bem
conhecida, precisamente a “Política”.1 Daí, possivelmente, da

103
1
ARISTÓTELES – Politique, Ed. du Seuil - Paris
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

coincidência do modo de ver certas coisas, a boa vontade com que


se diz que e se repete a inverdade, segundo a qual “a democracia
nasceu na Grécia”. A democracia, como ideal, seja-nos perdoada
a insistência, deve expressar o desejo de estabelecer superestruturas
político-administrativas aptas, o mais e o melhor possível, a
proteger e garantir e, quando indispensável, promover, os interesses
justos daqueles que irão viver sob sua jurisdição. De proteger,
garantir e, subsidiariamente, promover o bem comum. Este o ideal
democrático, realmente universal e eterno, por ser, no domínio da
organização social, o único compatível com a racionalidade
humana. Tal maneira de conceituar a democracia, é tempo de
repetir: é o único compatível com a dignidade intrínseca do ser
humano a qual, em nossa cultura, decorre de terem sido os homens
criados por Deus, à Sua imagem e semelhança, embora herdando,
em conseqüência do pecado original, as más tendências que,
juntamente com as boas, coexistem em nossa realidade dual de
corpo e espírito. E ao dizer o que acabamos de dizer, não estamos
expendendo uma opinião pessoal mas expondo matéria de fato, de
vez que integrante, comprovadamente, das raízes culturais de que
proviemos. A desorientação das massas, entretanto, já atingiu tal
profundidade que é necessário lembrá-lo, para realçar o que deveria
ser óbvio e dispensar o realce.
Voltemos, entretanto, à inverdade do que, como
parte daquele trabalho de erosão, se repete e se promove tantas
vezes: “a democracia nasceu na Grécia”.
Vimos há pouco como um dos mais ilustres
representantes do pensamento grego, encarava aquela dignidade
intrínseca no que tangia aos escravos, embora seres humanos. E
nem se pense que eles eram poucos. Não; ao contrário, segundo
consta da tão conhecida obra de Montesquieu, “Do Espírito das
leis”, Demétrius de Falero, referindo os resultados de
recenseamento realizado em Atenas, pouco depois do “século de
ouro”, assinalava que tinham acesso ao direito de opinar e votar,

104
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

apenas 21.000 atenienses, dos quais não faziam parte as mulheres,


as crianças — estas compreensivelmente — 10.000 estrangeiros e
“metecos”, estes pessoas nascidas em Atenas, mas não de pais
atenienses, e 400.000 escravos. Tinham assim, acesso e participação
na Ágora ateniense, praça do mercado, nas assembléias que ali se
reuniam e mais tarde passaram a ser realizadas no teatro de
Dionísio, apenas cerca de 5% da população ateniense.
Ademais, é preciso esclarecer que a Grécia
conhecera de início a existência de reinos, sendo que Esparta
continuou monárquica, mesmo depois da revolução dos eupátridas,
em conseqüência da qual, passou mais tarde a vigorar a chamada
Constituição de Sólon. Antes de prosseguir, convém esclarecer
que eupátridas era a designação dada a grandes proprietários de
terras, que hoje seriam denominados latifundiários os quais se
subordinavam aos reis das cidades em cuja proximidade possuíam
as suas terras. Eram, pois, os eupátridas, pessoas abastadas mas
que, ao longo do tempo, vinham tendo que submeter-se à autoridade
dos seus respectivos reis, representantes de uma aristocracia de
sangue. E isto não lhes parecia agradável nem conveniente, razão
pela qual, buscaram aliar-se a trabalhadores braçais e artesãos,
instigando-os à revolta contra a monarquia. Como pode ver o leitor,
com a antecipação de muitos e muitos séculos, constituiu-se, na
revolução dos eupátridas, o quadro que se delineou na revolução
francesa de 1789, da qual o pretexto básico, aliás válido, foi o
absolutismo monárquico, que consagrava, na lei, privilégios e
vantagens apenas para os nobres e o clero católico, cabendo aos
demais os encargos e sacrifícios. Supor, porém, que foram os pobres
os promotores de tal revolução, é um equívoco. Nela, eles foram
apenas o instrumento de que se valeu a burguesia, que era abastada,
mas fazia parte da plebe, e que, como antes fizera quanto lhe foi
possível para destruir a autoridade feudal, agora desejava afastar
do poder a monarquia, substituindo-a pela república, mas uma
república doutrinariamente laica e agnóstica, coroamento de esforço

105
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

que durara séculos e que, então, se tornava vitorioso.


Voltando ao “berço da democracia”, a Grécia, aos
eupátridas e à sua revolução, durante ela os reis buscaram, também,
aliança com os trabalhadores e artesãos, mas acabaram vencidos
pelos eupátridas, que foram mais felizes na obtenção de tal aliança,
e estabeleceram um regime republicano, mas de feição nitidamente
aristocrática. Regime que, segundo a obra clássica de Croiset, “Les
democraties antiques”2 , mostrou-se, com o correr do tempo, mais
duro e mais injusto com os humildes do que o haviam sido os reis.
Entretanto as atividades comerciais foram se desenvolvendo, e já
envolviam também o comércio marítimo, surgindo uma classe de
ricos, desvinculados da atividade agrária direta — classe que, muito
mais tarde veio a ser designada, pelas razões já vistas, burguesia.
Entre esses novos ricos comerciantes, foram surgindo competições
e animosidades, das quais resultou quadro de inquietação e
desordem a que era necessário pôr fim. E foi assim que se
estabeleceu um acordo entre as partes litigantes, do qual resultou
a chamada “Constituição de Sólon”, ele próprio um eupátrida.
Segundo a referida legislação, que influenciou ou foi o núcleo de
partida da famosa “democracia” grega, a sociedade foi dividida
em quatro classes, de conformidade com o montante dos bens
materiais de seus integrantes. Às três primeiras passaram a caber,
com exclusividade, os postos mais altos da sociedade, embora seja
justo reconhecer que, aos mais pobres, foi assegurado, pela primeira
vez na Grécia, tomar parte nas assembléias e nos tribunais. Nas
assembléias, segundo registra Plutarco, porém, embora
teoricamente todos pudessem falar, de fato só o faziam os chefes
de partidos, os demagogos e os oradores profissionais. Também
cumpre esclarecer que, nas referidas assembléias, só era permitido
discutir o que, previamente, tivesse sido autorizado pelo Senado e
este era, mesmo depois das reformas, digamos, liberalizantes, de
Clístenes e de Eufialtes, constituído de apenas 500 membros, 50
por cada uma das dez tribos reconhecidas como existentes. Quanto

106
2
LATAPIÉ, Eugênio – Consideraciones sobre la Democracia,
Ed. Afrodisio Aguado – Madrid, 1965.
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

à utilidade das discussões nas assembléias, segundo Heródoto,


quando embaixadores de Esparta procuraram Ciro, o Grande, para
convencê-lo a atacar a “democracia” grega, a resposta de Ciro foi
que não o preocupavam os povos que determinavam um local em
que o povo se reunisse, e os seus manipuladores se dedicassem a
enganar uns aos outros.
Tudo quanto foi registrado linhas acima, e muito,
muito mais que poderia ser acrescentado, tem como finalidade dar
alguns dados do que tem servido de pretexto para que se diga que
a democracia nasceu na Grécia. Vimos que ali, um vulto da
expressão de Aristóteles, considerava seres humanos idênticos a
ferramentas com a única diferença de serem ferramentas ativas e
não inertes, nunca tendo existido nada que possa corresponder ao
sentido de uma verdadeira democracia, dentro da visão da cultura
a que pertencemos. O leitor, talvez, se pergunte qual a razão de
termos citado Aristóteles, e não outro vulto expressivo do
pensamento grego acerca de assunto da natureza do que estamos
tratando. A razão é a seguinte: até onde saibamos, nenhum vulto
expressivo do esplendor da civilização helênica mostrou interesse
por ele. Assim, nem os filósofos da “escola itálica”, como Pitágoras,
ou Arquita de Tarento, ou Lísias; nem os jônicos antigos, como
Empédocles, ou Heráclito, ou Anaxágoras; ou os jônicos modernos,
como Anaximandro ou Anaxímenes; ou sofistas, como Protágoras
e Górgias, nenhum se dedicou ao assunto. Dedicou-se a ele, é
verdade, outro grande pensador grego, Platão. E o fez especialmente
em sua obra “República”.
Nela, o governo deveria caber sempre apenas aos
filósofos, aos quais todas as crianças deveriam ser entregues para
que fossem educadas e destinadas a atividades das quais não
poderiam transferir-se para nenhuma outra, inviabilizando-se
assim, qualquer mobilidade social, vertical ou horizontal, sob a
alegação de que somente a permanência em uma mesma atividade
garantiria o máximo de eficiência em seu desempenho. Aos

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

educandos que se revelassem mais robustos, mais ágeis e mais


aptos à violência, era destinada a função de guardiões do Estado,
responsáveis por sua defesa aos quais, indistintamente,
pertenceriam todas as mulheres, de maneira a tornar duvidosa a
paternidade dos nascituros e com isso mais fácil a sua entrega aos
seus “educadores”, componentes do governo. Aos nascidos com
defeitos físicos, ou demasiadamente débeis, seriam torcidos os
respectivos pescoços, e lançados os seus corpinhos a um vale
próximo à cidade.
Acha o leitor que isso tem alguma semelhança com
o que pode, realmente, ser designado como democracia? Percebe
a desconsideração pela dignidade humana a que ponto chegava, e
o que de mentira existe na afirmação de que a democracia nasceu
na Grécia? Na Grécia, torna-se claro à luz do que, muito
resumidamente, acaba de ser exposto, o que surgiu foi a semente
da contrafação do ideal democrático, tal como conceituado
anteriormente. Cujo ideal, em termos das nossas raízes culturais,
necessariamente comprometido com a dignidade essencial de que
somos titulares, se fosse atendido prioritariamente, mesmo com
imperfeições que marcam toda obra humana, jamais permitiria a
injusta e monstruosa distorção de posições observada em nossos
dias. As imperfeições inevitáveis resultam, convém lembrar,
segundo as nossas raízes culturais, da chamada Queda ou Pecado
Original, integrante daquelas raízes.
Observe, por favor, o leitor, que estamos procurando
ater-nos, ao menos por enquanto, ao que constitui matéria de fato,
sem buscar apreciar, no mérito, o que expomos. Assim, parece-
nos, evidencia-se com maior clareza, a prática dos desvirtuamentos
a que vêm sendo expostas, e de há muito, muito tempo, as massas,
a fim de que, confusas e muitas vezes corrompidas, possam ser
conduzidas com mais facilidade pelos detentores do poder real,
ainda por detrás de cortinas, embora cada vez mais tênues, à medida
em que ele se vai sentindo definitiva e imbativelmente instalado.
Há, porém, o 2o plano da História o qual, supomos, a “ignorância
108
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

interna” daqueles detentores não os deixa enxergar....

4.10 — A TEORIA DA EVOLUÇÃO


Já vimos que o enfraquecimento da autoridade
religiosa, no sentido amplo da religiosidade e da fé, traz o
enfraquecimento — sempre no contexto cultural a que pertencemos
ou de que proviemos — das restrições impostas pela ética que
delas decorre, à prática da atividade econômica, visando
prioritariamente, senão exclusivamente, o lucro. Como já vimos
que da antinomia entre aquelas restrições e o tipo de prática que
acaba de ser mencionado, resulta o que temos chamado de “motor
de eficácia histórica”, o qual vem atuando constantemente, desde
os primeiros tempos do cristianismo. Ora, parece mais do que
evidente, que a serem verdadeiras as hipóteses evolucionistas até
agora formuladas, segundo as quais os seres humanos não são outra
coisa senão o resultado de um processo evolutivo da Matéria, regido
pelo que Jacques Monod3 aceitou como sendo efetivamente o
Acaso e a Necessidade — título, aliás, que deu a uma sua obra
que, na década de 70, teve repercussão sobretudo em seu país — a
dignidade essencial dos seres humanos, por terem sido criados por
Deus à Sua imagem e semelhança, cai por terra. Em nosso país,
embora tivesse surgido uma tradução da referida obra, a repercussão
foi mínima ou nenhuma. É que o autor, prêmio Nobel no campo
da Medicina, diretor do Instituto Pasteur, membro do Collège de
France, era também figura proeminente do Partido Comunista
Francês; e, em sua obra, como cientista e pesquisador dos
mecanismos do sistema nervoso, concluiu que a mensagem nervosa
só podia ser entendida em uma única direção, não tendo sentido a
transmissão em direção oposta — exigência fundamental da
dialética marxista. Dialética de oposição que estaria presente em
toda a matéria devendo, em conseqüência, qualquer hipótese ou
teoria científica, para poder ser levada em conta, ter aquela feição
dialética. Foi assim, aliás, que na então União Soviética, foram
desprezadas as leis da genética estabelecidas por Mendel, um
109
3
MONOD, Jacques – Le Hasard et la Necessité, Presses Universitaire – Paris.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

monge belga, em favor de novas leis, estas dialéticas, formuladas


por Lysenko. A conseqüência foi o declínio vertiginoso da produção
de trigo naquele país, pela singela razão de serem equivocadas as
novas leis, apesar de dialéticas, à feição marxista.
Ora, nos anos 70 em nosso país, e não só em nosso
país, os veículos de mídia, em sua maioria, ainda que de propriedade
de burgueses, eram em grande parte, dominados por adeptos do
marxismo neles enquistados e atuando segundo a estratégia de
Antonio Gramsci, de tremenda eficácia, mas com cuja descrição
não podemos nos ocupar agora. É fácil entender, portanto, a razão
do silêncio em torno da obra de um cientista marxista, do vulto de
Jacques Monod, em que ele contestava o caráter dialético da célula
nervosa que, segundo suas expressões, funcionava como uma
máquina, no mais estrito sentido cartesiano. E, diga-se de passagem,
continuando o autor materialista convicto, para quem tudo o que
se passa é obra do acaso e da necessidade, mas abandonando o
Partido a que até então servira.
Voltando, entretanto, às hipóteses evolucionistas,
desde Comte de Buffon, de Erasmo Darwin, do Transformismo de
Lammarck, de Charles Darwin e da hipótese mais recente das
grandes mutações, devida ao botânico De Vries, nenhuma delas,
absolutamente, encontrou qualquer respaldo sólido mas, ao
contrário, evidências gritantemente contrárias ao que propõem. Para
falar da mais divulgada, a de Charles Darwin, o famoso “elo
perdido” continua tão perdido agora como quando foi pela primeira
vez sugerido: não se tem nenhuma comprovação consistente do
fato de fêmea de uma dada espécie ter dado à luz ser de outra
espécie. Nada obstante, o leitor há de reconhecer a freqüência com
que, com maior ou menor estardalhaço, surgem notícias,
pretensamente científicas, sobre o que “seria” ou “poderia ser” o
elo perdido, as quais caem em seguida no esquecimento. Nos
intervalos, a reciclagem, até em anúncios comerciais, sobre a nossa
ancestralidade simiesca. E tudo isso para não falar de Estados
americanos em que é obrigatório o ensino das hipóteses
110
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

evolucionistas “por serem científicas”, enquanto o criacionismo


não integra os currículos escolares. Por que tanto empenho em
afirmar a existência de um antepassado, quem sabe orangotango,
senão como forma de enfraquecer a fé, pelo menos hipótese
enobrecedora e portadora da esperança em uma vida eterna? Por
quê? Tudo o que foi dito acerca do suspeito empenho em promover
a hipótese evolucionista, seja assinalado, refere-se à que importa
ao surgimento do ser humano. Cabe registrar, entretanto, que nos
parece impossível deixar de reconhecer a presença de um processo
evolutivo, desde os minerais amorfos, passando pelos cristalinos,
pelos seres vivos unicelulares, pelos mais complexos, até os
vertebrados e mamíferos. Tudo isso, porém, refere-se a uma
evolução material, a que se pode agregar algo relacionado a formas
embrionárias de sensibilidade e consciência — mas nunca à
propriedade que é exclusiva dos seres humanos, a da unicidade
consistente em não existirem dois seres humanos iguais. Dois
gêmeos idênticos poderão ser fisicamente, ao extremo semelhantes.
Mas são sempre únicos, cada um deles com sua individualidade,
com sua personalidade inconfundível. Em favor do que acabamos
de afirmar, citaremos algumas opiniões de autores reputados. O
primeiro deles, John C. Eccles,4 prêmio Nobel de Medicina, por
seus trabalhos em neurofisiologia. Vejamos... “Pero es aún más
assombroso el origen de la vida em nuestro planeta agraciado de
modo único, la Tierra, donde se ha puesto en escena la creatividad
dramática de la evolución biológica. Podemos preguntarnos si há
habido cierto designio o intención en esa evolución? Recordemos
que, de modo un tanto misterioso, cada uno de nosotros, como
seres con una experiência consciente única, hemos llegado a existir
mediante una evolución biológica que ha causado la aparición de
nuestros cerebros. Yo creo que hay una Providencia Divina que
opera sobre y encima de los sucesos materiales de la evolución
biológica. No debemos afirmar dogmaticamente que la evolución
biológica en su forma actual es la verdad última. Deberíamos más
bien crer que és la história principal y que de modo un tanto
111
4
ECCLES, John C. – em prefácio à obra Las fronteras Del Evolucionismo, de Mariano
Artigas,– Ed. Libros MC – 4a ed. Madrid.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

misterioso, hay una dirección que guia la cadena evolucionária de


contigencias.
Podemos conjeturar que los animales superiores
possen alguna consciencia, aunque esto no se encuentra todavia
explicado por la evolución biológica. Puede conjeturarse además
que en el processo filogenético de la evolución de los homínidos
hubo todas las transiciones, desde los animales conscientes hasta
los seres humanos auto-conscientes , como sucede
ontogeneticamente desde el bebé humano hasta el niño humano y
la persona humana adulta; sin embargo, esto resulta milagro que
está más allá de la explicación científica.” E, mais adiante: ... “És
la certeza del foco interno de individualidad única lo que exige la
creación divina”. E ainda do mesmo autor: ... “Hay un imenso
abismo de desarrollo entre las instrucciones genéticas
proporcionadas por el zigoto, y el cerebro del niño recién nacido”.
A visão do ilustre cientista citado parece-nos bastante coincidente
com a idéia que temos acerca da existência de dois planos da
realidade, atuando, como já vimos, no evoluir da história, e vemos
agora suposto atuante no processo da evolução biológica. As
referidas citações são do prólogo feito pelo autor citado, à obra
sobre o problema do evolucionismo, publicada por Mariano
Artigas. Da mesma maneira, assemelha-se bastante a idéias do
Rev. Dr. Sun Myung Moon em obra que contém dados
fundamentais do seu pensamento e constante da bibliografia que
aparece no final deste livro. Cumpre assinalar que, ao
transcrevermos ou citarmos um autor, não estamos preocupados
com o que ele possa representar como pessoa ou como integrante
de tal ou qual tendência filosófica, religiosa ou científica. O que
oferecemos, principalmente, à consideração pela inteligência do
leitor, são as idéias por eles expendidas. A observação é-nos
inspirada neste instante, pela menção feita ao líder religioso
mencionado acima, que por nós é qualificado como Reverendo
pelas suas atividades como líder religioso, com seguidores em quase
todos os países do mundo; e como doutor, por se tratar de um
112
Capítulo IV - Com Exemplos de Inverdades Postas
em Curso e de Verdades Ocultadas da Opinião Pública

engenheiro formado pela Universidade de Waseda, no Japão, e


por ser, entre outros da mesma natureza, portador do título de doutor
“Honoris Causa”, pela Universidade Católica de La Plata,
Argentina. Ademais, seria desnecessária a observação que a seu
respeito estamos fazendo, não fora o fato de ter sido o referido
líder religioso e seus seguidores entre nós, objetos de demolidora
campanha de desmoralização que lhes foi movida por parte
considerável de nossa mídia, que de vez em quando a recicla, ainda
que em menor amplitude. E isso, a despeito, não apenas das
garantias constitucionais acerca da liberdade de culto, quanto das
disposições vigentes na sociedade brasileira, extremamente
tolerantes em matéria religiosa, a ponto de não haver restrições a
quaisquer cultos, mesmo àqueles que sabida e confessadamente,
dispõem-se a fazer o mal — se podem fazê-lo, ou não, já é uma
outra questão — sendo notório que, recentemente, a mais alta
autoridade municipal, então em exercício, inaugurou em importante
ponto do sistema viário do Rio de Janeiro, um monumento
representativo do que, segundo noticiado, se denomina Exu dos
Ventos. E isto em cidade cujo símbolo mundialmente conhecido é
o Cristo Redentor, além do Pão-de-Açúcar. Assim, realçamos
idéias, sem nenhuma pretensão de criticar pessoas. E idéias no
caso das atribuídas ao líder religioso tão misteriosa e
sistematicamente perseguido, que são, em nosso entendimento,
lúcidas e válidas. Do ponto de vista das implicações teológicas de
outras, muito polêmicas, não nos ocupamos pela falta de estatura
teológica para abalançar-nos a fazê-lo, e porque, repitamos, não
temos a preocupação de registrar senão idéias pertinentes aos temas
tratados e que, com lealdade e coragem, expomos à análise pelos
leitores. E o que acabamos de afirmar, vale para todos quantos
sejam citados, como pleiteamos que valha também para nós.

113
114
CAPÍTULO V

IDÉIAS E CONCEITOS FUNDAMENTAIS


A SEREM DESTACADOS ANTES DE
PROSSEGUIR
5.1 — O “MOTOR PERMANENTE DE EFICÁCIA DE
HISTÓRICA”
Após os exemplos expostos em seguimento ao
capítulo III, e referentes a inverdades suspeitamente realçadas
diante da opinião pública, e de verdades de fatos que são sonegados
do seu conhecimento, parece-nos útil destacar idéias e conceitos
que figuram no conjunto do texto até aqui oferecido à consideração
pela inteligência do leitor.
Assim, repetiremos que, embora não sendo adeptos
da chamada “teoria conspirativa da História”, segundo a qual tudo
quanto acontece na História resulta de ações conseqüentes a
atividades conspiratórias, supomos distante da realidade, a
115
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

tendência à opinião de que nada do que acontece historicamente,


resulta de conspiração. Ao contrário, o leitor certamente registrou
que acreditamos na atuação constante, desde os primórdios da
civilização a que pertencemos, daquilo que designamos como
“motor de eficácia histórica”, resultante da oposição permanente,
em termos de atividade econômica, entre a ética do cristianismo e
o propósito dos que pretendem realizar aquela atividade tendo como
objetivo fundamental o lucro. Nos primeiros tempos da
evangelização na Europa, marcados por uma disposição
fundamentalista dos que se haviam convertido à nova fé, a
condenação do lucro era radical e resultava em ameaça aos que,
desde então, se haviam entregado e pretendiam continuar a
entregar-se ao exercício da referida atividade tendo como objetivo
aquele que a ética cristã condenava radicalmente. E como os
adeptos da citada ética eram os detentores do poder político e militar
de então, os que se sentiam ameaçados e prejudicados, é natural
supor-se, se foram de alguma maneira, unindo, de cuja união, é
também razoável supor-se, resultou o surgimento de lideranças,
para providenciar em maior eficácia a defesa dos objetivos que
tinham em comum. Para tanto, é claro, formularam linhas de ação
a que muitos foram aderindo ao longo do tempo, nem todos
plenamente conscientes da existência e da composição das fontes
de que elas partiam. Da inspiração daquelas linhas de ação, já foi
visto que, pelos motivos de que se haviam originado, deveriam
elas essencialmente consistir em buscar enfraquecer a fonte
primária que alimentava as pressões que consideravam
inconvenientes e injustas, exercidas contra o seu propósito de
exercer atividades econômicas visando e orientadas principalmente
para a obtenção do lucro. E essa fonte primária, como também já
foi visto, consistia na ética da nova fé a que haviam aderido os
detentores do poder político e militar da época. Assim, na dimensão
estratégica, podemos razoavelmente supor que tudo quanto
contribuísse para enfraquecer aquela fé, contribuiria para redução

116
Capítulo V - Idéias e Conceitos Fundamentais a serem Descartados antes de Prosseguir

da ameaça que se pretendia, e continua a pretender-se, conjurar.


Na dimensão tática, o leitor pode compreender que
são numerosas e variáveis com o tempo e as circunstâncias, o que
pode inspirar ações, todas, entretanto, desaguando no grande
objetivo estratégico há pouco mencionado.
Assim, e na impossibilidade de realizar exposição
abrangente de todas as ações táticas que a inteligência do leitor,
por acaso em acordo com a visão que lhe estamos oferecendo à
consideração, pode imaginar, no passado, como no presente,
acrescentaremos apenas que o primeiro conceito que estamos
destacando do conjunto dos assinalados ao longo da caminhada
que até aqui vimos realizando, é realmente o da existência do que
designamos como “motor de eficácia histórica”, capaz de explicar
o que, basicamente, tem desfigurado e degradado o que, de mais
nobre, resultou e poderia continuar a aperfeiçoar-se ao longo do
tempo, como produto da aplicação coerente e não interferida, da
ética do cristianismo, ao desenvolvimento da cultura e da
civilização dela resultantes, e hoje com sinais alarmantes de
declínio. O fato, porém, de citarmos o “motor de eficácia e
histórica” em primeiro lugar, não significa que entendemos ser tal
concepção a de maior importância dentre as que figuram no texto
e prometemos arrolar neste breve capítulo. Ele, como outros que
irão seguir-se, não tem na sua importância relativa, a justificação
da ordem em que irão aparecer. O “motor de eficácia histórica”,
pela sua fonte, de caráter permanente, merece realce sobretudo
levado em conta o título desta obra. Esta, porém, buscará outros
objetivos, em relação aos quais, outros conceitos e outras idéias
poderão ter maior peso ou importância.

117
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

5.2 — A EXISTÊNCIA DE DOIS TIPOS DE IGNORÂNCIA:


A “IGNORÂNCIA INTERNA” E A “IGNORÂNCIA
EXTERNA”
O conceito relativo ao título do presente tópico é
de enorme importância, pois, como vimos no texto em que ele foi
enunciado e exposto, os dois tipos de ignorância têm caminhos
diferentes para sua dissipação. No caso da interna, os da filosofia
e da religiosidade, ambos muito ligados ou dependentes do
pensamento contemplativo; no caso da externa, porém, os caminhos
são os da ciência e da tecnologia que dela resulta. Tendo surgido,
como visto no texto, à altura do século XIV, a epistemologia
nominalista, que contestava a existência real dos conceitos
universais, como algo que não seria mais do que os nomes com
que eram designados, e cuja existência estaria circunscrita à mente
de quem os concebia, existindo, realmente, apenas aquilo que era
ou fosse apreensível pelos nossos sentidos corpóreos, estabeleceu-
se nas elites intelectuais da época o que ficou conhecido como
“querela dos universais”. Querela que, como vimos no texto, deu
por terra com os exageros da Escolástica e, diremos agora, ofereceu
campo farto aos manipuladores do “motor de eficácia histórica”,
para impulsionar o esvaziamento da fé em proveito da ciência e da
razão — ao longo do tempo desaguando, no que tange à primeira,
no que John Eccles, op. cit., designou como “cientificismo”,
supervalorização exagerada da ciência; no que toca à segunda, no
chamado Racionalismo, sobretudo no Iluminismo francês,
supervalorização da razão. Sobre tudo isso, já foram feitos
comentários no texto, e acreditamos ser o momento, no breve rol
que estamos organizando agora, de mencionar o conceito que se
segue.

118
Capítulo V - Idéias e Conceitos Fundamentais a serem Descartados antes de Prosseguir

5.3 — A EXISTÊNCIA DE DOIS PLANOS: NA HISTÓRIA E


NO QUE TANGE À EVOLUÇÃO
Os planos em questão, como visto no texto, são
assim designados, não na conformidade de teorias de planejamento,
mas na das leis da perspectiva. No que toca ao 2 o plano da história,
entendemos ser ele que, realmente, rege os acontecimentos de que
os homens tantas vezes se supõem autores únicos e exclusivos e
trata-se de conceito nosso, que de há muito vimos expendendo,
embora encontrando pouca compreensão até agora. No que tange
ao evolucionismo, encontramo-lo em texto atribuído ao Rev. Dr.
Sr. Sun M. Moon, op. cit., e em John Eccles, prêmio Nobel em
Medicina, op. cit.. Sobre o significado, de um como de outro dos
conceitos, já no texto, nos momentos em que os mencionamos,
foram expostos. As aplicações da existência desses dois planos
serão comentadas com maior detalhe — ao menos é a nossa
intenção — em outra parte desta obra e em suas conclusões.
Vejamos, então, por agora, mais um dos conceitos
e idéias que estamos arrolando, para pô-los em destaque que
julgamos seja útil aos leitores, no que tange à compreensão da
mensagem ou mensagens básicas que estamos tentando oferecer
ao exame de suas inteligências e de suas consciências.

5.4 — O CONCEITO DE LIBERDADE


A liberdade, convém realçar, pode ser entendida de
forma abstrata, no plano, digamos, metafísico, como um conceito
cujo atributo caracterizador referir-se-ia a algo que não sofre
restrições.
Outra coisa, porém, é o exercício da liberdade por
parte de seres como somos todos nós, portadores de tendências
boas e más, altruístas e egoístas, socialmente positivas e negativas.
Diante dessa realidade, que é a que resulta dos fundamentos da
cultura a que pertencemos, a liberdade não deve significar algo
que se esgota em si mesmo, mas algo referido à finalidade a que se

119
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

destina.
Por isso, talvez, é que John Salisbury, reportando-
se à liberdade, a qualificou como o mais nobre dos ideais, à exceção
da virtude, se é, continuou ele, que se pode falar de liberdade na
ausência da virtude, ou pode-se falar desta na ausência da liberdade.
John Salisbury, sacerdote católico do período medieval, latinista
ilustre que, transferido para a França, chegou a bispo da diocese
de Chartres, resumiu assim o sentido finalista que, na conformidade
da visão cristã, deve ter o exercício da liberdade, que não pode
corresponder, como já o dissemos anteriormente, a uma espécie
de carta sem destinatário e, na verdade, sem conteúdo logicamente
inteligível.

5.5 — O CONCEITO DE DEMOCRACIA


A democracia que, diga-se de passagem, foi
conceituada por Aristóteles, em sua “Política”, como uma forma
deturpada de República, segundo pensamos e já registramos
anteriormente, é uma coisa como ideal de organização de
superestruturas político-administrativas, o mais e melhor possível,
capazes de proteger, garantir e, subsidiariamente, promover os
interesses e aspirações justos daqueles que irão viver sob sua
jurisdição. Entendida assim, já o dissemos e repetimos mais uma
vez, é ideal permanente e universal, de vez que o único, para os
fins a que se refere, compatível com a dignidade essencial dos
seres humanos e com sua racionalidade. As formas institucionais,
porém, concebidas e aplicadas para alcançá-lo, podem ser, e têm
sido efetivamente, algo muito diferente do ideal enunciado. E essas
formas institucionais deturpadas é que, no momento, são objeto,
por parte dos controladores do “motor de eficácia histórica” da
tentativa de confundi-las com ideal a que, na verdade elas vêm
desservindo* . Deturpação fundada, essencialmente na confusão
estabelecida ou promovida por aqueles mesmos controladores,
acerca da liberdade, como conceito, no plano metafísico, e o seu

120
* Cabe aqui recomendar ao leitor que observe como, nas notas de dólares americanos, no sinete correspondente ao
Departamento do Tesouro, em pequeninos algarismos, figura a data 1789, quando a Declaração da Independência
dos EUA é de 1776. Mas foi com a Revolução Francesa, de 1789, que se tornou possível o art. 6º da “Declaração
Universal dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos” que desvinculou a nossa civilização de suas bases culturais...(N.A.)
Capítulo V - Idéias e Conceitos Fundamentais a serem Descartados antes de Prosseguir

exercício, que, como já foi dito, deve ter, em nossa cultura, sentido
finalista e comprometido com a virtude. E, não apenas vem
confundindo coisas tão sérias, como vem tentando impor a
confusão, e já a esta altura pelo uso da coação e da força explícita
e brutal, como reiteradamente tem acontecido nos dias estranhos,
estranhíssimos, que estamos vivendo.
Têm-lhes servido de pretextos, especialmente, as
alegações de que o fazem para defender os direitos humanos.
Quando se referem a esses direitos, entretanto, fazem-no, não no
sentido em que os seres humanos são conceituados na
conformidade das nossas raízes culturais, mas no sentido que
resulta da sua desvinculação daquelas raízes, em uma espécie de
volta à visão de Protágoras, que pretendia o homem como medida
de todas as coisas. Ou, em comparação mais recente, com a que
predominou como marca do Iluminismo e do Racionalismo e surgiu
triunfante, no plano político-institucional, no artigo 6º da
Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, promulgada
pela Assembléia Nacional Francesa, em 1791. No referido artigo,
estabelecia-se, como foi visto anteriormente, que “A lei é a
expressão da vontade geral.”* com isto, repitamos, desvinculava-
se o ser humano de compromissos com qualquer coisa fora do
âmbito de sua própria capacidade, elidindo-se a necessidade do
reconhecimento e prevalência de um referencial fixo de conteúdo
axiológico, passando tudo a depender da vontade de legisladores,
vontade, como também já vimos, volúvel e influenciável
predominantemente pelos detentores dos meios hábeis para a
realização do referido predomínio.
O desvio frontal em relação ao que é o ser humano
na conformidade das nossas origens culturais é tão flagrante, e os
seus perigos tão grandes, que Jean Madiran, um pensador católico
contemporâneo, o considerou de conseqüências maiores sobre a
civilização moderna do que o emprego da pólvora, a invenção da
imprensa e o cisma do cristianismo ocidental, resultante da Reforma

121
*
Os interesses que, por detrás do pano, comandaram os acontecimentos, revelam-se claramente no art. 17, o último
da citada “Declaração”, na qual a propriedade particular é classificada como “sagrada”, não podendo ser desrespeitada,
a não ser por motivo de grave ameaça à segurança pública e, ainda assim, por intermédio de prévia e justa indenização.
(N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

Luterana. Aliás, quanto aos referidos perigos, como foi assinalado


em capítulo anterior desta obra, já Cícero os denunciara em “De
legibus”.
Nada obstante, representou aquele artigo 6º o
coroamento de esforço realizado no correr de séculos* , como
também já foi visto, e ensejou aos manipuladores do “motor de
eficácia histórica”, promover a conquista dos seus objetivos usando
como pretexto a liberdade — mal conceituada — e que passou a
aplicar-se à satisfação de todos os impulsos humanos, mesmo aos
mais claramente lesivos à própria saúde individual e à
sobrevivência da espécie. Os resultados estão, já agora, patentes
aos olhos de todos, ao menos de todos os que consigam ultrapassar
os véus de mentiras despejadas cotidianamente, em catadupa, sobre
as massas aturdidas, enganadas e desrespeitadas. A propósito, e
para citar autor insuspeito de sectarismo religioso, Sigmund Freud,
afirmou que, se nos homens, não prevalecesse um princípio
subordinador do princípio do prazer, eles não passariam de feixes
de apetites instintivos, absolutamente incompatíveis com a
existência da civilização. Será necessário acrescentar mais alguma
coisa? Perguntamos à inteligência e à consciência — sobretudo a
esta última — do leitor.
Neste momento, queremos registrar que estamos
conscientes — o que talvez esteja enfadando a paciência do leitor
— de que temos buscado ser repetitivos em relação a idéias e
conceitos que consideramos de importância verdadeiramente
fundamental para compreensão do quadro da realidade que estamos
vivendo no mundo confuso e atormentado dos nossos dias. Ocorre,
porém, que são idéias e conceitos que vêm sendo objeto de
desvirtuamento ou de ocultamento do conhecimento da maioria,
pela minoria dos que, por detrás dos bastidores, manipulam um
poder que, em última análise, está fundado em visão mutiladora
da natureza do ser humano, no sentido que ela faça prevalecer tão-
somente o que se refere à matéria, com os seus reclamos e os seus

122
* E marcou a desvinculação do processo civilizatório a que pertencemos, de suas bases
culturais. (N.A.)
Capítulo V - Idéias e Conceitos Fundamentais a serem Descartados antes de Prosseguir

apetites. Trata-se, pois, de desfiguração da própria essência e


sentido mais profundos das raízes culturais judaico-cristãs de que
proviemos. Sendo assim, estamos todos em uma encruzilhada da
História, em que cumpre fazer, e urgentemente, uma opção muito
especial profundamente diferente daquelas que em nosso cotidiano
somos levados a realizar. Nada como optar por uma ou outra marca
de geladeira, por uma ou outra profissão, por uma ou outra moradia,
todas opções que se fazem e dizem respeito ao plano material em
que estamos vivendo neste momento. Trata-se, agora, de optar entre
a hipótese de que, de fato, somente ele é real — hipótese que,
direta ou indiretamente, vem sendo como que imposta à maioria,
não pela sua repetição algumas vezes,* mas bilhões de vezes, e
com terrível eficácia, à medida que se multiplica a eficácia dos
meios de comunicação e se sofisticam as técnicas de influências
postas à sua disposição; e, em tal caso, de continuarmos à mercê
de quanto se patenteia aos olhos de todos e, aderindo ao clima
dominante, passarmos a engrossar as fileiras dos que estão
colaborando com ele; ou, ao contrário, de permanecermos fiéis à
visão da realidade dual dos seres humanos, participantes, desde
agora da eternidade de nosso espírito, que sobrevive à matéria e é,
pela sua conduta nesta vida, responsável perante um Deus criador
de todas as coisas. Um Deus que nos fez conhecer a Sua lei, pela
qual, o melhor que nos seja possível, devemos pautar a nossa vida.
Esta, de resto, não é apenas uma opinião pessoal, mas a hipótese
basilar, o alicerce cultural da civilização que agora, segundo
pensamos, entrou em processo de degradação irreversível que,
ainda segundo pensamos e expusemos no capítulo II, acarretará a
intervenção clara e possivelmente incisiva, do que consideramos
o 2o plano da História.
Diante, pois, de opção de tanta significação e
profundidade, julgamos indispensável oferecer ao leitor, como
subsídios para ela, alguns aspectos fundamentais e surpreendentes
da Ciência, realmente de vanguarda, principal instrumento de

123
*
Praticados, não algumas vezes, mas bilhões e bilhões de vezes, ao longo de séculos e
séculos. (N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

dissipação da “ignorância externa”, o que buscaremos fazer de


maneira resumida e tão simples que esteja alcance da compreensão
do leitor, embora não especialista nos assuntos de que iremos tratar.
Afinal, o “cientificismo” a que alude John Eccles, op.cit., tem sido
um dos múltiplos instrumentos úteis aos manipuladores do poder
por detrás das cortinas, como se à ciência, coubesse responder a
indagações acerca da existência ou não existência de Deus.
Indagações que se referem, o leitor bem o compreende, ao plano
metafísico, além, portanto, dos limites que dizem respeito às
cogitações científicas, todas dependentes de observações, diretas
ou indiretas, do plano físico. A ciência, portanto, não é capaz de
provar a existência de Deus, como não é capaz de provar a sua
inexistência. Isto é o que a honestidade e o respeito ao leitor nos
sugere sublinhar preliminarmente. Entretanto, forçoso é reconhecer
que, ainda no domínio da Física clássica, com Einstein, no primeiro
quartel do século passado, na formulação da sua teoria da
relatividade restrita, estabeleceu-se a correlação entre matéria e
energia, com a inferência da conversibilidade possível entre uma
e outra. A fórmula, bem conhecida e divulgada, dessa
conversibilidade é: E=mc2, na qual “E” é energia, “m” é massa, e
“c” é a velocidade da luz. A noção tosca de que a única realidade
seria a da matéria aparentemente densa e suscetível de apreensão
pelos nossos sentidos, como se vê, é algo de um passado distante.
No capítulo seguinte procuraremos oferecer informações mais
recentes acerca do que denominamos há pouco, ciência
verdadeiramente de vanguarda.

124
CAPÍTULO VI

ALGUNS ASPECTOS
VERDADEIRAMENTE
SURPREENDENTES DA CIÊNCIA
CONTEMPORÂNEA
No final do capítulo anterior, fizemos referência à
interconversibilidade entre matéria e energia, decorrência da teoria
da relatividade restrita, formulada por Albert Einstein, ainda no
primeiro quartel do século passado. A ela, e à fórmula que a
exprime, E=mc2, na qual “E” é energia, “m” é massa, e “c” é a
velocidade da luz, da ordem de 300.000 quilômetros por segundo,
chegou o grande cientista, por intermédio de elaboração teórica,
confirmada mais adiante por investigações experimentais. De resto,
chegou ele, também, a outras conclusões surpreendentes, como a
de que o tempo depende do referencial em que seja considerado,

125
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

não tendo, pois, significação absoluta. A propósito, seja-nos


permitido, para aclarar a significação do que acabamos de dizer,
relatar uma curiosidade do domínio da ficção científica, a chamada
“Viagem de Langevin”. A referida viagem, imaginada por Paul
Langevin, trata de uma astronave que, com velocidade
correspondente a 1/20 avos da velocidade da luz, partisse do nosso
planeta, dele se afastando com movimento retilíneo e uniforme.
Os tripulantes da citada nave continuariam a viagem durante o
que, em termos de tempo, lhes pareceria um ano, findo o qual,
com a mesma velocidade regressariam à Terra. Ao descerem da
nave, porém, poderiam ser surpreendidos com a existência de
estátuas suas, já patinadas pelo tempo, de vez que, aqui haviam se
passado 200 anos desde a sua partida....
Claro, que tal viagem nunca foi realizada, nem se
conhecem naves espaciais com velocidade tão grande quanto à
que corresponde àquela imaginada por Paul Langevin. O que fica,
porém, é a noção da relatividade do tempo físico — já não falamos
do psicológico, inteiramente subjetivo, em relação ao qual não
falta quem observe que tal tempo, quando estimado na cadeira de
um dentista é muito diferente de estimativa feita para tempo físico
igual, quando a situação é prazerosa.
E, observe o leitor, estamos falando de algumas
coisas relacionadas ainda à teoria da relatividade restrita, logo
avançando, com o concurso do matemático russo, Friedmann, para
a teoria da relatividade generalizada. A primeira, abrangente,
apenas de corpos que se movem retilínea e uniformemente em
relação a outros, enquanto a segunda é abrangente de movimentos
quaisquer, não apenas aos retilíneos e uniformes. Por outro lado,
também foi previsto e está comprovado, que a massa, por exemplo,
aquela que alguns “cientificistas” retardatários, supõem a única
coisa de fato confiável e segura, varia com a velocidade, sendo a
de um corpo em repouso, uma, e outra, a do mesmo corpo em
movimento. A fórmula correspondente ao fato apontado,

126
Capítulo VI - Alguns Aspectos Verdadeiramente Surpreendentes da Ciência
Contemporânea

estabelecida ainda à luz da relatividade restrita, é a seguinte:


m = mo
1-( v )2
c
Na referida fórmula, “m” é a massa do corpo em
movimento, “m o” é a massa do corpo em repouso, “v” é a
velocidade do corpo em movimento e “c” é a velocidade da luz.
Como pode ver o leitor, a massa do corpo aumenta
à medida que aumenta a sua velocidade. Se alcançada a velocidade
da luz, a relação entre as duas assume o valor da unidade e o
denominador da fração torna-se zero. Conclusão: na hipótese, a
massa do corpo tornar-se-ia infinita* — o que, desde logo seja
apontado, nos diz que a velocidade da luz parece ser uma fronteira
do espaço físico.
Do que foi mencionado até agora, o que desejamos
realçar, é a noção de que, à luz da Ciência — não estamos falando
ainda dos seus avanços mais recentes — a fé depositada no caráter
supostamente objetivo e inamovível de características fundamentais
da matéria, já não se sustenta mais.
Queremos registrar, também, que a importância do
que estamos dizendo é tamanha, que é fato irrecusável que da
transformação de matéria em energia, dependem a nossa, como a
existência de tudo quanto vive em nosso planeta. De fato, o sol é
sede de explosões nucleares nas quais, cerca de 4.600.000 toneladas
de hidrogênio transformam-se, por segundo, em energia, uma
pequenina parte da qual é que garante a existência da vida em
nosso planeta. Da vida vegetal, da vida animal, da vida humana.
Não parece ao leitor e, portanto, ao menos ao que não se tenha
ainda detido para pensar em tais assuntos, que eles merecem
reflexão? Eles e as inferências que deles decorrem? É o pedido
que lhe fazemos neste instante, antes de prosseguir em caminhada
certamente ainda mais, muito mais, surpreendente.
Não é nosso propósito, evidentemente, dar à

127
*
Porque, como se sabe, o quociente da divisão por zero é igual ao infinito.(N.A.)
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exposição acerca das hipóteses, teorias e conquistas mais recentes


da Ciência, esse caminho de dissipação da “ignorância externa”,
extensão demasiada e que, em qualquer caso, seria insuficiente,
face ao número colossal dessas conquistas e das compreensíveis
insuficiências do autor para intentá-lo. Buscaremos, portanto, ater-
nos ao que, com simplicidade, possa ser exposto e diga respeito à
questão central referente à opção que nos é imposta, a nós,
humanidade, no ponto de inflexão e de trágica encruzilhada em
que nos encontramos. Assim, acrescentaremos, neste momento,
apenas mais um exemplo de transformação de massa em energia.
É o que se refere à maneira pela qual admite-se, hoje, como
explicação para as chamadas “novas”, a que a imprensa não
especializada tem feito freqüentes referências.
Resultariam as citadas “novas” do fato de uma
estrela, depois de consumida a maior parte da matéria de que se
constituía, pela transformação em energia, tal como vimos no caso
do sol, ter o volume que a ela correspondera diminuído
enormemente, com um aumento também muito grande de sua
densidade. Em tal situação, atrairia os gases de alguma estrela
próxima, elevando-lhe a temperatura ao nível suficiente para
provocar fusões nucleares, com as conseqüentes transformações
de massa em energia, energia que reativaria o brilho que a estrela
possuíra anteriormente, ainda que apenas de modo relativamente
fugaz. Algo como um sol passageiro, formado ao redor de uma
estrela, de fato já morta.
A observação de fenômenos desse tipo, como de
tantíssimos outros referentes ao espaço cósmico, pertencem ao
domínio da astrofísica, e são obtidos com auxílio de telescópios
óticos, úteis à análise de fenômenos cujas manifestações se realizam
por intermédio de radiações de freqüências situadas dentro da faixa
das que são detectadas pela nossa visão e, diga-se de passagem,
faixa muito pequena em face do total de freqüências conhecidas.
Os que se realizam com manifestação em freqüências não

128
Capítulo VI - Alguns Aspectos Verdadeiramente Surpreendentes da Ciência
Contemporânea

observáveis oticamente, dependem da utilização de


radiotelescópios, tendo sido lançado ao espaço, recentemente, um
rádio-telescópio, o “Humble”, na esperança da obtenção de novas
informações, à medida que, tendo êxito a tentativa e outras similares
que venham a ser realizadas, sejam captadas radiações, por acaso
não detectáveis, ou detectáveis imperfeitamente, com aparelhagem
instalada na superfície terrestre.
Por intermédio dos recursos em investigações
astrofísicas, através das análises dos espectros obtidos, conhecem-
se dados preciosos acerca da composição de corpos celestes, além
de outros, ainda mais importantes, ao menos para nós, no momento
em que redigimos este livro para oferecê-lo à consideração pela
inteligência e pela consciência dos que venham a lê-lo. Aos quais,
estejam certos, o destinamos de boa-fé e no propósito de respeita-
los — o mínimo que nos cabe, como integrantes de uma sociedade
que vem sendo enganada e desrespeitada perversamente a tanto e
tanto tempo. No que estivermos errados, debite-se, por favor, o
erro, a deficiência nossa — nunca à intenção maldosa de cometê-
lo.
Mas agora, dadas as brevíssimas pinceladas que
figuram nas linhas anteriores acerca da Astrofísica, passemos a
um terreno, possivelmente ainda mais ligado ao propósito de
fornecer subsídios para a grande e urgente opção a que nos estamos
referindo: o domínio da Cosmologia. Ou seja, ao domínio das
indagações sobre como teria se originado o universo de que somos
parte. Como pode ver o leitor, trata-se, realmente, de algo que faz
confluírem os caminhos que levam à dissipação das ignorâncias
“externa” e “interna”, os caminhos da Ciência e da Tecnologia
que ela enseja, e os caminhos da religiosidade e da filosofia.
Caminhos que de maneira, para nós, apenas aparentemente
inconciliáveis, têm suscitado oposição entre evolucionistas e
criacionistas.

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Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

6.1 — ALGUNS DADOS REFERENTES À COSMOLOGIA


Nos idos de 1964, dois pesquisadores, Arno Penzias
e Robert Wilson, dedicavam-se a pesquisar radiações cósmicas,
utilizando para tanto uma antena que fora fabricada para a captação
de sinais emitidos por satélites. Ao curso de suas investigações,
porém, algo passou a intrigá-los: a presença de um como que “ruído
de fundo”, cuja presença perturbadora eles se esforçaram por
eliminar ou “limpar”, de modo a que não prejudicasse outras
radiações que estivessem captando. Os seus esforços, porém, foram
baldados e persistiu o tal “ruído de fundo”, que foram levados a
admitir, correspondia a uma radiação constante, ainda que de baixa
energia, que passaram a denominar “radiação de fundo de
microondas”, ou “radiação de 3o Kelvin”.
Mais ou menos na mesma época, os dois
pesquisadores citados tomaram conhecimento dos estudos
realizados por pesquisadores da Universidade de Princeton, os quais
haviam se dedicado a examinar a validade de hipótese levantada
muito antes, em 1927, pelo abade belga Lemaître, segundo a qual
o nosso universo teria se originado de uma grande explosão,
ocorrida há algo como 15 bilhões de anos, de cuja explosão teria
resultado, inicialmente, uma radiação uniforme que se propagara
por todo o universo. Os estudiosos de Princeton, desdobrando as
conseqüências a que levava a hipótese, calcularam qual seria, caso
existente, o valor, após cerca de 15 bilhões de anos, daquela
radiação originariamente uniforme. E esse valor correspondia,
exatamente, ao da “radiação de fundo de microondas”, ou radiação
de 3o Kelvin, tal como experimentalmente determinado por Arno
Penzias e Robert Wilson, os quais, em conseqüência, foram
agraciados com prêmio Nobel. Ressurgia, assim, agora robustecida,
a hipótese do “Big-Bang”, como hoje é designada a do abade
Lemaître. Não é ela a única hipótese acerca da origem do universo
que conhecemos; mas é a que, até o momento, tem se configurado
como a mais consistente. Por este motivo, a ela, e a desdobramentos

130
Capítulo VI - Alguns Aspectos Verdadeiramente Surpreendentes da Ciência
Contemporânea

ainda não enunciados por nós, procuraremos dedicar-nos em


seguida. Desde já, seja-nos permitido despertar a atenção do leitor,
para o fato de que a radiação de que estamos tratando representa
como que um verdadeiro “fóssil físico” do universo do primeiro
instante, quando ainda não estavam diferenciadas as quatro forças
hoje admitidas pela ciência, e às quais pretendemos nos referir
mais adiante.
Admite-se, portanto, que no momento ou momentos
iniciais do “Big-Bang” toda a massa e toda a energia do universo
estariam contidas em volume ínfimo em relação ao que, dele, se
admite hoje — o que sugere, de imediato, um universo em
expansão. De fato, um pesquisador americano, E. Hubble, em suas
pesquisas, não apenas verificou a existência da referida expansão,
como estabeleceu uma lei segundo a qual, ela se faz com velocidade
diretamente proporcional às distâncias em que se encontram as
galáxias observadas: quanto maiores as distâncias, maiores as
velocidades de afastamento. Para um dado momento, a mencionada
proporcionalidade é dada por um fator, denominado
impropriamente de “constante de Hubble”, de vez que, a
observações feitas em tempos diferentes, correspondem valores
diferentes para o fator de proporcionalidade. De qualquer maneira,
a existência da proporcionalidade citada tem importante papel nos
estudos atuais de cosmologia. Além da hipótese, e teoria dela
decorrente, que estamos examinando, há, como já mencionado,
outras hipóteses e teorias, como a do “estado estacionário”,
desenvolvida especialmente, por Bond, Gould e Hayle.
A descoberta do “fóssil cósmico” representado pela
radiação de fundo de microondas, ou radiação de 3 o Kelvin exposta
há pouco, deu força especial à teoria do “Big-Bang”, ao exame da
qual e dos seus possíveis desdobramentos, dedicam-se, entre muitos
outros, Gamow e Hubble, alicerçados na relatividade restrita e
generalizada, desenvolvidas por Einstein e Friedmann, com base,
originariamente, nos trabalhos do matemático polonês Minkovsky.

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Sem ser algo de aceitação científica indiscutível, a teoria de que


estamos tratando, a do “Big-Bang”, é a de maior e melhor trânsito
entre os cosmólogos atuais. Um amigo nosso, Leo Villaverde, sem
ser propriamente cientista experimental, mas um apaixonado e
talentoso estudioso de temas como os de que trata a cosmologia,
publicou recentemente uma alentada obra que, em formato grande,
impressa em caracteres de pequeno corpo, resultou em volume de
cerca de 800 páginas, nas quais são expostas numerosas outras
idéias e tendências que não caberiam no escopo e finalidade deste
livro. Naquela obra, o autor conclui pela rejeição da hipótese do
“Big-Bang”, e pela adoção da de um universo vivo. Isto registramos
para sublinhar a existência de modos de pensar diferentes daquele
que inspirou, inicialmente, o abade Lemaître e, até agora, vem
inspirando outros cientistas.
Há pouco, fizemos referência ao fato de que,
segundo o “Big-Bang”, inicialmente não estariam diferenciadas
as quatro forças básicas hoje admitidas pela ciência. A uma
temperatura, no primeiro momento, de muitos milhões de graus,
teria existido apenas radiação uniforme, de cujo “fóssil” já tratamos.
Mas, o universo não apenas continua a expandir-se, como está
gradualmente se resfriando. Quando, em passado remotíssimo, o
resfriamento já em curso, permitiu a diferenciação das quatro forças
básicas, sendo a temperatura da ordem de 10 milhões de graus,
começaram a realizar-se as primeiras reações de fusão nuclear, de
núcleos de Hidrogênio em núcleos de Hélio, núcleos que se haviam
formado, exatamente pela diferenciação entre as forças básicas,
antes indiferenciadas. A partir desses elementos mais simples, e à
medida em que continuava o resfriamento, foram surgindo,
gradualmente, os elementos mais pesados. Tudo isso, registre-se,
admite a teoria, corresponde aos primeiros 3 minutos após o instante
inicial da explosão. Note-se, também, que embora possa não
parecê-lo, o hidrogênio e o hélio são os dois elementos mais
abundantes do universo e que a proporção entre eles no início,

132
Capítulo VI - Alguns Aspectos Verdadeiramente Surpreendentes da Ciência
Contemporânea

deve corresponder aproximadamente à que se observa hoje. E os


dados conseguidos pelos pesquisadores correspondem aos
previsíveis a partir do “Big-Bang”. Apenas, inicialmente,
apareceram os núcleos de hidrogênio que, ao fundirem-se, dariam
origem aos núcleos de hélio, na chamada “núcleo-síntese”. Somente
após centenas de milhares de anos é que a temperatura teria descido
a “apenas”, alguns poucos milhares de graus, tornando possíveis,
a partir de então, a formação de átomos completos, com suas
camadas de elétrons, enquanto a radiação, as ondas
eletromagnéticas, continuavam a expandir-se em todas as direções
e a resfriarem-se cada vez mais, até alcançarem a radiação de 3°
Kelvin, a radiação de fundo de microondas, o “fóssil cósmico”
descoberto por Arno Penzias e Robert Wilson.
Cabe realçar agora, que tudo quanto foi dito até aqui,
refere-se à visão da Física clássica, dentro da qual torna-se
necessário que continuemos ainda por algum tempo, que
prometemos corresponder ao que, de minimamente necessário, se
imponha para que o leitor tenha subsídios consistentes para a grande
e dramática opção com que todos nos defrontamos atualmente.
Assim, diremos que as quatro forças básicas a que já foi feita mais
de uma menção, são as seguintes: a gravitacional, de grande alcance
e pequena intensidade; a eletromagnética, também de grande
alcance e que atua sobre todas as partículas eletricamente
carregadas podendo, ademais, atuar também a distâncias pequenas.
É a responsável pela união entre átomos e moléculas, como por
atuação dentro dos átomos; a nuclear forte, de curto alcance, mas
a de maior intensidade, sendo responsável pela coesão dos núcleos
atômicos; a força débil, de curto alcance e fraca intensidade. É a
que atua nos processos de desintegração radioativa. Como se admite
que, no início do universo, elas estavam unificadas, realizam
esforços, hoje, os especialistas no assunto, para unificá-las todas
em um único conjunto matemático que as interprete a todas. É,
talvez, uma manifestação atualizada do espírito humano que, agora,

133
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Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

ao tentar a compreensão do campo uno, como que repete a hipótese


aristotélica dos quatro elementos, como a de Demócrito e Leucipo
— que nos chegou ao conhecimento por intermédio da descrição
que dela fez o poeta latino Tito Lucrécio Caro, em seu poema “De
Rerum Natura”. Como se sabe, dessa hipótese é que surgiu a idéia
de “átomo”, etimologicamente, aquilo que não pode ser dividido a
que chegara Demócrito, partindo do princípio de que, por
subdivisões sucessivas, não se podia chegar ao nada. Daí, se nos
permitir o leitor uma digressão, talvez possa ela significar que,
intuitivamente, o homem pressente a existência desse nada, da qual
os irracionais parecem não cogitar; nada, entendido como alguma
coisa não abrangida pela matéria que ele conhece, alguma coisa
que pressente como em uma espécie de memória de tempo
remotíssimo em que convivia com algo que não era somente ela.
Da mesma maneira como, vivendo em ambiente físico causal e
imperfeito, aspira a perfeição que jamais experimentou, e busca
para o universo uma causa que não está nele...
E se nos perdoarem os leitores que estendamos um pouco mais a
digressão, diremos que, na existência atribulada que levamos,
muitíssimos se vão tornando, ao menos na prática, céticos, no
sentido da desconsideração do exame de questões como as que se
colocam sobre o que somos realmente e sobre, em conseqüência,
quais devem ser os objetivos fundamentais das nossas vidas. Em
semelhante disposição, como que nos fechamos em nós mesmos,
sem interesse pelo que, por acaso, esteja acima de nós ou abaixo
de nós, e passamos a ser governados, então, sobretudo pelos que
estimulem nossos impulsos instintivos. O que vem sendo feito,
como não é difícil imaginar, pelos que controlam o “motor de
eficácia histórica” a que já fizemos tão reiteradas referências. E o
ceticismo, ou indiferença em relação a questões que são
virtualmente importantes, longe de trazer a calma esperada pelos
que a ele se entregam, induzem, via egoísmo, a condutas anti-
sociais e, para cada um, a raiz da ansiedade e da angústia, geradoras

134
Capítulo VI - Alguns Aspectos Verdadeiramente Surpreendentes da Ciência
Contemporânea

do mal da moda, a depressão. É que, a despeito da indiferença pela


qual se opte, remanesce no espírito a sensação de que aquilo a que
se passa a atribuir importância exclusiva, é algo inexoravelmente
finito, face à existência da eternidade que continua a ser intuída, e
à qual se aspira para o que, repitamos, sabe-se ser inexoravelmente
finito e fugaz. O homem é, assim, ao que se saiba, o único ser vivo
que, desde que se torna consciente, convive com a morte, que sabe
inevitável, e tenta adiar. Os irracionais não aspiram à eternidade e,
nesse sentido, não têm a tensão interna a que acabamos de nos
referir.
Voltemos, entretanto, ao fio anterior da nossa
exposição, sempre com o objetivo de subsidiar a grande opção
que a encruzilhada em que se encontra civilização a que
pertencemos, a todos nos impõe. Tratávamos da hipótese, hoje já
teoria do “Big-Bang”, que não sendo a única, é a que tem a maior
aceitação entre os cosmólogos. Víramos que, à medida em que,
após a explosão inicial, a temperatura começou a reduzir-se, as
quatro forças básicas, inicialmente unificadas, começaram a
diferenciar-se, o que resultou na formação dos primeiros núcleos
e no fenômeno da núcleo-síntese, com as fusões de núcleos de
hidrogênio, dando origem a núcleos de hélio; e vimos que,
continuando a baixar a temperatura, começaram a ocorrer as
formações de átomos de elementos mais pesados, pela atração
exercida pelos núcleos sobre os elétrons que teriam passado a
gravitar em seu redor. Tudo isso, é preciso não esquecer, dentro do
âmbito da Física clássica, que passou a conceber a matéria como
algo constituído de pequeninas partículas, já agora impropriamente
denominadas átomos, eis que tais partículas compunham-se de
partículas ainda menores e prosseguiu a busca da partícula
fundamental, realmente elementar, de que se constituiria a matéria.
O leitor idoso ou, no mínimo, de meia-idade, talvez tenha aprendido
no curso de nível médio que haja freqüentado, que as menores
partículas conhecidas eram apenas três: elétrons, prótons e nêutrons,

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

estes últimos conseqüentes à associação de um próton a um elétron.


Pois bem; hoje, o número de partículas conhecidas, não tendo
parado de crescer, já se vai aproximando da casa das 400, sendo
bem verdade que, na maioria dos casos, de baixíssima estabilidade
e, conseqüentemente, de duração curtíssima. Seriam elas dos tipos:
leptões — abrangente dos elétrons, dos neutrinos eletrônicos, dos
muons, dos neutrinos muônicos, dos taus, dos neutrinos tauônicos.
Os famosos quarks — dos tipo up, down, charmed,
stranger, top e bottom.
Os hadrões, subdivididos em bariões e mesões. Os
primeiros subdividindo-se em nucleões, como prótons e nêutrons,
e hiperões de muitos tipos. E, ainda entre os hadrões, os mesões
de vários tipos.
O leitor achará possivelmente longa a lista
classificatória acima; e nós acrescentaremos que, além de longa,
ainda é carente de informações adicionais e suscetível de reparos
que reconhecemos, em alguns casos, procedentes. Fizemo-la
extensa, entretanto propositalmente, como propositalmente
acrescentaremos a informação de que, à maioria delas, corresponde,
segundo as pesquisas, a respectiva anti-partícula. Tais antipartículas
constituem o que a ciência denomina de antimatéria, e o choque
entre uma partícula e sua anti-partícula resulta na aniquilação de
ambas e no surgimento da energia correspondente, tudo segundo
leis bem estabelecidas. Acrescente-se que a ciência admite,
obviamente, a existência da antimatéria tão real quanto a da matéria,
o que leva à conclusão da existência provável de um antiuniverso...
E porque abusamos assim da paciência do leitor?
Foi porque nos pareceu fundamental oferecer-lhe à consideração
que, mesmo em termos de Física clássica, a noção da existência
exclusiva da matéria, a que tantos querem atribuir valor absoluto e
indiscutível — e querem-no freqüentemente de maneira mal-
intencionada, com as motivações inconfessáveis já vistas — não
tem a consistência que pretendem insinuar.

136
Capítulo VI - Alguns Aspectos Verdadeiramente Surpreendentes da Ciência
Contemporânea

Em Física moderna, em Física Quântica, o problema torna-se ainda


mais fascinante e desafiador. E, a despeito das nossas insuficiências
pessoais, não nos furtaremos a buscar oferecer aos que nos honrem
com a sua leitura conceitos tão importantes e revolucionários que
nos colocam diante da necessidade da admissão do surgimento de
uma metalógica e de um meta-realismo. É o que intentaremos fazer
no próximo capítulo.

137
138
CAPÍTULO VII

A CIÊNCIA ATUAL NOS LEVA À


CONCLUSÃO DA EXISTÊNCIA DE UM
DOMÍNIO QUE NÃO CORRESPONDE AO
QUE NÃO É, AINDA, CONHECIDO, MAS
AO QUE NÃO É CONHECÍVEL
Ao iniciar este capítulo, desejamos dizer ao leitor
que estamos, como ele, conscientes de que o objetivo fundamental
deste livro é expor a significação real, em termos da cultura a que
pertencemos ainda e desejamos continuar a pertencer, da
democracia liberal, do neoliberalismo e da globalização. Entretanto,
temos nos detido na exposição de aspectos, ainda que resumidos,
da ciência, à qual voltamos agora, já em terreno realmente atual e,
para muitos, estamos certos, de implicações extremamente
surpreendentes. E por que o fazemos? É porque acreditamos, em

139
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

conceito nosso, que temos designado como “inércia histórica das


idéias”, no sentido de que idéias, uma vez difundidas e arraigadas,
continuam a funcionar como se fossem verdadeiras, mesmo quando
outras as tenham, eventualmente, suplantado e substituído.
Sobretudo, é claro, quando estas últimas contrariem os interesses
dos que manipulam o “motor de eficácia histórica”. Assim acontece
com o que se entendia como ciência física, até o final do século
XIX. Àquele tempo, face aos formidáveis sucessos da investigação
científica, multiplicando-se em especialidades e crescendo em toda
ou quase todas elas, os modelos interpretativos vigentes eram de
molde a estabelecer uma diferença irredutível entre o físico e o
metafísico, a matéria — tal como era entendida então — e tudo
quanto não se enquadrasse naquele entendimento. A dissipação
da “ignorância externa”, via Ciência, adquiriu tal prestígio, que os
caminhos de dissipação da “ignorância interna”, a filosofia e as
religiões, perderam espaço estabelecendo-se, sobretudo em relação
às últimas, como que, praticamente, uma inconciliável exclusão.
Algo como se a Ciência e a Religião fossem coisas opostas.
Nos dados anteriormente por nós oferecidos à
consideração da inteligência do leitor, acreditamos que aquela
oposição radical já começou a ser posta em dúvida. E o leitor,
inteligente, já percebeu que para os que pretendem o domínio
mundial em proveito de poucos, o que interessa é um homem o
mais possível polarizado pelos seus impulsos e apetites instintivos
— freqüentemente anti-sociais — como registrado pelo próprio
Sigmund Freud. Para isso, ao longo de séculos, têm buscado
obscurecer a diferença entre a liberdade como conceito e o seu
exercício, por parte de seres como somos todos nós. Àquele,
querem-no, como o dissemos anteriormente, como uma espécie
de carta sem conteúdo, sem compromisso algum a não ser com o
que seja estabelecido em leis elaboradas por maiorias eventuais e
volúveis, manipuláveis e efetivamente manipuladas pelos interesses
e mecanismos que influenciam e conformam a sua composição.

140
Capítulo VII - A Ciência Atual nos Leva à Conclusão da Existência de um Domínio que
não Corresponde ao que não é, ainda, conhecido, mas ao que não é conhecível

Ora, um ser humano para tornar-se integrante de


tal sistema, de preferência deve ser, no mínimo, cético em matéria
religiosa, ceticismo que encontrou — e ainda encontra — suporte,
mercê da “inércia histórica das idéias”, nos modelos científicos
vigentes até o final do século XIX, antes portanto do surgimento
da Relatividade restrita e da generalizada e antes dos
desenvolvimentos verdadeiramente revolucionários — e
abomináveis do ponto de vista dos manipuladores do “motor de
eficácia histórica” — surgentes com a Mecânica Quântica. Esta,
oficialmente estabelecida e consolidada desde 1927, nasceu da
necessidade de revisão do tratamento a ser dado ao problema do
equilíbrio da radiação no corpo negro. Não é o caso, aqui, detalhar
em que consistiu o tratamento revisto. Diríamos, apenas, que um
corpo negro experimentalmente fabricado, pode constituir-se de
uma caixa hermeticamente fechada e interiormente revestida de
negro de fumo, na qual, em uma das paredes se pratica um
pequenino orifício, pelo qual se faz penetrar uma dada radiação.
Esta, no interior da caixa, refletir-se-á em suas paredes e, segundo
os conhecimentos até ali vigentes, a densidade da energia tenderia
a crescer cada vez mais no interior do corpo negro até que se
verificasse o que os cientistas designaram como “catástrofe do
ultravioleta”. Ou seja, o universo inteiro transformar-se-ia em
energias cada vez maiores, situadas na faixa do ultravioleta. Na
prática, porém, nada se passou assim, o que levou à reformulação
do que se conhecia no campo do eletromagnetismo e ao surgimento,
devido a Max von Planck, da Física Quântica, nascida em 1900 e
solidamente estabelecida no Congresso de Copenhague, realizada
em 1927. Trata-se de uma visão cujo tratamento técnico, é claro,
não caberia aqui. Mas, conclusões dramaticamente importantes a
que leva e que representam o que, hoje, se tem como válido,
pensamos, não podem deixar de ser citados. E é o que faremos, e
apenas de algumas delas, para evitar excessiva extensão ao texto.
Assim, em primeiro lugar, já que poucas linhas atrás

141
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

arrolamos um grande número de “partículas” ou, melhor dizendo,


de fenômenos tidos como elementares, é necessário ponderar que,
hoje, com o surgimento em 1940 da noção de que para que se
torne possível uma descrição da “matéria”, é imperativo fundir as
visões relativista e quântica, em um novo conjunto interpretativo
da questão. O resultado, que é o atualmente vigente, é que uma
“partícula” não existe por ela mesma, mas unicamente por
intermédio de efeitos que engendra. Esse conjunto de efeitos
chama-se “campo”. Assim, tudo quanto está em nossa volta e que
podemos perceber, constitui-se como que de aparências, flutuações
quântico-relativistas, de campos (eletromagnético, gravitacional,
protônico e eletrônico), interagindo permanentemente entre si. E
— agora o surpreendente — os campos não têm substância. São
vibrações a que estão associados fenômenos elementares que
percebemos como partículas, às quais atribuímos natureza material.
Isto significa que o “fundo” da matéria é impossível encontrar sob
a forma, digamos de uma “coisa”. O que de fato observamos são
as interações entre “aparências fantasmais e fugidias, não “coisas”
tais como elas eram pacífica e solidamente entendidas até o final
do século XIX e continuam a sê-lo até hoje, para a maioria das
pessoas, devido à “inércia histórica das idéias”. Sobretudo quando,
nunca será demasiado repetir, divulgadas e promovidas pelos
controladores do “motor de eficácia histórica”.
Mas esteja certo o leitor de que existem coisas ainda
mais surpreendentes na ciência dos nossos dias. Por exemplo, seja-
nos permitido relatar a fascinante experiência das fendas duplas e
das franjas de interferência, e as incríveis implicações que delas
decorrem. Consistem as experiências em questão na colocação,
diante de uma fonte emissora de fotões, de uma placa metálica
dotada de duas fendas; e, por detrás dela, uma chapa fotográfica
de sensibilidade adequada. Suponhamos agora, que direcionemos
a fonte emissora de fotões de modo a que ela emita um fotão em
direção à fenda da direita. O fotão atravessará a fenda e

142
Capítulo VII - A Ciência Atual nos Leva à Conclusão da Existência de um Domínio que
não Corresponde ao que não é, ainda, conhecido, mas ao que não é conhecível

impressionará a chapa fotográfica na região correspondente.


Suponhamos agora, que fechemos a fenda da direita e que
mantenhamos aberta a da esquerda, permanecendo, entretanto,
rigorosamente apontada a fonte emissora na direção anterior; e
disparemos outro fotão. Este, surpreendentemente, atravessará a
fenda da esquerda — desviando-se misteriosamente da direção
previsível tal como se algo o informasse de que fenda da esquerda
estava aberta e a da direita não. Suponhamos agora, as duas fendas
abertas e a continuação do bombardeio, feito fotão a fotão. O
resultado é que se formarão as figuras conhecidas como “franjas
de interferência”, tais como previsíveis e obtidas pelo bombardeio
simultâneo da placa por milhões e milhões de fotões.
O fenômeno é tão surpreendente, que um físico
americano chegou, em 1970, a admitir que o universo é como que
habitado por um número ilimitado de entidades conscientes. A
tese em questão não é compartilhada pela maioria dos físicos, mas
chama-nos a atenção para algo que se relaciona com o título deste
capítulo, em que se afirma que a Física moderna admite a existência
de domínio que não é apenas ainda não conhecido, mas que não
será conhecido jamais, ao menos à luz de tudo quanto se sabe,
hoje, acerca do universo em que vivemos.
Exemplo do que acabamos de mencionar, citaremos
em seguida, para que veja o leitor o quanto, a propósito daquela
opção fundamental de que estamos tratando, têm abusado de nós
os manipuladores do “motor de eficácia histórica”, ao realçar e
promover idéias e concepções ultrapassadas, minimizando na
grande mídia internacional por eles controlada, a divulgação dessas
novas fronteiras do conhecimento e das implicações que elas têm,
ou podem ter, relacionadas à grande opção de que estamos tratando.
Queremos referir-nos a uma das poucas constantes — menos de
15 — cujos valores estão rigorosamente estabelecidos, e que são
como que fronteiras do nosso universo conhecido. Estamos falando
do “tempo de Planck”, cujo valor é o de 10-43 segundos.

143
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

Esse tempo, ou esse intervalo de tempo,


inimaginavelmente pequeno, pois corresponde a um segundo
precedido de 42 zeros, à luz da Física Quântica, representa como
que o fim da nossa viagem em busca da origem do universo a que
pertencemos. O leitor lembra-se de que, hoje, verifica-se que esse
universo está em expansão, com medidas de sua velocidade de
expansão que permitem, em retrospecto, a tentativa de saber quando
ela se teria iniciado. Dada a natureza discreta, ou descontínua, da
radiação eletromagnética, noção estabelecida por Planck a partir
do equilíbrio da radiação de cuja natureza e características,
dependem aquelas medidas, o que a Física moderna conclui, é a
existência do que estamos chamando “tempo de Planck”, ou
“barreira de Planck”, por detrás da qual jaz o mistério. E o
importante é que sublinhemos, ainda uma vez, que não se trata, à
luz das teorias atualmente vigentes, de um mistério temporário
para cuja decifração existam perspectivas concebíveis. Não;
segundo a Física Quântica, no universo incrivelmente minúsculo
presumível àquele tempo, não existia, ainda, nada sobre que se
exercesse a força da gravidade, a qual, entretanto estaria presente.
E estaria presente, e isto não ainda antes, mas a partir do “tempo
de Planck”, em volume que corresponderia ao de uma esfera de
10-33 cm de diâmetro; ou seja, para que o leitor possa ter uma idéia,
uma esfera bilhões de vezes menor do que a que corresponde ao
núcleo de um átomo. Em tal volume ínfimo, a densidade era
espantosamente grande e a temperatura, numericamente bem
estabelecida, da ordem inconcebível de 1032°. Em tais condições,
tudo quanto se conhece em ciência física, perde a validade, e a
energia do universo em nascimento — não nos esqueçamos de
que estamos nos referindo, não ao antes do “tempo de Planck”,
mas à situação existente a partir dele, em sua vizinhança imediata
— era algo espantosamente grande. Quanto à “matéria” com todas
as ambigüidades conotáveis ao que ela porventura seja, estaria
representada por uma espécie de sopa ou caldo de “partículas”,

144
Capítulo VII - A Ciência Atual nos Leva à Conclusão da Existência de um Domínio que
não Corresponde ao que não é, ainda, conhecido, mas ao que não é conhecível

antepassadas longínquas dos “quarks”, interagindo continuamente


entre si. Não haveria ainda nenhuma diferença entre elas, e as quatro
forças ou interações fundamentais (a gravitação, a força
eletromagnética, a força forte e a força fraca) estariam
indiferenciadas e se confundiam em uma única força universal. A
partir daí, é possível imaginar o desdobramento dos
acontecimentos, em uma descrição que, ainda que abrangente
apenas dos 3 minutos que se passaram depois da “barreira de
Planck”, ou do “tempo de Planck”, seria extensa, recheada de cifras
e, para o propósito que temos em mente, de fato dispensável,
quando mais não fosse, para poupar o esforço e não abusar da
paciência do leitor. De quanto foi dito, entretanto, o que se impõe
imaginar é que tudo quanto existe hoje conhecido, o universo em
expansão, constituído por bilhões de galáxias, cada uma delas
integrada por bilhões de corpos celestes; as harmonias das asas de
todas as borboletas, a delicadeza e o perfume de todas as flores, a
formidável energia de todos os sóis, tudo, tudo, estava, preexistente,
em volume possivelmente ainda menor do que o da esfera bilhões
de vezes menor do que o núcleo de um átomo. Por isso, talvez, é
que o físico John Wheeler, referindo-se à origem do universo, assim
se expressou: “tudo o que nós conhecemos encontra a sua origem
em um oceano infinito de energia que tem a aparência do nada.”
Repare o leitor como, buscando entender a origem
das coisas que conhecemos, diz o físico citado que se trata de algo
que tem a aparência do nada.
Outro físico, Grischka Bogdanov, afirma que
“segundo a Física Quântica, o universo observável é feito de nada
mais do que flutuações menores em um imenso oceano de energia”.
E, continuando, “assim, as partículas elementares e o universo têm
origem nele, como o espaço-tempo e a matéria nascem nesse plano
primordial de energia infinita e de fluxo quântico, sendo animados
permanentemente por ele.”
E, citando ainda outro físico, David Böhm, “a

145
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Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

matéria e a consciência, o tempo, o espaço e o universo representam


um “sussurro” ínfimo, em relação à imensa atividade do plano
subjacente o qual, ele próprio, provém de uma fonte eternamente
criadora, situada para além do espaço e do tempo”* .
Como pode ver o leitor, nada tão simples e em
definitivo estabelecido como imaginam alguns, ou muitíssimos
“homens práticos”, que enganados pelos manipuladores do “motor
de eficácia histórica” são mantidos, embora, supondo-se modernos
e avançados, como contemporâneos, ao menos em matéria
científica, do século XIX.
É que a ciência moderna, longe de afastar a hipótese
de algo criador, fora e acima da criação, não consegue provar a sua
inexistência; e, longe de conseguir fazê-lo — o que de resto não
faz parte do seu domínio, nem em um sentido nem em outro —
abre mais caminho do que jamais o fizera antes, para que se cogite
a sério, usando o caminho da ciência e da tecnologia, da referida
hipótese. Assim, e em tal sentido, como que confluem os caminhos
para a dissipação das “ignorância externa e interna”, dando início
a uma unificação sempre intuída, desde filósofos da antigüidade
clássica, como Aristóteles e Demócrito, já mencionados por nós.
Mas, esteja certo o leitor, a presença da tendência
assinalada encontra ainda respaldo, nos avanços da ciência
moderna, sobretudo nas idéias de Ilya Prigogine, e nas experiências
de Bénard, cujo sentido geral procuraremos oferecer em seguida,
à consideração pela inteligência do leitor.
Antes de fazê-lo, porém, seja-nos permitido, em
reforço do que sugerimos há pouco acerca do fortalecimento de
hipótese cuja importância tantos se esforçam por descartar, citar a
opinião de um filósofo, um dos maiores filósofos contemporâneos,
Jean Guitton,1 membro da Academia Francesa, vulto da estatura
de Bérgson e de outros grandes filósofos do nosso tempo: “a maior
mensagem da Física teórica dos últimos dez anos tem a ver com o
fato de ela ter sabido revelar a perfeição na origem do universo:

146
*
Grifos a concepções extremamente importantes. (N.A.)
1
GUITTON, Jean – Deus e a Ciência, Ed. Editorial Notícias – Lisboa, 1992.
Capítulo VII - A Ciência Atual nos Leva à Conclusão da Existência de um Domínio que
não Corresponde ao que não é, ainda, conhecido, mas ao que não é conhecível

um oceano de energia infinita. E o que os físicos designam como


“simetria perfeita”, tem para mim um outro nome: enigmático,
infinitamente misterioso, todo-poderoso, original, criador e
perfeito. Não ouso nomeá-lo, porque qualquer nome é imperfeito
para designar o Ser sem aparência”* .
Ainda antes, porém, de relatar conclusões
surpreendentes a que chegou o prêmio Nobel Ilya Prigogine,
baseado essencialmente no que já mencionamos como “simetria
de Bénard”, parece-nos necessário voltar à referência que, de
passagem, fizemos, acerca de algumas constantes numericamente
bem estabelecidas, e que funcionam como fronteiras ou alicerces
do universo, tal como, hoje, a ciência o interpreta. Algumas dessas
fronteiras já foram mencionadas como, por exemplo, a velocidade
da luz, da ordem de 300.000 quilômetros por segundo, e o “tempo
de Planck”, do qual nos ocupamos linhas acima. Da mesma
maneira, funciona como uma das fronteiras do universo o zero
absoluto correspondente a temperatura de, aproximadamente, -
273,2°C. Igualmente podemos mencionar o “espaço ou intervalo
de Planck”, a menor distância possível entre dois objetos; a
“constante universal de Planck”, o “Quantum de ação”, E=hv, em
que a “h” é a “constante universal de Planck” e “v” é a freqüência
da radiação. O “quantum de ação” vale 6,626.10-34 joules.segundo,
representando a menor quantidade de energia existente no mundo
que conhecemos, limite de divisibilidade da radiação, o limite
extremo da divisibilidade.
E poderíamos estender a lista a cerca de quinze
constantes de valores numéricos estabelecidos com notável
precisão. O que importa mais dizer, porém, inclusive para não
abusar da paciência do leitor, é que se o valor de qualquer delas
diferisse, minimamente que fosse, daquele que é conhecido, o
universo não teria absolutamente, a configuração que tem hoje.
Se, por exemplo, a sua densidade se afastasse, como parece ter-se
afastado em dado instante minimamente — algo como 10-40 —

147
*
A simetria perfeita a que se referem os físicos é a situação que corresponde à
indiferenciação das quatro forças básicas, a que foi feita referência no texto. (N.A.)
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sem que tal afastamento tivesse sido imediatamente corrigido por


algo subjacente, o universo não se teria formado, nem existiria tal
como o conhecemos. Daí, aliás, o surgimento da hipótese do
“universo antrópico”, que alguns aceitam, no sentido de que, desde
o primeiro instante, o universo foi criado e desenvolveu-se tendo
a finalidade de resultar no surgimento — segundo a visão de
evolucionismo a que já nos reportamos em capítulo anterior —
dos seres humanos, sem dúvida, ao menos pela e imanência das
faculdades que possuem com exclusividade, ápice do universo.
Mas aí, já estaremos nos avizinhando, embora não seja este o nosso
propósito, do domínio da metafísica, que não é o da ciência. Razão
pela qual ou, pelo menos uma das razões pelas quais, muitos
rejeitam a hipótese do universo antrópico, e inclinam-se por outras,
como a dos universos paralelos ou a da recriação auto-realizada,
após colapsos de universos anteriores. Esta última, também com
evidentes conotações metafísicas, pela atribuição de faculdade
criativa à matéria, o que torna a concepção da mesma muito
semelhante à da causa primeira, exterior a ela.
Que nos desculpem os leitores a pequena digressão,
que fizemos para que se torne compreensível a nossa opção, no
que tange à cosmologia, de assinalar, tão simplesmente quanto
nos é possível, dados e informações relativos à hipótese, ainda
hoje de maior trânsito entre os cosmólogos, como é a do “Big-
Bang”.
Quanto ao surgimento das coisas de que estamos tratando e, muito
em particular, quanto ao surgimento da vida, e mais em particular
ainda, ao surgimento da vida animal, diremos apenas que o leitor
compreende que estaríamos entrando no domínio da biologia
molecular. Neste último campo, não resistimos à tentação de
informar o leitor que por acaso ainda não o saiba, que os que adotam
a posição, sem dúvida respeitável de, rejeitando aquela hipótese
de causa consciente subjacente, preferem supor que tudo aconteceu
por acaso, e foi orientado pela necessidade do que casualmente

148
Capítulo VII - A Ciência Atual nos Leva à Conclusão da Existência de um Domínio que
não Corresponde ao que não é, ainda, conhecido, mas ao que não é conhecível

surgiu, diremos que a formação dos ácidos aminados que integram


os nossos códigos genéticos, a partir dos chamados nucleotídeos,
para que se realizasse ao acaso, exigiria, como no caso do ARN –
prova-o o cálculo das probabilidades — um tempo nunca inferior
a 1015 anos. Ou seja: cerca de 100.000 vezes maior do que a idade
atribuída pela ciência ao nosso universo.

149
150
CAPÍTULO VIII
EXISTIRÃO O ACASO E O CAOS?
Chegamos, agora, à oportunidade de voltar às
descobertas e idéias já mencionadas no capítulo anterior, ao menos
pela menção de seus inspiradores e construtores, Bénard e Ilya
Prigogine.
Quanto a Bénard, falamos da sua “simetria”. Em
que consistiu o que veio a ser designado como “simetria de
Bénard”? Veio da sua observação surpreendente, acerca do
movimento aparentemente caótico e casual das moléculas de água,
movimento conhecido como “movimento Browniano”. Na verdade,
o pesquisador de que estamos tratando observou, em suas
experiências, que aquele movimento, ao ser elevada a temperatura
da água, não apenas apresentava uma aceleração na velocidade
com que se moviam as moléculas. Mais; a partir de um dado
patamar de temperatura, na verdade começavam a organizar-se
aquelas moléculas em pequenos hexágonos, lembrando a forma

151
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

dos caixilhos de certos vitrais. Assim, no aparente caos anterior,


subjazia algo capaz de levá-lo a uma ordem superior. Inspirado
nas observações de Bénard, Ilya Prigogine que, diga-se de
passagem, é um dos maiores bioquímicos contemporâneos,
ganhador do prêmio Nobel, como já vimos, concebeu a idéia,
revolucionária por, digamo-lo desde já, contrariar o segundo
princípio da Termodinâmica, o princípio de Carnot, um dos mais
solidamente estabelecidos em Física clássica, segundo o qual “nos
sistemas materiais isolados, todas as transformações espontâneas
conduzem a um aumento de entropia”. Para o leitor não versado
nesses assuntos — e ninguém tem a obrigação de sê-lo — diremos
que o aumento de entropia significa aumento da desordem,
encaminhando para o caos. O universo então, supunha-se,
caminhava para o caos, desde que o consideremos um sistema
material isolado — que seria o caso, se encarado como matéria e
esta como única realidade existente.
A idéia de Prigogine, explicitemo-la agora, afirma
que “a desordem não é um estado natural da matéria, mas, ao
contrário, um estágio que precede o surgimento de uma ordem
superior”. Aqui, ousamos pedir ao leitor que reflita sobre o que
lhe temos dito acerca do 2o plano da História, e acerca do que lhe
dissemos no segundo capítulo deste trabalho, que estamos
oferecendo à consideração da sua inteligência; 2 o plano estendido,
como foi mencionado anteriormente, também à matéria amorfa, à
cristalina, à vida unicelular, à pluricelular e assim em diante, até
os mamíferos e vertebrados superiores e o “homo sapiens”. E, em
todos os casos, a hipótese de algo subjacente, orientador, atemporal,
e onipresente, cada vez mais sugestivo de um pensamento do que
de uma máquina. Voltemos, porém, a Prigogine, pois foi ele que,
no domínio da ciência, estendeu o observado na “simetria de
Bénard”, aos campos da química e da biologia. O leitor entende, é
claro, que não é nosso propósito senão o de resumir ao
absolutamente essencial e pertinente à opção que se nos impõe e a

152
Capítulo VIII - Existirão o Acaso e o Caos?

que nos temos referido tão reiteradamente, o vasto labor científico


de Prigogine. Por isso, diremos, que segundo a sua visão, todas as
coisas que nos cercam comportam-se como sistemas abertos,
trocando permanentemente, matéria, energia e informação com o
meio ambiente. São, na verdade, sistemas em movimentos
perpétuos os quais, variando regularmente, devem ser considerados
como flutuantes. As flutuações em causa podem se tornar tão
grandes, que os sistemas onde atuam podem se tornar incapazes
de as suportar sem sofrer transformações. Em tal caso, segundo
Prigogine, ou o sistema é destruído pela amplitude das flutuações,
ou muda para uma nova ordem interna, caracterizada por um nível
superior de organização. O leitor entende que, por detrás dessas
conclusões, há um extenso e pormenorizado trabalho teórico que
não caberia, nem seria pertinente aos nossos propósitos, descrever
aqui. O que cabe dizer ao leitor é que, segundo essa nova e
revolucionária maneira de ver a vida, ela assenta sobre estruturas
dinâmicas — nada do sólido e permanentemente estabelecido
segundo se supunha até o final do século XIX — estruturas de
caráter dissipativo, cujo comportamento se dá no sentido de dissipar
o influxo de energia, ou matéria e energia, responsável por uma
flutuação.
A esta altura, talvez esteja leitor um pouco perplexo,
por não se ter tornado clara a relação entre o que estamos
comentando acerca das idéias de Prigogine e o nosso objetivo
central que não devemos perder de vista, o fornecimento de
subsídios para a grande opção existencial que se nos impõe na
encruzilhada histórica em que estamos. Na verdade, porém, o leitor
verifica que nos deparamos agora com uma visão em que, tudo
indica, realmente subjaz a tudo quanto conhecemos, inclusive o
fenômeno da vida, uma tendência à auto-estruturação, em
complexidade crescente, o oposto do que se poderia inferir do
segundo princípio da Termodinâmica. E, levando em conta o ponto
de partida das considerações de Prigogine, a “simetria de Bénard”,

153
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

aquela tendência constitui-se em uma trama contínua, que leva do


inerte ao vivo, tendendo a matéria, pois, tal como devemos concebê-
la hoje, para organizar-se até o nível de matéria viva e, nesta, para
continuar a auto-organização, até o homem, sem dúvida, a forma
mais complexa e mais organizada — no que tange à sua expressão
material — e, mais do que isso, no mínimo, como já o dissemos,
pela imanência de suas faculdades – imanência a que ele deve não
ser determinado pelo ambiente em que vive, mas a encontrar nele
suporte para o exercício de sua liberdade, inclusive a de transformar
o referido meio, do qual é, em tais termos, sujeito. Liberdade que
traz para ele, o que não existe para nenhum outro ser vivo, a
responsabilidade moral pelas opções que faz e pelos atos que
pratica.
Ainda segundo Prigogine, começa em nível de
molécula, a auto-estruturação — na verdade, aparente, dizemos
nós, atentos à tendência que, subjacente, a determina, em matéria
viva. As leis segundo as quais, verificar-se-ia a transformação,
permanecem enigmáticas. E, pasme o leitor, ao examinar-lhes, em
suas pesquisas, o comportamento, Prigogine abalança-se a afirmar,
categoricamente, que cada molécula sabe o que farão outras
moléculas, situadas a distâncias mesmo macroscópicas, dela.
Vimos, antes, ao descrever a experiência das fendas múltiplas, que
se impõe interpretação semelhante em relação aos fotões.
No caso, não de moléculas, mas de células vivas, é
da experiência de qualquer pessoa: os processos de cicatrização.
Dado um corte na pele, por exemplo, para repará-lo, encaminham-
se moléculas adequadas à natureza do tecido lesado, e na quantidade
necessária à reparação. Em amplitude maior, o funcionamento
sinérgico de nossos órgãos, os processos que se passam em nossa
vida vegetativa, tudo isso, acreditamos, dá o que pensar e merece
ser pensado.
Ainda um exemplo acerca daquele impulso ou
tendência subjacente a que nos temos referido: Grischka Bogdanov
assinala que uma célula viva contém cerca de duas dezenas de
154
Capítulo VIII - Existirão o Acaso e o Caos?

ácidos aminados, as funções dos quais, por seu lado, dependem de


cerca de 2000 enzimas específicas. O cálculo das probabilidades
mostra que para que apenas 1000 dessas enzimas diferentes se
aproximem de maneira ordenada até formarem uma célula viva, e
isso em prazo de bilhões de anos, é da ordem de 101000 para 1. Ou
seja, é praticamente inexistente.
Perguntamos nós novamente: onde ficará o acaso?
A esta altura, supomos, já expusemos ao leitor dados científicos
adequados à opção que se nos impõe e que é a razão deste livro.
Assim, abster-nos-emos de referir a hipótese dos universos
paralelos que, hoje, muitos físicos admitem. E o fazemos pela sua
complexidade e, sobretudo pela complexidade das implicações dela
decorrentes. Acrescentaremos, entretanto, ainda duas
circunstâncias que o leitor, se não as conhece, gostará de conhecer:
nós somos constituídos por átomos rodeados de cargas elétricas
que distam dos respectivos núcleos — tudo com as considerações
até aqui expostas sobre a posição atual da ciência em relação à
matéria — distâncias que, consideradas as respectivas escalas,
assemelham-se às que existem entre os corpos celestes. As citadas
distâncias, em nós, se fossem eliminadas e fôssemos compactados
e reduzidos ao volume dos núcleos atômicos que compõem o nosso
corpo, este se reduziria ao volume de um grão praticamente
invisível a olho nu. Nós somos, em termos, uma imagem
holográfica* do universo inteiro, assim como se estivéssemos nele
e ele todo também estivesse em nós. Agora, pedindo desculpas ao
leitor pela extensão que nos pareceu indispensável fornecer-lhe,
acerca de quais são as posições fundamentais da ciência moderna,
da Física Quântica, da qual decorre uma visão completamente
diferente da que continua a ser explorada pelos controladores do
“motor de eficácia histórica”, passaremos a oferecer-lhe um
exemplo de quanto tem sido enganada a humanidade, em particular
os que integramos a civilização de raízes judaico-cristãs a que
pertencemos. É o que buscaremos fazer no capítulo que se segue.

155
*
Diz-se imagem holográfica a obtida com raios laser, de um determinado objeto. Em uma fotografia comum, cortada ao meio a imagem
obtida, teríamos o objeto dividido ao meio, cada parte figurando em uma metade. Numa imagem holográfica, ainda que seja tão subdividida
quanto possível, em cada fragmento, por ínfimo que seja, aparecerá o objeto inteiro. (N.A.)
156
CAPÍTULO IX

UM HIATO HISTÓRICO QUE NÃO


EXISTIU, MAS PREVALECEU, COMO
INDÍCIO CLARO DE MANIPULAÇÃO
DE INFORMAÇÕES
Nós estamos certos de que, do ponto de vista da
maioria das pessoas no ocidente, não, é claro, dos interessados
especialmente em assuntos históricos, como pano de fundo de sua
percepção, a civilização a que pertencemos teve como antecessora
a chamada antigüidade clássica, da qual aparecem em destaque a
harmonia e a beleza da estatuária e da arquitetura grega, em
especial, as de Atenas. Também se tem notícia dos grandes filósofos
daquela época, especialmente os que pontificaram no “Século de
Ouro”, o século de Péricles e da confederação de Delos, tudo
acrescido, ainda, da repetição, bilhões de vezes, da afirmativa

157
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

segundo a qual, “a democracia nasceu na Grécia”.


Acerca dessa visão retocada e adulterada da
realidade, a alguns desses retoques e adulterações já tivemos a
oportunidade de referir-nos em capítulo anterior, comentando-os,
inclusive de como, sobre a dignidade da pessoa humana se
colocavam os dois maiores filósofos daqueles tempos, Aristóteles
e Platão. Ainda como parte desse pano de fundo, guarda-se a noção
da grandeza do Império Romano, sobre o qual, conhece-se alguma
coisa acerca da maldade de alguns imperadores e muito pouco do
que ele, Império, representava como estrutura de maldade e de
injustiça. A tal respeito, das suas estruturas, diz-se alguma coisa
sobre a competência política dos seus administradores e mais, muito
mais, sobre as suas leis, o seu direito, fonte principal de inspiração
do direito ocidental moderno. Quanto à norma do direito
consuetudinário, em ação àquele tempo, denunciadora das
estruturas pervertidas vigentes, a “sexagenarius de pontu”, segundo
a qual, nunca será demasiado repetir, pela luz que lança sobre a
realidade que se tenta retocar, os filhos tinham o “direito” de lançar
os próprios pais às águas do rio Tibre, tão logo completassem 60
anos de idade e se tornassem pouco produtivos, pesos inúteis a
serem lançados fora. Tampouco é realçada a “arae perusinae”, em
acordo com a qual, certa vez, foram cevados doze patrícios
romanos, para serem sacrificados em honra ao “divino” imperador.
Seriam esses, apenas pequenos pecadilhos, para serem mantidos
assim tão distantes do conhecimento geral? Ou, ao contrário,
“flashes” denunciadores de uma realidade que só é divulgada depois
de retocada e maquilada? E as perseguições sofridas pela sinistra
“seita dos nazarenos”, como eram conhecidos os cristãos àquele
tempo? Seita de perversos criminosos e fanáticos, envenenadores
de fontes, uma das práticas criminosas que lhes eram atribuídas?
Sabemos todos que, sobretudo os cristãos dos primeiros tempos
estavam impregnados da ética da mansidão, da fraternidade, do
amor ao próximo que lhes tinha ensinado, inclusive pelo doloroso

158
Capítulo IX - Um Hiato Histórico que não existiu, mas Prevaleceu,
como indício claro de Manipulação de Informações

exemplo do martírio na cruz, Jesus Cristo, em quem o próprio


pretor Pôncio Pilatos, governador da Judéia, província do império,
não vira culpa alguma.
É evidente que eles eram objeto de campanha de
descrédito, possivelmente por serem adeptos de ética que
contrariava, em vários aspectos, os poderosos e os que tinham
interesse em serem agradáveis ao poder. Pois, em pleno seio da
civilização de raízes judaico-cristãs a que pertencemos — mas já
agora, pensamos, apresentando todos os sintomas que marcaram
o declínio de todas as que nos precederam — quando algo é dito a
respeito, o é no sentido de atribuir à crueldade pessoal desse ou
daquele imperador, as terríveis perseguições movidas contra os
cristãos. É nesse enfoque, que algo é dito acerca de Nero ter
atribuído o incêndio que mandara atear a Roma, a eles. Como
também seria por maldade pessoal e gratuita de outros imperadores,
que tantos cristãos, embebidos em alcatrão, eram incendiados para
servirem como archotes no Coliseu, onde tantos outros foram
devorados por feras famintas. Nada se diz sobre o fato de que tais
imperadores, personagens da “Antiguidade Clássica”, e executores
do “admirável” Direito romano, faziam o que faziam, por serem
frutos do clima cultural em que viviam e por desejarem, não se
tornar impopulares mas ao contrário, para merecerem os aplausos
do povo, por aplicarem punições consideradas adequadas aos
“perversos integrantes da sinistra seita dos nazarenos”. Como pode
ver o leitor, não é tão difícil enganar as multidões, e já não o era,
mesmo em épocas remotas em que não existiam os formidáveis
recursos da mídia e a sofisticação das técnicas diretas, indiretas e,
até, subliminares para o mascaramento e a desfiguração da verdade.
O período de perseguições a que nos estamos
referindo durou mais de 300 anos, pois somente à altura do século
IV da nossa era, no ano de 312, foi que Constantino, que passou à
História como “O Grande”, marchando contra o general Maxêncio,
que se havia rebelado, teria tido uma visão em que lhe aparecera

159
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

uma cruz rodeada dos dizeres “in hoc signo vinces”. O símbolo do
cristianismo foi então, por sua ordem, pintado nos escudos dos
soldados que marchavam sob suas ordens e, travada a batalha, saiu
dela vitorioso. Mais adiante, já imperador, fez figurar nos
estandartes, denominados lábaros, das legiões, o símbolo cristão.
Sem que se saiba ao certo a data da sua conversão, o fato é que as
iniciativas apontadas foram os primeiros sinais claros dessa
conversão. Em 313, pelo édito de Nicomédia, mais conhecido,
embora equivocadamente, como édito de Milão, ele recomendou
a todas as autoridades que lhe eram subordinadas, que adotassem
atitude de tolerância em relação às religiões, inclusive a cristã,
determinando, igualmente, que esta fosse reparada das injustiças e
danos sofridos até então. Em 330, já imperador, transferiu a capital
do império para uma antiga colônia grega, Bizâncio a qual, em sua
homenagem, passou a ser designada como Constantinopla e hoje,
situada na Turquia européia, chama-se Istambul.
Oficializado que foi o cristianismo como religião
do império, recomendou Constantino tolerância também em relação
às religiões pagãs, antes predominantes.
Mas, veja o leitor: tudo isso, já no século IV da
nossa era. No século seguinte, teve início o que a desinformação
dos controladores do “motor de eficácia histórica” leva a maioria
a crer que o ocidente penetrou na “treva medieval”. Antes, assim,
no paganismo, teria havido mais luz; a treva, pois, teria começado
com o alastramento do cristianismo. E a chamada civilização
ocidental cristã, com as massas sideradas pela desinformação,
repete-o sem se dar conta do que está, na verdade, dizendo. Depois
da “treva medieval”, há um intervalo em que se fala do
Renascimento, descrito como um período em que ressurgiram
vigorosamente as artes plásticas e outras manifestações da cultura,
que teriam estado hibernando ou mortas durante as “trevas”. Esse
intervalo, porém, sempre do ponto de vista do pano de fundo do
pensamento do homem comum, de que se compõem as massas,

160
Capítulo IX - Um Hiato Histórico que não existiu, mas Prevaleceu,
como indício claro de Manipulação de Informações

positivo, agradável, mas impreciso, pouco nítido, desaguando, aí


sim, com ênfase, no “século das luzes”, do “aufklärung”, das
“lumières”, do “Iluminismo”, do “Racionalismo”. O século da
revolução francesa de 1789 e do artigo 6o, da “Declaração Universal
dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos” que, como também já
vimos, por aquele artigo, desvinculou a lei de quaisquer coisas
que pudessem condicionar a “vontade geral” a que ali se fazia
alusão. Na prática, como já vimos, a vontade de maiorias eventuais
e volúveis de representantes, ou supostos representantes daquela
vontade geral, que assim passavam a gozar da faculdade que já
fora denunciada por Cícero, em “De Legibus”, dezenas de séculos
antes. É que, assinalou Cícero, aos legisladores seria concedida a
faculdade de transformar a virtude em vício, a verdade em erro, o
mal em bem, e assim por diante. Mas, e já o dissemos anteriormente,
representava o citado artigo 6o o coroamento de esforço realizado
ao longo de séculos, pelos controladores do “motor de eficácia
histórica”. Indício desse esforço, coordenado e consciente, podemos
encontrá-lo na participação ativa que todos os historiadores
registram, de sociedades secretas existentes desde o período
medieval, na realização daquela, como de outras revoluções que
se lhe seguiram, inclusive em nosso país, quando da proclamação
da República. Não que faltassem boas e justificáveis razões para
que se realizasse aquela revolução, como outras que vieram a
ocorrer. Aquelas razões, entretanto, serviram de pretextos para a
consecução do objetivo real, consistente, repitamo-lo, em delegar
a formulação de todo o Direito, a maiorias eventuais e volúveis,
influenciáveis e controláveis como hoje, notoriamente, ninguém,
de boa-fé será capaz de negar. E tanto a desinformação que estamos
mencionando existente, para camuflar, mascarar e deformar a
realidade, é algo real e comprovável, que a revolução francesa de
1789 é sempre apresentada perante a imaginação das massas,
apenas como uma revolta em favor da liberdade, da igualdade e da
fraternidade, contra o absolutismo monárquico, realmente injusto

161
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

e contrário ao Direito natural, absolutismo cujo exercício despótico


passou a ser simbolizado na Bastilha. Bastilha que o homem
comum supõe prisão em que gemiam centenas de vítimas daquele
absolutismo. A realidade histórica, porém, é completamente
diferente. Quando as massas enfurecidas e insufladas pela
burguesia, que rica como era, não deixava de integrar a plebe,
excluída dos privilégios de que desfrutavam, com exclusividade,
apenas os nobres e o clero católico — o que não impediu que o
abade Sieyès, membro de uma das sociedades secretas a que
fizemos alusão, tivesse sido um dos mais ativos articuladores da
revolução de que estamos tratando — quando as massas
enfurecidas, dizíamos, tomaram de assalto a Bastilha, havia ali
somente sete presos: e dois não o eram em sentido estrito, eis que
se tratava de doentes mentais que haviam sido recolhidos pelo
governador daquela prisão, para que não viessem a morrer de frio
quando chegassem os rigores do outono e do inverno que se
aproximavam. Dois outros eram estelionatários, presos comuns, e
apenas três eram presos políticos. Quando, vitoriosa a revolução,
passou a funcionar a “piedosa” máquina do Dr. Guillotin e, sob o
seu cutelo, rolou a cabeça de Robespierre, o líder do Partido
Jacobino, havia na França mais de 100.000 prisioneiros políticos
e, em cárcere domiciliar, aguardavam outros, e em número ainda
maior, a instrução dos respectivos processos.
Também, possivelmente, o leitor nunca tenha
ouvido dizer, ou lido em algum lugar, que somente na província
da Vendéia foram chacinados e mortos mais de 30.000 religiosos,
entre padres e freiras. Como também, não lhe terá chegado ao
conhecimento que, em toda a França, numerosas igrejas foram
transformadas em aquartelamento de tropas ou depósitos de
aprovisionamento e de munições e, muitas, em estrebarias e
cocheiras. Nada disso é realçado, embora seja comprovável e
rigorosamente verdadeiro. O absurdo do absolutismo monárquico,
entretanto, quando se concentrava o esforço na deformação do

162
Capítulo IX - Um Hiato Histórico que não existiu, mas Prevaleceu,
como indício claro de Manipulação de Informações

medievo em “Idade das Trevas”, não tem sido considerado assim


tão absurdo, a ponto de Luís XIV ser conhecido comumente como
o “rei sol”. O mesmo a quem se atribui a frase antológica do
absolutismo, “l’ État cest moi!”. É que, então, do que se tratava
era de desmantelar a ordem medieval já, em seus últimos tempos,
degradada e corrompida o que, novamente, ensejava pretextos
válidos para quanto se fizesse contra ela.
E, para que a inteligência do leitor analise o que lhe
estamos oferecendo à consideração, acrescentaríamos que, de fato,
aquele famoso artigo 6o, que elidiu a moldura do Direito natural
na formulação do Direito positivo, não apareceu por acaso, mas
era um objetivo, uma meta de há muito buscada. A famosa
Revolução, da qual só se apresentam os aspectos positivos, teve a
inspirá-la o pensamento de uma plêiade de homens, como Diderot,
d’ Alembert, d’ Holbach, Voltaire, Rousseau, Babeuf, francamente
ateus uns, outros agnósticos ou partidários de religiosidade pessoal,
em última análise, submetida à razão de cada um, tudo quanto,
certa ou erradamente, não condiz com a fonte da religiosidade, em
sentido amplo, de qualquer religiosidade, de acordo, não com nossa
opinião pessoal, que nada vale, mas com as fontes documentais e
incontestáveis das raízes judaico-cristãs, de que proveio a nossa
civilização, assentes na hipótese da Revelação.
Por isso, leitor a quem respeitamos, é que dissemos
antes que, uma coisa é a democracia como ideal, a cujo conceito já
nos referimos por mais de uma vez. E outra, são as formas
institucionais com que se pretende implementar aquele ideal
insubstituível, universal e eterno, para as finalidades a que se
destina.
Hoje, pedimos ao leitor que, de maneira isenta
procure observar a procedência do que vamos registrar: o esforço
que se faz, em nível internacional, e já agora de maneira impositiva,
que não exclui o uso brutal da força, faz-se para confundir o ideal
com as formas vigentes, que não o vêm servindo, mas desservindo,

163
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

é que essas formas — e agora, esperamos — tudo se torna claro,


são as que excluem o Direito natural e entregam tudo à decisão de
maiorias eventuais e volúveis, influenciáveis e controláveis pelos
que disponham dos meios e recursos para fazê-lo. Daí a glorificação
da Revolução Francesa de 1789 e da americana, de 1776, inspirada
no pensamento de Locke, em aspectos fundamentais, análogo ao
de Rousseau. E agora, supomos, também terá ficado claro, ou terá
mais sentido, a opinião que citamos antes, de Jean Madiran, acerca
de que, para ele, aquele famoso artigo 6 o, teria tido sobre a história
moderna, influência maior do que o emprego da pólvora, a invenção
da imprensa e a Reforma luterana.
Convém assinalar também, e com a maior ênfase
possível, que dentre os que contribuíram para a realização daquelas
revoluções, como dentre os seus seguidores de hoje, a maior parte
o fez e o faz de boa-fé, eis que certas verdades lhes são sonegadas,
e manipulam-se com habilidade, pretextos maquilados como
motivos. Há uma lição, porém, sintética, lacônica, limpidamente
inteligível e de profunda sabedoria: “pelos frutos os conhecereis”.
Lição que figura nas fontes culturais de que proveio a nossa
civilização. E o leitor, acha que o mundo atual vai bem ou, usando
conceitos que estamos lhe oferecendo neste livro, pode-se dizer
que ele vai excelentemente, melhor do que em qualquer época
anterior da história, em termos de dissipação da “ignorância
externa”, aquela que é realizada pela ciência e pela tecnologia?
Em termos de “ignorância interna”, porém, aquela em que devem
ser buscados os conhecimentos acerca de quanto em nós significam
valores, indispensáveis para orientar a aplicação das conquistas
da ciência e da tecnologia que, do ponto de vista ético, são neutras,
será possível dizer o mesmo? Ou estamos vivendo um mundo de
egoísmos brutais, de violências crescentes, de subordinação a
apetites e instintos que nos estão transformando, cada vez mais,
em “feixes de apetites desordenados” incompatíveis com a
civilização? Com esta ou com qualquer outra que possa ser

164
Capítulo IX - Um Hiato Histórico que não existiu, mas Prevaleceu,
como indício claro de Manipulação de Informações

imaginada para nós, seres humanos?


Mas, no título deste capítulo, fez-se alusão a um
hiato, que a desinformação sonegou do conhecimento geral.
Recapitulemos então alguns dados: a chamada “Idade das Trevas”
a maioria dos historiadores aceita que terá começado no século V,
com a queda do Império Romano, e durado até o século XV, de
vez que no século seguinte teve início o “Renascimento”. E vimos
que, de largo período deste, só são promovidas informações
otimistas — em muitos casos procedentes — mas quase sempre
vagas. Para, logo em seguida, brotar vigorosa, a propaganda, a
promoção, do “século das luzes” com a revolução que ensejou o
famoso artigo 6o. Entre o final do medievo, e o início do
“Renascimento”, nada de importante teria acontecido? Tratou-se
de uma transformação instantânea surgida do nada, ou da “treva”?
Não parece isto curioso?
Pois chegou o momento de oferecer ao leitor uma
informação a mais, acerca da manipulação do que, ao talante de
certos interesses, é valorizado ou omitido do conhecimento da
maioria. E trata-se de algo que, como será verificado pela sua
inteligência, é de máxima importância para a temática de que nos
estamos ocupando.
Entre os anos de 1439 e 1440, realizou-se o Concílio
de Florença, convocado pelo Papa Eugênio IV. Como vê o leitor,
século XV, final do medievo. Entre os bispos conciliares, esteve
presente o extraordinário intelectual, por motivos que não caberia
assinalar aqui, considerado um dos pais de toda a ciência moderna,
o bispo Nicolau de Cusa. Nome que, estamos quase certos, jamais
teria chegado ao conhecimento do leitor. Do Concílio de que
participou, resultou implícito o conceito de Estado nacional
soberano, de feição republicana,* regido pelo Direito natural e com
o compromisso moralmente fundamental de fomentar o progresso
dos conhecimentos, inclusive dos conhecimentos técnico-
científicos. Teria o leitor, à luz do que lhe tem sido permitido saber,

165
*
Etimologicamente, república significa “coisa pública”. Sob a luz da ética cristã, algo
orientado para o bem comum. (N.A.)
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

depois de passar pelo filtro dos controladores do “motor de eficácia


histórica”, imaginado que das “trevas” pudessem surgir concepções
do gênero da que acabamos de assinalar? E o “filtro”, como era de
esperar em tal caso, funcionou. É que, a prevalência do Direito
natural representa o oposto do objetivado pelo famoso artigo 6 o. O
Concílio em questão foi realizado, como vimos, em Florença, e a
Wall Street ou a City dos nossos dias era, então, em Veneza, com
seu extraordinário comércio e a sua, para a época, formidável
potência financeira, em cujo acúmulo e atuação desejam muitos,
compreensivelmente, atuar sem quaisquer peias, situadas fora do
campo e da índole das atividades de que dependem a sua
prosperidade e, até, a sua segurança. Vê o leitor, de novo, a
importância do artigo 6 o e da confusão entre as formas institucionais
viciadas e o ideal democrático, eterno e insubstituível? No caso a
que estamos nos referindo, o “filtro” buscou abafar a sua influência,
de seu ponto de vista inconveniente, como o leitor entende, o que
acarretou, por parte dos que se deixaram tocar e influenciar pelo
que decorrera do Concílio de Florença, cujo tema central foi o
Credo, tendo prevalecido o princípio do “filioque” * * que se
organizassem na chamada “liga de Cambrai”. Estabeleceu-se, então
a luta entre o poder veneziano e os integrantes da liga, luta que se
mostrou desgastante para os venezianos, embora tivessem, pela
via da habilidade, da trama diplomática e da corrupção, conseguido
desunir os integrantes da liga e, até, em alguns casos, lançar uns
contra os outros. O desgaste, porém, e a ameaça que ele representou
foram, aparentemente, suficientes, para que as lideranças do poder
sediado em Veneza, conscientes, também, de que o Adriático não
era suficientemente grande para a expansão que tinham em vista,
resolvessem, mais tarde, transferir-se para Londres, situada em
uma ilha geograficamente bem situada da qual, por isto mesmo, e
em maior segurança, teriam acesso a, praticamente, todos os mares
e oceanos. Mas tudo isso é apenas um pequeno exemplo, um
subsídio a mais para a grande opção diante da qual todos estamos,

166
**
Filioque – o filho proveniente de si mesmo, por ser idêntico, em natureza, ao Pai.
(N.A.)
Capítulo IX - Um Hiato Histórico que não existiu, mas Prevaleceu,
como indício claro de Manipulação de Informações

não justificando, portanto, que entremos em detalhes acerca dos


acontecimentos, apenas entremostrados, mas dos quais, estamos
quase certos, a maioria dos leitores jamais terá ouvido falar.
Antes de prosseguir, e para que o leitor avalie
melhor o quanto temos sido desrespeitados pela deformação, pela
manipulação, das informações; e antes mesmo de entrar na questão
de fundo relativa ao caráter, podemos dizer, criminoso, do artigo
6o a que nos temos reportado tantas vezes; antes, portanto, de ferir
a questão do Direito natural e do caráter indispensável da sua
consideração para que o Direito positivo não consiga afastar-se,
ao menos em demasia, da Justiça, a cuja garantia ele se destina,
seja-nos permitido, a nós que não nos consideramos o que
comumente é designado, um “espírito prático” que ofereçamos
algumas sugestões sobre como, sem ir tão longe nem tão fundo,
poderíamos, talvez, aperfeiçoar as instituições democráticas que,
tais como estão, desejam impingir-nos como irretocáveis e
perfeitas. Por exemplo, não poderia a legislação eleitoral exigir
que os partidos políticos funcionassem permanentemente e, de
maneira obrigatória, se dedicassem à realização de cursos, palestras,
seminários, simpósios, todos versando aspectos da problemática
nacional e internacional? Não poderia, a mesma legislação, obrigar
os filiados a um partido, a freqüentarem, se não todas, as atividades
de seu maior interesse, com regularidade também prevista em lei,
tal como acontece nas escolas de formação profissional, sem que
ocorra a alguém, afirmar que tais exigências são antidemocráticas
ou totalitárias? Não poderia a mesma legislação estabelecer um
tempo de filiação e um certo número de créditos para que os
integrantes de um partido pudessem vir a figurar em uma sua chapa
como candidatos a cargos eletivos? Não poderia a mesma legislação
reduzir ao mínimo os pré-requisitados dos integrantes de um
partido, necessários à sua participação na vida partidária, ao mesmo
tempo que estabelecer normas para que os estudos dos problemas
nacionais e internacionais fossem desenvolvidos de maneira

167
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

didaticamente acessível e compatível com aqueles pré-requisitos?


Medidas assim, e outras mais, melhores e mais inspiradas do que
essas, não dariam outra consistência às organizações partidárias,
as quais os eleitores, atualmente, em geral, não sabem nem onde
funcionam? A formação das equipes dirigentes dos partidos, a
mesma legislação exigiria, seria feita a partir da escolha pelos
militantes. Tudo isso, claro, necessário somente para os que
desejassem participar da atividade política diretamente, em nível
de eventual ascensão a postos legislativos e executivos. Quanto às
campanhas eleitorais, imaginamos que elas deveriam ser, por lei,
obrigatoriamente centradas nos princípios e nos programas dos
partidos. Programas expostos, não como vagas e genéricas
declarações de intenções, mas, a cada uma delas, o detalhamento
sobre como o partido se propõe a concretizá-las. O eleitorado, então,
votaria, fundamentalmente, nos partidos, em razão dos seus
princípios e dos seus programas. A mesma lei, exigiria dos eleitos,
em conseqüência, obrigatória fidelidade partidária. No caso de
descumprimento dessa fidelidade, seja por mudança de partido,
seja por atuação em contradição com os compromissos expressos
na campanha eleitoral, qualquer eleitor poderia dirigir-se ao
Tribunal Eleitoral competente, solicitando a substituição do eleito
infiel, a ser feita pelo partido, por solicitação do referido tribunal.
São essas, sugestões partidas de quem está certo de
que algo muito melhor e mais detalhado, pode ser formulado por
quem esteja em condições mais adequadas para fazê-lo. De
qualquer modo, porém, acha o leitor que algo seria, em termos de
representação popular e de vida político-partidária, menos
democrático do que o que tem resultado nesse quadro deplorável
de descrédito e de desmoralização em que temos caído, e não apenas
nós, mas outros países, inclusive do famoso primeiro mundo? Não
fica clara, então, com o pequeno ensaio, ou exemplo, que estamos
oferecendo à consideração da inteligência do leitor, que a
irretocabilidade do “status quo”, alegada tantas vezes, sobre ser

168
Capítulo IX - Um Hiato Histórico que não existiu, mas Prevaleceu,
como indício claro de Manipulação de Informações

um disparate, em termos amplos, se configura, claramente, como


um desrespeito à nossa sensibilidade e à nossa inteligência?
Perdoem-nos os leitores o exemplo, seguramente tosco e
imperfeito, que figura acima. O nosso intento, ao formulá-lo, foi o
de mostrar o quanto se poderia fazer, mesmo sem ir à questão de
fundo — que é a da desvinculação do Direito positivo em relação
ao Direito natural, das leis que os legisladores produzem a seu
talante — no sentido de melhorar o quadro de uma realidade que
nos desrespeita e está, a esta altura, nos conduzindo a um futuro
onde, a cada dia mais, acumulam-se nuvens gravemente
preocupantes. Muito gravemente, pensamos.

169
170
CAPÍTULO X

A QUESTÃO DO DIREITO NATURAL


Preliminarmente à abordagem do significado do
Direito natural e da sua importância, seja-nos permitido realçar,
diante da inteligência do leitor, que estamos tratando do que vem
ocorrendo à nossa civilização a qual, incontestavelmente, brotou
da perspectiva cultural básica judaico-cristã a que nos temos
referido tantas vezes, e na qual o ser humano é tido como uma
dualidade de corpo e espírito, e foi criado por Deus, à Sua imagem
e semelhança. Se tal perspectiva corresponde à verdade ou é uma
fantasia não está, neste momento, em questão. O que está em
questão, por enquanto, é que sendo o fundamento mais profundo
da nossa cultura, o que acaba de ser mencionado, a suposição de
que o Direito, todo o Direito, deve basear-se, apenas e tão somente,
nas leis elaboradas por seres humanos, adotando-se como critério
a vontade de maiorias eventuais de legisladores implica: primeiro,

171
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

na suposição de que maiorias eventuais possam ser consideradas


como fontes de verdade, quando de fato elas estão sujeitas a erros,
da mesma forma como as singularidades; segundo, que não existe
aquele Deus criador de todas as coisas, em cuja criação está
impressa a Sua vontade, Seu projeto ao criá-las.
Como pode ver o leitor, sem necessidade de discutir
a validade da hipótese, é manifesta a diferença essencial que existe
entre ela, e quanto decorre do artigo 6o da “Declaração Universal
dos Direitos do Homem e dos Cidadãos”, promulgada pela
Assembléia Nacional Francesa, pouco depois de vitoriosa a
revolução a cujas inspirações intelectuais predominantes já tivemos
oportunidade de referir-nos, bem como a alguns de seus resultados,
cuidadosamente mantidos longe do conhecimento geral. Isto não
quer dizer que deveria ser garantido indefinidamente o absolutismo
monárquico, e a discriminação, na lei, entre os componentes da
sociedade, erros também já realçados por nós em oportunidade
anterior. Afinal existe, segundo acreditamos, o 2 o plano da História
cujas manifestações, ao menos no exemplo de que estamos
tratando, são capazes de justificar a sabedoria popular, quando
afirma que “Deus escreve certo por linhas tortas”. Apenas, para
que a observação que acabamos de fazer não induza a conclusões
que não são as que nos parecem corretas, as “linhas tortas” da
escrita de Deus, no caso da organização da sociedade de suas
criaturas, ainda não terminou. Quando os verdadeiros mentores da
revolução de 89, condenavam o absolutismo e os privilégios,
faziam-no para brandi-los como pretextos, mas não os tinham como
os seus motivos reais. E foi isso que resultou no artigo 6o, e em
muitos dos aspectos dos que imediatamente se seguiram à vitória
e que são, como o dissemos, cuidadosamente conservados longe
do conhecimento geral.
Então, segundo as nossas raízes culturais
indiscutíveis, certa ou erradamente, existe um Deus criador e, na
Sua criação, está impressa, repitamo-lo, a Sua vontade. E é Dela,

172
Capítulo X - A Questão do Direito Natural

tal como possa ser apreendida pela inteligência dos homens, que
brota o Direito natural. Ele não é algo que substitua o Direito
positivo, pois, segundo as referidas raízes, o homem é não apenas
“imago Dei”, mas também “capax Dei”. Não apenas imagem de
Deus mas, na conformidade, do livro do Gênese a eles foi
determinado que crescessem, se multiplicassem e dominassem a
terra. Em relação a esta, portanto, ele passou a ser sujeito, cabendo-
lhe, no que seja justo, modificá-la na conformidade das suas
necessidades e com o uso da imanência das suas faculdades,
imanência da qual é o único titular entre os seres vivos.
Então, ao Direito natural o que cabe é como que
emoldurar o Direito positivo, para que não seja entregue, sem
quaisquer limites além das preferências de maiorias eventuais e
volúveis, todo o Direito. A fim de que, o melhor possível, as leis
não discrepem da justiça.
Problemas da natureza do que estamos neste
momento levantando, não têm tido, para satisfação dos
controladores do “motor de eficácia histórica”, o necessário realce.
Observe o leitor que a Revolução francesa, como a americana,
que a antecedeu de apenas treze anos, ocorreram no último quartel
do “século das luzes”, do “Racionalismo”, em que se estava
ressuscitando, como já vimos, ao menos em nível de suas lideranças
intelectuais ostensivas, o sonho de Protágoras, de fazer do homem
a medida de todas as coisas. Iniciava-se a grande aceleração da
vitoriosa marcha de dissipação da “ignorância externa”, cujos
magníficos resultados estimulavam a tendência do homem para
prosternar-se diante de si mesmo. O tempo, porém, continuou o
passar, e os frutos de certos descaminhos, a manifestarem-se, cada
vez mais claramente. E eles são tantos e tão dolorosamente amargos
que, hoje, pensamos, se configura oportunidade para a revisão
daqueles descaminhos. Continua operando o 2 o plano da História,
e continua a “escrita por linhas tortas” a que o povo se refere.
Agora, já é possível ver claramente que, como tudo se resume a

173
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

opções de maiorias, certas tendências, por mais ostensivamente


violadoras da lei natural, desde que passem a contar com o número
suficiente de adeptos, em uma primeira etapa, transformam-se em
“presunções de direito” que, continuando a crescer o número de
adeptos, transformam-se em leis do Direito positivo.
Sendo a maioria o único critério, contra o qual nada
possa ser contraposto, ofereçamos um exemplo: no caso de uma
dada sociedade em que o uso de drogas passe a ser adotado pela
maioria, tal uso deve constituir-se em direito? Acha o leitor absurdo
e disparatado o exemplo? Observe como, no noticiário
internacional, começam a surgir, cada vez com maior freqüência,
vozes ponderando em favor descriminalização do uso de
entorpecentes. No caso da homossexualidade, já é farta a legislação
que a protege e a que pune qualquer tipo de restrição à sua prática.
O pretexto alegado, quase sempre, é o de que se trata de uma “opção
sexual” cuja restrição agride a liberdade. Aqui, a falta do Direito
natural, faz-se sentir de duas maneiras: no assegurar ausência de
quaisquer limites ao uso da liberdade, e no desconsiderar que a
homossexualidade contraria os interesses da espécie, cuja
permanência é feita por intermédio da heterossexualidade. Não há
dúvida de que o problema é complexo e, em nenhum momento,
estamos confundindo a homossexualidade com os homossexuais,
dignos do amor e deferência devidos a todos os seres humanos.
Mas, os que tentam justificar a primeira por tratar-se “de uma opção
sexual”, justificarão, também, a necrofilia, na mesma medida e
com a mesma ênfase? Não será a necrofilia, também, uma “opção
sexual”? Apenas, felizmente, o número dos que optam por ela é
diminuto, não se constituindo em “presunção de direito”, a ser
transformada em lei logo adiante. São exemplos chocantes mas
que servem para exemplificar o grau de confusão e de desordem
que resulta da consideração, como fonte de todo o Direito, a areia
movediça das decisões de maiorias volúveis* .

174
* Grau de confusão que permite que, com dinheiro público, seja realizada em grande escala a propaganda enganosa:
“Faça sexo seguro, use camisinha”. Propaganda não apenas enganosa, mas criminosa, pois o uso da “camisinha”
reduz o risco de contágio, mas não o elimina. O poder público deveria promover campanhas em favor do sexo
responsável, como expressão de amor em matrimônios permanentes entre cônjuges saudáveis. Mas isso seria
contrariar a licenciosidade em que se tenta transformar a liberdade... (N.A.)
Capítulo X - A Questão do Direito Natural

Também parece oportuno levar em conta que, se ao


tempo em que foi imposto o famoso artigo 6 o, de fato a humanidade
estava embevecida com as suas próprias capacidades, os
desenvolvimentos da Ciência moderna, de que oferecemos
anteriormente alguns aspectos à consideração pela inteligência do
leitor, são de molde a abalar, e profundamente, aquele
embevecimento. E os aspectos de brutais violências do mundo
moderno — de magnitude sem precedentes em qualquer época
anterior — e das injustiças de que ele está superabundante, de
molde a recomendar a revisão de idéias que, artificialmente
promovidas, têm como que transitado em julgado até aqui, embora
representem erros de perigosas conseqüências.

10.1 — SUBSÍDIOS AO ENTENDIMENTO DO DIREITO


NATURAL
Feitas as ponderações que, como preliminares, nos
pareceram úteis e oportunas, seja-nos permitido, recorrer, agora,
em amparo das mesmas, a citações de uma incontestável autoridade
em filosofia política, o professor Heinrich Rommen 1 , Catedrático
de Filosofia Política da Universidade de Georgetown, em
Washington, EUA. Assim se expressa esse eminente professor: “a
lei natural permanece, pois, como medida preeminente, e a suprema
norma crítica superior de julgamento para a justiça das leis
humanas. Mas a lei humana é, por sua vez, necessária. A lei natural
reclama a lei positiva, para a concretização e a individualização
dos princípios perenes, de acordo com as circunstâncias.” e, mais
adiante: “o Estado, com seu soberano sistema de leis positivas,
para uma nação e para esta era e cultura, é necessário por Direito
natural.” Aqui, nos permitiremos comentar o que acaba de ser
citado. Repare o leitor que o neoliberalismo globalizante pretende
sobrepor-se às soberanias nacionais, violentando o Direito natural,
e agora podemos dizê-lo com o amparo da autoridade do autor
citado. E julgamos que a abalizada opinião dele tem a ver com o

175
1
ROMMEN, Heinrich – O Estado no Pensamento Católico, Ed. Paulinas – 1965.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

que, em nosso entendimento, ampara na Lei Natural, a manutenção


das soberanias nacionais. É que, segundo o conceituamos, o
patriotismo “é o sentimento que resulta da compatibilização
emocional que, natural e espontaneamente se estabelece, entre o
homem e o ambiente físico e cultural em que ele veio ao mundo,
desenvolveu a sua personalidade e integrou-se no processo
histórico”. O nacionalismo, assim, que para ser defensável não
deve estar maculado por nenhuma xenofobia, é um corolário do
patriotismo sendo, portanto, também algo inserido na ordem
natural, ao menos em nossa era e em nossa cultura. E é ele que
justifica, na mesma ordem de raciocínio, a soberania dos Estados,
expressões políticas das nações em que politicamente elas se
organizam.
Encerradas essas considerações que nos permitimos
fazer, a propósito da significação das citações feitas, seja-nos
permitido recorrer a ainda algumas outras, do mesmo eminente
mestre: “o universo é ordem, cosmos, não caos. A lei eterna, a
razão divina é que instituiu essa ordem”... “o homem é “homo
sapiens”” e, como diz São Tomás no capítulo I da “Contra
Gentiles”, cabe ao sábio instituir a ordem. Segue-se a isso, que a
política é subordinada à ética, o que torna impossível um conflito
inconciliável entre “ethos” e “bios” e que, no fim de contas, a
política moral é verdadeira e mais útil que a política amoral. Só
desse ponto de vista, podemos refutar o princípio moderno de
política biológica ou racial, desumana, como é apresentado por H.
St. Chamberlain, Gobineau e, de modo cru e instintivo, pela
concepção nazista do universo”.
A citação que acabamos de fazer, pareceu-nos
necessária pela revivescência, na prática, ainda que não amparada
por qualquer doutrina explícita, no mínimo pelas tendências
claramente malthusianas, de certos e, sem dúvida, desumanos
aspectos, da atuação de forças associadas à estratégia neoliberal
globalizante. Vejamos, porém, ainda outras passagens do mestre

176
Capítulo X - A Questão do Direito Natural

que estamos citando: “a dignidade da pessoa humana exige a


subordinação da autoridade à lei natural, porque nesta se baseia a
dignidade da pessoa humana. Uma autoridade emancipada da lei
natural não é, absolutamente, autoridade”. Entende o leitor, agora,
melhor, a nossa insistência em mencionar o célebre artigo 6o e em
denunciar-lhe a discrepância em relação às raízes fundamentais
da nossa cultura? Mas, recorramos, ainda uma vez, ao professor
Rommen: “uma nação que despreza os primeiros princípios da lei
natural há de perecer; a justiça permanece o fundamento do Estado.
Quando uma nação, desprezando a lei natural, deixa os
propugnadores do controle de natalidade, ou os cínicos da
libertinagem corromperem a vida sexual e da família, talvez
produza isso, a princípio, soluções fáceis de dilemas econômicos
ou sociais. Mas, se práticas licenciosas se tornam costumes
nacionais, tal nação se tornará senil, estinguir-se-á, perdendo sua
identidade, por meio de sujeição ou de imigração de nações mais
vigorosas. A lei natural se tem postado junto ao leito de morte de
muitas nações que desprezavam essa lei, no auge do hedonismo
materialista”.
Chamamos especialmente a atenção do leitor para
o significado do último período da citação acima, e para o que ele
representa como alerta ao que vem acontecendo em nosso país. E,
ainda uma vez, para a significação da ameaça profunda representada
pelas conseqüências, devastadoras para a civilização a que
pertencemos, do artigo 6o, tantas e tantas vezes por nós colocado
diante da inteligência e da consciência do leitor.
A civilização a que pertencemos, pela desvinculação do berço
cultural de que proveio, está, pensamos, realmente em crise, tal
como expusemos no capítulo II desta obra que, já agora, vai
chegando ao seu final. Antes, porém, de dá-la por terminada, ainda
queremos, por julgar de nosso dever, assinalar quais são, afinal, os
controladores do “motor de eficácia histórica”. Além disso, de onde
vem a potência desse “motor”, e quais são os fatores que a integram.

177
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

E, ainda mais, dizer o que, segundo a nossa visão, pode, e deve,


levar-nos ao estágio melhor que deverá seguir-se ao ponto de
inflexão ou à encruzilhada em que nos encontramos, em virtude
da operação do 2o plano da História. São os compromissos que
pretendemos saldar com o leitor nos capítulos que irão seguir-se.

178
CAPÍTULO XI

QUAIS SÃO OS CONTROLADORES DO


“MOTOR DE EFICÁCIA HISTÓRICA”,
QUAL A ORIGEM DA SUA POTÊNCIA E
QUAIS SÃO OS FATORES QUE A
INTEGRAM
11.1 — OS CONTROLADORES DO “MOTOR DE EFICÁCIA
HISTÓRICA”
Segundo pensamos, são todos os que, ao longo dos
séculos, deixaram-se dominar pelos apetites oriundos da natureza
carnal do homem, e passaram a supor que a felicidade que
buscavam dependia, principal ou exclusivamente, da satisfação
daqueles apetites. Satisfação que, por seu turno, exigia, não apenas
a posse de bens materiais, como aquisição de poder capaz de
assegurar a sua conquista e a sua manutenção. Tornados, assim,

179
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

cegos, por tais sentimentos gerados pela “ignorância interna”, não


se davam e continuam a não dar-se conta de que a capacidade de
desejar bens é, no homem, praticamente ilimitada sendo, entretanto,
muito restrita, a possibilidade de usufrui-los efetivamente. Quando
não fosse por outras razões que a inteligência do leitor facilmente
pode imaginar, sê-lo-ia pela duração extremamente fugaz da vida
corpórea, menos do que a de um “flash” de máquina fotográfica,
quando comparada à eternidade; e, é preciso não esquecê-lo,
estamos sempre nos referindo ao berço cultural judaico-cristão da
nossa civilização, segundo o qual somos dualidade de corpo e
espírito, este de duração eterna, enquanto aquele tem a fugacidade
que todos sabemos.
Dentre as vítimas da “ignorância interna” a que nos
estamos referindo, os mais aptos à conquista dos objetivos que
visavam foram se tornando os principais responsáveis pelo controle
do “motor de eficácia histórica”. A questão de fundo, portanto,
está na sujeição aos apetites corpóreos, excludente das necessidades
do espírito, exclusividade desequilibrante da harmonia que só pode
resultar — sempre segundo as nossas raízes culturais — da
observância indispensável da realidade dual a que nos temos
referido e que integram aquelas raízes.
O controle, portanto, de que estamos tratando, não
resultou de prévia conspiração. Ao contrário, foi ocorrendo
naturalmente e, na medida em que surgiram obstáculos ponderáveis
e ameaçadores — como também ocorreu no medievo, sobretudo
em seus primórdios — a necessidade de enfrentá-los e combatê-
los foi dando consistência e amplitude ao emprego de estratégias
e de táticas delas decorrentes, para conjurá-los. Aqueles obstáculos,
no período histórico a que acabamos de referir-nos provinham —
o que já foi assinalado em partes anteriores desta obra, da ética do
cristianismo, que condenava a atividade econômica tendo como
objetivo central ou exclusivo, não a subsistência mas o lucro. E
não apenas a condenava como a combatia. Por tudo isso, falamos

180
Capítulo XI - Quais são os Controladores do “Motor de Eficácia Histórica”,
qual a Origem da sua Potência e quais são os Fatores que a Integram

de “motor de eficácia histórica”. É porque ele refere-se a algo com


atuação sempre presente, influente e, até, transformadora, dos
acontecimentos históricos. Influência tanto mais eficaz quanto
ligada a apetites permanentes que integram a realidade humana e
cuja satisfação, ainda que insensata quando pretendida sem peias,
pode ser sempre reivindicada sob o pretexto da liberdade. Aí está,
aliás, a fonte do liberalismo que, tal como resultante e configurado
por ela, em termos filosóficos representa, como já tivemos a
oportunidade de assinalá-lo anteriormente, clara postura de
naturalismo agnóstico. Nada, portanto, compatível com as nossas
raízes culturais. A luta em questão, como o dissemos há pouco,
vem sendo travada ao longo de muitos séculos e, a esta altura, de
há muito acarretou o que temos chamado de “fenômeno de
interferência cultural”, por analogia com o que acontece a um
receptor de rádio cujo seletor de freqüências esteja defeituoso. A
partir daí, como já vimos, ele não será capaz de amplificar sons
harmoniosos e inteligíveis, mas uma algaravia de silvos, guinchos
e estrondos desagradáveis e incompreensíveis. Em nossa realidade,
sobre a base cultural de que proviemos, foi sendo superposta e
tornou-se dominante a visão naturalista-agnóstica que constitui o
espírito do liberalismo, já hoje travestido de neoliberalismo e posto
a serviço da globalização. Globalização que representa a dimensão
abrangente de todo o planeta, da luta a que nos estamos referindo,
entre a ética decorrente de nossas raízes culturais e seus corolários,
e os infelizes escravos da ambição de riquezas e poder, a serem
desfrutados no instantâneo lampejo de suas vidas materiais. Daí,
os aspectos estranhos e ininteligíveis para o homem comum, de
uma sociedade em que continuam a afirmar-se certos valores,
desmentidos na prática por quase tudo quanto se vem passando e
concretizando em nosso derredor.
Estamos, porém, conscientes da gravidade do que
dizemos, mas também conscientes da verdade factualmente
comprovável do que estamos oferecendo ao exame do leitor. De

181
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

qualquer maneira, porém, recorreremos, em favor do exposto, a


citações de um autor reputado, Jean Jacques Chevalier, professor
Honorário das Universidades de Grenoble e de Paris, e membro
do Instituto de Estudos Políticos de Paris 1 : “mas eis que surge, em
reação à Idade Média, o “Renascimento” . O indivíduo, por pouco
que seja dotado da “virtù” cara a Maquiavel, liberta-se
fulgurantemente da longa disciplina católica, embrenha-se
voluptuosamente na selva social e aspira à emancipação em todos
os domínios. No seio de uma exígua elite de excepcionais
exemplares da humanidade, muitas vezes guerreiros, artistas e
sábios, ao mesmo tempo, não raro, amorais e ferozes, vemos a
paixão da descoberta, a exigência crítica, o espírito de livre exame,
a exaltação do orgulho humano, aliarem-se à vontade de poder, à
glorificação, tanto da carne, quanto da arte sob suas formas mais
pagãs, o que será suficiente para impressionar mais tarde (inclusive
no século XX) de forma singular as imaginações — não sem
adornar e embelezar, graças às influências românticas, os aspectos
inumanos dessa super humanidade.
“Entretanto, a emancipação econômica do indivíduo
via-se também favorecida pela reação da época contra a organização
medieval, considerada tradicional e estática, já que alicerçada em
princípios mais morais do que econômicos. O espírito do tempo
milita a favor de uma organização dinâmica, a qual adota o critério
da utilidade determinada em função das necessidades individuais,
e obtida através do enriquecimento máximo do indivíduo. Essa
organização está dirigida para obtenção de uma produção sem
limites, o que se harmoniza perfeitamente com o caráter insaciável
do novo apetite de riqueza”.
A esta altura, porém, as tendências assinaladas acima
de que nos dispensamos de comentar no que tange à coincidência
com idéias que já oferecemos à consideração pela inteligência do
leitor, dominantes após longa e seletiva luta entre os dominados
pelas ambições de riquezas e de poder, visam a satisfação da

182
1
CHEVALIER, Jean-Jacques – História do Pensamento Político, Ed. Zahar – 1983.
Capítulo XI - Quais são os Controladores do “Motor de Eficácia Histórica”,
qual a Origem da sua Potência e quais são os Fatores que a Integram

minoria dos vitoriosos, ínfima se comparada à totalidade dos


habitantes do nosso planeta. O domínio pela ambição é, repitamos,
a questão verdadeiramente de fundo.

11.2 — ORIGEM, E FATORES QUE INTEGRAM A


POTÊNCIA DO “MOTOR”
Dominados por ela e vitoriosos na luta que travam
para servi-la, encontramos seres humanos de todos os quadrantes
da terra. Sem dúvida estarão entre eles, acionistas majoritários dos
doze bancos privados que emitem o referencial monetário mundial,
que não tem outro lastro além da capacidade de pressionar e de
agredir, postas à sua disposição por governos formados sob a égide
da sua capacidade de influenciar as massas e de conduzi-las —
quando isso é indispensável — às urnas capazes, supostamente,
de legitimá-los. Mas há, também megacapitalistas do extremo
oriente, como há potentados que controlam determinadas riquezas,
mas fazem-no em proveito próprio, enquanto os povos que
dominam, em lugar de orientar e proteger, são mantidos em estado
de vergonhosa, injusta e desnecessária pobreza. E mais, não
controlando o “motor” a que nos temos referido tantas vezes, mas
contribuindo para a sua potência, todos os que, dominados pela
cobiça, mas com menor talento e menor experiência, componentes
de praticamente todas as sociedades nacionais organizadas, julgam-
se colegas dos controladores, quando não passam de caudatários
deles, por certa forma e em determinada medida, também seus
servos. Referimo-nos aos ávidos capitalistas de ação, entretanto,
praticamente restrita ao ambiente das sociedades em que vivem e
que, muitas vezes inconscientemente, exploram, sem chegarem a
ter nítida percepção de que o fazem, fascinados como estão, e
enganados como foram, em meio à algaravia resultante da
“interferência cultural”, vêem a economia como ente autônomo
que, em lugar de existir para servir aos propósitos justos dos que a
criam, se transforma em algo a que os criadores devem servir. Visão

183
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

coerente com a que acabamos de descrever sucintamente, foi o


que levou Antonio Gramsci, arguto marxista italiano, a afirmar
que, na Rússia, uma crise grave, causada por problemas como o
da pobreza e o das sucessivas derrotas das tropas imperiais,
sobretudo nos lagos Mansurianos, diante das forças prussianas,
fora capaz de ensejar a revolução de outubro de 1918. É que, disse-
o Gramsci em seus “Cadernos” escritos quando ele era prisioneiro
do regime fascista de Benito Mussolini, a ‘sociedade política”,
representada pela aristocracia privilegiada, sob a égide da Casa
dos Romanoff, e pelas Forças Armadas e aparato policial do Estado,
não mantinham vínculos digamos, orgânicos, com as instituições
da “sociedade civil” que, além de débeis, pelo motivo apontado,
não se sentiam sócias da “sociedade política”. Esta seria então,
dizemos nós, como um colosso com os pés de barro. Ao seu tempo,
porém, devolvendo a linha de raciocínio a Gramsci, as instituições
da sociedade civil na Europa se tinham fortalecido, e sentiam-se,
não ameaçadas mas garantidas, pela sociedade política. Em tal
situação, raciocinava Gramsci, nenhuma crise capaz de ameaçar a
estabilidade da sócia “sociedade política”, seria capaz de derrubá-
la, eis que dela, obviamente, provinham a sua segurança e a sua
estabilidade. Mas, agora dizemos nós, como as sociedades civis a
que se referia Gramsci, estavam assentes, nas Repúblicas como
nas Monarquias, pelo que decorria da significação do artigo 6o a
que tão reiteradas referências temos feito, o seu fortalecimento
não se fizera com justiça, mas com as distorções que levavam e
continuavam a levar ao fortalecimento dos controladores do
“motor” e ao dos que, em diferentes níveis, contribuem para a sua
potência.
Para Gramsci, voltando a ele, a concepção básica
da estratégia para a derrubada das ‘sociedades políticas’ de seu
tempo, deveria contar com a infiltração em todos os que chamamos
de “centros de difusão de influência cultural”, como são os veículos
da mídia impressa ou eletrônica, as cátedras universitárias e de

184
Capítulo XI - Quais são os Controladores do “Motor de Eficácia Histórica”,
qual a Origem da sua Potência e quais são os Fatores que a Integram

nível médio, as colunas de crítica literária, ou artística — em nível


de arte popular ou erudita — as instituições de estímulo à ciência
e às artes, os púlpitos de denominações religiosas, todos a serem
infiltrados por militantes interessados em levar a cabo aquela
derrubada. Como pode ver o leitor, essa estratégia não se baseia
na preliminar conquista de multidões de adeptos, de vez que a
infiltração nos órgãos multiplicadores de influência cultural pode
ser levada a cabo, conforme a sociedade nacional que se considere,
por algumas centenas ou, até, por algumas dezenas de militantes,
desde que bem postados e bem articulados em sua atuação. Já
reparou o leitor como, de algumas poucas décadas a esta parte,
passaram a ser privilegiadas pela “crítica”, em todos os domínios
assinalados, tudo quanto contribua para confundir, para causar
perplexidade, para abalar convicções assentes em parâmetros e
valores de “antigamente”? Já observaram como, de fato,
estabeleceu-se, e praticamente se generalizou, uma sinonímia, que
nada justifica, entre “novo” e “bom”? Já observaram como, até na
distribuição dos prêmios Nobel, a influência a que nos estamos
referindo, em muitos casos está presente? Lembram-se das
“canções de protesto” e do refrão de uma delas segundo o qual
“não se deve confiar em quem tenha mais de trinta anos”? Já viram
que, hoje, em matéria de canto popular, ter boa voz não ajuda e, ao
contrário, até pode dificultar o sucesso? Já viram como nos festivais
gigantescos de “rock”, tornaram-se indispensáveis atitudes
absurdas, gesticulação grotesca, gritos inarticulados, tudo sob focos
de luzes cambiantes e alucinatórias? E por que tudo isso é possível?
É porque os empresários da mídia e de outros setores envolvidos
nos exemplos que estamos dando, todos são “muito práticos” e,
para eles, em se tratando de atividade econômica o “lucro” deve
prevalecer sobre quaisquer outras considerações. Claro que,
sobretudo nos exemplos que mencionamos por último, não esteve
diretamente presente a influência da estratégia de Antonio Gramsci.
Mas foram citados porque, sem aquela influência aluidora de

185
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

convicções anteriores e de padrões críticos antes aceitos como bons,


eles não se tornariam possíveis. Então, voltando a Gramsci, dada
a aliança existente entre a “sociedade civil” e a “sociedade política”
dos nossos dias, viabilizada pelo famoso artigo 6o, o que cumpria
fazer era cavar um fosso, cada vez mais profundo entre os
integrantes e dirigentes das instituições da “sociedade civil”,
espécies, segundo Gramsci, de fortins em torno da fortaleza central
representada pela “sociedade política”, de modo a que aquelas e
esta, de repente, se tornassem incapazes de sustentar-se, por falta
de apoio consistente.
Não se pense, por favor, que somos contrários ao
progresso ou que entendemos que todas as manifestações de arte,
realmente inovadoras, sejam, por definição, condenáveis. Assim
como entendemos não existir a sinonímia entre “novo” e “bom”,
também ela não existe entre “novo” e “mau”. O que queremos
significar é que, a pretexto de inovações valiosas, tem sido
confundida a opinião popular que, a esta altura, dificilmente é capaz
de sustentar critérios e princípios, cuja validade foi erodida. E que,
também a esta altura, já começam lideranças políticas e, até,
militares, da “sociedade política”, a ser paralisadas pela dúvida e
pela perplexidade.
Gramsci, e o “salto qualitativo” que ele objetivava
alcançar, estão ultrapassados, mas servem agora aos objetivos
neoliberais globalizantes, de caráter imperialista, postos em marcha,
a serviço dos reais controladores do “motor de eficácia histórica”.
Os motivos da afirmação que acabamos de fazer, a inteligência do
leitor alcançará facilmente. Como, caso adote, ao menos como
hipótese, perspectivas como as que estamos tentando oferecer-lhe
ao longo desta obra que, com sacrifício, estamos realizando para
pô-la a seu serviço e ao serviço do bem comum, poderá conceber
o que deve ser feito para conjurar o perigo que já de tão perto e tão
gravemente, nos está ameaçando. Até quando cruzaremos os braços
e deixaremos que prossiga o apodrecimento, não apenas do que o

186
Capítulo XI - Quais são os Controladores do “Motor de Eficácia Histórica”,
qual a Origem da sua Potência e quais são os Fatores que a Integram

passado teve e ainda tem de ruim, mas também do que ele possuiu,
e ainda possui, como realização e como possibilidade de progresso
verdadeiro — que não se confunde, necessariamente, com
desenvolvimento econômico — e depende da redução da
“ignorância interna”, que pretendem as suas vítimas, poderosas
quanto o sejam nesta vida fugacíssima, que seja mantida e
aprofundada?
A ameaça é poderosa, mas existe, pensamos, o “2o
plano da História”. Os controladores do poder, do “motor” e da
sua potência, já estão tornando patente a própria existência. E esta,
aqui e ali, começa a suscitar reações. Por outro lado, sua insaciável
ambição, cuja satisfação vão conquistando ao desamparo da
verdadeira justiça, por esta razão mesma, gera desarmonia e
desequilíbrio, cujas conseqüências imprevisíveis, mas
factualmente, podem ser devastadoras, se atentarmos para os
princípios, ou para a falta de princípios, de lideranças capazes, em
seu desvario, de acarretar a maior catástrofe de que tem registro a
História dando, aliás, continuidade às que já ocorreram no século
que passou, e continuam a ocorrer neste em que estamos apenas
começando a penetrar.*

* Os controladores e seus aliados, que se supõem parceiros e estão no mundo inteiro e


não são mais do que caudatários, constituem o que podemos designar como “nação
pluriestatal”. “Nação”, por compor-se de homens que têm os mesmos objetivos, travam
as mesmas lutas para conquistá-las, representam uma mesma maneira básica de
entender a vida e os objetivos que, nela, devam ser conquistados. “Pluriestatal”, por
atuarem em muitos Estados, em níveis diferentes de influência. Em alguns casos,
dominante, como, por exemplo, nos EUA, no Reino Unido e em outros, entre os quais,
no momento, se insere o nosso país. (N.A.)

187
188
CAPÍTULO XII
O QUE FAZER, ENTÃO?
O leitor, supomos, não terá dúvida sobre que, para
fazer-se alguma coisa, a condição preliminar e indispensável é
querer fazê-lo. Para isso, para que queiramos fazê-lo, vejamos:
“... penso que Lutero teve razão quando disse que o homem tem
que se horrorizar consigo mesmo para chegar ao bom caminho”.
A citação que acabamos de fazer não se refere a nenhum pensador
luterano mas é, para surpresa de muitos, do cardeal Joseph
Ratzinger,1 atual prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina
de Fé, nome atual do que, no passado, era conhecido como Santa
Inquisição.
E para que nos horrorizemos com o que está se
passando em nossos dias, em nome de uma liberdade que não é
outra coisa senão a depravação daquele valor sublime a que se
referiu John Salisbury, associando-o à virtude, na forma que já
tivemos ocasião de oferecer à consideração do leitor, basta pensar

189
1
RATZINGER, Joseph Cardeal – O Sal da Terra, Ed. Imago - 1977
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

nos milhões e milhões de portadores do vírus HIV, e nos milhões


que, por causa dele, estão morrendo, ou já morreram, em meio a
indizíveis sofrimentos; nas guerras localizadas que espalham a
morte e eternizam a miséria, vitimando também milhões de seres
humanos que se digladiam usando armas que nenhum deles produz,
mas que lhes chegam às mãos e não, por certo, graciosamente.
Nas famílias desfeitas, nas crianças abandonadas e nos jovens
desalentados que se entregam ao uso das drogas, em manifesta
tentativa de fugir a uma realidade que lhes parece esvaziada de
sentido e de objetivos a que se aplique a sua ânsia de ideal. De
multidões, enfim, vivendo como bandos de mariposas esvoaçantes
em torno da luz enganadora do consumismo cuja sede não é, por
motivos já vistos, saciável, e da submissão escravizante a instintos
desordenados que, estiolando o espírito, também acabam por
vulnerar a saúde física de suas vítimas. O quadro, que está longe
de ser completo, bem sabemos que haverá de parecer a muitos,
exageradamente dramático. Nada do que acabamos de registrar,
porém, deixa de ser verdadeiro; apenas, a informação, ou a
desinformação, a serviço dos controladores do “motor” e dos seus
pretensos sócios e aliados, cuida de desfigurar a realidade,
mascarando-a, retocando-a, fragmentando-a, para que as multidões
não se dêem conta do tremendo equívoco que as envolve, e para
anestesiá-las e tirar-lhes a capacidade de reagir. E, por incrível
que possa parecer, não se trata de drama encenado pela primeira
vez ao longo da História. Pelo contrário, muito pelo contrário, ele
tem se repetido, com as peculiaridades e nuances de cada época,
muitas e muitas vezes. E sempre, e invariavelmente, nos períodos
de decadência de civilizações que nos precederam. Neste momento
em que estamos escrevendo, noticiário de rádio, transmitindo
despacho de agências internacionais — aquelas mesmas a que
também que já nos reportamos anteriormente em outro capítulo
— estão dando conta de que, na Holanda, acaba de ser oficializado
o casamento civil entre homossexuais, tendo o próprio prefeito da

190
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

cidade de Amsterdã, oficiado quatro deles, três entre homens e um


entre lésbicas, tendo sido legalizada também a eutanásia. E, é claro,
sem precisar ter acompanhado o processo legislativo, podemos
imaginar que a vontade de uma maioria eventual funcionou como
a lei, e terá decidido em favor da “liberdade” individual, das pessoas
que porventura, ou desventura, fizeram aquelas “opções”. Dia virá
em que outras “opções” serão também transformadas em lei,
parecendo, pelo que tem veiculado a mídia, em torno de sua
incidência crescente, que a primeira será a pedofilia. Coisas
“modernas”, “novas” e por isso “boas”? Saiba o leitor que,
porventura, ainda o ignore, que nos prostíbulos de Tebas, no período
de decadência, as prostitutas a partir dos 10, no máximo, 11 anos
de idade, eram dispensadas por serem consideradas já
demasiadamente “velhas” para o exercício do seu triste trabalho.
A diferença é que, àquele tempo, ao que se saiba, não existia Aids.
Por outro lado, para quantos queiram inteirar-se de
quanto são “modernas” tantas disposições “amáveis” e
“libertárias”, em favor da homossexualidade, de novo em moda,
recomendamos ao leitor que, por acaso ainda não o haja efeito,
que leia o “Satíricon” de Petrônio, uma espécie do que hoje seria,
talvez, um colunista social “bem”. Na referida obra, o
elegantíssimo, “liberado” e “moderno” Petrônio relata que, em certa
ocasião fora convidado por um amigo para passar um “fim de
semana prolongado” — que os havia aquela época em que, além
de outros, existiam os feriados correspondentes aos “dias aziagos”
— e que, exatamente porque se tratava de um fim de semana
prolongado, julgou necessário ao seu conforto, fazer-se acompanhar
de seu “Mancebo predileto”. Em chegando à mansão de campo de
quem o convidara, foi recebido à entrada, pela anfitriã, esposa do
mesmo. E notou que ela o olhava com significativa simpatia. Como
se tratasse, também de sra. de seu tempo — o comentário é nosso
— e igualmente liberta de “preconceitos superados”, procedeu dali
em diante de maneira a que entre eles ocorresse o que ela,

191
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

aparentemente, desejara desde o primeiro instante. O anfitrião


apercebeu-se, entretanto, do que se passara e exigiu dele, Petrônio,
a satisfação que lhe pareceu justa. Ou seja, o anfitrião — o
comentário é nosso — também homem de seu tempo, “liberado” e
“isento de preconceitos”, era bissexual e desejou cevar os seus
impulsos de pederasta ativo, em Petrônio que, aquiesceu, por achar
justa a reparação exigida. A anfitriã, porém, sabedora do ocorrido
entre o seu marido e o galã que lhe parecera Petrônio, despeitada,
passou a proceder com o “mancebo predileto” dele, tal como o
fizera com Petrônio, ocorrendo entre os dois — o comentário é
nosso — de vez que o mancebo era também personagem de seu
tempo, “liberado” e “despido de preconceitos”, o mesmo que
resultara no pedido de reparação do anfitrião. Agora, fala de novo
Petrônio: descobrindo o que se passara entre a anfitriã e seu
predileto, sentia-se angustiado pelo sentimento de um duplo ciúme,
centrado na mesma pessoa.
O autor de “Satíricon”, convém realçar, não avalia
nem critica os acontecimentos. Apenas os relata, como referentes
a coisas perfeitamente plausíveis e compreensíveis para os leitores
seus contemporâneos. Mas, realçamos nós: quando viveu Petrônio,
o “árbitro da elegância” de seu tempo? Viveu no reinado de Nero,
o desvairado imperador, que o tinha naquela conta e que mandou
atear fogo a Roma, atribuindo a tragédia à “sinistra seita dos
nazarenos”, como eram tidos os cristãos, tanto tempo depois do
martírio de Cristo, cuja doutrina de amor representa ponto
culminante na História da humanidade. Viveu, portanto, Petrônio
num período em que já estava em plena decadência o grande
Império Romano. E tem sido assim, ao longo da História: sempre
que se confunde a liberdade como conceito, cujo atributo
caracterizador seria o de não sofrer restrições, com o exercício da
liberdade por seres como somos todos nós, misturas, para usar as
expressões do poeta, de lama e de luz, desconsideram-se normas
que estão inscritas na natureza das coisas e que, obviamente, sem

192
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

tecer outras considerações, representam algo muito mais alto e


mais seguro do que a opinião de maiorias volúveis, manipuláveis
e eleitas como todos sabemos: por partidos aos quais o povo não
pertence e, em geral, não lhes conhece os programas, a não ser,
quando chega a tanto, através de genéricas declarações de intenções.
Maiorias volúveis que discutem agora, acerca da “clonagem” de
seres humanos. A degradação da liberdade em licenciosidade e o
papel desagregador desta última, pois, para que sejam afirmados,
não exigem do observador que ele possua dotes divinatórios, ou
recorra a bolas de cristal. Basta-lhe buscar aprender com o passado,
desde que este seja analisado objetivamente, não depois de
maquilado, modificado, mutilado, pelos interesses dos
controladores do “motor”. Repare o leitor que, as descrições
chocantes, que preferiríamos dispensar se não nos parecessem úteis
ao esclarecimento da verdade, referem-se a épocas que aquela
manipulação e maquilagem designam, como o assinalamos
anteriormente, como “Antiguidade Clássica” da qual, como
também já vimos, são realçadas com maior freqüência, aspectos
positivos que tiveram. Depois dela, a “treva medieval”. Depois
dessa “treva”, que em seu período mais característico, marcou a
prevalência de fervor fundamentalista cristão, veio então —
segundo os deformadores da verdade histórica — o
“Renascimento”. E este, em seus aspectos mais positivos, e ele os
teve sem dúvida alguma, é contraposto ao que de pior apresentou,
ou inventou-se que apresentou, exatamente a fase de decadência
do medievo. Vejamos, entretanto, o que dizia um autor, cujo nome
se perdeu, contemporâneo do início do famoso “renascer das
trevas”:
“E isto é uma cidade de nome, mas, de fato, uma
cambada de gente procurando gorjeta pois, autoridade ou não,
buscam todos ganhar, e da prosperidade geral ninguém cuida. O
inferno com aspecto de ordem posso chamar isso, em que cada
qual é por si e ninguém por todos.”

193
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

A opinião de um indivíduo que viveu na


Renascença, sobre a realidade do seu tempo — o leitor concordará
que já bastante semelhante à atual e, daí, a propaganda dos
controladores do “motor” chamá-la de Renascença — nós a tiramos
de obra que Alceu de Amoroso Lima, Tristão de Athayde,
considerou como talvez a mais importante dentre todas que, no
gênero, foram publicadas no século passado.2 Ao menos até à altura
em que o grande pensador católico espendeu o referido juízo,
meados daquele século. Na mesma obra que estamos citando e a
que se referiu o comentarista, mencionado, assinala-se que no
alvorecer do Renascimento, surgiu a obra de Nicoló Macchiavelo,
mais conhecido entre nós como Maquiavel, pela influência que a
cultura francesa exerceu sobre a nossa, obra da qual é “O Príncipe”
a mais conhecida e divulgada entre nós. Vejamos o que, sobre ela,
diz o autor que estamos citando: “nela (na obra de Macchiavelo)
toma corpo, de modo mais incisivo, todo o espírito da renascença:
desprezo pela humildade e a ambição de poder, menoscabo à
piedade e admiração pelo sucesso, intolerância em relação aos
princípios da ética religiosa e gosto pelo uso de processos
oportunistas”. Como pode observar o leitor, um espírito oposto a
aspectos essenciais da mensagem cristã e, no que tange à
intolerância aos princípios da ética religiosa, de coincidência
flagrante com os interesses dos que, desde há muito, buscavam
realizar a atividade econômica visando fundamentalmente o lucro,
atitude, como já vimos, em oposição àquela ética. O leitor lembra-
se, também, de que exatamente essa oposição é que deu partida e
vem mantendo o “motor de eficácia histórica”, já agora
tremendamente potente e sob o controle real de pouquíssimos.
Em sua obra mais conhecida, escrita para servir ao
príncipe César Borgia, revela-se Macchiavelo influenciado pelo
jurista romano Ulpiano (jurista da “Antiguidade Clássica”...)* e
atinge as raias do mais explícito cinismo político, o mesmo que,
hoje, muitos, com singular candura e não menos singular ignorância

194
2
HUGHES, Emmet J. – Ascensão e Decadência da Burguesia, Ed. Agir – 1945.
*
Para Ulpiano, “a vontade do príncipe (do governante) é justa por ser sua vontade. Comparar com “l’ État cest moi”, do
“rei sol” Luiz XIV, “Renascentista”. (N.A.)
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

ou... cinismo, designam como “realismo político”; e pretendem,


com menos talento, fazer prevalecer, dando-lhe ares doutrinários,
o cinismo que ignoram ou de que se locupletam.
Aliás, já que estamos nos referindo a coisas ligadas
ao medievo italiano, seja-nos permitido lembrar que os cavaleiros
andantes que povoaram as lendas mais douradas da nossa infância,
foram nele substituídos pelos “condottieri”, mercenários cujas
armas estavam sempre a serviço de quem pagasse mais. Quanto às
infelizes prostitutas, que nas “trevas” eram denominadas
“Peccatrice”, pecadoras, passaram a ser designadas como
“Cortiggiani”, cortesãs, por julgar o povo que o comportamento
delas se assemelhava muito ao das senhoras da Corte.
Na obra que imortalizou Cervantes este, de certo
modo, ridicularizou o código da cavalaria, medieval, segundo o
qual os cavaleiros obrigavam-se, entre outras coisas, a “lutar pelos
fracos contra os fortes”, “pela justiça contra a injustiça”, como se
vê, algo em frontal oposição ao pensamento do renascentista
Macchiavelo. E fê-lo por intermédio do “cavaleiro da triste figura”,
Don Quijote de la Mancha, mentalmente desequilibrado pela leitura
de romances da época, em que eram exageradamente exaltados os
feitos e as virtudes dos cavaleiros medievais. Como sabe o leitor,
na obra de Cervantes, o bom senso estava simbolizado por Sancho
Pança, o escudeiro do “cavaleiro da triste figura”. E é conhecido
de todos o episódio em que Dom Quixote, na busca da dama a
quem dedicar os seus atos de cavaleiro andante, julgou tê-la
encontrado na figura de uma camponesa que, por detrás de monte
de feno, dedicava-se ao que hoje se denomina “fazer amor”, com
um seu parceiro; coisa que seus olhos viram, mas o seu coração e
os seus sentimentos não conseguiram enxergar. Está certo que se
tratava de um desequilibrado mental. Mas, parece-nos certo,
também, que a despeito de desequilibrado, os sentimentos que o
moviam eram mais nobres do que o “espírito prático”, do prosaico
Sancho Pança.

195
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

Hoje, diante das multidões desorientadas, poucos


se dão conta de que se portam muitos como Dom Quixotes às
avessas, fascinados pelas proezas dos Sancho Panças, representados
agora pelos que se consideram “práticos” e “objetivos” por agirem,
exatamente como o “cavaleiro da triste figura”, sem ver a realidade.
A diferença está em que, “o cavaleiro da triste figura” alienara-se
pela admiração a valores, do ponto de vista da nossa cultura,
louváveis; enquanto os alienados de hoje, tornaram-se assim por
servirem ao “motor de eficácia histórica,”, no desvario centrado
no aqui e agora da nossa existência física, desconsiderando o que
está na base e é alicerce da nossa civilização: a vida eterna de que
participamos desde o momento em que nascemos ou, ainda antes,
desde o momento em que fomos concebidos, e em que ela começou.
Mas, como o dissemos antes, estamos todos diante
da opção que se tornou imperativa: ou aceitamos a visão inserida
na base da cultura a que pertencemos, ou, ao contrário,
consideramo-la fantasiosa e alienante, optando pela hipótese de
que tudo se resume ao período de tempo que, fugacíssimo,
transcorre entre o nascimento e a morte. Neste segundo caso, como
bons e coerentes Sancho Panças, não há o que fazer, ou nada contra
o que reagir. Ao contrário, o que devemos fazer é incorporar-nos
ao “motor”, ainda que em posição submissa aos que detêm o seu
controle, e buscar “levar vantagem” em tudo, aqui e agora,
incorporando-nos ao “vale-tudo” cruel cuja existência real não pode
ser negada. Por causa da opção que, imperativamente, supomos
que devemos fazer, é que, ao longo desta obra, procuramos oferecer
à consideração da inteligência e da consciência dos leitores,
subsídios de natureza científica e de natureza histórica, que
pudessem ser úteis a uma tomada de posição, da qual resulte o
querer fazer necessário preliminarmente, para que se faça alguma
coisa. Além de exemplos de como temos sido enganados.
Segundo nosso entendimento pessoal — e não nos
julgamos proprietários de nenhuma verdade — a partir daqueles

196
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

subsídios, tornou-se mais do que clara a tendência à convergência,


à unificação dos conhecimentos, no domínio da Ciência — cujos
avanços exigem, no dizer de Jean Guitton, op. cit., o surgimento,
em filosofia, de um meta-realismo e de uma metalógica. Lembra-
se o leitor — se já não o sabia antes — de como mostramos que, à
luz da Física Quântica e, ainda antes, à luz da Física Relativista, a
noção prevalecente até o século XIX, acerca do que seria a matéria,
como algo palpável e exclusivamente real se desvaneceu. Como
as partículas de que ela se constituiria, na verdade são aparências,
resultantes de flutuações de campos quântico-relativistas, campos
que são destituídos de substância. De como, à luz das experiências
de Bénard e dos trabalhos de Ilya Prigogine, o caos não existe,
prenunciando, quando se nos afigure como tal, o estágio anterior
em que subjaz uma ordem superior, desmentido ficando o segundo
Princípio da Termodinâmica, e sendo as coisas que conhecemos,
sistemas abertos, que trocam continuamente com o ambiente,
matéria — tal como deve ser concebida atualmente — energia e
informação. De como, em lugar da desordem crescente que faria
supor o 2o Princípio há pouco citado, o universo apresenta uma
ordenação crescente, presidida por algo que subjaz a ela, desde o
estado amorfo, passando ao cristalino e, segundo Prigogine, ao
domínio dos seres vivos. De como esse princípio subjacente faz
com que todas as coisas tenham como que uma “consciência”
embrionária, que culmina com a imanência das faculdades humanas
e com a existência de individualidade absolutamente única, para
John Eccles, prêmio Nobel de Medicina, por seus trabalhos em
neurofisiologia, foco de individualidade única que exige a admissão
da existência de um Deus criador. De como se impõe uma visão
holística do universo, em que todas as coisas de algum modo se
relacionam e “sabem” o que acontece umas às outras. Em tal
sentido, lembra-se o leitor da experiência das fendas duplas, como
do exemplo dos processos de cicatrização. E outros subsídios
científicos, inclusive no domínio da Cosmologia, de certa maneira

197
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

dando sentido à hipótese de um universo Antrópico, no sentido de


vasto processo sustentado e orientado por uma Inteligência
incomensurável, processo ordenado à culminação com o
surgimento do Homem, de fato a realidade mais complexa e mais
nobre de todo o universo conhecido. Lembra-se o leitor, também,
das poucas constantes, de valores bem determinados, sendo que o
desvio, por mínimo que fosse, de qualquer de tais valores, resultaria
em um universo totalmente diferente deste que conhecemos. Há
de lembrar-se, também, de que, para a Física Quântica, que é a
fronteira mais avançada da Física, existem coisas que a Ciência
não apenas não conhece ainda, como não conhecerá jamais. Tudo
isso não provando a existência de Deus mas tornando a hipótese
em favor dela mais compatível com a nossa razão, do que jamais o
fora anteriormente. Também, há pouco, falávamos da tendência à
unificação dos conhecimentos e, ousaríamos dizer agora, não
apenas nos campos científico e filosófico, mas também no campo
religioso, com isso aproximando-se, dentro da mesma tendência,
os caminhos para a dissipação das ignorâncias “externa” e “interna”
do homem. Sobre essa tendência no campo religioso, permitir-
nos-emos fazer a seguinte citação: “Tanto no Oriente como no
Ocidente, é possível entrever um caminho que, ao longo de séculos,
levou a humanidade a encontrar-se progressivamente com a
verdade e a confrontar-se com ela. É um caminho que se realizou
— nem podia ser de outro modo — no âmbito da auto consciência
pessoal: quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo,
tanto mais conhece a si mesmo na sua unicidade, ao mesmo tempo
que se torna mais premente a questão do sentido das coisas e da
sua própria existência. O que chega a ser objeto do nosso
conhecimento torna-se, por isso mesmo, parte da nossa vida. A
recomendação “conhece-te a ti mesmo” estava esculpida no dintel
do templo de Delfos, para testemunhar uma verdade basilar que
deve ser assumida como regra mínima de todo homem que deseja
distinguir-se, no meio da criação inteira, pela sua qualificação de

198
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

“homem”, ou seja, enquanto “conhecedor de si mesmo”.


“Aliás, basta um simples olhar pela História antiga
para ver com toda clareza como surgiram simultaneamente, em
diversas partes da terra animadas por culturas diferentes, as
questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência
humana: quem sou eu? de onde venho e para onde vou? Por que
existe o mal? O que é que existirá depois desta vida? Essas
perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas
aparecem também nos Vedas e no Avestà; achamo-las, tanto nos
escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na pregação de Tirtankara e
de Buda; assomam ainda nos poemas de Homero e nas tragédias
de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados de Platão e Aristóteles.
São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de
sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta
a tais perguntas depende efetivamente a orientação que se imprime
à existência”. E, bem mais adiante, do mesmo autor: “a História
torna-se, assim, o lugar onde podemos constatar a ação de Deus
em favor da humanidade”.3
As citações que acabamos de fazer, para surpresa
de muitos, são da encíclica “Fides et Ratio”, do papa atual, João
Paulo II, e na segunda delas, parece-nos haver perfeita coincidência
com nosso conceito, tantas vezes repetido, da existência de um 2 o
plano da História.
De resto, é conhecida a tendência a prestigiar o
ecumenismo, mantida no atual pontificado, o que não significa a
identidade de todas as religiões, mas o respeito fraternal que
viabilize o diálogo entre elas. Também, nas citações que acabamos
de fazer, o que nos parece claro é o desejo do autor de mostrar a
tendência presente em diferentes culturas e religiões, à busca da
transcendência que o homem pressente e busca configurar, na
conformidade de ensinamentos de diferentes mestres e instrutores.
Algo, portanto, referente à existência de um Deus criador, de uma
causa primeira, concebida tal como aqueles mestres têm sugerido.

199
3
CARTA ENCÍCLICA JOÃO PAULO II – Fides et Ratio – Ed. Paulinas
Obs.: As obras em que não figuram as editoras foram extraviadas da minha biblioteca antes da organização desta
bibliografia.
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

Nada portanto, que se refira à identificação, em natureza, de


qualquer deles ao Cristo Jesus. Para os que são cristãos e,
obviamente, nem todos os homens o são, para os cristãos, dizíamos,
no que toca a Jesus, ele representa o que, desde o Concílio de
Florença, reunido essencialmente para discutir o Credo, foi aceito
o conceito de “filioque”, do filho que veio de si mesmo, o Verbo
encarnado, no qual a infinitude de Deus, por amor a seus filhos
desviados, conformou-se às dimensões de um deles, na tentativa
de reconduzi-los ao caminho da verdade e do bem, de que haviam
desfrutado antes da Queda ou do pecado original, praticado pelos
nossos primeiros antepassados. Já mencionáramos anteriormente
o princípio do “filioque” e das inferências dele decorrentes, em
termos de Estados a serem organizados com subordinação à ordem
natural e ao Direito natural que dela decorre, como expressão da
vontade do Criador.
E vimos como tal concepção acabou por acarretar
a transferência do poder econômico-financeiro sediado em Veneza
para Londres. Tudo isso estamos rememorando, por causa do
surgimento e da promoção de que é alvo, de uma certa “nova era”,
em última instância conseqüente ao relativismo, resultante da
influência de um ex-presbiteriano americano, J. Hick, o qual, após
permanecer na Índia por cerca de um ano, relativizou a dimensão
de Jesus Cristo, passando a considerá-lo como um grande mestre
religioso, entre outros. Tal relativismo, em matéria religiosa, tornou-
se questão central e, do ponto de vista do cristianismo, erro
colidente, de maneira clara, com o princípio do “filioque”. A origem
de semelhante desvio, do ponto de vista cristão, talvez deva ser
encontrada na influência sobre o pensamento de Heidegger, o
amargo existencialista alemão, discípulo intelectual de Nietsche,
exercida por Hannah Arendt de quem teria sido amante, a qual,
pertencente ao chamado “grupo de Frankfürt”, e pensadora de
incontestável brilho, defendia a tese de que a crença em princípios
morais universais e permanentes, caracteriza basicamente uma

200
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

“personalidade autoritária”, razão pela qual o cristianismo


representaria, necessariamente, uma fonte de tiranos e de tiranias.
A inferência óbvia é que uma sociedade liberal deve ser,
necessariamente relativista. Daí, no campo religioso, um
ecumenismo visivelmente deturpado e perigoso e a presença aceita
e promovida nas aturdidas sociedades trabalhadas pelo “motor”,
da chamada “Nova Era”, com a revivescência de crenças e cultos
os mais estranhos e esdrúxulos, e o reaparecimento de fadas,
gnomos, runas e tarôs, bem como de ritos nitidamente pagãos tudo,
é claro, contribuindo de alguma maneira, para enfraquecer a crença
em valores morais universais e eternos sobre os quais, certa ou
erradamente, mas fora de dúvida, foi construída a civilização a
que pertencemos e que nós, particularmente, pelas razões expostas
no capítulo II, julgamos em processo de degradação irreversível.
Mas, ainda antes de Heiddegger ou do grupo de Frankfurt, convém
lembrar o trabalho de teólogos dentre os quais Rudolph Bultman,
discípulo de Heiddegger, que se haviam entregado a uma releitura
dos evangelhos de um ponto de vista histórico, da qual resultou a
figura de um Cristo de comportamento identificável ao de um
revolucionário social, uma espécie de “Che” Guevara de seu tempo,
algo, quem sabe, mais próximo da figura do zelote Barrabás...
O título do presente capítulo, porém, refere-se ao
que fazer. E quanto dissemos até agora, diz respeito às razões do
cristianismo e dos cristãos, deverem fazer, terem a vontade de fazer
alguma coisa. E é necessário, aos que não sejam “relativistas”, no
sentido do pensamento do grupo de Frankfurt, que comecem a
faze-lo com urgência. Isto porque, no cenário internacional, nuvens
que prenunciávamos desde há muito, começam a adensar-se e a
tomar corpo de modo visível, mesmo aos mais distraídos dos
observadores. É que, segundo pensamos – e aqui vai mais uma
idéia que temos buscado difundir há muitos e muitos anos – uma
coisa é o que chamamos de “visão contábil” e, outra, diferente, é a
que designamos como “visão histórica”. Segundo entendemos, os

201
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

controladores do “motor” já tentaram, em passado recente, alcançar


o poder mundial ao nível de poder explicitá-lo. E fizeram-no por
intermédio da implantação do marxismo na Rússia onde a
revolução bolchevique instalou um regime de partido único, sob
seu controle, com a pretensão de expandi-lo pelo mundo, com elisão
das soberanias nacionais. O hino, como já dissemos anteriormente
nesta obra, era “Internacional”, e cujo lema era “proletários de
todo o mundo, uni-vos”. Como também já ficou dito, a tentativa
fracassou, tornou-se obsoleta e está sendo substituída em nossos
dias pela “globalização”, nova estratégia, pois, de uma mesma
política de dominação. Entretanto, o sucesso da revolução
bolchevique em sua época deveu-se, segundo se pode ler em nota
de rodapé do livro de Zbigniew Brzezinski, entre nós publicado
sob o título “A América na Era Tecnotrônica”, bem como a
modernização do parque industrial soviético e o reequipamento
do Exército Vermelho a recursos financeiros e tecnológicos do
ocidente. Por que? Porque se fez prevalecer a “visão contábil”
sobre a “visão histórica”. As firmas e grupos financiadores,
considerados em si, fizeram ótimos negócios com reflexos
positivos, é claro, em termos de empregos e salários, no seio das
sociedades em que operavam e operam. Do ponto de vista histórico,
porém, eles estavam construindo a maior ameaça que o ocidente
conhecera até então. O ocidente como um todo; não,
necessariamente, os grupos e personagens diretamente envolvidos
no assunto . Estes, entretanto, parecem insaciáveis, e,
aparentemente, repetiram o que lhes sugere a “visão contábil”, com
a cupidez excitada pelo mercado de cerca de um bilhão e trezentos
milhões de chineses, consumidores e mão-de-obra barata. E
passaram a investir ali. Agora, há fortes indícios de que a criatura
volta-se contra o criador que parece defrontar-se com a necessidade
de desmonta-la, como o fizera à União Soviética. Só que a lição
do que aconteceu a esta, pode tornar muito difícil a nova operação,
agora contra a China. E, de novo, o ocidente como um todo, corre

202
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

risco que, desta vez, poderá não poupar nem os diretamente


envolvidos na operação realizada sob a “visão contábil”. Daí a
urgência sobre o fazer alguma coisa.
Mas qual? Sob qual inspiração?
Antes de começar a oferecer à consideração do
leitor, a maneira que, segundo a nossa visão, deve orientar as
respostas às perguntas que acabamos de formular, parece de justiça
sublinhar a crueldade do que vem sendo praticado. E de sublinhar
também o grau de alienação alcançado, em grande parte devido ao
fenômeno que denominamos de “interferência cultural”. Ocorre-
nos a observação neste momento em que estamos escrevendo, por
se tratar de mais um “Dia do Trabalho” (hoje estamos a 1 o de maio
de 2001), 1o de Maio que, de há muito vem sendo dedicado àquela
comemoração, na maior parte do mundo que continua a dizer-se
cristão. Já pensaram os leitores, porém, em que o pai de Jesus foi
um operário, de ofício, um carpinteiro? Então, pelo menos nos
países de predominância católica, não seria mais razoável que a
comemoração fosse feita no dia em que, no hagiológio católico, é
dedicado à devoção a S. José, pai de Jesus? E sabe o leitor a razão
da escolha da data de 1º de Maio? É que, em um 1º de Maio, na
cidade de Chicago, EUA, ocorreram sangrentos choques entre
trabalhadores e autoridades que lhes reprimiam as manifestações,
tudo dentro do espírito da “luta de classes”. Da luta de classes que
fez introduzir no espírito de muitos o sentimento da existência de
“inimigos de classe”, que o seriam por definição, de vez que,
segundo a pervertida dialética marxista, todo movimento, toda a
atividade existente no mundo dever-se-ia à existência de
“contrários” que, por serem-no, contrariar-se-iam, resultando de
tal contrariedade, a atividade observável no universo,
perpetuamente em movimento e transformação. E sabia que esta é
a idéia fundamental de toda a dialética marxista, objeto da famosa
“lei dos contrários” a qual, no plano social, resulta na luta de classes
a que acabamos de referir-nos? Que, com base em semelhante

203
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

insensatez, pretenderam, e pretendem os que ainda o sejam, tornar


desnecessária a existência de um Deus criador, de um “motor
imóvel, externo à natureza”, para usar a linguagem do tomismo?
Pretensão reforçada pelo caráter pretensamente científico que lhe
atribuíram e atribuem os seus adeptos, retardatários em matéria
científica, pelas razões que esperamos, tornaram-se claras de
quanto, em matéria de ciência, de seu significado e de suas
limitações, foi dito anteriormente nesta obra? Já pensaram que a
observação do caráter dialético do universo que nos cerca implica,
objetivamente, na complementação, não na oposição ou luta, entre
aspectos, para o Materialismo Dialético, “contrários” ou “opostos”?
Contrariedade, oposição e luta que foram justapostas à realidade,
pelo espírito de quem as engendrou, e continuam alimentadas pelos
que se comprazem com tal hipótese?
Para usar mais uma vez o clássico exemplo de
Engels, em sua “Dialética da Natureza”, o exemplo do elemento
galvânico, no qual, dois recipientes ligados por uma parede
semipermeável, são preenchidos, um com uma solução de sulfato
de cobre; outro, com uma de sulfato de zinco, sendo no primeiro
mergulhada uma placa do cobre e no segundo uma de zinco, e
sendo as duas placas ligadas externamente por um fio condutor de
corrente elétrica, intercalado ao qual se coloca um galvanômetro,
ligadas as duas placas por esse condutor, o galvanômetro registra
a passagem de corrente. Esta flui da placa de zinco para a de cobre
e Engels conclui a existência de um pólo positivo e de outro
negativo — e tira daí a evidência da realidade dois “contrários”
com que se comprazia o seu espírito. Na verdade, o que se passa é
que, na placa de zinco há liberação de elétrons, enquanto na de
cobre, há incorporação de elétrons. A designação de pólos como
“positivo” e “negativo”, respectivamente, é inteiramente arbitrária
— são nomes; não houve luta ou qualquer tipo de “contrariedade”.
Houve, melhormente, uma complementação, com uma chapa
cedendo e outra recebendo. Em termos dialéticos, diríamos ter

204
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

havido uma dialética de “dar” e “receber”, resultando na existência


construtiva e útil do elemento galvânico. Acha o leitor que entre e
estame e pistilo, para usar mais um exemplo simples existe
oposição ou luta entre eles ou ação recíproca de dar e receber, de
que resulta a semente que garante a continuidade da espécie a que
se refiram? E entre homem e mulher, no gênero humano, deve
existir oposição e luta ou ação de dar e receber, em dimensão mais
alta que, em nível de consciência, deve significar amor, o mais
elevado possível, o amor ágape, não desnaturado pelo domínio do
erótico, que longe de significar a liberdade sexual, significa a
escravização do ser humano à sua dimensão exclusivamente carnal,
quando ele é carne, sim; mas é também espírito, sendo neste, pelas
suas dimensões ilimitadas, que a verdadeira liberdade, ou maior
proximidade possível dela, pode realizar-se? São dados que
propomos à análise pela inteligência e, mais do que isso, pelo mais
íntimo da consciência do leitor.
Cabe dizer, também, que aqui, apenas afloramos o
problema da dialética marxista e do Materialismo Dialético, por
não caberem com propriedade, comentários mais aprofundados e
mais extensos acerca do assunto sobre o qual, de resto, existe
copiosíssima literatura, inclusive obra nossa, publicada ainda na
década de 60, sob o título: “Marxismo: Alvorada ou Crepúsculo?”,
ed. Record, na qual predizíamos a inevitável falência do marxismo.
Cedamos, então, espaço, para mais um comentário que submetemos
à consideração dos que venham a ler-nos: já pensaram que, no
processo produtivo, o trabalho e o capital são e devem ser
considerados “complementares” e não “contrários”? Que o
trabalho, em termos de ética, precede o capital, que não é mais do
que trabalho acumulado? Que os que tenham aptidão empresarial
— e nem todos a têm — são trabalhadores cuja aptidão mencionada
não pode realizar-se sozinha, e depende dos que não a tendo, lhes
prestam a cooperação do seu esforço? Que portanto, não são
inimigos por definição, mas cooperadores, e que entre ambos deve

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

exercitar-se, não a dialética de oposição, mas a de dar e receber? E


já imaginaram a formidável eficácia do processo produtivo
realizado dentro dessa nova maneira de entender e, sobretudo, de
sentir as coisas? Já imaginaram essa nova economia o quanto de
nobreza e de prosperidade seria capaz de realizar? Que, este sim,
talvez seja o caminho para o “salto de qualidade”, a que se referem
os materialistas dialéticos? Estaremos sendo utópicos? Mas, a
felicidade não é uma sensação, não uma coisa? Empreendedores e
trabalhadores não se sentiriam mais felizes na realização de uma
hipótese que está a nosso alcance realizar? Como se sentiriam
empresários que a par do crescimento dos seus empreendimentos,
fossem objetos mais de admiração do que de inveja e de ódio? E
cujas consciências, tranqüilizadas e satisfeitas, não fossem fontes
tão freqüentes de problemas circulatórios?
Não; não nos parece utópico o quadro que estamos sugerindo. Se
não pela impossibilidade de realizar-se com perfeição, pela de
representar objetivo mais realista e mais condizente com a
verdadeira natureza humana e com o seu destino — segundo os
descrevem e os vêem, os fundamentos sobre os quais assenta a
nossa cultura. Como vê o leitor, aqui já não se trata de opinião
pessoal, mas de matéria de fato, eis que aqueles fundamentos são
os da tradição judaico-cristã de que ela resultou.
E agora — e que nos desculpem os leitores a digressão que estamos
encerrando neste momento — vamos à tentativa de resposta às
indagações sobre o que fazer e sob qual inspiração deve fazer-se.
Por uma questão de óbvia coerência com as nossas
raízes culturais, devemos distinguir, claramente, o erro, de quem o
pratica, em linguagem religiosa, o pecado do pecador.
Ao erro ou ao pecado, devemos combater corajosa
e frontalmente. De maneira permanente e inflexível. A quem erra
ou peca, devemos olhar com compreensão e caridade. O combate
ao erro ou ao pecado, e a sua denúncia corajosa e persistente, irão
lhes roubando espaço e reduzindo a eficácia. Segundo a idéia, já
mencionada anteriormente, de que será sempre melhor acender
206
Capítulo XII - O que Fazer, Então?

um fósforo do que, apenas, maldizer a escuridão, acendamos os


fósforos que nos estejam ao alcance. E a soma do seu número irá
fortalecendo a intensidade da luz que projetem, sobretudo se os
soubermos utilizar, para os novos fins. Aí, têm particular
importância quantos gozem do privilégio de se comunicar com o
público. E o uso, para novos fins, da estratégia de Gramsci. Não
troquem eles os ditames do que, por acaso, lhes ditem as
consciências, por conveniências apenas aparentes, pois todos, sem
exceção, já vivemos na eternidade e, nela, se projetarão em efeitos
e conseqüências, os caminhos que trilharmos agora — isto é, pelo
menos, o que se contém nos fundamentos da nossa cultura, factual
e indiscutivelmente.
Quando nos disserem, por exemplo, que o medievo
foi um período de trevas, não tenhamos receio, pelo simples gosto
de “estar na moda”, de dizer que se trata de uma grosseira, pertinaz
e deliberada falsificação histórica, parte da atividade do “motor de
eficácia histórica”, cuja existência e formas de atuação devem ser
denunciadas. Como denunciadas devem ser as mentiras e
promoções em torno de conceitos deturpados como, entre outros,
os de liberdade e de democracia, e tudo quanto, na conformidade
do que o nosso pequeno fósforo e a pálida luz que, porventura,
dele resulta, propusemos anteriormente, ao longo desta obra, à
consideração dos que venham a lê-la.
Quanto aos que, pessoalmente, são responsáveis,
por ação ou por omissão, em maior ou menor grau de consciência
acerca do que fazem ou, deliberadamente deixam de fazer, achamos
que não nos cabe julgá-los. A justiça não é algo que, nessa esfera,
possa caber a seres contingentes e imperfeitos como somos todos.
Por isso, dizemos que ela pertence a Deus — e somente a Deus. E
que Ele a fará, em relação a todos nós, sem exceção. E no sentido
coletivo, a vem fazendo na conformidade do 2o plano da História,
a que tantas vezes temos feito referência. Apenas, essa justiça não
segue os caminhos que as nossas insuficiências tantas vezes sugere.
Nem o Seu tempo é o nosso tempo — na verdade decorrente da
207
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

transitoriedade da nossa vida material. Deus, segundo a nossa


tradição, é atemporal, para Ele não existindo ontem ou o amanhã,
mas o eterno agora. E, segundo entendemos, o 2 o plano da História
já está fazendo bastante claros, para os que “tenham olhos de ver”,
os indícios sobre como será superada esta civilização que, segundo
entendemos e o dissemos no 2o capítulo desta obra, já entrou em
estágio de degradação irreversível e, para terminar, diremos que
os que se consideram inapelavelmente triunfantes devem lembrar-
se de que, de acordo com a visão que têm do que seja triunfo,
ninguém, jamais foi menos pragmático nem mais derrotado, do
que quem humilhado, ofendido, escarnecido, escarrado,
desrespeitado e, exangue, no auge de sua derrota, precedida de
humildade e perdão, pendeu da Cruz, no alto do Gólgota, para
satisfação dos que se julgavam triunfantes. Julgavam-se triunfantes
no mesmo espírito dos que, hoje, assim se julgam. Entretanto, a
fraqueza do crucificado, a sua humildade, a sua capacidade de
perdoar, derrubaram o Império Romano e transformaram o mundo.
Nova onda de insensatez avassala, novamente o mesmo mundo,
que se recusou a aprender que somente do amor poderá resultar a
felicidade possível nele. E isto porque, sem amor não há justiça,
que é um seu corolário e um seu indicador; sem justiça, não haverá
paz. Paz verdadeira, que não se confunde com uma ordem aparente,
que pode ser imposta pela força. E que o progresso verdadeiro,
tem como condição ideal, a verdadeira paz.
E aqui termina, quando já surgem, segundo nos
parece e foi dito acima, claros indícios de que atuará muito em
breve, pela ação dos próprios homens, cegos de orgulho, de
insensatez e de concupiscência, a operação do 2o plano que,
efetivamente, dirige os destinos da humanidade, que tão mau uso
tem feito do livre arbítrio que nos foi concedido.
Que possa ser útil a luz do nosso pequeno fósforo, são os votos
que fazemos, ao dar por terminado o esforço que fizemos por
acende-lo.

208
POSFÁCIO

Estamos seguros de que não será demasiado, mas


ao contrário, perfeitamente justificável que redijamos este posfácio,
no momento em que o leitor terminou a leitura do texto de que se
compõe este livro. É que a redação do referido texto teve início a
02 de Janeiro do corrente ano de 2001, tendo sido a sua última
linha escrita a 4 de Maio deste mesmo ano. Cerca, pois, de quatro
meses antes do 11 de Setembro que, para nós, representou o ponto
de inflexão em que se tornou manifesto, materialmente, o início
do rápido declínio do formato civilizacional degradado* , cujo
* A degradação a que nos referimos iniciou-se há muitos séculos, em razão do que, no
texto, é apontado como antinomia de que provém a potência do “motor de eficácia
histórica”, mencionado também no referido texto. Da sua presença e atuação,
acrescentamos, resultou a existência do que conceituamos como “nação pluriestatal”,
cuja presença se faz sentir em numerosos Estados, em níveis diferentes de influência,
por vezes determinante e incontestável, do que são exemplos os EUA, o Reino Unido e,
no momento, entre outros, o nosso país e a Argentina.
A referida “nação pluriestatal” tem como componentes do núcleo dirigente os que, ao
longo do tempo, com maior eficácia, cultivaram a ambição de uma Economia erigida
entre autônomo a que o seu sujeito deve subordinar-se, e uma aspiração de vida polarizada

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Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

declínio temos anunciado, da tribuna e da mídia impressa ou


eletrônica, desde há cerca de 4 anos, nos exíguos espaços que nos
têm restado, face ao patrulhamento dos interesses ligados aos
semeadores da degradação e da ruína.
O leitor que nos honrou com a leitura deste livro
terá percebido que, desde a sua dedicatória, tudo quanto nele se
contém constitui-se do anúncio a que acabamos de nos referir e de
dados que buscam a sua justificação racional. E terá percebido,
também, que o referido anúncio, longe de gerar pessimismo, ao
contrário, é alentador de esperanças. De esperanças no surgimento
de um novo formato civilizacional superior ao que se está, supomos,
esboroando, e no qual a inteligência e a sensibilidade humanas
conquistarão, e muito rapidamente, patamares mais altos de Justiça
e de Paz, condições indispensáveis da felicidade que é, afinal, o
objetivo que, no fundo, todos desejamos alcançar. E alcançar, o
mais e o melhor possível, dentro das precariedades conseqüentes
à natureza contraditória da nossa realidade existencial em que
coexistem, sempre, as boas e as más tendências de que somos
portadores. E poderá entender que, na conformidade do 2º Plano
da História mencionado no texto que acaba de ler, os formatos
civilizacionais que surgem das civilizações que entraram em
decadência irreversível, apresentam sempre características de

para o consumismo absurdo a que nos referimos. Integram a referida “nação pluriestatal”,
representantes de várias etnias e tamanho é o seu poder global, que o chefe formal do
poder igualmente formal dos EUA, acaba de assinar ato autorizando o Departamento de
Defesa daquele país a prender estrangeiros, nos EUA e em qualquer país do mundo,
qualquer ser humano que seja considerado suspeito para que seja submetido a julgamento
secreto, à revelia da autorização de autoridades locais, perante tribunal militar, autorizando,
quando lhes pareça conveniente, até a pena de morte. O espantoso fato em questão
evidencia: 1º - a existência real da “nação pluriestatal” a que nos temos referido; 2º - o
desespero em que ela se encontra, pois semelhante violação do Direito Internacional e
às mais comezinhas normas da civilização, nem notórios déspotas contemporâneos
como Hitler, Mussolini ou Stálin, jamais se abalançaram a tentar fazer. Trata-se ,
pensamos, do 2º plano da História rasgando os véus da mentira, atrás das quais se tem
sempre escondido, para mostrar, à luz do dia, a verdadeira face daquela “nação
pluriestatal” e do seu núcleo heterogêneo de poder, que entra assim em irreversível
declínio. (N.A.)

210
Posfácio

avanço em relação àquelas a que sucedem. Trata-se, como o texto


registra e é nossa convicção, do plano Providencial que, no fundo,
dirige os destinos das criaturas.
E dissemos linhas acima ser nossa convicção, que
a transformação, para melhor, virá agora muito rapidamente, em
razão do poder de penetração e a extensão em que operam os atuais
meios de comunicação os quais, caso mudem de orientação como,
esperamos, virá a acontecer mais depressa do que se possa imaginar,
acelerarão extraordinariamente as referidas mudanças. De fato, tão
logo eles passem a reconhecer e a divulgar que a felicidade é uma
sensação, não uma coisa; tão logo denunciem a loucura em que se
tem constituído a promoção de um sentido de vida alicerçado na
exaltação de um exacerbado consumismo centrado, sem qualquer
prudência, na satisfação de todos os apetites _ o que é feito em
nome de uma liberdade degradada em licenciosidade, e é
inalcançável, eis que, no homem a capacidade de desejar é
indefinida, mas a de usufruir efetivamente é limitada, a começar
pela transitoriedade de sua existência material; e tão logo
denunciem que a idéia de contrariedade e luta, arbitrariamente
superposta à natureza dialética do universo, que na verdade não é
de contrariedade e de luta, mas de cooperação construtiva, estarão
lançando bases mais sólidas para paz, como já ficou dito, condição
indispensável para a sensação de felicidade que, de fato, é o que a
criatura humana busca em sua vida.
Terminando este posfácio, um indício da nova
civilização que começa a surgir: já reparou o leitor como, em toda
a parte do mundo está se impondo, em nível de consciência coletiva,
que a violência não se combate com a violência, mas com a
supressão da injustiça, que na verdade é fonte que a sugere e
estimula? E, mais do que isso, que essa constatação está
ultrapassando o nível puramente intelectivo para o plano, mais
profundo, do sentimento?
Trata-se, supomos, de um dramático progresso, pois

211
Democracia Liberal, Neoliberalismo, Globalização: Caminhos Definitivos e Únicos do
Progresso ou Estratégias de Domínio Mundial em Proveito de Poucos?

conhecer não se constitui apenas, de entender mas,


simultaneamente, de entender e sentir. E este sentir estava faltando
e agora começa a impor-se. É o 2º plano da História, mais uma vez
nos encaminhando para a frente e para o alto.

RJ, 15 de novembro de 2001


O Autor.

212
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Ed. Agir – 1945.
19
CARTA ENCÍCLICA JOÃO PAULO II – Fides et Ratio – Ed.
Paulinas

214
Obs.: As obras em que não figuram as editoras foram extraviadas da minha biblioteca
antes da organização desta bibliografia.(N.A.)

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