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“Mãe das Mães”: o papel das Apwyamwenes entre os A-Makhuwa da Província de Niassa,
Norte de Moçambique…………………………………………………………………………….32
Sérgio Roques Patrício & Assumail Raidone
Turismo Cultural: uma reflexão sobre alguns locais associados aos Makombe no
desenvolvimento da actividade turística……………………………………………………….57
Pacoal Santos Saraiva
“Em Mãe das Mães”: o papel das Apwyamwenes entre os A-Makhuwa da Província
de Niassa, Norte de Moçambique, Sérgio Roques Patrício e Assumail Raidone
levam-nos a compreender o papel das Apwyamwenes nas comunidades A-
Makhuwa de Niassa, descrevendo a sua legitimidade nas comunidades,
reconhecimento pelas autoridades governamentais, e as relações de género
existentes entre as diversas lideranças tradicionais. A pesquisa baseou-se na revisão
bibliográfica e em entrevistas semi-estruturadas individuais e coletivas à líderes
tradicionais, entidades governamentais e religiosas nos distritos de Cuamba,
Mandimba, Majune, Marrupa, Maúa, Mecanhelas e Metarica.
Maria Madalena Rangel apresentam as Omissões do Património Cultural na
Fortaleza de Maputo na perspectiva dos discursos dos visitantes. O estudo que faz
parte de uma pesquisa mais ampla sobre narrativas de visitantes da Praça Nossa
Senhora da Conceição vulgo Fortaleza de Maputo, um local considerado Património
Cultural Moçambicano. Na pesquisa foi feita a análise dos discursos dos visitantes à
Fortaleza de Maputo permitindo compreender, por um lado, que o património
cultural é um lugar que predomina uma história única, e estática e, por outro, que é
um lugar dinâmico e de questionamento em que a memoria é reconstruída a cada
dia. Com o estudo foi possível compreender que os indivíduos consideram que a
Fortaleza de Maputo constitui uma memória omissa quanto a história dos
moçambicanos, porque faltam nela exposições dos feitos, conquistas e objectos
moçambicanos.
O Turismo Cultural: uma reflexão sobre alguns locais associados aos Makombe no
desenvolvimento da actividade turística que nos é trazido por Pascoal Santos Saraiva
apresenta uma reflexão sobre a necessidade de preservação do património cultural
como base atrativa para o desenvolvimento da actividade turística, com enfoque em
alguns locais associados a Dinastia Makombe. Trata-se de uma pesquisa levada a
cabo no âmbito das celebrações do centenário da revolta de Báruè. Para tal, foi feito
um levantamento de campo sobre o estado actual e os problemas que afectam aos
locais históricos culturais, nomeadamente, Amuralhado de Magure, Forte de
Massangano e Tambara. As informações obtidas foram analisadas tendo em conta os
factores determinantes no desenvolvimento do turismo cultural.
Resumo
Este artigo procura demonstrar o lugar das danças tradicionais de natureza guerreira
no contexto do colonialismo em Moçambique, prefigurado pela concepção
etnocêntrica que pressupõe a existência de culturas “inferiores” e “superiores”, sendo
que estas deviam por vontade dos portadores se imporem àquelas no sentido de
extingui-las, sobretudo, em situações em que se mostrassem potencialmente
antagónicas à ordem política instituída. Elenca também a forma como as autoridades
coloniais procuraram aliciar os autóctones a renunciarem suas raízes culturais em prol
dos hábitos e costumes impostos pelo sistema colonial português.
Introdução
Esta experiência permitiu a construção da tese que constitui a rotunda deste artigo,
segundo a qual, as danças tradicionais enquanto manifestação cultural, não são
fechadas ao campo da cultura, antes porém, extrapolam os limites da componente
que as coloca como uma simples prática cultural cujo papel não passa de simples
entretenimento de indivíduos, praticantes ou não. Elas agregam elementos que as
tornam a base de sustentação dos processos sociopolíticos e através da força
simbólica que elas veiculam, em última instância, são um veículo de mensagens que
podem desafiar ou apoiar a ordem política instituída.
1 Título do livro e documentário em DVD, lançados em 2015, fruto duma pesquisa de campo levada a
cabo pelo Instituto de Investigação Sócio-Cultural ARPAC - Delegação de Gaza. Durante a qual,
trabalhei como ajudante de campo na colecta de material escrito e audiovisual.
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objecto e agente de controlo social. Pois, a sua prática em sociedades pode ocultar e
manter valores políticos e religiosos, implementar normas e reforçar leis. Isso faz
delas um potencial recurso para qual ambas as classes, a subjugada e a opressora,
podem recorrer a elas levar a cabo as respectivas estratégias de afirmação social.
Com este artigo, procuramos demonstrar como a queda dos Estados tradicionais em
África, principalmente, nos finais do Século XIX, abalou não só a hegemonia política
dos chefes africanos, como também, as práticas culturais indígenas, muito
particularmente as danças tradicionais de natureza guerreira.
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Desta forma, o expansionismo europeu deixou de significar apenas a exploração de
novos horizontes territoriais e, tornou-se num projecto que ligasse em simultâneo a
expropriação do espaço africano e transformação do universo simbólico do indígena
africano, procurando modificar suas práticas e concepções culturais. Está explícita
aqui, a convicção segundo a qual para uma estabilidade absoluta e para que África
se tornasse na desejada extensão territorial europeia, onde os africanos aceitariam a
autoridade colonial implantada no lugar dos Impérios e Estados destruídos, não era
significativa a derrota militar imposta a eles, mas sim, era preciso impelir o nativo de
forma progressiva ou brusca a alienar os valores culturais europeus, anunciando
desta forma o desencontro com os seus próprios hábitos e costumes.
Numa situação de uma relação que marca um encontro entre duas culturas, a missão
de “civilizar” trazia consigo o pressuposto da dicotomia superior e inferior;
civilizado e selvagem, ou seja, europeu e africano. Foi dentro deste pressuposto que,
segundo Ranger (2000), embora os europeus fossem uma minoria em relação aos
africanos, para além da colonização política, também, não se coibiram da ambição de
se imporem culturalmente. Para tal, adoptaram estratégias através das quais se
fizessem reconhecer como hierarquia dominante e incontestável. Implementaram
tradições europeias, tanto para justificar como para definir os seus papéis, e também
para fornecer modelos de subserviência, com os quais era possível por vezes atrair
os africanos.
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Em outros termos, Junod, apelava com seu trabalho etnográfico para adopção de
uma política administrativa das populações indígenas mais moderada, na qual as
duas culturas, do colonizado e do colonizador, pudessem conviver durante um
determinado tempo até que os valores culturais dos indígenas cedessem para o
domínio dos valores da cultura europeia.
2 Definida pelo Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique,
em alteração de alguns preceitos contidos no Estatuto Político Civil e Criminal dos Indígenas e no
Diploma Orgânico das Relações de Direito Privado entre Indígenas e não Indígenas dos Decretos n˚
16.473 e 16.474 de 6 de Fevereiro de 1929.
3 Dentre vários requisitos necessários para a passagem do estatuto de Indígena para o de Assimilado,
o indivíduo devia, ter mais de 18 anos; ii) Falar correctamente a língua portuguesa; exercer profissão,
arte ou ofício de aufira rendimento necessário para o sustento próprio e das pessoas de família a seu
cargo, ou possuir bens suficientes para o mesmo fim. iii) Ter bom comportamento e ter adquirido a
ilustração e os hábitos pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos
cidadãos portugueses.
4 Horácio Mavale. Entrevista de 20 de Abril de 2017. Cidade de Xai-Xai (Província de Gaza).
5 Dentre vários exemplos de elementos culturais censurados pela igreja destaca-se o uso das
missangas como adereço nos vestes, uma prática muito abrangente entre os diversos grupos
etnolinguísticos em Moçambique.
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dos moçambicanos. Para os olhos da igreja algumas práticas culturais tradicionais
eram consideradas de pagãs e, como tal, inaceitáveis.
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aqueles que deviam liderar. Isaacman (1987), refere que no relatório de 1961, o então
Governador de Gaza Óscar Carmona, afirmava que à maioria dos chefes falta a
capacidade para cumprir as suas responsabilidades e que isso se devia a má escolha
que foi feita ao instalar no poder figuras impopulares, algumas delas trazidas de
fora.
Uma situação análoga ocorreu no campo cultural. Embora o desejo final fosse de
extinguir todos vestígios dos valores culturais indígenas, as autoridades portuguesas
em Moçambique, em particular no sul de Moçambique, identificaram aquelas
práticas culturais que era preciso de forma urgente banir, ou seja, proibir a sua
contínua prática, nomeadamente, Xigubo, N’qai, Ndlhama e Ngalanga, as designadas
danças guerreiras.
6 Expressão usada para referir o acto de alguns chefes tradicionais na região de Gaza, que
descontentes com a administração de Ngungunyane Nqumayo foram prestar o seu apoio às
autoridades portuguesas, dando informações sobre o paradeiro do rei.
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considerar como uma situação provisória, que se pode prolongar por mais ou menos tempo,
mas destinada a desaparecer (…) à mãe pátria incumbe o dever da tutela para com eles,
guiando os seus passos no sentido da civilização (Sousa, 1946:102-107).
Para Fazenda (2012: 23), a dança é uma forma expressiva cuja existência depende sempre da
presença e da acção humanas. Esta autora, tomando em consideração os contextos em
que são praticadas e os propósitos da sua execução, descrimina três tipos de dança,
nomeadamente, a dança teatral, a dança social e a dança ritual.
Quanto a dança ritual Fazenda (Ibidem) entende que realiza-se num contexto
mágico ou religioso, no qual estão implicados outros elementos, tais como cânticos,
declamações, música instrumental, gestos, objectos, indumentária, máscaras, que, em
conjunto, contribuem para a eficácia do evento.
No que diz respeito à significação das danças, Nii-Yartey (2009) defende que a
participação na dança e noutras manifestações da cultura expressiva é uma
experiência da comunidade. A dança fornece as ligações necessárias, ajudando a
sedimentar afinidades grupais baseadas na religião, numa língua comum e na
7Ver Valoi et al. (2015). Algumas Danças Tradicionais da Província de Gaza. ARPAC-Instituto de
Investigação Sócio-Cultural.
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solidariedade, que asseguram relações sociais significativas, respeito mútuo e um
sentido de pertença entre os membros das diversas comunidades. A sua criação e a
sua prática são vistas como uma responsabilidade colectiva. É, portanto, a
comunidade que dita as regras que orientam a criação e a prática da dança. O
conhecimento e a apreciação da dança são adquiridos através de lendas, histórias
populares, canções, rimas e da dança ela própria; ou seja, essencialmente através da
participação.
Nesta lógica, a mesma autora olha para as danças num duplo sentido, por um lado
como agentes de controlo social, na medida em que elas podem ocultar e manter
valores políticos e religiosos, implementar normas e reforçar leis e, por outro, como
objecto, uma vez que tanto os poderosos e como os oprimidos podem recorrer a elas
como forma de levar a cabo as respectivas estratégias de afirmação.
As danças guerreiras que temos vindo a mencionar, no Estado de Gaza tinham esse
duplo papel. A sua intrínseca conexão com todo processo militar desde a preparação
dos guerrilheiros, demonstração de técnicas de combate até a celebração das vitórias,
fazia delas, ao mesmo tempo, agentes de controlo social e um objecto de afirmação
do poder político.
O N’qai, por exemplo, é uma dança guerreira de origem Nguni, que no seu contexto
original era praticada apenas por homens. Envergavam peles de animais ferozes,
onde a bravura de cada participante era medida de acordo com a ferocidade do
animal que o dançarino trazia. Pois, segundo Abílio Muzamane8, acreditava-se que
até ao ponto envergar tal pele de tal animal isso significa que matou o respectivo
animal, o que só por si, coloca a este indivíduo num lugar de prestígio aos olhos da
comunidade na qual se apresenta. Estas peles eram amaradas na cintura, no tronco e
na cabeça. Quase sempre o ritmo dos passos de dança era acompanhado por canções
de língua zulu, cujo teor das letras era de glorificação e culto dos reis vivos ou
mortos, de prestação de contas aos ancestrais.
Importa realçar que a proibição das danças tradicionais, não só recaiu sobre as de
origem Nguni, outras danças de outras etnias, desde que fossem de carácter
guerreiro constituíram a prior um alvo a silenciar.
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Na epopeia do Estado de Gaza, sobretudo, nos finais do reinado de Ngungunyane, é
bem conhecida a lealdade dos copi em relação aos portugueses, devido a rivalidade
que havia se estabelecido entre este grupo étnico e a aristocracia do Império de Gaza.
Mesmo assim, depois da ocupação efectiva, as danças guerreiras, dentre elas o
Ngalanga, não escaparam à tentativa de silenciamento.
Mauaie apud. Valoi et. al (2015:38), explica que Ngalanga é um termo que provém da
palavra ngala, que na língua tsonga significa um animal feroz e vencedor, objetivado
na figura do leão. Assim, Ngalanga passou a designar a dança que celebrava a
bravurados guerreiros copi equiparada à ferocidade do leão. Tratava-se de uma
dança praticada por homens com idade aceitável para guerra, que mostravam
valentia, bravura e coragem.
De acordo com Valoi et. al (op. cit), esta dança tinha um duplo sentido no seio da
etnia copi, era praticada dentro das comunidades quando fosse para a celebração do
regresso e da vitória dos guerreiros depois das guerras. Para além da celebração, esta
dança era, igualmente, usada como exercício de treino e casting dos homens fortes
para a guerra. De um modo geral, os treinos tinham lugar no mato, distante das
residências e de lá partiam para o campo de batalha. Ainda de acordo com o mesmo
autor, o Ngalanga agregava outros valores, pois era uma dança que revelava um
carácter de manutenção da unidade tribal e a afirmação da comum lealdade dos membros aos
respectivos chefes (Valoi et al, 2015: 39).
Esta dança é praticada nesta comunidade de Madzucane desde finais de 1940. Ela foi
iniciada pelos jovens contemporâneos desse período, tendo-se criado um movimento
que quase para todos os jovens era obrigatório saber dançar Ngalanga (…) e aquele
que executava melhor tinha maior prestígio na comunidade. Mas esta alegria era
constantemente impedida pela administração colonial, chegando mesmo a proibir a
sua execução, para tal tinha que se recorrer as matas para dançar. Escondíamo-nos no
meio da floresta para evitar problemas (Maússe apud. Valoi et. Al, 2015:40).
Na mesma linha, Hanna (1997) conclui que a tradição destas danças guerreiras em
vários países africanos sofreram alterações com o advento do colonialismo. Todas
danças que enaltecessem líderes africanos eram consideradas inaceitáveis pelo
colonizador. Consequentemente foram abafadas. Esta medida estendeu-se para
outras expressões performativas que pudessem, eventualmente, afrontar o controlo
colonial através da sua prática social.
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dança Ngalanga, no período de maior controlo, era praticada nas matas de forma
isolada.
Considerações Finais
Observando os três tipos de dança (teatral, ritual e social) concebidas por Fazenda
(2012) e em função da análise feita sobre as danças tradicionais praticadas na
província de Gaza e do seu processo evolutivo, podemos afirmar que grande parte
são de natureza ritual. Isto é, a sua prática emana de contextos próprios, eventos
específicos, eram danças executadas em acompanhamento de determinados rituais
“gratidão aos espíritos; pedidos de chuva, expulsão de pragas, etc”. Desta forma, a
desestruturação da ordem social tradicional trouxe consigo a decadência da prática e
do significado das danças.
9 Para esta situação temos danças como Xirwala e Massesse; Makway e Marula. Estas danças são
apresentadas com designações diferentes, mas a forma de dançar é a mesma.
10 Esta situação é evidente em danças como Txopo e Xingomane. Txopo é dança originária da província
central de Manica, praticada também no distrito de Massangena, contudo neste último local é
designada de Xingomane, contrastando com o Xingomane praticado no resto da provincial de Gaza.
17
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Fontes Orais
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Conhecimentos, Práticas e Simbologia Comunicativas na Cerimónia
de Lobolo
Sónia Lopes Ajuda11
sonia_lopes11@yahoo.com.br
Resumo
1. Introdução
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em geral e das da província de Maputo em geral (Rhonga e Changana), reflecte a
organização social das comunidades e está repleto de ideologias e simbologias dos
praticantes, um assunto de debate inesgotável que pode ser abordado em diferentes
perspectivas, como são os casos de estudiosos como Feliciano (1998), Granjo (2005),
Pinho (2011), Rita- Ferreira (1982), Santana (2009), Taibo (2012), entre outros, que se
têm dedicado ao estudo do lobolo, ao longo dos tempos, por forma a explicar a
essência deste acto sob diferentes perspectivas de abordagem.
No presente trabalho, a descrição da cerimónia do lobolo implica, por um lado, uma
abordagem das práticas discursivas do grupo etnolinguístico em análise e, por outro,
fornece instrumentos para a compreensão e interpretação dos actos de fala e
discursivos, que demarcam diferenças tanto de género, idade, tópico, espaço,
familiaridade, afinidade, entre os interlocutores.
A linguística cultural aborda os domínios linguístico e cultural que interessa os
seguidores de Franz Boas e os etnógrafos da fala, os quais assumem que:
A perspectiva do fenómeno que é essencialmente cognitivo, reconhecendo
que o significado emerge ao longo do discurso, onde os interlocutores
interpretam a performance de uns e outros, onde os significados são
contingentes nos eventos do que totalmente fixados nas palavras
convencionais e estruturas gramaticais (Palmer, 1996: 36-37).
Na presente análise, importa iniciar com uma breve descrição das regras de
interacção dos Rhonga/Changana, grupos etnolinguísticos da nossa área de estudo,
por forma a obtermos um panorama geral da mesma, que nos facilitará na
compreensão do dinamismo comunicativo que ocorre em torno da cerimónia do
lobolo.
Os grupos etnolinguísticos Rhonga/Changana, à semelhança de qualquer outro
grupo, possui regras de interacção que servem para salvaguardar a harmonia e a
manutenção do equilíbrio nas relações sociais entre os membros da comunidade.
As interacções sociais revestem-se de capital importância nas diferentes sociedades
na medida em que têm subjacentes as relações interpessoais entre os membros da
comunidade, facto que comprova que a língua enquanto meio de comunicação
possui uma função social a ser tida em conta. No caso vertente da cerimónia de
lobolo, a dinâmica comunicativa decorre em torno da função social que se
desempenha no acto de cumprimentar.
Estudos similares que abordam os cumprimentos foram feitos por Wolfson (1981),
Kiesling (1999), Victor (2000) e Duranti (2000), os quais corroboram no facto de que
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os cumprimentos são um elemento importante da competência comunicativa dos
falantes de uma determinada comunidade.
De entre estes estudos, importa realçar que Victor (2000) não aborda especificamente
as formas de cumprimentar, este discute de forma mais generalizada os contextos de
ocorrência de formas de cortesia na cultura Emakhuwa. Para o autor, o cumprimentar
é um acto de cortesia. Segundo Wolfson (1981) apud. Victor (2000:10):
Os actos de fala de cortesia ocorrem frequentemente nas línguas e servem para
produzir ou reforçar um sentimento de solidariedade entre os falantes, são usados na
saudação, no agradecimento, para repreender, gozar, desprezar, para desculpar ou
mesmo como forma de iniciar uma conversa.
Com efeito, os padrões de uso não são aleatórios, estes são adquiridos ao longo da
socialização,16 principalmente na primária – primeiros anos de vida, e na secundária
13 Hymes (1972:53-5) for example, insists that all members of speech community share not only the
same rules for speaking, but at least one linguistic variety as well… Saville – Troike (1982:20) speaks
of level of analysis at which a speech community need not share a language. By all definitions,
thought, a speech community must at least share rules for speaking (nota da tradução).
14 In order to study the communicative behavior within a speech community it is necessary to work
(nota da tradução).
16 Entenda-se por socialização, a necessidade de o individuo se tornar membro efectivo da sociedade
(Schieffelin & Ochs, 1986). Outras fontes que se debruçam sobre o assunto, como é o caso do
Dicionário de Sociologia (2002) define socialização como sendo o processo através do qual o
indivíduo interioriza o sistema de valores, de normas e de comportamentos de uma determinada
cultura; por seu turno, a Enciclopédia Luso Brasileira da Cultura refere que a socialização é o
desenvolvimento de formas jurídicas de organização e realização de interesses comuns,
nomeadamente a personalidade colectiva, estabelecimento de limitações imperativas às liberdades e
21
– ao longo da vida, por forma a entrar em consonância com os padrões usados pela
comunidade linguística (Saville-Troike,1982).
Este conhecimento do uso das diferentes estratégias de comunicação, tem subjacente
a concepção do mundo dos falantes, quando pretendem estabelecer comunicação,
tendo em consideração, o tópico, o contexto, o interlocutor e o tempo de que os
intervenientes dispõem, entre outros aspectos. Entenda-se por tópico o assunto ou
tema abordado; o contexto a situação de comunicação; o interlocutor o indivíduo
com quem se interage e o tempo a disponibilidade e duração do acto de
cumprimentar. Veja-se os exemplos a seguir que demonstram a aplicação das
variáveis a cima apresentadas:
O tópico ou mensagem pode ser uma saudação simples ou elaborada;
O contexto todas as condições que determinam a transmissão da mensagem
pode ser público (na rua ou na companhia de alguém) ou restrito (em casa, a sós). A
mensagem transmitida depende do contexto.
O tempo depende da frequência dos encontros e determina o tópico e da
disponibilidade para a execução do acto de cumprimentar;
O interlocutor compreende o emissor e ou receptor, tendo em conta a relação
hierárquica existente entre ambos os intervenientes, onde se destaca a relação
vertical (numa relação ascendente e descendente) e relação horizontal (para
indivíduos de estatuto igual)
Vertical
Ascendente – elaborada
Descendente – simples
Horizontal
Amigos – simples quando se encontram com frequência e elaborada
quando os encontros são espaçados.
Colegas - simples
Íntimos – elaboradas
Conforme pudemos depreendera língua reflecte diferentes crenças acerca da
natureza humana e como esta crença e a harmonia social pode ser alcançada.
Sumariamente, as diferentes práticas linguísticas reflectem a trajectória das
experiências vividas pelos seus falantes e, consequentemente, são emblemáticas e
geradoras de várias práticas culturais e crenças, em poucas palavras, o
22
habitus.17Pretendendo-se fazer um estudo antropológico das formas de
cumprimentar, segundo Victor (2000:8), há que ter em conta que a estrutura social,
política, e as crenças das várias comunidades são reflectidas na maneira como tais
comunidades organizam e usam as formas de tratamento, saudação e de cortesia.
17 Ultimately, these different linguistic practices reflect different trajectories of lived experience for
their speakers and consequently are emblematic and creative of wider cultural practices and beliefs,
in short, the habitus. (nota da tradução)
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que determina o significado dos enunciados mas, o valor social atribuído aos
enunciados à luz das teorias dos actos de fala e do relativismo.
Com efeito, a discussão de dados terá como base as teorias de actos de fala e do
relativismo cultural e os parâmetros observados na grelha de entrevistas, a saber,
emissor, receptor, tópico (mensagem ou conteúdo proposicional (CP) e respectivo
conteúdo social (CS) e espaço (contexto).
Refira-se que os elementos extraídos do circuito de comunicação excluem os
parâmetros canal e código, por não considerá-los relevantes para a análise, na
medida em que é lógico que as interacções orais têm como canal o ar e sobre o
código, referiu-se anteriormente que a língua predominante foi o
Xirhonga/Xichangana.
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2.3. Género
Tratando-se de um contexto público onde os indivíduos estão envolvidos numa
cerimónia de lobolo, por exemplo, os visitantes aguardam que os anfitriões iniciem o
acto de cumprimentar e, dependendo do género de quem inicia a interacção, a
contraparte também encarrega um indivíduo do mesmo sexo para interagir.
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Noivo: I hlikanhi vamasseve, ha pfuka. Nwine ke?
CP: ‘é tarde compadres, acordamos. E vocês?’
CS: ‘boa tarde compadres, estamos bem. E vocês?’
Noiva: Lani kaya hini tintombi tinyingi. Mayitiva ntombi leyi miyilavaka?
CP:‘Aqui em casa temos raparigas muitas. Conhecem noiva essa querem?’
CS:‘Temos muitas raparigas cá em casa. Conhecem a rapariga de que
procuram?’
Noivo: Hayitiva.
CP:‘Estamos a conhecer.’
CS:‘Conhecemos.’
Noivo: Hi lweyi.
CP:‘É esta.’
26
CS:‘É esta.’
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Fórmulas de despedida
Noivo: Vamaseve hi kombela kuntlantleka.
CP:‘Compadres estamos pedir estar desamarados.’
CS: Caros compadres, pedimos para nos retirar.
Noivo:Hitadzungulela.
CP: ‘Vamos cumprimentar.’
CS: ‘Serão entregues.’
Noiva:Fambani hahombe.
CP: ‘Partam devagar.’
CS: ‘Idem em paz.’
Noivo: Hi ta vonana.
CP: ‘ver-nos-emos.’
CS: ‘Até à próxima.’
3. Considerações Finais
O presente trabalho tinha o objetivo de descrever a dinâmica comunicativa na
cerimónia de lobolo. Durante a análise dos actos discursivos constatou-se que os actos
de fala empregues na cerimónia de lobolo decorrem da necessidade de se observar a
cortesia e respeitar a solenidade do acto. A interacção obedece à similaridade de
género e de outros factores socioculturais, que revelam, de certa forma, as relações
sociais e de poder que existentes entre os intervenientes.
A interacção na cerimónia de lobolo não é uma simples interaccão, é um fórum no
qual vigoram práticas linguísticas e ideologias culturais. Para a compreensão do seu
uso, é necessário que se tenha o domínio dos preceitos do seu uso, dos significados
enunciados, do contexto situacional e das relações sociais de poder mantidas pelos
interlocutores.
Com efeito, o dinamismo comunicativo da cerimónia de lobolo é revestido de
procedimentos simbólicos e emblemáticos convencionalmente partilhados e
reconhecidos pelos membros da comunidade linguística, os quais geram vários actos
de fala que reflectem as crenças e a cosmovisão do grupo.
Na cerimónia de lobolo, a língua é usada para categorizar e colocar os indivíduos nos
seus devidos lugares, em cada situação comunicativa. Portanto, o uso de
determinadas formas não é feito aleatoriamente mas, obedece a regras da dinâmica
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discursiva e das relações sociais e ou de poder existentes entre os intervenientes. Por
isso a interacção obedece à regra de similaridade de género, cortesia entre outras,
para salvaguardar a harmonia e o sucesso da cerimónia.
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31
“Mãe das Mães”: o papel das Apwyamwenes entre os A-Makhuwa da
Província de Niassa, Norte de Moçambique
Assumail Raidone
assumailraidone@gmail.com
Resumo
Introdução
O presente trabalho tem em vista estudar o papel das apwyamwenes nas sociedades a-
makhuwa da província de Niassa. E tem como objectivos: compreender o papel das
apwyamwenes nas comunidades a-makhuwa; descrever a sua legitimidade nas
comunidades e reconhecimento pelas autoridades governamentais; e, descrever as
relações de género entre lideranças tradicionais.
32
Apwyamwene (do plu. apwyamwenes) é termo Emakhuwa que significa avó do mwene20,
a décana, a progenitora. Simboliza uma espécie de “mãe das mães”, que as
autoridades governamentais tendem a chamá-las de ‘rainhas’. Geralmente, as
apwyamwenes funcionam como uma autoridade representante do ramo feminino da
povoação (Amaral, 1990).
Apesar das apwyamwenes serem figuras bastante influentes nas suas comunidades, o
seu papel na liderança tradicional nas sociedades a-makhuwa é pouco conhecido,
sendo raros os estudos sobre elas. Em Moçambique, tanto no período da política
colonial como após a independência, o poder tradicional das apwyamwenes nestas
regiões sempre foi secundarizado e houve tendência de considerar-se o poder
masculino (régulo, cabo, mwene, camassua e puatapuata) ignorando-se a importância
da liderança feminina das apwyamwenes (Medeiros, 1984 apud. Arnfred, 2001:182).
20Mwene (do singular) ou Mamwene (do plural) é a designação local usada na língua emakhuwa do ou
da líder da linhagem. É uma espécie de chefe do grupo. Geralmente, o/a mwene possuí também um
pequeno espaço territorial sob sua tutela.
33
Abordagem Teórica e Conceptual
No contexto das comunidades a-makhuwa de Niassa onde foi realizada esta pesquisa,
o poder não é só exercido pelo “homem” (patriarca), mas é partilhado também com
as mulheres (apwyamwenes e em alguns casos, as mwenes).Tendo em conta essa
realidade de coexistência de poderes femininos e masculinos, corrobora-se com
Amadiume quando sugere uma abordagem de oposição paradigmática e contestação
estrutural de género, introduzindo o conceito de matriarcado não como um sistema
totalitário – isto é, a regra total que governa uma sociedade – mas como um sistema
estrutural de justaposição com um outro sistema numa estrutura social(Amadiume, 1997
apud.Arnfred, 2001:183).
34
Gênero
Joan Scott (1989:21), em sua obra Gênero: uma categoria útil de análise histórica, define
o gênero como, um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre diferenças
percebidas entre sexos, e o género é uma forma primeira de significar as relações de poder.
Ainda o mesmo autor, acrescenta que, (...) as mudanças na organização das relações
sociais correspondem sempre à mudanças nas representações de poder, mas a direcção da
mudança não segue necessariamente um sentido único (Ibidem). Segundo Peregrini
(2012:3), na definição de Scott, nota-se um esforço de fazer perceber o entendimento do
gênero como campo de disputa de poder, o que confere ao termo um peso político que os
académicos não poderiam se furtar.
Poder
Para o caso deste estudo, o poder das apwyamwenes seria considerado como sendo a
posse de um domínio que elas têm sobre o sagrado (o ritual maqueya), pelo facto de
serem elas que servem de elo de ligação entre os vivos e os mortos do seu grupo.
Metodologia
35
realizada em sete distritos, nomeadamente: Cuamba nos povoados de Mathia,
Mucuapa e Bairro 3 de Fevereiro; Majune nos povoados de Luambala, Pindula 2,
Pindula-Muaquia e Majune-sede; Mandimba nos povoados de Namoro, Chipa,
Puenhenhe, Nampuriua, Mississi no Posto administrativo de Mitande; Maúa nos
povoados de Mugoma, Siciri, Necuto e Maúa-sede; Marrupa no Posto administrativo
de Nungo e povoado de Mulapane; Metarica nos povoados de Cuvir e Nacumua;
Mecanhelas na Localidade de Iataria, povoado de Sale e Localidade de Entre-lagos.
Os dados foram colhidos através das entrevistas semi-estruturadas. Foi considerado
como o universo do estudo, a população residente nos distritos de Cuamba, Majune,
Mandimba, Maúa, Marrupa, Metarica e Mecanhelas.
36
Resultados e Discussão
37
Nos distritos de Cuamba, Mandimba, Maúa, Marrupa, Majune, Mecanhelas e
Metarica onde decorreu este estudo, os participantes desta pesquisa afirmaram que,
amaqueya é pilada somente pela apwyamwene, não sendo envolvidas outras mulheres,
esse facto, deve-se pela sacralidade que envolve a preparação da farinha para
amaqueya. Daí que, a apwyamwene é a pessoa que coordena o processo de preparação
da maqueya, que depois é levada para o mutholo22 para fazer preces aos espíritos dos
antepassados (minepa) e de Deus (Muluku).
Uma entrevistada explicando sobre o processo das preces aos antepassados, referiu:
Durante as rezas e pedidos aos espíritos dos antepassados, a apwyamwene é a pessoa
que se encarrega de levar a peneira (bacia feita de bambus) onde fica a ephepa, e é ela,
que dá ao mwene para colocar no mutholo. Se não for a apwyamwene a carregar a
peneira da maqueya, os espíritos não irão receber o pedido.24
Esse depoimento, comunga com Cipire, que refere que em muitas sociedades
moçambicanas, durante as preces, a comunidade encaminha o seu pedido aos
espíritos dos antepassados encabeçados pelo antepassado mais importante da
comunidade, por meio de seus líderes. Neste acto, a alma do antepassado protector
do clã, encaminha o seu pedido ao Muluku (Deus) que será responsável pela
resolução do problema (Cipire, 1996).
22Árvore sagrada onde as comunidades makhuwa recorrem para fazer preces aos seus antepassados. E
também nesta árvore é onde são realizadas as cerimónias tradicionais mais importantes da
comunidade.
23O Munepa (do singular) ou Minepa (do plural)é a designação que se dá ao espírito ou aos espíritos
38
chuva ou excesso dela. O seu uso no ritual maqueya é obrigatório e insubstituível, a
não ser em casos de força maior, em que não há como tê-la.25
Ainda sobre as razões da pertinência do uso da mapira como cereal ideal para o
ritual maqueya, uma outra entrevistada refere:
Esse ekhololue simboliza-nos como pessoas, porque tal como a planta regermina, nós
não encontramos os antepassados, mas estamos aqui, ainda vivemos.O ekhololue,
significa planta que germina por si após ser colhido ou limpado da machamba.
Mesmo depois de ser capinada a mapira germina de novo. Mele simboliza, as pessoas,
o ser humano, que mesmo alguns morrendo, outros continuam a preservar a
espécie.26
02.10.2016.
39
e protegido as crianças. No dia da saída, as crianças iniciadas, concentram-se em
minha casa, é lá onde acontecem as cerimónias de entrega aos pais. Antigamente,
fazia-se uma bebida chamada otheka, e distribuía-se nesse dia, onde os participantes
bebiam e dançava-se o nkharakhara e nauacha.27
Nas comunidades a-makhuwa de Niassa existem aspectos da vida social que são
reservados para cada género (feminino ou masculino). Os participantes do estudo
explicaram que as questões ligadas à sexualidade feminina e outros aspectos de
saúde sexual e reprodutiva, incluindo os assuntos sobre a vida conjugal das
mulheres nas comunidades a-makhuwa de Niassa, ficam na responsabilidade das
apwyamwenes.
40
mulheres. Também é nossa tarefa, aconselhar as mulheres que iniciam a ter gravidez,
sobre como se comportar, como agir quando o seu marido precisa de relações
sexuais, para que isso não afecte a sua criança no futuro. Como apwyamwenes, essa
actividade sexual por parte das mulheres é da nossa responsabilidade, uma vez que
somos as conservadoras da tradição do nosso n’loko.29
Outra fase que se segue, vai para o momento da primeira gravidez da rapariga. A
fase da primeira gravidez é carregada de muitos simbolismos que são sustentados
através de ritos. Van Gennep, sustenta que, os ritos observados entre a gravidez e o
parto, tem a finalidade de proteger a gravidez e criar condições para que haja um
parto seguro, protegendo desta forma a futura mãe, o bebé e a sua família (Van
Gennep apud.André, 2014:20).
Contudo, há que realçar também que, no trabalho de campo, foi apreendido, através
dos entrevistados, que as apwyamwenes desempenham uma grande tarefa de
conselheiras nos casos de existência de conflitos conjugais, quando, por exemplo, um
casal se desentende sobre as relações sexuais. Nestes casos, a apwyamwene procura
resolver o problema ouvindo e aconselhando a mulher e só pode levar ao mwene, no
caso de o problema estar acima das suas capacidades, como por exemplo, quando os
envolvidos decidem separar-se ou envolvem-se em violência constantemente.
29Entrevista
com M.P. Povoado de Nacumua, Distrito de Metarica. 05.12.2015.
30Antigamente, as fontes orais indicavam que, nas comunidades Amakhuwa, os ritos de iniciação
feminina designavam-se por Ciputo, mas devido a influência da cultura Yao, passaram a praticar o
Nsondo.
41
Legitimidade das Apwyamwenes nas Comunidades A-makhuwa de Niassa
Fazem parte das elites do poder político do povo makhuwa, nomeadamente, régulos,
cabos, mwenes, apwyamwenes, akhulukano (curandeiros), nahacos (adivinhos), entre
outros, algumas dessas reconhecidas à luz do Decreto 15/2000 de 20 de Junho e
revogado pelo Decreto 35/2012 de 5 de Outubro.
Em quase todos os povoados onde foram realizadas as entrevistas, nos sete distritos
da província de Niassa, verificou-se que a liderança das apwyamwenes e a sua
influência para os restantes membros da sua linhagem, não tinham a ver com a
condição sócio-económica da pessoa e nem a idade da mulher que desempenha a
função. Em maior número dos povoados onde foram feitas as entrevistas, observou-
se que as apwyamwenes participantes desta pesquisa eram economicamente pobres,
42
vivendo em condições muitas vezes humildes comparativamente a maior parte dos
membros da zona, mas assumiam uma responsabilidade de destaque em todos
aspectos rituais e nas cerimónias e eram muito respeitadas e obedecidas.
Uma outra condição de legitimidade do poder, descrita por Fisher, seria a “noção da
delegação”, que pressupõe que o individuo que detém o poder é designado como tal
por um agente que pode conferir-lhe legitimidade. Nesta ordem de ideias, é
considerada legítima, toda a autoridade que resulta e é investida por uma delegação
de poder especificamente estabelecida e reconhecida (Fixer, s/d apud.Xavier,
2011:41). Para o caso em estudo, pode-se perceber que elas são investidas de poder,
por meio da força da tradição, que lhes reserva de serem as únicas a terem o domínio
sobre o ritual da maqueya e das questões ligadas ao sexo feminino.
Apesar das apwyamwenes não deterem um poder total sobre todos os aspectos
políticos e sociais da sua comunidade, elas enquadram-se na perspectiva de poder
de Fisher. Pode ser considerado que elas detém o poder pelo facto de serem as
guardiãs do seu grupo (nihimo), dentro da sociedade makhuwa, apesar de não estar
muitas vezes carregada de poderes totais, havendo algumas limitações em tomar
certas decisões que são reservadas para os “homens” ou, raras vezes, mulheres
mwene.
43
maqueya aquilo que sai divido com ela. Quando há resolução de problemas aqui, o
que se paga eu partilho com apwyamwene. Mas há outros mwenes que comem sozinhos
e não dão algo as apwyamwenes. Isso lhes desmoraliza.33
A pesquisa demonstra também que os escalões das lideranças comunitárias não têm
a ver com as hierarquias das lideranças tradicionais legitimadas pelas comunidades
através da sucessão e herança, mas há uma miscelânia, encontrando-se entre elas,
44
por exemplo no primeiro escalão, também secretários de bairros, geralmente
indicados por influência política.
45
comunidades, onde gestos e símbolos utilizados têm não apenas uma significação, mas várias
(Desrosiers, 2011:69).
Considerações Finais
46
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48
Omissões do Património Cultural na Fortaleza de Maputo na
perspectiva dos discursos dos visitantes
Resumo
O presente artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre narrativas de visitantes
da Praça Nossa Senhora da Conceição vulgo Fortaleza de Maputo, um local
considerado Património Cultural Moçambicano. O propósito da pesquisa foi a análise
dos discursos dos visitantes sobre a Fortaleza de Maputo. Na análise da literatura
sobre o património cultural identifiquei duas perspectivas que permitem
compreender, por um lado, que o património cultural é um lugar que predomina uma
história única, e estática, por outro, que é um lugar dinâmico e de questionamento em
que a memória é reconstruída a cada dia. Com base nos resultados da pesquisa
etnográfica compreendi que os indivíduos consideram que a Fortaleza de Maputo
constitui uma memória omissa quanto a história dos moçambicanos, porque faltam
exposições dos feitos, conquistas e objectos moçambicanos. Com isso, percebo que os
indivíduos que no passado foram silenciados pelos discursos dominantes, procuram
difundir a história sobre o passado na qual eles identificam-se. Os resultados
apresentados permitem considerar a Fortaleza como um espaço de diversidade de
narrativas sobre o património ali presente, diferentemente da literatura que analisa o
património como algo estático.
Introdução
Este artigo foi escrito de acordo com pesquisa de campo do tipo etnográfico
exploratório, desenvolvida para Trabalho de Culminação dos Estudos (TCE) na
modalidade de projecto de pesquisa para obtenção do grau de Licenciatura em
Antropologia na Faculdade de Letras e Ciências Sociais na Universidade Eduardo
Mondlane.
Este artigo analisa as narrativas dos visitantes com relação as omissões sobre o
Património Cultural. Optei por este assunto ao questionar-me sobre essas narrativas
tendo em conta que existe uma história oficial sobre a Fortaleza. A Fortaleza de
Maputo conta a história da presença portuguesa em Moçambique e a resistências
oferecidas pelos habitantes da terra, o que torna-a num espaço onde convivem
narrativas concorrentes. A literatura sobre o Património Cultural permitiu-me
analisar a perspectiva sobre o património estático e dinâmico.
49
discursos que os indivíduos produzem nas comemorações que tem organizado e
realizado nos museus, são um sinal de desaparecimento da memória viva.
Diferentemente de Nora (1989), Inguane (2007) defende que, o Estado constrói
memória nacional através da produção de uma narrativa nacional em que os espaços
estão abertos para a produção de outras narrativas relacionadas e conflituantes, e
que o envolvimento de não-elites moçambicanos abre caminhos para a dinâmica
transacional da memória social que transcendem os limites do Estado moçambicano
da temporalidade histórica comum e entendimento tradicional de pertences. Com
base na explicação de Inguane (2007) percebo que existe um órgão que produz uma
narrativa, havendo espaço para produção de outras narrativas por parte de outros
indivíduos provenientes das não-elites e este aspecto abre caminho para a dinâmica
da memória.
Na mesma linha de discussão, Peralta (2007) defende que existe uma relação entre a
memória oficial e a memória popular, por isso a memória social não pode ser vista
apenas como resultado de estratégias do poder dominante. As memórias estão
vinculadas em discursos que estão em constante revisão, incorporando práticas
discursivas alternativas, as quais podem, elas próprias, transformar, a medida que a
sua popularidade aumenta, nestes mesmos discursos dominantes. A explicação de
Peralta (2007) permite compreender que os conteúdos difundidos pelos museus são
subjectivos, temporários e envolvem discursos de diferentes segmentos da
sociedade.
Ribeiro apud. John (2012) afirma que a vivência de um período histórico marcado
por uma legislação democrática garante que novas perspectivas possam ser
construídas em vista da rememorização de uma história mais significativa
especialmente de quem e para quem historicamente foi deixado de lado como os
mais pobres, os explorados e os dominados. A explicação de John (Idem) permite
compreender que apesar da existência de uma ciência com o poder legítimo para
preservar as culturas do museu há espaço para a criação de novas histórias
envolvendo indivíduos alheios a instituição.
Alternativamente Abreu (2008), refere que numa época em que os museus eram
baseados em conceitos dominantes e constituídos a partir de bens seleccionados
pelos ocidentais, surge em Amazonas no Brasil, um Museu constituído pela
comunidade local Ticuna. A partir das imagens dos livros e fotografias em
exposição, foi possível reconstituir os objectos que estavam em desaparecimento.
50
ano atraem interesse dos profissionais dos patrimónios. A perspectiva de Johnston
permite compreender que há coisas ou lugares que não fazem parte do património,
mas que tem significado social. Os significados atribuídos pela sociedade com
relação ao que eles consideram como bem cultural a integrar nas avaliações sobre o
património, começa a ser considerado para a avaliação dos tipos patrimoniais e a
própria legislação começa a incluir aspectos da significância social. Por sua vez, fica
por compreender os aspectos de negociação desses significados entre as pessoas e os
profissionais que conservam e avaliam o que é ou não um património.
De modo geral, os autores defendem que os conteúdos que compõem os museus são
renovados a cada momento ou época. E independentemente das formas de poder
que predominam nos museus, os indivíduos subalternos que não participavam na
produção das narrativas dos museus, na actualidade tem encontrado espaço para
negociar essas narrativas através de atribuição de outros ou novos significados. E
estes aspectos fazem com que os museus sejam lugares dinâmicos.
Dentro dos compartimentos há uma divisão onde encontra-se uma sala dedicada a
Ngungunhane. Para além dessa sala, pode ser visto num outro compartimento uma
sala de piano, duas salas de exposição/galerias de arte, uma sala que actualmente
acolhe uma exposição temporária sobre a vida e obra de Eduardo Mondlane, uma
sala que funciona um centro de interpretação ou biblioteca da Fortaleza onde estão
36António Trigo de Morais parte de Portugal para Moçambique em 1921, para analisar os rios Búzi e
Limpopo, onde desenvolveu uma proposta para o aproveitamento agrícola do Rio Limpopo.
37Joaquim Augusto Mouzinho de Alburquerque foi um militar português que exerceu as funções de
estendeu-se de 1884 a 1895, uma governação que iniciou num momento crítico para África pois
coincidiu com a realização da Conferência de Berlim 1884-1885.
51
expostas imagens de algumas lápides e duas salas que funcionam como área
administrativa e dois balneários.
A sua história remonta aos finais do século XVIII quando iniciou a construção da
primeira fortificação portuguesa na baía, num contexto de rivalidade comercial entre
diversos países europeus que incluem os franceses, holandeses, austríacos e ingleses
(Folheto de Fortaleza, S/D).
De acordo com Oliveira (1965), houve uma frequente sucessão desses países que
controlavam a baía de Lourenço Marques num ambiente de rivalidades até a
permanência definitiva dos portugueses. O primeiro pequeno forte denominava-se
“Forte Lagoa”. Mais tarde foi reformado e ampliado e denominou-se “Lydzaanhei”
que significa liberdade. E com a fixação dos portugueses a Fortaleza passou a ser
designada de “Praça da Nossa Senhora da Conceição”.
40A Conferência de Berlim, também conhecida como Conferência da África Ocidental ou Conferência do Congo,
realizou-se em Berlim de 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, marcando a colaboração europeia na
partição e divisão territorial de África.
52
As “omissões” do património cultural
Nesta secção descrevo os aspectos que os visitantes (apresento os seus discursos
usando nomes fictícios) afirmam fazer falta na Fortaleza com relação aos feitos,
conquistas e objectos dos moçambicanos. O exemplo abaixo menciona esse aspecto:
É importante que a Fortaleza seja um espaço não apenas para transmitir uma história,
mas também para trazer as histórias alternativas…, contar a história da reacção dos
moçambicanos a ocupação, as armas usadas naquele tempo e as imagens dos
guerreiros no momento de acção na guerra.41
André defende que há falta de uma parte da história, escrita pelos moçambicanos,
que precisa ser contada pela instituição que protege a Fortaleza. Informação similar é
anunciada por um visitante no livro de sugestões, a Fortaleza é um bem necessário para
o turismo moçambicano, e é importante que comecemos a escrever outra parte da história
deste lugar que também seja reflectida a partir das imagens de Moçambique.42Para o
visitante, falta na Fortaleza uma parte da história que deve ser exposta e apresentada
através da exposição das imagens de Moçambique na Fortaleza.
Outro discurso que enfatiza a necessidade de exposição dos feitos históricos dos
moçambicanos é apresentado por Fátima:
Uma vez eu estava a ler os livros que estão na biblioteca da Fortaleza, achei muito
interessante porque há vários livros que contam a história do período de ocupação e
colonização portuguesa e nos livros falam muito dos militares das lutas por parte dos
moçambicanos e também falam das armas que usávamos…está a faltar exposição
dessas armas, vestes e estatuas nas paredes e nas salas da Fortaleza.44
53
De acordo com Fátima, na Fortaleza há informação escrita sobre os militares e as
armas que os moçambicanos usavam na época da guerra, mas há escassez dessas
armas, vestes e estátuas em exposição. Outra visitante teve um posicionamento
similar, só lamento não ter encontrado, mas evidências da nossa história (onde estão os
objectos que faltam). Gostaria que a Fortaleza colocasse em exposição as armas antigas usadas
pelos moçambicanos.45
A partir dos dados apresentados nesta parte do trabalho é possível perceber que os
visitantes reclamam a omissão de objectos usados pelos moçambicanos no período
de colonização na Fortaleza. Eles afirmam que faltam na Fortaleza a exposição das
armas, vestes e estátuas antigas dos guerreiros ou militares, e também afirmam que
poderiam colocar imagens dos militares da actualidade. Para além dos objectos que
faltam, os participantes referiram que a instituição que protege a Fortaleza, tem que
apresentar memórias alternativas e essa outra informação tem que ser escrita pelos
próprios moçambicanos sem influência portuguesa.
Considerações Finais
Como fenómeno social, os discursos que os indivíduos produzem na interacção com
esse património constitui uma memória omissa quanto à história dos moçambicanos
na medida em que expressam a ausência da exposição dos feitos, conquistas e
objectos moçambicanos. Esses discursos mostram que os indivíduos que no passado
foram silenciados pelos discursos dominantes procuram não só difundir memórias
por eles escritas, mas procuram difundir a história sobre o passado na qual eles
identificam-se. Percebo ainda que os visitantes reclamam mais objectos da cultura
moçambicana para tornar mais atractiva a Fortaleza por meio de objectos nacionais.
Estes discursos realçam aspectos identitários que os indivíduos produzem na sua
interacção com a Fortaleza.
54
Esses resultados reflectem a diversidade de narrativas sobre a Fortaleza de Maputo
apesar de existência de uma narrativa oficial sobre o lugar. A memória apesar de
referir-se ao passado imcorpora um discurso que está em constante construção e
reconstrução para responder os problemas ou questões da actualidade, num
momento em que a Fortaleza de Maputo oferece diversos elementos de interpretação
da história da ocupação e de resistência bem como múltiplas realizações sociais e
culturais. Esses aspectos corroborram para uma constante problematização das
narrativas do património presente na Fortaleza de Maputo sejam em aspectos
culturais, sociais ou políticos.
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56
Turismo Cultural: uma reflexão sobre alguns locais associados aos
Makombe no desenvolvimento da actividade turística
Resumo
Introdução
57
Deste modo, os aspectos que representam a diversidade cultural constituem uma
oportunidade para o turismo. Todavia, para que o turismo cultural constitua
alavanca da economia, é necessário que sejam oferecidos serviços de qualidade e
atraentes.
O turismo é uma actividade multifacetada que apresenta uma forte ligação com o
património material e imaterial de um lugar. De facto, actualmente o turismo
cultural é uma realidade em muitos países do mundo, que buscam desenvolver de
forma sustentável, agregando valor às comunidades locais. Esta visão encontra-se
reflectida nos objectivos do turismo cultural proposto pelo ICOMOS49, citado por
Camargo & Cruz (2009), segundo a qual, o turismo cultural visa manter viva a
protecção do património cultural.
Para uma melhor compreensão deste segmento, temos que entender primeiro alguns
termos que norteiam as reflexões desta pesquisa.
58
O conjunto dos bens matérias e imateriais criados ou integrados pelo povo
moçambicano ao longo da história, com relevância para definição da identidade
cultural moçambicana, define o Património Cultural moçambicano (Lei nº 18/88 de
22 de Dezembro).
59
preservação da história e da cultura local, procurando transmitir o legado às
gerações futuras. Porém, uma pressão excessiva associada a má gestão destes
recursos culturais, pode pôr em risco a sua salvaguarda e até ao seu significado.
Deste modo, torna-se imprescindível o envolvimento das comunidades locais nos
programas de protecção, conservação, interpretação e a divulgação do património e
da diversidade cultural, ou seja, desde a identificação até a gestão.
3. Metodologia
A primeira que foi a revisão bibliográfica sobre o tema em análise. Este exercício
permitiu a familiarização e o aprofundamento de matérias relacionadas ao
património histórico-cultural e sua relação com o turismo e culminou com a
elaboração de um guião de entrevista com questões sobre a história dos locais, sua
importância, bem como os métodos locais de salvaguarda.
A segunda fase consistiu no trabalho de recolha de dados no campo. Para tal, foram
administradas entrevistas semi-estruturadas50às lideranças e as comunidades locais
com conhecimentos à respeito do fenómeno em análise. Salienta-se que nesta etapa,
a observação foi usada para a recolha de dados nos locais.
50Tipo de entrevista que apesar de haver preparação anterior das questões temáticas a abordar, a
forma e a ordem como elas são introduzidas acontece de forma menos rígida, adaptando-se ao estilo e
configuração que o entrevistado pretende imprimir no seu discurso. Ribeiro, J. S (2003). Métodos e
Técnicas de Investigação em Antropologia.
60
desta parcela do País, um grande destino para o turismo cultural (ARPAC, 2012). No
entanto, o património cultural só pode ser considerado um produto para o turismo
cultural, quando houver capacidade de atrair visitantes.
Por isso, a carta internacional sobre o turismo cultural ICOMOS (1999), recomenda
que a protecção, conservação, interpretação e a divulgação da diversidade cultural
de cada região devem constituir desafios para todos os povos e todas as nações.
61
Instituto de Investigação Sócio-Cultural ou pelo Departamento do Património
Cultural, por intermédio dos Comités de Gestão do Património Cultural.
Algumas alternativas que passaremos a relatar podem ser usadas para impulsionar a
preservação do património de modo a garantir o desenvolvimento sustentável do
turismo cultural, a saber:
Uma medida importante que deve ser tomada pelos envolvidos na conservação e
preservação é a de veicular informações sobre estes bens culturais, com intuito de
popularizá-los. Os baixos custos de acesso associados a sua universalidade na
Internet, pode facilitar a divulgação do património cultural local.
Por último, um aspecto importante que contribui para a preservação é o respeito das
crenças locais em torno dos antepassados. Ao nível das comunidades, para que os
valores socioculturais estejam intactos, elas servem-se de mitos e tabus, que
funcionam como reguladores da vida e conduta social delas.
62
5. Alguns locais Histórico-culturais Associados aos Makombe
Os locais históricos culturais associados aos Makombe, são bens culturais tangíveis,
que representam um testemunho da evolução histórica e desempenham um papel
importante na vida da comunidade local. Dentre vários, nesta reflexão destacaremos
os seguintes: (1) Amuralhado de Magure; (2) Forte Massangano; e (3) Ruínas de
Makombe (Fortim de Tambara).
52In: http://sertanejo-manica.blogspot.com/2012/03/magure-zimbabwe-site-distrito-de-barue.html
63
Vista exterior do Amuralhado de Magure (Foto: ARPAC-Manica)
64
5.3. Ruinas de Makombe (Fortim de Tambara)
Gestão
Os Governos distritais, por via dos órgãos consultivos que são responsáveis locais
pelo património histórico-cultural, não implementam, nem incentivam acções que
promovam a protecção, conservação e valorização dos bens culturais situados no seu
território. Contactos informais feitos nos locais do estudo transpareceram que estas
65
actividades, ainda são dependentes de intervenção de níveis superior (Provincial e
Nacional).
Educação
Investimento
Estrutura física
66
Partes da Estrutura física do amuralhado de Magure (Foto: ARPAC– Delegação de Manica)
Na fortaleza Makombe, é visível o nível elevado de degradação, uma vez que parte
das estruturas arquitectónicas encontram-se completamente destruídas e as pedras
que compunham a muralha vão desaparecendo na medida em que o tempo vai
passando. Este facto fará com que, em caso de restauração, a integridade e a
originalidade estejam comprometidas.
67
Desmoronamento do Fortim Tambara (Foto: ARPAC)
Vias de Acesso
Vegetação
68
Além disso, este crescimento da vegetação pode igualmente causar distúrbios nas
paredes dos edifícios contribuindo para um eventual colapso parcial ou total da
estrutura. Este factor é dominante em grande parte de locais abrangido pelo estudo.
Em Magure, por exemplo, o desenvolvimento vegetativo desordenado, constitui
problema.
Figura 1:
A gestão deve promover o respeito pelos valores patrimoniais, pelos interesses das
comunidades locais e pelos proprietários dos conjuntos históricos (ICOMOS,1999).
69
Em momento de globalização crescente, a gestão do património cultural torna-se
fundamental, visto que permitirá dar a conhecer às comunidades bem como os
visitantes, o significado do património cultural, o respeito do carácter sagrado e a
necessidade da sua preservação. A gestão do património cultural para o
desenvolvimento do turismo deve estar virada para produzir benefícios económicos
e sociais para a comunidade detentora e satisfação dos visitantes.
8. Considerações Finais
O actual estado físico da estrutura dos locais abrangidos pelo estudo, revelam um
acentuado estado de degradação facto que demonstra, a falta de cometimento das
autoridades governamentais, lideranças tradicionais e da população, pela
preservação, conservação do seu património cultural.
Referências Bibliográficas
BOX, P. (1999). GIS and cultural resource management: A Manual for Heritage
Managers.Bangkok:UNESCO Principal Regional office for Asia the Pacific.
70
FONTE, J. M. M.(2009). Aplicação de SIG na Gestão de Recursos Patrimoniais: o Caminho
Primitivo de Santiago. Dissertação de Mestrado em SIG.
71
A Revolta do Barué e o distrito de Tete: entre a insurreição
generalizada e aversão Ngoni
Resumo
Introdução
Entre finais do Século XIX e princípios do Século XX começaram as guerras de
conquista perpetuadas pelos portugueses tendo em vista a implantação do seu
domínio em todo território moçambicano. Ao nível da região centro de
Moçambique, estas campanhas foram encabeçadas pelas Companhias
Majestáticas54que, usando métodos coercivos, tentavam a todo custo subjugar as
populações locais.
No entanto, longe de resignarem-se, os nativos empreenderam diversas incursões
contra os invasores, tentando defenderem a sua soberania. Foi neste contexto de luta
e defesa da soberania que o Estado de Báruè se destacou, não só pelo seu poderio
militar mas também, pelo, estabelecimento de alianças com outros Estados e tribos,
culminando deste modo com um levantamento generalizado em Março de 1917. Este
levantamento contribuiu, sem dúvidas, para o atraso da implantação da autoridade
portuguesa na região.
72
Contudo, apesar destes feitos, os portugueses acabaram levando a melhor, uma vez
que para além da sua visível superioridade bélica, também contaram com ajuda dos
Ngoni.
Alicerçado nas comemorações do centenário da Revolta do Báruè, o presente artigo
pretende sobretudo, através de uma revisão bibliográfica, trazer à tona o legado das
personalidades que se destacaram como símbolo de resistência à dominação
portuguesa na região, como também apresentar alguns dados que justificam a
aversão dos Ngoni neste processo.
Embora esta seja descrita por diferentes pontos de vista, pode-se constatar um
aspecto em comum. Por exemplo, nota-se aqui que a história da fundação do Estado
do Báruè está intimamente ligada à desagregação do Estado de Mutapa pelo facto
das dinastias dominantes provirem deste lendário império. Alias, conforme atesta
Serra (2000), o Báruè foi um dos estados Vassalos que circundava a cintura do
Mwenemutapa e, tal como outros estados, tinha a tendência de rebelar-se quando o
poder da dinastia Mwenemutapa enfraquecia.
No entanto, não é de todo consensual que tenha sido o próprio Makombe a fundar o
Estado. Partindo da escassez de informação descritiva sobre o possível reinado de
Chimupore, obtém-se a figura de Makombe, como o pioneiro na defesa da soberania
face as pretensões portuguesas no vasto território do complexo do baixo Zambeze.
Importa frisar que, há poucos registos sobre o desenrolar dos conflitos que o
primeiro Makombe travou contra os exploradores portugueses. Nos apontamentos
de Artur (op.cit.) se descreve que o mesmo odiava os portugueses, sobretudo por
causa de questões ligadas a ameaça da sua soberania e, destaca-se a batalha de
Chideu, pese embora sem dados cronológicos. Diz-se que nesta Batalha que ocorreu
junto ao rio Púnguè, Makombe teria aniquilado o comandante português
55Daí o seu nome ter sido transformado no próprio título dos reis do Báruè.
73
denominado Magalhães, graças as armas de fogo adquiridas juntos dos comerciantes
estrangeiros.
Portanto, a ilação que se pode tirar do exposto acima, é de que o processo de
conquista e domínio colonial português no actual território moçambicano foi
marcado por uma oposição forte por parte dos nativos, tal como ocorreu noutros
cantos do continente. Alias, conforme atesta Boahen (2010) mediante a erupção do
colonialismo, a esmagadora maioria das autoridades e dirigentes africanos mostraram-se
decididos a manterem a sua soberania e independência. Em resumo, acrescenta Ranger
(2010) praticamente todos os tipos de sociedades africanas resistiram, e a resistência
manifestou‑se em quase todas as regiões de penetração europeia. Em alguns casos, este
processo foi desencadeado por meio de submissões temporárias e alianças entre os
principais líderes africanos.
No caso do Báruè, a primeira submissão temporária parece ter ocorrido após a morte
do Makombe e teria sido levada a cabo no reinado de Chipatata, que, numa disputa
de poder com o seu irmão Chibudo, ascendeu ao trono entre 1830-1846. No entanto,
em 1870, Chipatata foi obrigado a resignar o poder a favor do seu genro Manuel
António de Sousa, mais conhecido por Gouveia56, conforme se descreve:
Entre 1870 e 1892, esteve, porém, sob o controlo de Gouveia que, através de
casamento com Adriana, filha mais velha de Chipatata, Makombe reinante nessa
altura em Báruè, usurpou o poder, exigindo a submissão de Chipatata. Para garantir
o controlo de Báruè, Gouveia, mandou construir um vasto complexo militar de cerca
de nove aringas e outras pequenas fortificações, instalando aí uma importante força
Chicunda (...) apesar das medidas, a oposição contra Gouveia manteve-se (Serra, 200:
311).
56Otermo Gouveia deriva de uma corruptela do termo Góvêa que no puro ci-sena, significa homem
guerreiro, destemido, invencível. Aventa-se que a Sede do Báruè teria tido o nome Vila Gouveia em
memória de Manuel António Sousa (Gouveia) que era dono do prazo da Gorongosa e Capitão-mor de
Manica, Quiteve e Báruè.
57Motivado pelo conflito luso-britânico, por causa das jazidas minerais em Manica, que ocorrera a 15
de Novembro de 1890 quando os militares da British South African Company pegaram em Paiva de
Andrade e Manuel de Sousa (prenderam-nos e enviaram os dois para Salisbúria e depois para a
Cidade de Cabo).
74
dez anos a conquista do Báruè. Mais adiante, concretamente a 20 de Janeiro de 1892
teve lugar a Batalha de Nyachirondo/Mungari em que mais uma vez, o exército
português sofre uma pesada derrota a avaliar pela morte Manuel António de
Sousa.58
O sucesso dos nativos nestas campanhas de resistência resulta não só pelo poderio
bélico do exército baruísta59 como também, pelas alianças que estabeleceram com
intuito de restaurarem a independência. Aventa-se que a primeira aliança no reino
de Báruè, no âmbito da luta contra a presença portuguesa, parece ter sido levada a
cabo por Canga60, conforme atestam os depoimentos de Pelissier:
Temos que levar a crédito do Báruè, embora dividido, o facto de ter tentado tal como
Massangano de Bonga uns trinta anos antes, reunir em seu redor aliados africanos
por não poder jogar a carta das rivalidades entre as potências europeias. O Báruè (…)
transformou-se, depois de 1892, no símbolo da resistência anti-portuguesa na
Zambézia Meridional (…) É claro que Canga tentou ser a alma de uma coligação
inter-étnica e superior ao Estado. Os seus esforços viraram-se principalmente para os
regulados tongas, outrora submetidos a massangano (…) e para os capitães rebeldes
como Cambuemba e Luís Santiago da Gorongosa. Quanto aos primeiros, chegou a
estacionar os homens de Báruè nas suas terras a fim de protegê-las dos portugueses
(…) e confiou mesmo a Cambuemba o comando supremo das suas tropas (Pelissier,
1994: 140).
Deste modo, pode-se concluir que não é por acaso que o Báruè tornou-se o símbolo
mais expressivo da resistência anti-colonial ao nível do centro de Moçambique. Isto
deveu-se a forte capacidade que os seus líderes tiverem na mobilização e no
estabelecimento de alianças com outros grupos étnicos hostis a presença portuguesa
bem como, as sucessivas revoltas que à partir daí foram ocorrendo. Neste caso,
Canga parece ter-se destacado, uma vez que a sua influência foi também aceite por vários
regulados tauaras e tongas que dependiam nominalmente do Mwenemutapa Chioco, o qual
teria aceitado, em 1901, reconhecer-lhe a soberania (Ibidem). Portanto, mais do que uma
insurreição localista, a luta do Barué ultrapassou fronteiras, tendo-se estendido até a
região norte de Tete.
No entanto, após sucessivas lutas, nos finais de 1902, Báruè acabaria por ser
subjugado pelos portugueses que para além de instalarem as suas bases militares,
implantaram a sua administração.
Tal como o Makombe Canga que morrera exilado em 1910, o seu sucessor Nongwe-
Nongwe também destacou-se como impulsionador de um levantamento contra as
58 Aventa-se que Sousa teria sido ferido em combate e, uma vez fraco, um rapaz teria aproveitado a
ocasião para assassiná-lo. Não se sabe exactamente o local que teria sido morto.
59Em troca de ouro e marfim, Báruè tinha adquirido armas com comerciantes portugueses e indianos
75
pretensões portuguesas em Moçambique. Tudo começa com a entrada formal de
Portugal na primeira guerra mundial ao lado dos aliados, o que obrigara a reforçar a
segurança dos seus territórios no norte de Moçambique:
De acordo com Serra (2000) para além do trabalho forçado, estava a crescente
cobrança coerciva de impostos cujas tentativas de protestos foram brutalmente
reprimidas pelas autoridades portuguesas. Por outro lado, há relatos de pilhagens e
de violações sistemáticas de mulheres e crianças. Vários autores sustentam que estes
acontecimentos precipitaram o descontentamento generalizado da população, tendo
o Makombe Nongwe-Nongwe e seu primo Macossa aproveitado a situação para
vingar-se da acção dos portugueses contra os seus predecessores. Para efeito,
procuraram unir todas facções anti-portuguesas que, ao invés de se concentrar contra um
inimigo comum, rivalizavam entre elas (Artur, 1996: 62).
(1) Macossa com o seu chefe militar Ngaru, comandando uma força conjunta de
exércitos Báruè, Sena, Tonga e Gorongosa, na frente sudeste, com a missão de
capturar Sena e destruir as propriedades da Companhia de Moçambique; (2)
Nongué-Nongué e o seu conselheiro Militar Kuedzani, com um exército conjunto
Báruè Tauara, deviam libertar a região de Mungari-Tete; (3) finalmente, no noroeste
forças Tauaras, Ntsengas e grupos de A-Chicundas deviam erradicar a presença
portuguesa de Zumbo e dos postos administrativos de Cachomba e Chicoa (Serra,
2000: 315).
Relatos de Artur (op. cit.) dão conta que os revoltosos conseguiram com sucesso
repelir os portugueses em quase todas frentes. Na segunda frente, o exército de
Báruè Tauara tomaram de assalto, a 28 de Março, o posto de Mungari, tendo
culminado com a fuga do respectivo chefe e de outros portugueses estacionados em
Tambara e Catandica. Na terceira frente, os Nsengas comandados por Mpangula,
dominaram Zumbo a 7 de Abril do mesmo ano.
Esta tese de busca ao oculto para a defesa é-nos mostrada por Isaacman, citado por Serra (1983:80):
61
O mundo da magia entrou igualmente em 1917 no arsenal activador do levante do Báruè: grande
76
procura de aliados militares todos meios foram empregues, incluindo históricas redes de
parentesco, partindo muitas vezes de matrimónios como foi o caso entre baruístas e os
Tawaras (Idem:63).
No entanto, o caso da aliança Luso-Nguni, não parece estar ligada a vingança dos
últimos contra os restantes grupos étnicos, uma vez que nenhum destes, alguma vez
submetera o seu domínio sobre eles. Ademais, foram os Ngonis que sempre tentaram
submeter o seu domínio sobre os restantes grupos. Assim, a ideia dos líderes
aliarem-se aos invasores na perspectiva de reforçar a sua posição interna, obterem
consumo de feitiços de guerra fizeram os que lutaram contra os Portugueses, acreditando que, com o
seu uso, poderiam transformar em água as balas disparadas pelas espingardas do inimigo.
62 Fala-se também em salários mensais pagos a esses mercenários Ngoni.
77
benefícios materiais e promessas da melhoria da sua situação no quadro da nova
ordem colonial, parece ser de todo consensual entre os historiadores. Aliás Uzoigwe
(2010) acrescenta que esta conduta, em muitos países africanos foi assinalada não só
pela falta de solidariedade, de unidade e de cooperação, mas também pelo facto de
alguns líderes aliarem-se aos invasores europeus apenas para se verem vencidos um
pouco depois.63
No caso dos Ngonis há que ter em conta que em finais do Século XIX existiam dois
estados que englobavam parte do território moçambicano: O Estado dos Ngoni de
Ngwana Maseko e seus descendentes, instalados definitivamente em Angónia desde
cerca de 1860, englobava partes de Moçambique e Malawi e, o estado de Mpezeni
que se fixou por volta de 1870, numa região entre Zâmbia e Moçambique. Entre
1899- 1900, no âmbito do traçado de fronteiras, estes estados acabariam por serem
fragilizados pelos Britânicos que tinham pretensões na Rodésia de Norte e
Niassalândia. Aproveitando-se desta fragilidade, os portugueses começaram a
implementar a política de eliminar os principais régulos64 Ngonis que tinham os seus
domínios deste lado da fronteira. Assim, uma vez desmoralizados, os Angonis
acabaram mesmo por optar em não revoltarem-se contra os invasores, pelo facto de
não possuírem meios necessários para fazer frente ao domínio colonial nos dois
lados das fronteiras. Para eles, restava apenas uma aliança com um inimigo que
sabiam de antemão que não poderiam vencer. Esta atitude parece estar ligada por
um lado a ideia de obterem benefícios materiais e por outro as promessas da
melhoria da sua situação no quadro da nova ordem colonial.
4. Considerações Finais
O Báruè foi sem dúvidas o símbolo mais expressivo na luta contra a presença
portuguesa na região centro de Moçambique e este feito foi conseguido graças a
bravura do Makombe. Contudo, deve-se sublinhar que a figura de Makombe não
pode ser encarada como um único indivíduo apenas. Na verdade, existiram vários
Makombe, mas o fundador da dinastia se destaca por ser o pioneiro a enfrentar os
portugueses.
63Neste sentido, a aliança adiava a perca imediata de autoridade destes líderes prolongando-se até a
implantação efectiva do sistema colonial português, momento em que a sua subjugação seria
inevitável.
64Ngomani I fora fuzilados pelos Britânicos em Niassalândia; O régulo Mandala e seus subalternos
78
No entanto, deve-se reconhecer que neste processo de lutas, nem todas tribos se
tornaram hostis a presença portuguesa. Os Ngonis, que após pesadas derrotas
sofridas nos territórios Britânicos da Rodésia do Norte e Niassalândia, viram-se sem
forças para enfrentarem os portugueses no território moçambicano. Para eles,
restava apenas uma aliança com um inimigo que sabiam de antemão que não
poderiam vencer e por via disso optaram em tomar vantagens da situação, comas
promessas da melhoria da sua situação no quadro da nova ordem colonial.
Referências Bibliográficas:
BOAHEN, A. (2010). África Diante do Desafio Colonial. In: História Geral da África,
VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 / editado por Albert Adu Boahen.
2.Ed. Brasília: UNESCO.
79
Análise das Lógicas Sociais nos Projetos de Desenvolvimento em
Turismo em Moçambique: o caso da Localidade de Gala no Distrito de
Matutuíne, Província de Maputo
Luís Isidro Rogério Bembele65
lbembele@gmail.com
Resumo
O presente artigo examina os projetos de desenvolvimento do turismo
implementados em Gala, distrito de Matutuíne, província de Maputo, sob o ponto de
vista de uma arena de desenvolvimento, onde várias lógicas e estratégias entram em
confronto. O pressuposto básico é de que independentemente do tipo de organização
ou do modo de intervenção, uma ação de desenvolvimento inevitavelmente dá
origem à interação entre dois atores sociais pertencentes a mundos diferentes (as
agências de desenvolvimento e os que precisam ser desenvolvidos) cujos padrões de
conhecimento são regulados por uma variedade de lógicas. A incursão analítica desta
pesquisa mostra que durante o período em que vigoraram os projetos de
desenvolvimento (PDs) em Gala, permitiram uma série de transformações em nível
político, econômico e social, resultantes das iniciativas da Organização Não
Governamental (ONG) HELVETAS e do Estado. Nesse sentido, a pesquisa mostra
que os atores e grupos estratégicos estão em constantes negociações, disputas e
confrontações. Por outro lado, embora os atores fossem heterogêneos e com interesses
diferenciados, no seio da comunidade de Gala, todos têm poder de interferir no seu
contexto mesmo que seja de uma forma desigual. Evidenciou-se que os atores e
grupos estratégicos não só tem diferentes interesses e recursos, mas também agiam
de acordo com diferentes modos de ação e pontos de vista culturais do mundo.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo analisar as lógicas sociais nos projetos de
desenvolvimento do turismo implementados em Gala, distrito de Matutuíne,
província de Maputo. O pressuposto básico é o de que independentemente do tipo
de organização ou do modo de intervenção, uma ação de desenvolvimento
inevitavelmente dá origem à interação entre dois atores sociais pertencentes a
mundos diferentes (as agências de desenvolvimento e os que precisam ser
desenvolvidos) cujos padrões de conhecimento são regulados por uma variedade de
lógicas. Neste sentido, a localidade de Gala pode ser vista como uma arena de
desenvolvimento local, e a relação entre os principais atores – Estado, comunidade
local e a ONG HELVETAS Moçambique, de origem suíça – nas iniciativas de
desenvolvimento, permitem entender melhor a dinâmica do processo. Pretende-se
80
discutir as estratégias dos agentes de desenvolvimento (o Estado e ONGs -
HELVETAS) e a “comunidade” de Gala. Especificamente pretende:
1. Discutir o contexto de interação dos projetos de desenvolvimento do turismo
em Gala;
2. Analisar a coerência dos projetos de desenvolvimento local do turismo em
Gala;
3. Descrever a reação da população alvo aos projetos de desenvolvimento local
do turismo em Gala.
Em termos metodológicos o presente artigo foi desenvolvido a partir do
entrelaçamento de pesquisa bibliográfica, documental e pesquisa de campo. A
pesquisa bibliográfica caracterizou-se pelo levantamento e análise dos estudos sobre
obras clássicas e contemporâneas sobre a temática do desenvolvimento de uma
forma geral e de Moçambique em particular de modo a embasar teórico e
conceitualmente as questões em debate.
Após a revisão bibliográfica, seguiu-se para o trabalho de campo. Esta etapa da
pesquisa foi caracterizada pelo levantamento de dados com recurso à entrevista, à
observação do cotidiano da gestão do turismo e ao reconhecimento dos atores sociais
envolvidos das reuniões dos conselhos consultivos comunitários em Gala. O tipo de
observação utilizada foi a de observação não participante que, segundo Michel (2009:
51) consiste no contato do observador com a comunidade, grupo ou realidade, sem
integrar-se a ela. Nas entrevistas foi adotada a abordagem de entrevistas de trajetória
que consistiu no relato dos atores sobre o seu envolvimento nos PDs. As entrevistas
obedeceram a dois momentos. O primeiro consistiu na realização de uma pesquisa
exploratória, com objetivo identificar problemas relacionados com a maneira de
conduzir a entrevista, a compreensão por parte dos entrevistados, tempo de
aplicação e a funcionalidade do roteiro bem como a identificação de outros atores
que poderiam fazer parte dos informantes para pesquisa. A análise e interpretação
dos dados recorreu-se a análise de conteúdo.
81
desenvolvidos) cujos padrões de conhecimento são regulados por uma variedade de
lógicas. Em qualquer das formas, diante dos recursos, oportunidades e limitações,
através das quais uma iniciativa de desenvolvimento é composta, a interação ocorre
de formas contrastantes. Mas, esta não é apenas uma questão de escolha de pessoas,
é também reflexo de interesses diversos, normas de avaliação distintas e uma
divergência nos objetivos e nas posições ocupadas pelos indivíduos.
O termo “lógicas” aqui utilizado serve como ponto de discussão para a identificação
de certos níveis de coerência em torno da interação entre o projeto e a população
beneficiária e permite também explicar os tipos de procedimentos similares (e as
suas diferenças internas), pois apesar de existir uma infinita variedade de atores
individuais e reações, o número de modelos de procedimentos é limitado. Por outro
lado, os termos “lógicos” ou “estratégias” permitem mesmo adotar expressão
“lógicas estratégicas” na ordem de estabelecer tipologias das várias capacidades que
os atores utilizam como oposição às suas “lógicas de pensamento” definidas de
acordo com várias formas de perceber a realidade (Ibid.: 138).
De acordo com De Sardan (Ibid.), algumas vezes são usadas referências para
sustentar lógicas ou estratégias de reprodução como meio de homogeneizar uma
série de comportamentos padrão através da redução dos mesmos em grupos de
atores econômicos com objetivos ocultos em si mesmos. Outras vezes, a referência é
feita para manter a lógica ou a estratégia apontada junto à minimização de riscos
como meio de envolvimento de outros modos coletivos de comportamento
econômico, o que pode ser definido, mais ou menos, como subconjunto do primeiro:
a gestão de riscos e segurança é uma forma de assegurar sua reprodução e existência.
O autor acrescenta ainda que, às vezes, falar de uma lógica de ajuda ou de uma
estratégia de busca de ajuda para designar outro grupo de comportamento padrão
que intersecta-se com o anterior podem promover a estabilidade. Entretanto, esta
variabilidade no uso do termo lógica ou estratégia não deveria desorientar em
demasiado. Se os comportamentos não podem ser estabilizados num nível singular
da aplicação, isto simplesmente ocorre porque os padrões dos atores por si mesmos
ocupam uma variedade de níveis de sobreposição de coerência. A lógica ou
estratégia deve ser especificamente definida para fazer sentido, partindo-se do ponto
de vista sociológico.
82
controlo, através dos quais ele é parcialmente dependente: a
imprevisibilidade do clima, sistema de preços, estruturas de segurança e
comercialização de stocks, outras intervenções ocorrem no mesmo meio social
(projetos concorrentes, fiscalização, medidas administrativas),
oportunidades, existência de aspetos externos no sistema local de produção
(migrações, instrução). A forma como o camponês reage ao projeto depende
do grande grau de fatores externos. Este é um dos elementos que as análises
devem ter em conta (Ibid.: 139).
Nessa perspectiva, tem razão De Sardan, porque, ao se analisar o “Projeto Tinti Gala
Lodge Community”(PTGLC)observa-se que durante a identificação do espaço para
construção do Lodge, o que influenciou a decisão para escolha de Gala foi a
existência da lagoa de Tinti, que na ótica dos especialistas da HELVETAS seria uma
grande atração turística. No entanto, passados três anos após sua inauguração, a seca
assolou o país, particularmente as províncias de Gaza e Maputo, e fez com que
alguns produtos turísticos baixassem de qualidade ou mesmo se tornassem
inviáveis, como ocorreu com a lagoa de Tinti, que não resistiu às intempéries e
acabou secando.
Fica óbvio que o projeto foi claramente afetado por fatores naturais que
independiam das ações de seus atores, e como consequência, começou-se a verificar
a redução da entrada de turistas e a falta de receitas, que, por conseguinte afetou as
atividades de manutenção do estabelecimento e provocou a redução da força de
trabalho. A este respeito, em declarações proferidas na entrevista concedida para
pesquisa, o ex-coordenador do PTGLC Luís Filipe Dinis afirmou:
(...) infelizmente volto a repetir tivemos uma infelicidade numa lagoa que
tinha um potencial atrativo para o turismo, tinha ecossistema muito
interessante, incluindo hipopótamos, crocodilos, pássaros, borboletas. E de
um momento para outro, em três anos havia ficado sem água. Portanto são
coisas, são as tais ameaças incontroladas, mas o importante é transformar a
infraestrutura que está lá em outro atrativo para zona.(…) Osector privado
pode ajudar, pode colocar outros animais. Hoje já há reservas que a gerente
cruza-se com zebras, com galinhas do mato, a gente pode cruzar-se com
outros animai, que os turistas possam estar lá e sentir-se bem. Que as crianças
possam ver.66
83
ter um problema sério, porque já não tinha nada que vender, já não havia
nada para vender ali.67
84
projeto? De um milionário norte-americano queria fazer uma cadeia de hotéis
a partir de Machangulo a descer para Zitundo, então nós rapidamente
fizemos um levantamento socioeconômico, fizemos a disseminação da lei de
terras, lei de florestas. Começamos a criar a questão da delimitação de terras
comunitárias, para ver se dentro daquelas áreas poderiam ter algum
benefício do projeto que ia lá aparecer. Então foi nesse âmbito que aquela
comunidade já conhecia a organização nesta componente, por outro lado
também, já conhecia a organização porque escolas foram construídas ao
longo daquele corredor todo como atividade do projeto na altura. Por outro
lado também existiu o repovoamento pecuário, houve lá a distribuição do
gado bovino, houve algumas atividades de emergência após os acordos de
paz, que era o oferecimento de cabritos, outros matérias de construção e etc.
Então a Helvetas foi conhecida nessa altura, por isso que houve aceitação,
não houve grande dificuldade naquela comunidade.70
85
em termos de pedreiros locais, serventes e etc. e de fato existiam pessoas lá,
mas os mestres vinham de lá. Então foi um grupo selecionado da
comunidade como servente e pedreiros para trabalhar na parte de
construção, e depois paralelamente existiu aquilo que chamamos de
capacitação deste grupo, houve uma seleção de dez pessoas que, portanto,
foram eleitas como Comitê de Gestão Social.72
Os depoimentos, aqui expostos, deixam claro o quanto a história vivida tem ainda
presença determinante no sucesso dos projetos, tal como De Sardan (op. cit.) refere, é
possível, em todos os lugares, para trazer à luz uma determinada história local, que
poderíamos chamar uma história local de contato com o intervencionismo político-
econômico, que necessariamente estrutura os atuais padrões de comportamento,
pelo menos em parte. Consequentemente, os contextos sincrônicos e diacrônicos não
devem ignorar nenhum evento ou subestimá-lo.
86
coerência que um projeto de desenvolvimento deve apresentar: i) a coerência do
projeto com o paradigma que o orienta; ii) a adequação do projeto ao ambiente
macroeconômico em que se encontra inserido; iii) a coerência entre os objetivos
apresentados pelo projeto e a atuação prática dos organismos financiadores, e iv) a
lógica de funcionamento da organização que realiza o projeto (tradução, Carneiro,
2012).
Segundo Carneiro apud. De Sardan (1995: 125), a observação dos diferentes níveis de
coerência que devem decorrer de uma ação de desenvolvimento apontam para a
complexidade inscrita na operacionalização de um projeto, cuja execução envolve um
conjunto diferenciado de atores sociais, proveniente de mundos diferentes e cujos
comportamentos são orientados por lógicas múltiplas. Assim, para estabelecer relação
entre os níveis de coerência e as ações de desenvolvimento ocorridas em Gala, o
presente estudo vai se demonstrar como esses elementos se manifestaram em Gala
conforme os exemplos apresentados a seguir.
O primeiro nível de coerência tem a ver com o paradigma que orienta o projeto, no
caso de Gala tem se como exemplo a iniciativa do Turismo de Base
Comunitária(TBC) que é um modelo alternativo ao turismo convencional e que
atende às necessidades de conservação dos modos de vida tradicionais e da
biodiversidade de pequenas comunidades, além de estimular o desenvolvimento
econômico local e é fundamentada sobre uma racionalidade técnica claramente
definida (Carvalho, 2007). Nesta perspectiva, a inspiração do PTGLC, nas
experiências de Covane Lodge em Massingir e de outros projetos do gênero nos
países vizinhos, é como afirma De Sardan (op. cit.) uma questão de importação de
um modelo de produção para a comunidade de Gala, que também implica, para
além da divulgação e formação, uma profunda transformação da atividade da
comunidade local. Dito de outra forma, o TBC é um modelo de turismo que está em
voga e que é promovido por muitas organizações ligadas ao setor do turismo, tido
como um princípio para a redução da pobreza (pro poor Project) pelos países em
desenvolvimento. É dentro deste quadro que a Helvetas, implementou o projeto em
Gala, como pode-se notar no depoimento do ex-gestor de projetos da HELVETAS:
É isso, pretendíamos disseminar uma boa prática e aquilo que tínhamos
aprendido no Massingir, por que o turismo comunitário ou turismo baseado
na comunidade já em 2002 acabou por ser também uma moda, uma moda em
todo mundo também porque na altura o turismo pro poor que era para a
redução da pobreza, a ideia era esta, fazer que o turismo em que o nicho de
mercado seria conhecer todos os aspectos culturais e foi nessa altura quando
Helvetas trouxe aspectos inovadores para desenvolvimento do país. Não só
pensar na agricultura, na questão agropecuária mas também outras
atividades que contribuíssem para o desenvolvimento das comunidades. 75
87
financiamento da própria Helvetas, daí surgiu a ideia porquê não fazer
algum projeto ligado ao turismo, um Lodge comunitário na zona de
Matutuine e prosseguimos como os contatos(...).76
76Ibid.
88
outro lado, temos que ver a questão dos acessos, e na época seca o que
acontece, porque um dos pontos principais as pessoas ou muitas pessoas não
têm carros com tracção, então é preciso criar condições para que eles tenham
alternativas de entradas para esse tipo de turista que se pretende. Por outro
lado também é uma lição apreendida, tem que se ter um tempo considerável
para capacitar as pessoas que vão estar envolvidas dentro do processo do
CBT, se não nada acontece, pois é um problema sério para as pessoas
entenderem essa área que é muito complexa. É preciso ter esse tempo, na
altura não tivemos muito tempo, aquilo foi tudo a correr, tínhamos que fazer,
porque havia um dinheiro, tínhamos que fazer e então isso tudo deu no que
deu. E a outra questão que é muito importante, é que o turismo comunitário
em Moçambique ainda não tem regulamentos ou leis como em outros países
como a Namíbia e Botswana, tem certas isenções, que eles entendem que é
um negócio comunitário e não vamos comparar como uma grande indústria
hoteleira que tem que pagar imposto e a comunidade não tem fundos.77
O terceiro nível de coerência está relacionado aos objetivos apresentados pelo projeto
e a atuação prática dos organismos financiadores, ou seja, o papel de financiadores e
doadores e sua influência, que se manifesta indiretamente na escolha dos modelos
técnicos, na política econômica nacional e na aprovação dos projetos (De Sardan, op.
cit.). Nesta perspectiva, Irving (2002: 98) refere que a consulta comunitária realizada
pela HELVETAS em Gala, buscava através das informações e opiniões dos
moradores a legitimação da ideia de desenvolvimento pela lógica do financiador, ou
seja, um modelo turismo denominado TBC que estava em voga no mercado de
desenvolvimento e que seria uma modalidade de turismo desenvolvida pela própria
comunidade, passando a articular atividades, operações e empreendimentos na sua
localidade, recebendo visitantes nacionais e estrangeiros. Na mesma órbita, Buclet
(op. cit.) refere-se à configuração do desenvolvimento como se submetendo às
obrigações e regras impostas pelo mercado do desenvolvimento, ou seja, as regras
deste campo são frequentemente implícitas e as ONGs talvez não percebam sua
influência sobre elas. A autora prossegue dizendo que o acesso aos recursos
financeiros funciona cada vez mais por licitação, o que força as ONGs a adaptar os
projetos às demandas dos seus financiadores. Portanto, a criação da HELVETAS
Maputo, pela sua congênere na Suíça, deixa clara a ideia de que os recursos deviam
ser usados simplesmente para implementar o projeto do financiador, ou seja, o TBC.
Desconsiderando as atividades tradicionalmente exercidas pela comunidade local,
de acordo com a construção de seus saberes sobre os usos dos recursos naturais, é o
caso da pesca artesanal e do corte de junco. Neste contexto, em Gala, quando a
HELVETAS iniciou suas atividades, orientava seu financiamento para os projetos de
desenvolvimento do TBC, mas passados três anos considerou que estas atividades já
estavam consolidadas e devia incidir suas intervenções na área do saneamento na
região norte de Moçambique. Este nível de coerência está claramente patente na fala
do ex-gestor de projetos da HELVETAS, que destaca de forma exaustiva os pontos
que caracterizam sua intervenção:
É assim, a HELVETAS, na altura eu chamamos HELVETAS Programa
Maputo, realizou várias atividades, nos distritos de Matutuine, Massingir,
entre outros. Então no âmbito das mudanças dos coordenadores ao nível da
89
Suíça, tivemos uma coordenadora que a um dado momento achou que as
atividades na província de Maputo já estavam sólidas daí que não havia
necessidade de continuar a financiar algumas atividades porque ela achava
que já estava tudo bem e que tinha que se fechar o programa da HELVETAS
Maputo. Nós tivemos um grande choque com esta coordenadora e até ao
ponto de termos um encontro com o Diretor Regional para África, tivemos
um encontro com ele que nós fizemos à explicação de todos os aspectos que
nós achávamos importantes à continuidade das atividades aqui. Provamos
com A+B que ainda não estava nada fortalecido nas atividades, alguns
grupos etc. Que havia necessidade de se continuar. O desenvolvimento não
se faz em dez anos, desenvolvimento faz-se em mais tempo. E só que a
decisão já tinha sido tomada, em termos de fechar o programa de Maputo na
Suíça. O que é que acontece? Nessa altura a decisão foi do próprio Diretor
Regional, quando diz, ‘olha, vocês podem continuar com as atividades, a
HELVETAS Maputo fecha. Mas que abram outra organização moçambicana
que possa servir para dar continuidade nas atividades do projeto’. Foi nessa
altura que nós criamos a LUPA e a própria HELVETAS continuou a financiar
a LUPA, cerca de cinco para fortalecer aquelas atividades que nós tínhamos
iniciado, andamos cinco anos a aguentarmos connosco.78
90
decisão foi do próprio Diretor Regional, quando diz portanto vocês podem
continuar com as atividades e a HELVETAS fecha, mas agora abram uma
outra ONG moçambicana que possa servir para dar continuidade nas
atividades do projeto, foi nessa altura que nós criamos a Lupa e a própria
HELVETAS continuou a financiar a Lupa, cerca de cinco para fortalecer
aquelas atividades que nós tínhamos iniciado andamos cinco anos para
aguentarmos connosco.79
91
Lodge, porque nós pensávamos que ia nos ajudar segundo como eles
falaram.81
Considerações Finais
O argumento apresentado ao longo do artigo refere que nos PDs em turismo
implementados em Gala foram uma estratégia de acomodação dos interesses dos
proponentes, na medida em que todo processo social se incorporam agentes que
estão interessados em certos resultados, ou seja, pensando numa perspectiva
weberiana adequar meios a fins específicos.
Assim, constatou que os agentes de desenvolvimento, ao apresentarem os seus
projetos a comunidade de Gala estavam a procura de legitimidade para as suas
iniciativas, mas ao mesmo tempo não deixavam completamente claro os seus fins.
Como afirma Sardan (2005), muitos dos agentes envolvidos na arena de
desenvolvimento têm e tinham interesses específicos a respeito da melhoria das suas
92
próprias carreiras e alcance dos objetos da ONG ou mesmo o seu reposicionamento
mais geral nas ONGs na África.
Daí que ao se analisar os PDs é importante não tomar os discursos institucionais dos
projetos de desenvolvimento no seu valor fácil, pois boa parte da sua eficácia, tem a
ver com o fato destes estarem a buscar legitimidade o tempo todo escondendo parte
dos seus fins.
Por outro lado, em muitos dos PDs, os agentes de desenvolvimento entendem a
“comunidade” como um espaço imaginário que produz uma “sensação de
aconchego”, cimentada por consenso, organizada em torno de uma visão de mundo
realizada em comum e regulamentada por uma cultura partilhada. No entanto, no
caso de Gala, o que se constatou foi uma arena onde atores e grupos estratégicos
estão em confrontação, em disputa, e em conflito uns com os outros.
Constatou-se que em Gala os atores e grupos estratégicos não só têm diferentes
interesses e recursos, ou seja, seus próprios projetos, mas também agiam de acordo
com diferentes modos de ação e pontos de vista culturais do mundo. Portanto, o que
parece aos olhos dos especialistas e planejadores como um único projeto é, na
realidade, mais complexo, pois cada grupo está buscando seu próprio projeto. Para
alguns, é uma questão de realizar objetivos ideológicos abstratos tais como
“desenvolvimento”, “participação” e “ajuda” para a “comunidade”. É uma questão
de presença simbólica. Já para os líderes locais é um esforço sutil de influência
política ou legitimação do seu poder local.
Constatou-se também que enquanto os agentes de desenvolvimento (Estado e
ONGs), em suas atividades, tinham como objetivos abstratos a questão de geração
de renda e a melhoria das condições de vida e as relações de custo x benefício do
projeto, ou seja, medidas quantitativas. A “comunidade” quando ouvia falar de
projeto pensava em dinheiro. Dito de outra forma, enquanto para os promotores de
desenvolvimento o projeto significa um passo em frente no planejamento de suas
carreiras, como se observou no caso da HELVETAS, a “comunidade” está
principalmente interessada em melhorar as infraestruturas básicas e garantir o seu
sustento.
93
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95
O Esboço Político-Administrativo do Estado de Gaza e Sua Influência
no Processo Recente de Legitimação da Autoridade Tradicional em
Xai-Xai
Resumo
O presente artigo descreve a forma como o Estado de Gaza conseguiu inserir-se em
Xai-Xai (capital da província de Gaza) (século XIX) a ponto de manter sua estrutura
administrativa legitimada na configuração da autoridade tradicional actual. Para o
efeito, faz-se um breve debate conceptual, onde são discutidos os conceitos de
autoridade e poder. É também apresentado o historial da evolução da autoridade
tradicional em Xai-Xai desde o período pré-colonial à actualidade, onde são
debatidas questões relacionadas com a forma como esta manteve seus traços do
passado ao presente. A principal conclusão é que a autoridade administrativa do
Estado de Gaza conseguiu manter-se ao nível da estrutura tradicional, através de
uma conjugação de factores como a manipulação da crença generalizada na acção dos
ancestrais sobre o dia-a-dia dos vivos; adopção de uma política de assimilação e
respeito pelas estruturas linhageiras locais.
Introdução
A evolução político-administrativa da área correspondente à actual cidade de Xai-
Xai está pouco documentada. Esta carência de informação tende a ganhar forma à
medida que se recua no tempo, facto que se traduz na existência de um
conhecimento relativamente maior sobre a estrutura administrativa colonial
portuguesa comparativamente às formas adoptadas antes deste período, como é o
caso do arcabouço montado pelo Estado de Gaza e as formas anteriores de
organização.
96
transportados para a actualidade através de uma complexa transmissão de valores
centrada na oralidade e na prática como mecanismos transferência de saberes.
A ideia de escrever sobre esta matéria não surgiu ao acaso. Foi o culminar de um
processo resultante do acompanhamento criterioso da acção das autoridades
tradicionais de Xai-Xai aquando da auscultação pública liderada pelo Governo
Provincial no sentido de consciencializar os cidadãos sobre a pertinência da
reestruturação administrativa no sentido de garantir uma maior aproximação dos
serviços públicos aos cidadãos.
Sob o ponto de vista metodológico, o artigo faz uma abordagem qualitativa, optando
por uma postura interdisciplinar baseada na História Social combinada com um
diálogo conceptual permanente com a Antropologia, Sociologia e Ciências Políticas,
como forma de reforçar as perspectivas de análise dos factos em estudo. O trabalho
de campo foi efectuado na cidade de Xai-Xai e nos distritos circunvizinhos de
Chongoene e Limpopo.
97
Da mesma forma que a definição da autoridade tradicional é indispensável ao
alcance dos objectivos deste artigo, o esboço de um breve quadro histórico desta
forma de autoridade passa, necessariamente, pela percepção da sua génese e das
questões associadas aos contornos da sua legitimação. Isto é, não se pode avançar
para a percepção de aspectos recentes da história da autoridade tradicional sem
definir claramente esta forma de comando, sua origem e a maneira como se legitima
junto das comunidades a que está adstrita.
Entre as principais causas das dificuldades a que se tem vindo a fazer referência
destaca-se a tendente interpretação do fenómeno social moçambicano à luz de
métodos e teorias importadas. Nesta perspectiva, vale a pena mencionar a percepção
de Karl Marx de que a imigração de ideias raramente se faz sem dano, porque ela
separa as produções culturais do sistema de referências teóricas em relação às quais
as ideias se definiram, consciente ou inconscientemente (...) quer dizer, do campo de
produção balizado por nomes próprios ou por conceitos para cuja definição elas contribuem
menos do que ele as define (...) (Marx apud.Bourdieu, 1989: 7).
Nesta lógica, entende-se o facto de, apesar de possuírem uma enorme base teórica
devido ao considerável número de estudos sobre elas, as questões ligadas às
autoridades tradicionais estarem constantemente a suscitar novas curiosidades. Tal
facto deve-se, entre outros motivos, à sua interpretação mediante teorias “ocidentais
ou ocidentalizadas”. Assim, justifica-se a necessidade de estabelecer uma linha
orientadora do pensamento através da definição dos conceitos que não possam criar
qualquer tipo de confusão no estudo sobre a autoridade tradicional.
Ferreirinha & Raitz (2010: 367-371) recorrem a Michel Focault para definir poder
como algo que:
(…) não está localizado em uma instituição, e nem tampouco como algo que se cede,
por contratos jurídicos ou políticos. O poder em Focault reprime, mas também
produz efeitos de saber e verdade. É preciso, antes de qualquer coisa, conhecer a
98
etimologia da palavra poder, que vem do latim vulgar potere, substituído ao latim
clássico posse, que vem a ser a contracção de potis esse, “ser capaz”; “autoridade”.
Dessa forma, na prática, a etimologia da palavra poder torna sempre uma palavra ou
acção que exprime força, persuasão, controle, regulação etc.
99
Na esteira do acima exposto pode-se perceber o poder como um conceito ambíguo
que agrega elementos coercivos e de coesão dos grupos sociais. A coerção evidencia-
se sempre que se mostra necessário o uso da força, sendo que a coesão deriva da
aceitação da legitimidade do poder de um sobre o outro, onde o detentor desse
poder é um elemento socialmente assumido como garante da unidade do grupo.
No debate sobre a origem e significado do termo autoridade, autores como Dava et
al (2003), Florêncio (2005) e Fernandes (2009) recorrem ao conceito apresentado por
Marx Weber que define autoridade como a dominação legítima, distinta da
dominação/submissão.
É essa forma legítima exposta na primeira das duas circunstâncias acima que assume
a designação de autoridade. É neste alinhamento que Dava et al apresentam o
conceito de autoridade tradicional derivado da conjugação dos termos “autoridade”
e “tradicional”, como a capacidade de impor e influir sobre outras pessoas, baseada
fundamentalmente na legitimidade comunitária e nas leis consuetudinárias (Dava et
al, 2003:6).
Fica assim explicada a distinção entre poder e autoridade tradicional e, desta forma,
a razão de se ter optado por autoridade tradicional no alinhamento deste artigo,
exactamente por fazer referência à forma legítima e socialmente aceite de exercer o
poder.
100
3. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA AUTORIDADE TRADICIONAL EM XAI-XAI
Os primeiros assentamentos humanos resultantes da expansão Bantu em Xai-Xai
registaram-se na faixa costeira e, simultaneamente no vale do rio Limpopo, por volta
dos anos 500 da nossa era. Sobre este processo a pouca informação disponível deriva
da interpretação dos achados nas referidas áreas, que sugerem a existência de
pequenas aldeias, sendo que algumas delas foram se expandindo ao longo do tempo.
Os dados das fontes materiais são consubstanciados por relatos de fontes orais que
relacionam a origem de determinadas comunidades a processos migratórios
iniciados no norte e aos vestígios dos antepassados disponíveis nas estações
arqueológicas da faixa costeira.
Autores como Duarte (1976) e Souto (1996) fazem referência a este primeiro
momento de configuração dos assentamentos humanos. Duarte (1976) concentra
maior atenção aos trabalhos arqueológicos realizados em Xai-Xai, onde para além
dos vestígios de cerâmica, é possível documentar parte do modus vivendi daquelas
aldeias costeiras através dos restos de conchas. Por sua vez, Souto (1994) traça um
rescaldo geral do processo de expansão Bantu e descreve os contornos das distinções
entre as “tradições” envolvidas nesse processo. Na descrição feita por Souto pode-se
perceber que a cerâmica patente em Xai-Xai pertence à tradição Matola e apresenta
as mesmas características que os vestígios descobertos na Estação Arqueológica da
Matola, o que sustenta a ideia da continuidade daquele processo migratório.
101
Imagens 2 e 3: Cacos de cerâmica e conchas das estações arqueológicas de Chongoene
(esquerda) e da Praia Velha em Xai-Xai (direita)
A referência feita aqui aos sinais da expansão Bantu tem em vista apenas
testemunhar aqueles que foram os primeiros passos da configuração de
comunidades sedentárias em Xai-Xai que, ao longo do tempo, foram sofrendo
reconfigurações. Portanto, a partir do processo de sedentarização foram surgindo
comunidades/aldeias cujas relações políticas eram reguladas por sistemas de
linhagem segmentária.
102
A integração de Xai-Xai no circuito político-administrativo do Estado de Gaza
contribuiu para a ocorrência de uma série de mudanças na paisagem política,
económica e sociocultural local. A toponímia não escapou. Por exemplo, o nome
Gaza é de origem nguni, as designações chopi/copi e changana/xangana,
correspondentes às duas principais etnias da província de Gaza surgiram nessa
altura. O termo changana/xangana corresponde ao pseudónimo “Soshangane”
usado por Manicuse (fundador do Estado de Gaza), com o significado de povo de
Soshangane. Por sua vez, o termo chopi/copi, deriva de va-chopi, com a significação
de povos detentores de armas de arremesso (Junod, 1974: 25).
De uma forma geral, o Estado de Gaza ocupou uma vasta região entre os vales do
Incomati e Zambeze (é verdade que havia áreas consideráveis dentro deste
perímetro que estavam fora do controlo do Estado de Gaza). Sua rápida expansão foi
facilitada pela política de assimilação adoptada por Sochangane (1º rei de Gaza:
1821-1858) e também implementada por seus sucessores, que consistia na integração
das populações locais na hierarquia político-administrativa do Estado.
103
4. O DESAPARECIMENTO FORMAL DO ESTADO DE GAZA E A
CONFIGURAÇÃO DA SUA ESTRUTURA ADMINISTRATIVA NA ESFERA
TRADICIONAL
Uma vez concluída a ocupação colonial (1895-1897), iniciou-se o processo de
montagem da estrutura político-administrativa portuguesa. É nesse momento que as
lideranças do Estado de Gaza, as que não mostrassem resistência directa à
colonização, submeteram-se à nova ordem e passaram a trabalhar ao nível das
estruturas de base.
No caso de Xai-Xai em que reinava certa calmia, dado o relativo afastamento das
lideranças centrais do Estadode Gaza, a que se tinha feito referência, o governo
colonial tentou manter Ntxayi-Ntxayi Ndlamini no poder como forma de conquistar a
confiança das comunidades locais. Porém, este não aceitou passar à condição de
régulo, tendo optado por abandonar suas terras devido às ameaças dos dirigentes
coloniais, como avança Horácio Ndlamini, actual líder de Xai-Xai:
104
Imagens 4 e 5: sepulcro de Ntxayi-Ntxayi em Nhampfunwine
105
4.1.1. Um episódio de usurpação do poder
Há registo de um episódio de usurpação, ou mesmo, recuperação do poder da
estrutura linhageira anterior ao Estado de Gaza em Xai-Xai. O líder de Xai-Xai,
Horácio Ndlamini relata o seguinte:
A partir desse momento o poder tradicional passou para a família Mucavele que,
não sendo a família real representante do Estado de Gaza, tinha seu prestígio
limitado ao restrito círculo do seu antigo domínio linhageiro que, por sinal, coincidia
com o centro do poder dos Ndlamini, o regulado Chiluane. Refira-se que os
Mucavele tinham sido dirigentes da área onde mais tarde veio a ser instalada a sede
administrativa do Estado de Gaza em Xai-Xai. Por conseguinte, a acção de Mpfutani
foi entendida como vingança pelo facto de, aquando da invasão nguni, o então chefe
local Mazengani Mucavele, seu pai, ter sido colocado na condição de cativo de
Ntxayi-Ntayi Ndlamini, por ter tentado rebelar-se contra aquele dirigente.
106
Na sua análise sobre os factores que facilitaram a inserção da RENAMO em algumas
comunidades moçambicanas, Geffray (1991) entende que as medidas tomadas pelo
governo, entre as quais o bloqueio da acção das autoridades tradicionais serviram de
pretexto para o apoio daquelas lideranças à RENAMO, tal foi o exemplo do distrito
de Erati na província de Nampula.
O cenário exposto por Geffray não ocorreu em Xai-Xai pois, apesar do relativo
afastamento entre as autoridades comunitárias e o governo, estas mantiveram-se
fiéis, limitando-se a interpretar esta situação à luz da tradição. A avaliar por Dava et
al (2003: 11), este tipo de interpretação era comum entre as autoridades tradicionais
no período imediatamente posterior à independência nacional, como pode-se
constatar no seguinte fragmento:
107
Em Xai-Xai foram instituídas autoridades tradicionais a dois níveis, em
conformidade com a antiga estrutura político-administrativa do Estado de Gaza, em
que tínha-se um chefe (distrital) e os tinduna (locais). Nesta nova organização, os
Mucavele já não podiam exercer o controlo do poder a nível distrital, tendo-se
limitado a sua acção ao local, sendo que Horácio Ndlamini foi reconhecido como
legítimo líder de nível distrital, seguido pelos representantes das localidades, bairos,
etc.
Conclusão
A integração de Xai-Xai na estrutura político-administrativa do Estado de Gaza no
século XIX traduziu-se no primeiro momento em que a região viu-se sob liderança
de um governo centralizado, tendo as estruturas das antigas chefias linhageiras
passado à condição de autoridade tradicional. A política de assimilação adoptada
pelo Estado de Gaza conduziu a uma reconfiguração da autoridade tradicional,
fundamentada no controlo da ligação entre os vivos e os ancestrais. Com efeito, os
espíritos dos ancestrais nguni passaram a ser reconhecidos como legítimos espíritos
defensores do Estado seguidos pelos espíritos dos ancestrais das estruturas
linhageiras locais.
108
Com a colonização portuguesa, Ntayi-Ntxayi não aceitou submeter-se à condição de
régulo que lhe era imposta, facto que culminou com a sua fuga de Xai-Xai para
Nyampfunwine, onde passou o resto da sua vida. O primeiro régulo saído da antiga
estrutura administrativa do Estado de Gaza foi Xilwani Ndlamini que deu nome à
regedoria Chiluane. Este foi sucedido por Mayiwani Ndlamini que mais tarde veio a
ser usurpado o poder por Mpfutani Mucavele. A acção de Mucavele foi entendida
pelos Ndlamini como uma espécie de vingança pelo tratamento que seu pai tinha
sofrido na tentativa de resistência. Refira-se que o poder manteve-se a cargo dos
Mucavele durante cerca de 40 anos até à altura em que o governo moçambicano
decidiu reconhecer as autoridades comunitárias através do decreto 15/2000 de 20 de
Junho.
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Estudo da História de Moçambique (200/300 – 1926/30). Maputo: UEM.
110
Entrevistados
1. Felicidade Mapilele, 17 de Abril de 2018, Xai-Xai.
2. Filipe Nataniel Manhique, 06 de Abril de 2018, Xai-Xai.
3. Gabriel Dove, 23 de Abril de 2018, Xai-Xai.
4. Horácio Obadias Ndlamini, 05 de Abril de 2018, Xai-Xai.
111