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Lilian Peake
Richard Hindon podia fazer o que quisesse, que Carolyn jamais se deixaria
intimidar. Ele que dissesse que ela era incompetente, que havia conseguido aquele
emprego porque tinha um tio vereador, não importava. Carolyn lutaria contra qualquer
pressão, até mostrar àquele homem zangado e teimoso que tinha valor! Como um vento
forte soprando na direção errada, Richard arrasava todas as iniciativas dela. Mas Carolyn
resistia bravamente, até que seu coração traiçoeiro caiu de amores por ele. E agora?
Como enfrentar a força destruidora daquele homem, que a fazia sentir-se como a mais
insignificante das mulheres?
Digitalização: Lerinha
Revisão: Cris Bailey
Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
CAPÍTULO I
O murmúrio das vozes que vinha da sala de reuniões às vezes soava mais alto, às
vezes mais baixo, como o vento numa tempestade.
Carolyn levantou um pouco mais a revista que fingia ler, para não ver os rostos
ansiosos das outras moças que, como ela, esperavam o veredicto dos cinco homens
reunidos do outro lado da porta. As entrevistas para o preenchimento da vaga de
assistente de bibliotecária já haviam terminado e as candidatas aguardavam o resultado.
Essa era a parte mais difícil...
Carolyn gostaria de deixar de lado a desagradável sensação de traição e
desonestidade que sentia e juntar-se às outras na conversa nervosa de quem tenta
disfarçar a tensão, mas havia uma barreira entre ela e aquelas cinco moças.
O que elas não podiam saber é que ela praticamente já havia vencido, pois tinha
um trunfo de que as outras nem desconfiavam. Um daqueles cinco homens, justamente o
presidente da comissão, era seu tio, um vereador e pessoa de grande influência na
cidade. E Carolyn também sabia que naquele instante ele estava pressionando os outros
membros para que aprovassem o nome da sobrinha.
O tio havia permanecido em silêncio durante a sua entrevista, porque o
regulamento assim o exigia. Mas agora ela podia ouvir a voz dele discutindo com alguém,
que respondia de modo agressivo.
De quem seria essa outra voz? Carolyn não distinguia as palavras, mas desejou
não ter aquela pessoa como inimiga.
A porta se abriu e um dos membros da comissão chamou:
— Srta. Lyle.
O tio havia vencido! Carolyn procurou o rosto familiar ao entrar na sala e
encontrou-o sorrindo, satisfeito como uma criança que tivesse conseguido o que queria.
— Temos o prazer de oferecer-lhe o cargo de assistente de bibliotecária, srta. Lyle
— disse lhe um senhor. — Aceita a nomeação?
Ia responder quando reparou no homem sentado na cabeceira da mesa,
encarando-a com um olhar tão zangado e maldoso que ela não conseguiu abrir a boca.
— Ande, querida, responda! — cochichou o tio.
— Aceito, muito obrigada — murmurou em voz baixa.
Quatro dos cinco homens riram, aliviados, mas o quinto apanhou um papel sobre a
mesa, amassou-o, atirou-o no cesto do lixo e levantou-se. Era alto, de ombros largos, e
dava a impressão de ser cheio de grandes responsabilidades. Seu rosto estampava uma
raiva indisfarçável. Carolyn deduziu que fora ele quem discutira com o tio.
— Carolyn, este é o sr. Hindon — disse o tio, olhando para ele. — É o diretor da
biblioteca e você estará sob as ordens dele. Sr. Hindon, esta é minha sobrinha, agora sua
funcionária.
O diretor encarou-a, furioso, e Carolyn sentiu que corava — não de vergonha, mas
de raiva. Revidou o olhar, mas de repente lembrou-se de que dentro de alguns dias ele
seria o seu chefe, e ela, uma simples funcionária.
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Baixou os olhos. E, quando o tio se afastou para conversar com um dos outros, ela
se aproximou do homem, desejando que ele estivesse zangado por qualquer outro
motivo. Estendeu a mão e disse:
— Estou contente por ter conseguido o lugar, sr. Hindon. Vou me esforçar ao
máximo.
Ele fez um aceno seco com a cabeça e virou as costas, ignorando a mão que
Carolyn lhe estendia.
O tio levou-a para casa, no outro lado da cidade, onde Carolyn morava com a avó.
No caminho, comentou:
— O sr. Hindon não parecia muito feliz por eu ter ficado com o lugar!
O tio riu, mas sua resposta deixou-a ainda mais apreensiva:
— Não ligue para ele. Aquele rapaz precisa levar um contra de vez em quando.
Tem de aprender que não pode ter tudo do jeito que quer. Ele e suas idéias novas! Vem
perturbando a comissão desde que chegou. Quer mudanças demais, é só nisso que
pensa, mudanças...
— Então, faz pouco tempo que está aqui?
— É, no máximo um ano. Vai ter de aprender quem é que manda. Ele pensa que é
ele, mas eu não sou presidente da comissão à toa. Quando vir que nem todas suas idéias
serão aprovadas, vai se conformar e passar a agir como todo mundo.
Ouvindo as palavras do tio, Carolyn sentiu-se mais amedrontada ainda. Começava
a perceber o porquê da atitude do diretor. Se ele e o tio eram inimigos, não iria aceitar
bem a presença de um membro da família entre os seus funcionários. Só que Carolyn
tinha certeza de que, quando ele visse que ela estava disposta a trabalhar, trabalhar
mesmo, mudaria sua atitude em relação a ela.
— E por que ele não queria que eu fosse nomeada? Só porque sou sua sobrinha?
— Bem, em parte por causa disso, mas também porque você é formada. Ele disse
que achava ridículo ter uma assistente de bibliotecária formada, e que você, com vinte e
dois anos, já era velha demais para o cargo. Preferia uma mocinha, recém-saída do
colégio, que teria mais facilidade em aprender o serviço. Isso e mais uma porção de
coisas, mas eu rebati todos os seus argumentos. Os outros membros concordaram
comigo. — Deu um tapinha amoroso na mão de Carolyn. — Não se preocupe, se ele
começar a criar algum caso, conte-me que eu dou um jeito. Sei que ele não gosta de mim,
mas tem que me aceitar. Afinal, sou o presidente da comissão!
— Tio, obrigada por tudo — disse Carolyn, saindo do carro. — Vovó vai ficar
contente.
— Vai, sim, querida, mas não vai se surpreender muito. Eu disse a ela que o lugar
era seu!
Carolyn beijou o rosto do tio e ficou olhando para ele. Austin era gordinho, o rosto
redondo, com uma expressão angelical, mas por baixo disso era uma pessoa bastante
egoísta e turrona. Tinha criado fama por ter sido um excelente construtor, de reputação
irrepreensível. Só que, quando tentava usar com outras pessoas as mesmas táticas que o
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haviam elevado a uma posição invejável em sua profissão, acabava se saindo mal e
arranjando inimigos. Era o caso do diretor.
Havia outras ocasiões, entretanto, e esta era uma delas, em que se mostrava uma
pessoa gentil e delicada. Beijou a sobrinha amorosamente e, quando ela agradeceu mais
uma vez, disse:
— Sabe, querida, você é do meu sangue. É filha da minha irmã e faço por você o
que ela faria se estivesse viva. Se eu tivesse tido filhos talvez você não tivesse tanta
sorte! — acrescentou, rindo.
— Mas você tem Donna e Shane.
— Sim, eu sei, mas eles são filhos de Maisie, não meus. Você é que é do meu
sangue.
Essas eram as palavras que Carolyn mais ouvia do tio. Sabia que o grande
desgosto da vida dele era de não ter tido filhos, Mary, a primeira mulher, havia falecido
sem deixar herdeiros, e Maisie, a segunda esposa, era viúva e tinha dois filhos do
primeiro casamento, mas não tivera nenhum com ele. Austin sabia agora que o problema
era com ele; isso o atormentava, daí ter transferido para a sobrinha todo o afeto que teria
dedicado a uma filha.
A avó estava esperando na porta e perguntou a Austin se ele ia entrar.
— Não, mamãe, agora não posso. Estou cheio de serviço.
— É isso o que ele sempre diz — reclamou a velha. Depois sorriu para a neta e
perguntou: — Como é, conseguiu o lugar?
— Sim, vovó.
— Eu já sabia. Austin me falou que daria um jeito.
Carolyn pendurou o casaco e disse, o rosto voltado para o outro lado:
— Eu bem que queria que ele parasse de dar um jeito nas coisas.
— Ele é assim mesmo, querida. Não se parece em nada com a sua mãe, está
sempre querendo forçar as situações. Ela preferia sempre ficar em segundo plano.
— Acho que não me pareço muito com ela, não, vovó?
Essa era uma preocupação constante na vida de Carolyn: saber se era parecida
com a mãe.
A avó dirigiu-se para a cozinha enquanto respondia:
— Bem, parece e não parece.
— Mas eu não sou tímida, vovó.
— Não, nesse ponto você se parece mais com o seu pai. — A avó demonstrava na
voz um certo desgosto ao mencionar o nome do pai de Carolyn, que logo tratou de mudar
de assunto. Ela também não gostava de falar no pai.
— O sr. Hindon, diretor da biblioteca, não ficou nada feliz com a minha nomeação.
Contou para a avó o que havia acontecido, mas ela não deu importância ao fato.
— Vai ver que nem reparou que você havia estendido a mão...
Mas Carolyn tinha certeza de que ele havia visto...
— Você está contente com o emprego? Isso é o que importa. Não deixe que seu tio
a force a fazer o que não gosta.
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— Ele já fez tanto por mim, vovó. Pagou todos os meus estudos, até a
universidade!
— O dinheiro não significa nada para ele. Agora é um homem rico. Também acho
que foi um bom filho. Sustentou-nos por todos esses anos, e Maisie foi ótima, nem
reclamou disso. Só que não acho que você deva aceitar o emprego apenas para
compensá-lo pelo que ele nos fez no passado...
— Mas eu quero trabalhar. Só que não acho justo ele ter forçado a minha
nomeação.
— Você está se preocupando à toa, Carolyn. Provavelmente não vai ver nem a
sombra do tal sujeito. A maior parte dos diretores de bibliotecas não sai dos seus
escritórios quase nunca.
Carolyn bem que queria acreditar no que a avó dizia, mas sentia que o homem que
havia recusado o seu cumprimento não seria daquele tipo, e saberia exatamente o que
estava acontecendo na biblioteca durante todo o tempo. Sua única esperança era que,
por seu cargo estar tão abaixo do dele, provavelmente o homem nem notaria a sua
existência.
Pegou a fotografia da mãe, na mesinha-de-cabeceira. Analisou aquele rosto
querido, os olhos calmos, o cabelo liso. Olhou-se depois no espelho, procurando aflita por
alguma semelhança que devolvesse a sensação de segurança que ela havia perdido
desde o dia em que seu pai fora embora.
"Fique com ela", ele dissera para a avó. "Fique com a menina, não posso tomar
conta dela. Vou me casar novamente e não posso levar Carolyn comigo. Brenda já tem
três filhos. . . "
Carolyn tinha cinco anos e nunca mais viu o pai.
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Carolyn ficou vermelha. O que era tudo aquilo? O que teria dito o sr. Hindon?
— Muito bem, vou levá-la — disse a srta. Stagg; desligou então o telefone e
levantou-se. — O diretor ainda não chegou, mas deixou instruções para levá-la ao
departamento de estoques. Por favor, siga-me.
Atravessaram o salão, seguindo por entre as estantes, até uma porta com uma
tabuleta onde se lia: "Particular". A mulher abriu a porta e ficou de lado para que Carolyn
passasse. Disse apenas:
— Srta. Lyle. — E saiu.
Carolyn ficou ali, mas desta vez não foi ignorada. A sala estava cheia de moças e
todas haviam parado de trabalhar para olhar para ela com curiosidade.
— Olá, srta. Lyle — disse uma delas, aproximando-se. — Qual é o seu primeiro
nome? — Carolyn respondeu e a moça continuou:
— Sou Janet Smithers, aquela de óculos é Stella Jalker, esta aqui é Anne... —
Interrompeu-se. — Não vou dizer mais nada, você vai aprender com o tempo. Somos
mais ou menos uma dúzia e você logo se esqueceria dos nomes...
— Olá, Carolyn — disse a moça chamada Stella. — O que foi que fez para merecer
isto?
Carolyn não entendeu e Anne disse:
— Bem-vinda ao grupo das proscritas. . .
— Que crime você cometeu para vir parar neste departamento? — indagou Stella.
— Crime? — Carolyn sacudiu a cabeça sem compreender e a outra continuou:
— Trabalhar aqui é o mesmo que ser mandado para a Sibéria.
— Não assuste a coitada — avisou Anne. — Afinal, é o primeiro dia dela aqui na
biblioteca. Olhe, Carolyn, ponha as suas coisas ali; no armário há um cabide para você
colocar o seu casaco. A chefe do catálogo, srta. Blane, logo virá para dizer qual vai ser o
seu serviço.
Carolyn tirou o casaco e uma das moças perguntou:
— Você é noiva? Não? Então é casada? Ora, não ligue para mim. Estou apenas
querendo descobrir por que você foi mandada para este departamento. Isto aqui é um
beco sem saída, querida. Nesta secção ninguém para por muito tempo. É chato demais!
Pergunte à srta. Blane quando ela chegar.
— Não adianta nada perguntar, pois ela gosta — disse Stella. — Aliás, só poderia
ser assim; especializou-se a vida inteira nisto... A propósito, a parte que cabe à srta.
Blane é a mais interessante. A nossa é que não é, só rotina... todas nós preferíamos estar
fora daqui, mas o chefão... — disse ela, apontando para o lado da biblioteca circulante.
— Ela está se referindo a Richard... quero dizer, ao sr. Hindon — explicou Anne.
— O diretor acha que a gente não tem inteligência suficiente, por isso nos
empurrou para cá — completou Stella.
A porta se abriu e uma mulher alta e angulosa entrou. Stella apresentou Carolyn
como se fosse uma criminosa enviada para a cadeia, e a srta. Blane sorriu, dizendo:
— Eu já a esperava. Não é você que tem um tio vereador?
Algumas das moças olharam para ela de modo estranho, mas Janet percebeu o
acanhamento de Carolyn e observou:
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— Ora, ela não tem culpa. Nenhuma sobrinha pode ser culpada pelos erros dos
tios...
Carolyn acabou rindo.
— Tudo bem — disse ela. — Quando se tem algum parente na vida pública, a
gente se acostuma com as críticas e com os elogios, se é que eles existem.
— Qual é o nome dele, Carolyn? — indagou uma das moças.
— É Bullmann.
— Bullmann? O presidente da comissão das bibliotecas?
— Sinto muito, mas é ele mesmo.
Janet soltou um suspiro e comentou:
— Então é por isso que você foi mandada para a Sibéria! Provavelmente por
ordens expressas do diretor... Ele odeia o seu tio, fica louco da vida só de ouvir o nome
dele.
— Agora chega, Janet — interrompeu a srta. Blane. — Imagino que deva ter algum
trabalho para fazer, não é mesmo?
Janet entendeu e afastou-se.
— Agora, srta. Lyle, a primeira coisa que tem a fazer é esquecer tudo o que as
meninas disseram — advertiu-a a srta. Blane. — A biblioteca não conseguiria funcionar
sem o nosso trabalho. — Ignorou os sussurros irônicos das outras e continuou: — Pode-
se até comparar o nosso departamento com a casa de máquinas de um navio. Sem ela,
ele não sai do lugar. Este departamento é muito importante, controla todas as entradas de
livros, e nós os preparamos para serem usados, não apenas nesta biblioteca mas
também em outras, nos bairros. Olhe, quando minha assistente chegar, eu a apresento a
ela. — Ergueu os olhos ao ver uma moça alta que entrava na sala. — Ora, aí está ela.
Srta. Lyle, apresento-lhe Pearl Matthews.
— Vamos começar do início — disse Pearl. — Primeiro desempacotamos os livros,
e é isso o que você vai começar a fazer...
— Até não agüentar mais. . . — interrompeu alguém.
— Depois os livros são conferidos com as faturas para ver se não falta nenhum. Aí
se carimba o nome da biblioteca para onde o livro vai. Depois disso há uma fase chamada
classificação, quando o livro recebe um número, e assim por diante. Você vai
aprendendo, a medida em que for fazendo. Se eu dissesse tudo agora, você ia acabar se
esquecendo.
Levou Carolyn para o outro lado da sala e, indicando os pacotes no chão, disse:
— O único jeito de fazer isso é sentar-se e tocar em frente. Uma das moças lhe
arranjará uma tesoura e lhe dirá como encontrar as faturas para conferir. — Sorriu para
Carolyn. — Você alguma vez já esteve atrás das estantes de uma biblioteca? Vai levar
um choque.
— Aposto como não esperava todo esse serviço pesado — comentou uma das
moças. — É muito cansativo e sem graça, isso é que é.
— Venha, Carolyn — chamou Stella, entregando uma tesoura a ela. — Comece
cortando estes barbantes, está bem?
Carolyn abaixou-se e indagou:
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Houve um intervalo para o café, depois recomeçaram o trabalho. Já era quase hora
do almoço quando um senhor de meia-idade e cabelos grisalhos entrou na sala.
Conversou com a srta. Blane, que indicou Carolyn com um olhar.
O homem atravessou a sala e perguntou:
— Srta. Lyle? — Carolyn levantou-se com dificuldade. — Sou Graham Cotes, o
secretário da biblioteca. Como vai? Eu estava na comissão que a entrevistou, lembra-se?
— disse ele, estendendo-lhe a mão.
Claro que me lembro, pensou Carolyn. Foi a pessoa mais atenciosa que encontrei
naquela ocasião.
— Como vai?
Carolyn sabia que as outras estavam prestando atenção, e respondeu do único
modo que podia:
— Bem, obrigada.
— É o que você esperava?
— Bem... É e não é.
Ele riu e consultou o relógio.
— Queria conversar um pouco com você. Será que pode dispensá-la, srta. Blane?
— Claro — respondeu ela.
O secretário levou, então, Carolyn para fora, até um corredor meio escuro, com
paredes descascadas, que lhe davam uma aparência triste e desleixada.
O sr. Cotes fez com que ela entrasse em seu escritório, uma peça pequena e
desconfortável. Sentou-se à sua escrivaninha e indicou uma cadeira para Carolyn. Sorriu,
como se tentasse deixá-la mais à vontade.
— Não é todo dia que temos uma sobrinha de vereador trabalhando conosco.
Carolyn ficou alerta. Será que havia algum sarcasmo em suas palavras? Mas pelo
modo dele e pelo seu tom de voz percebeu que era sincero. Era óbvio que não partilhava
a revolta do seu superior contra a sobrinha do vereador Bullmann.
Resolveu então perguntar:
— Será que está tentando me tratar de modo especial? Se é isso, por favor, não se
incomode, eu vim mesmo para trabalhar.
— Ainda bem, porque, para ser honesto, não sabia bem como tratá-la —
respondeu, aliviado. — Agora já sei que é uma das nossas.
Foi a coisa mais gentil que poderia ter dito, pensou Carolyn.
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— Entretanto, ainda tem um longo caminho a percorrer antes que possa realmente
se sentir qualificada — prosseguiu ele. — Vai ter que passar por exames muito
importantes, mas sei que vai ser aprovada.
Carolyn olhou para ele e concluiu que podia falar abertamente.
— Sr. Cotes, será que vou ficar para sempre naquela seção?
— Por quê? O que é que tem com ela? — indagou, meio tenso.
— Nada. . . Na verdade, nada. É que... Bem, as moças estavam dizendo que
quem trabalha ali é logo mandado embora. — Carolyn estava tendo dificuldade em se
expressar. — Elas dizem que é como ser mandada para a Sibéria...
Parou de repente, percebendo que havia delatado as companheiras. Mas o sr.
Cotes ria.
— Não ligue para elas! Isso é bobagem, o departamento é vital para a biblioteca.
Mas muito obrigado por me contar. Pelo jeito, ninguém até agora se deu conta de como
elas devem se sentir isoladas do resto do pessoal. Vou tentar dar um jeito nisso. Imagino
que você achava, como muita gente, que o trabalho numa biblioteca consistia apenas em
ficar junto ao balcão carimbando livros e entregando-os às pessoas, não é isso?
Carolyn respondeu meio sem jeito que era isso mesmo e perguntou, mais animada:
— Sr. Cotes, o que é preciso fazer para se chegar a classificador?
— Classificador? É muito cedo para pensar nisso; é uma especialidade impossível
para um novato. Depois que você tiver feito o curso de biblioteconomia e realmente
resolvido fazer carreira na profissão, então, sim, poderá trabalhar na classificação dos
livros. — Passou a mão pelos cabelos grisalhos e continuou: — Todos nós começamos
pelo princípio, você sabe, desempacotando livros ou outros serviços do mesmo tipo, até
mesmo os chefes e secretários como eu. Até mesmo o sr. Hindon. . . — disse ele,
piscando o olho.
O sr. Cotes estava recostado na cadeira, deixando Carolyn bem à vontade, mais
calma e menos preocupada.
Subitamente a porta se abriu e um homem entrou.
— Falando no diabo... — disse Graham Cotes calmamente.
A temperatura da sala pareceu baixar de repente quando Richard Hindon encarou
Carolyn. Ele viu quando ela se retesou e baixou os olhos, esperando que falasse. Carolyn
sentia-se ridiculamente culpada, como se tivesse cometido um crime imperdoável. O sr.
Cotes levantou-se e fez as apresentações.
— Acho que vocês dois já se conhecem, não?
— Claro — respondeu Richard com frieza e Carolyn sentiu raiva.
— Imagine só, Richard, ela está aqui há poucas horas e já está falando em
classificação. Parece que quer aprender logo o serviço!
O diretor não compartilhava o bom humor do secretário.
— Imagino que você tenha esclarecido à srta. Lyle que para trabalhar com
classificação são necessárias grandes qualificações: perfeição, método, paciência e
também essa coisa muito rara chamada inteligência.
— Tenho certeza de que ela tem tudo isso, não é verdade, srta. Lyle?
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Carolyn não respondeu, mas levantou depressa a cabeça quando ele a questionou
com voz seca:
— Como é, senhorita?
— O que quer que eu responda, sr. Hindon, vai me deixar em má situação. Se eu
disser que sim, o senhor vai me acusar de convencida, e se eu responder que não, vai me
dispensar por incompetência.
— Vou lhe dizer qual é a saída — interveio o sr. Cotes com ar divertido. — Diga
que o tempo dirá. É uma resposta vaga e sem compromisso. — Olhou para o diretor. —
Ela está preocupada, Richard, pois está achando que foi condenada à prisão perpétua.
Imagina que foi deportada para a Sibéria só porque você a mandou para o departamento
de estoque. Tenho certeza de que ela pensa que você fez isso de propósito.
— Talvez ela esteja certa. — Suas palavras foram como um jato de água fria e o sr.
Cotes ficou indeciso. — Vou ter que sair — continuou o diretor, ignorando Carolyn
completamente.
Então agora ela sabia a verdade: ia ser tratada como uma criminosa, condenada a
trabalhos forçados, desempacotando livros, até que ficasse cheia e resolvesse pedir
demissão. Era assim que ele pretendia se livrar dela!
Carolyn perguntou então ao sr. Cotes:
— Será que posso ir?
— Desculpe-me, srta. Lyle — respondeu ele, levantando-se imediatamente. A
gentileza dele contrastava vivamente com a grosseria de Richard. — Vamos continuar a
nossa conversa em outra ocasião. Se alguma coisa a perturbar, venha diretamente a
mim, que procurarei resolver.
Carolyn sorriu para ele e olhou incerta para o diretor, em pé, perto da porta, com as
mãos nos bolsos.
— Srta. Lyle, venha me ver hoje às cinco horas da tarde — disse ele.
— Sim, sr. Hindon — respondeu saindo, com o coração disparado e
profundamente tensa.
Quando voltou à sala, as colegas brincaram:
— Muito bem, então está recebendo um tratamento especial, hein? Uma simples
funcionária sendo recebida pelo secretário?
Anne ria com as outras, mas Carolyn notou uma ponta de inveja em sua voz.
Na hora do almoço sentaram-se todas num canto do salão para comerem seus
sanduíches, pois não havia outro lugar para isso. Pearl Matthews, então, perguntou:
— Desculpe-me a pergunta, mas você já não passou da idade de entrar como
auxiliar de bibliotecária?
— Você tem razão, Pearl. É que eu ia ser professora, mas depois mudei de idéia.
— Não contou nada sobre os anos na faculdade e o diploma que possuía. Tinha a
impressão de que isso iria fazer com que as moças a encarassem sob outro prisma.
Carolyn olhou para o relógio e viu, amedrontada, que já eram cinco horas. Foi
então até a sala do diretor e parou incerta em frente à porta.
A porta ao lado estava aberta e uma moça perguntou-lhe:
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— Quer alguma coisa? — Sua voz era profunda e sensual e seus olhos
percorreram Carolyn inteira, da cabeça aos pés. — É a srta. Lyle, não? Claro que é, eu a
reconheceria pela descrição do sr. Hindon.
Carolyn não queria nem pensar nas palavras que o diretor deveria ter usado para
descrevê-la.
— Ele está ocupado — continuou a moça, voltando à sua sala e indicando a
Carolyn que devia segui-la. — O sr. Cotes está com ele, mas não deve demorar. — Deu
uma revista para Carolyn e prosseguiu: — Sente-se e fique à vontade. Sou Rossanna
Harvey. E já estou indo embora. — Fez uma pausa e olhou novamente Carolyn de alto a
baixo, com um ar de tédio. — Então é a famosa srta. Lyle, a arma secreta do vereador
Bullmann... — Tapou a boca, fingindo ansiedade. — Oh, não conte para ele o que eu
disse! É melhor eu controlar a minha língua daqui para a frente...
Então o diretor já havia também destilado o seu veneno na secretária! Quanto
tempo ia demorar para que ele fizesse o mesmo com todos os funcionários da biblioteca?
Foi virando as páginas da revista sem conseguir se concentrar. Ouviu dois homens
discutindo na sala ao lado. Tentou não prestar atenção ao que diziam, mas falavam tão
alto que ela não pôde deixar de escutar.
— E agora sou obrigado a agüentar essa droga de sobrinha — dizia Richard
Hindon. — E não adianta você ficar querendo colocar panos quentes, Graham. Não
adianta negar, vi como você conversava com ela hoje cedo. Pelo amor de Deus, não a
trate muito bem, porque assim não vamos conseguir nos livrar dela. E o que adianta ter
um diploma? Pelo jeito, ela não sabe o que é trabalhar. Dá a impressão de ser uma
criatura muito tímida, dominada pelo tio. Provavelmente vai servir de espiã para ele. Eu
não a quero aqui! Já não bastam os problemas que tenho com Bullmann? Vou fazer da
vida dela um inferno, para que parta o mais breve possível.
— Escute! E se você tentasse ser mais gentil, será que não conseguiria o que
pretende? Ela talvez pudesse convencer o tio a agir com você de outro modo — sugeriu o
sr. Cotes.
— Ser agradável com ela? Quer dizer, usá-la? Será que está pedindo que eu seja
um hipócrita? Quando eu acabar de falar com ela, vai sair daqui correndo.
Carolyn tapou os ouvidos com as mãos; não queria escutar mais nada.
A maçaneta da porta se moveu; alguém ia sair. Carolyn levantou-se e pegou a sua
bolsa. Graham Cotes sorriu ao vê-la, mas tinha o olhar sombrio.
— Já faz tempo que chegou? — perguntou ele.
— Não, agora mesmo — Carolyn mentiu, e ele pareceu aliviado.
— Richard, sua nova funcionária está aqui para vê-lo — disse ele e deu uma
palmadinha no ombro de Carolyn. — Boa sorte! — acrescentou antes de sair.
CAPÍTULO II
12
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Carolyn nunca tinha visto um olhar tão gelado e crítico quanto o de Richard Hindon.
Com secura, mandou que ela se sentasse enquanto ele continuava em pé.
O homem era dotado de uma energia enorme, que transparecia nos gestos, no
modo como tocava os objetos sobre a sua mesa. Ele segurou o encosto da cadeira por
alguns segundos e por fim quebrou o silêncio.
— Eu a chamei aqui não por ser sobrinha de um vereador, mas para informá-la
com clareza sobre as suas atribuições aqui dentro. — Sentou-se. — Quero esclarecer
tudo agora para que, se você resolver desistir, eu possa dar uma oportunidade a alguma
outra pessoa mais jovem, sem a sua educação acadêmica, mas com maior capacidade
de aprendizagem do que a que você parece ter. Sei que você tem um diploma, mas pode
se esquecer dele aqui.
Abriu uma gaveta e dali tirou um papel.
— Estou vendo, na sua proposta de emprego, que você não terminou o estágio de
um ano depois de concluir o curso de professora. — Atirou a folha sobre a mesa. —
Duvido muito que consiga permanecer muito tempo aqui, também. Uma das maiores
qualidades de uma bibliotecária é a persistência, coisa que você parece não ter.
Carolyn queria contestá-lo, mas ele não lhe dava a oportunidade de abrir a boca.
— Você foi imposta a mim pelo seu tio, mas sei que não preciso me preocupar.
Aposto que dentro de pouco tempo você mesma sairá daqui de bom grado.
Carolyn tentou apelar para o lado racional dele.
— Sr. Hindon, eu gostaria de explicar que deixei o estágio no meio porque descobri
que não tinha as qualidades necessárias para ser uma boa professora. Também senti que
não era essa a minha vocação.
— Então acha que deseja ser uma bibliotecária? — perguntou ele, irônico.
— Bem, eu sempre gostei muito de livros, por isso. . .
— Será que imagina que a única qualidade para ser uma boa bibliotecária é gostar
de livros?
Carolyn já estava ficando desesperada com o sarcasmo dele, mas assim mesmo
continuou:
— Acho que é um fator importante... — Ele fez menção de interromper, mas ela
prosseguiu: — E infelizmente não pude ter muitos livros quando era pequena, coisa que
sempre desejei. Nós... nós não podíamos comprá-los...
— Então está vindo trabalhar aqui apenas para compensar uma carência infantil?
— O sorriso incrédulo ofendia mais do que a ironia de suas palavras. — Srta. Lyle, sinto
que devo insistir em dizer que é preciso muito mais que o simples gosto pelos livros para
formar uma bibliotecária de sucesso. Não é um serviço onde vai estar sempre com as
mãos limpas e dormir sossegada à noite. É necessário ter uma enorme energia, muita
dedicação, vontade de aprender e saber aceitar ordens. É vital ser inteligente, eficiente,
disciplinada e, sobretudo, persistente. Não se esqueça de que são longas horas de
trabalho cansativo. — Sorriu com condescendência. — Agora, se depois de tudo isso
você quiser pegar a sua bolsa e ir embora, não tem a menor importância, pode ir. Seu tio
sem dúvida arranjará uma outra colocação para você, assim como conseguiu esta...
usando a sua influência política!
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
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Toda aquela arrogância deixou Carolyn sem fala; o silêncio foi se tornando cada
vez mais intolerável. Ela então começou a enrubescer e, num movimento inconsciente,
jogou para trás o cabelo. Por fim, resolveu fazer uma última tentativa de aproximação e
disse:
— Sr. Hindon, quando eu soube que tinha conseguido o lugar, fiquei muito
contente, pois era uma coisa que desejava há muito tempo. Comecei a trabalhar resolvida
a me dedicar de corpo e alma, mas para o senhor parece que isso não basta, apenas por
eu ser quem sou. — Lutou para manter-se calma. — Se me der uma chance, sei que
poderei provar até mesmo para o senhor que tenho todas as qualidades para ser uma
ótima bibliotecária. — Levantou-se, mas ele fez um gesto para que se sentasse
novamente.
— Srta. Lyle, seu destino está em minhas mãos. — Sua voz era macia agora. —
Era isto o que eu ainda queria lhe dizer. A senhorita está aqui por um período
experimental de seis meses; posso dispensá-la a qualquer hora, como também revogar a
sua nomeação aqui e agora. No dia de sua entrevista, seu tio violou as regras. Deve
lembrar-se de que, em sua proposta, devia mencionar o grau de parentesco com algum
membro da comissão. . . — Carolyn assentiu e ele continuou: — Por isso, como seu
parente, ele não deveria sequer ter se aproximado daquela sala.
— Mas ele não participou da minha entrevista — protestou ela.
— Talvez não, mas tomou parte, e muito, nas discussões que se seguiram às
entrevistas. Propôs o seu nome com tal veemência que todos os outros membros, menos
eu, aceitaram a sugestão. Mas basta que eu disque o número do vereador Battry,
adversário de seu tio, e conte a ele o que aconteceu para que sua nomeação seja
revogada. Apenas isso...
Recostou-se na cadeira e ficou aguardando a reação dela. Carolyn não conseguiu
conter as lágrimas. Richard pegou então uma pilha de papéis à sua frente e, com um
gesto brusco, dispensou-a.
O mais difícil para Carolyn foi ter que fingir para a avó que seu primeiro dia de
trabalho tinha sido ótimo. Ao sentir tanta preocupação e amor nos olhos dela, Carolyn
decidiu que nunca deixaria que a avó percebesse as dificuldades que ia continuar
enfrentando.
Foi ainda pior responder às perguntas de seu tio, quando lhe telefonou à noite,
como ele havia pedido.
— Aproveitou bem o seu dia? — ele indagou. — Ficou contente por eu ter dado um
jeitinho para a sua contratação? Será que você não fez nenhuma confusão e andou
entregando livros trocados para as pessoas?
— Eu. . . eu ainda não estou nessa seção, tio. Estou fazendo um trabalho de
retaguarda.
— Como assim?
— É... é uma seção muito mais importante. . . No departamento de estoque, você
sabe, onde os livros são classificados. É como o trabalho dos bastidores no teatro. —
Forçou uma risada. — Ali é que são feitas as tarefas mais importantes.
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— Oh, sei, estou entendendo. Então ficaram ensinando a você tudo sobre a
classificação dos livros, não é mesmo? Ótimo isso, ótimo mesmo. Afinal o Hindon tem
mais juízo do que eu imaginava, percebeu logo o seu valor.
Carolyn teve que fazer um esforço enorme para conter o riso. O que diria o tio se
soubesse que sua querida sobrinha, portadora de um diploma universitário, passara o dia
de joelhos, desempacotando volumes que não acabavam mais...
— Vou dar uma chegada lá, dentro de um ou dois dias, apenas para ver como é
que você está se saindo.
— Oh, tio, não faça isso! — pediu, aflita. — Deixe eu me acostumar primeiro, acho
que eu ficaria meio sem jeito...
— Tímida, hein? — disse ele, rindo. — Não precisa se sentir assim com o seu
velho tio... Está bem, querida, vou esperar mais um pouco, então. — Ouviu que o tio
falava com alguém a seu lado. — Querida, espere um pouco. Shane está aqui, louco para
falar com você. — Será que ele vai convidá-la para comemorar o seu primeiro dia de
trabalho?
— Como é, garota, vamos? — perguntou Shane.
— Vamos o quê? Comemorar? — A idéia de repente fez bem a Carolyn. Talvez só
mesmo o primo pudesse fazê-la se esquecer daqueles maus momentos na biblioteca.
Sabia que ele era a única pessoa da família com quem podia se abrir. — E por que não?
— respondeu.
— Ótimo, então vista-se que passo logo por aí. — Deu o nome de um restaurante
grã-fino, à beira-mar.
— Mas lá é muito caro, Shane.
— Pode ser, mas o dinheiro não quer dizer nada para mim, você sabe. Vai saindo
do meu bolso e eu nem percebo...
Talvez seja isso mesmo, pensou Carolyn. Shane era um dos donos de uma
promissora imobiliária. O pai emprestara-lhe dinheiro e usara de sua influência para fazê-
lo sócio de uma das maiores firmas do ramo. Todo mundo sabia que, para conseguir isso,
ele havia dado a essa companhia a opção de venda de suas próprias casas, e as casas
construídas pelas Empresas Bullmann tinham uma procura enorme em todo o município.
— De qualquer modo, agora você trabalha, pode muito bem pagar a sua parte, não
pode? — perguntou Shane.
— Claro, só que você vai ter que esperar até o fim do mês, quando eu recebo o
pagamento — respondeu, rindo.
— Tudo bem, aceito um vale, a não ser que você prefira me pagar de um outro
modo — brincou ele.
Isso, meu querido Shane, é coisa que eu nunca vou fazer, pensou Carolyn. Ele era
uma pessoa alegre e o tio ficava contente quando via os dois juntos, mas para Carolyn a
relação nunca passaria de uma grande amizade.
— Você sabe a resposta, Shane. A que horas vem me buscar?
O rapaz deu-lhe meia hora e desligou.
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— Eu sei, querida — disse, acariciando a mão dela. — Mas ele não quer perder a
chance. O azar foi seu. — Durante algum tempo comeram em silêncio, depois Shane
continuou: — Eu me lembro de que, quando Hindon foi nomeado, papai ficou
conjecturando se a escolha tinha sido certa. Ele era jovem demais para o cargo,
argumentava papai. O que poderia saber sobre um cargo de tamanha responsabilidade
só com trinta e seis anos? Mas acontece que ele provou o contrário; só que, segundo
papai, faltava-lhe tato ao querer que a comissão aprovasse suas idéias.
— Mas ele é realmente agressivo! — confirmou Carolyn. — Você precisava ver
como é que ele falou comigo.
Então, como se percebesse que ela se referia a ele, Hindon encarou-a de um modo
desagradável. Confusa, Carolyn tentou disfarçar o rubor atrás do copo de vinho.
Será que ele está pensando que vim espionar a sua vida particular?, perguntou-se.
— Carolyn! — Shane chamou, brincando com uma das mechas do cabelo dela.
Completamente atrapalhada, pois sabia que Richard Hindon os estava observando,
Carolyn conseguiu balbuciar:
— Shane, não faça isso!
— Por que não? Está com medo de que o patrão não aprove? Nunca se sabe,
talvez ele descubra que é melhor paquerar uma mulher bonita do que judiar dela. . . —
Encarou-a. — E sabe de uma coisa? Quando você fica zangada, parece ainda mais
bonita! Deixa qualquer homem louco de vontade de tomá-la nos braços e beijá-la até
fazer passar essa raiva.
Ela corou com o elogio, percebendo que ele estava querendo ajudar, e resolveu
encorajá-lo. Quando ele se curvou e beijou-a no rosto, não resistiu; depois, quando Shane
lhe segurou a mão, consentiu, e, assim que ele cochichou algo em seu ouvido, riu mais do
que o necessário. Quanto mais Hindon ficava carrancudo, mais ela se divertia.
— O café vai ser servido na saleta — avisou o garçom.
Longe da presença de Richard Hindon, o bom humor de Carolyn desapareceu.
Shane deixou-a sentada numa poltrona confortável e foi cumprimentar alguns clientes
seus, no outro lado da sala.
— Você não vai demorar, não é, Shane?
— O que é isso? Será que está com medo de que o dragão venha devorá-la como
sobremesa?
Carolyn ficou sozinha durante algum tempo, até que o garçom trouxe o café. Shane
ainda estava conversando com os clientes, por isso ela se serviu de uma xícara e ia levá-
la aos lábios quando viu Richard Hindon na porta. Ele olhou à volta, deu com Carolyn e
veio se aproximando devagar. Ela largou depressa a xícara e se preparou para fugir,
como se fosse a vítima de um assassino pronto a atacar.
Ele parecia hesitar na escolha da cadeira em que se sentaria e Carolyn não
conseguia esconder o medo que sentia.
Richard olhou para a poltrona ao lado dela, depois para um sofá e por fim se dirigiu
para Carolyn, com as mãos nos bolsos, observando as gravuras antigas penduradas nas
paredes. Carolyn sabia que havia uma bem atrás dela e ficou sentada, tensa, aguardando
que ele se aproximasse.
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Olhava aflita para Shane e fazia sinais para avisar que o café já tinha chegado,
mas o rapaz não notava. Nesse momento Richard chegou exatamente em frente a
Carolyn. Pediu licença e ficou ali parado, olhando a gravura atrás dela.
Carolyn achou que ia explodir. Queria empurrar aquele homem com os pés, as
mãos... Resolveu então enfrentá-lo, concentrando no olhar toda a fúria que sentia. Ele
olhou para baixo e, a julgar pelo ar de satisfação estampado em seu rosto, devia ter
percebido o efeito que causara na moça. Vagarosamente, seguiu adiante.
Ela recostou-se na poltrona; era como se tivesse acabado de travar uma luta
terrível. Hindon sentou-se calmamente a uma certa distância, cruzou as pernas e serviu-
se de café. Carolyn virou-se e viu que Shane já vinha voltando.
O rapaz sentou-se no sofá e fez um gesto para que Carolyn se sentasse a seu
lado. Ela obedeceu, ofereceu-lhe a xícara de café e ficaram ali conversando, Shane com
o braço nos ombros dela. Durante todo o tempo Carolyn sabia que estavam sendo
observados, apesar de Richard Hindon ter a cabeça apoiada no encosto de sua poltrona e
fingir estar de olhos fechados.
— O dragão ficou com sono depois de comer... — comentou Shane baixinho.
Carolyn riu e continuou a farsa com Shane. Encostou a cabeça no ombro dele, que
reagiu como ela esperava, beijando-lhe o rosto e dizendo-lhe palavras carinhosas.
Uma moça morena, atraente e bem vestida apareceu na porta. Olhou à volta, viu
Richard Hindon e dirigiu-se a ele, que se levantou, parecendo aborrecido.
— Olá, Richard — disse ela. — Já acomodei as crianças e resolvi vir tomar um
aperitivo. — Fez um gesto chamando o garçom e, quando este se aproximou, Hindon fez
o pedido e recostou-se novamente, esperando que ela recomeçasse a falar. E foi o que
ela fez sem parar mais, enquanto o rosto dele estampava uma expressão de enfado.
— Se aquela é a esposa dele, coitada! Olhe como ele a trata! — observou Carolyn.
— Eu bem que preferia que ela não fosse casada com ele. Olhe só que corpo! Até
eu me interessaria... Puxa vida, alguns homens não sabem o que estão perdendo...
— Sinto desapontá-lo, mas acho que deve ser mesmo a mulher dele. Veja a
aliança...
— É verdade! — concordou Shane, fazendo uma cara triste. — Lá se vai a garota
dos meus sonhos!
— Parece que todas são as garotas dos seus sonhos! — brincou Carolyn.
A recém-chegada virou o rosto ao ouvi-los rindo. Sussurrou algo no ouvido de
Richard, que fez que sim com a cabeça, de modo irritado, e cochichou de volta. Ela se
virou de novo e encarou primeiro Carolyn, com certo interesse, depois Shane, em quem
se deteve mais, sorrindo amistosamente.
— Acabou de fazer uma conquista, Shane — murmurou Carolyn, de olhos baixos.
— Quem é que já ouviu falar de uma esposa paqueradora? — comentou Shane,
rindo. — E bem na frente do marido! Acho que ele não bate nela o suficiente...
Carolyn ficou calada. Ao ouvir Shane mencionar a palavra "marido" sentira uma
funda pontada, e não conseguia se livrar dela, por mais que tentasse. Então ele era
casado! Aquele homem desagradável e prepotente tinha esposa e filhos! Carolyn sentiu
pena daquela mulher. Olhou, então, para o relógio e lembrou a Shane que já estava na
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hora de irem embora. Ao se levantarem, a esposa de Hindon olhou para eles e, sorrindo,
disse:
— Boa noite.
Shane ergueu a mão num aceno e respondeu sorrindo. Hindon olhou-o com cara
feia e virou o rosto.
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tempo, nem ouviu mais a conversa a seu lado; quando Anne a cutucou é que percebeu
que a conversa tinha morrido e todo mundo parecia estar de fôlego preso.
Seus olhos foram subindo devagar, dos pés parados bem à sua frente até o rosto
gelado de Richard Hindon. Ficou ali quieta, vermelha e confusa.
— Se toda a minha equipe de funcionários fizesse o que está fazendo, srta. Lyle,
rodeados de livros como todos estamos, jamais o trabalho iria para a frente. Por isso, por
obséquio, feche esse livro e continue a trabalhar!
Carolyn encarou-o com raiva por tratá-la daquele modo na frente das outras,
tornando público o seu rancor contra ela.
Levantou-se e abriu a boca para retrucar no mesmo tom, mas o olhar dele foi mais
firme e ela acabou pedindo desculpas e ajoelhando-se para continuar o serviço.
Carolyn sabia que todas as outras pessoas da sala haviam presenciado a cena.
Sentia-se humilhada! Viu então que ele se afastava e escutou, quando recomendou à
srta. Blane:
— Faça com que ela continue com o serviço de rotina, apenas conferindo e
numerando os volumes. Não quero que chegue nem perto do serviço de classificação.
Depois que ele saiu, Stella soltou um suspiro de alívio e Anne comentou, franzindo
a testa:
— Meu Deus, Carolyn, você quase que leva! Um pouco mais e estaria na rua...
Uma coisa que ele não admite é alguém questionar a sua autoridade.
— Eu não agüentava mais, ele me põe fora de mim! Não. . . não suporto esse
homem!
— Carolyn, você conhece o ditado: "O amor é parente do ódio"?
— Amor? — Carolyn quase gritou. — Como é que alguém pode amar aquele
sujeito? Tenho pena da esposa dele...
— Esposa? — Stella olhou para ela, espantada. — Esposa de quem?
— Do sr. Hindon, é claro. Eu a vi na noite passada quando fui jantar com um... um
amigo. O sr. Hindon também estava no restaurante e a esposa foi se encontrar com ele.
Bem bonita, aliás, bonita demais para ele.
— Ora, querida, aquela não é esposa dele, é a irmã. Ele não é casado.
— Ele detesta as mulheres, não sabia? — afirmou Anne. — Ele nos trata bem
porque não nos vê como mulheres, só como auxiliares de voz fina!
As outras caíram na risada, e Carolyn tentou ignorar as estranhas batidas do seu
coração.
— Então ele é solteiro? Mas deve ter uma... bem...
— Uma amiga? — Anne sacudiu a cabeça. — Não tem, não, a não ser que tenha
uma vida secreta desconhecida de todos. Você já viu a secretária dele?
— Quer dizer a srta. Harvey?
— Sra. Harvey. Ela é viúva e muito alegre... Ali está uma mulher que bem que
gostaria de se tornar amiga dele... amiga íntima!
— E como ela joga charme para cima dele! Uma vez eu entrei na sala e senti a
atmosfera... Estavam rindo tanto que nem me escutaram batendo...
— Até que ela é bonita — admitiu Carolyn de má vontade, pegando mais um
pacote de livros.
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— Bem, acho que tudo vai depender do charme dela. Às vezes parece que ele vai
sucumbir a seus encantos.
— Pode até ser que ela consiga levá-lo até onde queira, mas ele nunca vai se
casar com ela. Ele não é do tipo que se casa. A única coisa que ele adora é xadrez —
comentou Anne.
— Ele joga xadrez? — perguntou Carolyn.
— Não! — afirmou Stella. — É muito mais do que isso. Ele arma problemas de
xadrez, algo muito mais complicado. É preciso ter muita cabeça para fazer isso!
Continuaram a trabalhar em silêncio até que Carolyn perguntou:
— Onde é que ele mora?
— Com a irmã e o marido. Não faz muito tempo que ele está aqui. Ouvi dizer que
estava procurando um lugar para ficar e a irmã lhe ofereceu um quarto, pois o marido ia
viajar durante seis meses e ela não queria ficar em casa sozinha com os dois filhos.
Parece ser do tipo meio dependente...
— Existem rumores de que eles não se dão muito bem, mas ele não quer se mudar
antes que o cunhado volte.
— Como é que vocês sabem de tudo isso? — quis saber Carolyn.
— Fofocas, querida. Conhece a srta. Stagg?
— Aquela que me trouxe até aqui ontem de manhã?
— Essa mesma. É uma velhota danada. É a assistente principal, o homem forte,
quer dizer, a mulher forte, se bem que às vezes... ninguém sabe. . . — Riu com as outras.
— Bem, de qualquer modo, ela ajuda o sr. Cotes e, enquanto está lá em cima, bate um
papinho com a sra. Harvey, que passa todas essas informações. Confidencialmente, é
claro, e que, confidencialmente também, acabam chegando até a gente!
Carolyn descobriu que Pearl Matthews morava a poucas quadras de sua casa.
Tomaram o mesmo ônibus e sentaram-se juntas. Pearl indagou de repente:
— Carolyn, você tem um diploma universitário?
— Tenho. Como descobriu?
— Bem... Hoje cedo, quando você estava lendo aquele livro, quase deixou escapar,
não foi? — Carolyn concordou e ela prosseguiu: — Então é por isso que é mais velha que
a maioria das outras moças. Por que não foi trabalhar na biblioteca da universidade?
Carolyn sacudiu os ombros como se descartasse a responsabilidade.
— Meu tio ouviu falar desta vaga, por isso, como era perto de casa, eu me
candidatei.
— O que eu não consigo entender é por que o sr. Hindon a colocou no
departamento de estoque e por que faz questão de mantê-la nesse serviço de rotina.
Imagino que para alguém como você, que tem de quatro a cinco anos mais do que a
maioria das moças que começam, uma simples explicação seria suficiente.
Carolyn olhou para Pearl, tentada a contar a verdade. Será que a moça manteria o
segredo? Parecia honesta e séria, de mais responsabilidade que as outras. Decidiu se
arriscar.
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— Por favor, não conte a ninguém Pearl, mas ontem, quando o sr. Hindon me
chamou, ele me disse... você deveria ter escutado o que ele me disse! — Sua voz tremeu,
depois se firmou: — Sabe que estou aqui num período de experiência de seis meses?
— É assim com todas as auxiliares.
— Bem, ele praticamente me disse que vai fazer todo o possível para se livrar de
mim dentro desse prazo.
— Mas por quê, Carolyn? Você ainda não teve tempo de cometer nenhum erro.
Carolyn contou-lhe toda a história e depois, enquanto caminhavam para casa,
Pearl lhe disse:
— Ele é agressivo em alguns aspectos, principalmente quando quer fazer as coisas
a seu modo. Se existe algum obstáculo no caminho, ele o remove. Já notamos isso em
outras ocasiões. Fez diversas mudanças, algumas muito necessárias. Mas se você está
no caminho de Richard Hindon e ele afirmou que vai se livrar de você, pode crer que vai
mesmo! E se isso acontecer, você não vai poder fazer nada, e muito menos o seu tio.
— Mas se eu gostar demais do serviço e quiser continuar? E acho que gostaria, se
tivesse a oportunidade.
Pearl sacudiu a cabeça.
— Isso não vai fazer com que ele mude de idéia. Se é assim que ele pensa em
relação a você, então você já estava a meio caminho da saída no minuto em que entrou
naquela biblioteca.
Carolyn despediu-se de Pearl e tomou o rumo de sua casa.
CAPÍTULO III
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A tia era loira e cheia de corpo. Tinha um ótimo gênio e nunca abrira a boca para
se queixar dos gastos que seu marido tivera com a educação da sobrinha.
"Ele tem bastante", dizia ela sempre. "O que ele gasta com você e com a vovó não
nos faz falta."
Shane aproximou-se delas e serviu-se de chá. A casa era muito aconchegante e
fazia com que qualquer visita se sentisse à vontade.
— Como vai Donna? — perguntou Carolyn.
Maisie Bullmann, muito apegada à filha, falou em detalhes sobre a viagem que, no
momento, Donna fazia a Paris.
— Ela não precisa trabalhar muito e o patrão a leva para sair de vez em quando,
apesar de eu achar que ele seja um pouco velho demais para ela.
— E que importância tem isso? — observou Shane, seco. — Minha irmã sempre
consegue se divertir, não importa com quem ou onde esteja. Seja numa conferência ou
num comício, ela consegue sempre se divertir...
Acabaram rindo e Maisie acrescentou:
— Austin foi para o norte, participar de um congresso sobre construções.
Carolyn sentiu que se livrava de um peso no coração.
— Quando é que ele volta?
— Amanhã ou depois.
Era bom demais para ser verdade! O tio não poderia aparecer na biblioteca
estando a centenas de quilômetros de distância! Sentiu-se eufórica e conseguiu driblar
muito bem as perguntas que a tia lhe fez sobre o trabalho.
Evitando o olhar de Shane, contou para a tia como estava gostando do serviço,
como era importante o que fazia e enalteceu as qualidades das funcionárias do
departamento de estoque.
Shane acompanhou-a até o ponto de ônibus e riu muito de suas mentiras. Carolyn
pediu-lhe que tivesse mais cuidado.
— Pode deixar, não se preocupe, querida. A propósito, papai me deu umas
entradas para a inauguração de uma exposição de pintura de artistas locais. É uma festa
particular, antes da abertura para o público. Quer ir comigo?
— Antes de responder, quero saber quem vai a essa festa.
— Ora, vejam só! Quer saber se vai gente suficientemente importante para servir
de companhia a você?
— É isso mesmo — respondeu ela, rindo.
— Bem, vão políticos, como o prefeito e seus assessores, os intelectuais, o
secretário da educação, o diretor da biblioteca...
— Ah, então ele também vai estar lá?
— Claro, a galeria de arte está sob o controle dele. Então, você não quer ir?
Agora é que ela queria mesmo ir. Iria encontrar-se com Richard Hindon de igual
para igual, no meio de outras pessoas, fora do ambiente de trabalho. Só de pensar na
idéia já sentia prazer!
— Sim, eu gostaria de ir.
Shane fez uma mesura.
— Muito obrigado, por ser tão magnânima...
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O sr. Cotes apareceu na seção no dia seguinte. Deu uma volta pela sala e
conversou com as funcionárias sobre o volume de trabalho.
Parou ao lado de Carolyn, que se levantou, deixando aparente o cansaço e o
desânimo que sentia.
O sr. Cotes sorriu para ela, cumprimentou-a e depois foi para trás de uma divisória
falar com a srta. Blane. Ao sair, disse que logo voltaria a vê-las.
— O chefão ontem, o secretário hoje... Qual será a razão de todo esse interesse
repentino pela gente? — indagou Stella com ironia.
Carolyn arrancou o papel de mais um pacote de livros e respondeu:
— Deve ser porque eu contei ao sr. Cotes aquela história da Sibéria que vocês
falaram. Ele ficou muito preocupado, por isso imagino que tenha vindo demonstrar que
pelo menos alguém gosta da gente!
A sala toda ficou em silêncio de repente e Carolyn sentiu que o ambiente gelava.
— Parece que, daqui para a frente, vamos ter que tomar cuidado com o que
dizemos — disse Anne, zangada. — Ter a sobrinha de alguém importante conosco é o
mesmo que enfrentar um microfone de escuta.
Carolyn mordeu o lábio.
— Sinto muito. Vou tomar mais cuidado daqui para a frente.
Ninguém respondeu e o silêncio continuou. Ela havia se tornado uma estranha
para as colegas, uma espécie de espiã. Agora, todo mundo ia falar disso, quem sabe até
o próprio diretor. Até que ponto Carolyn agüentaria?
Naquela tarde a srta. Blane chamou-a para trás da divisória e Carolyn sentiu-se
aliviada por afastar-se um pouco do olhar acusador das outras moças.
— O sr. Cotes acha que você deve ser transferida para algum outro serviço,
alguma coisa mais produtiva, onde você possa aplicar melhor o que aprendeu. Será que
gostaria disso?
— Oh, adoraria! Será que posso me atrever a pensar na seção de classificação?
A srta. Blane caiu na risada.
— Meu Deus, ainda não! Um dia você chega lá, mas ainda é cedo. O secretário
acha que você deve aprender antes de tudo o que chamamos de organização. Você deve
ter reparado que cada volume que chega ganha um número e uma classificação, depois
os livros são numerados e batemos à máquina os detalhes no cartão de catálogo. Ou
então já recebemos os cartões impressos, que vêm de uma agência geral de
classificação. Esses cartões são classificados em índices de autores e de assuntos e são
deixados na biblioteca para que as pessoas possam consultá-los quando precisam de um
livro determinado. Também temos um catálogo geral, que contém detalhes sobre todos os
livros em estoque na biblioteca. — Virou-se para Pearl e continuou: — Vou deixá-la com a
srta. Matthews, que lhe explicará melhor tudo isso.
Pearl achou ótimo deixar de lado seu próprio serviço e ensinou a Carolyn como
colar na primeira página de cada livro a etiqueta com o nome da biblioteca para onde o
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livro seria enviado, o tempo que ele podia ficar emprestado, avisos sobre multas e
instruções sobre renovações.
— Tome muito cuidado com os livros de pesquisas — advertiu-a Pearl. — São
muito caros!
— Claro. — E continuou o serviço sozinha.
No fim do dia Pearl quis saber se ela estava mais satisfeita e ficou feliz com a
resposta.
— Ora, nem queira saber. Sinto que comecei a progredir.
— Mas isso não é quase nada.
— De qualquer modo, é muito melhor que ficar o dia inteiro abrindo pacotes...
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— Acho que todas essas obras são as revelações dos sentimentos, das raivas e
obsessões dos artistas, o desabafo de suas frustrações. Não há nada de mal em que eles
se livrem de tudo desse modo, mas não acho certo chamarem isso de obra de arte e nos
obrigarem a apreciá-la...
O sorriso dele irritou-a ainda mais quando perguntou:
— Não acredita que se deva desabafar as frustrações?
— Depende das frustrações! — respondeu ela com raiva.
— Uma sábia resposta, srta. Lyle. É muito importante saber diferenciá-las. — Seu
sorriso de repente tornou-se frio. — Aí vem o seu tio...
Austin Bullmann aproximou-se de cabeça erguida e perguntou, agressivo:
— O senhor, imagino, aprecia muito tudo isso, não é, sr. Hindon? Aprova tudo o
que possa chamar a atenção...
— Não é bem assim, sr. Bullmann. Eu aprecio demais as coisas antigas, aliás não
podia ser diferente, pois convivo com elas no meu trabalho. — Richard Hindon não perdia
a calma.
O vereador pareceu não notar o sarcasmo e retrucou:
— Imagino que esteja falando sobre nós, os velhos. Está certo! Talvez sejamos
mesmo um pouco antiquados, mas temos direito às nossas idéias, que podem ser
antigas, mas pelo menos já foram bem testadas e aprovadas. Não são como as suas, tão
novas e fracas que ainda estão cheirando a leite!
— Sem idéias novas, sr. Bullmann, não haveria progresso. — Carolyn admirou-se
do controle de Hindon. — Elas têm que aparecer. Mesmo suas velhas idéias um dia foram
novas, não é verdade?
Austin resmungou algo e foi saindo. Carolyn sentiu uma mão em seu ombro. Era
Shane.
— Querida, desculpe-me por deixá-la sozinha, mas eu estava fazendo um pouco
de relações públicas — disse ele. — Venha comigo, doçura. Com você. . . — Olhou-a de
alto a baixo — e seus atributos, faço mais sucesso do que uma campanha publicitária.
Richard chamou Rossanna, que veio depressa como um cachorrinho ensinado.
Pegou-a pelo braço e afastou-se para o outro lado da sala sem olhar para trás.
A reunião de repente perdeu a graça para Carolyn. Continuou acompanhando o
primo, rindo das piadas e dando a impressão de estar se divertindo muito. Não falou
novamente com Richard Hindon, apenas viu-o de relance algumas vezes, sempre junto
da secretária e sempre conversando e rindo. Carolyn não sabia se ele estava sendo
sincero. Sabia apenas que, com ela, toda a alegria era puro fingimento.
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páginas e chegando à conclusão de que classificação não era uma coisa tão fácil quanto
imaginara.
— Que diabos pensa que está fazendo? — Ela levantou a cabeça e deu com dois
olhos frios fixos nela. Assustou-se e quase deixou cair o livro no chão. — Quem lhe deu
permissão para mexer nesses livros? Eu dei ordens severas para que você não se
aproximasse de qualquer coisa relacionada a classificação. — Richard estendeu o braço
e continuou: — Me dê este livro! Não quero que perca tempo com isso enquanto seu
dever é estar trabalhando...
Mas Carolyn continuou agarrada ao volume.
— Estou no horário de almoço, sr. Hindon. Normalmente não trabalhamos nessa
hora...
— Hora de almoço ou não, não permito que ninguém, mas ninguém mesmo, e isso
inclui a sobrinha do presidente da comissão, fique mexendo nos pertences da biblioteca.
A necessidade de retrucar foi mais forte e Carolyn respondeu:
— Será que o senhor é um desses diretores que não admitem que seus
assistentes aprimorem a sua cultura e aumentem os seus conhecimentos?
— Não, srta. Lyle. Sou tão capaz quanto qualquer outro de reconhecer a
inteligência dos meus subalternos, desde que ela exista...
Ela interrompeu, desafiando com atrevimento:
— Talvez então por isso o senhor se preocupe em escolher auxiliares medíocres:
para mantê-los sempre por baixo, para que não se atrevam a questionar a sua liderança!
Carolyn respirava com dificuldade e, ao olhar para ele, deu-se conta do que
acabara de dizer. O que ele ia fazer agora, o que iria dizer? Será que pegaria o telefone e
avisaria o tio dela de que estava cancelando a sua nomeação?
Depois de examinar o rosto dela calmamente, Hindon respondeu com frieza:
— Srta. Lyle, se não consegue me respeitar, pelo menos mostre um pouco de boa
educação. Por mais que ache ridículo, eu ainda sou o chefe aqui dentro!
— Perdoe-me — desculpou-se Carolyn, enrubescendo. — Daqui para a frente vou
tentar me lembrar do meu lugar... do meu humilde lugar...
Richard levantou as sobrancelhas, mas não fez comentários; apenas estendeu as
mãos novamente e insistiu:
— O livro, por favor. — Desta vez ela lhe devolveu. — Agora o outro, o que tentava
classificar.
Ela fez o que ele mandava. Richard foi até a divisória e pôs o livro sobre a mesa da
srta. Blane.
— Venha cá, srta. Lyle — disse ele e Carolyn o seguiu. — Traga aquela cadeira e
sente-se aqui — prosseguiu, deixando transparecer um leve sorriso ao vê-la se
acomodar. — Vou lhe dar o que se costuma chamar de treinamento interno, coisa que
geralmente delego ao secretário ou ao meu assistente. Mas no seu caso vou abrir uma
exceção, como sobrinha do presidente da comissão...
Carolyn ficou sentada, as mãos no colo, vendo-o abrir o manual de
biblioteconomia.
— Srta. Lyle, sabe quem foi Dewey, o autor deste livro? Foi um americano, Mélville
Dewey, que em 1873 inventou o que é conhecido como "sistema de classificação decimal
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
Dewey". Dividiu todo o conhecimento em dez grupos específicos. Cada um desses grupos
foi subdividido em outros dez subgrupos, e assim por diante. Assim, por exemplo, como
as ciências sociais estão classificadas sob o número 300, se quiser um livro sobre
sociologia, vai encontrá-lo sob o número 301. Está entendendo? — Ela assentiu, um
esboço de sorriso suavizando a tensão de seu rosto. — Ótimo, está me acompanhando.
Agora, se pegarmos um livro... deixe-me ver... sobre a teoria social nos tempos
modernos, deve estar classificado... — Folheou o manual até que encontrou. — Aqui está,
sob o número 301.15. E assim por diante.
Carolyn limpou a garganta, tentando falar com naturalidade.
— E vocês nunca recebem um livro inclassificável?
— Quer dizer, um que não se encaixe em nenhuma categoria específica? Claro.
Onde é que está aquele que você havia pego? Aqui está. Nossa, escolheu justo um difícil!
Tinha que ser assim! — O rosto se iluminou com um sorriso e o coração de Carolyn deu
um salto. — É sobre a estrada de ferro entre Somerset e Dorset. — Abriu o volume. —
Ora, ora, é da época vitoriana. Agora, como se trata de um assunto sobre motores a
vapor, deve ser classificado sob o título engenharia com o número... deixe-me ver...
621.13.
— Sei. — Carolyn deixou escapar um pequeno suspiro, como se tivesse resolvido
um problema difícil.
— Ah, mas também se refere a transportes, e nesse caso seu número seria 385.3.
Ou poderia ser engenharia ferroviária, com um número diferente. Está entendendo o que
eu quero dizer quando falo que a classificação é um negócio complicado e que deve ser
deixada para os especialistas?
Ela concordou e perguntou:
— E como é que se faz para ser um classificador, sr. Hindon?
— Passando nos exames, srta. Lyle, e se especializando desde o começo.
— Oh! — exclamou Carolyn, desapontada.
— Não é uma tarefa impossível para alguém com inteligência e interesse
suficientes. — Havia ironia em seu rosto.
— Coisas que eu não tenho...
Ele fechou o livro e levantou-se.
— Isso é o que vamos verificar, srta. Lyle. Agora é melhor eu ir embora, antes que
as outras moças voltem e achem que eu estou ficando maluco. — Parou na porta e olhou
para ela. — O que eu mesmo já estou achando...
CAPÍTULO IV
Era o fim do dia. Carolyn, sabendo que a avó havia ido tomar chá com uma amiga
e voltaria mais tarde, tinha ficado na biblioteca para terminar um serviço, depois que as
outras moças saíram.
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Uma hora depois, o sr. Cotes trancava as pesadas portas da frente e descia junto
com Carolyn os degraus da entrada. Ela agradeceu-lhe o favor e o secretário respondeu,
rindo:
— Eu é que agradeço a sua paciência comigo. — Deu uma olhada para as
pessoas que passavam. — Vai para casa agora? Posso lhe oferecer uma carona?
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— Ela, não. Está viajando num trem errado! Mas ele a deixa em dúvida, e o faz
com tanta esperteza, que ela nunca pode ter certeza do que vai acontecer. Ele não quer
perdê-la... É uma ótima secretária! Entende aquele jeito estranho dele. — Interrompeu-se
e depois acrescentou: — Srta. Lyle, sinto muito pelo modo como ele a trata.
Ela ia responder, mas sentiu um nó estranho na garganta, um desejo muito grande
de chorar. Sacudiu a cabeça e conseguiu balbuciar:
— Não tem importância...
— Mas acho que deve magoar. A biblioteca é a própria vida para ele. Está
absolutamente resolvido a tirá-la do abandono em que seu predecessor a deixou, mas
suas idéias são evoluídas demais para os membros da comissão.
— E meu tio está sempre contra, não é mesmo?
Ele evitou responder e disse:
— O problema é que Richard não quer trabalhar segundo o sistema, está sempre
querendo inovar e fica impaciente com qualquer coisa ou qualquer pessoa que tente
impedi-lo.
— Sei disso. E eu, por ser a sobrinha do presidente da comissão, sou sacrificada
junto com os outros...
— Sinto muito, mas parece que é isso mesmo. Veja, o sonho de Richard é uma
nova biblioteca, construída especialmente para esse fim, com equipamento moderno,
iluminação especial, amplo espaço para estocagem e tudo o mais, mas o dinheiro anda
difícil.
Falaram depois sobre os outros funcionários.
— Já fez alguns amigos? — perguntou ele e Carolyn falou sobre Pearl Matthews.
— Ah, Pearl! Ela é uma das melhores, mas tinha que ser mais independente; é ligada
demais aos pais. — Sorriu. — Devia arranjar um namorado e se casar.
— Parece que esse é o remédio para qualquer mal que uma jovem possa ter —
brincou Carolyn.
Logo depois se levantaram e saíram do restaurante. Cotes levou-a para casa e
levantou o braço num aceno ao se afastar. Também sorria. Carolyn sentiu que havia
ajudado uma pessoa solitária e sentiu-se mais feliz com isso.
— Carolyn, precisamos de você — disse Stella assim que ela chegou na manhã
seguinte. — Olhe todos aqueles pacotes. Chegou um novo carregamento de livros e
temos que abrir todos eles.
— Srta. Lyle, pode deixar o serviço de etiquetas e, por favor, dê uma mãozinha a
elas, sim? — disse a srta. Blane.
Estavam ainda trabalhando como loucas no fim da tarde e os livros pareciam não
ter fim. Cada um deles era conferido com a nota fiscal, carimbado com o nome da
biblioteca para onde iria e colocado numa prateleira, esperando para receber a etiqueta.
Ao ver as prateleiras se enchendo, Carolyn percebeu que ia ter muito serviço pela frente.
Estava de joelhos, folheando um novo atlas que havia chegado, quando escutou a
porta se abrir e alguém chamá-la pelo nome. Sabia quem era e ficou apavorada. Seu tio
estava ali, ocupando o vão da porta, olhando horrorizado para a sobrinha fazendo o seu
serviço ajoelhada.
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— Chegou a ver o seu tio hoje? — perguntou a avó, assim que ela chegou em
casa. — Ele telefonou dizendo que ia passar pela biblioteca para ver como é que você ia
indo.
— Sim, vovó, ele esteve lá — foi tudo o que conseguiu dizer.
Depois do chá o tio apareceu e, assim que se instalou numa poltrona, disse:
— Bem, agi como tinha que agir com aquele tal de Hindon, minha pequena. Minha
sobrinha de joelhos! Nunca vi uma coisa assim! Mas ele teve que ouvir!
Carolyn encolheu-se, imaginando o que acontecera.
— Eu não admito que minha sobrinha fique fazendo serviço de uma criada,
desembrulhando livros e colando etiquetas! Qualquer débil mental pode fazer isso! E sabe
o que o sujeito respondeu? Que você não estava qualificada para outra coisa! Disse-lhe,
então, que você tem um diploma e que está qualificada para muito mais do que isso. E
sabe o que ele respondeu? Que o diploma era irrelevante! Irrelevante, imagine!
— Mas, tio, ele está certo! É verdade, eu ainda não estou mesmo qualificada...
Mas Austin Bullmann não escutava. Prosseguiu em seu discurso:
— Aproveitei a oportunidade para encostá-lo na parede sobre outros pontos, como,
por exemplo, a questão do catálogo. Ele me disse que está usando um novo sistema para
escolher os novos livros, pedindo a opinião dos leitores e também dos funcionários, até
mesmo de um simples assistente como a minha sobrinha!
Carolyn podia ver o sorriso no rosto de Richard ao dizer isso.
— Até a minha sobrinha! — repetiu Austin. — Imagine, classificar você como
simples assistente!
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impaciente. — Mas eu preciso ficar. Olhe, é necessário ter uma grande força de vontade
para se interromper uma carreira... uma carreira imposta pela força das circunstâncias,
por um dever de obrigação com alguém. — Ficou imaginando se ele estava ouvindo. — É
preciso ter força de vontade e coragem. Provavelmente o senhor não sabe do que estou
falando, pois deve ter tido liberdade para escolher a sua carreira. Teve sorte, sr. Hindon.
Ele a encarou, viu o apelo em seus olhos e baixou a cabeça novamente.
— Tem mais sorte do que imagina — continuou Carolyn, pensando até quando ele
a deixaria falar, mas parecia que ele não ditava prestando muita atenção ao que ela dizia.
Tinha desmontado sua caneta e aparentemente não sabia montá-la de novo. —
Provavelmente nunca teve um sentimento de gratidão tão grande que o impedisse de
pensar e de tomar qualquer decisão importante em sua vida.
A caneta estava quase montada, mas caiu em pedaços novamente enquanto ela
dizia, numa voz quase inaudível:
— Sr. Hindon, estou dividida em duas. Devo lealdade ao senhor, que é o meu
patrão, mas também devo lealdade ao meu tio, que foi generoso comigo desde que eu
era criança.
Ele levantou os olhos de repente e perguntou:
— Você é órfã?
— Não, moro com a minha avó; minha mãe morreu há muitos anos, mas não vejo
meu pai desde os cinco anos.
Afinal a caneta estava montada e, após experimentar escrever com ela num bloco
de rascunho, ele disse:
— Vou visitar uma das bibliotecas de bairro. É melhor vir comigo. Geralmente
levamos os novos funcionários para uma visita dessas. Este é o seu casaco? É melhor
vesti-lo, está chovendo.
Saiu detrás da mesa e ajudou-a a vestir o casaco. Segurou uma das longas
mechas de seu cabelo e perguntou:
— O que é que faz com ele? Isto é, quando chove? Deixa que se molhe?
— Não, eu ponho debaixo da capa... assim. — Tomou a mecha de cabelo da mão
dele e seus dedos se tocaram. Carolyn puxou a mão como se tivesse sido mordida, mas
ele pareceu não notar e abriu-lhe a porta.
Saíram pela porta dos fundos e, ao entrarem no carro, ele perguntou:
— Você guia? — Ela respondeu que não, enquanto ele ligava o motor e acionava o
limpador de pára-brisa. — Seu tio então cometeu uma falha — observou com ironia.
— Para que saber dirigir, se é muito pouco provável que eu venha a ter um carro?
— Mas seu namorado não poderia ensiná-la?
— Namorado?
— É. Aquele com quem você jantava no outro dia.
— Oh, Shane. Ele é o enteado do meu tio.
— Sei, sei. Parece ser muito capaz de ensinar certas coisas a você. . .
— Ora, pare com isso!
Permaneceram calados por algum tempo até que, de repente, ele falou:
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— Minha irmã está procurando uma moça que fique com as crianças. Ela a viu no
outro dia e gostou do seu jeito, achou que você inspira confiança. — Deu um leve sorriso.
— De qualquer modo, eu disse que ela não poderia pedir à sobrinha do presidente da
comissão para tomar conta dos filhos dela. Minha irmã respondeu que ela não poderia,
mas que eu sim, e se estou mencionando isso é porque provavelmente eu é que vou ter
que ficar com esse serviço, coisa que não ia agüentar!
— Não gosta de crianças, sr. Hindon? — perguntou Carolyn, com o coração
acelerado.
— Não muito. Acho que não dou para pai, não. — Deu uma olhada para ela e
acrescentou: — Não me olhe como se eu fosse leproso! Como tenho certeza de que
nunca vou ter filhos, não sou obrigado a gostar de crianças, não é verdade?
— Eu poderia tomar conta dos seus sobrinhos. Gosto muito de crianças.
— Gosta? Imagino que, quando se casar, vai querer no mínimo meia dúzia.
— Não, acho que três é o suficiente.
— Sem dúvida deve haver algum tolo que aceite uma coisa dessas.
— Eu nunca me casaria com um homem que não gostasse de crianças, sr. Hindon.
Ele franziu a testa e disse, seco:
— Darei sua resposta à minha irmã, srta. Lyle, só que sou obrigado a avisá-la de
que o negócio vai ser duro. Sei o que estou dizendo, conheço os meus sobrinhos!
Estacionou na frente de um prédio moderno. Cada lado do edifício era inclinado e o
telhado vinha em curva até quase o nível do chão. As paredes eram de vidro: um
verdadeiro convite para quem passasse na frente.
Richard Hindon saiu do carro e disse a Carolyn que o seguisse. Foi andando na
frente e segurou a porta de vaivém para que ela passasse; em seguida apresentou-a a
uma moça loira atrás de um balcão e desapareceu com ela por uma porta. Carolyn não o
acompanhou, ficou andando pela seção de empréstimos, olhando os livros, reparando
nas prateleiras de desenho moderno e no modo claro e objetivo como os livros eram
classificados. Havia mesas baixas com os livros novos e cartazes coloridos nas paredes.
O lugar tinha uma atmosfera alegre que contrastava com o ambiente sombrio e opressivo
da biblioteca central.
Havia pouca gente escolhendo livros e Carolyn escutou vozes no escritório.
— Nós vamos treiná-la um pouco, depois vocês poderiam aproveitá-la aqui. Assim
nos livraríamos dela. . . — dizia Richard Hindon, e quando alguém comentou alguma
coisa ele falou mais baixo, mas ainda assim audível: — Sei que vai criar algumas
dificuldades porque ela não tem experiência, mas aposto que vai ser por pouco tempo.
Ela não para em serviço algum!
Carolyn sentiu o rosto queimando. Então era isso o que ele pensava dela? Que era
uma carga da qual ele queria se livrar bem depressa?
Mas, que importância tem isso, pensou, desanimada. Era preciso aceitar o
inevitável. Pearl havia dito: "Se ele quer se livrar de você, é isso o que vai fazer!"
Richard saiu do escritório, despediu-se da funcionária e chamou Carolyn. Entraram
no carro dele.
— Bem, aprendeu alguma coisa com a visita?
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— Sim, obrigada — respondeu ela com calma. — Aprendi alguma coisa sobre o
meu futuro local de trabalho. — Ele a olhou, atento. — Escutei o que diziam sobre mim.
— Outra vez... — Sacudiu os ombros. — Você tem o costume de ficar escutando...
Ela não deu a resposta que pretendia dar, limitando-se a dizer:
— De qualquer modo, é um prédio magnífico.
— É mesmo — concordou ele. — Foi aberta há pouco tempo. Eu é que escolhi a
decoração e os móveis, logo que cheguei. É o meu sonho, uma biblioteca central como
esta: um prédio construído especialmente, com bastante espaço, muitas janelas,
equipamento moderno, tudo funcional. — Deu uma risada seca. — É um sonho meu...
— Eu sei. O sr. Cotes me disse.
— Quando?
— Bem. . . quando jantei com ele, outro dia.
— Verdade? — Havia cinismo em sua voz. — Trabalha rápido o Granam, ou então
é um oportunista.
— Será que tem sempre que diminuir a todos, sr. Hindon? — perguntou Carolyn, já
meio tensa.
— Sim, srta. Lyle, no que se refere a você — respondeu ele. — Por que pensa que
estou lhe contando sobre o meu sonho? Só porque espero que fale dele para o seu
respeitável tio. Estou tentando explorar a tal lealdade que disse ter por mim.
Carolyn agarrou-se ao painel do carro e desabafou:
— Se não estivéssemos chegando, eu... eu...
Hindon interrompeu-a com um sorriso.
— Pularia do carro andando... — Fingiu um ar preocupado. — O quê? A sobrinha
do vereador não me aprecia? Isso é uma coisa que não deve acontecer... De repente ela
pode usar de sua influência e conseguir a minha demissão... — Carolyn saiu do carro
assim que ele parou e bateu a porta com força, enquanto Hindon continuava rindo lá
dentro.
Ele saltou logo depois e então já era novamente o diretor falando:
— Minha irmã entrará em contato com você para falar sobre as crianças. Eu vou
entrar pela porta dos fundos, mas é melhor que você entre pela frente. Daqui em diante
você vai trabalhar na seção de empréstimos de livros. Um funcionário mais velho lhe
mostrará o que fazer.
Carolyn foi subindo a escada devagar, sentindo-se meio perdida sem ele. De
repente caiu em si; devia era sentir-se contente por afinal estar longe de alguém tão
desagradável.
Dirigiu-se à seção de empréstimos de livros e a srta. Stagg indicou um rapaz para
ser seu instrutor. Chamava-se Keith White, era alto, tinha gênio alegre e cabelos
avermelhados.
Apertou a mão de Carolyn e disse, enquanto olhava para os cabelos dela:
— Estou vendo que temos algo em comum, só que puseram mais tinta no meu,
mas em compensação acho que colocaram algum fertilizante no seu...
Carolyn riu. Simpatizou imediatamente com ele.
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— E agora, por onde vamos começar? Acho que devo apresentá-la aos chefes de
cada seção: a de livros infantis, a de pesquisa, o departamento de estoque e outras.
Temos depois a srta. Stagg, que é mais graduada. Para baixo na escala estamos nós, os
coitadinhos. Nós atendemos os consulentes, fazemos pesquisas, listas de livros e índices.
Também somos conselheiros de leituras, ficamos ali naquela mesa de informações. Por
fim é a vez de vocês, os assistentes que fazem apenas servicinhos de rotina, onde não é
preciso muita inteligência! Mas você vai aprender aos poucos... — E Carolyn riu do jeito
dele.
Havia duas moças no balcão central, Sandra e Cathy, que ensinaram Carolyn a
carimbar a data nos cartões dos livros e colocá-los no arquivo sob o nome do consulente.
Keith explicou que em algumas bibliotecas o sistema era muito mais moderno,
usavam até computadores e microfilmes, o que era muito bom, pois eliminava as filas nos
balcões; especialmente nos sábados, que eram sempre muito movimentados. Esse
método também permitia que os funcionários trabalhassem sentados, mas era muito caro.
O sr. Hindon esperava conseguir instalá-lo algum dia.
— Quando não estamos no balcão, trabalhamos separando os livros que precisam
ser encadernados e também escrevemos cartas de reclamação aos leitores que estão
atrasados na entrega dos livros. Ah, e todos os dias, pela manhã, você vai ter que
arrumar um trecho das prateleiras.
— Você tem jeito para desenho? — indagou Keith. — Se tiver, talvez possa fazer
alguns cartazes para expor na biblioteca.
— O que acontece com os livros desatualizados? — perguntou Carolyn, enquanto
percorriam os corredores entre as estantes.
— São guardados num depósito especial. Não os mandamos embora durante
muito tempo. Podemos achar que são muito velhos, mas se nos desfizermos de algum,
por exemplo, sobre fonógrafos, logo depois, às vezes no dia seguinte, aparece alguém
querendo informações sobre o assunto! Temos que ter muito cuidado.
E assim, de explicação em explicação, a manhã passou rapidamente.
Depois do almoço, Pearl deu uma escapada do departamento de estoque e foi
perguntar a Carolyn como iam as coisas.
— Estou adorando. Espero que a srta. Blane não tenha ficado aborrecida com a
minha saída, mas não foi por minha culpa, Pearl. Espero que você saiba disso.
— Eu sei, Carolyn, mas ela ficou mesmo um pouco chateada. Normalmente as
moças ficam uns seis meses na seção de estoque.
Quando Pearl se foi, Keith levou Carolyn por uma porta que saía do salão principal
e explicou:
— Aqui é o depósito dos livros velhos. Este aqui é um livro antigo sobre o ensino
da química, mas a gente não pode se desfazer dele. De repente pode aparecer um
professor velho querendo o livro para algumas anotações, porque não consegue entender
esses livros modernos!
Estavam rindo quando o sr. Cotes entrou.
— Ora, srta. Lyle, parece que está contente!
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Sim, ela está mesmo! — respondeu Keith. — Afinal, ela encontrou uma alma
gêmea: dê uma olhada na cor dos nossos cabelos.
— Mas que pretensão! — comentou o sr. Cotes, rindo. — Querer comparar o seu
cabelo com essa coisa tão linda! — Estendeu a mão e tocou os cabelos de Carolyn.
— Não sei, não, mas acho que há alguma semelhança...
Carolyn caiu na risada.
— Srta. Lyle! — Richard Hindon estava na porta.
Carolyn engoliu o riso e até o sr. Cotes pareceu meio embaraçado.
— O que está havendo aqui?
— Desculpe, Richard. — Graham procurava acalmar o outro. — A srta. Lyle não
teve culpa.
— Esta é a sua opinião, Graham, mas pode não ser a minha.
O sr. Cotes fechou a cara e saiu.
— Sr. White, compete ao senhor, como primeiro assistente, controlar os
funcionários subalternos — disse Richard. — Por favor, dê um jeito de manter sob
controle essa funcionária daqui por diante.
— Sinto muito, senhor, mas a culpa foi toda minha — falou Keith, encabulado.
— Esta não é a minha opinião, sr. White. — Lançou um olhar zangado para
Carolyn e saiu.
Carolyn passou a maior parte dos dias que se seguiram separando os livros que
deveriam ser encadernados e empurrando carrinhos cheios de livros devolvidos que
deveriam ser recolocados nas estantes.
Uma manhã, a srta. Stagg chamou-a:
— O diretor quer vê-la. Largue o que estiver fazendo e suba para falar com ele.
Carolyn suspirou. O que seria desta vez? Já estava se acostumando à sensação
de desespero que vinha toda a vez que se aproximava da porta de Richard. Bateu,
nervosa, e entrou. O telefone estava fora do gancho, sobre a mesa de Hindon.
— Minha irmã quer falar com você — disse ele, estendendo o aparelho. — Eu
disse que era irregular chamar um funcionário dessa maneira, mas ela insiste em falar
pessoalmente com você.
Carolyn atendeu.
— Alô, aqui é Carolyn Lyle.
— Oh, srta. Lyle! — A voz do outro lado soava meio excitada. — Estou contente
por falar com você. Sou a irmã de Richard, deve lembrar-se. Outro dia nos vimos no
restaurante.
— Sim, eu me lembro, senhora. . . — Carolyn olhou para Richard com um ar de
interrogação, mas ele estava de cabeça baixa, lendo.
— É sra. Roding, mas por favor me chame de Hilary. Você é Carolyn, não é? Bem,
Carolyn, meu irmão me disse que você aceitaria tomar conta das crianças para mim.
— Sim, é verdade. — Carolyn teve que segurar o fone longe do ouvido, pois Hilary
falava alto demais.
— Bem, querida, será que está livre esta noite ou já tem programa?
— Sim, já combinei sair esta noite, sinto muito.
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— Será que é com aquele pedaço de homem com quem estava outro dia?
— É, sim — respondeu Carolyn, rindo. — É meu primo, Shane.
Cansada de ficar em pé, Carolyn estendeu o braço para alcançar uma cadeira.
Com isso, seus cabelos caíram sobre o livro que Richard lia. Então, com um profundo
suspiro, ele empurrou-os para o lado. Carolyn, ao perceber o que acontecia, jogou os
cabelos para trás com violência e endireitou o corpo. Percebeu o sorriso de Hindon ao
virar-se de costas para ele.
— Olhe, querida, eu o acho um pão! Vai se casar com ele?
Carolyn riu novamente.
— Bem, ainda não sei. Não discutimos sobre casamento até agora.
Nisso percebeu que Richard escrevia, furioso, alguma coisa numa folha de papel.
Em seguida, estendeu o papel diante dela. Carolyn, então, leu: "Diga à minha irmã para
desligar, que você precisa voltar ao trabalho". — Richard olhava para ela de cara feia e
Carolyn desculpou-se:
— Sinto muito, Hilary, mas eu preciso desligar.
— Imagino que é o meu irmão querendo que eu cale a boca — observou Hilary,
rindo. — Tudo bem; e amanhã, será que você poderia?
— Pois não. A que horas quer que eu chegue?
— Ali pelas oito. E eu não vou voltar muito tarde, é apenas uma reunião rápida com
amigos. Até amanhã, então. Posso dar uma palavrinha com o meu irmão?
Mas Richard sacudiu a cabeça quando Carolyn fez menção de lhe passar o fone.
— Desculpe, mas ele disse que não — respondeu ela.
— Então diga para ele que é tão ranzinza quanto os velhos da comissão, de quem
ele se queixa tanto. Até logo.
Carolyn desligou. Richard Hindon sacudia a cabeça como alguém que já perdeu as
esperanças.
— Srta. Lyle, só posso dizer que é muito mais tola do que eu imaginei.
— Sr. Hindon, muito obrigada pelas palavras, tão gentis! — Carolyn respondeu
educadamente e saiu.
CAPÍTULO V
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
estava com o maiô por baixo — e colocou-a na sacola. Depois prendeu os cabelos e pôs
uma touca de borracha.
Deu uma corrida até a água e, apesar do vento frio, tomou coragem e mergulhou.
Nadou até ficar cansada; depois ficou boiando, vendo as lanchas e veleiros ao longe.
De repente, lembrou-se dos sanduíches. Uma hora para almoço era muito pouco
tempo num dia como aquele. Queria ficar mais na água, mas com um suspiro foi saindo
do mar. Deu uma corrida até onde estavam as suas coisas. Tirou a touca, sacudiu os
cabelos e, sem ligar para o maiô molhado, pegou os sanduíches e começou a comer. O
sol a secou depressa. Começou a passar o pente pelos cabelos compridos quando, ao
virar a cabeça, reparou em alguém deitado a poucos metros. Parecia estar dormindo, à
primeira vista, mas reparando melhor Carolyn notou um leve sorriso em seus lábios.
Richard Hindon a seguira. Devia ter almoçado depressa no restaurante do hotel em
frente à praia, para depois vir ali, provocá-la!
E agora, como iria tirar o maiô? Ficou em pânico. Pegou a toalha e viu que ele
havia se aproximado.
— Srta. Lyle, apesar de o tempo estar lindo, e de você ficar bancando a sereia
provocante, as horas estão passando e é melhor aceitar uma carona minha para voltar ao
trabalho. Se quiser, pode acabar de pentear os cabelos no carro. Não quero que uma
funcionária minha perca a hora por vaidade.
Ela teve vontade de lhe atirar um punhado de areia, mas ele se afastou um pouco e
sentou-se, continuando a olhar para ela. Carolyn enrolou-se na toalha, mas não
conseguia se trocar sob o controle daquele olhar. Por fim ele percebeu a sua aflição e,
deitando-se, fechou os olhos; ou, pelo menos, fingiu que o fez.
Logo que ela ficou pronta ele se levantou e Carolyn disse, com raiva:
— Ainda quero trançar o cabelo.
Fez rapidamente duas tranças, prendeu as pontas e levantou-se, sacudindo a areia
das pernas.
Não conversaram durante a volta; o silêncio era constrangedor. Carolyn agradeceu
secamente e ele respondeu:
— Da próxima vez, procure prestar mais atenção à hora, senão pode se complicar
com o chefão... — Começou a rir e Carolyn saiu do carro, batendo a porta com força.
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— Carolyn, que cabelo lindo! Que cor maravilhosa. . . e como é comprido! Deve ter
demorado anos para ficar assim, não?
— É, foi.
A porta da frente se abriu e Richard Hindon entrou.
— Ah, Richard, aqui está uma jovem encantadora. Não que você chegue a reparar
em alguma jovem... — Riu para ele, parado na porta da sala.
O coração de Carolyn batia descompassado. Levantou os olhos, esperando
encontrar censura no rosto dele, mas para sua surpresa ele permanecia impassível.
— Boa noite, srta. Lyle — disse ele e virou-se para sair.
— Richard, eu estava dizendo a ela como tem cabelos bonitos. Você também não
acha?
— Eu... Bem. . . — Olhou então para Carolyn e, para satisfazer a irmã,
acrescentou: — É.
— Eu a acho muito bonita. Ah, quem me dera poder usar esse tipo de terninho.
Com um corpo como o seu, qualquer roupa cai bem.
— Acho que ela veio para cuidar das crianças, não para ficar ouvindo os seus
elogios! — observou Richard antes de virar as costas e sair.
— Puxa, meu irmão é, às vezes, bem desagradável! Acho que está precisando de
uma mulher para humanizá-lo um pouco, mas eu mesma sentiria muita pena de qualquer
moça que se apaixonasse por ele. — A porta estava aberta e Hilary falou mais alto de
propósito: — Se chegasse a abraçá-lo, seria como se estivesse abraçando uma pedra de
gelo. Talvez até menos emoção ainda! Pelo menos o gelo derrete com um pouco de
calor...
Uma porta bateu lá em cima. Carolyn perguntou:
— Mas ele não tem namoradas?
— Claro, teve alguns casos, mas todas largaram dele. — Baixou a voz e continuou:
— A secretária dele está fazendo planos, não percebeu? Mas se ela pensa que pode
fisgá-lo, está muito enganada, ele não é homem para ser pego desse jeito. Mas, querida,
vamos falar de coisas mais agradáveis: conte para mim como é esse seu primo fabuloso!
Carolyn contou por alto o que sabia de Shane.
— Negócios imobiliários, é? Ah, meu Deus, acho que logo vou começar a procurar
uma casa nova para ser cliente dele.
— Mas por quê? Seu marido quer se mudar também?
— Não, minha querida. — Riu da idéia. — Meu marido faz tudo o que eu quero. Ele
está no exterior, sabia? Só vai voltar daqui a alguns meses. É muito tempo. — Mas não
parecia triste por isso. — Sabe, logo vou dar uma reunião aqui e quero que você venha.
Traga Shane para eu conhecer.
Carolyn queria perguntar se o fato de ela ser casada não significava nada...
De repente ouviram um grito lá de cima:
— Mamãe!
— Hilary! — chamou Richard, irritado. — Helen está chamando! Você está surda?
— Uma porta bateu com força.
— Já estou indo, querida, e estou levando a moça que vai tomar conta de vocês...
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
Foram recebidas no alto da escada por uma garota gorducha de uns seis anos,
com o mesmo jeito extrovertido da mãe.
— Olá, Helen — disse Carolyn, estendendo a mão.
A menina deu-lhe um aperto firme e encarou-a com um olhar vagamente
interrogativo.
— Qual é o seu nome? — indagou a garota e Carolyn sentiu como se tivesse
passado num exame.
— Carolyn Lyle — respondeu e tocou de leve as duas trancinhas da garota. — Não
é engraçado nós duas estarmos usando tranças hoje?
— É verdade, mas você tem sorte porque as suas são mais compridas! Como é
que você conseguiu isso?
— Ora, é que eu fiquei puxando as duas até que ficassem do comprimento que eu
queria — respondeu Carolyn, rindo. A menina arregalou os olhos. — Estou brincando, é
que elas cresceram, só isso.
Um grito fez com que Hilary corresse para o dormitório das crianças.
— Querido, não esquecemos de você — disse ela ao filho. — Olhe só a moça linda
que veio ficar com vocês!
O menino escondeu o rosto no vestido da mãe e só olhou para Carolyn depois que
ela começou a conversar baixinho com ele. Carolyn levou um susto ao olhar para o rosto
do menino. Era uma miniatura perfeita de Richard Hindon!
— Oh, mas ele é lindo! — comentou com Hilary. — Como é engraçadinho! —
Sentia vontade de passar os braços à volta daquele menino e embalá-lo, mas limitou-se a
perguntar: — Como é o nome dele?
— Ele diz que é Basi. Na verdade chama-se Basil, mas não consegue ainda
pronunciar certo. Provavelmente vai chamá-la Caroly... Querido, Carolyn veio para ficar
com vocês enquanto eu estiver fora.
Hilary deitou o menino no berço e ele agarrou o colar da mãe e o puxou com força.
Hilary deu um grito e ele largou, rindo muito.
— Ah, ele é um danadinho, um danadinho mesmo — disse ela, dando um beijo na
criança.
— O tio Rich disse que ele é um demônio — comentou Helen atrás delas.
— Às vezes é mesmo, fica impossível quando quer alguma coisa.. .
Logo depois as crianças foram para a cama e ficaram quietas. Ao sair, Hilary
avisou Carolyn:
— Devo estar de volta lá pelas onze, está bem? Sua avó não se importa?
— Não, minha avó deita-se cedo todas as noites e nunca se preocupa comigo.
— Ótimo — respondeu Hilary e, logo em seguida, saiu.
A casa ficou tranqüila e Carolyn decidiu dar um passeio pelo jardim. Deu uma
olhada para a janela iluminada e sentiu-se observada, mas nada havia que comprovasse
isso. Entrou e ligou a televisão, mas não prestava atenção, o pensamento voltado para
Richard. Por fim, desligou a televisão e pegou um livro sobre administração de bibliotecas
que o sr. Cotes lhe emprestara.
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
Ligou outra vez a televisão para não ter que pensar, mas não adiantou nada.
Aquele sentimento de amor impossível não lhe saía da cabeça.
Fez café e ficou pensando se devia levar uma xícara para Richard. Resolveu que
seria melhor não, e ia voltando para a sala quando ele passou por ela no corredor,
praticamente sem vê-la.
Mais tarde olhou o relógio e achou que Hilary não deveria demorar. Deixou o livro
de lado e fechou os olhos.
Acordou assustada com alguém chamando o seu nome. Já passava da meia-noite
e Richard estava à sua frente, folheando o seu livro.
— Dormindo em serviço, srta. Lyle? Vou ter que contar à minha irmã.. .
— Ela já voltou?
— Não, ainda não.
— Ela disse que voltaria perto das onze.
— Vai ter que aprender que ela sempre demora umas duas horas a mais do que o
combinado.
Carolyn estendeu a mão e pediu:
— Por favor, quer me dar o meu livro?
— Será que está querendo me impressionar com esse livro? Onde é que o
conseguiu? Não é da biblioteca.
— É do sr. Cotes. Foi ele quem me emprestou.
— Ah, emprestou, não é? — Olhou para ela e perguntou, irônico: — O que existe
entre vocês dois?
— Não sei o que está pretendendo insinuar — respondeu ela, enrubescida. — Mas
com certeza não será nada lisonjeiro. . .
— Acho que sabe que ele é viúvo e tem quase vinte anos mais do que você.
— Sim, ele me disse, mas não há absolutamente nada entre nós dois.
— Do seu lado, talvez não, mas do dele... — Encarou-a e Carolyn sentiu-se como
um animal à venda. — Ele é bom demais para ser feito de tolo. Não ligo a mínima para os
seus sentimentos, mas ele já teve uma quota bem grande de sofrimentos. Espero que
tenha dito a ele que seu interesse está em outra direção.
— Não se preocupe, sr. Hindon, ele sabe tudo sobre minhas afeições...
— Puxa, já chegou a esse ponto?
— Não estou entendendo...
De repente, ele devolveu-lhe o livro e disse:
— Pegue o seu casaco, srta. Lyle, vou levá-la para casa.
— Não, obrigada — respondeu ela.
— Faça como estou dizendo.
— Não vou para casa. Fui contratada para fazer este serviço e vou fazê-lo. Vou
ficar aqui até que sua irmã volte; de qualquer modo, não podemos deixar as crianças
sozinhas.
— Não vai acontecer nada com elas só por dez minutos. Vou trancar tudo e, se
elas estiverem gritando quando eu voltar, dou um jeito de acalmá-las.
— Eu não vou, sr. Hindon — discordou ela, levantando-se e encarando-o.
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— À uma hora — respondeu ela, rindo. — Mas é que eu sabia que, mesmo que
você precisasse ir embora, Richard estaria lá.
Carolyn sorriu. Na verdade, Hilary nem se importava em saber como é que ela se
arranjaria para voltar sozinha e tão tarde para casa.
Assim que chegou à biblioteca, foi chamada à sala do diretor. Ficou desanimada. O
que seria desta vez? Richard não a convidou para sentar-se, apenas tirou algum dinheiro
da carteira e estendeu a ela, mas Carolyn, como uma criança prevenida, escondeu as
mãos atrás das costas.
Rossanna, ao lado de Richard, indagou com um risinho cínico:
— Para que é isso? Serviços prestados?
— Pelo amor de Deus, srta. Lyle, pegue isto — disse Richard, sem mexer um
músculo do rosto. — Minha irmã pediu que a pagasse pelos seus serviços de babá.
— É assim que esses "serviços" se chamam agora? — perguntou Rossanna.
— Sra. Harvey, pode ir. Se precisar, mando chamá-la — disse ele com um olhar
glacial.
Até a secretária se espantou com o tom de voz dele e saiu imediatamente da sala.
— Srta. Lyle, vamos começar tudo outra vez — falou Richard, estendendo
novamente o dinheiro. — Minha irmã sabe que isto é um pouco a mais do que
combinaram, mas lhe pediu que aceitasse, com os seus agradecimentos.
— Mas não era preciso. — Carolyn sabia que tinha que aceitar. — Foi muita
bondade dela.
Já estava perto da porta quando ele a chamou.
— Srta. Lyle, antes de sair, pegue este livro. Pode ajudá-la bastante, pois é melhor
do que o que o sr. Cotes lhe emprestou. Tem uma linguagem mais simples, mais fácil de
ser compreendida.
Carolyn estendeu as mãos como se estivesse recebendo um ramo de flores.
Imagine, ele estava lhe emprestando um dos seus livros, e também sobre bibliotecas!
— É muita bondade sua — disse ela, os olhos brilhando.
— Espero que essa leitura ajude a melhorar o seu serviço.
— Isso quer dizer que estou precisando melhorar? — perguntou ela, rindo.
— Não há dúvida quanto a isso — ele retrucou, pegando algumas cartas para ler e
indicando que ela podia se retirar.
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— Não, obrigada. Não estou com vontade hoje, mas gostaria de dar uma volta a
pé.
Shane fez uma careta.
— Meus pés não foram feitos para caminhadas! Mas não faz mal, você ganhou; só
que não vamos muito longe, certo?
— Que tal até a praia?
— Está bem — concordou ele. — Desta vez faço a sua vontade.
A praia estava quase deserta; apenas algumas pessoas passeavam ou levavam os
cachorros para uma volta. Shane segurou a mão de Carolyn que, de repente, disse:
— Estou com vontade de andar à beira d'água.
— Está ficando maluca?
Carolyn deu uns passos para trás e tirou os sapatos. Shane perguntou, rindo:
— Afinal, que idade você tem? Vinte e dois ou só dois?
— Se eu tivesse dois, você teria que vir comigo e segurar a minha mão.
Shane sentou-se na areia, reclamou da umidade e disse:
— Vá você molhar os pés que eu vou descansar aqui mesmo.
Carolyn deu uma olhada à volta e não viu ninguém por perto.
Havia apenas um homem debruçado na amurada, olhando para o mar. Ficou
tensa. Mesmo sem distingui-lo muito bem, sabia quem era. Ele não a viu e Carolyn
sentou-se depressa do lado de Shane, mas seu movimento despertou a atenção de
Richard Hindon, que olhou para ela com um ar severo, demonstrando exatamente o que
pensava.
— O que foi? — perguntou Shane, seguindo o olhar de Carolyn. — Ah, o chefão...
Não vai mais andar na água de medo que amanhã ele a despeça por conduta
indecorosa?
Carolyn ficou com raiva do desafio. Sim, ela havia ficado com medo por um
instante, mas não estava mais. Correu para a água e deixou-se molhar até os tornozelos.
Shane veio então até ela.
— Escute, querida, está ficando tarde. Já é hora de irmos embora.
— Ele já foi? — perguntou ela, sem olhar para trás.
— Não, ainda está ali. Deve haver alguma coisa neste pedaço de praia que prende
a atenção dele. Venha, seguro sua mão e a protejo, caso ele resolva atacar...
Carolyn obedeceu e os dois foram até onde ela havia deixado os sapatos. Shane
sentou-se na areia e ofereceu o lenço a Carolyn.
— Enxugue os seus pés com ele. Vou guardá-lo para o resto da vida.. .
— Ora, Shane, não seja bobo! — disse Carolyn rindo, tentando esquecer aqueles
outros olhos que pareciam tudo observar.
— É verdade, sou um bobo mesmo. Devia pedi-la em casamento. Você é linda,
inteligente e uma companhia maravilhosa. — Dobrou o corpo e beijou-a nos lábios.
Carolyn afastou-se imediatamente.
— Não faça isso!
— E por que não? Já fiz isso outras vezes. . . Está com medo do que o patrão
possa pensar? Talvez ele já tenha ido embora. — Olhou à volta. — Que nada, está
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grudado ali como um chiclete. O que podemos fazer para nos livrar dele? — Agarrou
Carolyn e beijou-a outra vez.
Ela lutou, conseguiu se soltar e sentou-se, o coração acelerado. Olhou para o outro
lado. Será que ele tinha visto?
Richard Hindon já se afastara: as mãos nos bolsos, a cabeça baixa, a própria
imagem da solidão.
CAPÍTULO VI
No dia seguinte, as coisas começaram mal desde cedo. Carolyn estava de plantão
no balcão e foi só depois de algum tempo que percebeu que havia errado a data do
datador. Contou para Sandra o que havia acontecido e a srta. Stagg chamou-lhe a
atenção.
Depois Carolyn exigiu a multa de um consulente que disse ter pedido por telefone
um novo prazo para devolver o livro. Ele começou a discutir e a srta. Stagg mandou Keith
White resolver o problema.
Richard Hindon entrou nesse instante e ficou ouvindo a discussão. O consulente,
lisonjeado pela presença do próprio diretor, contou novamente toda a história,
convencendo-o de que não tinha culpa.
Richard olhou sério para Carolyn e disse:
— Já é tempo de a senhorita se desculpar com o cavalheiro.
— Perdoe-me, sr. Cranley, mas é que eu sou nova aqui e ainda não conheço bem
o serviço.
Só que isso tornou as coisas piores ainda, pois depois que ele saiu Richard disse a
Keith:
— Em hipótese alguma deixe esta moça trabalhar novamente no balcão, até que
ela saiba toda a rotina de cor e salteado. Não podemos permitir que ela perturbe os
nossos consulentes outra vez.
— Sinto muito, senhor, mas tenho certeza de que expliquei direitinho todo o serviço
a ela.
Carolyn olhou zangada para ele, mas Keith se dirigia ao chefe com tamanha
subserviência que sua raiva aumentou. Ela nunca se rebaixaria assim...
— Sinto muito, senhor, reconheço que errei. Todo mundo tem o direito de errar às
vezes — ela falou. E quase acrescentou: até mesmo a sobrinha do presidente...
A srta. Stagg piorou ainda mais as coisas.
— Sr. Hindon, ela bateu os cartões com a data errada desde hoje cedo —
informou-o, sacudindo a cabeça.
Carolyn olhou para ela de cara feia, mas pouco adiantou. O que estava
acontecendo? Parecia um complô contra ela!
Afastou-se para deixar a srta. Stagg passar e derrubou uma pilha de livros que se
espalharam pelo chão. Todos à volta viraram a cabeça para olhar e Carolyn abaixou-se
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rapidamente para apanhá-los antes que Richard Hindon a mandasse. Todos os outros se
afastaram.
Carolyn arrumou os livros numa pilha e olhou à volta. Será que Richard já havia
saído? Não, ele ainda estava ali. Keith aproximou-se dela e disse-lhe que o diretor havia
dado ordens para ela ficar apenas arrumando as estantes, onde dificilmente criaria
problemas.
— Mas pode apostar que eu vou tentar arranjar algum. . . — respondeu ela,
zangada, desaparecendo por entre as prateleiras.
Começou pela seção de ficção. Colocou os livros em ordem, anotando os seus
números de classificação, e chegou à seção de livros sobre xadrez. Só a visão dessa
palavra fez com que ela se encolhesse e seguisse adiante, pois se lembrou de Richard.
Algo, porém, a levou a voltar atrás e tirar um volume da prateleira. Folheou o livro,
reparando nos desenhos e números, que para ela eram tão estranhos. De repente sentiu-
se como uma presa observada pelo caçador. Levantou os olhos e deu com Richard a
encará-la fixamente. Abafou um grito de susto. Fora pega em falta outra vez e tinha que
enfrentá-lo de novo!
Ele chegou perto e disse, num sussurro quase inaudível:
— Então, srta. Lyle, mais uma vez está cometendo o pecado imperdoável de ler
durante o serviço!
Carolyn prendeu o fôlego. Agora era mesmo o fim, ele conseguira um motivo justo
para denunciá-la! De que modo o faria?
Quis se desculpar, mas não conseguiu dizer uma palavra. Entregou o livro para a
mão que ele estendia. Só levantou os olhos ao perceber que Richard fechava o volume.
Surpreendeu-se ao ver que estava sorrindo de verdade. Ele, então, disse baixinho:
— Depois me lembre de lhe emprestar um livro sobre esse assunto. Talvez você
chegue a jogar suficientemente bem para ser minha parceira. Mas agora volte já para o
trabalho!
E ela foi correndo...
Naquele mesmo dia, à tarde, Carolyn empurrava um carrinho cheio de livros
quando foi abordada por uma consulente pedindo uma informação.
— Tenho um neto que está de cama, não agüenta mais ficar sem fazer nada, e eu
queria levar um livro para ele — disse ela.
— Oh, coitado! — Carolyn penalizou-se. — E que tipo de livro prefere? — A
senhora não entendeu e Carolyn continuou: — Quero dizer, ele tem preferência por algum
assunto? Tem algum passatempo? Xadrez, por exemplo? — Mas logo se arrependeu da
sugestão.
— Perfeito — disse a velha. — Acho que ele gostaria muito, mas tem que ser um
livro fácil, para que possa entender.
Carolyn começou a pensar que havia se metido numa encrenca. O que sabia sobre
xadrez? Depois se lembrou de Richard Hindon. Ele poderia aconselhar à consulente qual
o melhor livro.
Carolyn nunca imaginou que poderia estar quebrando o regulamento ao ligar o
telefone interno para o escritório do diretor.
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
Primeiro a secretária atendeu e depois Richard. O tom seco dele não inibiu
Carolyn, nem mesmo quando se seguiu um silêncio prolongado depois que ela explicou o
que queria. Carolyn voltou a falar e só se calou ao ouvir uma explosão do outro lado:
— Então você não sabe que isso não me compete? Meu serviço é administrar e
não dar conselhos a consulentes! Para que serve o guia do leitor? Para isso mesmo:
aconselhar e sugerir. Esse é o seu trabalho, não o meu! — concluiu ele, furioso.
Carolyn não conseguiu se controlar. Esqueceu de onde estava e com quem estava
falando. Explodiu também:
— Sabe qual é o seu problema? É que vive tão fora da realidade que não
consegue descer ao nível das pessoas normais e comuns. Tranca-se na sua torre de
marfim, cego e surdo para tudo o que acontece aqui embaixo, recusando-se a se misturar
conosco, simples mortais...
Richard interrompeu-a, incisivo:
— Já chega, srta. Lyle. Diga à consulente que já vou descer.
Escutou o telefone bater e caiu em si. Apavorada, dirigiu-se à senhora e avisou que
o diretor logo desceria. Agarrou o carrinho com os livros e saiu correndo por entre as
estantes até o outro lado do salão. Se pudesse, se enfiaria numa das prateleiras e ali
ficaria escondida até que ele voltasse para a sua sala.
Viu-o atender com gentileza a consulente e ouviu quando ela disse, admirada:
— Que ótimo! Este deve ser bem fácil, pois até eu estou entendendo!
Richard riu junto com ela e carimbou-lhe o livro, fazendo com que ela ficasse ainda
mais satisfeita. Carolyn sentiu-se mais aliviada, imaginando que talvez ele não estivesse
tão zangado; mas logo mudou de idéia, ao ouvir seus passos procurando por ela entre as
estantes e acabando por encontrá-la meio escondida num canto.
— Saia daí, srta. Lyle! — ordenou ele.
Carolyn foi saindo de mansinho, meio encolhida, como uma criança que pedisse
perdão. Pelo olhar dele, viu que não adiantava nada.
— Vá para a minha sala!
Ela obedeceu e seguiu-o escada acima. Richard parecia ter dificuldade para
respirar. Finalmente disse:
— Vamos esclarecer uma coisa de uma vez por todas! Se eu souber de mais uma
grosseria de sua parte, vai dar o fora... o fora deste prédio tão depressa como nunca
aconteceu antes em sua vida! E não volta nunca mais...
— Sr. Hindon, eu... só queria ajudar — gaguejou ela. As lágrimas escorriam pelo
seu rosto, mas não o sensibilizaram.
— Não admito tal atrevimento de nenhum membro da minha equipe, ainda mais da
senhorita, que tem um diploma universitário e desfruta de uma posição social privilegiada.
Vai ser despedida, está entendendo bem?!
Carolyn perdeu o controle e revidou:
— Tudo bem! Expulse-me, então! É isso o que queria desde o começo, não é
verdade? Esta é uma boa oportunidade, não deve ser perdida. Afinal, desafiei a sua
autoridade! — As lágrimas continuavam correndo-lhe pelo rosto. — Vamos, por que não
me despede?
Ele não disse nada. Ela continuou, furiosa:
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— Está bem, vou satisfazer o seu desejo! Vou entregar o meu pedido de
demissão...
Hindon contra-atacou:
— É isso aí! Eu sabia que você ia acabar desistindo outra vez! Sua vida deve estar
cheia de projetos abandonados. Primeiro o de ser professora, e agora este... É mais um
desafio que você não enfrentou!
Carolyn percebia agora onde ele queria chegar. O que diriam os outros quando
soubessem que ela havia pedido demissão? Começou então a soluçar.
— Só porque eu quis ajudar uma pobre senhora... — sua voz saiu abafada. — O
senhor sabe tanto sobre xadrez. . . Foi a primeira pessoa de quem me lembrei e imaginei
que gostaria de ajudá-la...
Depois de um estranho silêncio ele segurou o queixo de Carolyn, ergueu-lhe o
rosto, olhou para ela e disse com suavidade:
— Pode parar de bancar a mártir, de ficar judiando do meu coração... É melhor
voltar ao trabalho, mas antes enxugue as lágrimas, que o público pode pensar que andou
lendo um romance muito triste.
Carolyn sorriu-lhe e recompôs-se.
Rossanna apareceu na porta e, pelo seu tom irônico, devia ter escutado a maior
parte da discussão.
— Perdoe-me, Richard, mas foi culpa minha. Não devia ter passado a ligação para
você.
Carolyn pensou que ele fosse concordar, mas Richard respondeu:
— Eu também sou culpado, devia ter desligado assim que vi quem era.. .
Carolyn levantou-se com ódio e saiu batendo a porta.
Era o fim de um dia desastroso. Carolyn procurou dentro de sua sacola o livro que
o sr. Cotes lhe emprestara. Bateu na porta e ele mesmo veio atendê-la.
— Já não deveria estar indo para casa, srta. Lyle?
— Sim, mas quis devolver o livro primeiro.
— Espero que ele a tenha ajudado um pouco.
— Claro, e obrigada por ter me emprestado.
— Sente-se um pouco. Não está com pressa, está?
— Um pouquinho, sim. Pearl está me esperando lá embaixo.
— Oh, que pena! — Ele pareceu desapontado. — Bem, então...
Richard Hindon entrou na sala e olhou para os dois.
— Espere um minuto só, Richard. — O sr. Cotes acompanhou Carolyn até a porta,
olhou primeiro para o relógio e depois para ela. — Escute, será... será que vai estar
ocupada esta noite?
— Bem, eu ia lavar a cabeça, mas isso pode esperar. Por quê?
Ele parecia muito hesitante, talvez pela presença de Richard e ela desejou poder
ajudá-lo.
— Bem, é que eu estava pensando... nós podíamos fazer como no outro dia, jantar
em algum lugar...
— Jantar não dá, sr. Cotes, minha avó espera por mim.
— Depois, então? Podíamos ir a um teatro ou a um cinema, que tal?
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Ela sorriu.
— Seria ótimo. — Combinaram o lugar de encontro e ela se despediu: — Boa
noite, sr. Cotes. Boa noite, sr. Hindon.
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Ela o olhou, pensando que estivesse brincando. Então percebeu que ele falava
sério.
Graham levou-a para casa e, na hora de se despedir, Carolyn não sabia o que
dizer. Se lhe desse um beijo, ele ia saber que era por pena. Por isso limitou-se a apertar-
lhe a mão.
— Você é uma garota maravilhosa — sussurrou ele e Carolyn ficou comovida. Saiu
do carro e ele foi embora.
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Assustada, Carolyn viu que todas as pessoas se viravam para ver quem fazia
tamanha gritaria dentro da biblioteca. O menino, aos saltos, querendo se livrar da alça
que o prendia ao carrinho, não parava de gritar o nome de Carolyn.
— Basil, você vai aborrecer o tio Rich. Olhe ele ali! — disse Helen, apontando para
Richard.
O menino, ao ver o tio, aprontou nova gritaria, desta vez chamando por ele:
— Tio Rich! Tio Rich!
Richard atravessou a sala em poucos passos e perguntou, zangado com a irmã:
— O que veio fazer aqui?
— Vim só perguntar a Carolyn se...
— É melhor irmos para a minha sala — sugeriu ele. — A srta. Lyle também. — Mas
o menino só ficou quieto quando o tio o pegou no colo e disse: — Agora fique quieto, seu
moleque!
Na sala, Basil começou a engatinhar e enfiou-se debaixo da mesa do tio.
Rossanna Harvey entrou e exclamou, surpresa:
— Que gracinha de criança! — Estendeu os braços, mas Basil escondeu o rosto no
colo de Carolyn.
— Queria alguma coisa, sra. Harvey? — perguntou Richard.
— Pensei que talvez precisasse de ajuda! — respondeu ela.
— Eu acho que consigo me defender, Rossanna. Se precisar, pedirei ajuda... —
Esperou que a secretária se retirasse e disse: — Bem, do que se trata, Hilary? Diga logo
e vá embora. Assim as coisas aqui voltam ao normal!
— Desculpe-me, Richard. Parece que eu estou sempre atrapalhando. . . — Pelo
seu tom de voz, parecia estar aborrecida.
Carolyn não entendia como é que ela agüentava um irmão com tamanho mau
humor.
— É por causa das crianças. Alguns amigos vêm me apanhar amanhã depois do
almoço para irmos à cidade. Depois vamos jantar, em seguida iremos ao teatro. Sei que é
meio em cima da hora, mas será que você poderia ficar com eles, Carolyn? Na parte da
tarde a minha vizinha se incumbe disso.
— Pode contar comigo, Hilary. É o meu sábado de folga, posso ir logo depois do
almoço, se você quiser.
— Querida, que maravilha! — Os olhos de Hilary brilhavam. — Richard vai sair, por
isso a casa será só de vocês. E, olhe, na semana que vem vou dar uma reunião e
gostaria que você viesse. Traga também aquele seu belo namorado.
— Qual deles? — perguntou Richard.
Hilary estranhou e Carolyn respondeu depressa:
— Acho que Shane gostaria muito de ir, muito obrigada.
— Bem, então vou andando — disse Hilary, pegando Basil, que tirava alguns livros
de uma estante.
— Srta. Lyle, por favor, arrume esses livros — disse Richard. — Eu acompanho
minha irmã até a saída.
Carolyn notou o olhar de pena de Hilary quando a viu se abaixar para fazer o que
Richard mandara. Recolheu os livros e desceu.
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No dia seguinte, Carolyn foi para a casa de Hilary, logo depois do almoço.
Encontrou-a na cozinha.
— As crianças costumam tomar chá às cinco horas. Richard saiu e também vai
jantar fora, você não precisa se preocupar com ele — disse ela.
Depois que Hilary saiu, Carolyn ficou com as crianças no jardim. Enquanto os dois
brincavam no balanço, sentou-se numa cadeira ao sol, sentindo que as preocupações
acumuladas nas últimas semanas começavam a desaparecer. Cada vez que pensava em
seu amor por Richard, tentava distrair-se com outra coisa. Mas era difícil, logo ali, sentada
bem embaixo da janela do quarto dele.
As crianças se cansaram da brincadeira e entraram. Carolyn seguiu-os quando
subiram e, encontrando a porta aberta, entraram no quarto do tio. Basil começou a pegar
algumas coisas e a jogá-las no chão.
— Basil, não faça isso! Seu tio não vai gostar.
— O tio Rich vai demorar um tempão para voltar — disse Helen. — Ele nunca fica
em casa aos sábados.
Basil agarrou uma pilha de discos e Carolyn, num esforço para segurá-los, acabou
derrubando um tabuleiro de xadrez e todas as peças no chão.
— O tio Rich vai ficar louco da vida. Uma vez eu derrubei isso e quase levei uma
surra. . .
Carolyn ajoelhou-se e começou a apanhar as peças, com a ajuda da garota.
— Vamos guardar tudo e esperar que ele não perceba — disse ela.
— Não perceba o quê? — perguntou Richard, que acabara de chegar. Ali estava
ele, na soleira da porta, a testa franzida. — O que está acontecendo? Isto é território
proibido. — Olhou para Carolyn ajoelhada no chão. — E você, o que está fazendo aí?
— Tio, juro que não fui eu! — disse Helen, apavorada, encostando-se na parede.
Carolyn ficou onde estava, segurando uma rainha branca.
— Mas o que aconteceu? Será que não pode explicar, srta. Lyle?
Carolyn não conseguia abrir a boca, e Basil acabou dizendo:
— Tio, foi a Caroly, foi a Caroly...
— Mas o que foi exatamente que ela fez? — perguntou ele. De repente notou as
peças espalhadas no chão e o tabuleiro encostado na perna de uma cadeira. — Ah, estou
percebendo... — disse, avançando com as mãos nos bolsos. — Então é ela quem merece
uma boa surra?
— Ora, o que é isso? — protestou Carolyn, indignada. — Eu tinha que escolher
entre o xadrez e seus discos!
— Ah, sei... Então, sem surras? — Richard riu, sacudindo a cabeça como ela e
afastou-se, dizendo: — É uma pena... — Sentou-se, pôs o tabuleiro sobre a mesa e
começou a colocar as pedras no lugar. — Bem, acho que é isso.
— Mas consegue se lembrar do lugar em que estavam todas elas? — perguntou
Carolyn, assombrada.
— Claro, todos os bons jogadores se lembram.
— E se o tabuleiro cai no meio de uma partida?
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— Mas, com o marido viajando, ela deve se sentir muito sozinha, coitada!
— Sozinha? Não desperdice a sua piedade! Minha irmã foi mimada desde que
nasceu, primeiro pelos meus pais e depois pelo marido, que tem idade bastante para ser
pai dela. Ele a adora, é isso mesmo... Só pensa nela. Mas a ironia de tudo é que Hilary só
pensa nele como a pessoa que lhe dá tudo o que ela quer. Apenas isso, e o coitado não
vê nada, acha que ela é perfeita! Essa convivência tão íntima com eles levou-me a pôr de
lado definitivamente a idéia de casamento.
Carolyn sentia vontade de chorar. Controlou-se o melhor que pôde e perguntou:
— Como é que você pode ser tão amargurado? Como pode pensar isso de sua
própria irmã? Meu tio gostava tanto da irmã, minha mãe, que quando ela morreu ele se
dedicou a mim de corpo e alma, dando-me tudo o que ela poderia desejar, se estivesse
viva.
Richard permaneceu calado por algum tempo e depois disse, sincero:
— Sua mãe deve ter sido um anjo!
— Era mesmo, e foi uma pena eu não ter puxado a ela.
— E agora, quem é que está sendo amarga?
— Não estou sendo amarga, estou apenas sendo sincera.
Seus olhos se encontraram por um instante e Carolyn baixou os seus com um nó
na garganta. De repente, Helen gritou:
— Carolyn, Basil está chorando. Acho que ele está sentindo alguma dor.
Carolyn largou o livro e subiu correndo. O garoto gritava, desesperado. Ela tirou-o
do berço, acariciou-o e perguntou o que estava sentindo. O garoto, porém, não dizia
nada.
Richard trouxe um copo d'água. Carolyn sentou-se com o menino no colo e
ofereceu-lhe a água. Ele sacudiu a cabeça, sem dizer nada.
Algum tempo depois, Carolyn perguntou:
— Será que ele dormiu?
Richard baixou a cabeça para olhar e, sem querer, tocou de leve nos cabelos de
Carolyn. Ele fez que sim com a cabeça e ela voltou a colocar o garoto no berço.
Depois que Richard saiu do quarto, ela esperou um pouco e também saiu,
devagarinho. Voltou para a sala, mas já não encontrou ninguém.
CAPÍTULO VII
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Meu Deus! Meia-noite e meia! — Ele fechou a porta e ficou parado na frente
dela, a jaqueta nos ombros, a camisa aberta ao peito, um ar de cansaço pouco comum no
rosto. — O que minha irmã está pensando? Você ficou com os filhos dela a tarde toda e
parece que vai ficar a noite toda também! Só por curiosidade, quanto é que ela está lhe
pagando?
Carolyn não respondeu de pronto, mas logo depois, evitando os olhos dele, disse:
— Nós duas tratamos o preço e ambas ficamos satisfeitas.
— Isso quer dizer que não é da minha conta, não é? — Cruzou os braços e
acrescentou: — Deve ser tão pouco que você está até com vergonha de me contar.
Isso fez com que ela acordasse e respondesse, seca:
— Se insiste em saber, eu estou fazendo isso de graça.
— O quê? Deve estar louca! Será que está fazendo isso para me impressionar,
srta. Lyle?
— Não seja ridículo! — exclamou ela, furiosa. — Só lhe contei porque insistiu.
Nisso o telefone tocou e Richard disse:
— Será que é a sua avó?
— Não pode ser, ela foi passar o fim de semana fora. — Seguiu Richard até a
entrada e ouviu-o atendendo.
— Quem? Hilary? Ouça, o que é que... — Olhou para Carolyn. — É claro que ela
ainda está aqui, mas está quase dormindo. O quê? — Virou-se e passou o fone para
Carolyn, dizendo: — Ela insiste em falar com você. Precisa prestar atenção ao que diz,
acho que está meio alta.
— Hilary?
— Querida, sinto muito, mas vai ser impossível voltar para casa hoje. Você vai ter
que pedir a Richard que a leve para casa outra vez. Eu ainda estou na cidade. Fomos a
uma boate e decidimos dormir neste hotel. Vou voltar amanhã, na hora do almoço, e
Richard vai ter que ficar com as crianças até lá. Você pode ir para casa, querida.
Richard cochichou:
— Conte a ela sobre o menino.
Mas Carolyn sacudiu a cabeça e ele tentou tirar-lhe o fone da mão. Resolveu,
então, concordar.
— Olhe, Hilary, o Basil andou se queixando de dor na barriga...
— Oh, não! Então ele pegou da Helen? Sabia que ia acontecer isso...
Richard estava perto e escutou o que a irmã dizia. Então comentou:
— E ela saiu assim mesmo...
— Bem, paciência, Richard vai ter que dar um jeito, se for preciso — disse Hilary
do outro lado.
— Mas, Hilary...
— Carolyn, acabei de pensar uma coisa. Será que você não poderia dormir aí, no
caso de Basil piorar? Você pode dormir na minha cama e usar as minhas coisas. E a sua
avó, será que ela ficaria preocupada?
— Bem, não, ela saiu e...
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Minha querida, se está preocupada por causa de Richard, não precisa ter medo
de ficar sozinha com ele! É um solteirão tão inveterado que, se uma mulher lhe pedisse
para ser beijada, ele não saberia por onde começar. — Deu uma gargalhada. — Então
você fica, está bem? Acho que assim resolvemos tudo. . . Eu a vejo de manhã. Pegue
uma camisola e uma toalha. Agora preciso desligar. Obrigada.
Carolyn colocou o fone no gancho, mas não levantou os olhos.
— Isso está fora de cogitação — disse Richard. — Vou levá-la para casa.
Ouviram, então, um grito.
— É Basil! — exclamou Carolyn, já subindo a escada.
Encontrou o menino gemendo e pegou-o no colo. Aos poucos, ele pareceu
melhorar, até que finalmente se acalmou. Carolyn colocou-o de novo no berço e saiu.
Ao voltar para a sala, olhou ansiosa para Richard e disse:
— Não tenho a menor idéia do que o menino tem, mas pode ser sério. Talvez, até
apendicite. Preciso ficar aqui, sr. Hindon.
— Bem, a decisão é sua. Ouviu o que a minha irmã disse. — O sorriso era um
desafio. — Ela lhe assegurou, com a certeza das irmãs, que eu sou assexuado, neutro.
Está a salvo comigo, não é verdade? — Foi andando em direção a ela. — A não ser que
queira fazer uma experiência, que pode resultar em algo exatamente oposto ao que Hilary
afirmou! — Parou na frente de Carolyn, as mãos na cintura, um ar tão perigoso e tão
atraente que lhe custou responder:
— Eu... eu vou subir. Por favor, qual é o quarto dela?
Subiram juntos, e ele apontou.
— Aquele ali. — Deu-lhe um sorriso. — Espero que você goste da lingerie de
Hilary. Você pode não ter formas tão voluptuosas quanto ela, mas tem um belo corpo e
vestirá bem a camisola. Boa noite. — Virou-se e foi embora.
Carolyn olhou à volta do quarto de dormir. As luzes suaves enfatizavam a
decoração em tons de dourado. Procurou uma camisola e viu que todas eram
transparentes. Era sobre isso que Richard havia falado! Pegou uma toalha limpa, foi ao
banheiro e, na volta, vestiu uma delas. Escovou os cabelos e prendeu-os com uma fita.
Deitou-se mas não conseguiu dormir, pensando nele. Depois de muito tempo caiu num
sono profundo e acordou com alguém tocando o seu ombro. Viu as luzes acesas e
Richard debruçado sobre ela.
— Carolyn, é Basil. Não para de chorar, acho que está doente. Será que você
poderia vir?
Carolyn sentou-se, esquecendo a camisola, preocupada apenas com os gritos do
menino. Olhou para Richard e acabou de acordar. Puxou o cobertor até os ombros e
perguntou:
— Não há um penhoar por aí que eu possa usar?
— Todos são tão transparentes quanto essa camisola. Tome o meu robe, que eu
arranjo um casaco — disse ele.
Richard saiu e Carolyn vestiu o robe, amarrando bem na cintura. Correu para o
quarto de Basil, mas chegou tarde demais. O menino estava em meio à maior sujeira.
Tinha vomitado tudo o que comera; estava pálido e abatido. Ela pegou a criança do berço
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
e entregou-a a Richard; então providenciou outro pijama, tirou os lençóis sujos e colocou
outros limpos. Depois pegou o menino no colo e embalou-o. Basil olhou para ela e
encostou a cabecinha em seu ombro, junto dos seus cabelos despenteados.
— Basi gosta de Caroly — disse ele. — Basi gosta do tio Rich.
Por fim, Carolyn percebeu que ele caiu num sono profundo e, pela última vez na
noite, colocou-o no berço.
No corredor meio escuro, Richard segurou o braço dela. Ergueu a mão e tocou-lhe
o rosto, falando baixinho:
— Carolyn, obrigado por tomar conta do meu sobrinho com tanta paciência e
devoção. Você quase restaurou a minha fé nas mulheres.
Carolyn olhou para o rosto dele, tão perto do seu.
— Boa noite, Carolyn — ele sussurrou.
— Boa noite, senhor... — Um dedo encostou em seus lábios e ela escutou um
"não". — Boa noite, Richard — disse então.
Richard baixou a cabeça e ela sentiu que ele afundava o rosto em seus cabelos.
Suas pernas ficaram bambas.
No instante seguinte ele largava seus cabelos e, com as mãos em seus ombros,
empurrou-a para o quarto. Fechou a porta e foi embora.
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Sr. Hindon, não está sendo justo comigo. Nunca faço nada certo para o senhor.
Por mais que eu tente, nunca é o bastante e, mesmo as coisas que eu gosto e sei fazer, o
senhor não deixa. — As lágrimas corriam-lhe pelo rosto. — Está se vingando de mim,
apenas por eu ser quem sou. Tem tanto preconceito contra mim que só vê erros em tudo
o que faço. Não acho certo que alguém em sua posição possa prejudicar tanto uma
funcionária!
— Agora chega, srta. Lyle! — Seu tom furioso fez com que ela caísse em si. —
Perder o controle e começar a chorar não vai ajudá-la em nada. Se parasse com isso e
conseguisse ser mais equilibrada, perceberia que é você quem está vendo as coisas por
uma ótica pessoal, e não eu. Você pode ter um diploma universitário, mas aqui não passa
de uma funcionária subalterna. Tem um mundo de coisas para aprender e não é
interessante nem para você nem para o resto do serviço da biblioteca que faça um
trabalho apenas porque gosta dele, quando, por sua falta de experiência, é incapaz de
executá-lo corretamente. — Carolyn enxugou os olhos. — Por isso pare de questionar a
minha parcialidade e o meu senso de justiça e peça desculpas.
E foi o que ela fez, gaguejando.
— E lembre-se de mais uma coisa, srta. Lyle. Sou eu quem manda aqui, e você,
como todos os outros, recebe ordens de mim, quer goste ou não. — Voltou a concentrar-
se em seu trabalho. — E muito obrigado por devolver o meu livro.
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Carolyn foi à festa com um vestido amarelo, sem mangas. Fez um penteado
diferente, que lhe dava ao mesmo tempo um ar sofisticado e inocente.
Ficou ao lado de Shane, na sala de Hilary, ouvindo a conversa e bebendo um
sherry. Hilary só tinha olhos para Shane, namorando-o abertamente; ele se deliciava com
isso. Carolyn preferia que eles fossem mais discretos e, cada vez que a porta se abria,
temia que fosse Richard. Mas o tempo foi passando e ela começou a achar que ele não ia
aparecer. Hilary aproximou-se e disse:
— Há uma pessoa que não vai nos incomodar, Carolyn. Adivinhe quem? Meu
querido irmão, que detesta festas e mais ainda os meus amigos.
Carolyn sentou-se no sofá, desapontada. Olhava para fora, para o jardim, e sentiu
uma enorme vontade de ir até lá. Ia se levantando quando sentiu que alguém lhe
segurava o braço. Virou-se e deu com um rapaz de calças cor-de-rosa.
— Onde pensa que vai, linda mocinha? — perguntou ele e Carolyn estranhou, pois
era muito jovem. — Seja onde for, posso ir junto? — Percorreu, então, com os olhos todo
o corpo de Carolyn.
— Mudei de idéia — disse ela, procurando Shane com os olhos, mas ele estava
conversando com uma outra moça.
— Aquela moça para quem você está olhando é Jane. É uma artista, como eu, só
que não sei quem é o novo amigo — disse o rapaz.
— Aquele é Shane, um amigo meu.
O rapaz examinava Carolyn dos pés à cabeça.
— Você tem alguma coisa que eu gostaria de prender... Na tela, na tela, claro! — E
caiu na risada.
— Carolyn, o seu Shane é maravilhoso! — comentou Hilary, que se aproximara
deles. — Jonathan, meu querido, há quanto tempo está aqui? — perguntou ela,
estendendo-lhe as mãos.
— Há anos... anos... mas encontrei um anjo. — Hilary afastou-se e Jonathan
continuou: — E esse cabelo? Que cor! — Encostou-se em Carolyn e passou o braço pela
cintura dela que, na ponta do sofá, não tinha mais para onde fugir.
— Querida, solte os cabelos para mim — disse o rapaz. — É o artista quem pede.
Seus cabelos soltos devem ser lindos!
— E são mesmo, especialmente às três da madrugada — concordou com ironia
alguém atrás deles.
Carolyn escapou do braço de Jonathan e olhou zangada para Richard, encostado
na parede, bem à vontade, um copo na mão. Parecia estar ali há bastante tempo.
Até mesmo Jonathan pareceu perder o jeito com o duplo sentido das palavras que
ouvira. Afastou-se depressa, dizendo:
— Oh, meu Deus, aconteceu outra vez! Ela é sua mulher ou coisa parecida? —
Indicou o lugar no sofá para Richard e sumiu.
Richard sentou-se e desculpou-se:
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— Bem, ela é meio da casa, sabe como é... Desculpe, mas deixe-a em paz, está
bem?
— Ah... estou percebendo. Tudo bem, camarada, não quero mesmo me meter...
Alguns homens têm sorte demais...
Carolyn ouviu os passos de Jonathan descendo a escada. Em seguida, Richard
bateu na porta do banheiro e disse:
— Está tudo bem agora, srta. Lyle, pode sair.
Carolyn abriu a porta e tentou passar por ele, mas foi impedida.
— Para onde vai?
Ela se desvencilhou dele e entrou no quarto de Hilary.
— Vou para casa.
— Com o seu namorado?
— Não.
— Sabe que o último ônibus já passou?
— Não faz mal, vou andando.
— Vou pegar o carro e levo você.
— Não entraria no seu carro nem que tivesse que andar mil quilômetros! — disse
Carolyn descendo a escada depressa e saindo pela porta da frente.
Richard vinha logo atrás. Ela começou a andar mais depressa até que um carro se
aproximou.
— Entre! — gritou Richard, mas ela o ignorou, continuando a caminhar. — Vou
enfiar você de qualquer jeito dentro deste carro, mesmo que pensem que seja um rapto.
— Ela parou. — Agora, entre aí.
Carolyn obedeceu e sentou-se num canto, enfezada. Ao parar em frente à casa
dela, Richard disse baixinho:
— Boa noite, Carolyn.
Ela não respondeu, abriu a porta depressa e saiu correndo. Se tivesse respondido,
ele perceberia que estava chorando.
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CAPÍTULO VIII
Austin Bullmann nem sequer bateu à porta para anunciar a sua chegada. Foi
simplesmente entrando e não percebeu de pronto a presença da sobrinha. Podendo
observá-lo sem que ele soubesse que estava ali, Carolyn levou um choque ao constatar:
se não fosse seu tio, certamente não gostaria dele. Na verdade, não tinha a menor
afinidade com o tio, que vivia atravessando a vida dos outros e impondo suas idéias e
opiniões.
Ele cumprimentou secamente o diretor, que respondeu na mesma moeda. Depois
olhou à volta, irritado, procurando uma cadeira, e deu com a sobrinha.
— Minha querida! — exclamou, dirigindo-se a ela. — O que houve? Você está
doente?
Carolyn olhou para Richard como se pedisse instruções, mas ele estava de cabeça
baixa.
— Eu... eu caí, tio. — Viu que precisava explicar melhor e continuou: — Estava em
cima de um banquinho e escorreguei.
— Já chamou um médico? — perguntou Austin a Richard, com ar de acusação.
— A srta. Lyle achou que era desnecessário.
— Mas o senhor é quem devia decidir, já que é o encarregado, não é verdade?
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— Sua sobrinha é adulta, não posso forçá-la a ver um médico se ela não quiser.
Austin Bullmann então perguntou:
— E por que ela está aqui? Será que não há um lugar mais confortável...
— Infelizmente não temos uma sala que possa ser usada numa emergência como
esta. Não temos nem mesmo uma sala para os funcionários. Eu já levantei o assunto uma
porção de vezes, já sugeri a reforma de várias salas e mesmo a construção de uma, nos
fundos. Mas minhas sugestões nem chegaram à comissão. Como tantas outras idéias
minhas, o senhor as vetou sem se dar ao trabalho de considerá-las.
Austin deu uma olhada na direção de Carolyn, viu que ela estava de olhos
fechados e tomou uma decisão. Puxou a cadeira que Richard lhe oferecera, tirou alguns
papéis da pasta e espalhou-os em cima da mesa do diretor.
— Recebi há pouco sua lista de sugestões para a reunião de hoje. Com esta aqui,
anistiando as multas dos consulentes para que devolvam os livros atrasados, não
concordo de jeito nenhum.
Richard também reparou que Carolyn continuava de olhos fechados e respondeu:
— Vereador, eu encaro o meu trabalho como o de um educador, não o de um
policial. Se conseguirmos persuadir os que deixaram de entregar os livros a fazerem tal
coisa sem medo de serem punidos, o serviço andará melhor e o pessoal todo terá mais
boa vontade conosco.
Austin sacudiu a cabeça.
— Não acho que esse seja o caminho certo. O único meio para se conseguir
alguma coisa é com ameaças, assim todo mundo se mexe. Pode acreditar no que digo.
Richard parecia estar fazendo um enorme esforço para se controlar.
— E olhe para todos esses itens! — continuou o vereador. — Você quase não quer
nada, não? Um elevador de livros para economizar tempo e esforço, iluminação mais
adequada para a biblioteca circulante, um sistema de aquecimento mais eficiente,
aumentar o período de empréstimo de duas para três semanas, mais funcionários... E
para quê, posso saber?
— Sim, pode. Tem que levar em conta o fator crescimento. Uma boa biblioteca,
eficiente e viva, está sempre crescendo. E esta cresceu demais, mesmo antes de eu vir
para cá. Se não tivermos mais funcionários, não poderemos operar com eficiência, nem
agora nem no futuro.
— Ora, deixe de bobagens, rapaz! Na minha opinião, você tem todos os
funcionários de que necessita. Esta biblioteca vem funcionando a contento há muito
tempo e vai continuar assim por muitos anos ainda, sem precisar de mais gente. Ninguém
vai me convencer de que suas idéias modernas são melhores do que as antigas, já
testadas e aprovadas. — Levantou-se, preparado para acabar com a discussão, mas
Richard interveio:
— Vereador Bullmann, se me disser que essas alterações e melhoramentos que
estou sugerindo são impossíveis por causa da idade deste prédio. . .
— Eu não disse isso, rapaz!
— Então me dê uma biblioteca nova, construída especialmente para esse fim; é
tudo o que peço.
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Pode pedir, rapaz, mas não vai conseguir. Não há dinheiro. Mesmo que isso
fosse aprovado pela comissão de bibliotecas, não passaria pela comissão financeira.
— Mas, vereador, o senhor também pertence à comissão de finanças. Será que
não teria poderes para nos ajudar?
Austin gaguejou, de repente meio perdido.
— Não tenho tempo a perder com essas bobagens. — Olhou para Carolyn. —
Venha, menina, vou levá-la para casa.
— Não, tio, obrigada — disse ela.
— Olhe, menina, você teve uma queda feia. Não vai perder o emprego se faltar um
dia, não é verdade, sr. Hindon? — Até mesmo o modo de se dirigir a Richard era
agressivo.
Carolyn repetiu:
— Não tio, obrigada. Daqui a pouco estarei boa e vou voltar a trabalhar.
Ele sacudiu os ombros, abaixou-se, deu-lhe um beijo no rosto e saiu. Seguiu-se um
longo silêncio. Richard olhava para as mãos, em cima da mesa. Por fim, disse:
— Você poderia ter ido com ele, não faria falta. Outra pessoa faria o seu serviço.
— Esse é um modo educado de dizer que não sou necessária — respondeu
Carolyn baixinho. Apesar do nó que sentia na garganta, acrescentou: — Não o culpo por
me odiar, pois minha presença deve sempre fazê-lo lembrar-se do meu tio. Está claro que
terei que sair daqui, mas vou tentar fazê-lo entender.
Richard não disse nada, para desaponto de Carolyn. De repente, ele pareceu
acordar.
— Você sabe que precisa ir para casa. Depois de um tombo desses, é melhor
descansar pelo menos um dia. Vou pedir a Graham para que a leve. Acho que vai gostar,
não é?
Carolyn limitou-se a fazer que sim com a cabeça. Graham apareceu assim que
Richard o chamou e colocou-se à disposição para levá-la. Passou o braço pela cintura de
Carolyn e disse:
— Assim você se apoiará melhor. Como estão suas pernas?
— Mais ou menos. A cabeça é que está doendo — respondeu ela, dando alguns
passos.
Richard ficou olhando para os dois.
— Não venha trabalhar amanhã, srta. Lyle. Não quero que piore para ter seu tio
outra vez em cima da gente, exigindo explicações.
No carro ela tentou relaxar, mas de repente disse:
— Eu vi meu tio em ação hoje. É pior do que eu imaginava!
— Foi o seu momento da verdade?
— Sim, de certo modo. Mas eu nunca me iludi a respeito dele, apesar da maneira
antiquada como sempre me tratou. — Suspirou. — Não sei como é que o sr. Hindon faz
para não perder o controle.
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Minha querida, se acontecesse isso, ele ficaria em pior situação do que está
agora. Sua única arma é a persistência, e isso ele tem bastante. Só não pode perder a
paciência com o presidente da comissão!
— Não, só com a sobrinha dele. . . — Seus olhos encheram-se de lágrimas.
— É que às vezes ele fica tão desesperado que resolve fazer justiça com as
próprias mãos. Veja o caso do painel de avisos. Desde que chegou, Richard vem
solicitando um novo, mas não consegue. Então encomendou um novo e vai pagá-lo com
o dinheiro da caixa da biblioteca. É preciso ter coragem, mas eu não posso culpá-lo.
Estavam chegando, quando ele perguntou:
— Será que você vai ficar bem? Sua avó está em casa?
— Não, mas chega logo. Pode deixar, não se preocupe.
— Cuide-se! — Olhou para ela como se procurasse algo e disse:
— Até logo, Carolyn. — Baixou o rosto e deu-lhe um rápido beijo nos lábios.
Naquela noite, Carolyn estava deitada no sofá e percebeu que sua avó estava
preocupada com ela.
— Fique quieta aí, querida. Seu tio vem até aqui mais tarde. Amanhã ele vai viajar
novamente.
— Vovó, ele... ele foi à biblioteca hoje, enquanto eu descansava na sala do sr.
Hindon. Foi terrível ouvi-los discutindo...
— Bem, Carolyn, imagino que seu tio estivesse com a razão.
— Não, vovó, ele estava errado com relação a quase tudo, mas não quer admitir.
Ele não ouve ninguém!
Quando viu a cara que a avó fazia, achou que tinha ido longe demais em suas
críticas, pois ela adorava o filho. Achava-o perfeito.
— Carolyn, querida, ele sabe o que está fazendo.
— Claro, vovó, mas apenas sob o ponto de vista dele. O sr. Hindon é um
especialista. Quando o assunto é bibliotecas, ele sabe mais do que o titio. — Evitou o
olhar escandalizado da avó e continuou: — Vovó, será que a senhora não poderia pedir
ao tio Austin para ajudar o sr. Hindon, em vez de se opor sempre a ele?
— Mas, querida, ninguém pode dizer a Austin o que fazer. Eu mesma nunca me
atrevi a tanto. Desde que ele era pequeno, sempre soube o que era melhor.
Carolyn suspirou; não adiantava falar com a avó. De repente, a velha perguntou:
— Querida, você gosta do sr. Hindon?
— Sim, vovó, muito. Mas ele não gosta de mim...
Carolyn levantou os olhos, alarmada com o que deixara escapar, e viu que a avó
olhava para ela espantada e surpresa.
— Oh, querida! — disse ela, saindo da sala.
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Você me ouviu, menina, pus aquele diretor no lugar dele. Tenho que agir assim,
senão ele ficaria terrivelmente convencido.
Alguma coisa levou Carolyn a falar:
— Mas, tio, como eu disse para a vovó, ele é um especialista em seu campo, como
o senhor é no seu negócio. — Fechou os olhos ao ver o olhar espantado do tio, mas
mesmo assim continuou: — Você o aperta tanto, tio, que ele às vezes não pode esperar
por sua permissão para fazer tudo o que é necessário... Ele tem tantas idéias geniais que
deve ser terrível nunca poder pô-las em prática apenas por... por sua causa.
— O que é isso que estou ouvindo? Ele vai fazendo as coisas sem a minha
permissão? O que é isso?
Carolyn deu-se conta de que tinha ido longe demais. Em sua ânsia de ajudar
Richard, o havia delatado! Fizera exatamente o que ele sempre dissera que faria: seria
uma espiã, contaria seus segredos ao inimigo.
No fim, o tio conseguiu extrair dela toda a história e disse:
— Preciso viajar por alguns dias, mas quando voltar vou ter uma conversa com
aquele sujeito. Vou ficar pensando, enquanto estiver fora, no que pretendo lhe dizer! — E
saiu, batendo a porta.
Naquela noite Carolyn quase não conseguiu dormir, pensando no mal que fizera
sem querer. O que poderia dizer em defesa própria quando Richard a acusasse de ter
agido como espiã? Nada! Depois pensou em Graham. Pelo jeito como a beijara, parecia
estar dizendo adeus. Com certeza tinha desconfiado de seus sentimentos por Richard.
Carolyn voltou ao trabalho no dia seguinte, com o corpo todo doído, a cabeça ainda
sensível. Conseguiu fazer o trabalho que Keith lhe dera apenas porque não exigia esforço
físico.
Richard ficou fora o dia inteiro e, no meio da tarde, Hilary apareceu.
— Lamento o que aconteceu com você — disse ela, acrescentando: — Vim para
lhe pedir um favor, mas, se você não puder, paciência. Segunda-feira vai ser feriado e eu
prometi às crianças que as levaria a um piquenique no campo. De repente resolvi me
dedicar mais a elas, você sabe como é. . . Não posso quebrar a promessa, mas vai ser
chato ir sozinha, e o Basil fica sempre chamando por você... Será que não iria conosco?
Meu irmão não vai, ele anda saindo tanto nos últimos dias que eu acho que arranjou uma
namorada, afinal... Talvez seja aquela secretária, eu sei que eles saíram juntos algumas
vezes.
Carolyn lutava para combater o mal-estar que aquelas palavras lhe provocaram.
Não podia deixar transparecer como ficara perturbada.
— Eu não tenho mesmo nada para fazer na segunda. Adoraria ir também.
Combinaram tudo e Hilary foi embora. Carolyn ficou pensando, amargurada, que a
estratégia da secretária provavelmente estava dando resultado. De mansinho, ela fora
conquistando Richard.
Carolyn e Pearl voltaram juntas para casa. Pearl estava até mais bonita, tinha um
ar alegre e feliz.
— Você parece contente, Pearl, o que aconteceu?
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— É verdade. Graham, isto é, o sr. Cotes me convidou para sair. Vou jantar com
ele amanhã e depois iremos a um cinema.
Depois do primeiro choque, que mais tarde identificou como ciúme, Carolyn disse-
lhe que ficava contente em saber.
— Acho que vocês combinam muito bem, e já era tempo de descobrirem isso!
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— Tio Rich, eu vi você! A gente estava no ônibus, mas Carolyn não queria acreditar
em mim.
— Você é uma menina muito esperta. Eu sempre disse isso — comentou Richard,
sério.
— Tio Rich! — gritava Basil, puxando a calça de Carolyn, que tentava abrir o
carrinho.
Richard aproximou-se, tomou o carrinho das mãos dela, abriu-o e instalou o garoto.
— Obrigada — disse Carolyn, meio seca.
— Foi para isso que eu vim, para ajudar. Onde está a cesta com os sanduíches?
— Não precisava ter se preocupado — respondeu Carolyn, tentando se convencer
de que não estava feliz com a presença dele. — A não ser que, como sempre, não tenha
confiança em mim para cuidar dos seus sobrinhos...
Richard olhou para ela de modo estranho.
— O que quer que eu diga? Que confio em você? Sinto muito, mas não é verdade.
— Não precisava mesmo ter vindo — disse, zangada, tirando o carrinho das mãos
dele e começando a empurrar o menino. — Eu tinha pensado em passar uma tarde
agradável.
— E agora que estou aqui, isso não é mais possível, é isso?
Ela não respondeu e foi tocando o carrinho adiante.
— Posso tomar um sorvete? — perguntou Helen, ao ver uma sorveteria.
Basil também queria um e Richard tirou algum dinheiro do bolso, perguntando a
Carolyn se também queria sorvete. Ela negou com a cabeça.
Ele levou Helen para dentro da sorveteria e Carolyn arrependeu-se de não ter dito
sim. Bem que desejava um sorvete... Empurrou Basil até o outro lado da rua e ficou
olhando a bela paisagem à sua frente. Era uma região privilegiada aquela. Lá embaixo, do
outro lado, o mar. Onde estava, a vista se estendia por quilômetros e quilômetros, campo
após campo, o verde misturando-se com o amarelo, formando os quadrados das áreas
cultivadas e recobrindo aqui e ali pequenas colinas, onde se viam vilarejos com suas
igrejas.
Ao chegar com Helen, Richard deu um sorvete para Basil e colocou outro na mão
de Carolyn.
— Eu percebi que você também queria. . . — brincou.
Ela agradeceu e começou a tomar o seu sorvete. Depois de algum tempo, Richard
observou:
— Linda vista, não acha? Nós estamos a uns trezentos metros de altitude. Mas o
monte Chanctonbury tem quase quatrocentos — disse ele, apontando para o leste.
— Eu sei, moro aqui há muito tempo.
Richard levantou as sobrancelhas, estranhando o modo brusco de Carolyn, e
perguntou:
— Já subiu até lá? A subida é meio difícil, mas a vista vale a pena. Você enxerga a
uma distância de cinqüenta quilômetros e vê uma meia dúzia de cidades. Aquelas árvores
enormes ali formam um círculo e foram plantadas há duzentos anos. — Sorriu para ela. —
Um dia vou lhe emprestar um livro sobre o Sussex. Tenho muitos livros e, o que é melhor,
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
não sou vingativo, não cobro multa se não me devolvem logo. . . — Lançou um olhar
malicioso para ela e pediu: — Mas não conte isso para o seu tio!
Ela acabou de tomar o sorvete, jogou o copinho num cesto de lixo e ele continuou:
— Se não fossem aquelas árvores e aquelas colinas, você poderia ver o Ditchling
Beacon, o ponto mais elevado de toda esta região. Antigamente ali havia uma grande
floresta, chamada Anderida, cheia de animais perigosos. — Sorriu para ela. — Mais
perigosos ainda do que eu...
Carolyn viu-se atingida por todo aquele magnetismo e teve vontade que ele a
tomasse nos braços como naquele dia, na casa de Hilary. Em vez disso afastou-se, o
coração acelerado.
— Mais para lá — disse ele, colocando o braço nos ombros dela — é a região
norte. O ponto mais alto é o monte Leith, que nos dias claros se avista daqui.
Provavelmente agora lá também há pessoas olhando para nós. Mas é melhor irmos
andando. O parque fica daquele lado. — Tirou o carrinho das mãos de Carolyn e passou
a empurrá-lo.
Pararam no começo do grande vale onde ficava o desfiladeiro conhecido como
Garganta do Diabo.
— Toda vez que venho aqui, fico até sem fôlego — observou Carolyn.
— Concordo que é lindo. Com o risco de parecer um professor, vou contar para
você como é que isto se formou. — Sorriu. — Diga-me se não gostar. Os geólogos acham
que, entre as duas eras glaciais, o nível de água na planície era suficiente para fazer com
que os rios corressem, e assim se formou o vale do rio; mas depois, a água formada pelo
gelo derretido escapou por este vale, formando o que hoje é a garganta. É um dos muitos
vales secos desta área e, na minha opinião, um dos mais belos. Acabou a aula; agora
vamos descer um pouco.
Foram descendo pela trilha que contornava o vale até encontrarem um lugar
apropriado para fazer o piquenique. Estenderam os casacos no chão e Carolyn pegou os
sanduíches da cesta. Richard, sentado no chão e apoiado no cotovelo, comia em silêncio,
olhando o panorama e às vezes voltando-se para eles. Carolyn viu que ele a encarava.
Richard sorriu e desviou o olhar, parecendo completamente à vontade naquele lugar.
Carolyn não conseguia entender por que ele viera. Será que a secretária estava
ocupada com algum outro compromisso, por isso ele resolvera tomar o lugar da irmã?
Quando terminaram, Carolyn juntou tudo e guardou. Richard estava deitado junto
dela, agora que Helen havia se afastado. Estava com o braço sobre os olhos e parecia
dormir; por isso Carolyn, tomando coragem, também se deitou, apoiando a cabeça nas
mãos. O sol a aquecia, enquanto ouvia as vozes das crianças ao longe. Sentiu-se
completamente relaxada.
Um leve movimento de Richard, entretanto, deu-lhe consciência da presença dele a
seu lado. Sentia como se ele a atraísse, e precisou se afastar. As crianças haviam se
distanciado um pouco e ela resolveu ir atrás delas. Richard abriu os olhos, mas não fez
qualquer movimento, parecendo completamente indiferente à presença de Carolyn.
Helen havia subido numa encosta e Basil tentava segui-la, mas suas perninhas
curtas não permitiam e ele acabou caindo sentado.
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— Carolyn, aposto como você não consegue subir tão alto como eu! — desafiou
Helen.
— Não consigo? — disse Carolyn. — Espere só para ver...
E saiu correndo, subindo a encosta atrás da menina até alcançá-la mais adiante.
Estava quase sem fôlego e parou por um momento, olhando para baixo. Richard havia se
levantado e olhava para elas, as mãos na cintura.
— Como acham que vão descer daí? — perguntou, as mãos em forma de concha
para melhor ser ouvido. — É mais íngreme do que vocês estão pensando...
Mas elas o ignoraram e continuaram a subir.
— Voltem — gritou ele. — Carolyn, diga a Helen para parar. Ela é muito pequena
para saber o que está fazendo!
— É melhor você descer, querida — disse para Helen. — Seu tio está ficando
preocupado.
— Está bem, mas você também vem.
Carolyn teve que concordar, apesar de querer mostrar a Richard que sabia cuidar
de si mesma.
Começaram a descer lentamente mas, como Richard avisara, a encosta era
mesmo muito íngreme. Ao chegarem quase embaixo, Helen gritou:
— Tio, segure-me, não consigo parar... Vou cair!
Quando a menina ameaçou despencar ele a segurou, deu com ela uma volta no ar
e colocou-a no chão.
Carolyn conseguiu parar e ele lhe disse, rindo, os braços estendidos:
— Agora você...
— Não é preciso, posso descer sozinha. — E continuou a fazê-lo, só que suas
pernas a traíram e ela começou a correr sem querer.
Ficou com medo ao ver que suas pernas não a obedeciam.
— Richard! — gritou, desesperada. — Richard, segure-me, vou cair...
Ele subiu barranco acima e conseguiu segurá-la. Mas, com o impulso dela, os dois
acabaram caindo e rolando até embaixo.
Ficaram deitados, ali, abraçados.
Richard levantou a cabeça, encarou-a e depois a beijou com paixão. Carolyn não
conseguia mais resistir e entregou-se àquele beijo, sem se incomodar mais que ele
percebesse seus sentimentos.
Por fim ele levantou a cabeça, mas ficou onde estava, olhando para ela. Carolyn,
então, disse baixinho:
— Muito obrigada por ter me segurado.
— Oh, não se incomode. Eu sempre seguro as garotas que se atiram por cima de
mim. . .
— Está bem, mas não precisava ter...
— Beijado? — completou ele. — Oh, mas eu sempre beijo uma garota que cai nos
meus braços, sobretudo quando é bonita! É hábito meu. . .
Richard caçoava dela mais uma vez! Carolyn tentou se libertar dele.
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— Não adianta, você não vai escapar enquanto eu não deixar. — Olhou para ela e
perguntou: — Alguém já lhe disse que é muito bonita? — Carolyn não respondeu, pois
sabia que ele estava brincando. — Seu namorado já deve ter dito. O que acharia ele se
soubesse que você o está traindo agora?
— Sobre o que você está falando? — indagou ela, lutando para escapar.
— Oh, não se preocupe, isso é comum nas mulheres. . . Já vi minha irmã traindo o
marido. . .
— Tenho certeza de que ela não chegou a esse ponto!
— Não? Bem, talvez ainda não, mas aposto como já chegou bem perto. — Baixou
a voz e acrescentou: — Fico pensando até onde você iria, na sua infidelidade. . .
O barulho das crianças os interrompeu.
— Será que não vai me largar? Eles vêm vindo — disse ela.
— Talvez eu a solte, senão eles vão contar tudo para Hilary. — Deitou-se
novamente, apoiando a cabeça nas mãos. — Quando ela souber, vai chegar à conclusão
de que eu sou humano, apesar de tudo; minha vida, então, vai virar um inferno.
Carolyn sentou-se e ajeitou o cabelo. Procurou se acalmar e lutar contra a tristeza
que se apossara dela. A desconfiança permanente de Richard a deixava doente. Nunca
conseguiria agradá-lo, por mais que tentasse, pelo simples fato de ser sobrinha do
homem que ele odiava.
— A gente não vai embora? — perguntou Helen. — A mamãe disse para não
chegarmos tarde.
Richard levantou-se lentamente e estendeu a mão a Carolyn, que a segurou
relutante, apesar do sorriso dele.
Helen pegou o carrinho e foi empurrando Basil na frente; Richard passou a mão
pela cintura de Carolyn e foram andando assim abraçados. As pessoas que passavam
por eles sorriam com simpatia e Carolyn observou, amargurada:
— A ironia de tudo é que parecemos uma família feliz. Ah, se eles soubessem...
Richard riu alto, depois a puxou mais para perto e sussurrou:
— Já me perdoou?
— Do quê? Do beijo?
— Do beijo? Mas de jeito nenhum! Não iria pedir para ser perdoado por uma coisa
tão agradável. Não, por ter vindo junto ao passeio.
— E que diferença faria se eu perdoasse ou não? — disse ela, sacudindo os
ombros.
— Será possível que vocês mulheres nunca respondem claramente?
— As mulheres têm razão quando dizem que você as odeia — respondeu Carolyn.
Richard riu novamente.
— Então é isso o que elas dizem de mim? Sabe de uma coisa, acho que você tem
razão. São tontas, a maioria delas...
Carolyn escapou dele e disse a Helen que empurraria o carrinho de Basil. Helen
passou para o lado do tio, segurando a mão dele.
— Alguém me ama — comentou Richard com um sorriso, mostrando a Carolyn a
mão de Helen na sua.
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CAPÍTULO IX
Carolyn estava no depósito quando o tio chegou. Ele não mandou chamá-la.
Passou como um vendaval, deixando atrás de si uma porção de olhares interrogativos.
Aos poucos, começou a ficar preocupada com o que os dois estariam discutindo. O que
Richard estaria pensando dela agora? Será que estava arrependido dos beijos da
véspera? E o que diria e faria depois que o tio fosse embora?
Começou a ficar com medo, tentando encontrar respostas a perguntas imaginárias,
procurando não se sentir culpada, mas foi forçada a admitir que era culpada e que não
merecia perdão.
Algum tempo depois o tio saiu e passou por ela sem vê-la. Seu coração batia
acelerado, à espera do telefonema interno que a chamaria à sala de Richard. Mas isso
não aconteceu e, depois de certo tempo, não podendo mais esperar, resolveu ir vê-lo. De
algum modo tinha que explicar o que acontecera e tentar mostrar que não tivera culpa.
Entrou na sala da secretária. Estava vazia e ela resolveu esperar. Podia escutar
Richard e Rossanna na outra sala. Deviam estar falando sobre ela.
A porta de comunicação se abriu e Rossanna a viu.
— Sim, srta. Lyle? — perguntou com frieza.
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Uma tarde, tempos depois, Carolyn foi até a casa de Hilary, tomar conta das
crianças. Mas, quando chegou, Hilary lhe disse que havia mudado de idéia e que ficaria
em casa.
— Muito obrigada, de qualquer modo. E o que vai fazer, voltar para casa? —
perguntou ela.
— Não, acho que vou dar uma volta. Estou precisando disso.
Ao se despedirem, Hilary disse que Richard estava em casa e perguntou se
Carolyn queria falar com ele. Ela respondeu que não.
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Shane veio buscá-la à noite e deu um passo para trás quando ela abriu a porta.
Essa reação iria se repetir com as outras pessoas durante muito tempo.
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Keith fez o escândalo que ela imaginava, quando chegou à biblioteca no dia
seguinte. Os outros vieram e a rodearam, expressando desaprovação.
Pelo menos resolvo o problema todo de uma vez, pensou Carolyn.
— Quem tosquiou você? — indagou Cathy. — Quem foi a malvada que fez isso?
Carolyn contou e Cathy saiu resmungando que era sacrilégio, que ela não deveria
ter feito isso.
— E a exposição de livros? — perguntou Keith. — Você já se decidiu por algum
tema?
— Achei que, como estamos no verão, poderíamos chamá-la "Jardins de Verão", e
expor tudo o que temos sobre jardinagem. O que você acha?
— Não é má idéia. Seria melhor se estivéssemos na primavera, mas não tem
importância, para um teste está bem.
Alguém o chamou e Keith pediu que ela esperasse um instante.
Carolyn encostou-se numa mesa, pensando sobre o display. Ouviu um movimento
e virou-se. Richard olhava para ela, os olhos arregalados, o rosto pálido.
Ao vê-lo, Carolyn percebeu então por que havia feito aquilo. Tinha sido para fazê-lo
sofrer, para magoá-lo, como ele a magoara desde que a conhecera. E conseguira, só que
agora sentia que a dor dele também era a sua. Esforçou-se para dizer:
— Bom dia, sr. Hindon.
Ele pareceu voltar à realidade e perguntou, com voz estranha:
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
Mais tarde, Carolyn estava escolhendo nas estantes os livros que iria expor quando
a srta. Stagg se aproximou, avisando que o diretor a estava chamando e que parecia
muito zangado.
A escadaria nunca lhe parecera tão comprida e o corredor tão longo e escuro.
Bateu à porta de Richard e Rossanna a fez entrar.
Richard não mandou a secretária sair e a raiva em seus olhos era evidente. O
instinto de Carolyn a mandava correr, mas, como sabia que era inocente de qualquer
coisa de que ele pudesse acusá-la, ficou parada na frente dele.
— Conseguiu fazer mais uma vez, srta. Lyle. Agiu novamente como espiã, levando
informações para o seu tio.
Ela o olhou sem entender, querendo que ele explicasse melhor, mas seu silêncio
irritou-o ainda mais.
— Não sei como foi que soube. Desde o último episódio, dei instruções a Graham
Cotes para não lhe dar qualquer informação, e até mesmo eu tomei cuidado com o que
disse.
— Sr. Hindon, sinto muito, mas não sei do que está falando.
— E quer que eu acredite nisso? Está tentando me dizer que não contou a seu tio
que a sala de conferências foi cedida a um grupo de jovens que ele não aprova? Que
deixou de ser leal a mim para se pôr do lado dele? Que não sabia que ele telefonou me
ameaçando de demissão se eu não parasse de desobedecer suas ordens?
— Eu repito que não sabia de nada disso, mas posso ver que, por mais que eu
diga que sou inocente, não vai acreditar em mim!
Viu que Rossanna sorria. Richard também viu e despediu a secretária com um
gesto impaciente.
Quando ficaram sozinhos, Carolyn, já mais calma, disse:
— Vou entregar o meu pedido de demissão. Depois do que me acusou, sei que
nunca mais vou gozar de sua confiança.
Ele nem hesitou: pegou um papel em branco e estendeu a ela, junto com a caneta,
dizendo:
— Se escrever aqui, minha secretária baterá à máquina para você assinar.
Ela não conseguia acreditar! Ele estava tão satisfeito que não queria se arriscar a
que ela mudasse de idéia! Enquanto escrevia, lembrou-se das palavras de Pearl: "Se ele
diz que vai se livrar de alguém, pode acreditar que vai mesmo".
Quando ela acabou de escrever, Richard levou a carta para a sala da secretária.
Voltou, fechou a porta e ficou em pé, olhando para fora da janela.
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Carolyn já estava no meio do seu mês de aviso prévio quando um dia se encontrou
com Pearl e Graham na escadaria da biblioteca. Estavam de mãos dadas.
— Vamos jantar fora — contou Pearl. Depois, olhando timidamente para Graham,
continuou: — Será que posso contar a ela? — Quando ele assentiu com a cabeça,
acrescentou: — É um jantar para celebrar, Carolyn. Ficamos noivos.
Carolyn cumprimentou-os e perguntou:
— E o anel, onde está?
— Logo vamos escolhê-lo, mas o casamento ainda vai demorar um pouco.
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Alguns dias depois, Richard chamou-a em sua sala. Já foi preparada para enfrentar
de novo seu mau humor, apesar de saber que não havia feito nada de errado.
Mas ele não estava zangado; havia até compaixão em seus olhos quando a
mandou sentar-se.
— Estou bem de pé — disse ela, seca.
— Sente-se. — Era uma ordem e ela teve que obedecer. — Sua avó acabou de
telefonar — disse ele gentilmente.
— Minha avó? Ela está doente? — Sentiu o coração disparar.
— Ela está ótima. É seu pai.
— Meu... meu pai? — perguntou, pálida.
— Está muito doente. Foi hospitalizado e quer ver você.
— Mas faz anos que não vejo meu pai... desde os meus cinco anos!
— Eu sei disso. — Ele continuava a tratá-la com toda a delicadeza. — Mas parece
que ele não a esqueceu, e desde que deseja vê-la, eu acho que você devia ir. — Disse o
nome do hospital e acrescentou: — Fica a uns cinqüenta quilômetros daqui.
— Mas... mas como é que eu vou até lá?
— Eu levo você — disse ele, levantando-se.
— Mas não pode fazer isso. É muito longe. E o seu trabalho?
— Eu disse que levo você. Enquanto pega o casaco, vou avisar Graham, ele
cuidará de tudo por aqui.
Meu pai mandou me chamar e faz dezessete anos que não o vejo...
Como será que ele está?, os pensamentos de Carolyn se repetiam sem cessar.
Depois de saírem, pararam no meio do caminho para um café. Logo após
continuaram.
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No hospital, Richard deixou que ela fosse ver o pai sozinha. Carolyn sabia que não
ia reconhecê-lo, e foi contando os leitos na enfermaria. Parou no quinto, onde um homem
velho e doente olhava para ela. Ao ver que Carolyn se aproximava, ele se animou e
estendeu-lhe a mão.
— Minha filha! Minha filha crescida, gente grande...
Carolyn ficou ao lado da cama, esforçando-se por sorrir, mas não sentia nada por
ele.
— Olá, papai — disse ela, sentando-se numa cadeira ao lado da cama.
Ele não tirava os olhos do rosto da filha.
— É como se sua mãe revivesse. Quando vi você chegando, pensei: é Beth que
ressuscitou! Você se parece demais com ela, mal posso crer! E seu cabelo tão lindo! O
que aconteceu com ele?
— Como? Eu cortei o cabelo, mas como é que sabia dele?
— Oh, sua avó sempre se manteve em contato comigo. Às vezes me mandava
fotos suas. Vi você crescer sem que soubesse. Eu não quis que ela lhe contasse, achei
que não ia ajudar em nada. Não acertei na vida, casei-me de novo mas não deu certo, eu
sentia muito a falta da sua mãe. E você estava muito melhor com seu tio e sua avó
cuidando de você...
Richard chegou perto e ficou ao lado de Carolyn, sorrindo para o velho.
— Olá, sr. Lyle — cumprimentou-o, estendendo-lhe a mão.
O velho voltou a se animar.
— Carolyn, quem é esse moço? Seu namorado? Qual é o nome dele?
— Richard Hindon — respondeu Carolyn.
— Richard? Você é o namorado dela?
Ao ver o doente excitado e Carolyn de cabeça baixa, Richard respondeu:
— Sim, sr. Lyle, sou o namorado dela.
— E vão se casar, não é? Olhe, rapaz, tome conta dela melhor do que eu, está
bem?
— Não se preocupe, sr. Lyle. Cuidarei de Carolyn muito bem. Ela merece.
O pai riu e deu um tapinha na mão de Richard.
— E quando é que vai ser, hein? Logo? Avise-me antes, sim? Vou assistir ao seu
casamento, já estarei melhor até lá.
Conversaram mais um pouco, depois veio uma enfermeira avisar que já deviam ir.
O pai deu-lhe um abraço e disse a Carolyn:
— Filha, venha me ver outra vez, sim? Imagine só, minha filha casada! Quero ver o
que dirão os meus amigos quando eu contar a eles!
Foram saindo da enfermaria, o braço de Richard na cintura de Carolyn, que se
sentia meio anestesiada. Havia visto o pai depois de dezessete anos e não sentira nada.
Depois de algum tempo, Richard olhou para ela, franziu a testa e parou o carro,
dizendo que precisava descansar. Aos poucos, Carolyn foi sentindo que voltava à
realidade.
— Você não precisava ter contado aquelas mentiras, ter dito que estávamos
noivos. O que vai acontecer se ele melhorar e quiser ir ao nosso casamento?
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
Sabia que estava sendo injusta; afinal, Richard só fizera aquilo por pena. Ele
segurou-lhe a mão e respondeu:
— Carolyn, minha querida, eu conversei com a enfermeira-chefe. Ele não vai sair
de lá. Está muito mal, o coração fraco demais.
— Ele vai morrer?
— Sim.
— Richard, oh, Richard! — gemeu Carolyn, procurando por ele. De repente,
afastou-se; não podia buscar consolo com aquele homem.
Mas os braços dele a envolveram e ela chorou como uma criança, enquanto
Richard lhe acariciava os cabelos, tentando confortá-la.
Devagar, Carolyn foi parando de soluçar e aceitou o lenço que ele lhe estendia. Por
fim conseguiu dizer:
— Então você não corria nenhum risco ao falar tudo aquilo para ele...
— É verdade, não corria mesmo — concordou Richard.
Ao chegarem em casa, Carolyn agradeceu, séria, e ele pediu-lhe para falar com a
avó.
Quando apresentou Richard, Carolyn viu a avó arregalar os olhos. Deveria
imaginar um Richard muito diferente do homem gentil e bem-apessoado à sua frente. Ele
contou o que a enfermeira-chefe lhe dissera, falando com delicadeza e tato.
Claro, pensou Carolyn, ele está querendo impressionar a mãe do presidente da
comissão! Mas sabia que estava sendo injusta. Ao se despedir, Richard disse:
— Carolyn, se quiser, não precisa ir trabalhar amanhã, nós entenderemos.
— Está bem, mas provavelmente eu irei. Afinal, tenho os dias contados mesmo.
Ele largou abruptamente a mão dela, despediu-se da avó e saiu.
— Mas que rapaz simpático! — comentou a avó. — Não consigo imaginar por que
Austin não gosta dele.
CAPÍTULO X
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Sabrina 168 - Coração traiçoeiro – Lilian Peake
— Dinheiro ele não deixou, querida, nem propriedades — disse Austin. — Morava
nuns cômodos alugados. — Olhou para as coisas que tinha nas mãos. — Isto era de sua
mãe, e ele queria que ficasse com você.
Estendeu-lhe um relógio, um par de anéis, um broche e um colar. Numa caixinha
havia um medalhão de ouro para pendurar no pescoço, com o retrato do pai e da mãe no
dia do casamento. Carolyn guardou tudo com carinho.
O último dia na biblioteca passou depressa. Ela quase não via mais Richard, mas
quando se encontravam ele sempre lhe sorria sem nenhuma animosidade. Provavelmente
porque ela ia mesmo sair...
Despediu-se de todos e até a srta. Blane parecia triste por vê-la ir embora. Keith
disse que entendia as razões de sua partida.
Graham despediu-se dela dando-lhe um conselho:
— Carolyn, não desista. Arranje um lugar em alguma outra biblioteca, onde as
influências e os conhecimentos não contem tanto. Sabe o que quero dizer, não é? —
Sorriram um para o outro e ele perguntou: — Já viu Richard?
— Não. Acho... acho que devo me despedir dele também...
— Não precisa ficar com medo, querida. Venha, vamos ver se está na sala dele.
Bateu na porta de Richard e fez sinal para que Carolyn também entrasse.
Rossanna estava lá e Graham disse, rindo:
— Richard, Carolyn veio se despedir. Quase precisei trazê-la pela mão, tal o medo
que sentia! — disse e saiu.
Carolyn respirou fundo, estendeu a mão e disse:
— Adeus, sr. Hindon. Apesar de tudo eu gostei muito de trabalhar aqui.
— Adeus, srta. Lyle — foi só o que disse ao apertar-lhe a mão. Não houve sorrisos
nem nada.
Ao sair, Carolyn despediu-se da secretária:
— Adeus, sra. Harvey.
Rossanna limitou-se a responder-lhe com um aceno de cabeça.
Carolyn foi para casa com Pearl, que parecia até mais bonita ultimamente, o rosto
irradiando felicidade. Ao se despedirem na esquina, Pearl disse:
— Ah, eu queria que você não tivesse saído, Carolyn. Você desistiu depressa
demais. Acho que acabaria acertando; afinal, você é tão inteligente!
— É, mas isso só não basta... — brincou Carolyn e despediu-se da amiga.
Naquela noite ficou sozinha. A avó tinha saído para fazer uma visita e Carolyn ficou
andando, inquieta, de um lado para o outro. Decidiu dar um passeio para se acalmar, mas
acabou voltando mais cedo do que esperava, pois ameaçava cair uma chuva pesada.
Logo depois de entrar em casa a campainha tocou. Quem seria? Abriu a porta,
ainda de casaco, e quase se engasgou.
— Carolyn, será que posso entrar? — perguntou Richard, sorrindo. Reparou como
ela estava vestida e acrescentou: — Oh, desculpe-me, não imaginei que fosse sair, mas
não vou mesmo me demorar.
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— Eu não vou sair. É que acabei de chegar, fui dar uma volta.
— Sozinha?
— Sim. Por favor, entre.
Na sala, ficaram olhando um para o outro, Carolyn sentindo o sangue correr mais
depressa nas veias.
— Por que queria me ver? — perguntou ela, meio seca.
Richard sentou-se numa poltrona, como se estivesse cansado demais para
permanecer em pé. Carolyn sentou-se à frente dele, que parecia meio sem jeito.
— Fiquei imaginando se já tinha algum outro emprego em vista.
— Não tenho. Vou procurar uma agência, porque não posso ficar desempregada.
Precisamos do dinheiro que eu ganho.
— Oh! — ele deixou escapar, como se isso brigasse com a idéia que fazia dela. —
Eu ia sugerir, se você gostasse da idéia, que cursasse uma escola de biblioteconomia
durante um ano. Há diversas nesta região. Com o diploma, pode conseguir um ótimo
lugar em qualquer biblioteca.
Carolyn franziu a testa. Será que ele viera só para lhe dizer isso?
— Nem pensei nisso, já que não me saí bem enquanto trabalhava em sua
biblioteca...
Ele respondeu com outra pergunta:
— Mas não pensou no futuro? E Shane, não conta nada?
— Shane? — Deu um sorriso sem humor. — Imagine! Ele saiu hoje com uma
garota que nem sei quem é.
— E isso não a preocupa?
— E por que deveria? Entre nós existe apenas uma grande amizade.
Richard dobrou o corpo para a frente, parecendo mais animado.
— Então você poderia freqüentar uma escola, se isso não pesasse no seu
orçamento...
— Talvez — disse ela, sacudindo os ombros. — Mas não posso pedir mais dinheiro
a meu tio. Tenho que ganhar para o meu sustento, pelo menos.
— As autoridades locais poderiam dar-lhe uma bolsa para a escola de
biblioteconomia.
— Quer dizer... graças à influência do meu tio?
— De jeito nenhum! Eles muitas vezes ajudam pessoas como você. Eu mesmo já
andei indagando e um ou dois conselheiros me afirmaram que você conseguiria a bolsa,
se pedisse.
— E ficaria presa a certas obrigações, sem dúvida. Teria que voltar para trabalhar
na sua biblioteca depois que me formasse!
— Claro — concordou ele.
— Então, de que adiantaria? Você não ia me querer de volta...
— Quem é que disse?
— Não, é claro que não ia querer que eu voltasse — disse ela, levantando-se. —
Iria me rejeitar de novo. — Caminhou em direção à porta da cozinha, pois as lágrimas
teimavam em cair dos seus olhos. — Você rejeita qualquer pessoa que... — Parou
apavorada e abriu a porta da sala. — Vou fazer café.
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FIM
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