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Resenha

Cultura um conceito antropológico

Roque de Barros Laraia é um antropólogo brasileiro, nascido em 15 de


setembro de 1932. Concluiu seu bacharelado em história na Universidade
Federal de Minas Gerais, em 1959, e participou da primeira turma do curso de
Especialização em Teoria e Pesquisa em Antropologia Social do Museu Nacional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1960.

O livro é dividido em duas partes. A primeira delas trata sobre conceito de


cultura, enquanto a segunda, sobre as formas pelas quais a cultura influencia o
comportamento social e diversifica a humanidade.
Logo no início do texto, o autor aponta dois dos maiores equívocos que
rondavam e, poder-se-ia dizer, ainda rondam o conceito de cultura em
Antropologia: os determinismos geográficos e biológicos. Tais teses, hoje
abandonadas pela grande maioria dos antropólogos e cientistas sociais,
sustentam que as características geográficas ou biológicas. Raciais ou étnicas,
seriam responsáveis pelas diferenças culturais entre os diversos povos. Laraia
apresenta uma série de colocações que desmentem tais teses, como por
exemplo, o argumento de que existem diferenças culturais significativas em
relação a povos estabelecidos em condições geográficas similares.

Um exemplo de concepção pautada no determinismo geográfico é aquele


que considera o clima como um elemento determinante do progresso de um
povo. Enquanto povos residentes em climas frios seriam mais suscetíveis ao
progresso, aqueles residentes em climas quentes estariam em condição
desfavorável em função do calor que os tornaria preguiçosos e passionais. O
raciocínio do determinismo biológico funciona da mesma maneira: as diferenças
culturais seriam explicadas em função da genética de cada povo. Neste sentido,
Laraia cita muito pertinentemente uma declaração da Unesco, datada de 1950 -
e portanto, após o genocídio praticado pelo nazismo em direção àqueles que
seriam considerados geneticamente inferiores a fim de sustentar que as
diferenças entre os povos se deve á história cultural de cada grupo, e não da sua
genética. Daí que "o comportamento dos indivíduos depende de um
aprendizado, de um processo de chamamos de endoculturação”. A
endoculturação seria o processo de diferenciação entre os povos, incorrendo na
formação de culturas diferentes.

A seguir, o autor mostra como foi surgindo e sendo delineado o conceito de


cultura, desde os antecedentes históricos da definição do conceito, como Locke
que postulava a mente humana como "tabula rasa", passando pela definição
clássica de Tylor, a primeira definição de cultura do ponto de vista antropológico,
ainda com uma perspectiva evolucionista segundo a qual haveria uma "escala
de civilização" de onde se definiria o progresso cultural. Tal perspectiva foi
reproduzida na Antropologia com grande ênfase, graças à influência dos estudos
de Charles Darwin, em A origem das espécies. O evolucionismo começa a ser
superado a partir dos estudos do alemão Franz Boas, que, radicado nos EUA,
desenvolve o Particularismo Histórico (ou Escola Cultural Americana), "segundo
a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes
eventos históricos que enfrentou”. O antropólogo americano Kroeber
complementa esta definição, afirmando que cada cultura é o meio de adaptação
do homem em relação aos diversos ambientes ecológicos, de modo que não é
o aparato biológico que determina a cultura; ao contrário, a adaptação é que
exige mudanças em seu "equipamento superorgânico". Laraia volta a este ponto
mais à frente, quando trata da questão de como a cultura influencia o aparato
biológico humano.

O autor também chama atenção para o fato de que o surgimento da cultura


depende de um sistema articulado de comunicação, sem o qual seria impossível
a transmissão cultural, considerando que a cultura é um processo de acúmulo
de experiências diversas transmitidas pela comunicação.
A seguir, o autor discorre sobre as origens da cultura, apresentando algumas
breves explicações de paleontologia humana, que destacam o desenvolvimento
do bipedismo, o da habilidade manual e do cérebro como condições para o
surgimento da cultura. Também ganham ênfase as teses do antropólogo francês
Lévi-Strauss, para quem a cultura surge com a primeira norma a proibição do
incesto e do americano Leslie White, que associa a cultura à capacidade
especificamente humana de gerar símbolos.
Na segunda parte do livro, Laraia se dispõe a mostrar, de início, como a
cultura condiciona a visão do mundo do homem. Para o autor, "o modo de ver o
mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes
comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de
uma herança cultural, ou seja, o resultado de uma ação de uma determinada
cultura”. Laraia nos fornece um exemplo simples, mas muito eficaz, para ilustrar
esta perspectiva. O riso. Sujeitos de diferentes culturas riem de coisas distintas
e por razões distintas. Um índio Kaapor pode rir de susto; os japoneses por vezes
riem por etiqueta; os americanos riem de comédia pastelão etc. Da mesma forma
que o riso, o uso que se faz do corpo também depende da cultura, como sugere
o autor ao citar o artigo de Marcel Mauss, Noção de Técnica Corporal. Dentre os
exemplos, destaca-se a diversidade gastronômica humana, de onde decorre que
alimentos considerados saborosos e requintados em uma cultura podem
despertar repulsa em outras. A partir desta ideia de "repulsa ao que soa
estranho", o autor chama a atenção par uma tendência etnocêntrica, a qual
consiste, em termos gerais, em considerar cada um o modo de viver da sua
cultura como superior aos demais.

Em seguida, Laraia retoma o tema das influências da cultura sobre o


biológico, usando como exemplo os índios Kaapor, que crêem que a visão de
um fantasma é um sinal de morte. e o crêem de forma tão veemente que os
índios chegam a morrer. Laraia coloca a seguir que os indivíduos participam
diferentemente de cada cultura. O grau de participação de cada um numa cultura
depende de inúmeros fatores, como idade, sexo, posição social etc. O autor
fornece vários destes casos, como por exemplo, o estabelecimento de uma idade
mínima para o voto ou para o casamento. Neste sentido, destaca também a
importância de cada um conhecer minimamente o sistema cultural no qual está
inserido. É a partir destes sistemas que as pessoas sabem como agir, o que é
lícito fazer ou não, etc, de modo a se enquadrarem socialmente.

O autor enfatiza também que toda cultura possui uma lógica própria, ou
seja, não é possível deslocar a lógica de um dado sistema cultural para outro, do
mesmo modo que um fato cultural apreende seu sentido apenas na configuração
que lhe é própria, pois "a coerência de um hábito cultural somente pode ser
analisada a partir do sistema a que pertence". Assim, a análise de uma outra
cultura requer um distanciamento da "cultura própria", a fim de que as referências
da última não sirvam de critério para as primeiras.

Ao fim do livro, Laraia expõe um último ponto: a cultura é dinâmica, de modo


que nenhuma sociedade é estática. mesmo que o ritmo de mudança de
determinadas sociedades seja menos acelerado que de outras. Existiriam
também dois padrões de mudanças o da dinâmica que se efetua a partir do
próprio sistema cultural e o que resulta do contato com uma outra cultura. Este
último é o que se dá de forma mais atuante na maior parte das sociedades,
recebendo maior atenção da Antropologia. Entender a dinâmica de um sistema
cultural "é importante para atenuar o choque entre gerações e evitar
comportamentos preconceituosos".

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