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LITERATURA PORTUGUESA I
Sobre as cantigas
1. Dados gerais
2. A Língua
3. Os autores
4. Os géneros
5. Os manuscritos
6. A música
7. Terminologia da poética trovadoresca
1) Dados Gerais
As cantigas trovadorescas galego-portuguesas são um dos patrimônios mais ricos da
Idade Média peninsular.
Produzidas durante o período, de cerca de 150 anos, que vai, genericamente, de finais
do século XII a meados do século XIV, as cantigas medievais situam-se, historicamente,
no alvorecer das nacionalidades ibéricas, sendo, em grande parte contemporâneas da
chamada Reconquista1 cristã, que nelas deixa, aliás, numerosas marcas.
Tendo em conta a geografia política peninsular da época, que se caracterizava pela
existência de entidades políticas diversas, muitas vezes com fronteiras voláteis e
frequentemente em luta entre si, a área geográfica e cultural onde se desenvolve a arte
trovadoresca galego-portuguesa (ou seja, em língua galego-portuguesa) corresponde,
largamente, aos reinos de Leão e Galiza, ao reino de Portugal, e ao reino de Castela (a
partir de 1230 d.C. unificado com Leão).
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Reconquista é o processo histórico em que os reinos cristãos da Península Ibérica procuraram dominar a região
durante o período do Alandalus. Este processo decorreu entre 722 (data provável da Batalha de Covadonga,
liderada por Pelágio das Astúrias) e 1492, com a conquista do Reino de Granada pelos reinos cristãos. O controlo
progressivo da península ganhou destaque por ter possibilitado a fundação de novos reinos cristãos como o Reino
de Portugal e o Reino de Castela, precursores de Portugal e de Espanha.
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No total, e recolhidas em três grandes cancioneiros:
1) Cancioneiro da Ajuda;
2) Cancioneiro da Biblioteca Nacional;
3) Cancioneiro da Biblioteca Vaticana.
Chegaram até nós cerca de 1680 cantigas profanas ou de corte, pertencentes a três
géneros maiores:
1) Cantiga de amor,
2) Cantiga de amigo;
3) Cantiga de escárnio e maldizer e da autoria de cerca de 187 trovadores e jograis.
Da mesma época e ainda em língua galego-portuguesa, são também as Cantigas de Santa
Maria, um vasto conjunto de 420 cantigas religiosas, de louvor à Virgem e de narração
dos seus milagres, atribuíveis a Afonso X.
Tendo em comum com as cantigas profanas a língua e eventualmente espaços
semelhantes de produção, as Cantigas de Santa Maria pertencem, no entanto, a uma
tradição cultural bem distinta, motivo pelo qual não integram a presente base de dados.
2) A Língua
O Galego-Português era a língua falada na faixa ocidental da Península Ibérica até
meados do XIV.
Derivado do Latim, surgiu progressivamente como uma língua distinta anteriormente
ao século IX, no noroeste peninsular. Neste sentido, poderemos dizer que, mais do que
designar uma língua, a expressão Galego-Português designa concretamente uma fase
dessa evolução, cujo posterior desenvolvimento irá conduzir à diferenciação entre o
Galego e o Português atuais.
Entre os séculos IX e XIV, no entanto, e com algumas pequenas diferenças entre modos
de falar locais, a língua falada ao norte e ao sul do rio Minho era sensivelmente a mesma.
E nem mesmo as fronteiras políticas que por meados do século XII se foram
desenhando, e que conduziram à formação de um reino português independente ao sul,
parecem ter afetado imediatamente esta unidade linguística e cultural, cujas origens
remontam à antiga Galiza romano-gótica. Da mesma forma, a extensão do novo reino
português até ao extremo sudoeste da Península (que se desenrola, até 1250, ainda no
movimento da chamada reconquista cristã), é um processo que pode ser entendido, nesta
primeira fase, como um alargamento natural desse espaço linguístico e cultural único.
Assim, como escreve Carolina Michaëlis de Vasconcelos, comentando este sentido
alargado que dá ao termo Galego-Português: “Tal extensão de sentido justifica-se pela
uniformidade da língua desde o extremo da Galiza até ao extremo do Algarve, apenas
com algumas variantes provinciais, dentro de um tipo comum; e também pela grande
semelhança de modos de viver, sentir, pensar, poetar – uniformidade e semelhança que
falam eloquentemente a favor da afinidade primitiva de lusitanos e
galaicos”[Vasconcelos: 1904, II, 780].
O período que medeia entre os séculos X e XIV constitui, pois, à época por excelência
do Galego-Português. É, no entanto, a partir de finais do século XII que a língua falada
se afirma e desenvolve como língua literária por excelência, num processo que se
estende até cerca de 1350, e que, muito embora inclua também manifestações em prosa,
alcança a sua mais notável expressão na poesia que um conjunto alargado de trovadores
e jograis, galegos, portugueses, mas também castelhanos e leoneses, nos legou.
Convém, pois, ter presente, que quando falamos de poesia medieval galego-portuguesa
falamos menos em termos espaciais do que em termos linguísticos, ou seja, trata-se
essencialmente de uma poesia feita em Galego-Português por um conjunto de autores
ibéricos, num espaço geográfico alargado e que não coincide exatamente com a área
mais restrita onde a língua era efetivamente falada.
3) Os autores
As cantigas galego-portuguesas são obra de um conjunto relativamente vasto e
diversificado de autores, que encontram nas cortes régias de Leão, de Castela (ou de
Castela-Leão) e de Portugal, mas também eventualmente nas cortes de alguns grandes
senhores, o interesse e o apoio que possibilita a sua arte.
Não se trata, no entanto, de um mero patrocínio externo: na verdade, e de uma forma
que não mais terá paralelo nos séculos posteriores, os grandes senhores medievais
ibéricos não se limitam ao mero papel de protegerem e incentivarem a arte trovadoresca,
mas são eles próprios, por vezes, os seus maiores, ou mesmo mais brilhantes,
produtores.
Como é sabido, dois reis, Afonso X e o seu neto D. Dinis, contam-se entre os maiores
poetas peninsulares em língua galego-portuguesa, num notável conjunto de autores que
inclui uma parte significativa da nobreza da época, de simples cavaleiros a figuras
principais.
Ao lado deste conjunto de senhores, designados especificamente trovadores, e para
quem a arte de trovar era entendida, pelo menos ao nível dos grandes princípios, como
uma atividade desinteressada, encontramos um não menos notável conjunto de jograis,
autores oriundos das classes populares, que não se limitam ao papel de músicos e
instrumentistas que seria socialmente o seu, mas que compõem igualmente cantigas, e
para quem a arte de trovar constituía uma atividade da qual esperavam retirar não apenas
o reconhecimento do seu talento mas igualmente o respetivo proveito.
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Se bem que o percurso de alguns trovadores, até pelo seu estatuto de figuras públicas,
seja bem conhecido, em relação a muitos outros, e também em relação à maioria dos
jograis, os dados biográficos de que dispomos são escassos ou mesmo nulos.
4) Os gêneros
A Arte de Trovar subjacente às cantigas profanas galego-portuguesas é a matéria de um
pequeno tratado anónimo transcrito nas páginas iniciais do Cancioneiro da Biblioteca
Nacional.
Muito embora nos tenha chegado truncada nos seus capítulos iniciais, esta Arte de
Trovar, mais prático-didática do que propriamente teórica, fornece-nos um quadro que
genericamente se adequa às cantigas que chegaram até nós, nomeadamente quanto aos
géneros maiores cultivados por trovadores e jograis.
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Tópico de uma discussão ou tema a ser tratado. [Poética] na poesia provençal, cantiga dialogada em que os
trovadores disputam, numa espécie de desafio, sobre uma questão teórica. [Portugal] na poesia trovadoresca
portuguesa e galega, cantiga satírica, na qual os interlocutores se exprimem em estrofes idênticas em metro e rima:
tenção de escárnio, tenção de maldizer.
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[Música] tipo de música trovadoresca medieval.
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casos conservados) incluir um refrão (quando a norma provençal é a cantiga de mestria,
ou seja, sem refrão).
Num registro bem mais popular ou burguês, a cantiga de amigo é um género autóctone,
cujas origens parecem remontar a uma vasta e arcaica tradição da canção em voz
feminina, tradição que os trovadores e jograis galego-portugueses terão seguido, muito
embora adaptando-a ao universo cortês e palaciano que era o seu.
Desta forma, a voz feminina que os trovadores e jograis fazem cantar nestas
composições remete para um universo definido quase sempre pelo corpo erotizado da
mulher, que não é agora a senhora, mas a jovem enamorada, que canta, por vezes num
espaço aberto e natural, o momento da iniciação erótica ao amor.
Desta forma a velida (bela), a bem-talhada (de corpo bem feito) exterioriza e materializa
de formas várias, formas essas enquadradas numa vivência cotidiana e popular, os
sentimentos amorosos que a animam:
a) De alegria pela vinda próxima do seu amigo;
b) De tristeza ou de saudade pela sua partida,
c) De ira pelos seus enganos – os sentimentos que o trovador ou o jogral lhe faz cantar,
bem entendido.
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Trata-se, de qualquer forma, e na esmagadora maioria dos casos, de uma sátira
pessoalizada, ou seja, dirigida a uma personagem concreta, cujo nome, de resto, surge
geralmente referido logo nos primeiros versos da composição.
Acrescente-se que, embora a Arte de Trovar não o refira explicitamente, nesta arte
“dizer mal” trovadoresca (de bem "dizer mal") o riso é igualmente um elemento
fundamental.
Tematicamente, as cantigas de escárnio e maldizer abarcam um vastíssimo leque de
motivos, personagens e acontecimentos, em áreas que vão dos comportamentos
quotidianos (sexuais, morais) aos comportamentos políticos, devendo muitas delas ser
entendidas como armas de combate entre os vários grupos e interesses em presença.
Formalmente, as cantigas satíricas tendem a ser de mestria, embora quase um terço das
conservadas (31%) incluam um refrão.
5). Os manuscritos
No seu essencial, conhecemos as cantigas profanas galego-portuguesas através de três
manuscritos. O mais antigo, datável de inícios do século XIV (e, portanto, o único que
será contemporâneo da última geração de trovadores), é o Cancioneiro da Ajuda (A),
rico manuscrito iluminado, mas que é também o mais incompleto, já que contém apenas
310 composições, na sua esmagadora maioria de um único género, a cantiga de amor.
Descoberto na biblioteca do Colégio dos Nobres em inícios do século XIX, e hoje
guardado na Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa, pouco sabemos sobre as suas
origens ou sobre o seu percurso.
Trata-se, de qualquer forma, de um manuscrito que ficou manifestamente inacabado,
como é muito visível nas suas iluminuras, muitas delas com pintura incompleta ou
mesmo com figuras apenas desenhadas (o mesmo se passando com as iniciais).
Os outros dois manuscritos, conhecidos como Cancioneiro da Biblioteca Nacional
(B), também chamado Cancioneiro Colocci-Brancuti, o mais completo, guardado em
Lisboa, na BNP) e Cancioneiro da Vaticana (V, guardado na Biblioteca Apostólica
Vaticana), são manuscritos copiados em Itália, nas primeiras décadas do século XVI,
sob as ordens do humanista Angelo Colocci, e a partir de um cancioneiro anterior, muito
certamente medieval, hoje desaparecido.
Uma das cópias mandadas fazer por Colocci (B) destinar-se-ia a uso próprio (como
parecem comprovar as numerosas anotações que faz nas suas margens), enquanto a
outra (V) se destinaria eventualmente a qualquer oferta.
Para além destas três grandes recolhas trovadorescas, chegaram ainda até nós algumas
folhas volantes com cantigas, duas delas importantes, já que incluem notação musical,
o Pergaminho Vindel e o Pergaminho Sharrer (de que adiante se falará).
De resto, as questões em torno da tradição manuscrita das cantigas galego-portuguesas
não são fáceis de deslindar e continuam a suscitar interrogações (e pesquisa).
Ao que tudo indica, terá sido D. Pedro, conde de Barcelos, trovador e primogénito
bastardo de D. Dinis, o compilador das cantigas que chegaram até nós (através dos
apógrafos italianos), talvez o seu compilador final, se aceitarmos, como crê Giuseppe
Tavani, que já na corte de Afonso X se teria realizado uma primeira compilação [Tavani:
1986, 65-66].
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Seja como for, nunca será demais realçar o mérito do notável trabalho quinhentista de
Angelo Colocci, trabalho sem o qual a nossa visão da lírica galego-portuguesa se teria
de restringir ao Cancioneiro da Ajuda, ou seja, às cerca de 310 composições de amor já
referidas, em lugar das cerca de 1680 de todos os géneros de que dispomos atualmente.
6. A música
Cantiga ou cantar, implica que o texto poético se cantava.
A forma como o texto era publicamente apresentado, pressupondo uma emissão
melódica e uma audiência, tinha consequências quer na concepção do poema, quer na
sua recepção.
A intermediação musical impõe que o texto se desvele e se saboreie pouco a pouco, a
sua continuação reservando uma e outra surpresa, sugerindo uma ou outra associação;
e simultaneamente carrega-o de sinais retóricos e tonalidades afetivas, que preparam,
enquadram e condicionam a reação do ouvinte.
A eficácia da atuação trovadoresca dependia, pois, quer da bondade do casamento entre
poesia e música, quer de uma receptividade educada, socialmente diferenciada e
diferenciadora.
A cantiga trovadoresca como um todo dependia, para a sua circulação, sobretudo da
memória e do bom ouvido, quer dos autores quer dos jograis que os serviam e, na
invenção, os imitavam.
Com a vinda de França e entronização de D. Afonso III, é provável que se tenha
introduzido a ideia de que, em recolhas de cantigas exemplares, a música, à imagem do
texto, podia ser escrita recorrendo a uma notação a mais moderna possível, permitindo
a sua visualização e fácil reprodução.
Foi neste espírito que se copiaram as cantigas de Martim Codax no Pergaminho
Vindel (folha volante ou bifólio central de um caderno, encontrada pelo livreiro
madrileno Pedro Vindel em 1913 e posteriormente por ele vendida) e as de Dom Dinis
no Cancioneiro perdido de que sobra somente um fragmento, o Pergaminho Sharrer
(nome do seu descobridor, o académico Harvey Sharrer, que o localizou na Torre do
Tombo em 1990). O mesmo deve ter sucedido a centenas de cantigas; o Cancioneiro
da Ajuda foi preparado para receber pautas, mas ficou incompleto, e até hoje não se
encontraram outras fontes medievais.
A redescoberta, no século XIX, da tradição lírica galego-portuguesa baseou-se, como
antes se disse, em cópias italianas do início do século XVI (Cancioneiros da Biblioteca
Nacional e da Biblioteca Apostólica Vaticana), que não reproduziram a música
presumivelmente preexistente. Só com a edição de fotografias do Pergaminho Vindel,
em 1915, se tornou clara a dimensão da perda. A partir de então, o crescente
nacionalismo em Portugal, primeiro em plena época republicana, depois durante o
Estado Novo, levou à revalorização da herança literária mais antiga, que habitualmente
se apresentava misturando trovadores medievais com autores quatrocentistas recolhidos
no Cancioneiro de Resende e até com a obra lírica de Camões. Este interesse levou
vários compositores (Tomás Borba, Ruy Coelho, Frederico de Freitas, Cláudio
Carneyro, Croner de Vasconcelos, Filipe Pires, Victor Macedo Pinto...) a propor novas
versões musicais de textos Galego-Portugueses medievais, fosse como forma de
divulgação, como tentativa de criar uma tradição nacional de "lied", ou como exercício
de diferenciação sonora de um património.
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A partir da década de 1950, o declínio da motivação nacionalista em Portugal deixou o
campo livre para a afirmação, em diálogo com os autores medievais, de poéticas sonoras
individuais (Lopes-Graça, ou, mais recentemente, Eurico Carrapatoso, entre outros),
enquanto as edições de Rodrigues Lapa e as modernizações textuais de Natália Correia
abriam espaço para a composição de versões em idiomas musicais mais populares
(como as protagonizadas por Amália, Zeca Afonso e José Mário Branco).
Entretanto, o desenvolvimento da musicologia aplicada às fontes mais antigas e a
gradual emergência de um movimento de interpretação de música medieval com
instrumentos antigos fizeram surgir, quer propostas de reconstrução musical de cantigas
profanas a partir da reutilização de melodias medievais de outra proveniência
(contrafacta), quer múltiplas gravações tentando recriar um ambiente sonoro
trovadoresco, a partir das melodias originais, de contrafacta ou de recriações "ao estilo
medieval". A par destes desenvolvimentos, o moderno nacionalismo galego apropriou-
se, por sua vez, da tradição lírica do século XIII, produzindo a partir dela múltiplas
expressões musicais, de caráter mais historicista, mais erudito, ou mais popular
(Amancio Prada, Uxía, Xurxo Romani). Este complexo panorama está a partir de agora
refletido na riqueza e variedade dos conteúdos musicais que aqui acolhemos e
divulgamos, e que estão abertos a novas atualizações.
Cantiga de amor – cantiga em voz masculina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.
Cantiga de amigo – cantiga em voz feminina, na definição mínima, que é a da Arte de Trovar.
Cantiga de amor dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz masculina e feminina, mas iniciado pela
voz masculina.
Cantiga de amigo dialogada – cantiga em forma de diálogo entre a voz feminina e masculina, mas iniciado pela
voz feminina, ou em forma de diálogo entre duas vozes femininas.
Cantiga de escárnio e maldizer – cantiga de “dizer mal” ou satírica. A Arte de Trovar distingue duas
modalidades: o “dizer mal” de forma coberta ou equívoca (escárnio) e o “dizer mal” de forma aberta e ostensiva
(maldizer). Uma vez que a distinção, no que respeita aos textos concretos, nem sempre é simples, e uma vez
também que os próprios trovadores utilizam várias vezes a expressão genérica “escárnio e maldizer”, é esta a
designação que utilizamos nesta BD.
Cantiga de seguir – cantiga que “segue” (toma como base) uma cantiga anterior. A Arte de Trovar distingue três
modalidades de seguir: 1) mantendo apenas a música da cantiga primitiva, à qual se adaptam novos versos; 2)
mantendo a música e também as rimas da cantiga primitiva; 3) mantendo a música, algumas das rimas e ainda
alguns versos ou mesmo o refrão da cantiga primitiva, mas dando a estes versos ou ao refrão, pelo novo
enquadramento, um outro sentido.
Espúria – cantiga ou poema datando de época posterior à Lírica Galego-Portuguesa, da qual já não faz parte,
mas que foi inserida, no período compreendido entre finais do século XIV e inícios do século XVI, em espaços
deixados em branco nos manuscritos medievais. Tendo sido esses manuscritos copiados em Itália nas primeiras
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décadas do século XVI, essas cantigas foram igualmente copiadas (motivo pelo qual a letra com que surgem nos
apógrafos italianos é a mesma das cantigas medievais que a rodeiam).
Gesta de maldizer – cantiga de maldizer em forma de gesta, ou seja, parodiando o género épico medieval (a
narração dos feitos de um herói).
Lai – na Lírica Galego-Portuguesa, composição de matéria de Bretanha, de autor desconhecido, mas atribuída a
uma ou várias personagens lendárias dos romances do ciclo bretão-arturiano.
Pastorela – cantiga lírico-narrativa, geralmente dialogada, que descreve um encontro entre um cavaleiro-
trovador e uma pastora, num quadro campestre.
Tenção – cantiga em que intervêm dois trovadores, que discutem, em estrofes alternadas, um tema ou uma
questão entre si. O primeiro a intervir é considerado, nos manuscritos, o autor da cantiga. O seu interlocutor tem
de manter, na sua resposta, o esquema formal proposto na 1ª estrofe (métrico, rimático, etc.); a cada
interveniente cabe o mesmo número de estrofes (ou ainda de findas, se a composição as tiver).
Cantiga de refrão paralelística – cantiga cujo princípio estruturante é a repetição de versos numa sequência
determinada (com refrão invariável). No paralelismo perfeito, com leixa-pren (deixa-toma), as estrofes são
constituídas por dísticos que se repetem uma vez com variações mínimas, sendo o último verso de cada par de
estrofes retomado no par de estrofes seguinte (num esquema de versos cuja versão mais simples se poderá
descrever da seguinte forma: a, b, a’, b’, b, c, b’, c’, c, d, c’, d’, etc.).
Finda – remate de uma cantiga, constituído por um, dois ou três versos finais (em casos raros, quatro). As
cantigas podem ainda ter duas ou mais findas.
Cobras singulares – estrofes com séries de rimas diferentes (embora com o mesmo esquema rimático).
Cobras uníssonas – estrofes com uma única série de rimas, que se repetem em todas as estrofes (ou seja, além
do esquema rimático, as terminações vocálicas dos versos são as mesmas em todas as estrofes).
Cobras doblas – estrofes com séries de rimas que se repetem a cada duas estrofes.
Ateúda – cantiga que não sofre interrupção sintática entre as estrofes, e onde o sentido se liga do primeiro ao
último verso.
Ateúda atá finda – cantiga ateúda até à finda (ou seja, onde o processo de ligação estrófica se estende à finda).
Dobre – processo pelo qual se repetem palavras na mesma estrofe, em pontos que são fixos em todas as
estrofes (ou seja, exemplificando: se na 1ª estrofe se repete a mesma palavra em dois pontos, nas estrofes
seguintes deverá repetir-se uma outra palavra na mesma posição).
Mozdobre – processo semelhante ao dobre, mas com variação na flexão da palavra (exemplo: amar/amei).
Palavra perduda – verso de uma estrofe que não rima com nenhum outro (mas podendo ou não rimar com os
versos correspondentes das estrofes seguintes).