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Sobre

Comportamento
e Cognição
Temas aplicados

Volume 19
Organizado por Roosevelt R. Starlíng

ESETec
Editores Associados
2007
Copyright © desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2007.
Todos os direitos reservados

Starting, R. R.

Sobre Comportamento e Cognição: Temas aplicados - Org. Roosevelt R.


Starling 1a ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2007. v.19

400 p. 23cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorismo
3. Análise do Comportamento

CDD 155,2
CDU 159.9.019.4

ISBN - 85-88303-85-X

ESETec Editores Associados


Sumário
Prefácio................................................... ................. ............................................ 9
Regina Christina Wielenska

Apresentação...................................................................................................... 11
Roosevelt R. Starling

O que precisamos para descrever a prática da terapia comportamental?13


Rachel Rodrigues Kerbauy

A função da assertividade no relacionamento a fetivo ................................ 23


Paula Virgínia Oliveira Elias e ilma A. Goulart de Souza Britto

Transtornos de ansiedade e de humor: limites da terapia individual...... 37


Regina Christina Wielenska

A clinica do autismo em dados........................................................................ 42


Roosevelt R. Starling, Kellen A. Carvalho, Silvana C. Santos e Juliana Campos

Avaliação comportamental do desempenho social em uma sucursal sa


clinica-escola do IPUSP: indicadores de rejeição e aceitação entre
crianças.... ...................................................................................................... 68
Márcia Helena da Silva Melo e Edwiges Ferreira de Mattos Silvares

Categorização de comportamentos no contexto clínico: um relato de


experiência................................................... ................................................. 77
Graziela Freire Vieira, Paula Virgínia Oliveira Elias e Ilma A. Goulart de Souza Britto

Orientação para pais para prevenir problemas de comportamento em


crianças................................................................................................. 88
Patrícia Maria Borini Rodrigues e Maria Luiza Marinho

Estudos recentes sobre um modelo animal de depressão: implicações


para a clínica................................................................................................104
Ana Priscila Batista, Emileane Costa Assis Oliveira e Mariana Januário Samelo

Caracterização da clientela infantil em espera para atendimento psicoló­


gico em clínica-escola no início do século XXI: comparação com dados
de décadas anteriores................................................................................113
Ana Priscila Martelozo, Maria Luiza Marinho e Cynthia Borges de Moura

Análise cultural e pratica clínica: identificando e discutindo as possibilida­


des e limites da Terapia Comportamental em meio a contextos sociais
aversivos..... .................................................................................................124
Tiago Carlos Zortea, Leandro Gama Moraes e Elizeu Batista Borloti
Aspectos psicológicos no atendimento ao abusador sexual................... 132
Meg Gomes Martins

Terapia sexual sob a perspectiva analitico-comportamental................. 144


Antonio Isidro da Silva, Geison Jsidro-Marinho e Liana da Silva Mousinho

Psicoterapia anafítíco funcional (FAP).......................................................151


Luc Vandenberghe

A relação entre os comportamentos de medo e dependência na visão da


Terapia Comportamental........................................................................ 160
Fabiana Alves Leite de Aguiar e Ms Gina Nolêto Bueno

Perfeccionismo e baixa auto>estima. Auto-regras: instrumentos


viabiiizadores.............. ............................................................................174
Gina Nolêto Bueno e Amanda Isabel Silva Melo

Fobia social e aquisição de comportamento resiliente: uma visão analíti-


co-comportamental................................................................................. 190
Carolina de Fátima Fampa de Souza, Waneila Marques Maciel e João dos Santos Carmo

Operações esta be leced oras e contexto clínico...................... ..................202


Geison Isidro-Marinho

Análise de interações entre o odontopediatra e a criança durante a con­


sulta ...........................................................................................................209
Daniele Pedrosa Fioravante, Maria Luiza Marinho e Maria Rita Zoéga Soares

Doença de Alzheimer: panorama geral e contribuições da análise do


comportamento....................................................................................... 222
Nilda dos Santos Pinheiro, João dos Santos Carmo e Albedy Moreira Bastos

O conceito de prevenção para o behaviorismo radical: em busca de


práticas preventivas de maior sucesso.................................................. 231
Ana Carina Stelko Pereira e Alexandre Dittrich

Protocolo de psicologia no setor de cirurgia bariátrica.......................... 244


Liana Rosa Elias e Daniely Ddegardes Brito Tatmatsu

O câncer de mama e seu tratamento: aspectos biológicos e psicológicos253


Ana Claudia Paranzini Sampaio, Vera Lúda Adami Raposo do Amaral e Maria Luiza Marinho

Estratégias utilizadas por odontopediatras no manejo do comportamento


infantil....................................................................................................... 265
Olívia Justen Brandenburg, Juliana Accioly Gavazzoni e Maria Luiza Marinho

Programas de intervenção para cessar o comportamento de fumar cigar­


ros: resultados de pesquisas...... ........................................................ . 274
Juliana Accioly Gavazzoni, Maria Luiza Marinho e Olívia Justen Brandenburg
O comportamento de escolha da profissão em crianças de diferentes
extratos sociais: um estudo a partir do relato verbal escrito..............285
Fernanda Lima de Melo e Sõnia dos Santos Castanheira

Investigação da formação, em análise do comportamento, de alunos de


cursos de psicologia de instituições particulares................................. 290
Eliana Isabel de Moraes Hamasaki, Angélica Capelari e Cristina Moreira Fonseca

Escolha de abordagem teórica em psicologia: questão de ensino ou de


história?......................................................................................................297
Mariantonia Chippari, Adriana Regina Rubio, Mariana Januário Samelo e Regis Reis
Guedes

A concepção de psicologia e o conhecimento do professor não-behaviorista


sobre o behaviorismo radical...................................................................304
Mariana Januário Samelo e Regis Reis Guedes

Reincidentes criminais................................................................................... 309


Dyego de Carvalho Costa e Meg Gomes Martins

Análise comportamental clínica de casos de transtorno do pânico: sinto­


mas iguais, intervenções diferentes........................................................ 314
João Vicente de Sousa Marçal

Terapia cognitivo-comportamental não-focalizada: um estudo de caso 326


Livia Maria Martins Pontes e Cibele Freire Santoro

Bullyng escolar e estilos parentais...............................................................335


Josafá Moreira da Cunha e Lidia Natalia Dobriansky] Weber

Análise das relações entre o comportamento anti-social de adolescentes e


a interação familiar................................................................................... 347
Lidia Natalia Dobrianskyj Weber, Josafá Moreira da Cunha e Venícius Fernando Moura

Desempenho acadêmico: como os pais podem ajudar?.......................... 368


Ana Paula Viezzer Salvador e Lidia Natalia Dobrianskyj Weber

7
Prefácio

Passados dezessete anos da fundação da ABPMC, num já distante novembro


de 1991, temos a certeza de que ela trouxe muitos benefícios aos que escolheram
percorrer profissionalmente o campo da ciência do comportamento no Brasil. O Encontro
Anual, com suas mesas-redondas, simpósios, cursos, conferências, sessões de
comunicação de pesquisas e apresentações de painéis tornou-se consagrado fórum
para variadas discussões. São sessões concorridas, nas quais os estudantes,
pesquisadores e profissionais podem rever teorias e conceitos, conhecer formas de
aplicar este corpo amplo de conhecimento, comparar propostas, buscar respostas para
algumas indagações e descobrir que, no exato momento em que encontramos respostas
satisfatórias, outras tantas perguntas nos ocorrem.
Somos uma comunidade sensível às contingências e, não demorou muito,
entramos em contato com a necessidade de documentar e divulgar esta produção
científica, tomando-a acessível a mais indivíduos. A partir do Volume 1, nossos alunos e
supervisionandos, toda pessoa interessada em se familiarizar ou aprofundar seus
conhecimentos acerca da ciência do comportamento, passou a dispor da Coleção Sobre
Comportamento e Cognição como fonte adicional de consulta. Realizada a partir do
esforço coletivo de muitos, tomou-se bem sucedida resposta à demanda por textos, em
língua portuguesa, que contribuam para a formação e educação continuada de
estudantes e profissionais de Psicologia, Medicina e Educação, entre outras áreas.
À atual Diretoria da ABPMC, ao organizador deste volume 19, Roosevelt R.
Starling, e à EseTec- Editores Associados, quero expressar meu reconhecimento pelo
esforço e disponibilidade de todos. Tenho certeza de que é tarefa árdua manejar nossos
atrasos na entrega dos manuscritos, as formatações inúmeras que indisciplinadamente
deliberávamos adotar, a diversidade temática, tantas sutilezas e idiossincrasias quantas
autores houver (claro que aqui manifesto-me na condição de autora). Aos que contribuíram
com capítulos, agradeço pela dedicação, paciência e generosidade de partilharem
conosco suas respectivas apresentações no Encontro, agora editorialmente eternizadas
sob a forma de textos sucintos e didáticos.
Este Volume foi subdividido em quatro contextos, que interligam a teoria à
aplicação. Há artigos abrigados sob a égide dos contextos clínicos, médico-hospitalares
e da saúde, educacionais e formativos e sociais {neste último contexto, entenda-se
“social" numa acepção mais ampla). Certamente não esgotamos aqui as possibilidades
de classificação da nossa prática profissional, aliás, já atuamos em outras frentes, aqui
não contempladas com artigos a respeito. Não tenho dúvida de que desbravaremos
maior número de trilhas, e revisitaremos outras, na medida em que persistimos na
construção da teoria, pesquisa e aplicação.

Sobre Comportamento e Cognição 9


Aos leitores peço interlocução, que eles se disponham a nos informar sobre o
impacto dos artigos lidos, façam-nos perguntas, testem nossas hipóteses e proponham
as modificações que julgarem imperiosas. Assim é que se fortalece o comportamento
produtivo dos analistas do comportamento; muita troca com os pares, doses de reflexão
e estudo, com inventividade, dedicação e ética.
Boa leitura, e até o próximo volume da coleção!

Regina Christina Wielenska

10
Apresentação

Este volume registra a produção aplicada apresentada à comunidade científica


durante o XV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina
Comportamental - ABPMC, realizado, pela primeira vez na história desta sociedade, em
Brasília (DF), cidade capital da federação e, nesta qualidade, cidade especialmente
vocacionada para sediar um encontro nacional.
Não se poderia deixar também de registrar o fato de que, com o XV Encontro, a
ABPMC atingiu a idade de debutante, tradicional cerimônia social - tipicamente realizada
com pompa e circunstância - na qual as moças desta idade (15 anos) eram apresentadas
"oficialmente” à sociedade para serem conhecidas e reconhecidas, marcando a sua
entrada no mundo adulto com todos os seus privilégios e responsabilidades: não eram
mais meninas.
A ABPMC, entendida como o conjunto das práticas científicas que representa,
não é mais uma menina. Suas duas publicações, esta coletânea Sobre Com portam ento
e Cognição e a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva receberam,
ambas, o conhecimento e o reconhecimento da ciência brasileira através da atribuição
do Qualis A, uma e outra. Seus encontros nacionais cresceram ininterruptamente durante
estes quinze anos em número de participantes, em número de trabalhos apresentados,
na abrangência territorial da origem dos autores e na qualidade destes trabalhos. Só
decresceram na média de idade dos seus autores e este fato, isoladamente, talvez
seja o mais auspicioso de toda esta trajetória. Temos o que comemorar!
Por tudo isso, foi com humildade e grande honra que aceitei o gentil convite da
atual diretoria da ABPMC para organizar um dos volumes referentes ao XV Encontro,
aquele que registraria a produção aplicada da área nele apresentada. Alhures, já havia
comentado o privilégio que tem o organizador de ter um contato íntimo com os autores
e suas obras e, por vezes dialogando com eles sobre uma ou outra particularidade da
sua produção, fazer contato também com seus repertórios mais extensos, com as
suas pessoas. Aqui, como alhures, este contato foi muito gratificante. Sempre impressiona
e gratifica a responsabilidade, a precisão, a ousadia intelectual e a busca incessante
de firmeza conceituai com as quais nossos autores registram o produto da sua
exposição às contingências do trabalho investigativo científico. Igualmente impressiona
e gratifica sua prontidão pessoal e gentileza de trato. Sim, temos o que comemorar.
No que concerne à aplicação do conhecimento, este volume traz uma boa parte
de seus trabalhos discursivos fundamentados em dados empíricos. Se de maneira
geral ainda não atingimos, na aplicação, o discurso robusto e convincente que a análise
experimental permite, vamos já fortalecendo nossa fala, colocando-a sob controle de

Sobre Comportamento e Cognição 11


observações e registros produzidos com rigor e sistematização, como poderá constatar
o leitor. Numa analogia, se o conhecimento produzido pela pesquisa básica produz o
alicerce e a alvenaria, é a aplicação dele que produz o acabamento e dispõe a mobília,
tomando a casa finalmente um lugar, um hogar, para humanos viverem a plenitude da
sua história dispondo de cada vez mais e melhores recursos para produzir um ambiente
reforçador para si mesmos e para seus semelhantes.
Com a palavra, os autores.

Roosevelt R. Starling

12
Capítulo 1
O que precisamos para descrever
a prática da terapia comportamental?

R achel R o d rig u e s K erbauy*

Função da pesquisa clinica


Descrever a história da pesquisa clinica pode ser um roteiro de como ela foi se
aproximando da pesquisa, quais os fatores que obrigaram essa aproximação. No século
XX foi demonstrado que as contribuições da ciência produziam mudanças nos conteúdos
dos pontos de vista do homem, sobre ele próprio e sobre o ambiente. As contribuições
de Darwin e mesmo de Skinner e outros mostravam como é a interação do homem com
o ambiente e quais as conseqüências. Talvez o passar do tempo permita verificar quanto
a educação, a justiça e a terapia podem ser formuladas e integradas com esses
conhecimentos.
A produção de conhecimento, com as regras formuladas pela ciência, tem por
função propiciar um avanço e garantir um pouco mais de certeza e poder mostrar que
alterações são necessárias nos próximos passos, para questões não respondidas.
Em análise do comportamento, mostrar as relações entre os conhecimentos
experimentais básicos e a área de aplicação ou a prestação de serviços é importante por
ajudar a selecionar os conteúdos para aplicação e ainda por ter uma metodologia de
pesquisa que permite trabalhar com o sujeito único. Desde o artigo clássico de 1968 de
Baer, Wolf e Risley sabem da legitimidade da pesquisa aplicada. Outros artigos posteriores
salientaram outros pontos e, o importante, é que em aplicação é necessário verificar os
resultados, como eles são atingidos e, a o que se deve sua eficácia. Moore e Cooper
(2003) fizeram uma revisão dos diversos pontos de vista das áreas e salientaram a
importância para o ensino e programas de treinamento. De fato, salientaram as relações
entre os vários domínios da análise comportamental e os critérios para distingui-los.
Inclusive apresentam quanto cada item dos critérios são diferentes para as diversas
áreas. Fica claro, em seu artigo, que a analise comportamental aplicada está interessada
em demonstrar como os princípios com porta menta is fundamentais têm significância
social e melhoram as interações comportamento e ambiente. A prestação de serviço não
é analise experimental aplicada, mas prática.
Em dínica, de modo geral, as teorias são construídas a partir de inferências e os
caminhos para fazê-las não são daramente descritos. Embora se perceba, muitas vezes,
coerência lógica da teoria. Também, a maneira de espedficar a construção e busca dos
dados que referendam a teoria, durante o procedimento clinico, implicam em mais inferêndas.

“Professor titular da USP / Psicóloga dinica e pesquisadora

Sobre C o m p o rtam en to e C ogniçJo 13


Essas teorias encantam os participantes e convencem, favorecendo mudanças. Como se
sabe, a relação terapêutica é uma das variáveis relevantes nesse processo e nem sempre
claramente explicitada. Há autores como Yalom (2002/2006) que descreve essa relação
analisar a interação terapêutica como um dado fundamental e mostram como é relevante
observar os comportamentos que acontecem na sessão e incorporar a analise deles. Seria
um laboratório, pois a pessoa emite na sessão, os seus comportamentos usuais.
Outra função da pesquisa clínica seria fornecer material para estudo e reflexão.
Cada observação permite questionar a forma de trabalhar do terapeuta e os resultados
que o cliente está tendo. Nesse sentido, passa a sinalizar uma investigação que pode
ser detalhada em certos eventos. São eles teóricos, ou sustentados por teoria?
Assim, vai sendo esclarecido, como acrescentar novos repertórios aos já existentes.
Esse processo é o fundamental em terapia, em que a pessoa chega com uma história de
sofrimento ou de dificuldades de relacionamento e incapacidade para resolver problemas.
Examinando como os princípios de comportamento atuam nesses casos, e alternativas para
fuga e esquiva, encontram-se repostas teóricas ou inovações. De fato, a terapia comportamental
tem aprendido a incorporar conhecimentos de outras linhas teóricas e descobertas culturais,
sem perder a coerência. Também o terapeuta pode perceber a importância do silêncio, do
ouvir atentamente, de aproximar-se ou afastar-se, propor tarefas ou mesmo como separar
sua linguagem científica aprendida e buscar exemplos e analogias para sugestões ou
explicações. Para Baum (1994/1999) o “conhecimento dentífico é comportamento verbal de
cientistas em contextos científicos”p.147, mas também afirma que um cientista sabe algo
quando é capaz de falar e responder perguntas corretamente, e assim os outros afirmam que
ele conhece. Não é este o contexto da terapia. Como ressaltamos ao ser terapeuta ele está
sob controle da melhora do cliente e seus conhecimentos serão transformados em maneiras
de atuar. O diente não lhe dará o prêmio Nobel, mas a satisfação de estar vivendo bem,
resolvendo satisfatoriamente suas dificuldades..
Esses pontos se juntam, tanto a interação cliente terapeuta como as formas de
intervenção. É uma aprendizagem difícil e também com problemas para relatar em
artigos científicos. Seu objetivo é teórico, mas é, especialmente, melhorar a atuação e o
ensino. Em publicações observamos que são as formas geralmente escolhida: casos
descritos, integral ou parcialmente e analises mostradas em paralelo. Escolhi, para os
trabalhos com orientandos, transcrever as sessões. O dado bruto da sessão transcrita
é apresentado, permitindo acompanhar a construção de classes descritas.
Um outro objetivo da pesquisa comportamental, de acordo com seu referencial teórico,
tem sido esclarecer o papel do ambiente nos desempenhos, demonstrando o processo.
Sabemos que comportamentos operantes são uma classe de atos e que todos tem o mesmo
efeito no ambiente. Isto pode ser observado com todos os recursos de observação disponíveis,
uma vez que gravando, é possível ver inúmeras vezes e empregar o registro adequado. Pode-
se escolher intervalo, comportamento, e reconhecer e agrupar semelhanças para explicá-las.
A funcionalidade ou a classe fundonat é determinada pelo efeito que produz no ambiente, se
for o mesmo efeito, no mesmo contexto, pertencem a mesma classe e posso denomina-la.
Estar com um celular na mão e guarda-lo na bolsa é diferente de entregar ao ladrão que o
puxa. A submissão a ameaça que produziu a retirada da ameaça é diferente de colocar no
lugar, bolsa, para ca negar mais fedlmente. Evidentemente as emoções serão diferentes nos
dois casos e os pensamentos também, além das modificações orgânicas. Por seqüêndas
como essas, é possível categorizar os dados e demonstrar o efeito do comportamento no
ambiente e deste na pessoa. Como analistas de comportamentos, terapeutas procuram a
melhor maneira, as mais úteis, de descrever o comportamento, falar sobre os eventos e
nossas experiências, para que sejam compreensíveis.

14 R achtl Rodrigues K eitauy


Problemas da pesquisa clinica durante sua história.
A pesquisa clinica precisava de formulações gerais que norteassem os trabalhos
nas sessões terapêuticas, mas também de dados individuais detalhados. Com as ligações
da psicologia com a filosofia, nos seus primórdios, parece que ela incorporou aquela
maneira de descrever e trabalhar. Essa discussão permeia alguns debates até hoje, mesmo
de pessoas que aceitam a ciência e a obtenção de dados por métodos científicos, cómo
Pereira da Silva(2004). Efa é infindável pois o dado obtido no laboratório pode ser considerado
artificial, para as necessidades clínicas, embora sirvam para elucidar certos eventos.
Outras discussões que permeiam a história clínica, talvez mais por parte
daqueles que adotam a ciência como fonte de conhecimento e maneira de obter dados,
são sobre o próprio método cientifico; as correlações, a pesquisa qualitativa e quantitativa,
as descrições de técnicas em psicologia e a natureza e aceitação do evento privado.
Dependendo da época e da linha teórica, cada um desses temas está atual ou em
desuso. Coisas sacramentadas são rediscutidas e analisadas pelos mesmos autores,
mas que com sua experiência ao passar os anos, retificam suas posições ou mudam,
explicando por que. Mesmo assim, são ignoradas. Por que, não sei. Talvez pela
dificuldade de discutir o teor das inferências e os caminhos para fazê-fas.
Geralmente as inferências têm baixo respaldo em dados. Platt, em 1964, publicou
na Science um artigo contundente sobre esse assunto. Afirmações são aceitas,
transmitidas e empregadas e difundidas. Em princípio, as teorias com respaldo cientifico
podem ser reformuladas pela descoberta de novos dados, pois é descrita a maneira de
se chegar a eles. Desta forma, as modificações são aceitas e geralmente bem vindas.
Na situação clínica, o bombardeio de informações que o cliente traz, as vezes com um
forte componente emocional e defensivo, obriga o terapeuta a ter respaldo teórico para
não se perder entre eles. A construção dessa teoria é o problema.
Em terapia comportamental, com autores que seguem o referencial filosófico e
teórico de behaviorismo radical, estamos assistindo ao aparecimento de teorias clinicas.
Banaco , Cardoso, Matos, Menezes, Souza, Pasquinelli (2006) fizeram um panorama de
algumas dessas teorias. Considero que muitas delas escolheram o processo antigo,
no qual o trabalho do terapeuta levou a formular suas idéias, e só depois de publicado
artigo ou livro, é que as pesquisas, as vezes, começam. Talvez seja necessário adeptos
para as pesquisas começarem, pela dificuldade que apresentam, e necessidade de
novos métodos de pesquisa. Durante anos, os trabalhos com verbal foram considerados
com cuidado, os experimentos com animais priorizados, existindo mesmo polêmicas
sobre dar instruções aos humanos ou simplesmente colocá-los na situação experimental.
Este assunto é para outro estudo, mas as pessoas interessadas encontrarão literatura
a respeito, em publicações recentes e poderão pinsar citações de Skinner e outros
autores clássicos sobre o assunto. Encontrarão, com certeza, criticas ao verbal behavior
(1957/) de Skinner, e até sobre sua definição de comportamento verbal.
No entanto, em 1953 e especialmente em 1969, Skinner escreveu que regras,
eram contingências especificando estímulos. Estava aberto um novo caminho para
pesquisa que tinha bastante relação com o trabalho clinico. A área de equivalência
ajudava a desvendar a relevância da linguagem humana. Podíamos falar em fazer
pesquisas clinicas de outras formas, com outras metodologias e expor ao público.

Teses e dissertações, trabalho conjunto ou solitário?


Os diversos orientandos, que a vida acadêmica propicia, têm aqui no Brasil,
uma relação com características próprias. O sistema de mestrado e doutorado em

Sobre C om portam ento e C p ín iç S o


psicologia é recente. Apresentei a primeira dissertação de mestrado, do Programa de
pós-graduação da Psicologia experimental da USP, em 1969. “A aprendizagem de uma
discriminação em crianças deficientes e normais e a manipulação de diferentes
reforços”, publicada com o mesmo nome em 1977, no Boletim de Psicologia. Foi um
trabalho experimental, como gosto de fazer, levando o material de pesquisa e percorrendo
escolas sorteadas,com classes especiais,pela cidade de São Paulo.O laboratório era
a sala que a escola permitiu usar, de depósito a sala da bandeira. Além de fazer a
dissertação e aprender a pesquisar conheci a cidade e escolas.
Antes dos cursos de doutorado haviam poucos doutores e consequentemente
orientadores. Após esse período eles aumentaram em numero e locais. Como orientar
ninguém aprendeu. Na USP é necessário dar alguns anos de cursos de pós-graduação
antes de ser orientador. Geralmente cada orientador faz acordos verbais com
orientandos. Costuma se considerar que o trabalho é do orientando. Não importa
quanto e qual foi o trabalho do orientador, nem mesmo de quem foi a idéia e
metodologia que orientou o trabalho. Permite também que tratos verbais não sejam
seguidos após a tese terminar. Esse sistema talvez dê mais diversidade, mas dificulta
formação de grupos de pesquisa. Obriga também o orientador a orientar vários
assuntos, muitos deles, que não domina bem. Mas o sistema está aí e se modificando
a cada dia e, ninguém sabe as combinações das duplas.
De qualquer maneira, pretendo selecionar aqui os trabalhos feitos comigo e
orientandos que estudaram as relações verbais, em sessões de terapia, da idade terapeuta
e cliente. Cada uma das teses tinha seu próprio objetivo. Iniciarei, no entanto o relato por
duas dissertações de mestrado, não publicadas, que me levaram a delinear uma linha de
pesquisa. Considero que não publicar um trabalho é não terminá-lo. Só a apresentação
em congressos com resumo publicado é insuficiente. Mesmo com xérox possível, e
deposito na biblioteca, as pessoas podem não procura-las. É pena. Talvez o acordo entre
o orientador e orientando deva ser: se você não apresentar para publicação os artigos em
um ano, escrevo e publico como principal autor. No entanto, os programas de pós-graduação
atuais, com as cobranças para avaliação , tem até exigido os trabalhos prontos para
publicação, na defesa. Variam as exigências nas Universidades. Hoje também é exigido
um trabalho prévio com o orientador, antes de entrar no programa, em muitas universidades.
A titulação aqui no Brasil, era mais uma exigência acadêmica. Hoje está mudando.
Marina Buzzo defendeu em 1986, sua dissertação de mestrado sobre autocontrole
de crianças em situação de espera. Marina havia trabalhado comigo em pesquisa antes
da tese, sobre espera do reforçador maior. Havíamos observado que enquanto esperavam
as crianças cantavam, falavam e pareciam realmente fazer os comportamentos que Skinner
descreve em Walden Two.Resolvi que em sua dissertação seria colocado um gravador e,
fornecidas instruções para as crianças falarem com o gravador se quisessem e garantido
que havia fita e pilha. Notem que naquela época gravador era pouco comum.Na segunda
sessão as crianças recebiam instruções especificas, isto é orientadas para a situação de
espera.:” eu gostaria que você gravasse tudo o que pensa enquanto espera. Você pensa
alto e fala sobre esta situação de ficar esperando, sobre as balas,campainha, porque
você quer ou não quer esperar” Evidentemente verificou-se se as instruções eram
compreendidas. Foram escolhidas 62 crianças com idade média de 11,2 anos, pela
probabilidade maior de esperar nessa idade.
Analisamos posteriormente as gravações de 25 crianças sorteadas. Dividimos as
falas em unidades de relato e classificaram-se duas ciasses: Cl relatos cuja referencia são
eventos independentes do experimento e CE relatos sobre os eventos experimentais.
Constatou-se que as crianças esperaram pela recompensa maior independente da ausência

16 R achd R odrijue» Ketbauy


ou presença dela. Os resultados também indicaram que com a recompensa presente as
crianças emitiram maior freqüência de relatos do que em sua ausência e também mais
sobre a classe CE que se referiam aos eventos experimentais. Confirmava-se a relevância da
instrução para o desempenho verbal do participante. Verifica-se assim o efeito controlador da
situação experimental, mas mostra também a variedade dos relatos verbais possíveis.
Analisamos e classificamos as falas das crianças por exemplo, julgamento
sobre a situação experimental: S3 - não estou gostando nada disso, S18 - eu gosto
muito de ficar aqui. Sobre o ambiente físico: $ 8 - bandeira, que bonita, né? Muito bonita!
S1 - eu gostei mais é do sininho Comportamentos na situação experimental: S2 -
depois que eu acabo aqui, vô para a classe, arrumo material, e depois faze tudo isso,
S19 - esse jogo é uma brincadeira. Informações sobre a familia: S13 - eu gosto de faze
tanta coisa que a minha mãe pede. S21 - tenho uma quitanda.
Os participantes falaram mais sobre a situação experimental como um todo,
sobre a espera e sobre a recompensa. “Não vou tocar a campainha porque quero ganha
seis balas". Eles analisam a contingência, a situação e as condições para recebê-las. Na
segunda sessão foram mais freqüentes os relatos sobre a sessão experimental, em
função das instruções. A familiaridade com a situação experimental é evidente pois falar
sobre eventos privados como estados emocionais de medo e desconfiança na primeira
sessão decresce na segunda substituídos por alegria e tranqüilidade e identificam
estímulos presentes descrevendo-os e apreciando. A classe situação experimental foi a
mais referida pois, dos 25 participantes, 19 a ela se referiram. Na classe de eventos
independentes da situação experim ental as falas mais freq ü en tes são outros
comportamentos onde se incluiu cantar, narrar e declamar poesias. Tais respostas,
segundo Skinner (1948/1978), são respostas de autocontrole, recursos utilisados para
se distrair durante o período em que se espera que o objeto desejado esteja disponível.
Esse trabalho procurou fazer uma análise do relato verbal. Forneceu informações
sobre uma diversidade de temas e as apreciações possíveis para crianças da faixa etária.Os
resultados poderiam servir de base para construção de um programa de autocontrole.
O mestrado de Ana Falqueiro, 1988 foi uma análise do comportamento verbal
de crianças realizando atividades em situação de grupo. O material disponível era
massinha, pintura, blocos de madeira, em sessões distribuídas. O gravador estava
presente para gravar as interações que posteriormente foram transcritas. O material
analisado propiciou conhecer o universo de crianças residentes em fa v e la e a
tranqüilidade com que durante as atividades relatavam seu cotidiano de queixas e
apreciações sobre a escola a brigas, tiroteio e morte na favela.
Estes dois trabalhos mostraram a dificuldade de analisar relatos mas também
deixaram evidente que os resultados, se utilizados, permitiriam conhecer o universo
das crianças e serviriam de base para programas de ensino. Os temas apresentados
são inusitados, as emoções e decisões foram fortem ente influenciadas pela vida
cotidiana e a definição dos objetivos era clara, esperar a recompensa em um caso e
fazer um desenho ou objeto com massinha que pudesse ser apreciado.
Para os pesquisadores, o tratamento dos dados para a analise era um trabalho
árduo; ouvir as fitas, transcrever, reler inúmeras vezes, para formular as questões que o
procedimento encaminhava mas estavam em aberto. Classificar os dados e ter certeza que
todos estavam contidos na analise.O prazer da descoberta acompanhava a analise de
dados, um quebra-cabeça. Para o orientador, era a descoberta de um caminho que conduziria
à análise de sessões clínicas quando aparecessem orientandos interessados no tema.
Cibele Chapadeiro Sales, em 1997, estava interessada em dor de mama,
assunto recorrente no ambulatório em que trabalhava na U. Medicina do Triângulo

S obre C o m p o riam en lo e C o jn iç ã o
Mineiro de Uberaba. Como cada estudo exige um procedimento que possibilite resposta
as questões e neste caso era solicitação do setor do mastologia ,pois pelos dados da
literatura há indícios de que fatores psicológicos estão relacionados ao relato de dor.,
Jenkins,Jamil,Gately e Mensel (1993). Conhecíamos também os dados de Gíannotti
que realizou um estudo de impacto sobre queixas de dores cardíacas em usuários de
um hospital, que resultou em mudanças no atendimento e internações.
O objetivo do estudo foi caracterizar a dor de mama e avaliar alterações depois das
informações fornecidas pelo pesquisador. Após uma entrevista semi-est/uturada foi solicitado
a 50 mulheres o registro no domicilio, durante uma semana, da ocorrência da mastalgia. Ao
retomarem com os registros o pesquisador transmitiu ao grupo A informações sobre dor de
mama e ao grupo B sobre estilo de vida e novamente solicitou-se registro de dor.
Os dados demonstraram que a dor é avaliada entre moderada ou intensa, com
duração de um a dez anos, e que a maioria utiliza estratégias para lidar com ela. A dor
ocorre no trabalho e no lazer, com ou sem atividade física, só ou acompanhada sugerindo
multideterminação. A maioria receia que seja sinal de câncer e algumas relacionam
com depressão, problemas familiares ou conjugais. Há indícios que as informações
tranqüilizaram as participantes.
Uma análise dos registros da primeira e segunda etapa demonstra que favorecem
obter um quadro da dor. Foi possível verificar os antecedentes da dor, as atividades realizadas
durante o dia. Alguns participantes concluíram que a dor era da coluna o que pode ser
explicação plausível por não existir patologia que explicasse a dor. Também podemos
supor que melhorou a auto-observação pois as participantes estavam sozinhas em mais
da metade dos episódios de dor. Interessante constatar que 19 participantes admitem que
medo está relacionado a dor pois o falar pode desencadeá-la e distrair fazer com que
desapareça. Há participantes que se tranqüilizam com as informações e resultados normais
dos exames. Metade das participantes desconheciam que outras mulheres tinham dor de
mama o que pode provocar medo. Além do medo a depressão é outro estado interno
relacionado a dor para os participantes relacionaram três das cinco palavras com a
donproblemas familiares,câncer, depressão, medo e problema conjugal.
As mulheres que não realizaram o registro foram contatadas por telefone ou
pessoalmente. Embora se espere perda de dados, provavelmente falta de mais detalhes
fornecidos pelo pesquisador, escolaridade e falta de consequenciação para devolução,
podem ser fatores ponderáveis. Se a dor existe para algumas mulheres o problema é
individual e corrobora a existência de programas psico-educativos nos hospitais,
ministrados por equipes multidisciplinares.
Este tipo de estudo analisou o relato escrito, feito em registros e pode ser que a
dificuldade para escrever, reduziu os dados obtidos. Ma também propiciou a inexistência de
relatos dramáticos, diante desse tipo de situação. É no entanto uma fornia de mesmo em
prestação de serviço obter dados que favoreçam formas de intervenções mais adequadas a
população. Também, caracterizar dor sem componente orgânico que justifique, é tarefa difícil.
Em 1997, Joscelaine M. Silveira depositou um mestrado sobre” o estudo das
verbalizações de um terapeuta em relação a queixas apresentadas pelo cliente. Embora
tenha transcrito as sessões gravadas e analisado as interações do terapeuta cliente,
escolheu verificar as queixas que permaneciam e como se agrupavam. Analisou também
quais as conseqüências fornecidas pelo terapeuta especialmente como era o feedback
para os fatos relatados e as metáforas que haviam tido impacto no comportamento do
cliente. Portanto a análise de classes de verbalizações do terapeuta e cliente mostraram
que o comportamento do terapeuta foi controlado pela descrição da queixa e as verbalizações
deste, em resposta as queixas, aumentaram a freqüência em relação a elas. Embora o
comportamento do terapeuta possa ter sido controlado por variáveis não observáveis na
sessão, estava, no entanto, controlado pelo referencial teórico, durante suas intervenções.

18 Rachei Rodrigues Kerbauy


De fato o trabalho que iniciou a análise da sessão terapêutica como eu pretendia
foi a dissertação de mestrado de Adriana Margotto: “Identificando mudanças na Interação
verbal em situação clínica.” apresentada em 1997. Foram terapeutas do caso estudado a
orientanda e o orientador. E o procedimento de analisar as sessões, é que tomou-se, a
maneira de conduzir as pesquisas posteriores. Desde as transcrições até como
estabeleceras classes de interação terapeuta cliente. Foi uma descoberta de procedimento
e análise de dados de dois pesquisadores interessados em conhecer o efeito dos
procedimentos clínicos. Essa dissertação foi lida pelos pesquisadores do Brasil,
especialmente da terapia comportamental, interessados em clinica e acredito que serviu
de inspiração a muitos deles, pelos trabalhos produzidos após essa dissertação.
Convém citar dois trabalhos, pela criatividade da metodologia, antes de resumir
as descobertas da metodologia para trabalho clínico. São os doutorados de Maria José
Carli Gomes, 2004, Estratégias de enfrentam ento utilizadas p o r gagos adultos, não
submetidos a terapia e avaliação da gagueira atual. Como o nome indica, somente
gagos que resolveram seu problema com recursos próprios descreveram o percurso
das mudanças e os problemas enfrentados na sua história de interações. Considero
que além da analise de dados com construção de classes, uma vez que foi possível
identificar condições, comportamento e conseqüências, nos relatos verbais o trabalho
tem outra conseqüência não prevista. Pode auxiliar pessoas gagas e perceberem como
é possível resolver satisfatoriamente problemas de fala.
Sonia Regina Enumo (1993) trabalhou com um tema sempre atual “Prevenção de
deficiência mental: uma proposta metodológica para identificação, descrição e análise de
ações preventivas". O destaque deste trabalho ó a metodologia criativa, escolhida por Sonia.
Recolheu panfletos sobne o assunto nos hospitais estudados e capítulos de livros utilizados
em curso de psicologia. Analisou esse material caracterizando os assuntos que eram
destacados como importantes para prevenção. Entrevistou pessoas designadas para cuidar
do assunto nos hospitais. Os resultados não foram os desejados para os envolvidos, os
serviços hospitalares. As medidas preventivas eram pouco implementadas e, muitas delas
básicas, como condições higiênicas. Sonia publicou seus resultados,1994,1995 e fez
inúmeras apresentações em Congressos. Essa metodologia é por ela empregada nos
projetos que desenvolve com alunos e colegas na Universidade F. do Espírito Santo em
Vitória e pela metodologia recebeu prêmio do CNPq por cursos de iniciação em pesquisa.
Continua em atuação essa metodologia, pois pode ser empregada na prevenção
e em programas de pesquisa com todas as necessidades especiais. Continuando
nesse linha de prevenção, Sonia colabora com outros programas de ensino tendo
publicado um livro sobre avaliação assistida, Linhares,Escolano e Enumo (2006) com
especificação dos fundamentos, precedentes e aplicabilidade, resultante do trabalho
conjunto, de três univeeridades.
O laboratório de comportamento e saúde, sob minha orientação na USP, vivia
um momento de produção sobre vários temas, de prevenção a interação dos profissionais
com os cliente. Duas teses de doutorado, fizeram também analise de interação terapeuta
- cliente. Maly Delitti (2002) “avaliando a sessão terapêutica: questionário e entrevista."
O trabalho foi planejado para que o cliente informasse o que foi importante na sessão
sorteada. Suas afirmações eram confirmadas nas transcrições e podiam ser analisadas
nas classes de relato. Verificou-se que o cliente atribuía, muitas vezes, sua mudança, a
falas da sua interação com o terapeuta que haviam ocorrido em sessões distantes,
anteriores. Portanto, poderia haver um tempo e acontecimentos'antes de se saber ó
efeito de falas especificas da terapia. Foi importante constatar um “fato que se conhecia,
com um procedimento experimental. ‘

Sobre C pm portanvenlo.e C o jn lç io
Continuando a resumir os (rabafhos, e procurando difundir pra que os
interessados procurem publicações ou as teses na biblioteca da USP, pois nelas estão
contidos detalhes relevantes da colocação do problema e analise de dados e
metodologia. É uma forma de demonstrar como analisar a interação terapeuta cliente é
relevante. São teses demoradas de anos de trabalho e analise detalhada.
Veremos o problema de pesquisa colocado por Regina W íelenska(2002)
“Adesão a mudança de com portam ento: interações verbais terapeuta-cliente nas
primeiras sessões". Trabalho parcialmente publicado em 2003. O objetivo da tese estava
escolhido, mas o terapeuta e cliente foram escolhidos, pelo acaso. Dupla bem-humorada
e trabalhando em conjunto harmonioso. Poucas sessões eram suficientes para estudar
o tema, que seria a tese. No entanto, o contrato previa o final da terapia como um direito
de c/iente, Uma das classes de com portam ento que se destacou foi o humor nas
sessões. O cliente tinha uma história de desistência de terapias anteriores, e como as
sessões foram conduzidas facilitou a adesão, pois o terapeuta percebeu que poderia
dar tarefas e treinar comportamentos mas que o humor era fundamental no caso
especifico. Portanto, a interação terapeuta cliente, obedeceu características próprias
que facilitavam a adesão a tratamento. O ouvinte faz o contraponto do falante e nesse
sentido o terapeuta modelava a fala do cliente. A classe de resposta produzir humor,
interação em que as verbalizações do T ou C provocavam risadas em ambos, salvo em
situações em que o T preferiu não rir junto, pelo fato do cliente ter feito comentário
jocoso sobre si próprio. O relacionamento não punitivo removeu ou atenuou a estimulação
aversiva. Evidentemente haviam outras classes de resposta como emitir verbalização
com tema diferente do que estava sendo abordado pelo interlocutor, alterando o tema
da conversa ou dirigir pergunta ao interlocutor obtendo um não como resposta ou ainda
sem solicitação, fornecer ao interlocutor informação considerada clinicamente relevante.
Esses são exemplos de classes de respostas de T e C. Salientei mais o humor
para mostras que as vezes as sessões surpreendem. O sucesso das intervenções
pareceu depender dos participantes modelarem o comportamento verbal do interlocutor,
com expressões reciprocas de respeito, admiração e solidariedade sem aversividade,
como observamos em Wielenska e Kerbauy (2003). Os relatos de mudança e a adesão
foram os reforçadores do terapeuta.
É um percurso fascinante a análise da interação terapeuta cliente. Descrevi esse
percurso em estudos diferentes, publicados nesta coleção Comportamento e Cognição.,
desde o vol1, Mas o primeiro trabalho foi apresentado no Instituro Sedes Sapientiae, em
1996, quando Roberto Banaco (PUC) e eu (USP) fomos convidados para falar em um
jornada sobre Pesquisa em Cínica, com profissionais de diversos referenciais teóricos.
Em cada dia do curso, dois profissionais do mesmo referencial, de instituições diferentes,
expunham suas idéias que eram debatidas pela audiência no final. Foram publicadas
nos Cadernos de Pesquisa do Instituto Sedes Sapientiae (1996). A conferência que fiz foi
reformulada e publicada no volume 1 de Ciência e Cognição.

Como proceder para fazer pesquisa?


Registrando sessões de terapia em audiovisual, tomando a sessão um dado
permanente. O cliente precisa dar seu consentimento. Gostei tanto do que aprendíamos
transcrevendo as sessões que introduzi no curso de especialização em Terapia
Comportamental e Cognitiva que fundei na USP para todos os atendimentos. No ano
seguinte mudei para a escolha justificada de aproximadamente 15 minutos da sessão.
Claro que esse era o procedimento de pesquisa do Laboratório de Comportamento e
Saúde. O trabalho era manual. Hoje, via computador ê possível construir programas

20 R íc h d K od rtg u tt Kertoauy
que facilitem esse trabalho que pode ser empregado por ex, sem programas especiais
para encontrar palavras.
Form ular questões relevantes e o riginais. Há possibilidades de descrever uma
metodologia ou esclarecer um conceito ou utilização dele óü de técnicas^ em detalhes.se
a questão é bem formulada. Também avalio se a questão responde um prqblema que
afete o trabalho profissional e beneficie o paciente. Se é possível caracterizar o trabalho
como de pesquisa e porque.
Considero que deveria olhar também a viabilidade e o repertório de entrada do
orientando ou aluno e o meu próprio para trabalhar com os detalhes necessários, sem
tomar o empreendimento aversivo. Confesso que esse item é o pior, pois considero que ter
alguém que trabalha lado a lado é um reforço e que refazer até chegar as classes também
é reforçador. Descobri, que pode não ser para todos... e no Brasil é comum encontrar um
ouvido amigo, disposto a ouvir queixas com muita pena... mas isto é uma outra história
embora precise ser prevista. Suponho que uma variável relevante é a pergunta ser instigante.
A pesquisa proposta passa a ser também, um estudo de caso.Se a proposta é analisar
a interação terapeuta cliente, o efeito da terapia é o resultado do que acontece na sessão.
A avaliação e o diagnóstico acontecem ao mesmo tempo no desenvolvimento da
terapia, portanto as questões propostas pelo terapeuta, pesquisador, devem conter uma
descrição desse processo e procurar descrever quais são os eventos eliciadores ou o
contexto, os discriminativos e os reforçadores. A analise funciona! é o objetivo último.
Exemplos de problemas que podem ser a questão das sessões transcritas; Quais
as decisões do terapeuta durante a sessão e o que a controlou? Qual o efeito dessa
escolha no comportamento do cliente? Como o terapeuta identifica os eventos emocionais
e como analisa para o cliente? Para Skinner (1989) o sentimento é um tipo de ação sensorial,
como ver e ouvir. Decorre disto como são as condições públicas responsáveis pela descrição
do sentimento do cliente. Quais as palavras preferidas pelo cliente para descrever eventos
e como o terapeuta atua para modifica-las ou não? Quando o conhecimento das
contingências foi traduzido para o cliente de modo a facilitar sua vida?
Ler e reler e ouvir a fita ou ver o vídeo até encontrar o episódio que determinará o corte
da sessão. A pergunta de pesquisa é que determina a exclusão das falas posteriores.
Nada impede que trechos excluídos sejam recuperados posteriormente se a pergunta
foi ampliada, trocada ou se o corte mostrou-se inadequado em outras leituras. Este
começo é um ir e vir que exige reflexão e conhecimento de análise funcional.
Análise dos trechos selecionados. Que implica em um levantamento de categorias
iniciais, que no caso das em oções, poderia ser quais as em oções d escritas
acompanhadas de descrição fisiologia e quais as nom eadas com descrição das
situações. À medida que a analise prossegue e novas categorias são formuladas, ao
compará-las é possível agrupá-las em classes. Geralmente as classes começam
minuciosas e detalhadas e, no decorrer da análise, é possível agrupá-as em classes
mais amplas.
Como última fase exam ina-se criticam ente o que foi relatado e a intervenção do
terapeuta. O exame crítico é apoiado na literatura. È importante salientar que para analisar
a interação terapeuta cliente, é preciso ter as duas falas em seqüência, para que o dado
permita a analise. Também se as falas forem analisadas sep.àradas é praticamente
impossível juntá-las. Para encontrar uma classe de resposta, pode ser necessário
várias falas de ambos, pois o que a define é a funcionalidade,
É fundamental verificar quais estímulos discriminativos são fornecidos pelo terapeuta
e quais são formulados pelo cliente e como ele transpõe o que acontece na sessão para sua

S obre C om portam ento.* C o çniçào 21


vida diária. O paradoxo é que ele vem, pelo seu sofrimento, para a terapia, e procura a
felicidade. Através da linguagem, ele constroe ideais, mas também os analisa e compara e,
estando inserido em uma cultura e submetido a informações do mundo, sofre por avaliar as
conseqüências possíveis, no seu viver diário, Por issu estudar as terapias é alcançar a
proposta , de Skinner,1953, “a terapia consiste, não em levar o paciente a descobrira solução
para seu problema, mas em mudá-lo de tal modo que seja capaz de descobri-la” (p.216).

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22 R achd R odrigues Kerbauy


Capítulo 2
A função da assertividade no
relacionamento afetivo
P au la V irgínia O liv e ira Elias
lim a A . Q o u lart de Souza Brítto
U n iv e rs id a d e C a tó lica d e Cjoiás

O amor é um poderoso estado emocional que pode direcionar um casal a estabelecer


um relacionamento e a constituir uma família. Entretanto, apesar de ser considerado necessário,
este estado emocional não deve ser avaliado como fator determinante único e suficiente para
a manutenção de um relacionamento afetivo. Não configura a base única para a construção
do alicerce da convivência satisfatória. Certas habilidades comportamentais, integrantes do
repertório comportamental característico de cada indivíduo, são cruciais para a manutenção
de uma convivência harmoniosa e, mais do que isso, prazerosa.
Deve estar presente no “contexto do relacionamento afetivo um conjunto de
comportamentos, por parte de ambos, que podem ser denominados favorecedores da
interação ajustada, como, por exemplo, alguma flexibilidade, confiança, tolerância,
cooperação, capacidade para tomar decisões conjuntas, admiração, comunicação eficaz,
entre outros (Beck, 1995).
Dependendo da forma como o relacionamento se estabeleceu e das características
de comportamento de cada parceiro, pode haver um comprometimento quanto à dedicação
pessoal a determinadas áreas da vida. Muitos relacionamentos acabam por promover a
dependência e a falta de privacidade. Isso pode trazer prejuízos para a manutenção de uma
relação afetiva saudável, na medida em que limita as possibilidades de conquistas em
outras áreas, como por exemplo, na área profissional e das amizades.
Quando há discrepância entre as condições básicas necessárias e as
contingências em vigor no âmbito do relacionamento, a terapia pode ser um procedimento
eficaz para levar a discriminação e modificação de comportamentos incompatíveis para
a consolidação ou prosseguimento da união.
Para atender a estes objetivos, o processo de avaliação clínica deve ser amplo
o suficiente para permitir ao terapeuta formular hipóteses sobre quais contingências
vigoraram na história de vida de cada um e no histórico de convivência do casal, bem
como quais estão vigorando atualmente. Conforme Otero & Ingberman (2004), para que
o terapeuta entenda as queixas apresentadas por um casal e possa ãuxiliá-lo a lidar
com suas dificuldades deve examinar toda a sua história de relacionamento passada é
presente, assim como a história de vida de cada um dos membros do casal. Sabe-se
que as queixas atuais têm componentes passados. iS-
O início do namoro é uma fase do relacionamento na quais as pessoas se conquistam
visando uma vida futura: ambos explicitam suas melhores idéias, comportamentos e formas

Sobre C o m p o rtam en to eC o g n içáo


de resolver questões divergentes. Os encontros são mais esporádicos e, freqüentemente,
têm por objetivo a recreação, o lazer e o prazer. As diferenças e semelhanças potencialmente
conflitantes podem não caracterizar problemas neste período (Otero & Ingbenman, 2004).
Conforme as autoras citadas anteriormente, após a decisão de viverem juntos, e o
conseqüente aumento do tempo de convivência, revelam-se mais claramente suas
características individuais, como estados de humor, hábitos de vida e preferências pessoais.
Os valores e os padrões de relacionamento tornam-se mais genuínos. Nesta fase nem
sempre o casal deseja as mesmas coisas ao mesmo tempo e da mesma maneira.
Com o intuito de iniciar o processo de avaliação das contingências passadas e
presentes, algumas questões necessitam de respostas, baseando-se no resultado da
coleta de dados com o casal ou com um dos membros do casal, se for este o caso.
Algumas destas questões são abordadas no Quadro 1 a seguir

Quando o relacionamento teve íníoio? Como e aonde foi a aproximação? O


que fez com que um se sentisse atraído pelo outro? Como ambos se
comportavam um com o outro durante o período inicial de estabelecimento
da relação? O que mudou atualmente na relação? Quais os comportamentos
de ambos podem ser descritos como adequados e quais podem ser descritos
como inadequados (identificar os problemas de comportamento que geram
desentendimentos)? Quando as brigas e/ou o desinteresse mútuo (ou não)
tiveram início? Houve algum acontecimento específico que produziu o
problema inicialmente? Houve mudanças importantes ocorridas durante o
transcurso do relacionamento? Qual o compromisso do casal com o
relacionamento? Quais são as principais situações-problema que levam à
desentendimentos? Na sua avaliação, estes poderiam ser evitados com
certo esforço por parte de ambos? Há um superdimensionamento dos
problemas, ou seja, questões relativamente simples tomam uma proporção
maior? Quais são as conseqüências das discussões? Como as discussões
são resolvidas? Quais são os fatores que os mantêm unidos? Quais são
as auto-regras estabelecidas pelo casal a respeito um do outro e do
relacionamento? Como é estabelecida a comunicação entre o casal? Há
clareza quanto ao que é desejado por parte do outro? Q outro conjugue
aceita participar do processo terapêutico?

Quadro 1 - Algumas questões a serem respondidas durante o processo de coleta de dados


sobre o passado e presente do relacionamento do casai (baseado em Keefe, Kopel & Gordon,
1980; Beck, 1995; Kirk, 1997).

Pode haver divergência quanto às respostas fornecidas por cada um dos


parceiros, ou seja, a maneira de descrever as contingências envolvendo o comportamento
de cada um pode divergir durante a coleta de dados por meio do relato verbal. Em vários
momentos, pode ser observada a tendência a avaliar, julgar e formular conclusões
precipitadas sobre os comportamentos do parceiro diante das mais diversas situações.
Christensen e Jacobson (2000, citados por Otero & Ingberman, 2004) apontam
quatro tipos de argumentos indicadores de discussões entre casais: a) crítica; b)
exigência injusta ou ilegítima; c) o aborrecimento acumulado; d) o sentimento de rejeição.

Paula Vfriílnia O liveira Elias e Uma A. Goulart d« Souza Britto


Cada parceiro só tem a visão do papel do outro no conflito e faz acusações sobre
características negativas e definitivas. Passam a avaliar um ao outro por meio de atributos
que os definem negativamente.
Na fase inicial do processo terapêutico centra-se a necessidade de formulação
de hipóteses a respeito das relações funcionais referentes a eventos envolvidos nas
contingências em vigor. Assim, a partir deste momento, pode ter início o direcionamento
do programa de intervenção e o início de sua aplicação. A definição dos objetivos favorece
o êxito da terapia (Kirk, 1997). Sabe-se que este programa passará por reavaliações
constantes e, caso necessário, sofrerá modificações, conforme verificação de alguns
fatores, dentre eles a colaboração de ambos os parceiros ou não no processo.
Deve estar claro que os atendim entos em consultório d e v e rã o ser
complementados com os exercícios de casa solicitados ao final de cada sessão, pois
a aquisição e manutenção das modificações objetivadas serão determinadas pela
prática nas contingências do ambiente natural.
Explicações e instruções sobre o estabelecimento de comportamentos por meio
da modelagem também são relevantes, considerando a identificação dos esquemas de
reforçamento que vigoravam no passado e os que vigoram atualmente no contexto do casal.
Elias e Britto (2004) esclarecem que para auxiliar a discriminação e atuação adequada
frente aos eventos ocorridos no ambiente natural devem ser fornecidas informações e
explicações ao cliente a respeito do estabelecimento de relações funcionais entre tais
eventos: antecedentes, comportamentais e conseqüentes. Conforme Skinner (1953/2000),
a análise funcional é a análise das variáveis das quais o comportamento é função:
Pode haver a manutenção e/ou surgimento de situações-problema em função
dos tipos de consequenciação fornecidas por um parceiro diante de comportamentos
específicos do outro. Nas observações clínicas toma-se perceptível que pode não haver
esta discriminação por parte do casal.
Em função desses tipos de ocorrência, deve haver a explicação, aos clientes de
forma geral, sobre a realização de análises funcionais, levando-os a observar a
n ecessidade de alterar seu próprio com portam ento como form a de afe ta r o
comportamento do parceiro, principalmente, no caso de as intervenções ocorrerem de
forma unilateral, isto é, quando um dos dois se recusa a participar da terapia. Alterar o
próprio comportamento aumenta a probabilidade de modificação das contingências
ambientais, o que por sua vez gera resultados no comportamento alterado, ou seja,
estabelece-se um processo de retroalimentação.
Segundo Keefe, Kopel e Gordon (1980), em geral, os casais com problemas
não conseguem aplicar adequadamente os princípios de reforço positivo. Geralmente
empregam a coerção recíproca como uma estratégia primária para a alteração de
comportamento. Isto conduz a ressentimentos, frustrações, hostilidade e a agressões.
Para que os procedimentos clínicos tenham alta probabilidade de resultados
satisfatórios deve estar claro que o diálogo ajustado é importante e que o reforçamento
apropriado deve predom inar. Assim, to rn a-se im portante a id e n tificaç ão de
comportamentos considerados adequados, por mais que estes se apresentem, no
momento, numa freqüência menor do que o desejado, bem como a ênfase no
reforçamento destes, considerando as idiossincrasias.
Para que os esquemas de reforçamento mútuo se estabeleçam de forma
adequada, as habilidades de comunicação são fundamentais e encontram-se entre os
assuntos mais discutidos ria literatura sobre relacionamento de casais. É de extrema
importância avaliar a forma como as pessoas se comunicam. Este comportamento se

Sobre C om portam ento e C ognição


desenvolve por meio das interações estabelecidas ao longo da vida, ou seja, é aprendido.
A forma de interação entre o casal, também, leva a aprendizados específicos nesta área.
Os parceiros podem desenvolver seu próprio esquema de comunicação, algumas vezes
apropriado outras vezes não.
Conforme Moraes e Rodrigues {2001) deve ser considerado o fato de que o
relacionamento conjugal é um dos contextos em que é necessário e importante o
comportamento assertivo. A comunicação, ou seja, a expressão de pensamentos,
sentimentos e emoções é uma habilidade que pode ser instalada no repertório de um casal
e facilitar de sobremaneira o desenvolvimento do autoconhecimento. No que se refere à
terapia para casais, o autoconhecimento é uma habilidade que contribui para que cada um
consiga identificar e discriminar em si algumas limitações e déficíts comportamentais que
possam ser alterados, para resultar em melhorias para o relacionamento conjugal.
Skinner (1953/2000) destaca que o autoconhecimento é de origem social e coloca
a pessoa em melhores condições para prever e controlar seu próprio comportamento.
Outro fator que pode desfavorecer o processo de mudança na forma de se
relacionar do casal relaciona-se ás regras formuladas, por cada um dos parceiros
sobre as qualidades e defeitos do outro, bem como sobre o relacionamento em si.
Estes julgamentos e avaliações baseados apenas em parâmetros de referência
pessoais podem favorecer o superdimensionamento de algumas situações-problema.
Não pode haver confusão entre ‘conhecer’ características do parceiro e ‘adivinhar' seus
comportamentos, inclusive os encobertos.
A formulação de regras tem vantagens, pois permite, por exemplo, que um
indivíduo se comporte de determinada maneira num contexto apropriado sem a
necessidade de se expor às contingências que a própria regra define ou que o indivíduo
produza respostas adequadas em um tempo menor. Entretanto, as regras se constroem
a partir das contingências a que o sujeito está exposto e são efetivas na medida em que
descrevem adequadamente estas contingências (Matos, 2001).
Abaixo segue o exemplo de regras formuladas de forma inapropriada, levando
as conclusões distorcidas:
Por que ele está calado?
Deve estar zangado comigo.
Devo ter feito alguma coisa que ele não gostou.
Eu o conheço... Sei que vai continuar zangado comigo.
Ele está sempre zangado comigo.
Acho que eu sempre ofendo as pessoas.
Ninguém nunca vai gostar de mim.
Sempre vou ficar sozinha. Sinto isso!

Para complementação da avaliação do aprendizado de comportamentos sociais


apropriados ou não, incluído a interação com o parceiro, deve ser realizada a investigação
sobre as contingências familiares às quais a pessoa foi exposta. A composição familiar
pregressa, de ambos os parceiros, deve ser considerada ao longo das relações
funcionais estabelecidas. Os modelos de casal observados podem ter favorecido o
aprendizado de com portam entos inapropriados sobre situações envolvendo
relacionamentos afetivos. A modelação é derivada dos estudos de Bandura (1979) sobre
a aprendizagem por meio da observação do desempenho de outra pessoa.

PauU V irgin» O lrv e iri Elias e (Ima A . Qoulart d e Souz» Britlo


Para maximizar as possibilidades de sucesso e minimizar as chances de
fracasso do relacionamento, certas habilidades sociais gerais e específicas para o
casal, devem ser desenvolvidas. Conforme Caballo (1999), algumas classes de
respostas consideradas eficazes são: iniciar e manter conversas; capacidade de
expressar amor, agrado e afeto; saber dos próprios direitos e deveres; pedir favores;
recusar pedidos; aceitar elogios; capacidade de expressar opiniões pessoais, inclusive
discordantes; capacidade de aceitar opiniões discordantes; capacidade de expressar
incômodo, desagrado ou enfado; desculpar-se ou admitir ignorância; solicitar mudança
no comportamento do outro; enfrentar críticas; entre outros.
De acordo com Del Prette e Del Prette (2002), várias pessoas apresentam
déficits de comportamento social apropriado em função de que estes não foram
aprendidos. Assim, considerando que as habilidades sociais são aprendidas e podem
ser objeto de intervenções terapêuticas ou educativas, os programas de habilidades
sociais privilegiam a identificação das classes comportam entais consideradás
relevantes para o desempenho social e a promoção e aperfeiçoamento dessas classes,
tanto em relação a sua topografia quanto a sua funcionalidade.
Algumas técnicas devem ser utilizadas durante a estratégia de treino de
habilidades sociais, para promover a aquisição dos comportamentos necessários.
Pode ser citados como fundamentais: o processo educacional (informar, explicar e
instruir); a modelação; o treino em assertividade; o treino em comunicação (verbal e
não-verbal); o ensaio comportamental; o reforçamento diferencial; a reelaboração de
regras formuladas; o treinamento em solução de problemas; o registro para monitorar-
se; a exposição sistemática gradual ao vivo e/ou imaginária, o relaxamento muscular.
Estas técnicas aplicadas apropriadamente, a partir das análises funcionais,
auxiliam na construção de com portam entos adequados às d em a n d a s do
relacionamento, ou seja, assertivos, já que os comportamentos de passividade e/ou
agressividade demonstram conseqüências problemáticas.
Conforme Caballo (1999), o indivíduo passivo não produz respostas adaptativas
em favor do que acredita e, caso isso seja um acontecimento freqüente, os efeitos
podem ser o rebaixamento de humor, auto-imagem em pobrecida, sensação de
ineficácia, perda de oportunidades, ansiedade, sensação de falta de controle da situação
e de si, sentimento de solidão, baixa auto-estima, entre outros.
Já o indivíduo que se comporta de modo agressivo, impõe suas opiniões de forma
coercitiva, o que gera conflitos interpessoais e contra-reação quase automática, sentimento
de culpa e frustração, prejuízo aos demais, perda de oportunidades, sensação de tensão,
sente-se sem controle, percebe-se solitário e ineficaz, não gosta da proximidade dos demais.
Finalmente, a pessoa assertiva, sabe ouvir, falar, respeitar os próprios direitos
e os direitos da outra pessoa. Quando o casal se relaciona de forma assertiva, sabe se
comportar diante de possíveis desacordos. Os efeitos disso correspondem à solução
adequada dos problemas, sentir-se à vontade com na presença de outros, satisfação
com os próprios comportamentos e seus resultados, à vontade consigo mesma,
relaxado, percebe-se com controle da situação, acredita, cria e promove a maioria das
oportunidades, reforça a si mesmo e aceita as características dos demais.
Estes três tipos de comportamento referentes à forma de interação com outras
pessoas podem ser observados por meio de comportamentos específicos durante as
interações sociais. Estes comportamentos podem ser, por: exemplo, o o|har, a expressão
facial, os gestos, a postura, a orientação, a distancia versus a proximidade física, o volume
da vpz, a entonação da voz, a fluência da fala, o tempo de fala e o conteúdo expressado.

Sobre C om portam ento e C ogníçào 27


Estudo de Caso
O processo terapêutico aqui descrito foi realizado apenas com a participação ativa
da esposa, pois o parceiro não se dispôs a freqüentar as sessões de terapia. Ela decidiu
por iniciar o processo mesmo na ausência dele, pois estava disposta a aprender habilidades
pessoais que auxiliassem na interação do casat. O objetivo do processo terapêutico centrou-
se em questões referentes ao relacionamento, envolvendo aquisição de habilidades de
asserüvidade por parte da cliente para lidar com o marido e, também, com outras pessoas.
A cliente tinha 25 anos de idade e seu marido 29 anos, efe com curso superior
completo e ela com curso superior incompleto, ambos atuavam na área da saúde, têm
uma filha.
As queixas apresentadas, de acordo com relato da ctiente em atendimento, estavam
relacionadas a problemas conjugais em função de excesso de críticas, desatenção,
superdimensionamento de problemas, cobranças e brigas constantes. No que se refere
às suas próprias dificuldades relatou inabilidade para interagir assertivamente com o
parceiro e com outras pessoas, apresentando falhas de comunicação. Outros
comportamentos-problema relacionavam-se ao estabelecimento de expectativas altas a
respeito do comportamento do marido, sintomas de rebaixamento de humor e ansiedade
acentuada. Queixou-se de desgaste do relacionamento. Entretanto, a cliente destacou que,
apesar disso, havia demonstrações de afeto em momentos esporádicos.
Com relação à história de vida da cliente, esta relatou que conviveu num ambiente
harmonioso, onde os pais demonstravam carinho, respeito e admiração mútuos.
A cliente afirma que, com relação a ela, os país eram superproteiores. Fato que
pode ter desfavorecido a oportunização do aprendizado para lidar com finanças, tomar
decisões e para comunicar-se assertivamente. Tem um irmão mais novo que apresenta
comportamentos semelhantes.
Foram observados, durante as sessões, relatos de regras formuladas sobre si
mesma, sobre o marido, sobre restrições na convivência social e a respeito de seu
casamento, em especial. Aprendera a descrever os eventos de modo negativo, fato que
ocorria desde a infância.
Com relação à história afetiva, relata ter tido poucos relacionamentos. Iniciou o namoro
com o atual marido aos 17 anos. Afirma que desde que o conheceu ambos se apaixonaram.
Esperou por seis meses até que ele a pedisse em namoro e se casaram após 4 anos.
A partir do momento em que o conheceu diz ter concentrado sua atenção quase
que exclusivamente no relacionamento, afastando-se inclusive de todas as suas amigas.
Moldou seus comportamentos de acordo com o que acreditava ser aprovado por ele.
Ele reforçava seus comportamentos de forma diferencial e intermitente. Durante as
brigas mostrava-se persuasivo em convencê-ia de suas idéias. Desde o início
predominavam as brigas, apesar de haver momentos harmônicos.
Primeiramente, foi realizada a entrevista inicial para coleta de dados e estabelecimento
da relação terapêutica. Houve a aplicação do Questionário de História Vital (Lázarus, 1975/
1980) e do Inventário de Depressão de Beck (BDl) (Cunha, 2001). Foi solicitado o preenchimento
de folhas de registro comportamental sobre às interações da cliente com o marido, bem
como pontuações na Escala Subjetiva de Ansiedade para cada situação descrita.
Em seguida, foi elaborado um programa de intervenções. Esta programação
baseou-se nas informações coletadas sobre os comportamentos da cliente, do marido e
da interação entre ambos. Este programa de intervenções incluía técnicas para controle
fisiológico da ansiedade, como treino de controle respiratório e relaxamento muscular, bem

F lia * * lim a A í^ n n U rt Smi7A R rilín


como estratégias para lidar com regras formuladas, como questionamento socrático
confrontação de idéias, escrita terapêutica, assim como registros comportamentais para
monitorar-se. Outras técnicas utilizadas foram a dessensibilização sistemática imaginária
e ao vivo, reforçamento diferencial, modelação, treino de assertividade, treino em habilidades
de comunicação, treino em solução de problemas e tomada de decisões, ensaio
comportamental e, ainda, informações e explicações sobre ansiedade e modelagem de
comportamentos, incluindo explicações sobre aspectos da análise funcional.
A avaliação dos resultados foi feita por meio dos relatos verbais da cliente durante os
atendimentos, monitoração por meio das folhas de registro comportamental, bem como
aplicação do BDI e pontuações na Esca/a Subjetiva de Ansiedade diante de variadas situações.
Foram avaliados, por meio das folhas de registro preenchidas pela cliente, os
seguintes comportamentos dela e do marido:
a) Comportamentos da cliente: comunicar-se com o marido demonstrando habilidade
verbal e não verbal, por meio da expressão de opiniões sobre questões em pauta;
expressões de aprovação; desagrado; desejos e necessidades. Durante as sessões
foi avaliada, por meio do relato verbal, a capacidade de discriminar adequadamente
fatos positivos sobre o casamento, sobre o marido e sobre si mesma, em função das
regras descritas pela cliente nas primeiras sessões.
b) Comportamentos do marido: demonstrar atenção durante diálogos, por meio do
olhar, expressão facial, gestos e com portam ento de ap ro xim ação; e x p re s s a r
contentamento, por meio de elogios; comunicar desagrado por meio de apontamentos
ao invés do desencadeamento de brigas.

Resultados e Discussão
A seguir serão apresentados dados coletados durante a fase de linha de base
do processo terapêutico, ou seja, durante as quatro primeiras sessões de atendimento.
Mediante o preenchimento das folhas de registro de monitoração e por meio do relato
verbal foram observadas ocorrências de situações-problem a e com portam entos
específicos. Abaixo consta um fragmento de sessão ilustrativo:
Situação freqüente - o marido, constantem ente, se recusa, sem justificativa, a
acompanhar a esposa (cliente) em eventos comemorativos de sua família, e se recusa,
também, a acompanhá-la na terapia.
T - Como você se comporta quando L. se recusa e se mostra indiferente nestas situações?
C - Eu tento conversar, explicar a importância da presença dele para mim Às vezes ele nem
me olha enquanto eu falo. Mas eu insisto?!! Só que chega uma hora que a gente se cansa,
né!? Aí, na maioria das vezes, eu também não vou, ponque é muito chato chegar sozinha e
ouvir as pessoas perguntando por ele o tempo todo. Tenho que ficar inventando desculpas...
T - E com relação a terapia? Você não desistiu.
C - É que eu quero muito aprender a lidar com todas essas situações. Não sei se
agüento continuar casada se isso continuar...
Por meio do relato verbal supracitado observa-se que a cliente acredita estar
agindo adequadamente insistindo no diálogo e desistindo de sair quando o marido não
lhe dá atenção. Entretanto, por meio do estabelecimento de relações funcionais entre
os eventos descritos, considerando a freqüência de ocorrência de situações
semelhantes, observa-se que há conseqüências reforçadoras para os comportamentos
inadequados do marido (recusa em acompanhá-la sem justificativa? e indiferença
enquanto ela verbaliza). A partir disso, estes comportamentos tenderão a aumentar de

S obre C o m p o rta m m lo e C ognição


freqüência no futuro. Além disso, está em vigor um esquema de reforça mento intermitente,
que pode ser identificado no momento em que a cliente relata que “na maioria das
vezes” desiste de sair nestas ocasiões. Sabe-se que este tipo de esquema resulta em
maior probabilidade de manutenção dos comportamentos relacionados.
Seguem os exem plos referentes a regras formuladas peia cliente,
apresentadas durante o início do processo terapêutico:

“Eu não consigo mudar.'TAcho que a culpa é toda minha."/"Se eu me dedicar à


minha profissão as coisas vão piorar no meu casamento.”/ Tenho que agüentar
tudo calada, porque quando falo as coisas pioram.7 “Não consigo sair disso.’’ /
“Ele nunca vai me admirar, posso fazer o que for...VSe eu me separar será pior.
Não sei viver sem e le .T Eu vou ser infeliz porque tenho que conviver com isso
pra sempre.VSou muito lenta.7”Não sou bonita. Acho que ele já enjoou de
mim.”/”Ele não me respeita e nunca irá me respeitar.7 "Ele está de mal com a
vida o tempo todo."! “Não vou ficar atendendo aos caprichos dele.”

Quadro 2 - Exemplos de regras formuladas pela cliente com relação a seus comportamentos,
aos comportamentos do marido e referentes à relação conjugal.
Na seqüência, há um fragmento de sessão que complementa as demonstrações
de insatisfação da cliente com o relacionamento conjugal, em que relata não acreditar
nas mudanças no comportamento do marido, bem como aponta pensamentos de
incapacidade sobre a conquista de resultados. Observa-se que a cliente antecipa
resultados negativos e faz generalizações sobre tentativas anteriores de modificação:
T: Como foi sua semana com seu marido?
C: Péssima!!! Não vou conseguir sair desse casamento e não consigo suportar as
coisas como estão, (choro...)
T: Você já tentou agir de outra maneira pra conseguir resultados diferentes?
C: Não adianta nada. Já tentei de tudo.
T: Tudo o quê?
C: (Tempo) ...Na verdade, acho que sempre fiz tudo igual. Vivi pra ele. Faço tudo o que ele
quer. Se eu mudar, a tendência é que as coisas piorem ainda mais...
T: Mas, você já tentou?
C: Não. Desse jeito acho que não.
Segue a apresentação de alguns exemplos de análise funcionais realizadas,
também, durante a fase de linha de base. Serão considerados para análise os
comportamentos do marido, os comportamentos da cliente que conseqüenciam os
comportamentos do marido e as conseqüências gerais:
A seguir serão apresentados os resultados gerais das intervenções efetuadas,
referentes aos comportamentos da cliente e as conseqüências para a modificação dos
padrões de comportamento de interação do casal.
Um fragmento de sessão que evidencia o aprendizado da discriminação das
contingências em vigor e suas conseqüências será apresentado a seguir. O relato
ilustra um trecho do diálogo entre terapeuta e cliente após explicações gerais sobre
como as contingências devem ser analisadas.
S itu ação A n te c e d e n te C o m p o r t a m e n t o s da C l i e n t e

C o n s e q ü ê n c ia s para o C o n s e q ü ê n c ia s G e ra is
C orn p ç r t a n i e n í o s do M a r i d o C o m p o r t a m en to d o M 3 r id o
Marido dí z que não Insi ste para que el e vâ El e v a i a p ú s m e i a h o r a d e
comparecerá a festa da Ch ora D iz q u e n ã o fic a rã o insist ência e f i ca irritado.
f a mí l i a, poi s acha os p o r m u i t o ( e m p o . R e c l a m a do Di s cu t em e c h e g a m no final
pa r en t es dela e s n o b e s . casam e n l o . da f e s la .

Figura 1 - Análise funcional do comportamento da cliente durante situações envolvendo problemas


com o marido, durante a fase de linha de base.

S itu ação A n tec ed ente C o m p o r t a m e n t o s ría C l i e n t e


*-£> C o n s e q ü ê n c ia s G e ra is
^ C o n s e q ü ê n c ia s para ê
C o m p o r t a m e n t o s do M a r i d o Co m p o rta m ento do M a rid o
Mari do a convida para E x c e s s o d e t e m p o p a r a se Saem atrasados e el e a
s a í r e m j u n t o s . El e e s c o l h e o arrumar Recfatti ô: “V o c ê critica. El a di z qu« não
l u gar . nunca me pergunta onde agüenta mais essa situação.
qu e r o ir... Não r e s p ei t a A m b o s ficam irritados.
minhas opiniões S o u um
7ero a esquerda... Não
d e v e r i a ir.. D e v e r i a s a b e r . . .
E u m a b s u r d o e u t er q u e
f a l a r i s s o .“

Figura 2 - Análise funcional do comportamento da cliente durante situações envolvendo problemas


com o marido, durante a fase de linha de base.

T: Após compreender que deve haver a identificação do que chamamos de relação


funcional entre antecedentes, comportamentos e conseqüências acredito que esteja
preparada para analisar alguns acontecimentos.
C: Sim. Acho que com sua ajuda posso chegar a algumas conclusões.
T: Quando há uma situação em que você convida seu marido para algum programa em
família, os comportamentos dele podem ser considerados adequados ou inadequados,
de acordo com o que você definiu?
C: Acho que são inadequados pelo que pude perceber.
T: Quando estes comportamentos ocorrerem, quais são as conseqüências mais
apropriadas? Você deve conseqüênciar tais comportamentos dele com insistência {atenção
em excesso) e se restringir em sua atividade também? O que você pensa sobre isso?
C: Não, porque se eu der atenção insistindo ele se mostra indiferente, e eu faço um
monólogo e não um diálogo, já que ele não me responde. E, se eu deixar de participar
dos eventos em família estarei me isolando e levando ele a ficar acomodado com a
situação. É... Ele consegue ficar e que eu fique também.
T: O que você acha que deve ser modificado para que haja aproximação e não afastamento
entre vocês?
A partir da utilização do questionamento socrático, após as informações e
explicações sobre relações funcionais, a cliente passou a discriminar que seús
comportamentos deveriam ser atterados, tornando-se assertivos, para que houvesse,
também, modificações nos comportamentos do marido, levando ao estabelecimento
de proximidade e não de afastamento. À partir daí foi implementado o treino de
habilidades sociais, direcionado para as interações entre a cliente e seu marido.
Seguem exemplos de análises funcionais realizadas durante a fase em que o
programa de intervenção estava sendo aplicado. Novamente serão considerados para
análise os com portam entos do m arido, os com portam entos da clien te que
conseqüenciam os comportamentos do marido e as conseqüências gerais:

Sobre C om portam ento e C ognição


S itu a ç ã o A n te c e d e n te C o m p o r t a m e n t o s da C l ie n te
■£> C o n s e q ü ê n c i a s G e r a i s
* C o n s e q ü ê n c ia s para & "
C o m p o rta m e n to s do M arido C o m p o rta m e nto do m a rid o
O u t r a f e s t a e m f a mí l i a . 0 El a o c o n v i d a u m a vez e El e a c h a m a , d i z q u e n ã o
m a r i d o diz q u e n ã o vai e se d e m o n s t r a a i m p o r t â n c i a da sabe se vai . . Mostra
s ent a para assistir TV, presença del e. Arruma-se, i n de c i s ã o , l e v a n t a - s e do sof á
ignorando-a. despede-se c a r i n h o s a m ente e p e d e p a r a q u e el a e s p e r e
e sai em d i r e ç ã o a p o r t a . at é el e c o l o c a r r o u p a e s a i
' r e s m un a a n d o ’ .
Figura 3 - Análise funcional do comportamento da cliente durante situações envolvendo problemas
com o marido, durante a fase de intervenção.

S itu ação A n teced ente C o m p o r t a m e n t o s d a C l ie n t e

P> * = C o n s e q ü ê n c ia s G e ra is
C o n s e q ü ê n c ia s para o
C o m p o r ta m e n t o s d o M a r i d o C o m p o rta m e n to do m a rido
Ma r i d o a c on v i da para ( ant ar Arruma-se em t empo S a e m no h o r á r i o c o m b i n a d o .
f o r a . El e e s c o l h e o l u g a r e m adequado. Agradece o A m b o s se d i v e r t e m d u r a n t e
que irão . c o n v i t e e di z q u e a d o r o u a a noi t e e c o n v e r s a m s o b r e
s u r p r e s a . N o v a s f o r m a s de assuntes que não eram
d e s c r e v e r as c o n t i n g ê n c i a s : discutidos antes.
"É. . . acho que vai ser
di v e r t i d o . . . N ã o v o u r e c f a m a r
d i s s o . . . O u t r o di a v o u c h a m á -
lo p a r a sai r e e s c o l h e r o
l ugar . . . A c h o q u e el e d e v e
estar q u e r e n d o m e agr ada r,
d o j ei t o d e l e . V o u c u r t i r a
n o i t e e m o s t r a r q u e g o s t e i do
c o n v i t e . V o u a p r o x i m á - l o de
mim e não af ast á-l o c omo
vi nha f az e n d o
Figura 4 - Análise funcional do comportamento da cliente durante situações envolvendo problemas
com o marido, durante a fase de intervenção.

A Figura 5 representa os dados comparativos entre a fase de linha de base e a


avaliação final, referentes a ansiedade e rebaixamento de humor. Os dados referentes a
ansiedade correspondem ao nível médio de ansiedade apresentado pela cliente diante de
situações envolvendo interação com o marido, coletados por meio do preenchimento de
folhas de registro de auto-monitoração. Os dados referentes ao rebaixamento de humor
correspondem aos resultados do preenchimento do BDI pela cliente, nas duas fases.
Observa-se que os níveis, tanto de ansiedade quanto indicativos de rebaixamento
de humor, sofreram uma queda quando comparadas às duas fases do processo terapêutico.
A média dos níveis gerais de ansiedade diante de situações-problema na interação com o
marido, inicialmente, era de 80. Média considerada alta para os tipos de situações
registrados. Já na fase de avaliação final, o índice médio de ansiedade caiu para 20, ou
seja, passou a apresentar-se de forma proporcional às situações descritas. O índice
alcançado no BDI inicialmente foi de 19 pontos, indicativo de rebaixamento de humor leve.
Posteriormente este índice caiu para 3 pontos, o que indica nível mínimo de rebaixamento
de humor. Estes dados apontam para a eficácia dos procedimentos empregados.
A Figura 6 representa os dados comparativos entre a fase de linha de base e a
avaliação final dos comportamentos da cliente indicativos de aquisição de habilidades
de interação com o marido. Estes dados foram coletados mediante preenchimento das
folhas de registro de monitoração pela cliente. Foram consideradas as ocorrências
registradas em três folhas de registro preenchidas para cada uma das duas fases.

PauU Vlr«fniA Qbvnra Flías e IhtiA A . GouUrt de Souza Brítto


Base Final
Figura 5 - Demonstração dos níveis de ansiedade e rebaixamento de humor durante as fases de
linha de base e avaliação final.

Figura 6 - Demonstração de habilidades verbais e não-verbais para comunicar-se com o marido,


por meio de expressão de opiniões, de aprovação, de desagrado, de desejos e necessidades,
durante as fases de linha de base e avaliação final.

Observa-se que, durante a fase de linha de base, o preenchimento de registros


sobre adequação da Expressão de Opiniões, Expressão de Aprovação e Expressão de
Desejos e Necessidades apresentou uma única ocorrência para cada um dos três
comportamentos. Já durante a fase de avaliação final estes comportamentos tiveram 5,
8 e 7 ocorrências respectivamente.
No que se refere à Expressão de Aprovação, de 1 para 8 ocorrências, este foi o
comportamento que apresentou maior aumento de ocorrências, se comparado aos
outros três. Isto pode ter ocorrido em função da aprendizagem da cliente sobre
reforçamento positivo, o que depende, também, da discriminação dos comportamentos
adequados do marido. Tal fato pode ter influenciado no aumento da freqüência de
comportamentos adaptados por parte do parceiro, conforme mostra a Figura 7.

Sobre Comportamento e Cognição


Pode ser observado que o comportamento que menos aumentou de freqüência,
se comparado aos outros três, foi o de adequação na Expressão de Desagrado, de 0
para 2 ocorrências. Isto pode indicar menor emissão de comportamentos considerados
inadequados por parte do marido, bem como maior foco de atenção e discriminação
dos comportamentos adequados deste por parte da cliente.
Em síntese, houve um total de 3 ocorrências dos comportamentos indicativos de
habilidade verbal e não-verbal de comunicação por parte da esposa na fase de linha de
base e um total de 22 ocorrências dos mesmos comportamentos na fase de avafiação final.
A Figura 7 representa os dados comparativos entre a fase de linha de base e avaliação
final dos comportamentos do marido indicativos de habilidades de interação com a esposa,
de acordo com a percepção desta. Estes dados foram coletados mediante preenchimento,
feito pela esposa, das folhas de registro solicitadas. Foram consideradas as ocorrências
registradas em três folhas de registro preenchidas para cada uma das duas fases.

Linha de Avaliação
Base Final
Figura 7 - Demonstração de habilidades por parte do marido, por meio de demonstração de atenção,
expressão de elogios e comunicação de desagrado por meio de apontamento e não de brigas,
durante as fases de linha de base e avaliação final.

Pode ser observado, a partir dos dados apresentados na Figura 7, que os


comportamentos de Demonstração de Atenção e Comunicação Adequada de Desagrado
tiveram 2 ocorrências, cada um, na fase de linha de base. Na fase de avaliação final,
estes mesmos com portam entos apresentaram -se com 8 e 4 ocorrências
respectivamente. Os dados mostram que as demonstrações de atenção para com a
esposa aumentaram mais do que a necessidade de comunicar desagrado.
Já a Expressão de Elogios, passou de 0 para 5 ocorrências, o que indica maior
reconhecimento, por parte do marido, das qualidades da esposa durante a fase de
avaliação final do processo terapêutico.
Resumindo, na fase de linha de base, houve um total de 4 ocorrências dos
comportamentos indicativos de demonstração de habilidades por parte do marido para
lidar com a esposa e um total de 17 ocorrências dos mesmos comportamentos na fase
de avaliação final.
Os dados terapêuticos apontam que tais resultados foram influenciados pela
modificação dos comportamentos da esposa, participante das sessões de terapia,
para com o marido, o que conseqüentemente também foi essencial para a modificação
dos comportamentos deste para com ela. v . ;
Neste estudo, pôde ser observado que a modificação de comportamentos da
cliente contribuiu para a alteração de alguns comportamentos do parceiro, como
conseqüência, já que, no caso descrito, as intervenções ocorrerem de forma unilateral.
Sabe-se que a modificação do próprio comportamento aumenta a probabilidade de
modificação das contingências ambientais, o que por sua vèz promove resultados no
comportamento alterado, ou seja, estabelece-se um processo de retroalimentação.
A partir dos dados apresentados acima se observa que a cliente, adquiriu as
habilidades necessárias para comunicar-se com o marido de forma assertiva. Além
disso, iniciou a execução de atividades físicas como forma de cuidar de si, restabeleceu
antigas amizades, começou a tomar a iniciativa de convidar o marido para algumas
programações de lazer, passou a planejar e executar atividades antes não realizadas ei
ou interrompidas. Houve mudanças no comportar-se em relação a si mesma e aos
outros.
Apesar da conquista de tais resultados, houve, durante o período de avaliação
final, três episódios-problema. Para monitorar a manutenção dos ganhos terapêuticos,
sessões de acompanhamento mensais foram realizadas durante três meses. Apesar
de ocorrências de alguns comportamentos considerados prejudiciais para a satisfatória
relação conjugal, por parte de ambos, a cliente conseguiu aplicar os procedimentos
aprendidos em variadas situações e obter im portantes m udanças em seu
relacionamento afetivo.

Considerações Finais
É importante ressaltar que os resultados dos atendimentos dependeram da
disponibilidade da cliente em questão para lidar com as contingências aqui expostas e
adesão ao procedimento terapêutico, bem como da identificação da possibilidade de
recuperação e estabelecimento de interações conjugais adequadas.
Vale enfatizar que cada caso clínico apresenta-se de forma diferenciada,
podendo, em alguns casos, haver baixa probabilidade de ocorrência de modificações
consideráveis nos comportamentos de interação do casal, principalmente quando são
realizadas intervenções apenas com um dos conjugues, como foi o caso.
Houve importantes modificações nos comportamentos apresentados pela
cliente, como na habilidade de comunicação e assertividade, e conseqüentes mudanças
na forma de interação do casal. Entretanto, o trabalho terapêutico funcionou com algumas
limitações, pois a participação do marido no processo terapêutico seria um fator facilitador
das intervenções. Neste caso, o processo terapêutico realizado com a esposa atendeu
a maior parte dos objetivos propostos, pois esta apresentava poucas habilidades verbais
e não-verbais de comunicação que necessitavam de intervenção individual.

Referências
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Beck, A. (1995) Para Além do Amor: como os casais podem superar os desentendimentos, resolver
confíitos e encontrar uma solução para o$ problemas de relacionamento através da Terapia
Cognitiva. Rio de janeiro: Rosa dos Tempos.

Sobre C om portam ento t C ognição


Caballo, V. E. (1999) Manual de Técnicas de Terapia e Modifícaçao do Comportamento. São Paulo: Santos.
Cunha, J. A. (2001) Manuat da Versão em Português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do
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Keefe, F. J.; Kopel, S. A. & Gordon, S. B. (1980) Manual Prático de Avaliação Comportamental. São
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Skinner, B. F. (1953/2000) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.
Capítulo 3
Transtornos de ansiedade e de humor:
limites da terapia individual

R egina C h ristin a W íelen sk a

O tratamento psiquiátrico de portadores de transtorno bipolar (TB) e transtorno


obsessivo-compufsivo (TOC) propõe, com freqüência, a associação da farmacoterapia
à intervenção psicológica, de abordagem analítico-comportamental ou cognitivo-
comportamental. Um dos determinantes da decisão pelo encaminhamento do portador
ao psicólogo seria favorecer a adesão à farmacoterapia.
E, de fato, intervenções predominantemente psicoeducacionais, desenvolvidas
em sessões individuais ou em grupo para portadores e suas famílias podem beneficiar
grande número de portadores e suas famílias. Um exemplo é o trabalho de Miklowitz,
George, Richards, Simoneau e Suddath (2003), o qual demonstrou que a psicoeducação
da família propicia melhor ajustamento do portador de TB após um episódio de alteração
de humor e sua maior adesão ao tratam ento farm acológico. Estas sessões
psicoeducacionais podem tomar mais reforçadora a interação com a equipe de saúde
responsável pelo caso. Para que isto ocorra, o participante precisa ser acolhido, com
suas queixas, temores e dúvidas, receber informações numa linguagem precisa e
acessível, aprender que na sessão pode abertamente contestar afirmações, expressar
suas emoções e pensamentos acerca do diagnóstico e tratamento. O objetivo é
estabelecer um relacionamento terapêutico pautado na colaboração recíproca, por meio
da comunicação franca e sensível às necessidades do cliente. Em termos gerais, os
programas de psicoeducação visam tornar o cliente o cliente capaz de:
■Reconhecer seus sintomas precisamente, e de preferência, logo que se manifestem;
•Descrever, com entendimento, os mecanismos etiológicos do transtorno (geralmente, os
determinantes são relações complexas entre fatores biológicos e de história de vida),
principalmente inserindo esta informação na compreensão de sua própria história de vida;
•Buscar atendimento médico com a regularidade necessária, tomar medicação conforme
prescrita, reportar dados relevantes (por exemplo, história pessoal, evolução do
tratamento, recaídas, sintomas, efeitos colaterais, eventos vitais, etc.);
Aceitar que parte do tratamento envolve reconhecer sua condição de portador e enfrentar os
problemas decorrentes dos padrões de comportamento tipicamente emitidos por quem
apresenta algum transtorno (aqui salienta-se a importância do desenvolvimento do repertório
de enfrentamento apropriado ao manejo das dificuldades pertinentes a cada caso).
Uma das características distintivas da abordagem analítico-comportamental é

Sobre C om portam ento e C ognição


a análise sistemática das variáveis de controle do comportamento do cliente, emitido
dentro e fora da sessão. Colocam-se em evidência as contingências ambientais,
passadas e presentes, em vigor nos contextos da família, escola, trabalho, etc.
Na maioria dos casos, são criadas estratégias para que o cliente aprenda a analisar
estas contingências e possa valer-se deste instrumento para processos de tomada de
decisão em sua vida, mesmo após o encerramento da terapia. Certamente não se trata
de negligenciar as variáveis biológicas, em detrimento das ambientais. Ao contrário,
provavelmente predisposições genéticas e alterações neuroquimicas, em si, participem
de distintas relações organismo-ambiente. Uma das possibilidades é compreender as
variáveis biológicas como operações estabelecedoras, capazes de modular o valor
reforçador de certos estímulos e, com isso, influenciar a probabilidade da ocorrência de
classes de respostas operantes controladas por uma relação de tríplice contingência
na qual estes mesmos estímulos sejam a conseqüência produzida pelo operante.
Além de provavelmente estabelecer o vafor reforçador de certas conseqüências, variáveis
biológicas modulam a sensibilidade do organismo aos estímulos, modificando o
resultado de processos de condicionamento clássico. E, por último, também é provável
que o controle de estímulos em diversas contingências operantes seja igualmente
alterado pelo nível biológico de determinação do comportamento.
Assim posto, o que a presente discussão pretende destacar ê que
conseqüências ambientais (providas aos comportamentos do cliente) podem propiciar
melhoras ou, pelo contrário, favorecer a manutenção ou agravamento do quadro clinico.
E uma intervenção psicoeducacional seria o primeiro passo, geralmente indicado para
o cliente que recebeu seu diagnóstico há pouco tempo, com insuficiência de informações
adequadas sobre sua condição psiquiátrica. Muitos terapeutas, em consultório particular,
nos serviços públicos ou colaborando com associações de portadores promovem
ações psicoeducacionais eficazes, que previnem ou atenuam o risco de abandono de
tratamento, discriminação social, tratamentos sem validação científica, etc.
Há, no entanto, casos graves, reais desafios terapêuticos, para os quais a
psicoeducação mostra-se insuficiente. Caracterizam-se por persistente baixa adesão,
inicio precoce do transtorno, muito tempo sem tratamento adequado, má resposta a
vários tratamentos, exuberância sintomatológica e/ou intenso prejuízo funcional. Por
vezes, nos casos de difícil controle, encontramos também marcantes efeitos colaterais
da medicação, história de surtos psicóticos, tentativas de suicídio, afastamento laborai
ou aposentadoria por sintomas incapacitantes e internações sucessivas.
Para boa parte dos portadores, em particular os mais graves, a terapia individual
ou em grupo toma-se uma indicação necessária (Wielenska, 2001; Scott, 2006). Aspectos
como freqüência e objetivos das sessões, escolha e implementação de procedimentos,
e outros temas são alvo de inúmeras pesquisas voltadas para o teste e validação dos
melhores programas de tratamento aos portadores de transtornos psiquiátricos. Mas
nem sempre somos bem sucedidos e, não raramente, um terapeuta às voltas com um
caso grave, constata que a terapia individual, aplicada com seriedade por um período
significativo de tempo, produziu apenas resultados medíocres, pouco satisfatórios.
Em geral, a análise do insucesso nos leva a concluir que a terapia exercer
reduzida influência sobre um dos am bientes mais influentes para sobre o
comportamento daquele cliente com TOC ou TB: suas relações próximas, usualmente
com a família nuclear, seja composta por pais, irmãos, cônjuge e/ou filhos. Nem sempre
conseguim os plena ce rte za sobre a cadeia de eventos determ inantes dos
comportamentos-problema. Até que ponto as relações na família estão prejudicadas
porque o transtorno é grave e isto afetou demais a capacidade do portador de interagir

Ifeffinâ C h riítin â W ieienska


socialmente? Ou, num raciocínio inverso, o quanto o transtorno se agravou em função
dos relacionamentos apresentarem baixa qualidade ou das interações familiares
favorecerem primordialmente os comportamentos ‘'doentes”?
Talvez seja inútil despender esforços para descobrir se o ovo (ou seja, as
alterações com porta mentais correspondentes ao transtorno) chegaram antes ou depois
da galinha (neste caso, o conjunto de relações de contingências que historicamente
operam sobre o portador e sua família). Embora as intervenções psicoeducacionais e a
terapia (individual ou de grupo) sejam escolhas adequadas e com respaldo na literatura,
não bastaram para auxiliar um dado cliente. Neste momento se considera a inclusão da
família no tratamento psicológico. Alguns episódios que ilustram este ponto:
A incidência de conflitos entre o cliente e sua família permanece alta, com freqüentes
brigas, atrasos e confusões, por exemplo, toda vez que este indivíduo com TOC se recusa
a sair com a família para um compromisso sem antes executar determinado ritual longo;
■Uma família não suporta as conseqüências devastadoras de um episódio de mania
durante o qual a filha gastou todas as economias, entregou pertences de valor a
desconhecidos na rua, fez propostas sexualmente indecorosas a vários vizinhos e
funcionários do condomínio, etc.;
■Dados como a freqüência, intensidade ou duração de sintomas, indica que eles parecem
ser mantidos ou agravados por aspectos da relação com familiares: um cliente bipolar
piora muito quando escuta de seus pais a acusação de “que sua fraqueza de caráter é
o propulsor da própria infelicidade e daqueles ao seu redor";
■Outro cliente com TOC recebe muito apoio da família na execução de rituais, todos
renunciaram a suas vidas para tomar conta do portador e atendem às suas demandas.
Claro que não apenas os motivos acima apresentados esgotam os motivos de
encaminhamento para modalidades de atendimento analítico-comportamental voltadas
ao ambiente familiar. O essencial é entender que em certos casos deveríamos conversar
com o cliente sobre a necessidade de orientar sua família, fazer terapia familiar ou
conjugal, ou introduzir um acompanhamento terapêutico (AT) no ambiente doméstico.
Este momento costuma gerar reações variadas nos clientes, eis algumas
possibilidades:
•Raiva, porque "o terapeuta vai ensinar minha família que não pode me reassegurar
com as obsessões”;
-Alívio, porque gostaria de repartir com mais pessoas a tarefa complexa de refazer sua
vida, modrficar o que precisa;
■Medo de que o terapeuta revele informações sigilosas à família, ou que os familiares
assumam o papel de delatores, informantes do terapeuta;
■Sensação de que o terapeuta desconfia de seus relatos, que apenas quer tirar a “prova
dos nove” com a família;
Esperança, porque o terapeuta parece validar sua opinião de que os problemas de
relacionamento na família colaboram na manutenção ou piora dos sintomas psiquiátricos;
■Desesperança, porque “se nem remédio, nem terapia ajudaram...".
Para reduzir a chance da nova proposta terapêutica (seja AT, atendimento familiar
ou conjugal) trazer mais prejuízo do que benefício ao cliente, recomenda-se discutir de
antemão, pelo tempo necessário, todas as dúvidas, temores, expectativas, solicitações
referentes ao rumo proposto para o atendimento. Nada pode ser feito sem o consentimento

Sobre C om portam ento < C ognição


do cliente, após reflexão cuidadosa sobre vantagens e desvantagens prováveis. No entanto,
se o cliente estiver sem capacidade de decidir, psicótico, com prejuízo cognitivo e/ou risco
de suicídio, comunicar-se prontamente com o médico e informar a família torna-se um
imperativo ético, o qual justifica quebrar eventuais acordos estabelecidos com o cliente (a
respeito das relações triangulares entre psicoterapeutas, seus pacientes e médicos,
sugere-se o artigo de Chiles, Carlin, Benjamin, Beitman, 1991).
Alguns clientes e eu experimentamos com sucesso uma estratégia para
estabelecimento do contato inicial com a família que se mostra refratária ao atendimento
psicológico, e vale partilhar esta estratégia com o leitor. Determinados clientes
identificam corretamente que seu cônjuge (ou qualquer outro parente significativo) estaria
pouco inclinado a vir para terapia. Em muitos casos isto ocorre porque a família se
esquiva do contato, gerado pela terapia, com evidências da relação funcional entre as
características e comportamentos do cliente (referentes, ou não, ao transtorno) e as
características e comportamentos daquele familiar. É usual que o portador seja visto
como desajustado ou doente, e a família, esgotada, com raiva ou desesperança, entende
que já faz o melhor por aquela pessoa. Aceitaria no máximo ser orientada, talvez tirar
dúvidas, conversar algumas vezes com o terapeuta, para ajudá-lo a ‘'consertar” o
comportamento disfuncional do cliente. Se esta é a única via de acesso, e apenas se
houver uma sólida relação terapêutica, pode-se combinar que a famiiia seja inicialmente
atendida, pelo terapeuta do cliente ou outro membro da equipe, partindo-se desta
expectativa distorcida. Com habilidade refinada e algum tempo, o terapeuta poderá
ensinar a todos que:
-O cliente não é culpado pelo transtorno psiquiátrico e sua condição psiquiátrica não
deveria ser a característica definidora da individualidade, e que ninguém escolhe ser
acometido pelo transtorno (ao contrário, uma combinação entre genética, ambiente
físico e social e outros fatores elegeu o portador);
o relacionamento familiar funciona com base numa rede de relações de influência
recíproca, da qual todos participam, quer planejem, ou não, tal efeito e, portanto, padrão
de relacionamento pode ser modificado se os indivíduos envolvidos aprenderem novos
comportamentos (na linguagem leiga, “vamos descobrir novas alternativas, e se errarmos,
será um erro novo, chega de fazer sempre o que já sabemos que não funciona");
•a terapia conjugal ou familiar não pode se tomar foro privilegiado para discussões estéreis,
acusações, cobranças e vitimizações, mas sim um espaço, conduzido profissionalmente
e com regras democraticamente estabelecidas, para facilitação do diálogo assertivo,
aprendizagem de estratégias de enfrentamento, formação de relações de apoio mútuo
em direção ao crescimento, resolução de problemas e desenvolvimento da autonomia.
Geralmente é possível chegar a um consenso e envolver o casal (por exemplo)
na discussão sobre como resolver seus vários problemas (de relacionamento sexual,
educação dos filhos, finanças, comunicação, estilo de vida, metas, valores norteadores
da vida a dois, etc.). O transtorno psiquiátrico muitas vezes sairá de cena, para se tornar
pano de fundo, e ceder espaço para a análise funcional e intervenção sobre os
relacionamentos entre os participantes. Neste caso, haveria uma alternância entre
focalizar os efeitos dos sintomas psiquiátricos sobre todos e o planejamento e
implantação de estratégias mais amplas, com foco nas interações familiares.
Em suma, precisamos atentar para o tato de que casos psiquiátricos como TOC e
TB podem se beneficiar da associação entre farmacoterapia e múltiplas formas de intervenção
analítico-comportamentat, visando reduzir a aversividade do tratamento, promoção da
qualidade de vida para o portador e familiares e melhor controle dos transtornos psiquiátricos,

Kcoina C hristlna W íetensk«


Referências

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and a patient: the pharmacotherapy-psychotherapy triangle. In: Beitman BD, Klerman GL
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S obre C o m portam ento t C ognição


Capítulo 4
A clínica do autismo em dados
Roosevelt R. S tarling (UFSJA/SP)
K ellen A . C arvalho (Aplicar)
Sílvana C. Santos (Aplicar)
Ju lian a C am pos (Aplicar)

Este trabalho apresenta três intervenções ABA' (Applied Behavior Analysis),


conduzidas num contexto eminentemente clínico como tratamento para problemas
comuns nos repertórios comportamentais problemáticos que a psiquiatria denomina
coletivamente como Transtorno Autista ou, com mais abrangência neste contínuo,
Transtornos Invasivos do Desenvolvimento - TID (American Psychiatríc Association,1994).
Os TID constituem um grupo de condições comportamentais em que as habilidades
sociais, o desenvolvimento do comportamento verbal (linguagem) e o repertório
comportamental mais extenso esperado não se instalam adequadamente ou são perdidos
no início da infância. No geral, afetam precocemente e de maneira persistente e simultânea
vários subrepertórios necessários para a funcionalidade pessoal e sócio-verbal.
O mais conhecido dos TID é o Transtorno Autista, caracterizado por padrões de
comportamento restritos e estereotipados e déficits intensos na comunicação e nas
interações sociais, manifestos até os três anos de idade. O Transtorno Autista ocorre em
uma taxa de 2 a 5 casos em cada 10,000 crianças (0,02 a 0,05%), sendo de três a cinco
vezes mais comuns em meninos do que em meninas. Mais de dois terços desta população
apresenta retardo mental concomitante, mas esta não é uma ocorrência necessária para
o diagnóstico de Transtorno Autista. (American Psychiatric Association,1994).
A literatura brasileira de base comportamental sobre o transtorno é carente de relatos
de intervenções em contextos propriamente dínicos e que apresentem, concomitantemente,
dados objetivos das intervenções terapêuticas. Uma consulta às três principais publicações
da área no Brasil, as coletâneas Sobre Comportamento e Cognição? e Ciência do
Comportamento: conhecer e avançar, e a Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva, mostrou somente três relatos de intervenção junto a esta população que
apresentaram dados objetivos. Dois deles parecem ser o relato de trabalhos desenvolvidos
sob as condições especiais da pesquisa acadêmica (Bagaiolo & Guilhardi, 2002; Braga-
Kenyon, 2001) e um relata uma experiência estrangeira (Kenyon & Healy, 2001).
Em nosso país, fora da literatura de base comportamental, são raras as
publicações sobre o tema que fundamentam com dados empíricos tratamentos ou
proposições d© tratamento que se relatam. Em sua maior parte estas produções são
’ O acfCmlmo ASA tem sido usado tar\to para designar Applied Behavior Analysis - Análise do Comportamento Aplicada - enquanto um dos
componentes da matriz conceituai da Ciência do Comportamento quanto para designar o conjunta de procedimentos de base emalfóco-
comportamenta) que compõe um bem sucedido pacote de tratamento para o autismo.
! Os volumes 15e 16 desta coletânea nâo foram consultados.
de discussão conceituai e/ou de caráter prescritivo (como por exemplo, Bosa, 2006;
Gauderer, 1997). Alguns poucos trabalhos que apresentam dados objetivos o fazem
descrevendo resultados de pesquisas descritivas ou correlacionais, boa parte delas de
interesse médico-farmacológico, mas, infelizmente, até a presente data a biomedicina
pouco tem a oferecer para o tratamento substantivo deste grupo de transtornos (Klin &
Mercadante, 2006; Menéndez, Wiflians & Peréz-González, 2003).
Este estado de coisas não deixa de ser intrigante, porque a Análise do
Comportamento Aplicada estrangeira tem uma longa tradição na produção de
intervenções para estes padrões comportamentais, com fundam entação empírica
metodologicamente forte e idiográfica na sua coleta e interpretação (por exemplo, Larsson,
S/D, compila uma extensa relação de publicações com estas características sobre
intervenções terapêuticas ABA no contínuo autista, abrangendo os anos de 1973 a 2001;
igualmente, a excelente revisão do tema publicada por Menéndez, Wiliians & Peréz-
González, 2003, também traz extensas indicações bibliográficas desta produção). Além
disso, a intervenção terapêutica analítico-comportamental para estes transtornos é
também uma das poucas áreas de ação clínica psicológica nas quais a eficácia superior
dos métodos comportamentais recebe amplo e generalizado reconhecimento em
publicações não-comportamentalistas (New York State Department of Health, 2003;
(The) Surgeon General Guidelines, 2003; Lord & McGee, 2001; American Academy of
Child and Adolescent Psychiatry Official Action, 1999; United States Public Health Service,
1999; Kaplan, Sadock e Grebb, 1997; United States Department of Education, 1997;
Talbott, Hales e Yudofsk, 1992). Assim sendo e por inúmeras razões, o estudo e a
condução de intervenções terapêuticas para este grupo é ou poderia ser uma área de
interesse privilegiado para a ação do analista do comportamento.
Visando suprir parte desta carência e estimular o interesse e discussão da
comunidade analítico-comportamental para esta área de atuação, nas três seções a
seguir são apresentados os relatos de intervenções analítico-comportamentais na
tradição da área, ou seja, resum idam ente: intervenções co m p o rtam en tais,
conceitualmente fundamentadas, analíticas e aplicadas (conforme definição destes
termos em Baer, Wolf & Risley, 1968, 1987).. Procura-se ainda descrever o melhor
possível os procedimentos para facilitar não somente o exame e julgamento critico do
leitor como também para facilitar eventuais replícações.
São examinadas intervenções para a construção de um repertório verbal vocal
funcional, para o treinamento e aquisição de habilidades da vida diária e uma intervenção
num caso crítico de recusa alimentar com sério comprometimento e risco da saúde
biológica do cliente.

Seção 1 - Implantação de um repertório de mandos em um jovem


autista e dois aspectos importantes
Entre os critérios centrais para o diagnóstico psiquiátrico do Transtorno Autista
encontram-se os déficits no desenvolvimento de uma comunicação funcional. Quatro,
dos quatorze itens utilizados como critério para se diagnosticar este transtorno estão
diretamente relacionados ao desenvolvimento e à utilização da linguagem e outros três
itens estão indiretamente relacionados, de vez que pressupõem ae xistên cia de um
repertório social mínimo. Quando crianças autistas chegam a apresentar algum tipo de
vocalização, geralmente resumem-se a ecofalias imediatas ou postergadas ou frases
estereotipadas e descontextualizadas (Kaplan, Sadock e Grebb,,1997).
Os déficits marcantes do repertório verbal dos indivíduos autistas, por si mesmos,
já representam dificuldades importantes no convívio social destes indivíduos. Imagine-

Sobre C om portam ento í C oanicâo


se uma criança que não consegue dizer quando sente fome, dor ou sono e que, além
destes déficits, apresenta também padrões de agressão - excessos comportamentais
- tanto a si próprio como aos outros. Pessoas do convívio familiar do autista geralmente
apontam estes padrões de comportamento - as auto e hetero-agressões - como o
aspecto mais dramático deste transtorno. Um ponto mais prático que decorre deste é
que a presença destes excessos comportamentais acaba por restringir ainda mais as
poucas possibilidades de tratamento disponíveis para os autistas. Os modelos típicos
de tratamento dos transtornos do desenvolvimento são planejados para indivíduos que
suportam um manejo grupai, tendo dificuldades em atender àquelas crianças que, em
função de graves padrões disruptivos, necessitariam de um manejo mais individualizado.
A aquisição de um repertório verbal é considerada como um dos procedimentos
centrais no tratamento dos indivíduos autistas, uma vez que amplia o repertório
comportamental destes indivíduos instalando operantes que concorrem eficazmente
com os padrões disruptivos característicos do autismo. Em crianças com
desenvolvimento atípico, as respostas destrutivas e autolesivas podem ter funções
análogas a de um mando (operante verbal) e, na medida em que estabelecem uma
condição aversiva para o cuidador, podem funcionar também como estimulação adicional
para produção de reforçadores positivos ou para a eliminação de estimulação aversiva
produzidos pelas respostas do cuidador (Zamignani c Nico, 2007).
Sundberg e Partington (1998a) enumeram quatro maneiras pelas quais podemos
instalar ou refinar um repertório verbal em uma criança com problemas de desenvolvimento:
(1) fala ou discurso; (2) linguagem de sinais; (3) sistemas de comunicação por figuras; (4)
métodos de comunicação facilitada (soletrar, escrever, digitar), cada um deles com vantagens
e desvantagens. O método da fala ou discurso é o mais indicado por uma série de razões:
não requer treinamento especial aos treinadores, uma vez que é o meio de comunicação da
comunidade mais ampla; a comunidade que pode modelar o repertório é bastante extensa,
ampliando assim a probabilidade de que um grande número de treinamentos incidentais
ocorra nos vários ambientes aos quais o treinando está exposto; é uma estratégia que não
requer suporte ambiental especializado, como requer, por exemplo, o PE CS (Picture Exchange
Communication System) e alguns outros sistemas de comunicação facilitada; além disto,
respostas minimamente aproximadas, como balbucios, por exemplo, podem ser reforçadas.
Para a definição de objetivos e acompanhamento dos progressos no desempenho
de um jovem autista incluído num programa clínico regular3, não-acadêmico, de aquisição
de repertório verbal vocal, foi utilizado o programa ABLLS, desenvolvido por Sundberg e
Partington (1998a). O Quadro 1 ilustra dois itens (F1 e F3) deste programa para a
implantação de um repertório de mandos. Os objetivos de cada etapa do tratamento
estão claramente identificados e os critérios de fluência são quantificados, possibilitando
medidas de linha de base e acompanhamento do tratamento. Na prática, o objetivo final
pode ser divido em tantos outros desempenhos/objetivos menores quantos forem
necessários, de acordo com o repertório de entrada do aprendiz.
A im plantação de qualquer repertório deve prever uma densidade de
reforçamento suficiente para manter uma alta taxa de ocorrência daquele repertório
(Millenson, 1975). A implantação de um repertório verbal tem maiores chances se iniciada
com o treinamento de mandos - operante verbal que pode produzir reforçamento
imediato (Lear, 2004; Sundberg e Partington, 1998a; Skinner, 1957).
Participante: jovem autista de 22 anos. D.,com importantes déficits funcionais.
Avaliado peio ABLLS (Sundberg e Partington, 1998b), o repertório pré-requisito e básico

1Este e 09 demais participantes recebem tratamento ABA na HeliantoApücar - Centro de Estuòos e Tratamento dos Transtornos Invasivos
áo DesenvoWmenlo e Quadros Assemelhados em São João dei-Rei (MG)
do participante, tais como resposta de observação, contato visual, coordenação manual
e óculo-manuai, uso funcional de objetos e AVD’s (atividades de vida diária) mostrava-
se ausente ou insuficiente. Igualmente, habilidades mais específicas - como, por
exemplo, as habilidades de auto-proteção: caminhar em uma calçada, desviar-se de
objetos ao caminhar, não ingerir substâncias estranhas - e habilidades sociais básicas
- tais como participar de atividades de lazer em grupo, respostas de cooperação,
desempenhar uma tarefa simples quando solicitado ou simplesmente, esperar sua vez
em uma fila -, também apresentavam déficits severos ou ausência. Com relação às
habilidades verbais, o repertório vocal do participante era reduzido a ecóícos e ocasionais
frases descontextualizadas. Na escala ABLLS o participante apresentou aproveitamento
igual a 15%, ou seja, dos 680 itens avaliados, o participante desempenhava apenas 99
e nenhum deles com desempenho suficiente. Trata-se, portanto de um jovem com
repertório bastante restrito e déficits marcantes em várias áreas do desenvolvimento.

ESCALA F, ITENS 1e 3 - ABLLS


NOME DA
TAREFA ESCORE OBJETIVO CRITÉRIO - Pontuação
TAREFA
0 treinando indica itens
e atividades que ele
quer através de ações 2 - cinco mandos/dia,
como apontar, puxar ou incluindo pelo menos três
ficar perto de um item itens diferentes.
Mandos por
F1 0 1 2 ou atividade. 1 - mandos para um item ou
Indicação
*(sem utilizar palavras atividade pelo menos uma
ou linguagem de vez por dia.
sinais).
4 - dez ou mais itens ou
0 treinando pede pelo
atividades.
Mandos cóm que quer, quando o
3 - seis itens ou atividades.
F3 0 12 3 4 reforçador reforçador está
2 - quatro itens ou
presente. presente e uma palavra
atividades.
ou prompt lhe é dado.
1 - um item ou atividade
Quadro 1 - Itens F1 e F3 num tratamento para instalação de um repertório de mandos.

O item específico de treinamento foi o de Mandos com o reforçador presente e quando


perguntado X) que você querT (Escala F, item F2, conforme Sundberg e Partington, 1998b).
Foram avaliados os principais reforçadores do treinando, segundo o método
descrito em Frost & Bondy, 1994. Os itens preferidos pelo treinando naquela ocasião
foram reforçadores tangíveis: (1) pão de queijo, (2) coca-cola, (3) bombom, (4) bala e (5)
vitamina - todos eles itens comestíveis.
Selecionamos em seguida, os mandos a serem treinados. Optamos por iniciar
o treino com os mandos COMER e BEBER, que poderiam produzir quaisquer dos itens
reforçadores avaliados anteriormente.
Estes mandos foram treinadoís em momentos diferentes; inicialmente treinamos
o mando C O M E R e, assim que o aprendiz adquiriu flu ê n c ia 4 n este m ando,
implementamos o treino do mando BEBER.
O aprendiz recebeu um mínimo cinco sessões de treinamento diárias, cada
uma delas com cinco oportunidades de resposta, perfazendo um total de pelo menos
vinte e cinco oportunidades de treinamento por dia.

4 Para o cálculo da ftuênda de um repertório, dividimos o número das ocorrências corretas da resposta-alvo dividido peto número total d©
oportunidades da respasta-alvo Em se tratando de um reperlotio de mandos, acertamos o critério de fluénda cotno 100%, ou seja, a
resposta-alvo ocorreu em todas as oportunidades de resposta disponíveis.

Sobre C om portam ento t CognlçSo


Os treinamentos foram realizados em situações de 1:1, quer dizer, na sala de
treinamento estavam presentes apenas terapeuta e treinando.
Situação: o treinando assentado de frente para o terapeuta, estando em ação
de uma OE relevante para o desempenho desejado e com o item reforçador disponível
{mas não diretamente acessível ao treinando).
Procedimento: diante da pergunta: - O que você quer? o treinando deve vocalizar
o item em treino (ou a resposta mais aproximada). Respostas corretas foram reforçadas
imediatamente com reforçamento social e tangível. Após um período superior a 5
segundos contados a partir da emissão do Sd verbal do terapeuta sem a ocorrência de
nenhuma resposta por parte do treinando, um prompt ecóico foi fornecido ao treinando.
Respostas incorretas não foram reforçadas e foram seguidas de uma nova apresentação
do Sd verbal - O que você quer? + prompt ecóico (por exemplo, - Diga: Comer).

FOTOS 1 e 2: Terapeuta (à esquerda) e treinando em situação de treino. O item reforçador está


presente, mas inicialmente incessível ao treinando.

As primeiras ocorrências do mando em treino foram respostas aproximadas e


foram modeladas até adquirirem a topografia final semelhante ao modelo oferecido pelo
terapeuta. Todas as topografias das respostas apresentadas durante os treinos foram
registradas. À medida que as vocalizações do treinando se aproximavam ao modelo
oferecido pelo terapeuta, respostas independentes começaram a ser observadas.

FOTOS 3 e 4: Um timer (à esquerda) e um contador de respostas: recursos utilizados para o registro


das respostas durante o treino.

Equipamentos como contadores de resposta e timers foram utilizados pelo


terapeuta para que o ritmo e foco das interações entre terapeuta e treinando não fosse
alterado para o registro das respostas do treinando, o que poderia acontecer caso o

46 Roosevelt R. Starling, Kelten A- Carvalho, Silvana C . Santos e Juliana Campo?


registro fosse escrito; além disto, era importante que o terapeuta estivesse livre para
liberar o reforçador imediatamente após a resposta do treinando.

Resultados e discussão:

H Ú M E R âB * SESSÃO D * TftSIMQ

GRÁFICO 1; Número cto respostas corretas nos 30 íe w fle s de tro rio para a inpíantaçflo do prim eiro mando BEBER.

NÚM UO D U S E U Ô I& DE TflBHO

GRÁFICO 2: Número de respostas correias nas 34 sessões de treino para a im plantação da segundo mando
COM£R.

Sobre C om portam ento e C o g n ic lo


NÚMERO DA8 SEABÔes CE TREMO

GRÁFICO 3: Número de respostas corretas nas 151 sessòes de treinam ento dos dois mandos
sim ultaneam ente (Beber e Comer)

MÚUtKO DE aesSÓEJ OE TREINO


GRÁFICO 4: Número de resposta« corretos durante todas as sesafies de treino

O critério de fluência - pelo menos cinco sessões consecutivas com 100% de


acerto - foi atingido na 12a sessão de treino para o mando COMER. Entretanto, decidiu-se
manter o treinamento em função das variações súbitas observadas nas sessões anteriores
(Veja-se Gráfico 1). Este tipo de flutuação súbita no desempenho é bastante comum em
pessoas autistas. Uma explicação possível é que a ação das múltiplas contingências
presentes num dado ambiente em conjunção com a ausência de um repertório verbal
funcional impediria respostas de autocontrole, na ausência de contingências que
pudessem manter este controle (da “atenção") diretamente, através de reforçadores
suficientemente poderosos (Hanna & Ribeiro, 2005). Após a vigésima terceira sessão o
critério de fluência foi novamente atingido e mantido por sete sessões consecutivas quando
então o desempenho foi considerado estável. Este primeiro treino requereu 30 sessões.
Esta segunda fase, a introdução de BEBER simultaneamente è manutenção de
COMER, previamente treinado, produziu uma desorganização do desempenho a partir da

48 Roosevctt R. SU rling, K elltn A. Carvalho, S ltvíns C. Santos t Juliana C am pos


11® sessão cJas primeiras 34 sessões de treino nesta nova contingência, como ilustra o
Gráfico 2. A história discriminativa necessária para controlar estes mandos em função do
estado físico (líquido ou sólido) do reforçador evidentemente inexistia. Foram necessárias
161 sessões de treino nesta contingência para que o critério de fluência fosse atingido,
conforme mostra o Gráfico 3. O problema é interessante, porque aqui temos uma mesma
OE (“fome' ou depleção de nutrientes) fortalecendo dois reforçadores topograficamente
diferentes mas funcionalmente homólogos (líquidos nutritivos, sólidos nutritivos). Nesta
situação, COMER E BEBER produziriam, ambos, o mesmo reforçador, de um ponto de vista
funcional. As dificuldades encontradas nesta etapa talvez pudessem ter sido evitadas, caso
um treinamento específico de emparelhamento (MTS) tivesse sido proporcionado em
conjunção com o treinamento de mandos, pois COMER para sólidos e BEBER para líquidos
corresponde, de fato, à formação dos conceitos de sólido e líquido. Como D. termina
atingindo o critério de fluência para os dois mandos (Gráfico 4) é possível que este
aprendizado tenha ocorrido "naturafmente" durante o treinamento simultâneo, mas está
hipótese não foi testada. Esta experiência sugere e demonstra quantitativamente os efeitos
que a seleção dos mandos específicos pode ter neste tipo de intervenção, o primeiro dos
dois aspectos importantes que se deseja ressaltar.
O Gráfico 4 simplesmente reproduz os gráficos anteriores numa série contínua, da
primeira à 225a sessão, quando o critério de fluência para os dois mandos foi atingido.
A seguir, um relato mais detalhado dos procedimentos utilizados e alguns cuidados
críticos que podem afetar o desempenho neste e em outros procedimentos ABA quando
aplicados a esta população clínica.
Seleção dos reforçadores: ao definir os reforçadores que serão utilizados no treino
de mandos para crianças autistas é importante incluir itens não usuais como pedaços de
papel, plásticos, peças de diferentes fomias. Objetos que poderiam não exercer controle
sobre uma criança normal podem ser bastante atrativos para crianças autistas. Para
influenciar a probabilidade da ocorrência de um mando é necessário que haja uma operação
estabelecedora em ação, portanto, é importante que o item reforçador selecionado para o
treino não esteja disponível em abundância no ambiente natural do treinando (Sundberg e
Partington, 1998).
Estruturação da sessão de treinamento: o treinando permanece assentado de
frente para o terapeuta que está de posse do reforçador. O reforçador deve estar visível ao
treinando sem, no entanto, estar fisicamente acessível a ele; a resposta verbal do treinando
é que deve tomar o reforçador disponível. Mediante a pergunta, pelo terapeuta, - O que você
quer, D?t - o treinando responderá com o mando, por exemplo: - Comer! produzindo assim,
reforça mento social + reforçamento tangível (o item reforçador).
Procedimentos de ajuda implementados pelo co-terapeuta (prompts): é comum,
nas primeiras sessões de treinamento, o treinando não pronunciar corretamente o nome do
item reforçador, não pronunciar palavra nenhuma ou pronunciar palavras não correlacionadas
com o item em treino. Para maximizar as possibilidades de sucesso do treinando,
procedimentos de indução foram utilizados com a ajuda de um co-terapeuta. Após cinco
segundos do estímulo verbal do terapeuta °-0 que você quer, D?”sem que nenhuma resposta
vocal fosse produzida pelo treinando, o co-terapeuta posicionado atrás do treinando, ecoava
o nome do item reforçador, por exemplo: *Bom bom f - aumentando, assim, a probabilidade
de ocorrência do mando e, conseqüentemente, a produção de reforçamento pela resposta.
Aproximações sucessivas (modelagem): as primeiras ocorrências do mando em
treino geralmente são respostas aproximadas e precisam ser modeladas até adquirirem a
topografia final idêntica ao modelo oferecido pelo terapeuta. Por exemplo, no treino do
mando brincar, começamos a reforçar inicialmente todas as respostas vocais do treinando

Sobre C om portam ento e C ognição


terminadas em “ar” - ”joiar, caninhar, foubar"; em seguida, reforçamos respostas com a
terminação uiár*, nos treinos seguintes reforçamos "rincárne, finalmente, após a primeira
ocorrência do mando “brincar”, apenas esta resposta vocal produzia o item reforçador.
Freqüência e duração das sessões de treinamento: o participante recebeu
cinco sessões de treinamento diárias, cada uma com cinco oportunidades de resposta,
totalizando vinte e cinco oportunidades programadas de resposta por dia. Além dos
treinos formais também aconteciam treinamentos incidentais, situações em que o
treinando se aproximava de algum item comestível, um biscoito ou uma bala, que eram
deixados visíveis mas não acessíveis, aumentando a probabilidade de que a resposta
verbal ocorresse em um contexto natural.
Registro imediato dos dados: os mandos vocalizados e os procedimentos de ajuda
utilizados pelo co-terapeuta durante os treinos foram registrados imediatamente após a sua
ocorrência. A atualização dos registros após cada sessão e a transformação, também imediata,
dos registros em gráficos, possibilitou visualizar os efeitos do treinamento sobre o repertório
daquele indivíduo e, quando era o caso, alterar estratégias que se mostraram ineficazes
naquele caso, maximizando o aprendizado do treinando em um curto espaço de tempo.
Como observação final e como segundo aspecto importante derivado desta
experiência, enfatiza-se que uma apresentação no contínuo autista com grande densidade
de déficíts e excessos comportamentais pode controlar a avaliação do clínico, levando-o a
não testar exaustiva e sistematicamente a potencialidade de aprendizagem em vista do
repertório corrente. Neste caso em particular, ressaltamos a potencialidade em uma área
crucial (comportamento verbal) numa apresentação cuja desorganização mais ampla poderia
gerar uma expectativa de mau desempenho. Uma apresentação semelhante a de D, com
déficits funcionais marcantes, poderia levar à falsa expectativa de um mau desempenho
generalizado, encobrindo áreas de desempenho potencial de boa funcionalidade.

Seção 2 - Procedimentos ABA no ensino de habilidades de auto-


cuidado - escovação dos dentes.
Esta seção relata um procedimento ABA para a implantação do operante
(habilidade de auto-cuidado) “escovar os dentes" em uma pessoa autista.
As Atividades de Vida Diária (AVD) são necessárias para satisfazer algumas de
nossas necessidades físicas e sociais. Elas fazem parte do nosso cotidiano e nos
tornam independentes. Segundo W indholz (1 9 8 8 ), pessoas com déficit no
desenvolvimento apresentam dificuldades na aquisição destas habilidades devido ao
aprendizado lento e aos problemas motores e/ou neurológicos leves ou severos. A
aquisição de habilidades de auto-cuidado (AVD) beneficia tanto a pessoa cuidada quanto
o cuidador. A pessoa se toma mais independente e assim aumenta as oportunidades
dos seus comportamentos produzirem reforçamento. A independência da pessoa
cuidada libera os cuidadores da ocupação com tais atividades e diminui a aversividade
na Interação. Isto reflete positivamente na relação entre cuidador e pessoa cuidada.
O comportamento do cuidador é de fundamental importância, favorecendo ou
retardando a aquisição destas habilidades. O comportamento do cuidador pode ficar
sob controle de reforçamento negativo, quando este se esquiva de situações em que a
pessoa cuidada irá responder a contingências que “ela não dá conta". Fazer pela pessoa
exige uma resposta de menor custo para o cuidador do que ensinar; além disso, muitas
vezes os cuidadores podem não ter um repertório adequado para exercer tal função.
Estados motivacionais (Operações Estabelecedoras) e/ou repertórios inadequados ou
insuficientes para esta tarefa, expressos coloquialmente como “falta de tempo" ou de
“paciência", também podem dificultar a interação entre a pessoa cuidada e cuidador.

50 Roosevet! R. Sterling, Keilen A . Carvalho, Silvana C . Santos e juliana C am pos


Especificamente quanto à higiene bucal (escovação dos dentes), a literatura
tem reíatadó dificuldades tais como análises da tarefa (tâsk analysis) inadequadas,
informação ambígua sobre técnicas para ensinar e descrição inadequada da efetividade
dos programas (Hornere Keilitz, 1975). Lattal (1969) apu</Horner& Keilitz (1975) registrou
a utilidade do procedimento de manejo de contingência no controle do comportamento
de escovar os dentes previamente estabelecidos, em meninos de oito anos. Porém,
análise da tarefa, seqüência e desempenho dos componentes não foram registradas.
Abramson & Wundertch (1972) apuc/Homer & Keilitz (1975) registraram os resultados
de um programa usado para treinar escovação dos dentes em nove meninos severamente
comprometidos. Apesar da descrição de 20 componentes para esta tarefa, a falta de definição
operacional dos componentes minimiza a utilidade do programa e limita sua replicabilidade.
Os mesmos Homer e Keilitz (1975) utilizaram o delineamento experimental de
caso único para avaliar a aplicação do programa de escovação dos dentes, o qual
incluiu detalhada análise da tarefa e estratégias de treinamento sistemáticas. Os oito
meninos treinados apresentavam retardo mental de leve a severo e destes, seis
alcançaram o critério de fluência entre 18 e 30 sessões.

Método
Linha de Base: Nesta primeira fase foi verificado o repertório de entrada do residente.
Foi realizada observação sistemática e registro do desempenho do residente em situação
não-treinada da atividade. O terapeuta apresentava o Sd e registrava a seqüência e os
componentes que o treinando realizava sem assistência. As respostas não foram reforçadas.
Análise de tarefa: A análise de tarefa consiste no processo técnico de quebrar
um comportamento complexo em seus componentes menores (elos) estímulo-resposta.
Para realizar uma análise de tarefa, primeiro é preciso identificar as respostas
necessárias para o desempenho da tarefa e ordená-las. Depois é necessário identificar
o Sd associado a cada resposta da tarefa. Ensinar a tarefa envolve colocar cada resposta
sob controle discriminativo (Miltenberger, 2000). Segundo Horner e Keilitz (1975), a
seqüência das respostas deve ser estabelecida pelo participante e mantida durante o
treinamento. Alguns elos podem ser modificados, caso o treinador perceba que facilitará
a ocorrência do comportamento; outros não podem ser modificados por impedimentos
físicos, como por exemplo, colocar pasta na escova após abrir o tubo.
Miltenberger (2000) apresenta três caminhos para identificar a seqüência correta
dos comportamentos numa cadeia; um deles é observar a pessoa engajada na tarefa
e registrar cada componente de estímulo-resposta. A análise da tarefa para esta
intervenção foi baseada na observação da seqüência apresentada pelo treinando no
desempenho da tarefa. A análise de tarefa assim produzida está ilustrada no Quadro 2.

1 - A p r o x i m a r - s e d a pi a 15 . Ab rir a torneira
2. P e q a r a e s c o v a 16 . Lavar a boca
3. P e g a r a p a s t a 17 . C o l o c a r â q u a na b o c a . s em e n g o l i r
4. A b r i r a p a s t a 18 . J o g a r á g u a d a b o c a na pi a
5. P o r a t a m p a n a pi a 19 . Lavar a escova
6. E n c o s t a r a p a s t a n a e s c o v a 20. G uardar a escova
7. A p e r t a r a p a s t a d e v a g a r 21. F e c h a r a torneira
8. P e r a p a s t a na pi a o u a r m á r i o 22. P e q a r a pasta
9. A b r i r a t o r n e i r a 23. F e c h a r a pasta
1 D. M o l h a r a e s c o v a 24. G u a r d a r a pasta
11 . F e c h a r a t o r n e i r a 25. P e g a r a toalha
12 . E s c o v a r o s d e n t e s d e b a i x o 26. E n x uqar a boca
1 3. E s c o v a r o s d e n t e s d e c i m a 27. J o g a r a t o a l h a n o l i xo
14. E s c o v a r os d e n t e s d a f r e n t e

Quadro 2. Análise de Tarefa da AVD escovar os dentes

Sobré Comportamento e Coghlçio


Um encadeamento comportamental é a sucessão de operantes diferentes (...)
que servem à dupla função de reforçar a última resposta e de produzir condições para a
resposta seguinte (Catania, 1999). Cada resposta da cadeia produz uma mudança nas
condições de estímulo que atua como Sd para a próxima resposta da cadeia. A primeira
resposta produz um Sd para a segunda resposta; a segunda resposta produz Sd para
a terceira e assim sucessivamente, até o final da cadeia. Um Sd que exerce ta! função
reforçadora é denominado um reforçador condicionado. A cadeia se mantém porque o
elo final produz uma conseqüência reforçadora (Miltenberger, 2000). Esta seqüência
pode ser representada como abaixo, conforme sugere Millenson (1975):
Sd1 ? ÍR I r
[stí2 ? R2 r
L.Sd3? R3
ts d 4 ? fR 4
[^ S d 5 ? R5 ? S r (terminal)

Uma variação deste procedimento é o encadeamento reverso, que envolve a


aplicação de estratégias de prompt e fading (esvanecimento) para cada componente
estímulo-re5posta da cadeia. No encadeamento reverso, os passos são ensinados numa
seqüência reversa. Inicialmente, o terapeuta motoriza todas as respostas e pede a execução
somente da última resposta da cadeia, a qual produz o reforçador terminal. Uma vez que o
treinando desempenhe esta última resposta sem nenhum prompt, apenas sob controle da
apresentação do Sd correspondente, o terapeuta pede a execução da penúltima resposta
da cadeia e assim sucessivamente até que a primeira resposta ocorra sob controle da
apresentação do primeiro Sd da cadeia. Este é o procedimento de eleição para ensinar
pessoas com déficit de desenvolvimento, pois facilita a construção dos reforçadores
condicionados que sustentam o desempenho ao longo da cadeia até a produção do
reforçador termina), tipicamente um tangível (Miltenberger, 2000). Ilustrando abaixo, o terapeuta
oferece um prompt - eventualmente motoriza a pessoa - para cada elo da cadeia, exceto o
último, “jogar a toalha no lixo", que produzirá o reforçador final. Esta última resposta já
estaria, após alguns ensaios, sobre controle da apresentação do estímulo correspondente
(Sd27) e sua ocorrência produz imediatamente o reforçamento final.

Sd25 (toalha disponível) + prompt ’! pegar a toalha (R) ’! toalha limpa na mão '! Sr/Sd
Sd26 (toalha limpa na mão) + prompt'! enxugar a boca (R) *! toalha suja na mão ’! Sr/Sd
Sd27 (toalha suja na mão) + prompt ‘í jogar toalha no lixo (R) ’! toalha suja no lixo ’! Sr

Prompting: Prompts são estimulações adicionais utilizadas para aumentar a


probabilidade da pessoa se engajar no comportamento correto na presença do estímulo
discriminativo correspondente (Miltenberger, 2000). Esta estimulação adicionai aumenta a
probabilidade da ocorrência da resposta desejada para que o terapeuta possa reforçar a
resposta, pois caso a resposta não ocorra não produzirá a liberação do reforçador e, neste
caso, tenderá a desaparecer do repertório do treinando. Na intervenção citada, foram utilizados
quatro tipos de prompts: prompt total (motorização), pardal (sombreamento), gestual e verbal.
Esvanecimento (Prompt Fading): É o procedimento utilizado para transferir
do controle de estímulos dos prompts para o Sd. Os prompts são removidos
gradualmente até que o comportamento ocorra na presença do Sd sem qualquer auxílio
adicional (Miltenberguer, 2000), Começamos com o uso de prompt total - motorização
ou prompt sensório-motor - para a resposta desejada e depois diminuímos sua
intensidade até que a resposta fosse desempenhada de forma independente.
Reforçamento: As respostas que estavam sendo trabalhadas na cadeia eram
reforçadas quando corretas e quando exigiam prompt total, parcial ou gestual. Respostas

B n n w p lt R SLartino KWltn A . CarvaflM, Sitvana C. Santos eJuliana C am pos


incorretas eram seguidas de correção e introdução de prompt adequado.
Ambiente e materiais: As sessões foram realizadas em ambiente natural, nos
banheiros do Centro. Os materiais utilizados foram: escova de dente, pasta de dente e
papel toalha disponibilizados em seus devidos lugares antes do treino; timer, lápis,
folha de registro contendo a análise da tarefa e front sheet (planejamento do treino).

Participante: adolescente do sexo masculino, 15 anos, portador do


Transtorno Autista.
Coleta de dados: as sessões foram realizadas três vezes ao dia, após as
refeições. A folha de registro utilizada era individual, de acordo com a análise de tarefa
do comportamento de escovar os dentes. Foram registrados os prompts necessários
para cada passo e as alterações diárias. Todos os resultados eram colocados em
gráfico imediatamente após o treino.

Resultados

Gféfcú S. finha basa « rM p o ttM inò*p*nò*nte* tio piSm êkv rr*« trvkto, ftirfta catfoia ò * 27«loa.

FREQUÊNCIA DE RESPOSTAS M M M H O E N TE S NA AVO DE ESCOVAR O S OEWTM


(Unha. oe « A « e Ho«a « C e oc THBHoi

■Omo oi ic ta A e t oe im n o

G rtfcc 6 Unha da b u a a raspostM M ep a n d an tu no nono m it 4a M ine. «wrt* cadaia da 27atoi.

S obre C om portam ento * C o jn i{ 3 o


O Gráfico 5 apresenta a freqüência das respostas independentes desempenhadas
por K na a cadeia comportamental durante a linha de base (três sessões) e no primeiro
mês de treino. Durante as sessões de íinha de base, K desempenhava apenas um passo
da cadeia de forma independente, portanto ele apresentava apenas uma resposta
independente, no caso, entrar no banheiro. Durante os primeiros 15 dias de treino, as
respostas independentes caem para zero. Esta queda ocorre provavelmente devido ao
início do procedimento “encadeamento reverso”, o qual reforçava apenas a última resposta
e fornecia prompts para toda a cadeia restante.
O Gráfico 6 mostra o desempenho de K no nono mês de treino da AVD, no qual
K apresentou 20 respostas independentes e o Gráfico 7 mostra uma comparação entre
o desempenho de K no primeiro e nono mês de treino.
A Tabela 1 indica a gradual redução dos quatro tipos de prompts nas primeiras
e últimas semanas do primeiro e do último mês de treino. Por exemplo, na primeira
semana de treino (primeiro mês) o residente necessitava de prompt total em 25
componentes da cadeia e não desempenhava nenhuma resposta sem prompt Já na
última semana (do último mês) o residente não necessitava mais de prompt total e
realizava 21 respostas sem prompt. Ao longo do treino, menos prompts são necessários
e mais respostas são desempenhadas de forma independente.

Prompt Prompt Prompt Prompt Sem


Total Parcial Gestual Verbal prompt
1o MÊS
DE PRIMEIRA 25 1 0 0 0
TREINO
ÚLTIMA 3 10 0 4 9

PRIMEIRA 0 4 2 0 20
9o MÊS
DE
ÚLTIMA 0 4 2 0 20
TREINO

Tabela 1: Número de respostas e tipos de procedimentos aplicados nas primeiras e últimas sessões
do 1o e 9o mês de treino

54 RooscvcU R. StarU nf, K elktt A. C arvalho, Silvana C. Santcc t Juliana C am pos


Condusões: Após nove meses de treino, o residente desempenhava vinte respostas
de forttia independente dentro de uma cadeia de 27 respostas. O número de prompts aplicado
em cada passo diminuiu independente de estar sendo trabalhado ou não. Isso provavelmente
ocorreu porque, apesar de ter sido utilizado o procedimento de encadeamento reverso, outro
procedimento ocorria ao mesmo tempo, a apresentação total da tarefa ( Total Task Presentatíon,
conf. Miftenberger, 2000). Enquanto apenas uma resposta era reforçada (seguindo a ordem
inversa da cadeia), todas as respostas restantes que não estavam independentes receberam
prompts e esvanecimento destes prompts até que ocorressem sob controle da apresentação
do Sd correspondente. Contudo, todas as respostas da cadeia ocorriam todas às vezes,
mesmo que motorizadas. Desta forma, o procedimento de apresentação total da tarefa esteve
sendo aplicado concomitantemente ao treinamento em encadeamento reverso.
Atualmente K desempenha toda a cadeia independentemente. A construção de
um encadeamento reverso indicou ser um tratamento eficaz para estabelecer esta
habilidade (escovaçáo de dentes) no repertório de K.

Seção 3 - Tratamento de um caso grave de Recusa Alimentar por


reforçamento positivo.
Pesquisas da área relatam estudos realizados com crianças que apresentavam
problemas alimentares, além de déficits no desenvolvimento. Com base em alguns estudos
(Riordan, Iwata, Finney, Wohl & Stanley, 1984; Riordan, Iwata, Wohl & Finney, 1980), Reed e
cols. (2004) concluem que “ alguns estudos sugerem que o uso de procedimentos baseados
apenas em reforçamento podem ser suficientes para aumentar e manter a consumação de
alimentos’’ (pp.27). No entanto, estes mesmos autores relatam que outros resultados
sugerem que “ a extinção da fuga é necessário não somente para aumento inicial (aquisição)
na consumação alimentar (como, po r exemplo, Aheam et a i; Hoch et al. Patel et a i; Piazza
et al.), mas também para manter a consumação (Cooper et al,. 1955)” (pp.27).
Piazza, Patel, Gulotta, Sevin & Layer (2003) conduziram um estudo onde examinaram
os efeitos individuais do uso do reforçamento positivo e os efeitos combinados de reforçamento
positivo e extinção da resposta de fuga/esquiva. Este tratamento foi desenvolvido com quatro
crianças com problemas alimentares. Os resultados mostraram que reforçamento positivo
sozinho foi insuficiente para aumentar a ingestão de alimentos e esta somente aumentou
quando procedimentos de extinção da fuga/esquiva foram implementados.
Reed e cols. (2004) desenvolveram um estudo com o objetivo de estender o trabalho
desenvolvido por Cooper e cols. (1995), apud Reed e cols. (2004), sobre os efeitos de
reforçamento não contingente (NCR) em tratamento de problemas alimentares. Outro objetivo
foi o de replicar os métodos utilizados por Piazza e cols. (2003) para avaliar os efeitos relativos
da extinção da fuga/esquiva com e sem o uso de reforçamento positivo para aumentar ingestão
de alimentos. Participaram deste estudo quatro crianças que foram admitidas na pediatria
intensiva por problemas alimentares, apresentando também problemas médicos que
incluíam, entre outros, dependência de sonda nosogástrica, constipação, atraso no
desenvolvimento. As variáveis dependentes eram: aceitação de alimentos, comportamentos
inapropriados e vocalizações negativas. Os resultados obtidos mostraram que a consumação
de todas as crianças somente aumentou quando procedimentos de extinção da fuga/esquiva
foram implementados, corroborando achados anteriores que demonstraram que o uso de
reforçamento positivo, quando utilizado sozinho, é insuficiente para aumentar consumação
(Piazza e cols., 2003; Patel, Piazza, Martinez, Volkert, & Santana,;2002).

S obre C om portam ento « C ognição


Kahng, Boscoe & Byme (2003) examinaram o uso de economia de fichas combinado
com reforçamento diferencial de comportamento alternativo (DRA), onde o reforçamento era a
fuga da apresentação da alimentação (reforçamento negativo). O tratamento foi conduzido
com uma menina de quatro anos, admitida para tratamento de recusa alimentar. Em seu
diagnóstico estava incluído atraso na fala e possível atraso no desenvolvimento. Os resultados
sugeriram que esta intervenção pode ser eficaz para o tratamento de recusa alimentar.
O presente relato mostra um tratamento utilizando estímulos reforçadores
positivos para instalar e aumentar a consumação diária de refeições em um jovem
portador de Transtorno Autista. Os excessos comportamentais concomitantes foram
tratados com extinção.

M étodo
Participante: jovem de 13 anos de idade, portador de Transtorno Autista, com sérios
problemas de recusa alimentar iniciados há 11 meses e com intercorrências médicas
importantes, que incluíam convulsões, hepatite medicamentosa e constipação. No período
anterior ao início do seu tratamento ABA, permaneceu 47 dias com apresentação de crises
convulsivas, sendo que por sete dias não ingeriu qualquer tipo de alimentação oral, incluindo
água. Por isso foi necessária a utilização de sonda nosogástrica. O consumo diário de
alimentação do participante não era suficiente para garantir sua manutenção física' e havia
risco de vida real. Na época da sua admissão para tratamento apresentava peso de 46
quilos e índice de massa corporal (IMC) de 18. Contudo, dada à persistência do problema,
após duas semanas a partir do início da intervenção permanecia recusando toda e qualquer
alimentação sólida e o seu peso e IMC abaixaram para, respectivamente, 41 quilos e 16,
apresentando desmaios e já não conseguindo andar. Dois meses antes de sua admissão
foi retirada a sonda nosogástrica e segundo informações dos pais, passou a ingerir alguns
alimentos que incluíam arroz, bife, salsicha e café com leite. As tentativas de condução do
participante ao refeitório resultavam em excessos comportamentais caracterizados por
chorar chutar, bater portas, jogar cadeiras. Daí foi levantada a primeira hipótese: a recusa
alimentar poderia estar sob controle de uma história aversiva (alimentação forçada) bem
como também respondendo à (inevitável) atenção social decorrente dos seus excessos
comportamentais e do seu estado debilitado e arriscado.
Ambiente: as sessões foram conduzidas inicialmente em uma sala utilizada
para trabalhos individuais que continha duas cadeiras, uma mesa e os alimentos que
seriam utilizados. Posteriormente o participante recebia o tratamento no refeitório com
o terapeuta e, na fase seguinte, permanecia no refeitório nos horários habituais das
refeições junto com os demais.
Procedimento para coleta de dados: a variável depende selecionada para
mensuração foi a quantidade de alimentação ingerida. Nla iinha de base, os dados
coletados se referiam ao registro da quantidade e tipo de alimentos que o participante
ingeria sem qualquer intervenção. Durante a coleta destes dados foi registrada a
quantidade e tipo de alimentos ingeridos pelo participante, com a utilização de estímulos
reforçadores positivos. Na fase dois do tratamento os dados eram coletados pelo
terapeuta que conduzia a sessão, em uma folha que registrava a porcentagem das
respostas de ingerir a alilmentação oferecida em outro recipiente (copo plástico). O
número de respostas era multiplicado por 100 e dividido pelo número de tentativas. Na
fase três, os registros se referiam à quantidade de alimentação sólida ingerida pelo
participante (em colheres de chá). A freqüência das respostas era o número de colheres
de chá que o participante ingeria em cada dia. Na fase quatro, foi medido o número de
refeições realizadas pelo participante durante os períodos do dia, onde o total de refeições
oferecidas diariamente era de cinco.

56 Roosevtit R. Starting, KelLün A . Carvalho, Sitvana C . Santos e Jutiana C am pos


Unha de Base: nesta fase, foi realizado um levantamento da quantidade e tipos de
itens que o participante ingeria sem reforçamento contingente, a fim de selecionar alimentos
que poderiam ser utilizados nas fases subseqüentes. No entanto, para resguardar a
integridade física do participante esta fase não foi estendida e como os itens que ingeria não
eram suficientes para sua manutenção, foi interrompida após três dias. Segundo orientações
médicas, o participante passou a reutilizar a sonda nosogástrica. O objetivo era de oferecer ao
organismo os nutrientes necessários para que os procedimentos utilizados a seguir pudessem
ser realizados com segurança e sem comprometer a saúde do participante.
De acordo com o relato dos pais, o participante já ingeria alimentos como arroz,
bife, salsicha, hambúrguer, macarrão iristântâneo, lingüiça e suco de laranja. Todavia,
com o levantamento realizado na linha de base, foi observado que os alimentos ingeridos
por ele eram: água, café com leiíe ou achocolatado, gelatina líquida, feijão batido, leite
com sustagem, suco de laranja e sopa. No entanto havia problemas quanto à quantidade
destes itens, ingeridos em quantidade insuficiente para suas necessidades calórtcas e
nutricionais mínimas.

DIAS

G rirficc 8: Quanttdado de miüfttroa ingeridos diariamente peio participante durante a linha d« base.

DATAS
Ib MROZE BIFE »FÊllíÕ "oCíFÉCOMLÉITt
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Sobre C om portam ento t C o jn iç J o


O Gráfico 8 mostra os resultados obtidos em relação à quantidade de itens que
ingeria em mililitros, durante a linha de base. Com o passar dos dias os resultados
mostravam uma tendência decrescente na quantidade de ingestão dos alimentos. Além
disso, aqueles itens normalmente eram líquidos e não continham todos os nutrientes
necessários para sua manutenção física.
Fase 1: Nesta fase, um esquema em reforçamento contínuo (CRF) foi utilizado
liberando, em seqüência, reforçamento social (“muito bem", “isso mesmo"), reforçamento
condicionado (ficha) e reforçamento tangível (uma lata com feijões que o participante
sacudia). Com o avançar da fase e obtenção da estabilidade da resposta neste esquema,
o esquema de liberação do reforça dor tangível foi mudado para FR2.
Os itens ingeridos na linha de base eram oferecidos em intervalos de duas em
duas horas, iniciando às 08:00 horas e terminando às 20:00 com reforçamento contingente
em CRF. Cada sessão tinha a duração de 15 minutos, onde o participante sentado à mesa
recebia induções verbais por três vezes (por exemplo: “coma", “vamos comer") e o tempo de
reação esperado era de 10 segundos. Caso não respondesse às induções verbais eram
realizadas três tentativas, também de 10 segundos cada uma, de aproximar o alimento de
sua boca. O restante do tempo da sessão o participante permanecia dentro sala em operante
livre. A cada seis horas o alimento oferecido em um copo de alumínio era mudado e, se o
novo item fosse aceito, gradatívamente outro item era acrescentado àquele ingerido
anteriormente. Desta fornia, no final desta fase o participante já ingeria uma alimentação
que continha café com leite, mucilon, sustagem, achocolatado, sal e açúcar,
O Gráfico 9 mostra os resultados obtidos nesta fase do tratamento, na qual se vê um
aumento na quantidade de ingestão diária em relação aos dados obtidos na linha de base.
A limentação ingerida pelo participante já continha no início desta fase os nutrientes
necessários para sua manutenção física (proteínas, fibras, leite de soja em pó, água, sal,
aveia e mucilon). Os procedimentos foram mantidos como na fase anterior, sendo que a
diferença estava na introdução do conteúdo do copo como estímulo reforçador positivo,
em reforçamento contínuo (CRF). Desta forma, a cada resposta de ingerir o conteúdo de
um outro copo, recebia reforçamento social, reforçamento condicionado e reforçamento
tangível em CRF e a cada duas liberações do estímulo condicionado recebia a lata vazia
de achocolatado para que brincasse jogando as fichas dentro dela. O objetivo desta fase
era de que o participante ingerisse o conteúdo de um outro tipo de recipiente. O conteúdo
deste copo era composto por café com leite, que já era um item ingerido sem dificuldades
pelo participante. Aproximações sucessivas foram utilizadas até que o comportamento
alvo fosse atingido. A primeira resposta reforçada foi a de empurrar o copo e finalmente a
de beber o conteúdo do copo. Nesta fase, o participante era levado para a sala de atividades
em horários próximos às refeições regulares dos demais residentes. Com o objetivo de
promover uma dessensibilização in vivo, de acordo com a hipótese inicial acima
apresentada, nos horários de refeições dos residentes o participante permanecia no
refeitório realizando atividades reforçadoras não contingentes como folhear revistas e
brincar com uma latinha vazia.
Fase 2 - Após 30 dias de sessões realizadas em sala separada, o participante
foi conduzido até o refeitório e as sessões passaram a ser realizadas somente naquele
local, mas somente com a terapeuta. O Gráfico 10 mostra as primeiras respostas
emitidas peto participante em relação à introdução do copo plástico que continha café
com leite. Respostas de empurrar o copo foram inicialmente reforçadas, seguidas por
respostas de segurar o copo e levantar o copo. Respostas de levar o copo á boca foram
registradas por cinco vezes, colocou o líquido na boca e cuspiu por uma vez e por duas
vezes o participante chegou a colocar o conteúdo do copo plástico na boca e engolir. A
partir do 14° dia respostas de levantar o copo começaram a aumentar gradualmente e
nas três últimas sessões tal resposta foi registrada em todas as tentativas.

58 Roosevelt R. Sterling, Kellen A. Carvalho, Silvana C. Santos e Juliana Campos


Porcentagem de respostas de aceitação da alimentação

Sobre Comportamento e Cognição


Sobre Comportamento e C o g n ifío ^
O Gráfico 11 mostra a continuidade dos resultados obtidos ainda na Fase 2.
Respostas de levantar o copo eram cada vez mais freqüentes. Houve a introdução de uma
motização para que o participante retirasse o punho da mesa ao levantar o copo e somente
esta resposta era acerta para liberação do estímulo condicionado. Foram registradas duas
respostas de levar o copo plástico até a boca e cinco respostas de beber o conteúdo deste
copo, sendo que na última sessão registrada, o participante ingeriu todo o conteúdo.
Este procedimento não foi estendido, uma vez que o líquido oferecido no copo plástico
não continha mais nutrientes do que aquele utilizado como estímulo reforçador condicionado.
Foi considerado que o objetivo principal fora atingido: o participante estava ingerindo uma
alimentação que mantinha sua integridade física, como mostra o Gráfico 12. As cinco refeições
diárias oferecidas ao participante e que continham os nutrientes necessários para a sua
sobrevivência eram ingeridas sem qualquer problema. Uma queda no número de refeições
efetivamente ingeridas ocorreu entre os 34° e 37° dias por problemas médicos não
relacionados com a alimentação. Este número se estabiliza novamente no 38° dia e uma nova
queda é registrada no 44° e 45° dias, onde a hipótese levantada foi a de que outros itens que
foram oferecidos entre as refeições, como balas e doces, por exemplo, poderiam ter causado
falta de apetite. No entanto, observa-se rápida estabilização nos dias subseqüentes.
Fase 3: O objetivo desta fase era conseguir que o participante ingerisse o mesmo
conteúdo apresentado no copo quando oferecido em um prato e promover a independência
para alimentar-se. O problema inicial foi o de que o participante virava o rosto para o lado
contrário quando via que uma colher era colocada próxima à sua boca. Então foi utilizado um
estímulo reforçador positivo tangível que só era liberado com a condição de que o participante
o pegasse com a boca na colher vazia. Foi utilizado um esquema de reforçamento em CRF e
a resposta reforçada era a de tomar um gole do conteúdo, oferecido ainda no copo.
O segundo passo dentro desta fase consistiu em colocar o conteúdo do copo no
prato e oferecê-lo ao participante, pareando-o ao estímulo reforçador positivo tangível. Então a
colher que continha a sopa tinha por cima do alimento o reforçador tangível. A colher com o
alimento era colocado na boca do participante.
O próximo objetivo foi o de que o participante pegasse a colher com a própria mão e
levasse o alimento até á boca. Para isso recebia induções verbais (por exemplo: coma) e
sensórios motores (leves toques no cotovelo) para que emitisse a resposta esperada. Foi
também utilizado um esquema de reforçamento contínuo, com reforçamento social (elogios),
reforçamento condicionado (fichas) e reforçamento tangível (baconzítos). À medida que se
tomou fluente, foi realizado um esvanedmento do reforçamento tangível e os demais tipos de
reforçamento foram mantidos em CRF, até que comia o conteúdo do prato.
O Gráfico 13 mostra a quantidade de alimentação ingerida pelo participante,
utilizando uma colher. Houve o aumento gradual na quantidade de alimentação ingerida.
0 registro inicial foi de 18 colheres de chá da alimentação ingerida e o último registro
mostra a ingestão de 96 colheres de chá do alimento.
Fase 4: O objetivo principal desta fase era o de manter a independência para
alimentar-se e introduzir itens do cardápio regular na dieta do participante. À sopa, que
já ingeria habitualmente nos horários do almoço e jantar, foram incluídos os itens do
cardápio regular e iniciado um processo de engrossá-la gradualmente o máximo
possível Desta forma, s seguintes passos foram seguidos:
1 .Os alimentos anteriormente ingeridos (sólidos como arroz) eram oferecidos misturados
à sopa.
2.Gradualmente outros itens eram acrescentados aos que já ingeria (como: arroz e
frango desfiado ou arroz com came moida).
3 .Foi iniciado o processo de engrossar a sopa, onde, o alimento era batido no

62 Rôôievtü R. Stariínfc, K tütn A. Carvalho, Sitvana C, Santos t JxiUana Campas


liquidificador por menos tempo (de forma que as partículas e alimentos não fossem
completamente triturados), posteriormente ao alimento processado era misturado
pedaços pequenos de legumes e finalmente a sopa engrossada era misturada ao
cardápio regular.

SE S Sâ iS

Gráíico 13 - Quantidade d« aSmenlaçéo inoerida em cotw es de chá, na F o» 3.

O próximo procedimento utilizado foi o de colocar a sopa por cima do cardápio


regular do dia e após 12 dias nos quais o participante ingeriu a alimentação oferecida,
foi realizada a tentativa de oferecer o segundo prato da refeição sem a sopa por cima do
cardápio regular. No entanto, nos dias subseqüentes o participante levava o alimento
até a boca, mas cuspia aqueles pedaços de alimentos que estavam picados em pedaços
maiores. Assim, seguiu-se um planejamento que constava de:
1 .Diminuição da quantidade da refeição oferecida do segundo prato.
2.Picar em pedaços menores os alimentos sólidos.
3.Manter a sopa sobre o cardápio oferecido no primeiro prato da refeição.
4.Manter o segundo prato sem a sopa.
Mesmo assim o participante continuava a cuspir o alimento oferecido no segundo
prato, e então a partir daí o primeiro prato era oferecido com a sopa colocada por cima do
cardápio do dia e apenas a metade do segundo prato éra coberta com a sopa, Assim,
gradualmente a sopa foi retirada dos pratos, até que a sopa era oferecida sobre a metade do
primeiro prato e o segundo prato era servido sem a sopa. Dois dias após o início deste
procedimento, o participante não aceitou a parte do primeiro prato que continha a sopa por
cima do cardápio. Imediatamente o prato foi substituído por outrò que continha apenas o
cardápio regular. A partir daí a sopa foi retirada e o cardápio regular passou a ser oferecido,
porém com os alimentos cortados em pedaços pequenos e com uma porção extra de feijão.

Sobre Compoftamcnto e Cogrriçio


sopasobreos so paso m e
SOPA BATIDA^ ^HTROÇIU^O DE Sflt IOOS NA SOPA j) PRA^Oj t gCy PAPiOREOijLAR

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Gfàfiaj 14: Núnwo tíe refeições reafizacJas peto participante durante a Fase 4, onde s sopa já ingerida habitualmente por ele
foi reürada graduglmerts de sua dieta.

Gradualmente os pedaços de alimentos foram aumentados em seu tamanho


até que a refeição oferecida era a mesma do cardápio regular dos demais residentes.
O participante não apresentou desde então problemas com a alimentação oferecida. O
Gráfico 14 mostra o número de refeições realizadas pelo participante, com cinco refeições
oferecidas diariamente. Registra também as modificações realizadas nestas refeições
até que o cardápio regular era oferecido. Como pode ser observado, há uma estabilidade
da ingestão da dieta, mesmo quando um novo procedimento era introduzido. A partir do
16° dia, o participante passou a comer dois pratos da refeição.

Resultados
Os dados obtidos mostraram a eficácia de um tratamento utilizando estímulo
reforçador positivo para aumentar a consumação de refeições, Quando comparamos a
listagem de alimentos ingeridos pelo participante antes da intervenção proposta com a
listagem pós tratamento, observamos que houve um aumento marcante da consumação.
Este aumento diz respeito não somente ao número de itens que foram introduzidos na
dieta do participante, mas também em relação à quantidade de alimentação ingerida.
Também após a intervenção, todas as refeições oferecidas ao participante foram
ingeridas. Houve aumento de peso e conseqüentemente do índice de massa corporal
(IMC), sendo que os últimos registros mostraram peso de 54 quilos e IMC de 19. O
índice de massa corporal não mostrou grandes diferenças, pois no início do tratamento
o participante tinha a estatura de 1, 59m e no final do tratamento estava com 1,67m.
A Tabela 2 mostra uma comparação entre os itens ingeridos pelo participante e
coletados durante a fase de linha de base com os itens que o participante passou a
ingerir após o tratamento. O participante passou a consumir uma dieta normal, rica em
nutrientes e valores calóricos necessários para sua manutenção física.

64 RooMvett R. SUrlins, KcUen A. Carvalho, Sitvana C. Santos * juliana Campos


Linha de Base Após Tratamento
• Agua •Alimentos do cardápio regular
• Café com leite ou achocolatado (farináceos, carnes, frutas e
• Gelatina líquida vegetais nas apresentações ê
• Sopa batida texturas habituais.
• Feijão batido • Pães com qualquer recheio
• Leite com sustagem (como: margarina, requeijão,
• Suco de laranja queijo, geléia, e outros)
• Café com leite ou achocolatado
• Biscoitos
• Banana amassada
• Sucos naturais (diversos
sabores)
• Doces
Tabela 2: Listagem de alimentos ingeridos pefo participante de acordo com os dados coletados
durante a linha de base vereus listagem de alimentos ingeridos pelo participante após o tratamento.

O Gráfico 15 mostra a quantidade, em gramas, das refeições realizadas pelo


participante, incluindo o almoço, sobremesa e jantar. Há uma estabilidade na quantidade
ingerida de 1.650 gramas diárias, havendo um pico no terceiro dia, referente ao aumento
do peso da sobremesa após o almoço oferecida naquele dia.

Gráfico 1S: dados de folow-Lp coletados um ano após o término do tratamento Quantidade, em gramas,
da alimentação ingerida pelo participante

Conclusão
Estudos anteriores demonstraram que a utilização de estímulo reforçador
positivo sozinho foi insuficiente para aumentar consumação de alimentos (por exemplo:
Piazza, Reed, Patel, 2004 e Patel e cols., 2002). No entanto, neste caso, o uso de

Sobre Comportamento < C o g n iflo


estímulo reforça dor positivo sem combinação com outro procedimento foi suficiente
para resolver um grave problema de recusa alimentar.
Podem ser relevantes para o resultado relatado as condições nas quais o
tratamento descrito foi realizado e as características individuais deste participante. Uma
das considerações envolve o local onde o tratamento foi realizado, um centro clínico de
estudos e tratamento dos transtornos do desenvolvimento altamente especializado,
onde o participante recebia o tratamento de forma intensiva, inicialmente a cada duas
horas e nas fases mais avançadas do tratamento, em todas as refeições do dia.
Os resultados aqui apresentados demonstram que os procedimentos utilizados
obtiveram sucesso não somente na aquisição, mas na manutenção de uma ingestão
alimentar adequada. Num follow-up um ano após o término do tratamento (Gráfico 15)
o participante mantinha estes resultados.

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66 Roosevelt R. Starling, Kelkn A. Carvalho, Silvana C. Sinto» e Juliana Campo»


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Sobre CoTnporiamfn lo e Cognição


Capítulo 5
Avaliação comportamental do
desempenho social em uma sucursal da
cliníca-escola do IPUSP: indicadores de
rejeição e aceitação entre crianças
M árcia H elen a da Silva M elo*
E dw íges Ferreira d e M attos Silvares**

A competência social desempenha um papel relevante no desenvolvimento


humano, constituindo-se em um requisito fundamental para o funcionamento adaptativo
à escola, por influir nas relações da criança com os professores, na aceitação pelos
pares e no bom desempenho escolar.
Com o início da vida escolar, a criança se depara com novas demandas e
desafios, que passam a requerer a ampliação de seu repertório comportamental, visando
ao desenvolvimento de novas competências, sejam estas acadêmicas ou sociais, de
modo a enfrentar esse novo universo de forma positiva.
Encontra-se na literatura um amplo espectro de pesquisadores que ao longo
de pelo menos três décadas tem intensificado a investigação sobre a vida social das
crianças - cujo início pode ser datado na publicação pioneira de Moreno (1934) - cujo
particular interesse nas conseqüências da rejeição por seus pares merece destaque.
Outros autores (e.g. Coie, Dodge & Coppotelü, 1982; McDougall, Hymel, Vaiílancourt &
Mercer, 2001; Parker & Asher, 1987) têm contribuído para melhor entendimento da
importância das relações sociais na infância. Inegavelmente, os estudos empreendidos
têm possibilitado a identificação de características com porta mentais e emocionais das
crianças rejeitadas bem como de sua condição nos grupos de pares.
Nesse sentido, há fortes evidências para afirmar que os relacionamentos negativos
com colegas e adultos do ambiente escoiar estão associados com problemas como o transtorno
de conduta, abuso de drogas e fracasso escolar na adolescência e na idade adulta (Bagwell &
Coie, 2004; Criss, Pettit, Bates, Dodge & Lapp, 2002; Desbiens & Royer, 2003; Kazdin & Weisz,
2003; Patterson, Reid & Dishion,1992; Schaeffer, Petras, lalongo, Poduska & Kellam, 2003;
Vitaro, Bnendgen & Tremblay, 1999). Em contrapartida, autores como Coie, Dodge e Kupersmidt
(1990) acreditam que interações sociais positivas, especialmente com panes, são indispensáveis
ao bom desempenho escolar e ao fortalecimento da competência sodal.
Os relacionam entos favoráveis com os com panheiros auxiliam no
desenvolvimento emocional cognitivo e social, por estabelecerem um conjunto de
condições que podem modelar as características do desempenho social do indivíduo.

‘ Pesquisadora do Programa de Pós-doutorado do Departamento de Psicologia Clinica da Universidade de Sôo Paulo.


** ProfessoraTitular do Departamento de Psicologia Clinica da Universldade de Sào Paulo

68 M ircia Helena da Sitva Melo e Edwíges Ferreira de Mattos Silvares


As relações de amizade, o status social adquirido no grupo, as experiências de aceitação
e rejeição, assim como as preferências que se formam entre companheiros estão
vinculados aos comportamentos de cooperação, ajuda, seguimento de regra, controle
de raiva e de agressividade das crianças.
Por outro lado, ressalta-se que a influência do grúpo de pares - especialmente'
se associada a outras variáveis contextuais de risco - pode também levar a
comportamentos antí-sociais e outras condutas disruptivas comprometedoras do
desenvolvimento de relações interpessoais satisfatórias e desejáveis. Nessa direção
merecem destaque o trabalho de van Lier, Muthén, van der Sar e Crijnem (2004), bem
como outros autores (e.g. Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989; Donohue, Perry &
Weinstein, 2003; Patterson, Hawkins, Catalano, Monrison, 0'Donnel, Abbott & Day, 1992)
pela ênfase sobre o impacto das relações negativas com pares e professores na
manifestação e manutenção dos comportamentos disruptivos.
A rejeição entre pares parece ainda constituir o início de um círculo vicioso pelo
fato de a criança passar a se relacionar apenas com companheiros rejeitados pela sua
conduta anti-social, sendo reforçada pelos valores desse novo grupo. Daí a importância
de se delinear procedimentos específicos para intervenções preventivas que interrompam,
a escalada em direção à delinqüência, na vida adulta.
Nessa perspectiva, um importante aspecto a ser considerado relaciona-se ao
contexto do grupo de pares, para entendimento do que ali é valorizado e quais
comportamentos são mais e menos freqüentes. Isso porque, à exceção dos
comportamentos pró-sociais - consistentemente associados a um status positivo entre os
pares - outros comportamentos, tais como a agressividade e o isolamento, poderão ser
mais ou menos aceitos dependendo das características de cada grupo. Price e Dodge
(1989) assim como Coie e Koeppl (1995) identificaram o comportamento provocativo,
agressivo e disruptivo como os mais freqüentes determinantes da rejeição entre colegas.
Estudo realizado por Stormshak, Bierman, Bruschi, Dodge, Coie e The Conduct
Problems Prevention Research Group (1999) demonstrou que a maior ou menor
competência social, tanto quanto as normas do grupo, constituem variáveis preditoras
da aceitação entre os pares. Os autores observaram que o comportamento agressivo
mostrava-se consideravelmente mais relacionado à baixa preferência entre os pares
quando não constituía uma característica do grupo. Particularmente entre os alunos do
sexo masculino, a agressão e a preferência entre os pares estavam positivamente
associadas nas salas com maiores índices de agressividade.
Da mesma forma, quando o isolamento era predominante no contexto da turma
(alunos envolvidos em brincadeiras solitárias, com baixos níveis de interação social),
os meninos que expressavam tal comportamento eram avaliados positivamente na
preferência dos colegas. As meninas eram mais aceitas do que os m eninos,
independentemente dos níveis de isolamento, o que também sugere a influência do
gênero nos resultados da avaliação entre os pares. Contudo, tanto para meninos quanto
para meninas, os comportamentos pró-sociais emergiram como preditores positivos
da preferência entre os colegas em todas salas, evidenciando a importância da promoção
da competência social na redução dos índices de rejeição entre pares.
Convergindo em grande parte com os resultados dos estudos internacionais até o
momento apresentados, está o trabalho desenvolvido por Gomes da Silva (2000), no Brasit.
A autora descreveu os critérios que levavam as 52 crianças de sua amostra a rejeitarem
seus colegas. Agrupou os dados coletados em oito categorias de rejeição. Relatou que as
categorias “perturbador", “autoritário", “agressivo" e “inábil acadêmico" foram as que indicaram
maior rejeição nas situações lúdicas. Em contrapartida, as categorias de aceitação

Sobrt Comportamento e CogniçSo


encontradas foram “qualidades pessoais", “bom humor", “participação”, “não agressão" e
"habilidades acadêmicas, motoras e intelectuais”.
Com base em tais argumentos, este estudo foi desenvolvido com o objetivo de
identificar os fatores que levam à aceitação e à rejeição entre crianças, por entendê-los
como critérios de inclusão ou exclusão nas atividades lúdicas propiciadas no entomo escolar.

Método
1. Participantes
Participaram do estudo 484 alunos de 2a série do ensino fundamental de sete
escolas da rede pública, pertencentes a 14 turmas. A amostra foi constituída de 51,85%
de meninos e 48.76% de meninas, com idade média de 8 anos.
O critério de seleção da amostra foi a inclusão de todos os alunos matriculados
na 2a série, cujos professores manifestaram interesse em participar de um estudo
preventivo proposto às escolas.

2. Instrumentos
Para identificar o status das crianças perante seus pares foi utilizado o
procedimento sociométrico por nomeação - ferramenta utilizada nos estudos relatados
na literatura da área (e.g. Attili, Vermigli & Schneider, 1997; Balda, Punia & Singh, 2005;
Prinstein & La Greca, 2004; Schaughency, Vannatta, Langhinrichsen, Lally & Seeley,
1992). Tal procedimento foi ampliado pelas autoras do presente estudo com vistas a
obter os indicadores de aceitação e rejeição entre colegas.
Para tanto, foram conduzidas entrevistas com os participantes, cujo conteúdo
foi registrado em uma ficha, previamente elaborada, onde constavam as seguintes
informações: nome da criança entrevistada, número do diário de classe dos colegas
escolhidos e os motivos das nomeações.
A título de esclarecimento, as nomeações positivas e negativas (colegas dos quais
gosta e colegas dos quais que não gosta) são as informações necessárias para as avaliações
sodométricas. Já as verbalizações sobre os motivos das escolhas das crianças fornecem
elementos indicativos de aceitação e rejeição, com pouca referência nas pesquisas acessadas.

3. Procedimentos
As entrevistas sociométricas foram realizadas nas dependências das escolas
em que as crianças estudavam, em formato individual. As entrevistadoras, quando em
duplas, as executaram, em aproximadamente 1h e 40 minutos.
Os alunos foram conduzidos - em pequenos grupos - à sala de entrevista e
solicitados a nomear três colegas de sua sala com os quais gostaria de brincar e outros
três com os quais não gostaria de brincar e o porquê da nomeação para cada um (e.g.
Entrevistadora: (nome da criança entrevistada), você poderia me dizer os nomes de três
colegas de sua ciasse com quem você gostaria de brincar?"......*por que você gostaria de
brincar com......(nome do colega)?".... ”e com..... (nome do outro colegaf ..........."Agora, me
diga os nomes de três colegas de sua sala com quem você não gostaria de brincar”).
Quando as crianças não sabiam justificar sua escolha, a entrevistadora
reformulava a pergunta da seguinte forma: “o q u e .... (nome do colega escolhido) faz
que você gosta? ou o que você gosta no jeito d o .... (nome do colega)?”. Este tipo de
estratégia auxiliou a compreensão da pergunta nas situações ocorridas.

70 Márcia Helena da Silva Melo e Edwtges Feneira de M àttoi Silvate«


. Como recurso para evitar interferências na coleta das informações, foram registrados
somente os números correspondentes aos alunos citados - conforme diário de classe do
professor - impedindo que nas entrevistas subseqüentes os colegas vissem quem havia
sido nomeado. Ao finalizar sua entrevista, cada criança era orientada a se dirigir para outra
sala e lá permanecer até que todas fossem chamadas. Da mesma forma que anteriormente,
optou-se por este outro recurso para impossibilitar o contato entre as crianças já entrevistadas
com aquelas que ainda não tinham sido submetidas à entrevista.
Os motivos expressos pelos entrevistados para as nomeações positivas e
negativas de seus pares possibilitaram a formulação de categorias de análise dos
indicadores de aceitação e de rejeição entre colegas, relacionadas a seguir.
Categorias indicadoras de aceitação:
1)Comportamentos pró-sociais - incluem os comportamentos que denotam coíeguismo
e cooperação, tais como convidar para brincar na hora do recreio, dividir o lanche e
emprestar material;
2) Característica pessoal positiva - abrange os motivos ligados a qualidades específicas
da criança escolhida, como ser amigável, bondosa, simpática;
3)Afmidade - envolve comportamentos e preferências semelhantes, como gostar das
mesmas brincadeiras e passatempos;
4)Comportamento pró-acadêmico - contempla as menções ligadas à execução das
tarefas escolares e a ajuda oferecida na hora da lição.
Categorias indicadoras de rejeição:
5)Comportamento externaiizante - envolve todos os comportamentos que expressam
agressividade com o colega, tais como bater, xingar, empurrar;
6}Perturbação do ambiente - refere-se à emissão de comportamentos que dificultem o
andamento da aula, a execução das tarefas em sala, a audição das instruções da professora;
7) Característica pessoal negativa - envolve as menções a características negativas específicas;
8)Dificuldade acadêmica - inclui as citações relacionadas a dificuldades escolares e à
recusa para fazer a lição.
As informações obtidas permitiram ainda o enquadramento da amostra nas seguintes
categorias sociométricas, padronizadas por Coie, Dodge e Coppotelli (1982):
1)Popular, indicando alta aceitação e baixa rejeição entre os pares;
2)Rejeitada, apontando uma alta rejeição e baixa aceitação;
3)Negligenciada, informando uma baixa rejeição e aceitação entre os pares;
4) Controversa, sinalizando alto número de menções tanto positivas quanto negativas e
5)Mediana, referente a um enquadramento próximo da média do grupo, incluindo tanto
menções positivas como negativas.
Procedeu-se análise descritiva das referidas medidas de percepção obtidas
pelo relato das crianças, sendo demonstradas em figuras e tabelas.

Resultados e Discussão
Uma das constatações mais imediatas durante as entrevisteis sociométricas
consistiu na observação da dificuldade das crianças para especificar os motivos pêlos
quais escolhiam determinados colegas para brincar, sendo mais fácil descrever os
comportamentos ligados à escolha daqueles com quem não gostariam de brincar. Isto se

Sobre Comportamento e Cogniçio


deve, provavelmente, à maior clareza em relação àquilo que desagrada no comportamento
dos colegas, ficando o que é aprazível mais difícil de ser descrito em sua especificidade.

Avaliação Sociométríca
A análise do status sociométrico revelou predominância da categoria mediana,
compreendendo 60,12% da amostra de 484 crianças, conforme Figura 1. As crianças que se
enquadram nesta categoria geralmente são preferidas por alguns colegas enquanto não por
outros. Pode-se, então, dizer que elas se possuem características presentes em outras
categorias sodométricas. Newcomb, Bukowski e Pattee (1993) ao realizarem um estudo de
meta-análise observaram que as crianças com status mediano se assemelhavam às rejeitadas
quanto ao isolamento e à expressão de agressividade em suas interações ao mesmo tempo
em que se aproximavam das populares quanto às habilidades social e cognitiva.

Figurai. Enquadramento sociométrico da amostra de 484 crianças escolares

Ainda referente aos dados do presente estudo, registrou-se em ordem


decrescente de ocorrência, a presença das categorias popular, rejeitada e negligenciada,
destacando-se que a controversa foi a menos freqüente, com 7,44% do total.
De todas as categorias sociométricas, a categoria negligenciada é a que mais destoa
das demais quanto ao grau de visibilidade das crianças no grupo de pares bem como do
acesso aos motivos pelos quais não são lembradas pelos colegas. Dessa forma, é plausível
afirmar que a avaliação sodomética das crianças na referida condição nada nos diz sobre
seu comportamento. Há indícios de que a timidez excessiva e o isolamento podem ser tanto
antecedentes como conseqüentes da posição ocupada pela criança no grupo (Dodge, 1983).
A literatura (e.g. La Greca & Stone, 1993) revela possível relação entre a categoria
negligenciada e risco futuro, principalmente para os transtornos internalizantes. Goodwin,
Ferguson e Horwood (2004), após 21 anos de investigação, encontraram ligações entre
ansiedade e isolamento na infância com altos índices de fobia social, fobia específica e
depressão maior tanto na adolescência como no início da vida adulta.
Por seu tumo, a preocupação com as crianças enquadradas como rejeitadas está
também fundamentada em relações desfavoráveis desta categoria com problemas graves
e persistentes no futuro, visto que vários são os pesquisadores que identificaram dificuldades
em alterá-la, bem como uma alta probabilidade de fortalecimento da rejeição ao longo do
tempo e dos comportamentos relacionados ao estigma, causando danos cada vez maiores
para o indivíduo em sua convivência na sociedade (Bagwell & Coie, 2004; Keiley, Bates,
Dodge & Pettit, 2000; McFadyen-Ketchum & Dodge, 1998, Pereson, 2005). Neste estudo,
verifica-se que quase 20% da amostra pertencem às duas categorias logo acima referidas.
A Tabela 1 mostra o enquadramento sociométrico por gênero, evidenciando
que as classificações mediana, popular e negligenciada são mais freqüentes para as

M ir r ia H d en a da Silva M t lo c Edwige« Ftrreira de Mattos Silvares


meninas, representando ao todo 45,66% e, em contrapartida, os meninos são mais
rejeitados e controversos.

Categorias Spciométricas % Meninos % Meninas

Mediana 26,65 33,47

Popular 5,37 7,44

Reieitada 9,50 2,27

Negligenciada 3,72 4,75

Controversa 6,61 0,83

Tabelai Pofceníagem do enquacframento sodométnco distribuída por gênero em toda amostra do estudo (N=484).

Indicadores de Aceitação
Dentre variados aspectos mencionados pelos participantes, o mais freqüente
indicador de aceitação identificado entre pares foi a emissão de comportamentos pró-
sociais (65,08%), como brincar, voltar para casa com o colega, fazer trabalhos com o
colega, ser amigo (coleguismo/companheirismo), emprestar coisas, dividir lanche, ajudar
na tição (cooperação).
Nota-se, desse modo, o quanto o coleguismo/companheirismo e a cooperação
são valorizados pelo grupo, constituindo importante elemento de aceitação e inclusão.
Este dado toma-se ainda mais evidente quando se analisam os motivos em função da
classificação das crianças, pois 31,03% daquelas enquadradas como populares foram
mencionadas em virtude de comportamentos pró-sociais, indo ao encontro dos
resultados de Gary, Hinmon & Ward (2003), que encontraram correlação positiva entre
atratividade, popularidade e comportamento pró-social. Além disso, os estudos de Coie
& Kupersmidt (1983) destacaram, dentre os comportamentos pró-sociais, o comportaça,
o qual não recebeu nenhuma menção no presente trabalho.
As menções às características positivas dos colegas (sim pático, feliz,
engraçado, sincero, bondoso, criativo) apareceram em 52,06% dos relatos seguidas da
categoria afinidade, com registro de 37,60%. Ambas as categorias encontram-se
associadas a 32,13% e 29,58%, respectivamente das citações de crianças populares.
O fato demonstra o quanto algumas qualidades intrínsecas ao indivíduo favorecem a
competência social, devendo ser consideradas quando do planejamento de intervenções.
E, finalmente, apesar de os comportamentos pró-acadêmicos representaram
o menor percentual dos motivos citados pelas crianças, 8,67%, entre as crianças
populares, eles aparecem em 25,93% dos casos.
Tais resultados evidenciam que as qualidades positivas e as afinidades são
mais valorizadas pelas crianças deste estudo, constituindo-se em elem entos
fundamentais das relações sociais. Além disso, as referências aos comportamentos
pró-acadêmicos demonstram a admiração e o respeito por aqueles que cumprem as
tarefas escolares, atendendo à exigência de bom desempenho acadêmico.
Os dados se revestem de importância na medida em, que sinalizam a
possibilidade de promover a inclusão de. crianças a partir da meJhoria d© sua

Sobre Comportamento e Cojnrçào


competência social, compartilhando dos achados de vários autores (e.g. Coie, Dodge &
Coppotelli, 1982; Kazdin & Weisz, 2003).

Indicadores de rejeição
Quanto às categorias que indicam rejeição, observou-se que os comportamentos
extemalizantes foram relatados por 62,81% das crianças. Em segundo lugar, aparecem
os comportamentos de perturbação do ambiente (atrapalhar a aula/lição e ser bagunceiro),
com 24% de citações, seguidos das características pessoais negativas (12%). Em
contrapartida, as dificuldades acadêmicas não passaram de 1,19% do total.
A predominância de referências aos comportamentos extemalizantes e perturbação
do ambiente corrobora os dados da literatura (e.g. Coie & Koeppl, 1995; Gomes da Silva,
2000; Price & Dodge, 1989) que apontam o afastamento dos colegas motivado por estas
condutas. As crianças que não possuem em seu repertório habilidades para resolução de
conflitos e negociação são percebidas negativamente por seus pares, tomando-se vulneráveis
à rejeição. Não por acaso a análise da classificação das crianças rejeitadas demonstra que
41,78% delas são citadas em virtude de seu comportamento perturbação do ambiente,
seguidas de 30,40% consideradas extemalizantes. Embora a agressividade seja
freqüentemente correlacionada à rejeição, Coie, Dodge, Terry e Wright (1991) apontam que
nem todas as crianças rejeitadas são agressivas, sendo o contrário verdadeiro. Tal afirmativa
é confirmada pelos dados da presente investigação, que encontrou 2,74% das crianças
populares associadas à perturbação do ambiente e 3,2% a comportamentos extemalizantes.
Apesar de este ponto estar sendo ressaltado há mais de uma década nas pesquisas sobre
interações sodaís, ainda não há evidências sólidas que sustentem sua compreensão.
A categoria características negativas, embora em percentual bastante inferior,
também foi mencionada como justificativa à exclusão, estando associados a 16,98%
dos casos de crianças classificadas como rejeitadas pelo grupo, enquanto as crianças
populares só são citadas em 5,66% dos casos. Contrário ao coleguismo, as
características negativas, como individualismo, egoismo, constituem evidência de falta
de flexibilidade para ceder, dividir e compartilhar. Sendo assim, as intervenções focadas
na competência social não podem negligenciar este aspecto, devendo ampliar o
repertório de comportamentos típicos do coleguismo.
Mesmo se constituindo na categoria menos citada no conjunto de motivos, as
características pessoais negativas encontram-se associadas a 22,58% das crianças
rejeitadas, fortalecendo a idéia de que certas qualidades promovem maior índice de
rejeição entre pares. Simultaneamente, elas apresentam baixo índice de características
pessoais positivas, mencionadas apenas em 4,23% dos casos.

Considerações finais
Os resultados encontrados no presente trabalho salientam dois aspectos
fundamentais quando se considera a possibilidade de uma intervenção sobre o desempenho
social infantil. Primeiramente, como sublinha Sandstrom (2003), não basta verificar em que
categoria sodométrica a criança se encontra perante o grupo. É preciso discriminar os
comportamentos que afetam seus colegas, levando-os a rejeitá-las ou, ao contrário, a recebê-
las com prazer em suas atividades e brincadeiras. Nesse sentido, os indicadores de rejeição
e aceitação revelam o modo de interação das crianças com dificuldades de relacionamento,
fornecendo subsídios relevantes para o delineamento do trabalho dinico.
Em segundo lugar, os indicadores explicitados pela análise das respostas infantis
realçam a maior ou menor competência social das crianças mencionadas na avaliação

74 Márcia Hêlena da Silva M elo e tdw igcs Ferreira de Mattos $3vare<


socrométrica, seja positiva, seja negativamente. Da mesma forma que os comportamentos
de cooperação e coleguismo definem p maior grau de inclusão da criança na turma, o
oposto também se mostra verdadeiro. As crianças com dificuldades interativas
apresentam, na percepção dos pares, déficits em suas habilidades sociais, impondo-se
frente ao grupo mediante o uso da agressividade e da perturbação do ambiente.
Desse modo, há que se considerar o desenvolvimento das habilidades sociais
no planejamento de uma intervenção destinada a engajar no grupo de iguais as crianças
que se mostram excluídas em função de seu comportamento. Ao propiciar um espaço
de aprendizado de novas formas de interação com o outro, o atendimento lhes permitirá
o desenvolvimento de um repertório mais rico e flexível, ensinando-lhes a tolerância, a
empatia e, principalmente, o respeito e o cuidado consigo mesma e com os demais.

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Márcia Helena da Silva Melo r Edwrig« Ferreira de M attos SSvares


Capítulo 6
Categorizaçiío de comportamentos no
contexto clínico: um relato de
experiência
G raziela Freire V ie ir a 'e *
Paula V irgínia O liv e ir a E lias 1
lim a A . Ç ou larl d e S ou za Britto 4

As técnicas de observação e registro são instrumentos de pesquisa importantes


aos psicólogos e pesquisadores na obtenção de dados que aumentam a compreensão
a respeito do comportamento sob investigação. Estes instrumentos vêm sendo utilizados
ao longo da história. Darwin, em 1872, demonstrou o uso da observação com porta mental
quando publicou os resultados de suas pesquisas observacionais a respeito da
expressão das emoções. Outros pesquisadores também fizeram uso destas técnicas,
como Sidney W. Bijou, Karl Weick, dentre outros (Fagundes, 1985).
Kreppner (2001) relata que a 'Utilização do método observacional com uso de
gravações em vídeo promove a preservação da situação tal qual observada e permite
que esta seja revista infinitamente durante o processo de análise. A partir dos anos 70,
a metodologia observacional passou a não ser mais realizada apenas com o uso da
observação direta e categorização pré-defmida. Os pesquisadores passaram a categorizar
e definir os comportamentos após observação dos registros realizados, por meio de
gravações em vídeo. “Somente a câmera pode produzir um tipo de protocolo objetivo” (p.
98). Com este avanço a seleção prévia das categorias a serem registradas deixou de
ser uma condição necessária para fazer boas observações.
A utilização do registro em video como instrumento de coleta de dados tem se
mostrado uma prática comum entre a maioria dos pesquisadores que fazem uso da
metodologia observacional. Por ser visto e revisto, possibilita quantas análises forem
necessárias, cada categoria pode ser elaborada e testada com base no material
registrado. Possibilita, também, comparar as observações de um observador com as
observações de outros, contribuindo assim, para a fidedignidade dos dados.
Estudos observacionais mostraram-se úteis como um potente instrumento para
as investigações sobre a enfermidade. O estudo realizado por Starling (1999) com
pacientes em situação pós-operatória no contexto hospitalar possibilitou o levantamento
de categorias sobre o 'episódio clínico pós-cirúrgico’ e subcategorias desse episódio,
tais como: estado físico, alta hospitalar, estado psicológico, medicação, dor, relações
com o médico, episódio cirúrgico, história clínica, profissionais, enferm agem ,

' Muna de graduação, LatoSercsueSWcfcjSensuemPsiooiogiapela Universidade Católica de Goiás.


1As autoras agradecem à aluna Maryfia Meireles pda ajuda na realização 4o teste de concordância.
1Mestre em Psicologia e supervisora de graduação da primeira autora.
4Doutora em Ciências Sociais e orientadora Lato Senso e Stricto Sensu da primeira autora.

Sobre Comportamento e Cognição


atendimento hospitalar e variáveis psicossociais, além de categorias e subcategorias
sobre as 'relações sociais’ e ‘vida cotidiana’.
Para investigar as classes de comportamentos da relação entre médicos e
pacientes portadores do HIV no contexto ambulatorial, Fernandes e Britto (2005) construíram
categorias da ação verbal e não-verbaf facílitadora e não-facilitadora de adesão do médico
e categorias de relatos indicativos e não-indícativos de adesão por parte dos pacientes ao
tratamento. O estudo possibilitou levantar as categorias e subcategorias, a respeito de
parte daquilo que o médico e paciente verbalizam durante as sessões de atendimento.
Pesquisas direcionadas para a relação terapêutica, realizadas a partir do registro
do que terapeutas-estagiários e clientes verbalizam durante sessões de atendimento,
permitem elaborar um conjunto de categorias que descrevem as verbalizações do
terapeuta de acordo com suas topografias e funções (Britto, Oliveira & Santos, 2003). O
uso dos registros em vídeo em clínica-escola de psicologia torna-se relevante para a
formação do futuro profissional quando estagiários-terapeutas e supervisores registram
e discutem seus atendimentos (Bueno, Aguiar, Silva, Passos & Moura, 2006).

A relação terapêutica
A relação terapêutica deve ser analisada como uma interação de mútua influência
entre terapeutas e clientes. Nela o cliente tem a oportunidade de emitir comportamentos
que lhe têm trazido problemas e, a partir da interação com o terapeuta, pode aprender
formas mais efetiva de comportar-se (Meyer & Vermes, 2001; Prado e Meyer, 2004).
A relação terapêutica pode ter influência na efetividade dos diversos
procedimentos utilizados para produzir mudanças no comportamento do cliente. Follette,
Naugle e Callaghan (1996) relatam que o interessante na relação terapêutica é a obtenção
de resultados eficazes na terapia analisando a relação entre terapeuta e cliente, e este
aspecto se baseia mais na teoria de psicoterapia do que em fatos experimentais.
Kohlemberg e Tsai (1991/2006) ressaltam que a reação do terapeuta é a J
conseqüência primária do comportamento do cliente, assim, numa sessão de terapia,
o terapeuta deve estar atento aos comportamentos clinicamente relevantes do cliente
que ocorrem durante a sessão, para que consiga emitir o reforço referente aos
progressos conseguidos pelo mesmo. Estar consciente e atento aumenta a
probabilidade de reações apropriadas do terapeuta.
Ferster, Culbertson e Boren (1978) esclarece que seria difícil determinar o quanto
da terapia é governado pela teoria ou pela interação e descoberta com o cliente, posto que
terapeuta e diente modificam o comportamento um do outro enquanto interagem,
Skinner (1953/2000) descreve a importância de o terapeuta representar uma
audiência não-punitiva, portanto, ele deve evitar o uso de punições, críticas ou objeções
ao comportamento do cliente, evitar apontar erros de pronuncia, gramática ou lógica, e
evitar qualquer sinal de incômodo quando o cliente, de alguma maneira, critica-o ou
verbaliza palavras ofensivas. “Do ponto de vista do paciente, o terapeuta, em princípio, é
apenas mais um membro de uma sociedade que tem exercido excessivo controle. É
tarefa do terapeuta colocar-se em situação diferente." (p. 403).
A literatura também mostra a importância do terapeuta analista do comportamento
ter domínio dos pressupostos teórico-filosóficos da abordagem que fornece subsídios para
sua análise e fornece significados às suas intervenções dínicas (Brandão, 2001). O terapeuta
que faz uso dos princípios do comportamento oferece ao seu diente um nível mais adequado
de análise e dispõe de técnicas que lhe possibilitam compreender e descrever o
comportamento de forma mais apropriada (Ferster, Culbertson & Boren, 1978).

Crazida Freire Vieira, Paulâ Virgínia Oliveira Eli is, lima A. OouUrt de Scruia Britto
Alguns autores procuraram identificar comportamentos do terapeuta, com relação
à freqüência de ocorrência, que causassem maior impacto no comportamento do cliente e
definiram sete comportamentos do terapeuta como importantes, são eles: a)empatia (facilita
a comunicação pessoal com paciente e o envolve mais no processo, desenvolvendo a
confiança na terapia); b) apoio (que envolve comportamentos de aprovação, confirmação e
reforçamento por parte do terapeuta); c) diretividade e controle (estão relacionados com a
organização e andamento das sessões, além de encorajar o cliente a exibir algumas
condutas dentre ou fora das sessões); d) questionamento (está presente na atividade
terapêutica, já que o terapeuta precisa de informações sobre os fatos e explorar sentimentos);
e) clarificação e estruturação (representam dar informações ao cliente a respeito do contexto
da terapia); f) interpretação (refere-se ao terapeuta criar hipóteses sobre as relações causais,
características de personalidade ou outros aspectos do cliente); e, por último, g) confrontação
e crítica (têm o objetivo de identificar contradições no comportamento dos clientes e provocar
a reestruturação destes) (Schaap, 1993, citado por Rangé, 1998).
Algumas propriedades dos comportamentos do terapeuta também favorecem a
efetividade no processo terapêutico, como: a) responsividade (habilidade para oferecer atenção
ao que o cliente tenta comunicar); b) imediaticidade verbal (responder prontamente, atentamente
e honestamente ao que está acontecendo no instante); c) habilidades verbais (perguntar,
clarificar, parafrasear, resumir); d) competência lingüística (decodificar metáforas, usar
metáforas, paradoxos); e e) uso criterioso do humor (Kleine, 1994, citado por Rangé, 1998).
Rimm e Masters (1983) afirmam que o terapeuta comportamental deve adaptar
seu método de tratamento e empregar diferentes procedimentos, dependendo do problema
do cliente. O clínico que tende a ver todos os problemas psicológicos como um conjunto
de estados ou processo comum intemo, e acredita que estes estados são inconscientes,
será menos propenso a conseguir interpretar a queixa apresentada pelo cliente como
sendo seu real problema. Brown, O’Leary e Barlow (1999) complementam esta idéia
quando sustentam que os terapeutas, além de possuir as qualidades já evidenciadas
por outros autores, deveriam apresentar um firme treinamento das técnicas utilizadas na
terapia e demonstrar habilidades para oferecer os componentes ativos destas técnicas,
Leahy (2001, citado por Falcone 2003) descreve outros fatores importantes
encontrados nas práticas clínicas. Alguns terapeutas apresentam necessidade de
perfeição e temem falhar. Dessa forma, eles podem se recusar a atender casos “difíceis"
ou exigir cada vez mais do cliente, focalizando sua atenção para a eficiência do tempo,
o que atrapalha a manifestação de empatia. Já outros, estão preocupados em excesso
com o abandono do cliente, o que faz com que o terapeuta interaja na sessão de modo
não-assertivo, evitando conteúdos difíceis durante a sessão ou deixando de confrontar
comportamentos destrutivos do cliente.
De acordo com Guilhardi e Queiroz (2001), o terapeuta precisa discriminar as
contingências em operação, que o torna consciente de seus comportamentos e
sentimentos no processo terapêutico. Alguns conjuntos dessas contingências são
apresentados pelos autores, como: o conhecimento teórico, procedimentos terapêuticos
e modelos metodológicos do Behaviorismo Radical, que aparecem em forma de regras
de atuação; a participação do terapeuta em grupos sóclo-profissionais (outros
terapeutas, pesquisadores) que mantém o terapeut? em contato com os procedimentos
e métodos; e a análise que outro profissional da área faz de seu comportamento, podendo
ser este processo chamado de terapia ou de supervisão.
Kohlenberg e Tsai (1991/2006) argumentam que o terapeuta deve ter também alguns
cuidados no processo terapêutico. Diante de qualquér intervenção em andamento, é importante
que o terapeuta sempre esteja atento ao que é melhor para o diente naquele momento e em

Sobre Comportamento t Cogniç&o


longo prazo. Além disso, ele deve estar atento ao nível atual de habilidades do diente nas
áreas que o mesmo esteja tentando modificar, sem estabelecer expectativas elevadas.
Banaco (2001) relata que o terapeuta se conhecer, se reconhecer, usar seus
sentimentos como estímulos discriminativos é uma parte importante do processo
terapêutico, assim como reforçar os comportamentos adequados do cliente. Sentimentos
como ansiedade, medo, raiva, pena, inveja, admiração, tédio e empatia foram relatados
como fatores presentes em alguns atendimentos realizados.
As habilidades do terapeuta, como observar sistematicamente, reforçar
diferencialmente, solicitar e dar informações, comentar os conseqüentes, apontar
comportamentos passíveis de extinção ou punição, modelar comportamentos adequados,
orientar para a ação, para análise e mudança de contingência, propor questões que levem
o cliente a observar e descrever seus comportamentos ao relacioná-los com o ambiente,
dentre outras, devem ser objeto de pesquisa. Observar e descrever as sessões de
atendimento deve fazer parte dos métodos de investigação do comportamento em contextos
clínicos (Britto, et ai, 2003; Elias & Britto, 2004; Fernandes & Britto, 2005; Bueno, et aí, 2006).
Pesquisas apontam que terapeutas que apresentam altas freqüências de
comportamentos não-verbais (balançar a cabeça em sinal de aprovação, sorrir, encurvar
o corpo em direção ao cliente, manter contato visual) são melhores avaliados tanto
pelos seus clientes quanto por observadores externos (Meyer & Vermes, 2001).
O presente trabalho teve como objetivo identificar categorias funcionais, a partir
da análise dos comportamentos verbais e não-verbais, referentes à atuação de uma
estagiária-terapeuta no contexto de clínica-escola de psicologia sob supervisão.

Método
Participante
Participaram deste estudo, uma díade cliente e estagiária-terapeuta, proveniente
de uma clínica escola de psicologia de uma universidade particular. A cliente de 22 anos
de idade, sexo feminino, solteira, 1o grau incompleto, desempregada e residia com a
madrinha. A estagiária terapeuta, 23 de idade, solteira, cursando o estágio
supervisionado em psicologia clinica, abordagem comportamental.
As queixas principais que levaram a cliente a buscar o atendimento terapêutico
foram: dificuldades no relacionamento com a família, dificuldades de interação social
(falta de assertividade, dificuldades para fazer amigos, tomar decisões), vergonha por
possuir uma prótese num dos olhos, insatisfação com a aparência, baixa auto-estima,
timidez, ansiedade e medo de perder o controle.
A cliente relatou à estagiária-terapeuta que aos três anos de idade se submeteu
a uma cirurgia que substituiu um olho com problemas por um olho de vidro. Alguns
meses após este fato, seus pais se divorciaram. Tais eventos marcaram sua vida.
Conseqüentemente passou parte da infância trabalhando com diferentes famílias na
função de babá e sem remuneração.
Aos quinze anos se mudou para a casa de uma amiga. Iniciou trabalho
remunerado como empregada doméstica ou acompanhante de idosos. Nesta época
passou a freqüentar festas, quando conheceu seu primeiro namorado. Através do
trabalho conheceu a madrinha que a batizou e a acolheu em sua casa.
Ambiente e Material
As observações e os registros em vídeo foram realizados em consultório padrão
da clínica-escola. No consultório havia uma mesa, três cadeiras, duas poltronas, mesa

Çrazldá Freire Vidra, Paul« Virgínia Oliveira Lliai, lima A. Goulart de Souza Brilto
de centro, tapete, armário, pia, quadros, iluminação, ventilação e acústica adequadas. O
consultório foi equipado com uma câmera de vídeo instalada próximo à díade, conforme
demonstra a Figura 1. Outros equipamentos utilizados foram: fitas VHS, computador,
impressora, aparelho de TV, além de papel, canetas e lápis. Utilizou-se para o estudo,
também, Folhas de Registro dos Comportamentos Verbais e Não-Verbais da Estagiária-
Terapeuta, contendo cabeçalho e atividade a ser desenvolvida, data da observação e
espaço para registro das categorias comportamentais.

Procedimento
Um documento de consentimento informado foi assinado. Neste documento
foi pedida a autorização da cliente para o registro em video das sessões e para a sua
utilização em pesquisas. Este documento continha todos os esclarecimentos sobre as
pessoas autorizadas a manusearem o material registrado, sobre o sigilo das
informações e de qualquer tipo de identificação da cliente.
Foram registrados em vídeo dados referentes a sete sessões terapêuticas, sendo
que as duas primeiras sessões foram descartadas, devido ao possível efeito intrusivo da
filmadora. O tempo de gravação de cada sessão foi de uma hora, durante a fase de intervenção.
Procedeu-se a coleta de dados através de registro por amostragem de tempo, sendo
utilizados, de cada fita, dez minutos escolhidos aleatoriamente entre o início e final da sessão.

Figura 1: Representação esquemática do consultório utilizado na pesquisa.

As fitas eram reprisadas e os comportamentos registrados na Folha de Registro


dos Comportamentos Verbais e Não Verbais da Estagiária-Terapeuta. Desse modo,
foram registradas as categorias comportamentais em intervalos de 30 segundos num
total de 10 minutos de cada fita, somando 50 minutos de observação e registros.
A seguir, foram selecionadas 6 categorias de comportamentos não-verbais (NV) e 6
de comportamentos verbais (V) da estagiária-terapeuta. A escolha das categorias foi realizada
após todas as fitas terem sido assistidas.-As categorias comportamentais foram selecionadas
como categorias descritivas das ações da estagiária-terapeuta como possíveis agentes de
mudança, no que diz respeito às formas como tais intervenções possam contribuir para
levantar hipóteses acerca das variáveis envolvidas nos comportamentos relatados pela cliente.

Sobre Co mportim cnto í Cogniçáo


Dessa forma, o presente estudo procurou levantar as verbalizações da
estagiária-terapeuta à sua cliente e suas possíveis funções. Foi considerada uma
verbalização as falas da estagiária-terapeuta entre a verbalização anterior da cliente e a
verbalização seguinte desta. Procedeu-se a identificação das categorias quando da
presença das verbalizações da estagiária-terapeuta à cliente, como descritas a seguir.
1. Informar {V 1): verbalizações que informam sobre aspectos da terapia, temas
abordados pela cliente ou conceitos da terapia comportamental. Tais verbalizações têm
a função de alterar o conhecimento da cliente sobre os diversos assuntos abordados
no processo terapêutico. Por exemplo, "Os terapeutas comportamentais ensinam aos
seus clientes quando dizer não; a gente não quer alguma coisa e a pessoa nos oferece,
temos o direito de dizer não”.
2. Reforçar (V2): verbalizações que reforçam o comportamento apropriado da cliente.
Tais verbalizações têm a função de conseqüenciar o comportamento para aumentar a
probabilidade de o comportamento reforçado voltar a ocorrer. Por exemplo, "Você fez
tudo certo, ficou muito bom! Parabéns!".
3. Investigar (V3): verbalizações que solicitam informações à cliente em forma
interrogativa. Tais verbalizações têm a função de obter novas informações sobre a história
narrada da cliente. Por exemplo, “... e os seus outros irmãos? Você tem contato com
ele?" ou “Quando você acha que vai encontrar com ela de novo?”.
4. Confrontar (V4): verbalizações que demonstram relações entre eventos ou sobre
questões abordadas pela cliente. Tais verbalizações têm a função de confrontar relatos
anteriores da cliente. Por exemplo, ‘‘Hum ... O que será que aconteceu para ela não agir
dessa forma com você?” ou “ O que você pode falar para ela agora?".
5. Pedir feedback(\/5): verbalizações, em forma de perguntas, a respeito de compreensão
ou incompreensão, aprovação ou desaprovação da cliente sobre questões em pauta.
Tais verbalizações têm a função realimentar os comportamentos da estagiária-terapeuta
sobre aspectos de sua intervenção. Por exemplo, “Você concorda ou não com as
conclusões que chegamos?”.
6. Falar frase curta (V6): verbalizações mínimas que demonstram, ou não, entendimento.
Tais verbalizações têm a função de promover a continuidade da verbalização da ciiente.
Por exemplo, “Hum hum... Ah, tá... Entendi...”.
Além das categorias de verbalizações da estagiária-terapeuta, foram consideradas,
também, categorias dos comportamentos não-verbais. As categorias de comportamentos
não- verbais da estagiária-terapeuta selecionadas e suas respectivas definições foram:
7. Manter contato visual com a ciiente (NV1): o contato olho a olho foi definido como olhar
direcionado a cliente na metade superior de seu rosto por um tempo mínimo de três
segundos.
8. Balançara cabeça afirmativamente (NV2): o balançara cabeça afirmativamente foi definido
como mover a cabeça para baixo e para cima em sinal de aprovação.
9. Sornr (NV3): assumir expressão de alegria fazendo ligeira contração dos músculos faciais.
10. Indinar o corpo (NV4): mover o corpo para frente em direção à cliente por um tempo
mínimo de cinco segundos.
11. Gesticular (NV5): movimentos do corpo, da mão ou da cabeça para expressar-se ou
acenar para a cliente.
12. Levantar as Sobrancelhas (NV6): mover as sobrancelhas rapidamente para cima e
depois para baixo na posição original.

p razida Freire Vieira, Paula Virffnii Oliveira Elias, lima A. Goulart de Souza Enlto
Após os registros dos dados, foi feita a análise quantitativa da freqüência de ocorrência
das categorias compoftamêntais selecionadas. Se houvesse dúvidas, as fitas eram reprisadas.
Para garantir o índice de fidedignidade dos dados, foi solicitada a colaboração de
uma estagiária-terapeuta da equipe, para a realização do teste de concordância. Para o
cálculo do índice foi utilizada a fórmula padrão: (Concord ância/{ Discordâ ncia + Concordância)]
*1 0 0 .0 percentual de fidedignidade foi calculado para as categorias e variou de 83% a 97%.

Resultados
Os dados obtidos no presente estudo serão apresentados em forma de
freqüência e percentual. Nas Tabelas 1 e 2 os resultados são apresentados
separadamente para as categorias de comportamentos verbais (V) e de comportamentos
não-verbais (NV), durante as cinco sessões registradas em vídeo na fase de intervenção.
Os dados da Tabela 1 demonstram que entre todas as categorias V, a de
'Investigar' foi a que ocorreu com maior freqüência (36,5%), seguida pela categoria
‘Falar frase curta’ que alcançou 31,9%. O percentual da categoria V ‘Informar' foi 18,1%,
‘Pedir feedbacK, ‘Reforçar’ e ‘Confrontar’ alcançaram percentuais aproximados, ficando
entre 5,6%, 4,2% e 3.7%, respectivamente.

Categorias Vídeo 1 Vídeo 2 Vídeo 3 Vídeo 4 Vídeo 5 Total


Comportamentos
F(%) F(%) F(%) F(%) F(%) F(%)
Verbais (V)
Informar
17 18 19 06 04 64(18,1)
Reforçar
14 0Í 00 00 00 15(4,2)
Investigar
35 18 08 26 42 129(36,5)
Confrontar
01 01 09 00 02 13 (3,7)
Pedir feedback
06 02 08 02 02 20 (5,6)

Falar frase curta 23 12 20 21 113 (31,9)


37

Totat 110(31,1) 63(17,8) 56(15,8) 54(15,2) 71 (20.1) 354(100)

Tabela 1: Freqüência e porcentagem das categorias de comportamentos verbais da estagiária-terapeuta.

Em relação aos vídeos das sessões, os dados demonstram que os registros


no ‘Vídeo 1’ alcançaram o maior percentual de ocorrência das categorias de
comportamento verbal (31,1%). O ‘Vídeo 4’ alcançou o menor percentual entre todos os
V (15,2%). Nos demais vídeos os percentuais variaram entre 20,1% a 15,8%. Tais dados
estão resumidos na Tabela 1.
Observa-se também que na Tabelai, a categoria V 'Pedir feedbacK variou (2 a
6) em suas ocorrências nos vídeos registrados. Óutro dado demonstrado na mesma
tabela refere-se ao ‘Vídeo 3’, em que na categoria ‘Informar’ foram registradas 19
ocorrências, enquanto na categoria ■ ‘ Reforçar’ não houve registro de'ocorrência. Com
relação aos ‘Vídeo 4' e ‘Vídeo 5’ a categoria ‘Reforçar1não apresentou nenhum'registro
de ocorrência, já â categoria ‘Investigar1apresentou 26 e 42 ocorrências; respectivamente.

Sobre Comportamento r Cognição


Os dados apresentados na Tabela 2 referem-se aos comportamentos não-verbaís
(NV) da estagiária-terapeuta durante as cinco sessões registradas em vídeo. As categorias
NV 'Manter contato visual com a diente’ e ‘Balançar a cabeça afirmativamente' alcançaram
percentuais aproximados, 30,2% e 25,6% respectivamente. Já a categoria NV ‘Inclinar o
corpo’ obteve 16,7% de ocorrênda. ‘Levantar as sobrancelhas e ‘Sorrir’ alcançou baixos
percentuais, 8,4% e 6,5%, respectivamente.
Em relação aos vídeos, novamente foi o ‘Vídeo 1' que alcançou o maior
percentual entre todos de comportamentos NV (29,9%) e o ‘Vídeo 4’ alcançou o menor
percentual entre todos os comportamentos NV (13%), conforme dados da Tabela 2.
A Tabela 2 mostra ainda que nos vídeos a categoria ‘Manter contato Visual'
apresentou freqüência relativamente alta de ocorrências (39, 34, 35, 28, 26,
respectivamente) seguida da categoria NV ‘Balançar a cabeça afirmativamente’ quando
comparadas às outras categorias NV investigadas.

Categorias Video 1 Vídeo 2 Vídeo 3 Vídeo 4 Vídeo 5 | Total


Comportamentos Não-
Verbais ÍNV) F(%) F(%) F(%) F(%) F(%) F(%)
Manter contato visual 39 34 35 28 26 162 (30,2)
Balançar a cabeça
45 32 14 20 27 138 (25,6)
afirmativamente
Sorrir
22 03 05 00 05 35 (6,5)
Inclinar o corpo
19 19 26 15 11 S0 (16,7)
Gesticular
17 20 19 u3 09 6 8 ( 12,6 )
Levantar as
19 11 08 04 03 45 (8,4)
sobrancelhas

Total 161 (29,9) 119(22,1) 107(19,9) 70(13) 81 (15,1) 538 (100)

Tabela 2: Freqüência e porcentagem das categorias de comportamentos não-verbais da


estagiária-terapeuta.

Quando as classes de comportamentos verbais e não-verbais da estagiária-


terapeuta foram analisadas em relação ao total de freqüências, os dados resumidos
nas Tabelas 1 e 2 permitem outras análises; os comportamentos NV ocorreram mais
freqüentemente, 538 ocorrências, enquanto os V alcançaram 354 durante os 50 minutos
registrados em vídeo, entre o início e final das sessões.

Discussão
O presente estudo teve como objetivo observar os comportamentos verbais e
não-verbais de uma estagiária-terapeuta que podem ser consideradas possíveis
agentes de mudança, em sessões realizadas em uma clínica-escola. Ressafta-se
também a importância de estudar o comportamento humano em contextos clínicos.
Para descrever, definir e quantificar as categorias comportamentais foi utilizado
o registro em vídeo como instrumento de coleta de dados. Optou-se, portanto, .pelo uso
deste tipo de registro, para posterior descrição das categorias de comportamentos da
estagiária-terapeuta. Segundo Fagundes (1985), a observação comportamental é
importante para os psicólogos pesquisadores, pois serve como um instrumento de

Çrazida Freire Vieira, PauU Virginia Oliveira Elias, Ibna A. QouUrt de Sôiizí Britto
trabalho para a obtenção de dados, que podem, entre outras coisas, ampliar nosso
entendimento a respeito do comportamento sob investigação e ajudar no levantamento
de hipóteses e estabelecimento de diagnósticos.
Os comportamentos apresentados peta cliente, também présentés nas
filmagens, não foram foco de análise, mas sugere-se que estes dados possam ser
quantificados e avaliados em próximos estudos.
Os dados apresentados nas tabelas demonstram que os comportamentos
não-verbais ocorreram em maior número que os comportamentos verbáis. Segundo
Caballo (2003/2006) pesquisadores concluíram que os sinais visuais são recebidos
de maneira mais confiável e precisa que os auditivos. Além disso, os sinais não-verbais
também dinamizam a interação entre indivíduos, pois um sinaliza ao outro, com um
olhar ou um balançar de cabeça, que é a sua vez de tomar a palavra.
A categoria 'Manter contato visual com a cliente’ foi registrada em todos os vídeos
filmados, o que parece demonstrar que a estagiária-terapeuta respondia atentamente a
cliente. Caballo (2003/2006) descreve que o contato visual entre indivíduos é, normalmente,
um sinal de envolvimento, enquanto desviar o olhar pode significar desejo de evitar contato.
Já com relação aos comportamentos verbais, observou-se que dentre efes, a
categoria ‘Investigar' obteve a maior ocorrência. Skinner (1953/2000) afirma que este é
o primeiro de muitos passos que devem ser dados em um processo terapêutico. Com
relação â relevância das investigações clínicas para coleta de dados, o terapeuta deve
buscar informações a respeito da história de vida do cliente, sobre o comportamento
que necessita ser alterado e sobre as circunstâncias nas quais este cliente está inserido.
Os dados referentes aos comportamentos não-verbais selecionados e alguns
comportamentos verbais, como a categoria verbal ‘Falar frase curta’, indicam uma possível
preocupação da estagiária-terapeuta em mostrar-se interessada e atenta às falas da cliente
de forma reforçadora e não punitiva. Os outros comportamentos verbais selecionados podem
indicar o interesse da estagiária-terapeuta em propidar melhor engajamento da cliente na
terapia, levando assim, a uma possível mudança dos comportamentos problema da diente.
A ocorrência da categoria ‘Reforçar’ apresentou a menor freqüência dentre as
outras categorias presentes, porém, outras categorias podem ter apresentado, também,
funções reforçadoras, como, por exemplo, ‘Manter contato visual com a cliente', 'Balançar
a cabeça afirmativamente', ‘Sorrir’ e ‘Inclinar o corpo'. Skinner (1953/2000) explica que
classificamos um evento como reforçador quando este aumenta a probabilidade de
ocorrência de um operante.
Com a análise dos dados, observa-se que a estagiária-terapeuta parecia estar
freqüentemente focando sua ação para prestar informações à cliente. Nas sessões
onde não foi registrada nenhuma ocorrência na categoria ‘Reforçar1, por exemplo, pode-
se perceber que houve alta freqüência de registro de outras categorias, como ‘Informar1
e ‘Investigar1. Estas últimas categorias de comportamento, também, foram registradas
no estudo de Fernandes (2005) a respeito da relação médico-paciente. Elias e Britto
(2004) denominam a categoria ‘Informar’ como uma Categoria Funcional de Intervenção
Educativa, que tem a função de informar ao cliente sobre pontos importantes a respeito
da terapia nas primeiras sessões de atendimento ou ao longo do processo.
Os dados mostram que as ocorrências de comportamentos registrados no
'Vídeo 1’ e no ‘Vídeo 4’ tiveram a maior e a menor freqüência, respectivamente, tanto
para os comportamentos verbais (V) quanto para aos comportamentos não-verbais
(NV). Estes dados parecem demonstrar que durante a primeira sessão registrada em
vídeo houve uma maior oportunidade para intervenções, isto é, para a emissão, por

Sobre Comportamento e Cojni^So


parte da estagiária-terapeuta, dos comportamentos selecionados, do que durante a
quarta sessão. Deve ser observado que o processo terapêutico apresenta objetivos
gerais e, também, o objetivos específicos conforme cada sessão.
De um modo geral, os dados mostram a importância da realização de estudos
observacionais sobre os comportamentos de terapeutas em contexto clínico, como
forma de evidenciar a ação destes como agentes produtores de mudança e demonstrar
o impacto desta ação no processo terapêutico. O terapeuta deve agir de forma a propiciar
condições de modificação dos comportamentos-problema dos clientes mostrando-se
interessado e atento aos eventos do contexto cJínico.

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enfermidade: um estudo piloto. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.
1, (2), p. 107-124.

Sobre Comportamento e (TognlfSo


Capítulo 7
Orientação para pais para prevenir
problemas de comportamento
em crianças1

Pdtrícía M aria Boríni Rodrigues


M aria Luiza M arinho
Universidade Estadual de Londrina

A prática da educação de crianças e adolescentes vem passando por


dificuldades na cultura brasileira atualmente, assim como em muitos países do mundo
atual globalizado. É grande e crescente o contingente de jovens com problemas
comportamentais variados, ao lado de pais e professores que alegam serem incapazes
de reverter esse quadro. Essa área de pesquisa tem gerado diversos estudos (Bee
1996; Conte, 1997; Del Prette e Del Prette, 1999,2003; Gomide, 2003 ; Marinho, 2003;
Patterson, De Baryshe e Ramsy, 1989; Silva, Del Prette e Oishi, 2003; Silva e Marturano,
2002) que demonstram a influência das práticas parentais sobre o comportamento das
crianças. Os pais ensinam os filhos a com portarem-se de determinada forma à medida
que fornecem reforçamento diferencial para os comportamentos dos mesmos, ou seja,
conforme reforçam, punem ou ignoram os diferentes comportamentos dos filhos.
A partir das descobertas sobre variáveis causais ou correlacionais de problemas
de comportamento em crianças, a área de investigação do comportamento infantil tem
se dedicado essencialmente à elaboração e avaliação do efeito de inúmeras estratégias
e procedimentos de intervenção. Há claramente mais estudos publicados sobre
intervenção comportamental do que sobre formas de prevenir os problemas. Isto talvez
ocorra devido à variedade e à elevada freqüência de crianças e adolescentes com
comportamento agressivo, anti-social, dificuldades em aprender, e outras topografias
cuja funcionalidade deve ser estudada e as formas de controle demonstradas.
Apesar do investimento maciço em intervenção, estudos realizados especialmente
na área médica têm demonstrado inúmeras vantagens do investimento em prevenção de
problemas. Os ganhos não se restringem a menos gastos de recursos financeiros. No
caso de crianças, tem-se demonstrado claras vantagens na infância e ao longo da vida em
não se ter apresentado problemas importantes de comportamento. Por exemplo, estudos
sobre crianças tímidas indicam efeitos danosos no médio e no longo prazos, mesmo se

10 presentetrabalho é parte da monografia apresentada pela prnisira autora ao curso òe Espedatlzaçào em Psicoterapia na Anái se do
Coriportementoda Universidade Estadual dc Londrina. Contato: marinho.Rwlu@hotr>ailco[n

Patrícia Maria ftorinj Rodrigue« « M ark Luiza Marinho


tratadas posteriormente. Isso ocorre porque as relações entre colegas, na infância,
contribuem significativamente para o desenvolvimento do funcionamento interpessoal
adequado e proporcionam oportunidades únicas para a aprendizagem de habilidades
específicas que não podem ser obtidas de outra fonma nem em outros momentos.
Com base na importância das ações preventivas, o presente trabalho visa
apresentar classes de comportamento infantis que são valorizadas em nossa cultura
devido a sua importância para um convívio adequado da criança com adultos e com
seus pares, bem como procedimentos para ensinar pais a instalar e manter tais
comportamentos. Deve-se destacar que os comportamentos aqui apresentados não
encerram todos aqueles necessários a uma socialização adequada, principalmente
porque isso depende do contexto, que é diverso e mutável no tempo. Existem outros
comportamentos, não descritos aqui, que são igualmente importantes.
Em relação aos objetivos de prevenção de problemas de comportamento em
crianças, Patterson, RekJ e Eddy (2002, p.21) afirmam que “se queremos compreender e
predizer agressão futura, nossa medida primária deverá ser o ambiente social que ensina e
mantém esses comportamentos desviantes. (...) O problema vive no ambiente sodal”(p.21).
Consideramos que a Análise do Comportamento tem contribuições relevantes a fazer na
orientação de pais e mesmo professores sobre como instalar e manter comportamentos em
contextos rotineiros, quando não há queixas comportamentais estabelecidas.
As seções seguintes do presente capitulo apresentam orientações básicas para
que os pais envolvam-se ativamente no estabelecimento do repertório comportamental
de seu filho, uma breve exemplificação da aplicação dos princípios da aprendizagem
modelagem, modelação e instrução na instalação de comportamentos e, por fim, um
conjunto de seis classes de comportamentos infantis considerados relevantes e sugestões
de como instalá-los e mantê-los no repertório de crianças em idade pré-escolar e escolar.

Orientações iniciais aos pais: mudança de paradigma em relação ao


comportamento infantil
Segundo princípíos analítico-comportamentais, considera-se que a família,
traduzida por interações entre pais e filhos, é um contexto de suma importância quando
se fala em comportamento infantil. Por um lado, o comportamento da criança é controlado
por estímulos discriminativos e reforçadores dispensados pelos adultos que cuidam
dela, e por outro, funciona como evento que controla parcialmente o comportamento
desses adultos (Wähler, 1976). Dessa forma, a instalação e a manutenção de grande
parte do comportamento infantil, em especial na primeira infância, depende do padrão
de interação que os pais (ou cuidadores) estabelecem com seus filhos.
Um dos primeiros passos essenciais é a quebra do paradigma apresentado
pela maioria dos pais, que diz respeito comportar-se como se os comportamentos fossem
aparecer com simples passar do tempo, como algo que está dentro do filho e desabrocha
no devido tempo. Grande parte dos pais e da população leiga em geral acredita que a
criança nasce com uma personalidade pronta e que se não apresenta comportamentos
de autocontrole ou organizáçâo, por exemplo, é um problema de herança genética. É
importante que os pais compreendam que os comportamentos que operam no meio são
aprendidos e funcionais, ou seja, mantidos pelas conseqüências que produzem.
Portanto, no contexto de orientação de pais para a prevenção de problemas de
comportamento em crianças, é importante que se altere essa análise incorreta de
causação interna do comportamento infantil. Os pais devem ser esclarecidos que os
comportamentos que são valorizados pela família e esperados que sejam apresentados
pela criança devem ser ensinados (Marinho 2001, p. 14).

Sobre Comportamento t Cognição


O segundo ponto importante é estabelecer os comportamentos que os pais querem
instalar no repertório de seus filhos. É importante destacar que a educação infantil deve
estar direcionada não só ao bem-estar da criança e de seus familiares no momento presente,
mas deve possibilitar a aprendizagem de comportamentos importantes para a vida daquele
indivíduo quando adulto. Os pais devem, então, ser auxiliados a identificar alguns
comportamentos considerados importantes de serem ensinados e a estabelecer condições
antecedentes e conseqüentes para a aprendizagem e manutenção destes. Algumas classes
comportamentais infantis que pais em geral indicam como importantes são: ser afetuoso
(demonstrar afeto, importar-se com os demais); perseverante (esforçar-se para conseguir
o que quer); responsável (fazer o que é deixado sob a sua responsabilidade); organizado
(manter suas coisas em ordem), estudioso (seguir o ensino formal); prestativo (ajudar,
colaborar); ter limites e autocontrole (respeitar regras básicas de convivência em grupo e
saber resolver conflitos sem usar de agressão); assertivo (não ser ou fazer sempre tudo
igual aos outros, não procurar sempre agradar a todos).
Os pais devem ser alertados que quando elegem quais comportamentos ensinar
a seus filhos, deyem ser consistentes em suas práticas educativas, independente de seu
humor ou de sua disposição física, ou seja, ter consistência. A prática comum de muitos
pais de em um dia reforçar um comportamento e, em outro dia, punir o mesmo padrão, é
chamada na literatura de disciplina inconsistente, e é considerada uma das principais
responsáveis pelo desenvolvimento do comportamento anti-social.
Esses dois pontos apresentados acima (compreender que comportamentos
são aprendidos e, então, devem ser ensinados; e identificar asa classes comportamentais
a serem instaladas e estarem atentos para serem consistentes) são fundamentais para
que os pais se engajem e sejam bem-sucedidos na tarefa de prevenir problemas de
comportamento em suas crianças. Para que as sugestões de procedimentos de ensino
que serão apresentadas abaixo sejam mais facilmente compreendidas, apresentamos
brevemente alguns comentários sobre os três princípios da aprendizagem citados
anteriormente.

O uso de modelação, modelagem e instrução na instalação e na


manutenção de classes comportamentais em crianças
Modelação
As crianças constantemente imitam seus pais ou outras pessoas que
consideram significativas. Quando os pais se comportam, podem funcionar como
modelos para seus filhos, que tendem a agir conforme o que observaram: na forma
como os pais lidam com a frustração, na maneira como exprimem suas discordâncias,
o que fazem quando estão alegres, etc. Segundo Oliveira e colaboradores (2002, p. 87),
um comportamento é aprendido por modelação quando passa a ocorrer a partir da
observação da forma de agir de uma outra pessoa.
Desse modo, é relevante que os pais se apresentem como modelos do
comportamento que querem ensinar ao filho. Segundo Balter e Shreve (1995, p. 32), “a
criança aprende a exercitar o autocontrole, [por exemplo], não apenas porque lhe dizem
que assim deve ser, mas porque ela observa o modo como as pessoas que a rodeiam
lidam com a frustração."
Infelizmente, de acordo com esse processo de ensino, os pais podem
inadvertidamente ensinar comportamentos inadequados, dependendo de como agem
no dia a dia: xingar quando se está zangado, bater como forma de resolver problemas,
gritar quando as coisas não saem do jeito que se espera, entre outros. Portanto, é

Patrícia María Borínl Rodrigues e M aria Luiza Marinho


importante que quem educa apresente um padrão de comportamento condizente com
o comportamento que quer ensinar.

Modelagem
Outro princípio de aprendizagem relevante é a modelagem de comportamentos,
importante principalmente quando se quer instalar uma classe cuja ocorrência levaria
muito tempo para ser observada ou poderia não vir a ocorrer. Segundo Skinner (1998, p.
101), "um operante não é algo que surja totalmente desenvolvido no comportamento do
organismo. É o resultado de um contínuo processo de modelagem.”
Esse procedim ento consiste em u tiliza r reforçam ento d ife re n c ia l por
aproximações sucessivas para algum comportamento terminal (meta). Em outras
palavras, “a modelagem é baseada no reforço diferencial: em estágios sucessivos,
algumas respostas são reforçadas e outras não. Além disso, à medida que o responder
se altera, os critérios para o reforço diferencial também mudam, em aproximações
sucessivas da resposta a ser modelada" (Catania 1999, p. 131). Nas palavras de Skinner
(1998, p. 106), “a contingência que aperfeiçoa a habilidade é o reforço diferencial de
respostas que possuem propriedades especiais. [Além disso], o reforço que desenvolve
a habilidade deve ser imediato, [senão] (...) a precisão do efeito diferencial se perde".
Deve-se ressaltar aos pais que somente quando a criança conseguir emitir
uma resposta prévia adequadamente é que se pode aumentar o nível de exigência do
desempenho para que o reforço seja apresentado. Além disso, ao se ensinar um novo
comportamento, deve-se utilizar o reforçamento contínuo até que o comportamento
esteja consistente. Só então se deve começar a utilizar o reforçamento intermitente para
manter o comportamento de forma rpais duradoura.

Instrução
A instrução refere-se à verbalização de como realizar um determinado comportamento
e suas conseqüências: refere-se à verbalização de uma regra. Segundo Baum (1999), todas
as instruções são regras. Regra, segundo Skinner (1953/1998), refere-se a um estímulo
discriminativo verbal que indica uma contingência. Regras são “ dicas' faladas ou escritas,
explícitas ou implícitas que orientam a ação dos indivíduos, já que indicam uma condição
‘se...então’ vigente em determinado ambiente ou situação, sugerindo uma ação
especrfica^Oliveira, Neves, Silva e Robert, 2002, p. 49). Por exemplo, quando um pai diz a uma
filha: “Se você subir muito alto nesta árvore, poderá cair', ele está lhe explicitando uma regra.
A instrução seria a mesma regra dita de outra maneira: “Não suba nesta árvore, senão irá cair".
As regras (ou a utilização de instruções) são importantes na aprendizagem de
vários comportamentos, especialmente em situações em que as conseqüências são
remotas ou insuficientes para estabelecer ou m anter a ocorrência de alguns
comportamentos, como por exemplo, o comportamento de estudar, de escovar os dentes,
a aquisição de bons hábitos alimentares, a aprendizagem da ética relativa às
conseqüências de nossos atos sobre os outros etc.
No entanto, não basta estabelecer as regras, é preciso que os pais ensinem
seus filhos a segui-las, através da apresentação de conseqüências adequadas para o
seguir e o não seguir a regra. Neste sentido, pode-se dizer que o seguimento de regras
está estreitamente relacionado com o estabelecimento de limites pelos pais. Segundo
Oliveira e colaboradores (2002), o seguimento de rêgras pressupõe a necessidade de
os pais estabelecerem limites claros para o comportamento de seus filhos. Estabelecer
limites é ensinar à criança o que é permitido e o que é proibido. Esses limites podem

Sobre Comportamento e Cognição


ser expressos por meio de regras, como: “Antes do almoço não pode comer doces, pois
eles tiram o apetite” ou “As nove horas é o seu horário de estar na cama".
Alguns pontos a serem considerados pelos pais ao estabelecerem regras aos
filhos são:
a) Os responsáveis pela criança devem considerar as instruções que apresentarão, em
termos dos valores familiares, da possibilidade de cumprimento pela criança, da justiça e
adequação do pedido, bem como ponderar sobre as conseqüências reforçadoras e punitivas
a serem sistematicamente apresentadas contingentes ao comprimento ou não cumprimento
do solicitado, respectivamente. Essa consideração prévia ajuda a evitar instruções conflitivas
emitidas pelos responsáveis da criança e a evitar o “voltar atrás” no que foi dito, em função
de sua disposição ou indisposição naquele dia, nos argumentos dos filhos etc.
b) Os pais devem explicitar antecipadamente à criança as conseqüências do seguimento
e do não seguimento da instrução. Pais geralmente relatam dúvidas sobre a questão
da apresentação de conseqüências ao seguimento das regras. Alegam que o filho deve
ser capaz de fazer o que foi pedido independente de recompensas ou punições. Portanto,
é necessário orientar sobre a importância do estabelecimento dessas contingências
quando da instalação do comportamento. Espera-se que as conseqüências que
naturalm ente seguem a apresentação do comportamento (em oposição às
conseqüências arbitrárias estabelecidas pelos pais) o mantenham posteriormente.
Também é relevante que os pais ajudem a criança a identificar as conseqüências de
seu comportamento no ambiente em que ocorre.
c) Serem claros e breves no enunciado da instrução. Pais costumam fazer um iongo
discurso em que argumentam e relembram situações passadas em que o filho
comportou-se de forma indevida. Esses episódios devem ser evitados e as orientações
serem dadas em uma interação positiva, de ensino à criança e não de punição. Frases
claras e curtas aumentam a probabilidade de compreensão por parte da criança e,
conseqüentemente, a probabilidade de que siga o estabelecido.
d) Os pais devem ser tolerantes à frustração de seu filho. Se as regras estabelecidas
foram justas e se é importante que a criança desenvolva os comportamentos ensinados
através da instrução, o cumprimento deve ser requerido, mesmo que o filho alegue cansaço
ou algum outro argumento que os pais identifiquem que têm a função de esquiva de
obedecer. Quando os pais ficam sob o controle de determinadas variáveis estabelecidas
pela criança com a função de esquiva, tendem a não estabelecer os limites necessários,
propiciando um ambiente quase sempre reforçador e sem frustração, prejudicando assim
a adaptação de seu filho ao ambiente natural, composto de frustrações diárias e muitas
vezes sem os reforçadores que a criança está acostumada a receber em casa.

Sugestões de procedimentos para a instalação e a manutenção de


comportamentos relevantes no repertório de crianças em idade pré-
escolar e escolar
O quadro 1 apresenta procedimentos de educação parental para a instalação
e a manutenção de alguns comportamentos infantis considerados relevantes na cultura
brasileira. Estes procedimentos e os exemplos que os acompanham são apresentados
com o objetivo de serem utilizados, não pelos pais das crianças, mas por terapeutas
comportamentais na orientação de pais de crianças em programas preventivos.

Patricia Mari« Boriní Rodrigues e Maria Lulza Marinho


1 - COMPORTAMENTOS DE AUTOCONTROLE

1.1) Comportamento: Saber esperar e tolerar a frustração / Faixa etária da


criança: pré-escoiar

Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Instnjção, Atenção Diferencial


Uma situação bastante comum que exige da criança tolerar a frustração
é a interrupção de uma brincadeira. Imaginemos que uma criança de mais ou
menos 4 anos esteja brincando com um brinquedo novo e que a brincadeira deverá
ser interrompida porque efa precisa ir à escola. Primeiramente, alguns minutos
antes da interrupção, a mãe já pode começar a avisar (dar a instrução) à criança de
que "daqui a pouco" a brincadejra deverá ser interrompida para que possa se arrumar
para ir à escola. A mãe pode dizer por exemplo: “Filho, só dá para brincar mais um
pouquinho, porque daqui a pouco você terá de se arrumar para ir à escola". Embora
esta instrução já esteja preparando a criança para a interrupção da brincadeira, ela
provavelmente não irá gostar de interrompê-la e talvez ficará zangada. Portanto, no
momento em que a mãe for tirá-la da brincadeira, deve procurar colocar-se no lugar
da criança e expressar que entende o que ela está sentindo (empatia), dizendo por
exemplo: “Filho, eu estou vendo que esta brincadeira está bem legal e que você está
triste porque tem de parar; mas você precisa se arrumar para ir à escola, senão
chegará atrasado. Quando você voltar poderá brincar mais com seu carrinho novo!"
Ao dizer isso, a mãe pode ao mesmo tempo, fornecer expressões de afeto ao filho,
como um beijo ou um abraço caloroso, pois isso lhe ajuda a demonstrar que
compreende realmente o seu desejo, embora não possa atendê-lo. Caso a criança
comece a chorar, a mãe deve manter sua decisão: deve interromper a brincadeira e
arrumar a criança para ir à escola. Nesse momento é necessário que a mãe não dê
atenção para o choro do filho - deve ignorar esse comportamento (não falar nada à
criança, fingir que não está ouvindo seu choro, não demonstrar qualquer expressão
de desaprovação, etc). A mãe deve arrumar o filho mesmo que ele esteja chorando
e continuar a ignorar o choro até que a criança pare de chorar. Quando a criança
parar de chorar, aí sim a mãe deve voltar a dar-lhe atenção. A mãe pode valorizar
algum comportamento adequado que esteja acontecendo no momento. A mãe pode
acrescentar a tal valorização verbal, expressões de afeto, como beijo e abraço.

Princfpio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação


Os pais aproveitar situações diárias para ensinarem às suas crianças
o comportamento de saber esperar, bem como podem valer-se tam bém de
brincadeiras para isso. Quando é hora de jantar, os pais não se demoram em sair
da frente da televisão para sentarem-se à mesa. Podem mesmo comentar que o
programa está interessante, mas que devem desligar para jantar.

Sobre Comportamento e Cognição


1.2) Controlar a expressão de sentimentos negativos e positivos diante de
colegas e adultos / Faixa etária da criança: escolar

Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Treino em Discriminação


Dentne os sentimentos negativos, a raiva é uma emoção particularmente importante,
cuja expressão a criança precisa aprender a controlar. Primeiramente, é preciso ensinar a
criança a reconhecer seus sentimentos e identificá-los de forma adequada em determinados
momentos, para em seguida ensiná-la a demonstrá-los. Pode-se começar essa tarefa, dizendo
para a criança o que ela está sentindo, algo que a comunidade verbal já faz naturalmente. Por
exemplo: "Você está muito chateado porque não pode ter aquele brinquedo, não é?” ou "Já sei.
Você está oom murta raiva, porque seu amiguinho pegou seu brinquedo” ou “Sabe, eu percebi que
você ficou muito assustado quando aquele menino grande bateu em você, não foi?”. Estas são
formas de ajudara criança a identificar o que e porquê está sentindo algo.
Príncípio(s) do Aprendizagem envolvido: Reforço positivo
Em segundo lugar, os pais devem aceitar quaisquer tipos de sentimentos do
filho, dando atenção aos mesmos (reforço positivo), pois não há sentimentos bons ou maus,
certos ou errados - a criança tem o direito de sentir qualquer coisa, mesmo os sentimentos
considerados “desagradáveis" como medo, dor ou raiva. Portanto, os pais devem evitar rotuíar
sentimentos de feios ou ruins.
Principio(s) de Aprendizagem envolvido: Instrução
Finalmente, em terceiro lugar, após os filhos aprenderem a identificar seus
sentimentos, os pais devem ocupar-se de ensinar-lhes a expressá-los deforma adequada.
Neste caso, os pais podem explicar, através de instruções, que o filho pode expressara raiva
dizendo o que está sentindo, mas não agredindo aquele que lhe provocou tal sentimento. Por
exemplo: "Parece que você está com muita raiva do Tiago. Diga-lhe que está com raiva, porque
ele não deixou você entrar na brincadeira, mas não precisa chutá-lo como disse que está com
vontade de fazeri”. Os pais também podem dar uma alternativa quando a criança está com raiva
de algo, dizendo por exemplo: “Você não gosta do Tiago e não precisa brincar com ele. Só que
não deve mais machucá-lo. Ignore-o. Venha aqui, sente ao meu lado e brinque com seus lápis
de cor ou com seu caminhãozinho” (Balter e Shreve, 1995). Com relação aos sentimentos
positivos, acontece o mesmo. Os pais devem dar instruções e servir de modelo aos filhos,
mostrando que a alegria e euforia de ter recebido uma boa notícia por exemplo, não podem ser
manifestadas exageradamenteem certos lugares e situações, como durante uma missa, no
quarto de um bebê que está dormindo, em uma sala de aula enquanto a professora estiver
explicando a matéria. Mas, por outro lado, podem ser manifestadas em casa com os familiares,
em um parque com os amigos, entre outros lugares e situações.
Principio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação
Além de fornecer tais instruções, os pais devem principalmente e primeiramente
servir de modelos aos filhos. Se o pai resolve suas divergências com a mãe, gritando, não deve
se surpreender quando perceber seu filho fazendo o mesmo com a irmã, por exemplo. Portanto,
os pais devem apresentar-se como modelos, controlando suas expressões de sentimentos
negativos em certos lugares e situações, como durante uma missa, no quarto de um bebê que
acabou de adormecer, em uma sala de aula enquanto a professora estiver explicando a
matéria. Mas, por outro lado, podem ser manifestadas em casa com os familiares, em um
parque com os amigos, entre outros lugares e situações.

Patrícia Maria Borini Rodrigues e M arla Luba Marinho


2 -COMPORTAMENTOS DE ASSERÇÃO

2.1) Fazer amigos, iniciar conversas e brincarjunto/ Faixa etária da criança: pré-escolar
princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelagem
Estes são comportamentos que se desenvolvem melhor na escola. No entanto, os pais
podem facilitar o seu aprendizado, ao procurarem aproximar o filho de outras crianças (em um parque, na
vizinhança ou no prédio), incentivando-o a entrar em contato com as mesmas. Para isso, os pais podem ensinar
primeiramente comportamentos mais simples, como chegar perto de um coleguinha, falar “oi” e perguntar seu
nome. Quando a criança conseguir realizar tais comportamentos, os pais devem reforçar logo após sua
ocorrência, dizendo ao filho por exemplo: “Filho, achei legal você ter ido falar “oi" para o seu colega e perguntado
o nome dele, porque assim você fará bastante amigos”. Quando esses comportamentos já estiverem bem
estabelecidos no repertório da criança, os pais podem então ensinar outros mais complexos, como propor
brincadeiras aos colegas ou perguntar do que querem brincar, sempre valorizando tais comportamentos após sua
ocorrência. Quando a criança tem a oportunidade de estar com outras crianças, de preferência da mesma idade,
e tem o incentivo dos pais para isso, este aprendizado mais fácil, é importante também que os pais convidem
outras crianças, para brincarem em sua casa, a fim de que seu filho tenha a oportunidade de aprender a

2.2) Expressar sentimentos positivos ! Faixa etária da criança: pré-escolar


Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação
Os pais ensinam este comportamento aos filhos, principalmente por modelação, ou seja,
quando agem de forma carinhosa com os mesmos. Um exemplo de expressão de sentimentos positivos é a
expressão do amor, sentimento de grande importância nas relações pais e fil hos. Os pais pod em expressar esse
sentimento ao filho utilizando a comunicação verbal e em seguida solicitando a verbalização da criança. Podem
dizer por exemplo: “Lucas eu te amo e você?” ou “Eu gostei muito da roupa que você colocou para sair. E você,
o que achou da minha roupa9'. Após a criança expressar o seu sentimento em relação aos pais. estes podem
valorizar seu comportamento de expressão, através de carinho ffsico, ou seja, dando beijos e abraços no filho.
O comportamento dos pais de oferecer carinho aos filhos tem a furtção de comportamento modelo para os
mesmos - filhos que recebem carinho tem maior probabilidade de aprender a oferecê-lo às demais pessoas.

2.3) Criticar e expressar sentimentos de desagrado de forma adequada / Faixa


____________________ etária da criança: pré-escolar_____________________
Os pais podem ensinar os filhos a fazer criticas e expressar sentimentos de desagrado de forma adequada
quando se apresentam como modetos adequados. Quando a criança, por exemplo, emite algum comportamento que
desagrada os pais, estes precisam especificar qual o comportamento do filho não gostaram, dizendo o que sentiram frente
ao mesmo e sugerindo alternativas à criança para que se comporte de forma mais adequada. Um exemplo de como os
pais podem agir neste sentido pode ser demonstrado pela seguinte verbalização; “Filho, não precisa xingar - este
comportamento é feio. Diga apenas que você não gosta que peguem suas coisas e peça de volta, dizendo: Por favor,
devolva meu brinquedo?". Também é importante lembrar que quando os pais expressam sentimentos negativos, não o
devem fazer em relação à criança, mas sim ao oomportamento inadequado que emitiu. Por exemplo, em vez dos pais
dizerem: “Você é uma criança tenrtvef mesmoT, devem optar por. "Você bateu no seu amiguinho e eu achei o que você
fez muito feio. Você machucou o seu colega. Vá até ete e peça desculpas por ter feito isso!”. Na primeira verbalização,
os pais dizem que a criança é tetTfvel, o que para ela pode significar que é uma criança ruim em tudo que faz, prejudicando
sua auto-estima e auto-oonceito. A segunda fcrma de expressar sentimentos negativos, mostra à criança que não é ela,
mas sim o seu comportamento que desagradou os paia. Outro fator importante na úttíma verbalização é que, além de ter
expressado seu desabado, os pais ofereceram uma alternativa para a mudança de comportamento (instrução). Ainda é
Importante lembrar que, ao passo que a criança atende à solicitação de mudança de comportamento feita pelos pais, éde

Sobre Comportamento t CogmçJo


2.4 Dizer não / Faixa etária da criança: pré-escolar

Príncípio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação


Este é um comportamento que quando não ensinado prejudica muito o desenvofvimento
da criança, pois a sobrecarrega com responsabilidades e tarefas que não são suas. Para ensinarta!
comportamento, os pais precisamser modelos adequados do mesmo. Pais que costumam atender
aos pedidos de vizinhos, parentes ou amigos, mesmo quando não conseguem dar conta de cumpri-
los ou mesmo fazendo algo que não lhes é agradável, estão ensinando os filhos a agirem da mesma
forma. Primeiramente, os pais precisam dizer não para que os filhos aprendam a dizê-lo.
Príncipio(s) de Aprendizagem envolvido: Instrução
Os pais também podem darinstnjções aos filhos, explicando-lhes a diferença entre
ser generoso e tomar-se submisso aos desejos do outro. Podem darexemptos de quando ofilho pode
atender ao pedido de alguém e quando não precisa atendê-io, dizendo por exemplo: "Filho, se alguém
lhe pede um lápis emprestado, sendo que você tem outros para escrever na sala de aula e não se
importa em emprestá-lo, empreste. No entanto, quando um a pessoa lhe pede parafazer algoque você
não gosta ou não quer fazer, como emprestar uma roupa nova, que nem sequer usou ainda, aí sím é
o momento de dizer não. No entantodeve dizer deforma a não magoar a pessoa, como: Eu sinto muito,
mas eu nem usei esta roupa ainda. Por isso, não quero emprestá-la.”
2.5) Dizer a verdade quando fez algo errado / Faixa etária da criança: pré-escolar e
_____________________________ escolar_____________________________
Principio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação
Para ensinar este comportamento, mais uma vez, a principal atitude dos pais deve
ser a de mostrarem-se como exemplos de honestidade e levarem a criança a perceber suas
atitudes honestas. Por exemplo, se o caixa do supermercado fòmece troco a mais aos pais, estes
podem dizer ao filho: “Olhe filho, o caixa me deu troco a mais. Esse dinheiro não me pertence, mas
sim a ele. Ele se sentiria muito mal se eu ficasse com algo que lhe pertence. E seria errado da minha
parte ficar com aigo que não é meu, certo? Por isso vou devolvê-lo". Para crianças maiores (em
idade escolar por exemplo), os pais podem fazer também com que o filho se recorde de algumas
de suas próprias experiências: “Lembra-se de quando seu irmão pegou seu lápis de cor e os
levou para o quarto dele, e não sabíamos onde estavam? Lembra-se de como você se sentiu?";
“Lembra-se de quando deixamos seu baldinho e suas pazinhas na praia e de que, quando
voltamos para procurá-los alguém já os tinha levado?” Quando os pais enfatizam a empatia - a
preocupação sobre como alguém se sente em conseqüência das ações de outros - e sendo eles
mesmos um modelo de honestidade, ajudarão mais a criança a desenvolver sua consciência e seu
sistema de ética do que a punindo por ter-lhes contado uma mentira (Balter e Shreve, 1995). É
claro que as mentiras não podem passar despercebidas, mas devem-se evitar punições severas.
Também é importante que os pais não percam a oportunidade de valorizar o comportamento de
dizer a verdade quando ele ocorrer. Além de comportarem-se como modelos de honestidade, é
importante que os pais também retirem a ameaça de punição quando solicitarem que os filhos lhe
digam a verdade. Um exemplo pode ser uma situação em que os pais perguntam ao filho se foi ele
quem quebrou um determinado objeto da casa. Podem fazer essa pergunta da seguinte forma:
“Filho, você quebrou aquele objeto? Fique tranqüilo, que você não vai apanhar nemficar de castigo
se me contar a verdade”. Neste caso, se o fiiho disser a verdade, é importante que os pais
expressem o que sentiram diante da quebra de um objeto da casa, mas ao mesmo tempo valorizem
o comportamento do filho de falara verdade. Podem dizer por exemplo: “Olha filho, eu gostava
muito desse objeto. Da próxima vez não pegue algo sem me pedir antes. Mas gostei do seu
comportamento de falar a verdade, de dizer que foi você que quebrout”.

Patrícia M aria Borini Rodrijuea « Maria l u i i í Marinho


2.6) Expressar opiniões/ Faixa etária da criança: escolar

Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelagem


Os pais facilitam o desenvolvim ento deste tipo de com portam ento quando
proporcionam um ambiente livre de punições (criticas) àquilo que os filhos falam. É preciso valorizar
aquilo que a criança diz; suas idéias devem ser valorizadas nas decisões fam iliares, para que ela
perceba que o que diz é im portante e considerado pèlos d em a is. O s pais podem m odelar este
comportamento no filho (já em idade pré-escolar), começando a pedir sua opinião sobre assuntos mais
simples, triviais, com o por exemplo: “Como você acha que ficou m eu cabelo depois que cortei?''; “O
que você achou do seu primeiro dia de aula?’ . Quando então a criança expressar sua opinião sobre tais
assuntos, os pais devem ouvir pacientemente sua Opinião e valorizar seu filho por ter se posicionado,
mesmo que suas respostas tenham sido curtas, como “bonito" ou “legal". Uma forma dos pais valorizarem
este comportamento é dizerem por exemplo: “Filho, gosto quando você me dá sua opinião, pois gosto
de saber o que você pensa das coisas!’ . Quando então o com portam ento da criança de expressar
opinião sobre assuntos mais simples já estiver estabelecido, e conforme a criança vai se desenvolvendo,
os pais podem pedir sua opinião sobre assuntos mais com plexos, exigindo inclusive respostas m ais
elaboradas. Podem por exem plo p e rg u n ta r a o pin ião do filh o so bre um noticiá rio da TV, so bre
determinado assunto que está sendo discutido na família, sobre a atitude de um amigo da família em
determinada situação, entre outras coisas. Devem tam bém saber ouvir pacientemente sua opinião e
valorizar seu filho por ter se posicionado. Agindo desta fo rm a , os pais estão prop o rcion a nd o um
ambiente em que a criança tem oportunidade de treinar e desenvolver o comportamento de expressar
suas opiniões. Começando a desenvolver este comportamento em casa, ele acaba se generalizando
para outros ambientes, como a escola e o grupo da amigos e, desta forma, a criança passa a ser um
agente nos grupos òos quais faz parte e não uma pessoa passiva que apenas ouve, mas não consegue
expor o que pensa,

3 - COMPORTAMENTOS DE CIVILIDADE
Dizer "por favor", agradecer, cumprimentar, pedir desculpas quando fez algo errado /
_________________ Faixa etária da criança: pré-escolar ou escolar__________________
Princíplo{s) de Aprendizagem envolvido: Instrução e Modelação
Todos estes comportamentos são praticamente ensinados da mesma forma: os pais devem
explicar aos filhos a importa ncia de cada um e em quais situações sociais devem ser emitidos (instrução), servir
de modelo para os filhos (dizendo “por fa v o r quando faz um pedido ao filho, dizendo 'obrigado“ ao filho quando
este She fez um favor, etc) e expor os mesmos nas situações que requerem tais atitudes, incentivando-os a
emitirem tais comportamentos e valorizando-os logo após sua ocorrência. Podem dizer por exemplo: "Filho, você
se comportou de forma muito educada hoje quando pediu desculpas ao seu colega. Gostei muito do seu
comportamento!" ou os pais podem comentar entre si na presença da criança: “Você viu João (marido), hoje o
Tiago (filho) se comportou de forma multo educada, pois cumprimentou todos os que vieram à nossa casa. Nós
ficamos muito felizes quando se comporta assim, náo é?!"
Prlncíplo{s) de Aprendizagem envolvido; Modelação
Vale comentar em relação ao comportamento de pedir desculpas que, segundo Silva (2000)
muitos pais têm receio de admitir os próprios erros aos filhos, pois temem que estes deixem de respeitá-los e percam
as noções de limites. Estes pais agem de acordo com certas regras culturalmente aceitas de que ei es, enquanto
autoridades, devem manter certo distanciamento dos filhos, para que esteâ não sejam ‘estragados’ e de que os pais
nunca devem demonstrar seus erros ou “fraquezas’ diante dos filhos. Ao contrário do que muitos pais pensam,
admitir os próprios erros diante dos filhos não prejudica a educação, mas os ensina por modelação a admitir os
próprios erros e pedirem desculpas quando necessário, tanto aos próprios pais como a outras pessoas.

Sobre Comportamento e Cognição


4 - COMPORTAMENTOS DE DISPONIBILIDADE SOCIAL
E DE COOPERAÇÃO
4.1) Oferecer ajuda / Faixa etária da criança: pré-escoiar ou escolar

Príncípio(s) de Aprendizagem envolvido: Instrução, Modelagem e Modelaçao


Principalmente nos anos pré-escofares, observa-se que as crianças gostam de assumir os
papéis dos pais e ajudá-las em suas atividades. Portanto, este período é uma ótima oportunidade para que os pais
incentivem e valorizam comportamentos de oferecer ajuda. Os país podem modelar este comportamento nos
filhos, começando a ensinar comportamentos mais simples e, â medida que a criança for crescendo e adquirindo
certas habilidades, ensinar comportamentos mais complexos. Um exemplo de um continuo de comportamentos
que pode ser ensinado conforme o desenvolvimento da criança pode ser o seguinte: guardar os brinquedos,
guardar o sapato, dobrar as roupas, timpar a mesa, varrer o chão, lavar os pratos, depois os copos e, conforme
vai sendo aprendidos estes, lavar as panelas. Para ensinar estes comportamentos, assim como qualquer
comportamento, os pais devem dar a instrução de como querem que a atividade seja realizada, dar modelo de
como realizar a atividade (realizando primeiramente para que a criança possa ver como se faz) e valorizar cada
etapa da atividade feita com sucesso peia criança. Naturalmente, é muito mais fácil e rápido fazer este ou aquele I
servço sozinho, mas os pais devem resistirá tentação e deixar que os filhos os ajudem. Quando os pais aceitam
essa ajuda, estão dando oportunidade à criança de praticar suas habilidades, desenvolver sua independência
(Baiter e Shreve, 1995) e ao mesmo tempo ensinando-lhe que o comportamento de oferecer ajuda è valorizado
pelas pessoas. No entanto, é importante ressaltar que os pais não podem se esquecer de valorizar a atividade
realizada pela criança, mesmo que sob sua supervisão e controte. Podem dizer aos filhos; “Você foi muita
prestativa hoje. pois se ofereceu para me ajudar no serviço da casa várias vezes. Gostei muito desse seu
comportamento, filha!* ou então "Parabéns! Você lavou a louça direitinho e por Isso me ajudou muito hoje!
Obrigado”.
Prlncípio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação e Contrato de contingências
Para aquelas crianças que não se oferecem espontaneamente para ajudar, é preciso que os
pais incentivem tal comportamento. Podem solicitar ajuda e realizara atividade junto com a criança. Agindo desta
forma, além de estarem servindo de modelo de comportamento adequado, os pais estão tornando a atividade
prazerosa para a criança, pois estão realizando-a junto com ela. É importante que logo após a criança realizar
a atividade, os pais valorizem muito sua atitude e ressaltem que ela sabe ajudar as pessoas, ou também podem,
com moderação, para que sua atitude não funcione como suborno, oferecer recompensas (não-materials) pelo
serviço realizado, como: ir dormir mais tarde, brincar com o filho de um jogo que ele goste, fazer um passeio a

4.2) Atender a pedidos e perguntas e saber ouvir I Faixa etária da criança: pré-
__ escolar e escolar____________________________
Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação
Para ensinar este tipo de comportamento, primeiramente os pais devem servir como
modelos adequados de atenção. Devem procurar estar atentos àquilo que os filhos falam, às estórias que
contam sobre seu dia na escoia e seus amigos, às perguntas que fazem, tanto de curiosidades como de
dúvidas, aos pedidos, mesmos que esses não possam ser atendidos. Pais que sabem escutar os filhos e
atender às suas perguntas e pedidos, estão servindo como modelo adequado de tais comportamentos. Outra
forma bastante válida para ensinar os filhos a escutarem e que muitos pais deixam de fazer, é eles próprios
contarem aos filhos sobre o seu dia, as coisas boas e desagradáveis que aconteceram, as atividades que
realizaram. Além de estarem proporcionando uma experiência que possibilita o treino do comportamento de
saber ouvir, os pais estão fornecendo modelo aos filhos de contar o que se passa com eles, favorecendo que

Patricia Maria Borinl Kodriguea t M»ria Luu i Marinho


4.3) Fazer pedidos e perguntas / Faixa etária da criança: pré-escolar e escolar

Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: instrução


Os com portamentos de fazer pedidos e perguntas dependem , com o todos os
comportamentos, das conseqüências que recebem. Mu/tas vezes os filhns hesitam em fazer pedidos e
perguntas aos pais, porque são severamente punidos quando o fazem. Por exemplo: ao pedir: “Pai, compre
um soverte para mim7”, o pai madvertidfamente pune, respondendo severamente: “Até parece que você é
burro! Agora é o horário do almoço menino!''. Às vezes os pais punem as falas da criança utilizando-se de
gozações, dando risada da pergunta feita. Também em geral punem, por exemplo, perguntas relacionadas à
sexualidade, o que pode contribuir para que a criança sinta vergonha e não pergunte mais sobre o assunto.
Portanto, quando os filhos fizerem pedidos e perguntas, os pais devem mostrar-se dispostos a responderem,
sem puni-los, criando assim um ambiente no qual o filho sinta-se livre para perguntar e pedir o que deseja,
embora seu pedido possa não ser aceito. Além disso, quando os filhos ingressam na escola, os pais podem
instrui-los sobre como realizar pedidos e perguntas ao professor. Para ensinar crianças em idade pré-escolar
a fazerem pedidos, os pais devem fornecer-lhes instruções curtas e diretas, como por exemplo: “Filha,
quando você quiser fazer xixi, chega para a tia e fala assim: 'Tia, quero fazer xixi. Posso ir ao banheiro?"
Quando forem ensinar crianças dessa faixa etária a fazerem perguntas, os pais devem agir da mesma forma:
‘ Chega para a tia e fala assim: Tia, amanhã é dia de trazer lápis de cor?". Para crianças em Idade escolar, as
instruções dos pais não precisam ser tâo específicas. No entanto, mesmo nessa faixa etária, os pais devem
incentivar os filhos a perguntarem suas dúvidas ao professor. Podem dar aos filhos a alternativa de
realizarem suas perguntas para o professor no fina! da aula, individualmente, caso sintam vergonha de fazê-
las na frente dos colegas durante a aula. Os pais também devem instruir os filhos em Idade escolar, no que
se refere aos pedidos feitos na escola, de que, ao pedirem algo para o professor, este pode dizer "sim’ ou
“não’ , preparando-os dessa forma para uma possível frustração. É importante lembrar que, na escola este
tipo de comportamento irá se manter dependendo não só da instrução dos pais, mas das conseqüências que
seguem tal comportamento no próprio ambiente escolar.
Princfpio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação
Os pais também podem servir de modelo para os filhos neste tipo de comportamento. Por
exemplo: a mãe está em um restaurante com a criança e esta quer ir ao banheiro. A mãe pode perguntar ao
garçom onde é o bartheiro ou então solicitar que a própria criança faça a pergunta (modelagem). Outra situação
que pode ocorrer no mesmo local se dá quando os pais pedem por exemplo um prato de carne bem passada
e a carne vem mal passada. Nesse caso, se os pais pedem ao garçom para trocar o prato de maneira
assertiva, estão servindo de modelo adequado do comportamento de fazer pedidos.

5 - COMPORTAMENTOS EMPÁTICOS
Expressar apoio e compreensão / Faixa etária da criança: escolar

Prlncipio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação


Os pais ensinam este comportamento aos filhos quando se apresentam como modelos de
empatia com os mesmos. Para isso os pais devem validar os sentimentos òe seus filhos, mostrando-lhes
que compreendem o quanto estão com raiva, medo, tristeza e inclusive alegres e felizes. Quando os pais
reconhecem tais sentimentos sem julgar ou criticar a criança por senti-los, estão contribuindo para o
desenvolvimento da empatia e da capacidade de compreensão e expressão de apoio por parte dos filhos.
Alguns exemplos de comportamentos empájicos por parte dos pais em relação aos filhos são: “Posso
Imaginar a raiva que está sentindo pelo fato daquele menino ter lhe xingado!” ou “Você deve estar mesmo
multo chateada pelo fato do seu ursinho de pelúcia ter sumido, não é mesmo?'.

Sobre Com|K>rtâmenlO t CogniçSo


Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Instrução
Além de servirem como modelos, os pais também podem Incentivar a criança a consolar um amigo
que está chorando quando estiver por perto, dando instruções como por exemplo: “Filho, diga ao seu coleguinha
que você sabe que o machucado de/e está doendo e pergunte se ele quer um ban-dald para colocar na perna".
Caso a criança aja neste sentido, os pais devem valorizar tal atitude por parte da mesma.

6 -COMPORTAMENTOS ACADÊMICOS HABILIDOSOS

6.1) Estudar e fazer as tarefas escolares / Faixa etária da criança: escolar

Princípfo(s) de Aprendizagem envolvido: Instrução


Os pais devem ficar atentos ás tarefas escoiares do filho, de modo a demonstrar interesse
em ajudá-lo a organizar o seu trabalho, tirar suas dúvidas e estabelecer bons hábitos de estudos, mas não
devem realizar as tarefas por eles (Balter e Shreve, 1995). Para ajudar o filho a realizar as tarefas de casa
e tomá-la uma experiência agradável, os pais devem demonstrar interesse pelo que o filho está aprendendo.
Os pais podem ter atitudes como: a) ver a lição com antecedência e Instruir o filho sobre o que deverá ser
feito; b) ajudá-lo a elaborar um roteiro diário de estudos - neste caso, os pais devem tomar cuidado para que
a hora estipulada para a tarefa escolar não seja multo próxima à sua volta da escola, e também não o tire de
uma brincadeira para fazê-la. É Importante que os pais estabeleçam rotinas para que a criança consiga
estudar todos os dias aproximadamente à mesma hora e no mesmo lugar (Balter e Shreve. 1995).

Principio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelagem


Caso a criança se oponha a estudar, os pais devern modelar tal comportamento, começando
a ensinar comportamentos simples como sentar e fazer as tarefas na presença dos p3is até chegarem a
comportamentos mais complexos, como ler um livro e estudar no mínimo meia hora ou 40 minutos por dia.
Os pais também podem conferir as lições. No entanto, não devem ser críticos demais. Devem procurar
elogiar a tarefa sempre que possível. Os pais podem estimular o filho a explicar algumas das coisas novas
que está aprendendo. Dessa forma, ele poderá dominar melhor a matéria (Balter e Shreve, 1995).

6.2) Trabalhar em grupo f Faixa etária da criança: escolar

Princípio(s) de Aprendizagem envolvido: Modelação e Instrução


Os pais devem oferecer oportunidades ao filho de conviver com outras crianças e, se
possível, aproveitar estas ocasiões para ensiná-lo a trabalhar em grupo. Podem por exemplo, convidar seu
filho e as demais crianças a participarem de alguma atividade em que participem junto (aproveitando a
oportunidade para servirem de modelo) e na qual todos tenham de se revezar e tomar parte. À medida que a
atividade evoluir, os pais podem sugerir formas (instruções) através das quais os materiais disponíveis
possam ser compartilhados, ou métodos justos para os revezamentos (Balter e Shreve, 1995). Alguns jogos
educativos, competitivos ou somente de diversão sSo ótimas oportunidades para a criança desenvolver o
comportamento de trabalhar em grupo.

Considerações finais
A família é considerada um núcleo importante para a inserção social da criança e
tem um papel único e singular no comportamento desta. A criança não nasce com um sistema
de valores e normas latente que precisa apenas ser desenvolvido, mas com uma capacidade

Patrícia Maria Boríni Rodrigues e Maria Luira Marinho


incrível de aprender. Muitos comportamentos, palavras, gestos dos pais são observados e
aprendidos pelos filhos que, mais do que observadores, constituem parte integrante e ativa
do ambiente em que estão inseridos. A criança, portanto, ao mesmo tempo em que é modificada
pelo ambiente, também o modifica. Diante de tal condição, é relevante que os pais reflitam
sobre as estratégias de educação que utilizam com seüs filhos.
A firmeza e a consistência na educação são aspectos importantes que devem ser
considerados pelos pais que pretendem educar de maneira adequada. Mas, somado a
isso, os pais precisam aprender a educar com demonstrações de afeto é compreensão.
Colocar-se no lugar da criança, compreender os sentimentos da mesma e lhe dértionstrar
tal compreensão são comportamentos que integram o rol de ações parentais associados
à criação adequada dos filhos, no que tange aos resultados que produzem. Considera-se
como educação satisfatória aquela que vai além da geração de filhos "bem educados”,
mas que tem como resultado crianças confiantes, que gostam de si mesmas, que
apresentam variabilidade com porta mental, capazes de cumprir com seus deveres de
cidadãos e expressar seus próprios direitos, ao mesmo tempo que respeitam os alheios.
Diante do impacto que os resultados da educação infantil têm não só para o próprio
indivíduo e sua família ao logo de muitos anos, mas também para a sociedade em geral
que tem de lidar ou com indivíduos que colaboram ao avanço do grupo ou com aqueles que
dificultam seu funcionamento, considera-se relevante a realização de estudos sobre
programas de orientação para pais que visem a prevenção de problemas de comportamento
em crianças e adolescentes e não apenas a intervenção sobre os mesmos.
Em outra publicação (Marinho, 2003), comentamos as sugestões apresentadas por
Patterson, Reid e Eddy (2002) para a prevenção de comportamento anti-social. Os autores
indicam práticas preventivas para serem adotadas antes mesmo da concepção da criança.
Argumentam, por exemplo, sobre o impacto da exposição dos pais biológicos a substâncias
tóxicas para a geração de crianças com temperamento difícil. Qualquer substância que possa
causar dano ao espermatozóide ou ao óvulo a ser fecundado poderia resultar em crianças
mais irritáveis, desatentas, impulsivas ou hiperativas, dificultando o estabelecimento de
adequada disciplina por parte dos pais. Assim, todas as estratégias que possam levar futuros
pais a evitar o uso de substâncias tóxicas ou a exposição a ambientes tóxicos poderiam
funcionar como prevenção de comportamento anti-social infantil, à medida que diminui o
risco de geração de crianças difíceis. Da mesma forma, os autores comentam que após a
concepção, o uso de substâncias pela mãe como álcool e tabaco durante o período crítico de
desenvolvimento neural da criança pode gerar crianças com temperamento difícil e aumentar
o risco do aparecimento de problemas na interação inicial pais-criança.
Outra área para prevenção sugerida diz respeito a auxiliar mães a resolver
problemas de interação com seu parceiro ou com outras pessoas de seu contato social,
buscando dim inuir níveis de irrita b ilid a d e e depressão, que tam bém estão
correlacionados a falhas nas práticas parentais de educação infantil e desenvolvimento
de padrões coercitivos de interação familiar.
Olds, Henderson, Cole e colaboradores (1998) têm realizado estudos que
demonstram que intervenções realizadas por enfermeiras em serviços de saúde pública
junto a mães do terceiro trimestre de gravidez até o segundo ano de vida da criança têm
prevenido contra os efeitos dos antecedentes iniciais dos problemas de conduta infantis
e posterior delinqüência.
Obviamente, a estratégia para tratamento infarttil mais extensamente avaliada
nas últimas décadas tem sido o treino de pais {Silvares e Marinho, 1998), buscando
produzir mudanças em seus comportamentos e em suas práticas de manejo familiar. A

Sobre Comportamento e Cognição


primeira revisão crítica dos estudos na área, realizada por O’Dell em 1974, conduíu que
este enfoque era a intervenção ao comportamento infantil que mais êxito havia apresentado.
Publicações posteriores (Marinho e Silvares, 2000; Serketich e Dumas, 1996; Eisenstadt,
Eyberg, McNeil, Funderburk e Newcomb, 1993; Webster-Stratton, 1991,1994,1996,1997,
entre outros) demonstraram a eficácia da intervenção junto a país de crianças que
apresentavam comportamentos anti-sociais, agressividade e desobediência. O foco, em
geral, está em se treinar pais a serem mais contingentes, a desenvolver em suas crianças
habilidades de trabalho e habilidades acadêmicas e em monitorar cuidadosamente as
suas crianças de forma a restringir a quantidade de tempo que estas permanecem em
atividades com não supervisada com os pares (Marinho, 2002; 2000; 1999).
Diante dos resultados com trabalhos com país, sugere-se que estudos sejam
realizados para avaliar a aplicação de orientações para pais de forma a prevenir
problemas de comportamento em crianças e adolescentes.

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Sobre Comportamento t Cognição


Capítulo 8
Estudos recentes sobre um modelo
animal de depressão:
implicações para a clinica
A n a Priscila B atista 1
Emíleane C osta A ssis Oliveira*
M ariana Januário Sam elo 3
Departam ento d e Psicologia Experimental- USP-SP

Alguns aspectos de algumas psicopatologias humanas, dentre outras formas,


são investigados por meio de modelos animais, em laboratório. Esses modelos são
procedimentos que buscam m imetizar uma psicopatologia e, para que sejam
comparados, a psicopatologia e o modelo devem apresentar semelhanças quanto a
alguns aspectos, tais como: etiologia, bases bioquímicas, sintomatologia e tratamento
(Willner, 1991). O desamparo aprendido foi sugerido como passível de compor um
modelo experimental de depressão humana (Seligman, 1975/1977), pois se assemelha
a essa psicopatologia quanto aos aspectos apontados anteriormente.
Segundo Hunziker (2005), o procedimento de estudo do desamparo aprendido
mimetiza histórias de vida que envolve muita aversividade e que acabam reduzindo,
como conseqüência, a atuação do sujeito sobre seu meio (passividade), ou seja, o
estudo do desamparo aprendido destaca-se pela análise da história passada como
evento crítico na determinação do comportamento emitido no presente.
Um procedimento típico do desamparo aprendido com animais envolve três
grupos de animais que são colocados em caixas experimentais idênticas, onde ficam
durante uma sessão. Dois deles recebem choques de uma mesma fonte e um terceiro
não recebe choques (nenhum choque - N). Dos dois animais tratados com choque,
apenas um deles pode emitir uma resposta que o desliga (choque controlável - C),
controlando a duração dos choques para si e para seu parceiro, cujas respostas não
alteram a duração dos choques, caracterizando-os como incontroláveis (choque
incontroláve! - I). Essa tríade permite a análise tanto dos efeitos dos choques em si,
como dos efeitos da possibilidade (ou não) de controle sobre os mesmos. Após 24
horas dessa sessão, os animais são expostos à contingência de fuga. O resultado

' Mestre em Psicologia Experimental pda USP-SP e professora da UNICENTRO, Irati.PR


21 Westrandas em Páootagia Experimental pela USP-SP.

104 Ana PritcíU Balista, Emíltanc Costa A$sí* Ollvenra e MofianaJanu&fio Samdo
padrão é uma maior latência da resposta de fuga/esquiva apresentada pelos animais
previamente submetidos aos choques incontroláveis, o qúe indica dificuldade ou não
aprendizagem dessa resposta, caracterizando o desamparo, sendo que tanto os animais
previamente expostos aos choques controláveis quanto os não submetidos aos choques,
aprendem igualmente a resposta que está sob reforçamento negativo.
No Laboratório de Análise Biocomportamental, do Instituto de Psicologia da
Universidade dfe São Paulo (IP/USP), o desamparo aprendido vem sendo analisado em
relação a diferentes variáveis ambientais que podem potenciar, evitar ou reverter esse
efeito, além do estudo da eficácia de drogas antidepressivas. Dessa forma, serão
apresentados, a seguir, três estudos recentes desenvolvidos nesse laboratório. Um
estudo verificou o efeito de uma substância homeopática, com indicação para alguns
sintomas observados na depressão em humanos, sobre o desamparo aprendido em
animais. Um segundo estudo, também com animais, discute a generalidade do
desamparo entre contextos aversivos e apetitivos e a eficácia de um tratamento não
farmacológico (com reforçamento positivo) em reverter o desamparo já estabelecido.
Por fim, um terceiro trabalho buscou analisar o efeito de uma história de incontrolabilidade
sobre a aprendizagem de uma nova resposta operante, em sujeitos humanos. Será
feita uma comparação desse estudo com humanos e trabalhos anteriores com animais,
visando identificar processos comuns a eles, atém de apontar d ificu ld a d e s r a
generalização desses estudos entre espécies. Os resultados são discutidos frente à
sua contribuição para o conhecimento desse efeito, bem como em relação às possíveis
implicações para estudos clínicos que envolvam a depressão humana, mostrando a
vantagem da ligação laboratório/clínica no avanço da análise do comportamento.

Efeito de um tratamento alternativo para a depressão sobre um


modelo animal: relação com a clínica.
Tratamentos alternativos para a depressão são realizados, dentre outras formas,
pela homeopatia (Davidson & cols., 1997). Esse modo de tratamento é utilizado na clínica
médica mesmo sem uma completa comprovação científica da sua eficácia. Uma das
formas de verificar a eficácia desse tipo de substância se dá pela observação de seus
efeitos em modelos animais de psicopatologias humanas, que sejam bem validados.
A validação do desamparo aprendido como modelo animal de depressão permite
seu uso para o teste de substâncias potencialmente antidepressivas, sendo que já se
mostrou eficiente e sensível ao tratamento com substâncias alopáticas que são utilizadas
na clínica para o tratamento da depressão. Por exemplo, drogas com comprovado efeito
antidepresslvo em humanos, como, por exemplo, a imipramina, quando administradas
após choques incontroláveis, impedem o aparecimento do desamparo em animais (Gouveia
Jr, 2001; Sherman, Sacquitine & Petty, 1982; Hunziker, Buonomano & Moura, 1986).
Assim, os estudos com medicamentos afopáticos fortalecem a suposição de que o
desamparo aprendido é eficiente e sensível ao tratamento com substâncias que são utilizadas
na dínica para a depressão. A questão que se levanta é: “será que o mesmo tipo de resultado
poderia ser obtido com substâncias antidepressivas preparadas de acordo com a
homeopatia?”. Üe acordo com livros de homeopatia, referentes à Matéria Médica (Hering,
1989; Allen, 2000; Clarke, 1998), a substancia Hypericum perfòmtum_(Hp), tem indicação para
alguns sintomas observados em pessoas òom depressão, tais como grande ansiedade,
melancolia, tristeza, etc., o que justifica o’ seu teste em modelos animais de depressão.
Com base no exposto anteriormente, o estudo buscou verificar se o Hp, em
preparação homeopática, impediria o desamparo aprendido em animais. Para isso, foi

Sobre Comportamento* Cognição


realizado o procedimento de tríades do desamparo aprendido, descrito anteriormente, e
entre as sessões de tratamento e teste uma tríade recebeu Hp na dinamização 30CH, outra
na dinamização 200CH e outra recebeu o veículo (solução hidroalcóolica a 5%). A quarta
tríade não recebeu o Hp, ou seja, não foi manipulada para a administração da substância.
Os resultados do teste mostraram que, dentre os grupos não expostos ao tratamento com
substâncias, apenas o Grupo I não aprendeu a resposta de fuga, o que indica desamparo
aprendido. Dentre os animais tratados com veículo e Hp homeopático, os grupos N e C não
sofreram efeito da droga, enquanto todos grupos í tiveram redução das latências, sendo
que o efeito mais significativo foi observado com 200 CH, que apresentou padrão de fuga,
ou seja, ausência de desamparo. Portanto, pode-se concluir que foram observados
resultados positivos em relação ao efeito do Hp preparado de acordo com a homeopatia, na
dinamização mais alta (200CH), sobre o desamparo aprendido.
Chama atenção o fato de que até o veículo (solução hidroalcóolica a 5%, supostamente
inerte), produziu uma pequena redução das Jatêndas gerais no Grupo I, embora não suficiente
para abolir o padrão de desamparo. Nesse sentido, a solução hidroalcóolica não teve efeito
comparável ao Hp 200CH, mas teve um efeito limítrofe, sugerindo não ser essa substância
tão inócua como seria de se esperar de um veículo. Assim, deve-se atentar para os possíveis
efeitos que essa substância possa ter sobre o organismo do ser humano, já que esse é o
veículo utilizado no processo de preparação do Hp.
Como a diferença de desempenho entre os grupos só ocorreu entre aqueles que
passaram por choque incontrolável na fase choque, pode-se afirmar que a história pode ser
sido uma variável que influenciou o efeito das substâncias sobre o comportamento dos
animais na fase de teste. Segundo Blackman e Pellon (1993), a história comportamental do
sujeito é uma variável que tem sido estudada em farmacologia comportamental, pois os
efeitos da droga sobre o comportamento podem ser modulados pela história comportamental
do sujeito. Assim, esses resultados demonstram a importância de que, para se afirmar o
efeito do Hp no organismo humano, deve-se atentar às diferentes histórias de vida que
podem interagir com a substância, modelando seu efeito.
A partir disso, pode-se concluir que a busca pela identificação de variáveis
ambientais (da história e atuais), associadas às substâncias administradas, deve continuar
em trabalhos subseqüentes que busquem uma melhor compreensão dos fenômenos.
Segundo Blackman (1987), o estudo científico dos efeitos de drogas em animais não é
realizado como um fim em si mesmo, e um objetivo maior é extrapolar os achados
experimentais com animais para humanos, com a devida cautela, particularmente quando
eles podem parecer relevantes para possíveis inovações terapêuticas. Assim, mais estudos
com o Hp homeopático são importantes para confirmar o efeito observado no presente
estudo, e dessa forma ampliar a possibilidade de generalização de tais resultados, uma
vez que o Hp é recomendado e utilizado para o tratamento da depressão.

A generalidade e o tratamento do desamparo: relações com a clínica


A proposição do desamparo aprendido como um modelo animal de depressão
foi feita por Seligman, em 1975, quando ainda havia relativamente poucos estudos
experimentais com animais (os primeiros trabalhos sobre desamparo com animais
datam de 1967) e no mesmo ano em que foi publicado o primeiro estudo com humanos
(Hiroto & Seligman, 1975). A proposta de Seligman, como dito anteriormente, foi de que
o desamparo poderia ser um modelo de depressão devido à similaridade de alguns
aspectos encontrados entre sujeitos desamparados e o quadro depressivo descrito na
literatura clínica. No entanto, apesar da pouca experimentação em laboratório, com
animais ou principalmente humanos, a hipótese do desamparo foi apresentada com

106 A nà Priscila Batuta, Emítame Costa Assis Oliveira e Maríarta jartuário Sameio
uma suposta generalidade entre espécies e contextos. Por exemplo, embora a quaso
totalidade dos trabalhos sobre o desamparo com animais tenha utilizado estímulos
aversivos (choques elétricos) tanto no tratamento com incontrolabilidade como no teste
de aprendizagem da nova resposta operante, Maier & Seligman (1976), sugeriram que
o desamparo tratava-se de um fenômeno que se generalizaria para todas as condições
de estímulo, aversivo ou não. A partir disso nos,questionamos: será que existe
embasamento experimental para que tal generalidade seja afirmada?
Trabalhos foram realizados buscando responder essa questão, e seus resultados
têm se mostrado contraditórios: dificuldade de aprendizagem com reforçamento positivo
após tratamento com estímulos aversivos incontroláveis (Calef, Choban, Shaver, Dye &
Geller, 1986; Caspy & Lubow, 1981; Rosellini, 1978; Rosellini & DeCola, 1981; Rosellini,
DeCola & Shapino, 1982) ou ausência de desamparo em teste com estímulos apetitivos,
após exposição à incontrolabilidade dos choques (Capelari, 2002; Capelari & Hunziker,
2005; Mauk & Pavur, 1979; Rapaport & Maier, 1978). Aliado a isso, os estudos diferem
bastante quanto aos procedimentos empregados na fase de teste com reforçamento positivo.
Dentre os estudos que mostraram que eventos aversivos incontroláveis interfem na
aprendizagem com reforço positivo e aqueles que não obtiveram essa interferência, somente
o de Capelari (2002) e o de Rosellini, De Cola & Shapiro (1982), por exemplo, utilizaram
procedimentos que envolviam controle de estímulos. Esse conjunto de dados enfrequece,
portanto, a suposição de que a incontrolabilidade dos estímulos aversivos gera o desamparo
aprendido, independentemente do contexto onde o teste é realizado. O que se pode afirmar
é que o desamparo aprendido é um efeito comportamental bem e stabelecido
experimentalmente dentro de contextos aversivos, com choques elétricos, mas ainda não
se sabe a extensão da sua generalidade para contextos com outros estímulos.
Outra questão intrigante que permeia os estudos sobre o desamparo se refere a
possibilidade de sua reversão utilizando procedimentos não farmacológicos (investigação do
efeito de variáveis ambientais sobre o comportamento). Esses estudos partiram do
pressuposto de que, se a exposição à incontrolabilidade promove a aprendizagem de que o
estimulo independe da resposta, então a exposição a uma condição oposta, de controle do
ambiente, pode modificar essa aprendizagem, revertendo o desamparo (Seligman. Maier &
Geer, 1968; Seligman, Rosellini & Kozak, 1975; Williams & Maier, 1977). Nos estudos pioneiros
realizados por Seligman et. al, em 1968 e em 1975, a reversão do desamparo já estabelecido
foi feita através da exposição forçada a contingência de fuga na fase de “tratamento", de modo
que os animais eram fisicamente forçados a emitir a resposta que desligava o choque. Uma
exceção ocorre no estudo de Williams e Maier, onde não houve a exposição forçada na fase de
“tratamento”, embora esta tenha se dado, também, em contexto aversivo. Desse modo, estes
estudos nos mostram que a reversão do desamparo foi possível através da exposição ao
controle de eventos, no caso, aversivos. Procedimentos tentando a reversão do desamparo
com reforçamento positivo são escassos na literatura: com animais, encontramos apenas o
estudo de Erbetta (2004) e com humanos, os de Klein & Seligman (1976) e Nation & Massad
(1978). Os procedimentos diferem de estudo para estudo, dificultando a comparação dos
resultados, além do fato de ser controversa a generalização do desamparo com sujeitos
humanos, como se verá em uma análise apresentada adiante.
Partindo dessas duas questões acerca dos estudos sobre o desamparo aprendido
e visando a importância da ponte laboratório/clinica, já que este é tido como um modelo de
depressão, o estudo relatado investigou, através de um procedimento longitudinal onde um
mesmo sujeito foi acompanhado por diversas sessões, em diferentes fases do experimento:
1) se animais previamente expostos a choques incontroláveis, e que apresentaram o
desamparo aprendido em teste de fuga, mostraram dificuldade de aprendizagem

Sobre Comportamento e Cognição


discriminativa, reforçada positivamente, comparativamente a animais previamente
expostos a choques controláveis ou nenhum choque e 2) se após o treino discriminativo
com reforço positivo o padrão de emissão da resposta de fuga identificado anteriormente
é mantido ou modificado nos três grupos de tratamento (reversão do desamparo).
Após a verificação do desamparo, através do delineamento por tríades, os sujeitos
foram expostos a sessões de discriminação com reforçamento positivo em esquema FR/
extinção e posteriormente re-expostos a uma nova sessão de aprendizagem de fuga.
Este procedimento longitudinal permitiu a verificação tanto da generalidade do desamparo
entre contexto aversivo e apetítívo (se um sujeito apresentou o desampara em teste de
fuga este mostrará também dificuldade de aprendizagem em outro contexto-apetitivo?),
quanto investigar se uma longa exposição ao controle discriminativo por reforçamento
positivo possibilitaria a reversão do padrão de desamparo quando o sujeito é re-exposto
a contingência de fuga, isto é, onde o desamparo foi previamente constatado.
Os resultados mostraram a não generalidade do desamparo entre contextos,
ou seja, os sujeitos expostos à incontrolabilidade dos choques e que mostraram
desamparo em um primeiro teste de fuga, não apresentaram dificuldade de
aprendizagem em contexto apetitivo, comparados a sujeitos que não desamparados nò
primeiro teste de fuga (Grupos Controlável e Ingênuo). Os resultados mostraram ainda
que o tratamento com reforçamento positivo não foi capaz de abolir o desamparo, ou
seja, a longa exposição ao controle sobre o meio, reforçado positivamente, não permitiu
a reversão da condição de desamparo.
Em conjunto, os dados sugerem que a natureza do estímulo, aversivo ou não, é
importante para que analisemos o desamparo aprendido. Dizemos que o sujeito
encontra-se desamparado, mas em que contexto? Será que qualquer estímulo
incontrolável produz essa interferência na aprendizagem futura? Será que a semelhança
entre os estímulos utilizados em todas as fases do experimento é uma variável critica
para a obtenção desse efeito? Ao que tudo indica, estas são algumas das perguntas
que devemos nos fazer quando estudamos o fenômeno em questão. A definição
generalista dada por seus proponentes parece sedutora, tentando abarcar muitos
aspectos da depressão humana. No entanto, como já apontou Hunziker (1997), a
definição do desamparo deveria ser mais restrita: “o desamparo seria melhor definido
como dificuldade de aprendizagem sob reforçamento negativo em função da experiência
prévia com eventos aversivos incontroláveis” .
Muitas questões sobre o desamparo ainda estão por ser respondidas
experimentalmente, sendo a sua investigação muito relevante não apenas para a compreensão
do efeito em si como pelo fato de que as respostas a elas têm tem grandes implicações para
a transposição desamparo/clínica, proposta há tempos por Seügman (1975).

Em busca de um procedimento que permita verificar a ocorrência do


desamparo aprendido em humanos.
O desamparo aprendido tem sido replicado com diversas espécies, dentre elas
mamíferos, aves, peixes e insetos, o que lhe confere grande generalidade (Seligman et ai,
1971). Há também, como apontado anteriormente, estudos que sugerem a generalidade do
desamparo para humanos (por exemplo, Hiroto, 1974; Hiroto e Seligman, 1975; Matute, 1994).
Uma longa série de estudos sobre desamparo aprendido com animais
demonstrou a importância do rigor conceituai e metodológico aplicado a essas
investigações (Hunziker, 2003). A mesma análise e revisão metodológica cabe sobre o
estudo do desamparo aprendido com humanos.

108 Ana Priscila Baffst^ Ertiileane Coítà Ai*is Oliveira c M àriana Januário Samdo
Dentre os diversos problemas de procedimento verificados em alguns estudos
com humanos, chama a atenção o fato de que a resposta a ser emitida na fase de
treino, pelos sujeitos do grupo controlável, é de aprendizagem rápida, o que acaba
fazendo com que a exposição ao estímulo aversivo seja muito reduzida tanto para esses
sujeitos como para os do grupa incontrolável a eles acoplados (Hiroto, 1974; Hiroto &
Seligman, 1975; Matute, 1993; 1994, 1995). Os trabalhos com animais já demonstraram
que a quantidade de exposição ao estímulo aversivo incontrolável é uma variável crítica
para a ocorrência do desamparo (Crowelll & Anderson, 1981; Glàzer & Weiss, 1976),
podendo o mesmo ser suposto para os estudos com humanos Frente a isso, a baixa
exposição à incontrolabilidade compromete a análise dos resultados se não ocorrer o
déficit de aprendizagem que caracteriza o desamparo.
Outro aspecto a ser apontado é o fato de que alguns estudos não utilizam um
grupo Ingênuo (sem exposição ao tratam ento) com o referente do padrão de
aprendizagem a ser avaliada no teste. O que esses trabalhos apresentam como referente
é um grupo que é exposto ao estímulo aversivo, mas lhe é solicitado que não emita
nenhuma resposta (Hiroto & Seligman, 1975; Matute, 1993; 1994; 1995). Esse
procedimento apresenta uma falha estrutural, apontada por Hunziker (2003) em alguns
estudos com animais: se o desamparo aprendido é definido como a dificuldade de
aprendizagem operante em decorrência da experiência prévia com estímulos aversivos
incontroláveis, então o mínimo que deve ser exigido nos estudos é que exista o grupo
dos sujeitos ingênuos e que estes aprendam à resposta que está sob reforçamento no
teste. Portanto, para se analisar o desamparo, quer com animais ou com humanos, é
um pré-requisito metodológico que sujeitos ingênuos apresentem aprendizagem
operante no teste, estabelecendo um padrão comparativo para análise da aprendizagem
apresentada pelos grupos experimentais.
Ainda em fase de realização de estudos pilotos, a fim de definir os parâmetros
para estabelecer um procedimento que permita a verificação do efeito de uma história
de incontrolabilidade sobre a aprendizagem de uma nova resposta operante em sujeitos
humanos, foram realizados três diferentes procedimentos.
No primeiro, foi utilizado o mesmo estímulo aversivo nas fases de treino e teste
(som agudo), exigindo como resposta de fuga emitir uma combinação de duas teclas
numéricas (n°64 no treino e n°58 no teste). Ao emitir a resposta de fuga, o grupo
Controlável (C) eliminava o estímulo aversivo para si e para o grupo Incontrolável (INC)
a ele acoplado, permitindo que ambos os grupos fossem expostos às mesmas latências
de som. Para os sujeitos do grupo INC os sons eram sempre incontroláveis. O grupo
Ingênuo (I) não passou por esta fase. No teste, todos os grupos poderiam eliminar o
estímulo aversivo emitindo a resposta de fuga. Como resultado foi observado que o
grupo INC apresentou dificuldade de aprendizagem no teste, enquanto que os demais
grupos aprenderam a resposta, o que vem a corroborar com a análise do desamparo
aprendido. Este método empregado apresentou algumas falhas, na fase de treino por
ser uma tarefa de rápida aprendizagem, o grupo INC permanecia pouco tempo exposto
à estimulação aversiva, o que pode ter interferido na aprendizagem posterior. Também,
as tarefas de treino e teste apresentaram-se muito semelhantes, ocorrendo apenas
manutenção da resposta, e não uma nova aprendizagem operante, por estes motivos
foi estabelecido um novo procedimento.
Diferenciando as fases de trçino e teste em relação à tareia operante e aos
estímulos aversivos, realizou-se o segundo estudo piloto. Na fase de treino frente ao
estímulo aversivo som, uma contingência de fuga “complexa" (variabilidade - Lag4 -
uma seqüência de 4 respostas deve diferir das 4 últimas) foi implantada, com o objetivo

So b « Comportamtnio e CojrtiçJo
de maior exposição ao estímulo aversivo, e no teste, realizou-se uma tarefa de sedução
de anagramas descartando a possibilidade de manutenção de resposta operante e
também buscando verificar a ocorrência ou não de generalidade entre contextos.
Estudantes universitários foram divididos em três grupos (n=7) formando a tríade, grupos
C, (NC e I. Na fase de treino, durante 60 tentativas o grupo C interromp/a o som quando
emitia uma seqüência de quatro resposta utilizando as letras P e Q do teclado, diferindo
das 4 últimas seqüências emitidas (Lag=4). O estímulo aversivo era eliminado também
para o grupo INC acoplado a ele. Caso a seqüência correta não fosse emitida o som
permanecia até a emissão de uma resposta correta ou até completar 10s registrando
como falha de resposta. Na fase de teste, os três grupos foram expostos a 20 anagramas,
sendo 100s de latência máxima em cada um. Como resultados, os três grupos
apresentaram aprendizagem de uma nova resposta operante, não ocorrendo o
desamparo e não havendo generalização entre contextos. Um problema foi verificado
neste procedimento com relação ao tempo de exposição ao estímulo aversivo na fase
de treino. A contingência Lag4 embora planejada como sendo “complexa" propiciando
maiores latências, acabou sendo também de aprendizagem rápida, deste modo uma
nova manipulação foi realizada buscado aumentar estas latências. No terceiro estudo
piloto, todos os parâmetros utilizados foram os mesmos, a única diferença foi a
contingência de Lag empregada, mudando de 4 para 8, ou seja, o grupo C interrompia
o estímulo aversivo emitindo uma seqüência de 4 resposta com P e Q que diferisse das
8 anteriores. Os resultados apontaram novamente aprendizagem para todos os grnpos,
embora o objetivo de aumentar a exposição a estimulação aversiva tenha sido satisfeito.
Concluindo, foi observado a não ocorrência do Desamparo Aprendido diante de
estímulos aversivos diferentes. Provavelmente, o grupo INC ficou sob controle da regra, já
que a instrução indicava a emissão de respostas como meio para obtenção do reforçamento
negativo. Portanto, a manutenção da freqüência de Rs possivelmente ocorreu devido ao
reforçamento acidental. Também a não utilização de feedback de erro, propiciaria maiores
chances do desenvolvimento de reforçamento acidental. Devido à possível “ilusão" de controle
o gmpo INC, este talvez não tenha sido submetido ao procedimento totalmente incontrolável,
não havendo interferência na nova aprendizagem operante. A análise dos relatos verbais
pós sessões, indicaram relatos de controle em participantes do gmpo INC.
As pesquisas envolvendo participantes humanos no estudo do desamparo
aprendido apresentam muitas dificuldades metodológicas, como o estímulo aversivo a ser
empregado (questões éticas), as escolhas das respostas operantes, a instrução dada
inicialmente e o estabelecimento de um grupo realmente incontrolável. Diante destes dados
e dificuldades, esta pesquisa continua em andamento, buscando delinear um procedimento
com rigor metodológico, assim como estabelecido em animais não humanos.

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112 Ana Prtsdld Batista, Ermleanf Cotta Amis Oliveira c M ariana .lamilrio Sameto
: v- . - — - Capítulo 9
Caracterização da clientela infantil em
espera para atendimento psicológico em
clínica-escola no início do século XXI:
comparação com dados de décadas
anteriores 1
Ana Priscila M artelozo
M aria Luiza M a rin h o
Cyntbia Borges de M ou ra
L/niversidade Estadual de Lond rina

Nas ultimas décadas, a literatura acerca da Psicologia Clínica Infantil vem sendo
incrementada por estudos que caracterizam a clientela que procura atendimento nas
clínicas psicológicas brasileiras. O opjetivo desses estudos é especificar que tipo de
família procura atendimento para sua criança e quais os motivos as ievam a procurá-lo.
Frente a informações desse tipo, o grande desafio que se apresenta aos psicólogos é
a possibilidade de se avançar na compreensão da gênese dos problemas infantis e
atender adequadamente a demanda dessa população.
Essas preocupações com o comportamento infantil vêm ocorrendo desde
décadas atrás, mas o mundo que propicia o cenário às relações tem se modificado de
forma veloz. Isto tem gerado admiração e, por vezes, perplexidade. A tecnologia avança de
maneira espantosa e isso tem implicações diretas na maneira como as pessoas vivem
o seu dia a dia. A princípio foi o rádio, depois a televisão e hoje é a internet. O verbo
“navegar* marca a liberdade, a ausência de limites e a imensa facilidade de acesso a todo
0 tipo de informações, pessoas ou lugares. Valores, costumes e normas sociais são
modificados à medida que a sociedade é levada a acompanhar essas novas tendências.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2005), a
população brasileira sattou de 120 milhões de pessoas em 1980 para mais de 180 milhões
em 2005. As famílias continuam a sair da zona rural e se concentrar nas grandes cidades; as
taxas de analfabetismo decrescem sensivelmente (cerca de dois pontos percentuais nos
últimos cinco anos) e a média de anos de estudo da população gira em tomo dos 4 a 7 anos.
As mulheres vêm ganhando mais espaço no mercado de trabalho, se comparadas com os
homens; entre 1999 e 2003 a porcentagem de homens trabalhando passou de 44% para
46%, enquarito que para as mulheres esse número aumentou de 29% para 34%. No entanto,
a maior parte da população brasileira continua a se caracterizar como sendo de baixa renda
e se süsténta com cerca de 2 saiários riiínimos por mês, em média. (IBGE, 2005)

1Monografia apresentada pela primeira autora ao curso de Especialização em Psioolerapia na Análise do Comportamento da
Univeradade Estadual de Lohdrína. Contato marinho maki@hotma#.com

Sobre Comportamento t CogniçSo


As famílias se configuram sob novos modelos, onde nem sempre a organização
' tradicional encontra espaço. As mulheres passaram a trabalhar fora de casa e deixaram
de cuidar exclusivamente dos filhos e afazeres domésticos. Os homens não são mais
necessariamente os responsáveis pelo provimento familiar, dividindo a responsabilidade
com suas esposas. Mais ainda, é comum encontrarmos famílias onde os filhos contam
com a presença e os cuidados de apenas um dos pais. Ou ainda, casaís que ao
tentarem uma segunda união proporcionam a convivência dos filhos que tiveram em
relacionamentos passados. As interações entre pais e filhos também mudaram: os
filhos têm mais espaço para dizerem o que querem e os pais parecem confusos com
relação ao estabelecimento de regras e limites.
Todas essas novas formas de organização familiar estabelecem relações
igualmente novas entre seus membros e o grande desafio é aprender a vivenciá-las de
maneira saudável. No entanto, a forma como a nossa sociedade se organiza hoje
muitas vezes dificulta esse processo. A exposição de crianças e jovens a determinados
fatores ambientais de risco, associada à falta de habilidade dos pais em lidar com seus
filhos pode resultar numa combinação perigosa, sob a qual muitas vezes repousa a
origem dos problemas da infância e da adolescência.
Nas últimas décadas, diversos investigadores da área do comportamento infantil
realizaram estudos acerca da importância da manipulação de variáveis ambientais para
o controle dos problemas infantis. As descobertas têm indicado que o comportamento
das crianças é fruto de uma rede que envolve principalmente a conduta dos pais e o
ambiente familiar em que elas vivem (Rutter, 1981; Kazdin, 1994; Patterson, 1996).
Em artigo publicado em 1981, o psiquiatra inglês Michael Rutter demonstrava a
possibilidade de os males psicológicos infantis serem evitados a partir da eliminação de
alguns fatores empiricamente considerados como determinantes de tais males. Suas
pesquisas evidenciavam a maior incidência de problemas infantis nos grandes centros
urbanos, onde as condições de vida eram mais adversas. Ressaltava, ainda, que eram as
condições adversas que prediziam os problemas psicológicos, e não os centros urbanos
em si mesmos. Para tornar mais clara essa premissa, Rutter criou o “índice de adversidade
familiar'', que avalia alguns fatores ambientais aos quais as famílias por vezes se submetem,
como discórdia conjugal, falência financeira familiar, distúrbios mentais ou criminalidade
na família, número excessivo de filhos e superpovoamento da casa. Quanto maior o número
de variáveis desse tipo presentes no cotidiano de uma família, tanto maior seria seu nível de
adversidade e a probabilidade de suas crianças apresentarem problemas psicológicos.
Seguindo a mesma linha de pesquisa, Patterson (1996) ressalta que os fatores
ambientais têm sido largamente considerados como a chave para se compreender a
etiologia do comportamento delinqüente e que variáveis familiares são os primeiros
determinantes de comportamentos anti-sociais. As variáveis a que este autor se refere
são similares às apontadas por Rutter (1981): mudanças de emprego, divórcio, famílias
muito grandes, criminalidade ou distúrbios psiquiátricos dos pais e moradias localizadas
em grandes centros urbanos com altos níveis de criminalidade.
Tanto Rutter (1976) quanto Patterson (1996) destacam que pais extremamente
críticos, que combinam hostilidade e rejeição, percebem um alto índice de agressividade,
delinqüência e desordens comportamentais em seus filhos. Na prática, essas condutas
parentais envolvem alta freqüência de punições, desarmonia marital, tensões familiares
ou conflitos de outras ordens. O tempo e as características das respostas parentais
podem ter grande influência na modelagem do comportamento das crianças, para
melhor ou pior. Pais de crianças com problemas comportamentais diferem de outros
pais: em geral não reconhecerem o momento certo de intervir (quando e como),

114 Ana Priscila Martetozo, M aria Luoa Marinho e Cynthia B o rg « de Moura


apresentam com menor freqüência encorajamento e elogios para bons comportamentos,
conseqüenciam erroneamente ou inconsistentemente os maus comportamentos e dão
muita atenção quando a criança se comporta mal. Deve-se destacar que a questão não
se trata de ser um pai firme ou permissivo, mas saber reconhecer o momento certo para
ser uma ou outra coisa.
No entanto, Patterson (1996) chama a atenção para um ponto importante, a
saber, a descrição dos processos pelos quais variáveis ambientais determinam o
surgimento de comportamento anti-social. A hipótese do autor e seus colaboradores é
de que o efeito das variáveis contextuais sobre o surgimento de comportamentos anti­
sociais é uma combinação entre a ineficácia do cuidado parental (especialmente
discipfina e supervisão inconsistentes) e a èxposição ou interação dos membros da
fam ília com grupos desviantes. O autor ressalta que muitos estudos apenas
correlacionam a existência de algumas variáveis contextuais com determinados tipos
de problemas psicológicos, mas não esclarecem como esse processo se dá. Esse
esclarecimento se torna extremamente importante se considerarmos que é a partir daí
que medidas preventivas poderão ser tomadas.
Preocupado com o alcance que essas variáveis de risco poderiam ter sobre
iniciativas de prevenção a problemas infantis, Kazdin (1994) aprofundou seus estudos
em certas variáveis contextuais, com a finalidade de determinar o quanto elas atuavam
na participação ou no abandono prematuro de famílias de programas de terapia
comportamental infantil. Kazdin (1994) constatou que aftos níveis de adversidade familiar,
desvantagens sócio-econômicas e stress parental atuavam de maneira negativa,
aumentando a probabilidade das famílias abandonarem o tratamento. Nos casos em
que a terapia fora finalizada prematuramente, as mães eram mais jovens, com baixo
status sócio-econômico (educacionahou profissional), baixos salários e condições de
moradia. Geralmente as famílias eram monoparentais, encabeçadas por um pai ou
mãe não biológico, ou recebiam assistência social. Os pais que abandonavam a terapia
prematuramente informavam um nível maior de stress com relação à adaptação aos
comportamentos de seu filho e à aceitação do mesmo, além de stress relacionado à
depressão, apego, saúde pessoal e marginalização social. Curiosamente depressão e
outros sintomas gerais de psicopatologias não estavam diretamente relacionados ao
término prematuro do tratamento.
Na tentativa de controlar a emissão de comportamentos inadequados por parte
de seus filhos, é comum os pais procurarem ajuda especializada quando julgam que
seus esforços já não são mais suficientes. Diversos autores já envidaram esforços
para traçar o perfil da clientela que caracteristicamente procura atendimento em clínicas
psicológicas, tanto no que diz respeito ao motivo que os leva a procurar auxílio, quanto
ao seu perfil econômico e sócio-cultural.
Quase 50 anos se passaram desde a publicação do primeiro estudo brasileiro
realizado acerca do perfil da clientela infantil atendida em uma clínica psicológica da
cidade de São Paulo. Schoenfeldt e Longhin (1959) pesquisaram os motivos que levavam
as famílias daquela época a procurarem um serviço de psicologia, investigando 1000
casos de crianças e jovens. Constataram que os pais procuravam psicólogos
preferencialmente para filhos do sexo masculino, primogénitos, em idade escolar e
cujas relações com o mundo exterior vinham sendo perturbadas, principalmente por
comportamentos agressivos. As autoras ressaltam ainda que as queixas feitas pelos
pais eram polissintomáticas (envolvendo mais de uma categoria de queixas) e que a
categoria “desajustes sociais” era a de porcentagem mais elevada, provavelmente
porque demandava soluçõés mais enérgicas.

Sobre Comportamento e Cognição


Desde então, vários outros estudos de caracterização da clientela infantil
atendida em clínicas psicológicas brasileiras foram desenvolvidos, principalmente a
partir da década de 80, seguindo as mesmas linhas de investigação. Depois de
Schoenfeldte Longhín (1959), o trabalho de Lopes, em 1983, foi a segunda caracterização
publicada relevante e investigou o perfil da clientela adulta e infantil de clínicas-escola
paulistanas. No que diz respeito à população infantil, esta se caracterizava principalmente
por meninos na faixa dos 06 aos 10 anos de idade, de baixo nível sócio-econômico, com
queixas acerca de comportamento cognitivo (pensamento, memória, aprendizagem,
orientação), social e integratívo (oposição, baixa tolerância à frustração, enfrentamento
inadequado, desorganização).
Os estudos que sucederam essas primeiras investigações demonstram uma
certa regularidade com relação a esse tipo de perfil da clientela infantil. Com relação ao
predomínio de crianças do sexo masculino sobre as do sexo feminino, Terzis e Carvalho
(1986), Santos (1990), Arcano (1991), Silvares (1993), Barbosa e Silvares (1994) e Silvares
(1996), todos corroboram esta constatação com os dados de suas pesquisas. O mesmo
acontece em relação à maior porcentagem de crianças encaminhadas em idade escolar
(Terzis e Carvalho, 1986; Santos, 1990; Arcaro, 1991; Barbosa e Silvares, 1994; Silvares,
1996). No que diz respeito aos motivos que levam as famílias a procurarem ajuda
psicológica, é quase unânime a incidência de queixas acerca de comportamentos explícitos
(como '‘nervosismo" e “agressividade") ou dificuldades escolares (Santos, 1990; Arcaro,
1991; Silvares, 1993; Barbosa e Silvares, 1994; Silvares, 1996; Louzada, 2003).
Em estudo recente, Louzada (2003) caracterizou a população infantil e adulta
atendida pelo Núcleo de Psicologia Aplicada da Universidade Federal do Espírito Santo.
Constatou que 51% dos participantes que compunham a amostra tinham idade entre 0
a 19 anos, confirmando a alta incidência de procura por atendimento para crianças e
jovens. As queixas trazidas diziam respeito a comportamentos externalizados do tipo
“nervosismo" e dificuldades de aprendizagem, seguindo a mesma tendência dos estudos
anteriores. A autora completa referindo que a população que procurou atendimento era
de baixa renda, mas não faz referência ao predomínio de crianças do sexo masculino
sobre as do sexo feminino. Ao contrário, salienta a equivalência do número de pessoas
do sexo masculino (49%) e do sexo feminino (51%) que procuraram atendimento,
considerando a amostra como um todo (crianças e adultos). Em geral, a população
feminina procura atendimento mais tarde, no início da adolescência.
Com base nessas informações sobre as mudanças observadas no mundo
atual globalizado e os achados sobre as causas de problemas de comportamento em
crianças, resta um questionamento: quais são as características da clientela infantil
que busca atendimento psicológico nos anos atuais? Diante dessa questão, o presente
estudo visou caracterizar a clientela infantil em lista de espera para ser atendida na
Clinica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina, comparar tais características
com as descritas em estudos brasileiros publicados anteriormente e apresentar
hipóteses explicativas para os resultados encontrados.

Método
Participaram do presente estudo 47 pais ou responsáveis por crianças que estavam
na lista de espera da dínica-escola de atendimento psicológico da Universidade Estadual
de Londrina (UEL), Estado do Paraná, durante o segundo semestre do ano de 2004. A idade
dessas crianças variou entre dote e 14 anos e os encaminhamentos haviam sido feitos por
algum profissional, pela escola ou a partir de procura voluntária por parte da família.
As entrevistas de triagem foram realizadas nas salas de atendimento da Clínica
Psicológica e duraram em média 50 minutos. Compareceram para a entrevista tanto o
casal de pais, quanto pais ou mães separadamente, ou mesmo avós ou outro familiar.

116 Ana PrlscfLa M arldozo, María Luiza M arinho« Cynthia Borges d« Moura
As perguntas feitas aos pais ou responsáveis pelas crianças seguiram o roteiro da
ficha de triagem padrão da clín iça-escola,. que aborda os seguintes itens: dados de
identificação (nome, data de nascimento, endereço e telefone); dados do núcleo familiar
(quantas pessoas compõem a família, escolaridade, profissão e renda); informações
adicionais (encaminhamento, realização prévia de tratamento médico ou psicológico,
uso de medicações e identificação escolar); queixa; dados sobre relacionamento familiar
e vida escolar; expectativas com relação ao atendimento.
A partir das fichas e nelatos de triagens, os dados coletados foram categorizados
de acordo com as seguintes categorias: sexo e idade das crianças, situação conjugal dos
pais, renda familiar, fonte de encaminhamento, realização de tratamento psicológico anterior,
realização de tratamento médico anterior ou em andamento, utilização de medicação e a(s)
palavra(s) chave(s) relacionada(s) à(s) queixa(s). Cada criança poderia conter em sua ficha
mais de uma palavra chave relacionada à(s) sua(s) queixa(s), as quais posteriormente
foram agrupadas em categorias de queixas, confonme descrito na Tabela 1.
CATEGORIA o e s c r iç Ao

Comportamento agressivo e Dificuldade de relacionamento com os pares; bate nos


anti-social cdeqas e irmãos, quebra coisas.
Baixo rendimento escolar Não “produz* na escola; o desempenho està abaixo dos
colegas; não sabe coisas que outras crianças da idade já
aprenderam.
Hiperatividade Irritação; criança braba; impaciente; choro fácil; agitação: “não
pára quieto": o tempo todo fazendo coisas diferentes: “difidi
de acompanhar seu ritmo"; curiosidade
Desobediência e rebeldia Autoritarismo; imposição de opinião; briga; redama demais;
teimosia; "discute e mente'.
Comportamentos Timidez; isolamento; ansiedade; depressão; tristeza;
internalizados pesadelos; quaxas somáticas.
Desatenção Desinteresse; distração; “deslioado", desmotivado.
Gagueira e problemas de tala. Pausa entre sílabas e palavras; troca letras.
Problemas dermatológicos Problemas de pele dagnosticados por médico, como vitilicp,
dermatose.
Chupa dedo Um ou mais dedos são mantidos constantemente na boca.
Em geral inclui queixas de problemas nos dentes e na boca ,
na mão etc.
Enurese noturna Urinar nas roupas enquanto dorme.

Tabela 1: Nome, descrição e exemplos das categorias de queixa utilizadas.

Foi realizada pesquisa bibliográfica acerca de estudos que traçaram o perfil da


dienteta infantil atendida em clínicas-escola brasileiras de psicologia, publicados em livras
ou periódicos. A partir disso, realizou-se uma comparação entre os dados obtidos neste
trabalho e os das publicações anteriores, a fim de constatar se havia concordância entre eles.

Resultados
Caracterização familiar
A maioria das famílias que procuraram atendimento para suas crianças na
Clinica Psicológica da UEL eram de poucos membros, sendo compostas em média
por 3 pessoas. A maioria dos pais declararâftv estar casados, o que não significava
necessariamente estarem unidos judicialmente. A renda familiar apresentou variação
entre menos que um e oito salários mínimos, com a maioria concentrada na faixa de até
4 salários. A porcentagem de famílias de baixa renda provavelmente constituiu a maior
parte da amostra porque a clínica de presta atendimento gratuito.

Sobre Comportamento c Cognição


Caracterizaçao dos casos infantis
No que diz respeito à idade da clientela infantil que procurou atendimento na
Clínica Psicológica da UEL, pode-se perceber maior concentração de crianças na faixa
etária dos 07 anos (19%), 08 anos (19%) e 09 anos de idade (17%), totalizando 55% da
amostra. Pode-se perceber que a procura é acentuada na faixa etária em que as crianças
começam a freqüentar a escola, fato que será discutido mais adiante.

Fig. 01 - Idade das crianças em lista de espera para atendimento na clínica psicológica da UEL, no
segundo semestre de 2004.
Com relação ao sexo, 72% das crianças eram do sexo masculino e 28% do
sexo feminino, conforme demonstra a Figura 2. O dados confirmam os achados de
estudos anteriores, com maior procura de atendimento para crianças do sexo masculino.
Esses estudos registram proporção de dois meninos para cada menina que procura
atendimento. Os dados do presente estudo apresentam procura ligeiramente maior
para os meninos do que encontrado em estudos anteriores publicados.
A Figura 3 mostra a distribuição das queixas trazidas pelos pais ou responsáveis
pelas crianças. Cada criança poderia apresentar mais de uma queixa, sendo que as
porcentagens aqui apresentadas dizem respeito ao número de vezes que determinada
queixa foi citada.

^ meninos
§ | meninas

Fig. 02- Distribuição por gênero das crianças ém lista de espera na clinica-escola de atendimento
psicológico da UEL no segundo semestre de 2004.

118 Ana PrisciLa M arteioai, M aria Lutza Marinho e Cynthia Borges de Moura
Cerca de 48% das queixas dizem respeito à comportam entos do tipo
externalizado, a saber, comportamento agressivo e anti-social (22%), hiperatividade
(13%), desobediência e rebeldia (13%).

1- Comp. agressivo e anti-social 6 Baixo rend. escolar


2 Hiperatividade 7 Desobediência e rebeldia
3 Comp. internalizados 8 Desatenção
4 Gagueira e probl Fala .. 5 ProbL Dermatológicos
5 Chupa dedo 5 Enurese noturna

Figura 03 - Distribuição das queixas apresentadas pelos pais ou responsáveis por crianças em
lista de espera na clínica-escoia da UEL no segundo semestre de 2004 em categorias ( valores em
porcentagem de ocorrência da categoria)

A categoria “hiperatividade” não sinaliza necessariamente o diagnóstico de


Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, mas o que os pais descrevem como "não
parar quieto", “agitado” e “irritado”. Esses dados estão em conformidade com a literatura
acerca das queixas mais freqüentemente trazidas por famílias de crianças que procuram
clínicas psicológicas: desde o trabalho pioneiro de Schoenfeldt e Longhin (1959), os
comportamentos do tipo externalizado, como agressividade e rebeldia, perfazem a lista
dos citados pelos pais como os motivos que os levaram a procurar atendimento psicológico.
Da mesma forma, a segunda queixa mais citada foi o baixo rendimento escolar
(19%). Isso provavelmente justifica o sensível aumento da procura pelo atendimento
por crianças na faixa etária dos 7 anos de idade, fase em que elas ingressam na escola
e os problemas relacionados à adaptação ao ambiente escolar, relacionamento com
os pares e aprendizagem, começam a despontar.
Sob o rótulo “comportamentos internalizados” (15%) , estão comportamentos
como timidez, isolamento, ansiedade, choro freqüente, luto (perda recente de uma
pessoa significativa) e depressão. O comportamento de desatenção (7 % ) foi
contabilizado à parte dessa categoria por ter sido considerado com alta porcentagem.
Digno de menção, as crianças encaminhadas por problemas dermatológicos
(2%) procuraram a clínica por esta viabilizar, através de um projeto, o atendimento grupai
a crianças com problemas de pele. O encaminhamento foi realizado por dermatologistas

Sobre Comportamento e Cognição


que sabiam da existência desse projeto na Universidade. Essas crianças não
apresentavam outras queixas, a não ser o diagnóstico médico.
Com relação ao encaminhamento, 45% das famílias procuraram atendimento
para suas crianças por iniciativa própria. O encaminhamento médico aparece em segundo
lugar (19%), seguido pelo encaminhamento feito pela escola (17%) e por psicopedagogos
(9%), fato que está em concordância com as altas freqüências de queixas escolares.
Dentistas e fonoaudiólogos também realizaram um total de 4% dos encaminhamentos.
No que diz respeito à realização de tratamento médico, 30% dos pais e
responsáveis declararam que suas crianças realizavam algum tipo de
acompanhamento. Dentre essas crianças, 43% realizam tratamento com neurologista,
21% com dermatologista e 36% com outro tipo de especialista (detalhes no Anexo 2).
A maior parte das crianças (81%) não fazia uso regular de nenhum tipo de
medicação. No entanto, 19% das crianças encaminhadas tomavam algum tipo de medicação
regularmente. Entre estas, mais da metade (56%) usava medicação para hiperatividade.
Com relação à realização de tratamento psicológico prévio, 73% das crianças
nunca haviam consultado um psicólogo e 27% já havia realizado tratamento.

Discussão
Ao analisarem-se os dados e compará-los com estudos de caracterização
anteriores a partir da consideração de variáveis como sexo, idade e tipo de queixa, é
interessante, ou no mínimo curioso, que mesmo passado quase meio século, o perfil
da clientela atendida por clínicas psicológicas brasileiras e a demanda dessa clientela
seja a mesma. O predomínio de crianças do sexo masculino, em idade escolar e com
queixas referentes a comportamentos externalizados ou dificuldades escolares é
registrado desde o trabalho pioneiro de Schoenfeldt e Longhin em 1959.
Parece pertinente uma discussão que avance no sentido de se compreender a
regularidade desses dados, pois se parte do pressuposto que as contingências sociais
vigentes há cinqüenta anos já não são mais as mesmas. De qualquer forma, as
características e os tipos de problemas que levam as famílias procurem atendimento
psicológico para as suas crianças continuam sendo os mesmos.
Iniciamos com as hipóteses de Santos (1990) a respeito da maior incidência da
procura por atendimento para meninos, a saber, a alta expectativa de pais e professores com
relação ao desenvolvimento de habilidades sociais dessas crianças e a diferenciação
socialmente determinada dos papéis desempenhados por meninos e meninas. Isso pode
contribuir para que a avaliâção do comportamento de meninos e de meninas como “normal"
ou “anormal” seja diferente. Essa hipótese pode ser confirmada se considerarmos o tipo de
queixa preferencialmente citada pelos pais no presente estudo: problemas com
comportamentos do tipo extemalizado (agressividade, comportamento anti-social ou hiperativo)
revelam problemas de ajustamento e sociabilidade. Da mesma forma, queixas escolares
demonstram preocupação com o desempenho futuro dessa criança no mundo acadêmico e
do trabalho, considerando-se que os homens devam corresponder às exigências sociais de
provimento da família, ainda que no mundo atual a inserção da mulher no campo profissional
seja uma realidade em um número considerável de famílias brasileiras.
No entanto, chama a atenção os dados obtidos recentemente por Louzada
(2003) sobre a equivalência na freqüência de procura por atendimento por pessoas do
sexo masculino e do sexo feminino. Isso de deve, provavelmente, porque a autora
utilizou uma amostra composta por crianças e adultos. A procura de atendimento na
idade infantil parece que tem se mantido maior par meninos em idade escolar, mas a
procura para atendimento na idade adulta tem sido maior para o sexo feminino.

120 Ana Priscila M artelo»), M srii U iiu Marinho c Cynlhia Borges de Moura
Com relação às altas taxas de encaminhamentos feitos para crianças em
idade escolar, algumas hipóteses podem ser lançadas. É possível que os problemas
comportamentais apresentados por essas crianças tenham sido gerados antes de seu
ingresso na vida escolar. Da mesma forma, é comum paiã lidarem com essa situação
imaginando que "é fase” ou que “com o tempo passa". Nesse casò, é possível constatar
certa desinformação ou nièsmo inabilidade dos pais em identificar quais
comportamentos são esperados para suas crianças no decorrer de seu
desenvolvimento. Logo, esses problemas podem gerar conseqüências aversivas quando
essas crianças iniciam contato mais regular com outras crianças da mesma idade, de
forma que a comparação entre elas se torna inevitável. Mais ainda, os comportamentos
que até então podiam ser tolerados pelos pais ou pela família, podem não ser aceitos
pelo grupo, professores ou mesmo pelos pais das outras crianças.
Por outro, tanto no presente estudo como em anteriores as maiores taxas de
encaminhamento aconteceram para crianças a partir dos 7 anos de idade.
Considerando-se que as famílias dessas crianças são predominantemente de baixa
renda e que suas mães provavelmente precisaram trabalhar fora desde a tenra idade
de seus filhos, é possível que essas crianças já tenham freqüentado creches ou escolas
de educação infantil, onde elas tiveram oportunidade de entrar em contato com outras
crianças, possibilitando avaliações do tipo anteriormente exposto. Mas porque esses
encaminhamentos não aconteceram mais cedo?
Possivelmente, as queixas referentes ao comportamento dessas crianças
dificultem o bom desempenho delas no ensino formal, como é o caso de comportamento
agressivo, por exemplo. Até então, a escolarização estava associada ao lúdico, à recreação
e à estimulação do convívio com os pares. Ao ingressar no ensino fundamental, as
exigências são outras e a forma de .se comportar em sala de aula também. Ao mesmo
tempo, começam a existir as cobranças por desempenho acadêmico, que podem
ocasionar queixas relativas às dificuldades escolares. A partir daí, a comparação entre
as crianças pode ser materializada em forma de desempenho acadêmico.
Queixas feitas pela escola em relação à criança são geralmente aversivas para os
pais, que passam a ser chamados pelos professores na escola e impelidos a encontrar a
solução para o problema. A atenção para os filhos necessita ser aumentada com supervisão
de tarefas e trabalhos exigidos pela escola. Diante desses motivos, é possível que ocorra a
procura por ajuda especializada para orientar sobre como intervir diante dos problemas.
Outro dado importante é a alta taxa de encaminhamentos de crianças para
atendimento psicológico feitos por médicos. Quando recorremos à literatura para discutir
esse dado, percebemos que depois da procura declarada como "espontânea"
(caracterizando o interesse da família pelo atendimento) os encaminhamentos eram
tradicionalmente feitos por escolas ou outras instituições relacionadas à educação. O
aumento do número de encaminhamentos feito por médicos, atualmente, talvez
demonstre uma maior aceitação por parte dos profissionais desta área do tratamento
psicológico como forma de contornar os problemas infantis. R E G
Diretamente relacionado a esse fato, percebemos também alta incidência de
crianças que utilizam regularmente medicação parg hiperativldade. Como já exposto
anteriormente, muitas dessas crianças não apresentam necessariamente o diagnóstico
de Transtorno de Déficit de Atenção/Hipenatividade. O termo “hiperatividade" aparece corno
uma forma mais moderna de se referir a comportamentos do tipo extemalizado, antigamente
tratados como “nervosismo", demonstrando a popularização do diagnóstico de TDAH.
É possível que as famílias, inicialmente, recorram ao serviço médico para
controlar os problemas que percebem em suas crianças, simplesmente por entender

Sobre Comportamento t CogmçJo


esses problemas como função de variáveis biológicas. Remontar às variáveis ambientais
que produziram o problema requer uma certa disponibilidade dos pais ou familiares em
reconhecer que os seus próprios comportamentos em relação à criança devem mudar.
Nesse sentido, pode-se entender porque o encaminhamento dessas crianças tem se
dado inicialmente através do serviço médico, sendo que até chegar ao acompanhamento
psicológico essas crianças já tiveram a oportunidade de serem medicadas.
O presente estudo se propôs a discutir a regularidade das características da
clientela infantil atendida em clínicas psicológicas brasileiras nas últimas décadas.
Apesar da exposição de hipóteses explicativas, talvez a questão mais importante ainda
não tenha sido esclarecida: por que os problemas infantis percebidos há cinqüenta
anos ainda se apresentam como um desafio para os pais de hoje?
Talvez a resposta para essa pergunta esteja na forma como as pessoas
envolvidas com a educação infantil vêm tentando resolver esses problemas. Quando
uma criança apresenta um comportamento inadequado, como birra, agressividade,
dificuldade de relacionamento ou mesmo problemas escolares, todos os esforços são
envidados no sentido de conter esses comportamentos. Pouco importa como esse
repertório infantil foi modelado ou quais variáveis estiveram e estão envolvidas nesse
processo. A necessidade imediata de se eliminar o problema faz com que as pessoas
envolvidas, pais ou professores, tentem “pular” etapas e deixem de refinar a sua
compreensão acerca dos fatores que o produziram. Nesse sentido as providências
tomadas são quase sempre remediativas e quiçá resolverão as adversidades
enfrentadas exclusivamente por uma determinada criança.
A questão parece exigir uma análise de contingências mais amplas,
socialmente atuantes no desenvolvimento infantil. Voltemos à discussão levantada por
Patterson (1996), com relação à necessidade de se compreender os processos pelos
quais as variáveis que contextualizam o cotidiano das crianças interferem na
determinação dos problemas enfrentados por elas. Se a existência de determinadas
variáveis consideradas de risco aumenta a probabilidade de que crianças apresentem
comportamentos anti-sociais, a solução não estaria em manipular essas variáveis?
O mesmo autor menciona a possibilidade de que a ocorrência de comportamentos
delinqüentes e anti-sociais seja cíclica através das gerações. Ressalta que problemas de
comportamento na adolescência predizem danos mais tarde, além de pouca capacidade
desse adolescente, quando adulto, cuidar adequadamente de suas crianças. Ademais,
comportamento anti-social em garotas é visto como uma perpetuação do ciclo de problemas
familiares, associado com comportamento anti-social na próxima geração (Patterson, 1996).
A partir de todas essas considerações, é possível perceber que novas propostas
de intervenção seriam mais efetivas se elaboradas a partir da noção de prevenção.
Grupos terapêuticos para jovens que apresentam comportamento delinqüente seriam
importantes não só para a contenção desse problema especificamente, mas também
como uma tentativa de se promover um futuro mais saudável para este jovem e para a
família que ele irá constituir. Se moradias superpovoadas predizem problemas para o
desenvolvimento infantil, programas para controle de natalidade poderiam ser
estruturados a fim de orientar as famílias. Grupos terapêuticos para pais, ou mesmo
para gestantes, atuariam de forma positiva, criando subsídios para que a educação
oferecida por eles a seus filhos seja mais efetiva. De qualquer forma, a solução para
estas questões parece estar em medidas que trabalhem o problema de uma maneira
mais ampla, levando-se em conta seus determinantes sociais.

122 Anâ Priscila Martelozo, Maria Luiza Marinho * Cynlhia B o n « de Maura


Conclusão
Embora o ambiente onde as crianças brasileiras são educadas pareça ter mudado
muito nos últimos anos, as características das crianças encaminhadas para atendimento
psicológico em clínicas-escola parecem permanecer constantes nos últimos cinqüenta
anos, no que se refere a variáveis como sexo, idade e tipo de queixa. Isso sugere que as
variáveis ambientais relevantes para a produção de problemas psicológicos infantis
continuam atuantes, indicando a necessidade de continuidade de estudos que as
identifiquem, além da proposição e avaliação de novos programas de intervenção.

Referências

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Sobre Comportamento e Cognição


Capítulo 10
Análise cultural e prática clínica:
identificando e discutindo as
possibilidades e limites da
Terapia Comportamental em
meio a contextos sociais
aversivos
Tiago Carlos Zortea
Leandro G am a M oraes
Elizeu Batista Borloti

Com o conceito de contingência - em especial o de contingência operante no


nível ontogenético - os analistas do comportamento humano construíram o pilar da
teoria comportamental. Nesse mesmo pilar reside o foco da intervenção clínica
comportamental: ela atua nesse nível mudando operantes específicos que, embora
ocasionem conseqüências que os mantém, podem também produzir eventos aversivos
para o próprio indivíduo que se comporta, ou para aqueles ao seu redor (Mallot & Glenn,
2006). A relevância dessa intervenção foi reconhecida pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), no Relatório Mundial da Saúde - “Saúde mental: nova concepção, nova
esperança" (2001), que enfatizou o “êxito da terapia do comportamento, que usa esses
princípios para ajudar as pessoas a alterar padrões mal-adaptativos de pensamento e
comportamento’’ (p. 43).
Julgamos, entretanto, que a extensão deste êxito exige a análise de eventos
ocorrendo em outros níveis, como processos no ambiente cultural. Isto tem sido cumprido
por psicólogos comporta menta is comunitários quando apontam a importância de se
considerar os sistemas sociais mais amplos - econômicos, políticos e sociais - nos
quais os indivíduos estão inseridos (Nietzel & Glenwick, 1980; Nietzel et. al., 1977,
citados por Lamal, 1991, p.4).
Por conseguinte, fatores pertinentes a esses sistemas incidem distintamente em
pessoas, em função de diferentes classes sodais, idades, culturas, etnias e gêneros. Este
ultimo distintivo sociat, especialmente, é relevante à intervenção clínica, na medida em que
as diferentes relações características dos papéis de homens e mulheres os tomam mais
ou menos vulneráveis a desenvolver diversos transtornos psicológicos ou psiquiátricos.
Em relação à mulher, o relatório publicado em 2001 da OMS, afirma que:

Tiago Cd rios Zaáti, Lcmdro Qa ma Moraes c Elim i Batista Borloti


Em todos os níveis socioeconómicos, a mulher, pelos múltiplos papéis que
desem penha na sociedade, corre m aior risco de perturbações m entais e
comportamentais do que outras pessoas na comunidade., As mulheres continuam
a arcar com o fardo das responsabilidades de serem; simultaneamente, esposas,
mães, educadoras e prestadoras de cuidados e a terem, uma participação cada
vez màis essencial no trabalho, sendo a principal fonte de rendimento em cerca de
um quarto a um terço das famílias. Atém das pressões Impostas às mulheres em
virtude dcratargamento dos seus papéis, não raras vezes èm conflito, elas enfrentam
uma significativa discriminação sexual e as concomitantes' pobreza, fome,
desnutrição, excesso de trabalho e violência doméstica e sexual .Assim, não é de
surpreender que as mulheres tenham acusado maior probabilidade do que os
homens de receber prescrição de psicotrópicos [...]. A violência contra a mulher
constitui um problema social e de saúde pública significativo que afecta mulheres
de todas as idades e de todos os estratos socioeconómicos e culturais. (OMS,
2001, p. 45-46).

Portanto, embora fatores sociais como a pobreza e a violência sejam associados


com o desenvolvimento de transtornos psicológicos, não há razáo para se assumir que
as conseqüências de fatores sociais sobre a saúde mental sejam os mesmos para
todos os seguimentos da sociedade. Em geral, possuem efeitos diferentes com base
na condição econômica, sexo e etnia (OMS, 2001).
Nestas situações as mulheres estão mais vulneráveis aos transtornos psicológioos
ansiosos e de humor, dentre os quais a ansiedade crônica, junto com a depressão, têm maior
incidência (OMS, 2001). Uma das premissas elementares para esta incidência está nas
diferenças dos papéis sociofamiliares desempenhados por homens e mulheres cujas
conseqüências psicológicas podem ser muito significativas, mesmo que não funcionem
como fatores determinantes exdusivos (Justo et al. apud Justo & Calil, 2006, p. 76). Aiguns
estudos sugerem que as mulheres são mais sensíveis a conflitos nas relações sociofamiliares
que os homens (Kendler et al., 2001; Maciejewski et al., 2001 apud Justo & Calil, 2006, p. 76),
e são esses oonflitos, juntos a outros contextos aversivos, que permitem o desenvolvimento
de stress, depressão e ansiedade, psicopatologias geralmente típicas de ambientes coercitivos
(SKINNER, 1953; SIDMAN, 1989; Zortéa; Moraes; Pratti; Balbi-Neto; Baptista & Borloti, 2006).
A experiência dos autores nos Grupos de Apoio às Mulheres (GAM's), via Projeto
de Extensão Universitária, mostra que mulheres trabalhadoras de hospitais públicos têm
seus problemas relacionados ao gênero agravados. Além das dificuldades e problemas
pessoais, assumem o papel de cuidadoras, se responsabilizando, em difíceis condições
de trabalho, pelos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A realidade mostra que
essas mulheres que cuidam precisam de cuidados, mas isto está longe de ser uma
meta das políticas de saúde, a despeito do alerta da própria OMS. De fato, entre os
diversos fatores enumerados pela OMS, no relatório publicado em 2006, (WHO - World
Health Organization - The World Health Report, “Working together for health") como Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio, incluem-se agravantes à atuação de profissionais da
saúde, como as políticas e práticas insatisfatórias de desenvolvimento de recursos
humanos, como más condições de trabalho, estrutura de carreira e remuneração (p.21).
Esse ambiente de trabalho coercitivo tem sido negligenciado pela prática
profissional dos psicólogos nos hospitais, Um estudo de Yamamoto, Trindade e Oliveira
(2002) aponta que alguns dos poucos psicólogos que atuam com os profissionais de
saúde (neste caso enfermeiros, médicos, serventes, etc.) em hospitais ou unidades
básicas os vêem como meros recursos humanos precisando de seleção e treinamento
para desempenhar melhor sua tarefa junto ao paciente.

Sobre Comportamento e Cogníçlo


É importante dizer que os GAM’s que funcionaram até o ano de 2007 tiveram
como integrantes mulheres funcionárias do SUS residentes na periferia de Vitória, inclusive
em um dos municípios mais violentos do Brasil, devido principalmente ao tráfico de
drogas. Essa prática trouxe limitações à intervenção conduzida nos grupos de apoio.
O objetivo deste Capítulo é descrever e analisar participação de processos de
seleção pertinentes ao terceiro nível de análise - os produtos culturais do tráfico de
drogas - na manutenção dos contextos em que se desenvolvem os problemas de
mulheres atendidas nos GAM's e as dificuldades encontradas na execução da
intervenção terapêutica. Primeiro será apresentado o contexto do Projeto GAM. Em seguida
são apresentados alguns casos nos quais a relação entre a prática clínica e outras
práticas sociais envolvendo a violência tornaram a intervenção limitada. A partir da
descrição e análise, discute-se as estratégias e formas de intervenção na busca de
soluções alternativas para a construção de um trabalho eficaz em meio aos contextos
sociais aversivos de pessoas que procuram por atendimento psicológico.
Como fonte de dados para a análise, utilizou-se os escores obtidos pelas
participantes no Inventário Beck de Ansiedade, aplicado na 1a, 5a e 11a sessões, e as
transcrições das sessões gravadas com consentimento das participantes. Extraíram-
se das transcrições os relatos pertinentes à interação das participantes com as práticas
aversivas existentes em seus ambientes sociais, e as contingências descritas foram
organizadas em diagramas de práticas culturais (Mattaini, 1996).

O serviço de Psicologia Comportamental


Pensando os profissionais de saúde como alvos diretos de um serviço que,
num primeiro plano, visaria à melhoria da qualidade de suas vidas para, como
conseqüência, se obter uma melhoria do atendimento ao alvo existencial do Hospital
Geral - o usuário e seus familiares - psicólogos e estudantes de Psicologia organizaram
o Serviço de Psicologia Comportamental do Grupo de Apoio às Mulheres, com objetivo
de prestar um serviço diferencial em hospitais da Grande Vitória e trabalhar para reduzir
os altos custos destes e de outros fatores na saúde das profissionais da saúde (Borioti;
Baptista; Maciel & Balbi-Neto, 2005, p. 3 [grifo nosso]),
Em seu primeiro ano, o serviço atendeu, em cada semestre, dez mulheres
funcionarias do hospital no sistema de terapia comportamental em grupo, em doze
sessões estruturadas, conduzidas por dois psicólogos e acompanhadas por dez alunos
da graduação de Psicologia da Universidade Federal do Espirito Santo. As funcionárias
do SUS foram selecionadas para participar do grupo de acordo com as pontuações
obtidas nos inventários de stress (ISSL, Lípp, 2000), depressão (Inventário de Depressão
de Beck, BDI, Cunha, 2001) e ansiedade (Inventário de Ansiedade de Beck, BAI, Cunha,
2001) aplicados numa assembléia de apresentação do projeto no hospital.
A intervenção clínica, por conseguinte, se realizou com o foco nos transtornos
indicados pelos inventários de sintomas à luz da análise funcional do problema, enfatizando
as contingências aversivas que caracterizavam o ambiente social das participantes.

Os casos
Cinco participantes relataram o envolvimento de algum familiar com drogas.
Dessas, duas - participantes “Ana” e "Bárbara" - relataram o envolvimento do próprio
filho, e mantiveram interações diretas com traficantes ou agiotas, como descrito pelo
diagrama 1. Segundo elas, e corroborado pela análise funcional das crises, foi na
recorrência dessas interações que se desenvolveram seus sintomas de ansiedade.

126 Tiigo Carlos Zortta. Leandro Qam* Mora?5 « Eiijou Bdlista Borlotf
Ana chegou ao grupo encaminhada pela direção do hospital, com aparência abatida.
Relatou que não conseguia dormir sem o auxilio de remédios há um ano e que se sentia
tensa e cansada devido ao envolvimento de seu filho, Jr., com as drogas. Quando Jr.começou
a usar drogas, ela tentara várias possibilidades para afastá-lo e chegou a mudar de
residência, mas seus esforços foram vãos. Além do uso intenso de drogas, Jr. endividou-se
com agiotas e sempre procurava a mãe para quitar as dívidas. Ana disse que chegou a um
estado em que quando seu telefone tocava, ela já sentia todas as sensações corporais da
ansiedade, pois sabia que era o filho ligando para relatar problemas ou traficantes ou
agiotas para cobrar dívidas de Jr. Além disso, o ex-marido de Ana era alcoólatra e pouco a
ajudava nessas resoluções. As dívidas cresceram de tal forma que, impossibilitados de
receber, os traficantes, armados, invadiam a casa de Ana durante a noite para levar os
móveis, de modo que a partir dai, ela não mais conseguia dormir, e ainda precisava trabalhar
durante todo o dia. Em meio àquela situação, Ana procurou ajuda em várias instituições
públicas como delegacias e hospitais, mas não teve êxito. Oisse que pensou em incendiar
sua casa, a fim de chamar a atenção da imprensa, para ver se alguém a ajudava. Logo após
ter entrado no grnpo terapêutico, uma sobrinha residente no exterior pagou as passagens
de Jr. e então ele foi para o exterior trabalhar e conseguiu pagar as dívidas que tinha no
Brasil, mas ainda não se livrara do vício. As coisas se acalmaram com a ausência do filho,
mas os traficantes continuaram a cobrar as dividas, e os sintomas de Ana ainda
permaneciam, juntos ao medo do retomo do filho.
Bárbara, também funcionária do hospital, chegou ao grupo em situação
semelhante à de Ana, relatando problemas com o filho adotivo, usuário de drogas.
Trabalhava em dois empregos, divorciada, e possuidora de muitos bens, Bárbara ainda
se responsabilizava pela mãe idosa que há cinco anos havia perdido a visão. Deixava a
mãe trancada num quarto enquanto trabalhava, para que a mãe não saísse e se
machucasse na nova casa em que estavam vivendo. Quando chegou ao grupo
terapêutico, relatava que seu filho já tinha alcançado o vício por “drogas mais pesadas",
como o craque, por exemplo. Falava que seu filho não era mais o mesmo de quando foi
por ela adotado. Em uma das sessões, Bárbara disse ao grupo que no dia anterior
havia chegado do trabalho e muitos dos móveis, e utensílios da casa haviam sido
vendidos pelo filho. Muitas vezes ele chegava em casa com marcas de agressão por ter
roubado utensílios da vizinhança.
Com muito sofrimento, Bárbara teve de fugir de seu filho junto com a mãe cega, e
se mudar varias vezes de bairro, pois ele já estava agredindo-a fisicamente para que ela lhe
desse recursos financeiros que pudessem manter seu vicio. O filho chegou a ameaçá-la de
morte, dizendo que ficaria com todos os bens se ela morresse, acontecimentos que, durante
o tratamento, a deixavam muito ansiosa, o que é mostrado nos escores dos testes.
Ana obteve escores de 29, 32 e 4 nas respectivas aplicações, enquanto Bárbara
apresentou os resultados 9, 26 e 6, evolução respaldada pelos seus relatos.

Metacontingências do tráfico e dificuldades na intervenção clínica


Inicialmente diversas propostas foram levantadas com objetivo de evitar as
conseqüências produzidas nas práticas culturais do tráfico de drogas: mudança da
comunidade, denúncia policial e tomada de providências para a internação do drogadicto.
A mudança de comunidade não foi possível devido a limitações financeiras. A
denúncia dos traficantes ou do próprio filho, além de envolver uma alta probabilidade de
retaliação por parte dos traficantes (já que perderiam um consumidor potencial), possuia
baixa probabilidade de ser eficaz, devido a forma corrupta de atuação da polida e outras

Sobre Comportamento e Cogntfio


entidades governamentais. A atitude dos policiais, de descaso em relação à denúncia
de familiares, tem relaçào funcional com a frequente desistência da família em prestar
a queixa e corroborar com a detenção.
Além disso, visto que práticas culturais como as envolvidas em processos de
violência coletiva são frequentemente formadas por redes altamente complexas de
antecedentes e conseqüências (Mattaini, 1996, ver exemplos em Mattaini 2003), a própria
intervenção no sistema do tráfico se mostra obstruída pela complexidade das práticas
que definem o sistema e pela força das variáveis que as mantém e reduz a eficácia da
inserção de atividades alternativas que possam ser desenvolvidas como parte de uma
terapia comportamental. A despeito do quão robusto tem sido o desenvolvimento da
análise do comportamento no plano operante ontogenético, a complexidade apresentada
pelas relações entre esses múltiplos processos no âmbito cultural, os meios pelos
quais se originam e são mantidos, têm se mostrado um obstáculo à sua organização
conceituai, e à conseqüente integração às intervenções desenvolvidas.
Um importante passo em direção à abertura do campo ao terceiro nível, e, de fato,
o mais consistente até o momento, foi dado por Sígrid Glenn (1986/2005, 1991, 2004,
2006), ao cunhar o conceito de metacontingências, referente à processos pelos quais o
comportamento de um indivíduo é parte do ambiente da contingência comportamental
para o comportamento de um outro indivíduo, configurando um entrelaçamento de
contingências cujo resultado é a formação de um produto agregado, destinado a um
ambiente receptor {Glenn, 2004).Observa-se aqui a emergência de um sistema em que o
comportamento individual não é a única entidade relevante no processo de seleção, na
medida em que o produto agregado também é selecionável pelo ambiente receptor, que
também seleciona, indiretamente, as contingências entrelaçadas que o formaram.
Nos processos ilustrados no diagrama 1, verifica-se que um produto da prática
cultural do tráfico de drogas - a disponibilização da droga para a comunidade e para o
próprio drogadicto - é caracterizado por uma forte probabilidade de recorrência e uma
infima sensibilidade à modificações nas contingências isoladas num nível comportamental,
visto que é amplamente selecionado pelo ambiente que o recebe - em especial os usuários,
que reincidem no uso e realimentam o processo - e as interações que o ocasionam são
altamente maleáveis (já que funções podem ser suplantadas, e participantes substituídos).
Segundo a análise funcional, é na recorrência dessas interações que se desenvolveram os
sintomas de ansiedade das mulheres dos GAM’s, familiares dos usuários. Sua ansiedade
é suplementada pela controle aversivo dos traficantes e dos agiotas que fazem os
empréstimos financeiros para o custeio da dependência química do usuários, seus filhos.
Mantém-se, dessa maneira, um contexto aversivo que, em conjunto com outros fatores,
impossibilita o desenvolvimento de uma solução definitiva apenas por meio das ferramentas
disponíveis na intervenção clinica padrão no nível ontogenético.

Alternativas
Diante da impossibilidade de promover mudanças no contexto social mais
amplo das participantes, medidas que proporcionassem uma redução do impacto das
propriedades aversivas desse ambiente em sua saúde foram tomadas, bem como o
desenvolvimento de meios de interação mais eficientes nas situações de crise. Destaca-
se aqui o relaxamento muscular progressivo, o treinamento em análise da preocupação
e resolução de problemas, e o treinamento em habilidades sociais, em que foram
trabalhados temas como resolução de problemas, habilidades sociais, técnicas de
minimização da ansiedade, divisão de responsabilidades nas preocupações, instruções
sobre como verbalizar com o filho e tarefas de casa.

Tiago Carlos Zortta, Leandro Çauna Moraes c Elizeu Batista Borloli


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Sobre Comportamtnto í C ójnlçâo


A partilha dos problemas com a violência urbana nos GAM’s e o uso dessas
estratégias é justificado inclusive pela OMS:
a ciência psicológica mostrou que certos tipos de perturbações mentais e
comportamentais, cx>mo a ansiedade e a depressão, podem ocorrer em consequência
da incapacidade de fazer face adaptativamente a um acontecimento vital gerador de
stress. De um modo gera}, as pessoas que procuram não pensar nos factores de
stress ou que não os enfrentam têm mais probabilidades de manifestar ansiedade
ou depressão, enquanto as que discutem os seus problemas com outras e procuram
encontrar meios de controlar esses factores funcionam melhor com o decorrer do
tempo. Essa descoberta levou ao desenvolvimento de intervenções que consistem
em ensinar aptidões para enfrentar a vida (OMS, 2001, p.43).
Resultados mostram que Ana voltou a dormir sem o auxilio de medicamentos,
negociou assertivamente as dívidas do filho com os traficantes, dividiu ao filho e ao ex-
marido as responsabilidades que -abiam a eles assumir, começou a namorar, reformou
toda a casa, recuperou a esperança e a qualidade de vida, e hoje relata estar preparada
para a chegada do filho do exterior.
Bárbara, depois de muitas tentativas de internação, e até mesmo de detenção
do filho, conseguiu interná-lo em um hospital psiquiátrico para que fizesse tratamento,
conseguindo assim livrar-se temporariamente do estímulo aversivo.

Discussão e Conclusão
Ao lidar com práticas culturais o interesse dos analistas de comportamento
recai sobre contingências similares entre classes de atores, mais do que no
comportamento de um único indivíduo (Mattainí, 1996). Na prática cultural analisada
aqui a situação torna-se ainda mais complexa já que estão envolvidas múltiplas classes
de atores. Os processos de violência coletiva que tipificam o tráfico de drogas
frequentem ente envolvem redes altam ente complexas de antecedentes e
conseqüências (Mattaini, 1996, ver exemplos em Mattainí 2003) que tem a participação
de diversos atores: usuários, polícia, traficantes, agiotas, familiares de usuários, etc..
Dessa maneira, estratégias clínicas unidimensionais, voltadas para um único ator
podem ser inefetivas, dado os múltiplos fatores e atores envolvidos (Mattaini, 1996),
Segundo Glenn (2006), quando a condição insatisfatória ou ameaçadora provém
de um produto agregado ocasionado pelo comportamento de muitas pessoas, o problema
é considerado um problema cultural, e uma intervenção cultural pode ser necessária. Este
é o caso do tráfico. A mudança no comportamento de um único indivíduo (geralmente é o
usuário) raramente terá um impacto discemívet no processo (p. 33). Se as interrelações são
fortemente sustentadas (isto é, se as contingências operantes encadeadas são estáveis),
o produto agregado pode ser consistentemente produzido (é por isto que tem-se a impressão
do tráfico ser um problema aparentemente insolúvel); embora o comportamento das mesmas
pessoas seja tipicamente recorrente, contingências entrelaçadas podem permanecer
intactas (com variações) quando um ou algumas pessoas são substituídas (p. 36), por
exemplo pelo assassinato impunitivo de muitos dos jovens usuários.
Entretanto, embora não tenha sido possível controlar os eventos culturais relevantes
ao desenvolvimento dos sintomas da mulheres dos GAM’s, a terapia foi eficaz em fornecer
ferramentas que possibilitaram o enfrentamento de situações aversivas. O tempo todo os
autores estiveram atentos a esta limitação inexorável, ou seja, compreenderam que os
resultados da intervenção nos GAM’s com essas mulheres caracterizam o que Fawcett et.
al. (1980) denominaram “mudanças de primeira ordem" - mudanças num sistema social

Tiago Carlos Zartcâ, Leandro C im a M otaes t E liitu S iíista Boiloti


básico do qual um .sistema social mais amplo permaneceu, em si mesmo, inalterado. Não
houve, de fornia definitiva, promoção de mudanças de segunda ordem ou a redístribuição
de poder e recursos no sistema social, e, embora os princípios comportamentais possam
contribuir para a análise da sociedade e seus mecanismos de controle, seu papel potencial
na mudança do sistema social é menos claro (p. 515). Pesquisas futuras deverão esclarecer
este papel, de modo que a Análise do Comportamento possa ser útil na resolução dos
graves problemas que definem a área da Segurança Pública do nosso país, especialmente
na violenta capital do Estado do Espírito Santo.

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Sobre Comportamento « Cognicio


Capítulo 1 1
Aspectos psicológicos no
atendimento ao abusador sexual

M eg Çom es M artins
Psico/ur/IESB

Caso: K., 4 2 anos, com pareceu ao atendim ento psicológico, pois abusou
sexualmente da enteada C., a primeira vez quando ela tinha 9 anos, e perdurou até ela
completar 12 anos de idade. C. revelou o abuso à m ãe B., recentemente, aos 17 anos,
e logo começou a freqüentar psicoterapia. A m ãe B. também procurou um psicólogo
para si e para o marido K , que concordou em participar das sessões. Em relação ao
abuso sexual, K. relatou que nunca houve penetração, que acontecia quando B. estava
dormindo e C. pedia para dormir na cama com o casal. Ao perceber que B. dormia, K.
introduzia o dedo na vagina da enteada e tocava seus seios. K. assumiu que iniciou a
enteada na sexualidade com os toques, que foi tudo um deslize e que só aconteceu
porque C. sem pre foi precoce (m enina com corpo de m ulher), carinhosa e q u e ,
frequentemente, dormia na cama dos pais até os 13 anos de idade. Verbalizou que
sentiu-se seduzido e afirmou que o abuso aconteceu apenas com a enteada e não com
outras crianças. K. relatou que se sentia carente emocionalmente em relação a sua
esposa B. e que existiam muitas discussões entre eles. Sentia-se cobrado e chateado.
B. exigia atenção, sexo e que eie seguisse a religião dela. A relação conjugal sempre foi
conturbada, desde os tempos de namoro, quando o sogro pressionava K. para se casar
com B. revelando que B. tinha uma família muito protetora e que deixava K. acuado para
tomar decisões. Percebia muitas diferenças entre ele e a mulher no campo intelectual,
nas perspectivas de vida, nos planos futuros e na forma de conduzir o relacionamento.
K, já tentou romper o relacionamento com B„ mas confessa que tem pena da mulher
que já tentou se m atar ao ver a possibilidade de perder o marido. K. relatou que, primeiro,
vai esperar B. se estruturar financeiramente para depois tentar um processo de separação
novamente. Antes de se casar com S.. K. estava separado há apenas 4 meses da
primeira mulher com quem afirma ter vivido sua única paixão, tinha afinidade intelectual
e sentia paz e liberdade. K. afirma que B. é muito carente e ele não. Não se sente
satisfeito consigo mesmo, pois costumava ser brincalhão e alegre. Hoje não consegue
ma/s ser dessa forma quando B. está presente. Apesar disso, assume que B. é excelente
mãe, dona de casa e é uma pessoa admirável, mas não para ficar com ele. Gostaria de
viver um amor apaixonado de homem e mulher.
A literatura sobre abuso sexual demonstra muitas questões acerca do atendimento
a criança vitimizada, todavia poucos textos mantêm o foco no atendimento ao abusador. Para
exemplificar, a literatura na área de abuso sexual infantil, geralmente, apresenta os temas:
conseqüências do abuso sexual a curto e a longo prazo para a criança abusada (Azevedo,

132 M e j Çomes Martins


Guenra & Vaiciunas, 2005; Fumiss, 1993; Perrone & Nannini, 1997; Rouyer, 1997); síndrome
de acomodação e do segredo desenvolvida pela criança (Fumiss, 1993; London, Bnjck, Ceei
& Shuman, 2005); indicadores físicos, comportamentais e sexuais em crianças vítimas de
abuso (Fumiss, 1993; Perrone & Nannini, 1997); sentimentos desencadeados na criança
como confusão, culpa, perplexidade, ambivalência de errfoções e um grande sofrimento
psíquico (Perroni & Nannini, 1997); diminuição para a criança do seu valor ptóprio, baixa auto-
estima e dificuldades em registrar seu mal estar frente aos abusos (Ravazolla, 1997); postura
profissional na entrevista de avaliação do abuso sexual infantil e intervenção terapêutica junto
à vítima (Ravazolla, 1997); uso de instrumentais lúdicos para investigação - testes, bonecos
anatomicamente detalhados, leitura de livros infantis, montagem de quebra-cabeça, pintura,
dentre outros brinquedos e jogos (Calçada, 2005); estudos epidemiológicos (Roig, 2005);
infância pobre, explorada, torturada, fracassada (Azevedo & Guerra, 2005). Todos esses
aspectos são muito relevantes, principalmente a intervenção adequada que deve ser realizada
com a vítima desse crime bárbaro, chocante e de grande comoção social. Contudo, contrariando
e tentando agregar conhecimentos, este texto tem o objetivo de debater algumas questões
pertinentes ao atendimento psicológico ao abusador sexual.
Tratar do abusador é andar por um caminho que perpassa por trilhas de
causalidades múltiplas, contextos que se assem elham , mas que m uitas vezes
espantam por sua aparência saudável e im agem irreto cável. O assu n to do
comportamento do abusador remete a dor e sofrimento. Sabe-se que nem todas as
crianças que foram vitimas de maus-tratos ou de violências em todas as suas formas
se tornarão agressores. Entretanto, é observável que a maior parte dos agressores
sexuais experienciaram em sua infância situações traumáticas, carência ou inadequação
de cuidados parentais. Foram crianças emocional e afetivamente mal nutridas, com
relacionamentos rígidos, distantes, invasivos ou patologizantes (Santos, 2002).
i
Inicialmente, cabe salientar que o senso comum acredita que não há tratamento
ou intervenção eficaz para os abusadores. Esses devem ficar à míngua de um sistema
punitivo. No entanto, a ciência analítico-comportamental pode contribuir para o estudo
psicológico do abusador por tratar o abusar sexualmente como um comportamento como
outros, que foi estabelecido e é mantido no repertório comportamental de um indivíduo,
sendo controlado por contingências ambientais. O analista do comportamento compreende
o abusar sexualmente sendo composto por uma história biopsicossocial, possuindo
componentes filogenéticos, ontogenéticos e culturais importantes para sua análise.
O abuso está ligado a uma relação de poder. É geralmente cometido por alguém
que deveria cuidar, mas usa o seu papel familiar ou social para ultrapassar limites e abusar
de uma pessoa a quem deveria proteger, e que está reconhecidamente colocada numa
situação de desigualdade de empoderamento. Para Bom, Delville, Mercier, Sand e Beeckmans,
o abuso sexual infantil é o uso da criança por parte do adulto para a própria estimulação
sexuat, numa relação de poder exercido pelo adulto em direção à intimidade corporal da
criança, sem possibilidade de escolha por parte desta (citado em Padilha, 2002).
O abuso sexual intrafamiliar cometido por pais e padrastos pode acarretar uma
seqüela psicológica maior na criança ou adolescente, pela decepção de vê-lo praticado por
aquele de quem deveria esperar proteção, referências sociais e modelos de conduta para
a vida (Roselli-Cmz, 2005). Este tipo de abuso sexual nem sempre ocorre com força física.
(...) O abuso físico é considerado quando o corpo da criança sofreu danos físicos. Danos
como pancadas, tapas, beliscões, cortes, imobilização forçada, limitação de movimentos,
e assemelhados. Esse abusador [aquele desconhecido da vítima] não tem preocupação
de não deixar marcas que possam evidenciar o abuso para a família, uma vez que não
pretende mais aparecer para aquela vitima, em geral (Roseiff-Cruz, 2005, p. 77).

Sobre Comportamento e Cognição


Muitas estatísticas apontam os pais ou padrastos como sendo os principais
abusa dores e que estão próximos das vítimas - as crianças e os adolescentes. Traçar
um perfil do abusador é um assunto que exige cautela, pois, ao contrário da pregação
do senso comum, não é só o homem, alcoolista, louco ou homossexual que abusa, e
todos esses víeses preconceituosos trazem complicações psicológicas e sociais para
o entendimento do abuso sexual e para o atendimento do abusador, da criança e da
família como um todo. O perigo de se traçar um perfil é a desqualificação de casos
específicos em detrimento de uma generalização. Assim, é preferível afirmar que qualquer
pessoa, mesmo acima de qualquer suspeita, podem ser abusadoras. Roselli-Cruz
(2005) corrobora essa idéia quando afirma que:
a literatura cientifica e a crónica policial demonstram que não existe o perfil do
abusador sexual. Ou seja, qualquer pessoa pode ser um abusador sexual. Temos
encontrado (...), como abusadores sexuais, pais, mães, padrastos, irmãos, tios, primos,
sobrinhos, atletas, padres, bispos, médicos, professores, vereadores, deputados,
prefeitos, juizes, policiais, delegados de policia, empresários, funcionários,
desempregados. Encontramos pessoas sem formação escolar e também aquelas
com pós-graduação no exterior Há pessoas sem nenhum credo religioso e há também
aquelas das mais variadas opções religiosas. A ciência ainda não conseguiu descrever
um perfil com as características de um abusador sexual. Bes podem ser de qualquer
idade, sexo, profissão, religião, nacionalidade, classe social ou nível intelectual. Em
termos de diagnóstico, segundo o DSM-IV, podem ser enquadrados como portadores
de pedofilia. E ainda podem ser enquadrados, dependendo da situação e da história
clínica, como psicopatas, entre outras psicopatologias (p. 81).

1. Síndrome de adicção e ressurgência


O abuso é relatado, por alguns estudiosos na área, como uma síndrome de adicção.
Fumiss (1993) afirma que a pessoa que abusa sexualmente precisa ser tratada como um
alcoolista que admite pela primeira vez que bebe e diz que isso jamais acontecerá novamente.
É necessário acreditar que as pessoas que cometem abuso sexual querem parar de
abusar e a admissão inicial é a pré-condição para a terapia. Todavia, não se pode afirmar
que elas não irão recair no abuso futuramente. Os abusadores correm os riscos de recaída,
assim como em outras formas de adicção, se não evitarem situações de alto risco.
Assim sendo, o comportamento abusivo pode ser considerado uma adicção,
mas simplesmente rotulá-lo dessa maneira não contribui para o cessar deste. Skinner
(19 53 /1 99 8) afirmou que não se pode esperar uma explicação adequada do
comportamento sem analisar as relações desse com as variáveis ambientais. Portanto,
o círculo explicativo do ‘abusa porque é adicto, é adicto porque abusa’ não conduz e
encobre a verdadeira análise dos fatores relacionados à emissão do comportamento
abusivo. Para haver controle do comportamento é necessário discriminar as
contingências controladoras, é crucial sair desse círculo explicativo para buscar na
história filogenética, ontogenética e cultural o que fez a pessoa se tornar adicta, e mais
ainda, o que mantém esse comportamento de adicção. É fundamental a realização de
uma análise funcional sobre quais são os estímulos envolvidos na emissão do abuso
e quais são as conseqüências que controlam e mantém esse comportamento abusivo.
Um abusador, estando na iminência de sair do encarceramento, verbalizou que
precisava de atendimento, pois sabia que cometeria o abuso novamente. Aqui cabem
duas reflexões. A primeira é que a própria pessoa abusadora, muitas vezes, reconhece
como não sendo controladora de seus comportamentos, ressaltando a importância de
uma intervenção. A segunda é sobre a rede de apoio ao sistema prisional, que ainda é
medíocre, infelizmente, para atender esse tipo de demanda.

134 M ts Qomts M artins


Furniss (1993) corrobora a idéia do parágrafo anterior quando afirma que as
pessoas que abusam sexualmente sabem que o abuso é errado moralmente, é um
crime tipificado e antijurídico, é prejudicial à criança, mas serve como alívio de uma
tensão e se caracteriza também por um fator compulsivo à repetição.
O alivio de uma tensão pela gratificação sexual do ato sexual é reforçado
negativamente. A netirada da tensão pelo abuso é aprendida e se mantém por contingência
de reforço ilustrando, mais uma vez, a importância da análise da história particular de
reforço de cada indivíduo. Quando o comportamento de um indivíduo é exposto a uma
determinada contingência e reforçado, dizemos que seu comportamento foi modelado por
esta exposição passada (comportamento modelado por contingências) e, provavelmente,
o indivíduo formulará regras de modo a programar uma conseqüência similar para si no
futuro (comportamento governado por regras) (Skinner, 1969/1984; Baum, 1999).
Considerar que o comportamento abusivo é uma adicção não significa
considerar que as pessoas que abusam não sofram e que não necessitam de ajuda
especializada. Significa que as pessoas que abusam não ftcam "curadas" depois de
um tratamento bem sucedido, por exemplo, um procedimento de extinção, e que em
situações que sinalizem a oportunidade da emissão desse comportamento desviante,
o abusador 'corre o risco' de abusar novamente. Esse comportamento abusivo, que
fora punido ou extinto temporariamente, e que ocorre novamente, pode ser estudado à
luz da ressurgência de comportamentos.
Epstein (1983, 1985) propôs o modelo de ressurgência induzida pela extinção
no qual, em uma dada situação, quando, sob circu nstân cias sim ilares, um
comportamento recentemente reforçado (comportamento 2 - outras formas de práticas
sexuais aprendidas) não é mais conseqüenciado e um comportamento previamente
reforçado (comportamento 1 - abusar) tende a recorrer. A interrupção da liberação de
reforço, ou seja, a extinção para o comportamento 2 é condição necessária para a
ressurgência do comportamento 1. Staddon e Simmelhag (1971) afirmaram que o
aumento da variabilidade durante a extinção da resposta mais freqüentemente reforçada
é acompanhada, em geral, pelo reaparecimento de respostas reforçadas no passado.
Dessa forma, assim como o genoma traz a história das espécies, o organismo como
um todo traz para o seu novo ambiente sua história ontogenética e essa história se
refletirá na sua capacidade de adaptação (Epstein, 1985).
A ressurgência pode ser vista como um conceito relacional, relativo e de ordem
superior. É um conceito relacionai no sentido da condição "se...então..." que descreve
relações entre eventos, resume um acontecimento; não pode ser entendido sem um
contexto que englobe um ontem e um hoje, um antes e um depois. O comportamento de
hoje (o ressurgido) não pode ser entendido sem se referir ao acontecimento de ontem
(o comportamento previamente reforçado) (Martins, 2002).
Ressurgência é um conceito relativo uma vez que serve para exprimir uma
relação interdependente, ou seja, o comportamento de ontem e o de hoje dependem
reciprocamente. Isso quer dizer que, o comportamento de ontem que foi reforçado, e
exposto a extinção ou punição, é tomado como referência comparativa para se estudar
o comportamento que ressurge hoje e, o comportamento que hoje ressurge, pode ser
exposto a contingências de reforçamento e extinção, servindo assim para se observar o
comportamento que ressurgirá amanhã (Martins, 2002).
Ressurgência também é um conceito de ordem superior no sentido que ao se
referir a esse termo se remete a uma intçração ocorrida no passado, ou seja, um fenômeno
observado hoje (a ressurgência) nos-remete a outro fenômeno que necessariamente
deve ter ocorrido no passado para determinar que esse comportamento de hoje ressurja
(Martins, 2002).

Sobre Comportamento e Cognição


Se uma pessoa aprende um dado comportamento e esse é exposto â extinção,
à punição, ou a mudança na exigência de respostas (aumento ou diminuição na freqüência
ou topografia da resposta), e no futuro, esse comportamento outrora reforçado, porém
extinto, ressurge; aonde este comportamento estava guardado? Ele ressurge de onde?
Neste caso é necessário argumentar que na análise experimental do comportamento
não nos referimos a lugares onde possam estar guardados os comportamentos.
Comportamento não é algo, é um processo que envolve uma interação entre eventos
antecedentes e conseqüentes (Matos, 1997; Skinner, 1953/1998; Todorov, 1991). Não se
entende comportamento de uma forma isolada, e por isso, o conceito de ressurgência é
relacional, de ordem superior e relativo. Mesmo o lembrar é uma classe de
comportamentos de ordem superior, e muitos dos seus aspectos são presumivelmente
modelados por contingências naturais (Catania, 1999). O que fazemos ao lembrar
dependerá, ao menos parcialmente, de conseqüências passadas do nosso lembrar.
Dessa forma, o comportamento abusivo, mesmo quando sob auto-controle,
deve estar constantemente monitorado pelo indivíduo abusador, como uma adicção,
pois pode ocorrer a ressurgência do abusar, de acordo com a definição conceituai
exposta acima, e por tratar-se de um desvio de conduta difícil, por vezes afirmado ser
impossível de ser extinguido (Telles, 2006).

2. Aspectos do atendimento
2.1 Do profissional e sua postura
O aspecto mais importante no atendimento ao abusador sexual intrafamiliar é
a atitude do profissional, que deve primar pelo respeito a todos os membros da família,
desde a criança vítima, ao abusador, a mãe, o pai e os irmãos, dentre outros importantes.
A capacitação do profissional que quer se dedicar à área do abuso sexual ou atende
esses casos é de suma importância. O treinamento em reconhecer aspectos antecedentes
e conseqüentes do abuso deve permear a sua vivência profissional, e esse treinamento
passa pela busca constante da literatura sobre o tema, da troca de experiências com outros
profissionais e da própria experiência em atendimentos dos casos que envolvem abusos,
Além disso, é de grande relevância que o profissional busque identificar quais
as emoções e sentimentos envolvidos no atendimento e de que forma podem influenciar
a relação profissional-cliente. Em casos de abuso sexual, a intensidade da violência e
do abuso vivencíada pelas famílias se reflete nos profissionais que as atendem e
reverberam neles sentimentos intensos com relação à situação das pessoas envolvidas
em lais circunstâncias (Ribeiro, 2004). Indignação, raiva, dor, impotência, nojo,
agressividade, ma) estar, desânimo, angústia e pena são alguns sentimentos que
arrebatam os profissionais ao conhecer e enfrentar situações de abuso sexual infantil.
O ponto principal é não banalizar para não impedir a ação. Os sentimentos ambíguos
envolvidos entre a esquiva de uma pessoa que emitiu ou emite um comportamento
repugnante e a necessidade de conhecê-lo e estabelecer vínculo terapêutico são
naturais, no sentido de que acometem os profissionais enquanto pessoas que estão
dentro de um processo de trabalho, mas não totalmente neutros à história de sofrimento
que está sendo relatada, tanto da criança quanto do abusador.
Para Ravazotla (1997) são as emoções que causam desconforto ao profissional,
tais como mal estar, raiva, medo, horror despertadas das relações abusivas ocorridas
na família, que propiciam a atuação e intervenção nesses casos, permitindo que se fale
em voz alta sobre essa violência, que tende a ser mantida em silêncio e segredo. Esses
eventos encobertos também propiciam uma mobilização no sentido de buscar maneiras
de ajudar as pessoas envolvidas nas relações abusivas, levando os profissionais a

136 M t j Com ** Martin*


alguma forma de reaçao, de oposição, de luta, de tentar alguma reação diferente que
possibilite a interrupção do abuso. Ainda, segundo a autora, o problema seria se, no
momento em que diante de situações de violência e abuso, o profissional não vivenciasse
tais emoções, demonstrando um possível envolvimento deste na dinâmica de segredo
q anestesia estabelecida na família, e numa perspectiva mais ampla, refletiria um
processo de insensibilizaçào e acomodação sociais frente à violência.
Assim sendo, o profissional deve estar atento e aceitar o mérito de seus
comportamentos encobertos desagradáveis como forma de agir contra o abuso e outras
violências envolvidas. Sem esse reconhecimento e discernimento, os comportamentos
privados podem “invadir” o atendimento, confundindo o profissional que, ao invés de
realizar uma escuta respeitosa, atenta e comprometida ao abusador, à criança ou à
família acaba fazendo julgamentos, perguntas inadequadas e tomando decisões
apressadas e independentes, prejudicando a proteção da criança, a intervenção efetiva
junto ao abusador e a intervenção familiar (Ravazolla, 1997).
Após uma análise pessoal, ao receber um indivíduo que cometeu abuso, ou que
se suspeita ter emitido esse comportamento, o profissional deve agir com imparcialidade
e cautela, evitando uma atitude policialesca. Assim, inicialmente, a postura deverá ser
investigativa e não de intervenção, sendo necessária uma análise ou diagnóstico e, em
segundo plano, a implementação de intervenções psicoterapêuticas. Furniss (1993) afirma
que essa postura de compreensão e demonstração de empatia em relação às pessoas
que cometem abuso não significa desculpá-las e acusar a criança.
Existe uma distinção entre a intervenção legal e a psicológica. A parte da
responsabilização cabe à intervenção legal. Que o psicólogo possa intervir de modo a eximir-
se de responsabilizar o indivíduo, seu cliente, de qualquer julgamento sobre sua história de
vida. O imaginário sócio-cultural do “monstro” não pode desviar a atenção do profissional de
que os abusadores cometeram uma violência, mas também são pessoas em sofrimento e
sujeitos de direitos. Por outro lado, também são sujeitos de deveres, e por isso não podem
escapar de sua responsabilização, que caberá aos órgãos legalmente instituídos para tanto.
A existência de problemas psicológicos na pessoa que abusa não diminui sua
responsabilidade. As pessoas que abusam normalmente não são "lo u c a s " ou
“más". (...) foram irresponsáveis e possuem problemas psicológicos,e am bas as
coisas devem ser igualmente tratadas (Furniss, 1993, p. 96).
O profissional precisa estar sensível de que é doloroso falar sobre o sofrimento
e sobre algo que é um segredo intrafamiliar. É interessante que, com o objetivo de ser
empático e facilitar o vínculo com o abusador, para coleta de dados e fins terapêuticos,
o profissional comece explorando os eventos encobertos ligados ao abuso, tais como
os sentimentos, as emoções e os pensamentos ligados àquele momento do abuso,
para a posteriori permitir o relato do fato. A operacionalização do ato abusivo (como foi,
quando foi, o que ele fez) é relevante, mas deve ser feita em momento oportuno.
No atendimento psicológico com o abusador sexual também é digno de atenção
o fato do profissional saber diferenciar sigilo de segredo. O segredo pode fortalecer o
abuso. Furniss (1993) comenta que:
os terapeutas estão comprometidos com o sigilo como parte do contrato terapêutico.
Aqueles que não levam em conta o aspecto legal da proteção à criança no abuso
sexual como síndrome de segredo podem expor a criança ao continuado abuso
sexual, que como crime continuado não é protegido pelo sigilo terapêutico. Os
terapeutas que, por um mal-compreendido paradigma terapêutico de sigilo, querem
guardar o sigilo para a criança e a família, percebe, com freqüência e tarde demais.
que se uniram ao sistema familiar de segredo que deixa a criança desprotegida (p. 95)

Sobrt Comportamento c Cognição


A cautela no atendimento ao abusador sexual e a postura do profissional toma-
se imprescindível quando há disputa de guarda de filhos. Um aspecto não comum, mas
importante, sobre o atendimento ao abusador sexual recai sobre os casos de utilização
das acusações de abuso sexual como forma de afastamento do cônjuge não convivente.
Alguns estudos comprovam que há um aumento considerável no percentual de falsas
acusações, quando essas são feitas durante uma disputa judicial entre pais separados
e o genitor acusador tem motivo para se vingar ou excluir o outro genitor, Nesses casos
existe a tentativa de destruição da figura parental nas falsas acusações de abuso sexual,
sendo uma das formas da Síndrome de Alienação Parental (Calçada, 2005).

2.2 Da investigação histórica


Variáveis importantes a serem exploradas na investigação da história de vida do
abusador dizem respeito as privações afetivas, emocionais ou sexuais. Uma análise das
operações estabelecedoras (OEs) do comportamento de abusar permeia esse tema, uma
vez que o estudo das OEs pode sinalizar as variáveis controladoras do comportamento, ou
seja, sobre o porquê dos homens se comportarem da maneira como o fazem.
É daro que outras variáveis (história de reforçamento, potencial biológico) também
participam do processo de produção de comportamento, mas ê notório o papel das
OEs. Desse modo, a clareza do papel dessa variável permitirá uma intervenção mais
efetiva do terapeuta analíticchcomportementai (Cunha & Isidro-marinho, 2005, p.41).
O histórico de privações compreende, por exemplo, no caso do comportamento
abusivo sexual, a carência de cuidados parentais nos quais podem ter sido rígidos e
distantes. Outras privações perfazem o campo conjugal, como ilustrado no caso introdutório
a este texto, no qual nota-se que muitas discussões penmeavam o día-dia do casal. De
acordo com Perroni e Nannini (citado em Padilha, 2002), “uma união conjugal sólida
constitui um obstáculo natural ao incesto, e pode-se deduzir que tal união é incompatível
com uma interação incestuosa (p.96)”. Cunha e Isidro (2005) relatam que, quando há
privação de contatos sociais (carência de atenção e de reconhecimento), o indivíduo pode
emitir “padrões de comportamento de insistência e cobrança queixosa em relação ao
outro.” No caso relatado, B. queixava-se a K. cobrando-o sexo, atenção e filiação a religião
dela. Essas dificuldades conjugais podem ser trabalhadas em uma terapia de casal,
De acordo com Calçada (2005), é importante também investigar: normas sociais da
família acerca da nudez, uso do banheiro, discussões sexuais; casamentos anteriores do
abusador; filhos de casamentos anteriores do abusador, relacionamento com outras crianças
próximas do abusador; comportamentos sexuais anormais do abusador, como uso de
pornografia infantil; relacionamento do abusador com a criança ou adolescente abusado;
relacionamento do abusador com outras mulheres; colaboração ou não do abusador ao
longo da entrevista o que pode sinalizar o senso de proteção dele(a) para com a criança.
Muitos abusadores possuem uma história de terem sido vítimas de abuso
físico e/ou sexual grave na infância o que sinaliza um contexto de abuso transgeracional.
O uso de substâncias como o álcool e outras drogas também estão associados ao
cometimento do abuso. Todavia, o uso, abuso ou dependência química não exime a
pessoa de responsabilidade perante seus comportamentos, com exceção dos casos
nos quais há o nexo causal entre doença mental-cometimento do delito, ou seja, quando
a pessoa é considerada sem capacidade para compreender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se segundo este entendi mento.
Segundo Telles (2006), a violência do abuso sexual é:

138 Meg Çome* M «ri ms


praticada mais frequentemente por pessoas 'normais' do que por indivíduos com
transtornos mentais. A prática de violência sexual não é sinônimo de doença
mental ou transtorno de personalidade. Todavia, existem pessoas que apresentam
complicações psíquicas graves e cometem violência sexual (p 276)
Outros indicadores a serem avaliados são apontados por Gardner (citado em
Calçada. 2005): história familiar com origem psicopatológica, baixo nivel de inteligência,
história de impulsos sexuais muito fortes desde a infância, impulsividade, sentimentos
de inadequacidade, passividade e dificuldade de ser assertivo, capacidade de julgamento
pobre, dificuldade no interesse sexual em mulheres de idade apropriada, outros desvios
sexuais, psicose, escolha de carreira que propicie contato com crianças, rejeição recente
e relações heterossexuais disfuncionais, uso de racionalizações, atitudes moralistas
excessivas e história de tendências psicopáticas.
Segundo Hanson e Bussiére (citado em TeIJes, 2006), com objetivo de evitar a
recidiva, ou a ressurgência do comportamento, a investigação histórica deve permitir a
discriminação de contingências que envolvam o estresse, a situação familiar disfuncional,
abuso de substâncias, dificuldades de relacionam ento interpessoal, falhas no
contracontroie ao incesto, crenças disfuncionais e outros comportamentos anti-sociais.

2.3 Das intervenções


Três tipos de intervenções profissionais no abuso sexual são comentados por
Fumiss (1993). A primeira seria a intervenção punitiva primária que tem como alvo a
pessoa que abusa, com o objetivo de puní-lo como se houvesse um agente monocausal
para a ocorrência do abuso. Os órgãos ligados à poJícia e aos tribunais intervêm
punitivamente. Essa intervenção pode resolver a questão do abuso sexual na família,
mas encobre os conflitos afetivos e sexuais pré-existente entre o par parental. Essa
intervenção punitiva não permite lidar com os aspectos do relacionamento entre a criança
e a pessoa que cometeu o abuso. Cameschi e Abreu-Rodrigues (2005) relatam que o
uso do controle aversivo (punição) como forma primária de intervenção caiu em desuso.
"Na realidade, contingências aversivas continuam sendo implementadas na clínica
comportamental, mas como parte de tratam entos mais amplos que envolvem
reforçamento positivo em larga escala". Ademais, o afastamento do abusador é algo
bastante complexo, uma vez que o agressor sexual pode ser o provedor financeiro da
família e o seu afastamento físico do lar pode comprometer a manutenção de despesas
com alimentação, aluguel, escola, roupas, luz, água, etc (Roselli-Cruz, 2005).
A segunda intervenção profissional seria a intervenção primária protetora da
criança que tem como alvo direto a vítima. Essa intervenção seria dirigida contra os pais,
de modo a proteger a criança. Atribuem o fracasso a ambos os pais em seu papel
parental e conduz a revitimização da criança, uma vez que essa é ameaçada com a
remoção da família e de outras figuras de apego, tais como os irmãos, os amigos do
bairro e a escola. Pode ser interpretado pela criança como uma punição pelo seu
comportamento de ter revelado o segredo do abuso, reforçando um comportamento de
mentir futuramente. E, ainda, permite aos pais a oportunidade de encobrir e negar seus
problemas conjugais e sexuais (Furniss, 1993).
De fato, a intervenção mais adequada é a terceira forma denominada terapêutica
primária. Nessa, está incluído todas as práticas terapêuticas que visam à compreensão
do estabelecimento e da manutenção do comportamento abusivo, Trabalha com os
indivíduos inseridos no contexto abusivo, mas o mais importante é que visa à modificação
dos relacionamentos familiares sem dirigir a culpa pelo abuso a um membro específico
diretamente. Essa intervenção permite lidar com o conflito emociossexual entre os pais,

$o brt Comportamento c Cogniç2o


com o fracasso materno em evitar o abuso e proteger a criança e com a competição
entre a mãe e a criança como parceira emocional do pai.
As etapas da intervenção terapêutica primária seriam nessa ordem (Furniss, 1993):
2.3.1 Bloqueiar a continuação do abuso sexual
Geralmente pode requerer uma separação, inicial e temporária do abusador
para com a criança, com bastante cautela para não gerar sentimento de culpa na criança
pelo afastamento do pai.
2.3.2 Estabelecer os fatos do abuso e o abuso como uma realidade familiar compartilhada
A criança e a família precisam encontrar uma linguagem sexual que possa ser
verbalizada para descrever eventos e operacíonalizar comportamentos. Requer que o
profissional saiba falar sobre atos sexuais explícitos na frente da família.
2.3.3 Assunção da responsabilidade do abuso pelo pai
O pai deve assumir totaf responsabilidade pelo ato e não a mãe ou a criança,
apesar de terem participado do abuso. Em abusos prolongados, é complicado para a
criança discriminar esse fato. Todavia, ela pode ter desempenhado papel ativo, uma vez
que o comportamento de manter segredo reforça o comportamento de abusar. Por isso,
é importante o ensinamento do contracontrole.
2.3.4 Estabelecer a responsabilidade parental pelos cuidados gerais
Debater com os pais a diferenciação entre papel parental e papel conjugal, afinal
os pais podem deixar de ser parceiros, mas sempre serão pais. A questão é se ambos os
pais possuem manejo em comportamentos de cuidar, interesse em se envolver no
processo e assumir a responsabilidade pelo cuidado parental de seus filhos, independente
de uma presente ou futura separação ou da manifestação do outro.
2.3.5 Trabalhar a diaúe mãe-criança
Objetiva tornar a mâe uma protetora da criança a quem ela possa confiar,
sendo assim, um trabalho preventivo. A mãe demanda muita ajuda e apoio quando no
momento da intervenção é necessário lidar com o seu papel no contexto abusivo
intrafamiliar, pois podem ser evocados sentimentos de culpa, fracasso e menos-valia.
Elas devem ser ensinadas a discriminar os contextos abusivos de uma forma protetora.
Importante observar se existe uma forte rivalidade da mãe contra a criança. Esse
comportamento pode mostrar componentes emocionais mais profundos na perda de
importantes vínculos e relacionamentos emocionais dessas mães.
2.3.6 Trabalhar a diade mãe-pai
Manejo das questões conjugais em terapia de casal. Como algumas mães
ainda possuem apego pelo companheiro abusador e não estão preparadas para a
solidão, a separação e o divórcio de imediato não é interessante, pois podem ser
motivados por expectativas moralistas ou do profissional. Para o abusador, enfrentar as
esposas como parceiras, na posição de maridos, pode ser aversivo, por isso os
abusadores devem ser atendidos, por vezes, em separado, para que possam falar
abertamente sobre aspectos sexuais específicos do abuso e sobre as fantasias e
crenças acerca de seus relacionamentos.
2.3.7 Trabalhar a díade pai-criança
Após trabalhar as díades mãe-criança e mãe-pai, é importante o manejo da
reconstrução emocional e do relacionamento de confiança da diade pai-criança. A
experiência de relacionamentos emocionais de confiança com homens que não violam
as fronteiras mtergeracionais é importante para que a criança possa desenvolver

140 M e# Qwnes Martins


relacionamentos de confiança com homens, na idade adulta, assim como é importante
o desenvolvimento da confiança desta criança em relação ao cuidado emocional e
proteção da figura paterna, cuiminando em relacionamentos adultos abertos e confiáveis.
2.3.8 Outros Aspectos da Intervenção
A reformulação de conceitos apresenta-se como uma intervenção específica muito
necessária. O abusador geralmente aprendeu, nas suas experiências de vida, certos
conceitos de soc/edade, família, papef da mulher, papel da criança que não condizem
com um harmonioso e pacificador relacionamento em sociedade. Os comportamentos
são justificados como “valor educativo” para a criança, de que está obtém "prazer sexual”,
ou de que a criança foi “sexualmente provocante”. Há que se relevar aspectos sobre o
sistema familiar que o abusador estava (sua família originária) e está inserido (sua família
atual), sobre o histórico socioculturaí da família patriarcal, o grau de verticalidade do
empoderamento dentro da família do abusador, suas crenças sobre disciplina e respeito
entre os membros familiares. Os próprios conceitos de poder, machismo, gênero e
hierarquias que são construídos socialmente, devem ser trabalhados para romper com a
crença e a ação prevalentes do mais forte sobre o mais fraco, do adulto sobre a criança.
No caso específico desse tipo de violência ocorrem também muitas desculpas
clássicas ligadas às auto-regras incorretamente reforçadas socialmente e que devem ser
desmistificadas, tais como ‘a criança é culpada por seduzir o adulto', 'a criança tem o poder
demoníaco’, ‘a criança me provocou1, ‘ela também tem fantasias sexuais’, ‘com essa saia
curta estava querendo...’. De acordo com Santos (2002), as crenças sociais e cufturais sobre
a infância contribuem em grande medida para a construção desse cenário de maus-tratos e
desvalorização da infância, posicionando as crianças em lugar de anjo ou demônio, distorcendo
suas reais necessidades. Agressores, em geral, que crescem nesse contexto têm seu
desenvolvimento psicossocial comprometido e tornam-se pessoas adultas com grande
dificuldade em se relacionar com outros indivíduos e, assim como aprenderam em sua
própria experiência, não conseguem perceber o outro como sujeito com suas próprias
necessidades e idiossincrasias, Embora possa ser questionável essa forma de repetição de
ações que o feriram e o vítimizaram, ressalta-se que esta foi a forma aprendida de se relacionar.
Alguns abusadores possuem uma história de dificuldades em ser assertivo. A
assertividade aqui deve ser dosada entre os direitos do abusador e os direitos da criança, e
até mesmo de outros membros da família. O treinamento de assertividade nesses casos
deve buscar equilíbrio em reconhecer também os interesses dos outros e não apenas os de
si próprio. Quando em caso de abuso transgeracional, o abusador não aprendeu a ter os
seus interesses respeitados, e isso constitui um fator que indica uma operação estabelecedora
da dificuldade para discriminar os interesses dos outros. É o padrão inadequado se repetindo
ao longo das gerações necessitando o rompimento desse ciclo disfuncional.
Abusadores podem apresentar incapacidade de relacionar-se com pares do
mesmo nível, de construir relações afetivas maduras com adultos. Furniss (1993) afirma
que os abusadores sexuais precisam de treino em habilidades sociais para lidar com
a baixa auto-estima e a imaturidade emocional que tornam difíceis a resolução dos
conflitos conjugais e o atendimento das demandas pessoais. Geralmente, o abusador
possui um nível dé imaturidade emocional semelhante ao de uma criança. Ainda, como
muitos abusadores demonstram um medo de mulheres, faz-se necessário trabalhar a
incapacidade de abordar e comunicar-se com mulheres adultas de maneira funcional.
O abusador deve romper o segredo e nomear os fatos. Não pode haver a continuidade
da dissimulação. No campo do abuso sexual, o delito é desestruturante psicossoaalrnente,
mas o não falar pode ser mais ainda, tanto para a criança quanto para o abusador. Entretanto,
cabe ressaltar que assumir a autoria de um abuso sexual como realidade psicológica pode

Sobrr Comportamento * CogoiçJo


submeter o comportamento do abusado a contingências extremamente aversivas. A pessoa
pode mentir e/ou negar para evitar punições positivas (quando a resposta produz esfimulos
avensivos) ou negativas (quando a resposta remove ou adia estímulos reforçadores). Segundo
Furniss (1993) a esquiva em assumir o comportamento abusivo pode estar ligada a cinco
aspectos: legal, familiar, psicológico, social e financeiro. 1) legal: o medo do encarceramento;
2) familiar: perda da parceira, dos filhos, do apoio de outros parentes; 3) psicológica: suicídio,
abandono da parceira, auto-respeito, própria história de abuso sexual, medo da solidão e do
isolamento, incapacidade de lidar com a situação, incapacidade de enfrentar a adicção e
alívio da tensão através do abuso; 4) social: retaliação, reputação, estigma, isolamento e 5)
financeiro: perda do trabalho, perda dos rendimentos, perda da licença profissional e perda
da reputação. Não obstante a esses contextos aversivos, a assunção da autoria do abuso
pode auxiliar no processo de autoconhedmento, de controle de variáveis ligadas ao contexto
abusivo e, por conseguinte, de prevenção a episódios de abusos sexuais posteriores,
conseqüenciando na evitação da ressurgência do comportamento abusivo. Em suma, além
da nomeação do fato, o abusador deve assumir a única responsabilidade pelo abuso, ser
fortalecido como homem adulto e responsável pela vítima, aprender o autocontrole e não
permitir situações que evoquem os comportamentos abusivos.
Enfim, na intervenção com o abusador existe um aspecto duramente perceptível
pelo profissional. As revelações sobre o abuso sexual podem desestruturar uma família, qual
seja a sua estrutura, qual seja a sua organização. Entretanto, devemos saber que, apesar do
pai ter sido uma pessoa que provocou um caos psicológico na vida de uma criança, ele ainda
é o pai. O trabalho com o abusador deve considerá-lo como membro de uma familia. Um
membro com comportamentos disfuncionais e que, pode ter desequilibrado uma família,
mas ainda assim é um membro dessa família. Furniss (1993) enfatiza que a maioria das
crianças que sofreram abuso sexual não querem que seu pai seja preso, elas querem que o
abuso cesse, querem ser protegidas e querem um pai, mas um pai que não abuse.

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Sobre Com portam m to t C o jn iç â o


Capítulo 12

Terapia sexual sob a perspectiva


analítíco-comportamental

Antônio /sídro da Silva*


Qeison Isidro-Marínho *
Liana da Silva M ousinho**

Introdução
Por muitos séculos, a concepção de sexo foi marcada pelo domínio da religião,
sendo vista como manifestação do diabo peio cristianismo. As prostitutas eram
recipientes que levavam consigo os males do sexo, e as mulheres descentes não
podiam manifestar seus interesses sexuais. No mundo ocidental, se observam várias
contradições e ignorância sobre o comportamento sexual, o qual apenas no século XX,
com a utilização de método científico por pesquisadores, foi melhor entendido.
No início do século XX, o engenheiro Alfred Jones criou uma máquina antí-
masturbação que queimava a pele de homens e mulheres quando acionada. Outra
invenção para eliminar sonhos eróticos foi um aparelho ligado a um gramofone que
tocava uma música suave e acordava a pessoa que estava sonhando (Foucault, 1977).
No mesmo período, Havellock Eílis, profundamente religioso, teve uma visão que
o levou a dedicar a vida aos desejos da carne e a pregar o evangelho do sexo. Eliis acreditava,
influenciado por Freud, que a fonte de grande parte do sofrimento humano viesse da
repressão sexual e um modo de se livrar da dor era dedicar-se a religião natural do amor
livre. Por isso, foi um visionário e reformador do seu periodo ao acreditar na excelência do
sexo. Seu trabalho mais significativo foi intitulado de "Estudo sobre a Psicologia do sexo”,
uma enciclopédia de sete volumes. Em 1897, ele publicou o primeiro volume “inversão
sexual” que tratava a homossexualidade como parte integrante da vida humana. Pelo fato
de não definir a vida homossexual como crime nem como doença, Ellis foi atacado pelas
autoridades legais que proibiram seu livro, taxando-o de literatura indecente.
Nos anos 20 e 30, a Alemanha era considerada a máquina sexual da Europa,
havendo uma busca frenética por liberdade erótica e artística. Nessa época, Magnus
Hirschfeld, professor universitário e médico assumidamente homossexual, fundou o
Instituto de Ciências Sexuais em Berlim, realizando pesquisas regulares sobre sexo. Deu
o nome de travesti para homens que apresentavam anomalias sexuais. Reich, um

"Instituto São Paulo tie Anôtee do Comportamento- INSPAC e Centro **Unlversilário de BrasOta - UniCeub
Instituto SSo Paulo de Anáíse do Comportamento- INSPAC

144 AntónioIsidrtidaSilva.Qei*ontadro-Marínho,Lianad«SilvaMousinho
estudante radical de Freud, acreditava que o poder do orgasmo mudaria o mundo. Nessa
visão, os desejos sexuais eram vistos como a principal força motora da vida humana.
Acreditava que podia armazenar a energia de orgasmos em caixas de madeiras. Morreu
preso em 1957 porque suas idéias constituíam uma ameaça à segurança nacional.
Avançando na história da revolução sexual, nas décadas de 40 e 50, o sexo na
América ainda era dominado pela culpa. As leis do sexo da época só permitiam a
masturbação e sonhos eróticos, sendo que tudo o mais era tabu. Contudo, em 1940, Affred
Kinsey, professor da Universidade de Indiana, causou polêmica com suas idéias ao desviar
seu interesse de sexo entre animais para seres humanos. Em 1947, Kinsey criou o Instituto
de Pesquisa do Sexo, onde ele e seus pesquisadores investigavam o comportamento
sexual dos americanos. Desenvolveram uma técnica especial de entrevistas sobre sexo,
nas quais se fazia perguntas decoradas e se mantinham os olhos fixos nas pessoas. Em
1948, publicou um ensaio “O comportamento sexual masculino”, onde apresentou
estatísticas sobre o comportamento sexual masculino envolvendo masturbação, traição e
sexo com animais. Mais tarde, em 1953, publicou um livro sobre o comportamento sexual
feminino revelando novamente estatísticas que chocaram os americanos. Embora a
sociedade americana tenha aceitado as estatísticas sobre os homens, o mesmo não
ocorreu com as mulheres as quais não podiam ser vistas como prostitutas que se
masturbavam e tratam seus maridos. Essas idéias permitiram que a culpa associada ao
sexo fosse reduzida, argumentando que se todos o fazem, o pecado não é de ninguém.
Ainda nos anos 50, levando adiante as pesquisas de Kinsey, o casal de médicos
Masters e Johnson, munidas da mais avançada tecnologia, convidaram prostitutas e
estudantes para realizar suas pesquisas sobre o comportamento sexual humano. Os
voluntários possuíam eletrodos conectados nos seus corpos e, sozinhos ou em pares,
se masturbavam ou mantinham relações sexuais, enquanto suas respostas fisiológicas
eram medidas. As pesquisas forneceram informações nunca antes reunidas por outros
estudiosos. Em seus estudos fisiológicos provaram que o orgasmo feminino ocorre no
clitóris, derrubando a teoria de Freud do orgasmo vaginal que até então prevalecia. Em
1966, publicaram as primeiras descobertas no livro “Resposta sexual humana”. Seus
trabalhos pioneiros ajudaram a descrever a linguagem da revolução sexual, mostrando
como funcionava o sexo. Também ajudaram as pessoas a fazê-lo melhor criando a
terapia sexual para vários problemas sexuais (Masters e Johnson, 1997, 1970).
O presente trabalho tem como objetivo identificar o processo de aprendizagem
do comportamento e das disfunções sexuais, bem como apresentar a terapia sexual na
perspectiva da Análise do Comportamento.

Aprendizagem Sexual
Para a Análise do Comportamento, o comportamento sexual humano possui duas
particularidades. A primeira é a função biológica da manutenção da espécie. A segunda,
cultural, diz respeito à evolução do comportamento para uma realização romântica e afetivo-
sentimental. Ao longo da vida, as pessoas buscam realizações em diferentes setores. No
setor sexual, busca-se satisfação, prazer e felicidade. No entanto, essa realização pode ser
dificultada pela história particular do indivíduo, pois, embora os organismos sejam dotados
de potencial para atividade sexual, nem sempre a história ambiental é favorável.
Segundo Masters e Johnson (1997), todo organismo nasce com potencialidade
para a resposta sexual, sendo que esta possui cinco fases: desejo, excitação, platô,
orgasmo e resolução. Todavia, a história de exposição às contingências pode
interromper o fluxo da resposta fisiológica. As interações interpessoais disfuncionais,

Sobre Comportamento t Cognição


caracterizadas pela ausência de repertório ou pela emissão de respostas disfuncionaís
no contexto sexual, são resultado da aprendizagem e de informações errôneas sobre a
relação sexual. Cada indivíduo possui uma história particular de aprendizagem afetiva
e, também, uma história de aprendizagem sexual particular, na qual qualquer estímulo
do meio pode se tomar funcional no controle da resposta sexual.
Assim como os demais comportamentos dos organismos, o comportamento sexual
está sujeito às mesmas leis comportamentais responsáveis pela manutenção ou
eliminação de um determinado repertório. A compreensão, portanto, da aprendizagem sexual
perpassa pela compreensão dos princípios comportamentais respondeníes e operantes.
O comportamento respondente refere-se aqueles comportamentos que foram
preparados pela evolução da espécie (filogenia) e que possuem um controle antecedente,
ou seja, são eliciados por estímulos antecedentes. Na aprendizagem respondente ou
pavloviana, qualquer estimulação ambiental, inicialmente neutra, quando associada a
tais estímulos, adquire as funções comportamentais daqueles estímulos com os quais
foi emparelhada (Calania.1999). O quadro a seguir ilustra a aprendizagem respondente
aplicada à compreensão do comportamento sexual:
Aprendizagem Sexual Respondente

SI- (pressão aversiva) -► R emocional aversiva ^

Centro Medular

SI (caricia) — — ►R sexual (excitação)

Resultado: Orgasmo

DO Concorrência de Estímulos;

Ofl O reflexo orgástico perde a intensidade;

OD O S eliciadof da R sexual perde a força

Na ilustração, observa-se que pode haver emparelhamento de respostas


emocionais com estímulos sexuais, havendo concorrência de estímulos. Como resultado
do emparelhamento, o reflexo orgástico perde a intensidade e o estímulo antes eliciador
de excitação perde sua força, ao ser emparelhado com um estímulo aversivo.
Com base no paradigma pavloviano, qualquer estímulo ambiental pode adquirir
função de controlar respostas sexuais. Sob esse ponto de vista, todo o contexto ambiental
pode ser associado a respostas eróticas, as quais são de natureza respondente. Portanto,
para entender o papel dos estímulos responsáveis pelas respostas de ereção ou flacidez
peniana e lubrificação vaginal, por exemplo, deve-se considerar o paradigma pavloviano.
Por outro lado, os princípios comportamentais operantes também participam
do processo de definição da aprendizagem sexual. Para se compreender as funções
operantes dos estímulos ambientais sobre a resposta sexual, faz-se necessária a
identificação das suas funções antecedentes e conseqüentes.
Em termos antecedentes, os estímulos podem exercer, em geral, funções
discriminativas ou estabelecedoras. Seu papel é inicialmente o de evocar o
comportamento em sua presença, embora ambas funções apresentem particularidades.
As funções discriminativas de um estimulo são adquiridas por meio de um treino
discriminativo e indicam a disponibilidade diferencial de reforçamento. Na presença de

146 Antônio Isidro da Silva, Orison IskW M arinho, liana d l Sltva Mousmho
SD, um determinado comportamento é reforçado e, na presença de Sdelta, a ocorrência
deste mesmo comportamento não é consequenciada. Como resuttado, na presença
de SD, o comportamento será evocado, enquanto que na presença de Sdelta, o
comportamento deixará de ocorrer. Entretanto, as funções estabelecedoras dos
estímulos, isto é, das operações estabelecedoras (OE), são identificadas a partir de
dois principais efe/tos. Primeiramente, o efeito estabelecedor do reforço - caracterizado
pela alteração da efetividade do reforçamento - e, em segundo lugar, efeito evocativo do
comportamento - caracterizado pela alteração da frequência de qualquer comportamento
historicamente reforçado por tal reforço (da Cunha e Isidro-Marinho, 2005).
No contexto sexual, diversos estímulos adquirem, a partir de uma história de
condicionamento, as funções de indicar a disponibilidade de reforçamento ou até mesmo
da punição. Por exemplo, diante de uma situação sexual, um rapaz pode ficar atento às
“caras e bocas" de sua parceira, pois teve uma história de aprendizagem em que certos
gestos e expressões indicavam a possibilidade de reforço ou punição. Diante de alguma
expressão, que historicamente esteve associada à rejeição, ou seja, probabilidade de
punição, este rapaz pode ter o fluxo de sua resposta sexual interrompido. Igualmente as
operações estabelecedoras. Por exemplo, uma história de relacionamentos sexuais
desconfortáveis e com dores pode levar mulheres a terem o valor reforçador da atividade
sexual diminuído. Além disso, na exposição às contingências sócio-cutturais como
família, religião, modelos e mídia, as regras a respeito de sexo são aprendidas e têm a
função, enquanto operações estabelecedoras, de controlar respostas sexuais, no
sentido apetitivo ou aversivo. Os tabus, por exemplo, a respeito do sexo, podem levar
pessoas a verem a atividade sexual como sendo algo aversivo.
Em termos conseqüentes, os estímulos exercerão as funções de fortalecimento
e enfraquecimento de operantes. O refprço, além de fortalecer o comportamento público
que o produziu, aumentando sua freqüência, produz efeitos sobre comportamentos
encobertos relacionados ao pensar e ao sentir. No entanto, a punição e a extinção, além
de enfraquecerem, ou seja, diminuírem a probabilidade de ocorrência do comportamento
que as produziu, geram “efeitos colaterais” sobre o mundo privado de um indivíduo
(Skinner, 2000; Baum, 1999). Por exemplo, se as contingências forem reforçadoras, o
pensar e sentir a respeito de sexo será positivo e agradável, havendo desejo, excitação,
orgasmo e uma prática sexual satisfatória. Todavia, quando as contingências são
aversivas haverá bloqueios de respostas sexuais, podendo haver prejuízos no desejo
sexual, lubrificação, excitação e orgasmo. O indivíduo pode apresentar vergonha, medo,
ansiedade e comportamentos de fuga e esquiva da situação sexual.
No contexto terapêutico, a compreensão das conseqüências do comportamento
sexual é de grande relevância. Conseqüências reforçadoras associadas aos quadros
emocionais e sensações agradáveis aumentam a freqüência de respostas para sexo.
Em contrapartida, conseqüências aversivas associadas aos quadros emocionais e
sensações desagradáveis, diminuem a freqüência de respostas para sexo e aumentam
a freqüência de respostas de fuga e esquiva. Em ambos os casos, a auto-estima do
indivíduo pode ser afetada, positiva ou negativamente. Vale ressaltar que os eventos
privados que fazem parte do ato sexual, assim como todos os comportamentos públicos
associados, constituem os problemas a serem tratados.
Por fim, para que haja uma melhor análise do comportamento sexual, ó necessário
que o terapeuta analítico-comportamental busque identificar as diversas variáveis das
quais o comportamento sexual é função, b qual se refere ao pensar, ao sentir e ao agir. Em
suma, uma pessoa que mantém relações sexuais responde pública e privadamente a
contingências variadas: estímulos eliciadores, estimulos discriminativos, operações

Sobre ComporUmcnto t Cognição


estabelecedoras, regras, auto-regras e conseqüências, as quais devem ser devidamente
exploradas no contexto da Terapia Sexual Analítico-Comportamental.

Disfunções sexuais
No âmbito de uma perspectiva anaíítico-comportamentai, 0 comportamento
sexual apresenta interfaces importantes que envolvem uma estrutura anatômica-
fisiológica interagindo com o ambiente, onde se conjugam as contingências no processo
de aprendizagem respondente e operante. O comportamento sexual pode ser analisado
sob vários aspectos: identidade, preferência e disfunções sexuais. Neste trabalho iremos
discutir apenas as disfunções sexuais.
As dificuldades sexuais, antes da década de 60, eram vistas como manifestação
de um quadro de psicopatologia e com pessimismo terapêutico (Kaplan, 1995, 1978,1977).
Muitas propostas de tratamento das disfunções foram desenvolvidas a partir dos trabalhos
de Masters e Johnson. Com a publicação do livro "Incompetência Sexual" houve destruição
dos mistérios que cercavam a resposta sexual, favorecendo a quebra de mitos e tabus
(Masters e Johnson, 1970). Concomitantemente, as pesquisas sobre métodos contraceptivos
avançaram, levando à liberdade sexual da mulher e favorecendo a prática de sexo.
Mesmo com o avanço nas pesquisas sobre o comportamento sexual, um estudo
realizado no Brasil por Abdo (2004) revelou que 42,8% dos homens e 50,9% das mulheres
apresentam algum tipo de dificuldade sexual, sugerindo que entre as informações sobre
sexo e sua prática existe uma lacuna. Os modelos mais tradicionais de tratamento do
comportamento sexual utilizam um referencial médico-fisiológico, no qual pensamentos,
percepções e sentimentos são entendidos como as causas do fracasso sexual, desviando
a atenção das variáveis determinantes das disfunções. Assim, parece haver necessidade
de um tipo de intervenção que favoreça a prática funcional do sexo.
Do ponto de vista analítico-comportamental, as disfunções sexuais podem ser
definidas como interrupção da seqüência do fluxo da resposta sexual do indivíduo,
acompanhada de respostas encobertas e públicas, em função de uma história de
exposição às contingências e, que envolvem comportamentos disfuncionais e
inadequação de pares. Embora a literatura médica especializada descreva a topografia
comportamental da disfunção sexual, o clínico comporta mental busca estabelecer as
relações funcionais entre as diferentes topografias de respostas e as variáveis que as
produzem. Portanto, a análise funcional do comportamento sexual é ponto de partida
para a compreensão e tratamento das queixas sexuais.
Inicialmente, consideremos as disfunções sexuais masculinas mais comuns:
ejaculação precoce e disfunção erétil. Uma descrição topográfica fornece dados para se
identificar diferentes respostas em nível público (por exemplo, reflexo ejaculatório breve e
flacidez peniana enquanto respostas fisiológicas, além de repertórios de esquiva do
contexto sexual em ambos os casos), e uma série de respostas em um nível privado
(sentimentos dé desconforto, medo, auto-estima diminuída, fracasso, etc, além de
respostas fisiológicas associadas aos quadros emocionais). Por outro lado, no caso das
disfunções sexuais femininas o mesmo pode ser observado. Além de topografias púbicas
(como respostas fisiológicas tem-se a falta de lubrificação vaginal e a contração do perineo
vaginal, além de respostas de fuga e esquiva da atividade sexual), os quadros disfuncionais
femininos apresentam, em sua maioria, uma alta freqüência de respostas encobertas,
tais como: interrupção do reflexo orgástico, dores e desconforto durante a atividade sexual,
sentimentos desagradáveis sobre si e sobre o sexo, medo e vergonha do fracasso sexual.
A análise funcional de tais comportamentos deve ser iniciada pela identificação
dos contextos em que as respostas (públicas e privadas) ocorrem, considerando as

148 Ant&nio Uidra àa Silva, Geison lódro-Marinho, Uan* da Silva Mousmho


contingências históricas que fa vo rece ra m a aquisição d essas disfunções. Na a n ális e,
poder-se-á observar a presença de contingências, que en q u an to a n tec ed e n te s possuem
funções discriminativas e es tab elecedo ras, alterando a efetividad e refo rça d o ra/p unitiva
de e s tím u lo s s e x u a is , a lé m d e e v o c a re m c o m p o r ta m e n to s d e fu g a e e s q u iv a .
C o n c o m ita n te m e n te , ta is c o n tin g ê n c ia s ta m b é m e lic ia m q u a d r o s e m o c io n a is
concorrentes com a resposta d e excitação , interrom pendo o fluxo da resposta sexual.

Em termos conseqüentes, a densidade de reforçamento e de punição também


determinam as classes de comportamentos que se mantém ou não no repertório, muitas
vezes treinando respostas desfavoráveis à atividade sexual. Isto é, as conseqüências
ambientais selecionam aqueles comportamentos mais reforçados. Se em contingência
sexuais, alguns comportamentos são selecionados, pois são adequados a um determinado
contexto, embora não sejam apropriados em outro, tais respostas ocorrerão com alta
freqüência e isso pode implicar, em uma relação futura, na inadequação do par. Por exemplo,
um cliente que apresentava disfunção erétil teve uma história sexual em que para se excitar
com parceiras anteriores, deveria assistir a filmes pornográficos. Ao se casar, sua esposa,
por não se sentir confortável com o entretenimento do marido, passou a não permitir que o
mesmo assistisse aos filmes. Isto gerou uma fonte de conflitos e o cliente passou a
apresentar dificuldades de obter ereções, culminando, portanto, na inadequação do casal.
Portanto, é necessário considerar as três classes de respostas associadas às
disfunções sexuais. Primeira, o pensar a respeito de sexo. Segunda, o sentir associado
ao sexo. Terceira, o repertório público em situações sexuais. E, à medida que se
estabelece as relações funcionais entre o comportamento e o ambiente, pode-se
compreender melhor a disfunção sexual e buscar intervenções que manipulem aquelas
variáveis das quais o comportamento é função.

Terapia sexual analítico-comportamental


Em termos analítico-comportamentais, a terapia sexual pode ser entendida
como um ramo especializado da Psicoterapia que visa a compreensão e o tratamento
de queixas relacionadas ao comportamento sexual. A partir da análise da interação
entre organismo e ambiente, visa ajustar os comportamentos das pessoas, de forma
que elas obtenham prazer nas relações sexuais.
Segundo Costa (2002), a terapia analítico-comportamental fundamenta-se
filosoficamente no Behaviorismo Radical de Skinner e utiliza os princípios da análise
comportam ental, objetivando a análise funcional das variáveis das quais o
comportamento do cliente é função e mudando-o quando necessário. No contexto da
terapia sexual, tais fundamentos serão aplicados para o tratamento de queixas referentes
ao comportamento sexual.
Um dos elementos fundamentais da Terapia Analítico-Comportamental é a
relação terapêutica. Segundo Kohlenberg e Tsai (2001), a relação terapêutica constitui-
se a própria terapia, enquanto que para a maioria dos analistas do comportamento,
trata-se de um imprescindível elemento para a coleta de dados, para a motivação do
cliente. No contexto da terapia sexual, sua função torna-se ainda mais importante dada
a natureza da queixa, em que conceitos e preconceitos, mitos e tabus a respeito de sexo
geram resistência por parte dos clientes em abordar tais questões. O terapeuta analítico-
comportamental deve estabelecer uma relação de confiança, de aceitação e de
segurança, objetivando o compromisso' do cliente com o processo, visto que a maioria
dos procedimentos de intervenção ocorre em seu ambiente natural.

Sobre Comportamerilo t Cognição 149


Por outro lado, no consultório, o terapeuta deve desenvolver um plano de
intervenção para o tratamento das disfunções sexuais (ísidro, 1986). Esse plano é
composto por procedimentos verbais e não verbais, cujo objetivo é a iterar aqueles
comportamentos que interferem no sucesso da atividade sexual. A escolha de tais
procedimentos deve observar a natureza das respostas associadas à queixa, sendo
que para cada disfunção há técnicas específicas (Cavalcanti e Cavalcanti, 1997).
Por fim, em sua intervenção, o terapeuta analítico-comportamental deve
esclarecer, reformular regras e auto-regras errôneas sobre sexo, promovendo a auto-
estima e favorecendo uma comunicação clara sobre sexo e sobre o relacionamento
sexual com intimidade e altruísmo. Embora as manobras operantes sejam públicas, as
conseqüências prazerosas e a realização do par ocorrem no mundo privado. Entende-
se que no par um não pode se servir do outro, mas compartilhar e celebrar a relação.

Referências

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Baum, W. (1999). Compreender o behavíorísmo. Porto Alegre: Artes Médicas
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Médicas.
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da Cunha, R. N. & Isidro-Marinho, G. (2005). Operações estabelecedoras: um conceito de Motivação.
In Josele Abreu-Rodrigues & Michela Rodrigues Ribeiro (Orgs.). Análise do comportamento:
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Kaplan, S. K. (1977). A nova terapia do sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). FAP - Psicoterapia Funcional Analítica. São Pauio: Esetec.
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Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

150 António Isidro da Silva, Geúon Isidro-Marinho, Uatta da Silva Mousmho


Capítulo 13
Psícoterapía analítico funcional (FAP)

Luc V an d en b erg h e

A psicoterapia analítico funcional emergiu nos anos de oitenta como uma forma de
psícoterapía que usa a retação terapêutica como o único instrumento de transformação
(Kohlenberg & Tsai, 1987). A observação que os problemas do paciente podem se manifestar
em relação ao anafista não era uma novidade. Porém, esse fenômeno tinha sido conceituado
em termos intrapsíquicos. Foi explicado em um nivel meta-psicológico como algo que
ocorre dentro do psiquismo do cliente (transferência) e do terapeuta (contratransferência). A
FAP propõe uma compreensão contextualista para o mesmo fenômeno. Nessa, a
transferência e a contratransferência nãb são situadas no psiquismo do indivíduo, mas no
relacionamento entre as pessoas. Tal visão tem implicações pragmáticas para a atuação
do terapeuta. A ocorrência de reações emocionais entre terapeuta e cliente pode dar acesso
direto às causas das dificuldades para as quais o cliente procura terapia, já que etas podem
ser vivenciadas e estudadas enquanto estão ocorrendo. No caso de um cliente que se
queixa do fracasso nos seus relacionamentos íntimos pode ser detectado, por exemplo, o
que ele faz que atrapalha o desenvolvimento de uma relação interpessoal, como efe faz a
outra pessoa (no caso o terapeuta) se sentir, como ele reage às manobras interpessoais
do outro etc. Por via dessa análise, a ocorrência de tal fenômeno entre o cliente e o
terapeuta se torna uma oportunidade de trabalhar as causas dos problemas enquanto
estão acontecendo ao vivo (Kohlenberg & Tsai, 1994a) em vez de discutir soluções
para problemas que ocorrem fora da sessão.
A FAP foi proposta como uma abordagem de tratamento integrativo e completo,
baseado na construção de um relacionamento interpessoal genuíno e intenso que
providencia uma variedade densa de vivências curativas. E é desta forma que ela é
geralmente praticada. Porém, existe a opção alternativa de usar estratégias propostas
pela FAP como técnicas adjuntivas na prática da terapia cognitivo-comportamental. Nesse
último caso essas estratégias se transformam num método para turbinar o tratamento,
tornando a vivência mais intensa e dando acesso direto às crenças e às distorções
cognitivas do cliente enquanto essas estão ocorrendo ao vivo. Assim, na vivência direta
toma-se possível observar a contingência que mantém o controle verbal e trabalhar a
mesma enquanto ocone (Kohlenberg Tsai, 1994b; Hopko & Hopko, 1999; Kohlenberg,
Kanter, Bolling, Parker & Tsai, 2002; Kanter, Schildcrout & Kohlenberg, 2005). Independe da
questão se a FAP é usada corno tratamento por si mesma ou como técnica adjuntiva, os
princípios fundamentais da abordagem continuam os mesmos.

S obre C om po rtam ento t C ognição


Fundamentos
Os padrões interpessoais dos indivíduos são analisados como estratégias
operantes, mesmo que as funções destes sejam extremamente suíis e podem ficar
despercebidos pelo próprio indivíduo que os emite (Koblenberg & Tsai, 1993). Essa
compreensão operante significa que para entender os padrões interpessoais de um
cliente, o terapeuta precisa examinar a história da pessoa como também as suas
relações sociais atuais para detectar quais contingências mantém esses padrões. Os
sentimentos dos quais o cliente se queixa são efeitos de exposição às contingências.
Eles contêm informação importante que ajudará a detectar as contingências que os
geraram. Por isso devem ser usados como dicas que apontam para o que está ocorrendo
na vida do cliente. Crenças são comportamentos verbais, produtos da
socialização. Podem descrever contingências reais ou falsas. O que um cliente acredita
ou pensa pode influenciar suas ações através de diversos mecanismos de controle
verba). Mas mesmo quando o cliente age sob controle de regras que não descrevem
nenhuma contingência real, estas regras são produtos da história do cliente e podem
apontar vivências importantes que devem ser trabalhadas na sessão.
Como o terapeuta seleciona o material com o qual trabalha? Trata-se de
emoções, de maneiras de pensar, de ver as coisas e de estratégias para lidar com o
ambiente interpessoal. Os conteúdos abordados na sessão variam de reiatos. de sonhos
{Callaghan, 1996; Conte 2001) a elaborações de sentimentos (Kohlenberg & Tsai, 1998 ;
Carrascoso Lopes, 2 0 0 3 ). Porém, não são os conteúdos em si mesmo que
são trabalhados, mas a maneira como esses funcionam no seio do relacionamento
terapeuta-cliente. O terapeuta não trabalha com tudo que acontece entre ele e o cliente,
mas somente com aquele materiai que é diretamente relevante para o processo
patológico no qual o cliente está em tratamento e para a resolução do mesmo. Na
literatura brasileira (Conte, 2001; Sousa, 2004; Brandão, 2004) esse material é
geralmente indicado com a sigla inglesa CRB (Clinically Reievant Behavior) que é
mantida para o conceito de "comportamento clinicamente relevante’’.
Um CRB1 é a ocorrência na sessão de um problema do cliente que está diretamente
relacionado com os problemas do cotidiano para as quais ele procurou terapia. Por exemplo,
um cliente que sofre de isolamento social e que gera no terapeuta um incômodo ou até uma
certa antipatia pelas suas atitudes sufocantes e sua dependência emocional, pode
estar fazendo com o terapeuta exatamente as mesmas coisas que no seu cotidiano afastam
as pessoas, assustando-as pela maneira com que ele as trata. O terapeuta pode então,
fazer uso dos sentimentos que o cliente evoca nele para detectar o que o cliente está
fazendo com ele e descobrir por este caminho as causas, às vezes sutis e ainda ocultas
dos problemas do cliente. Um CRB2 é a ocorrência na sessão de uma melhora clinicamente
relevante. O cliente do exemplo pode emitir na relação com o terapeuta comportamentos
que melhoram o relacionamento e que ajudariam também, no cotidiano, a aproximação
das pessoas, a criação de laços que fazem sentido, e assim sair da solidão. A interação
entre terapeuta e cliente toma possível o desenvolvimento destes repertórios interpessoais
que mudarão a maneira do cliente se relacionar com seu mundo.
Para poder detectar e interpretar oportunidades de aprendizagem ao vivo para o
cliente, o terapeuta deve estar plenamente em contato com o que acontece entre ele e o
cliente (inclusive com as sensações e os pensamentos que o diente evoca no terapeuta)
- em vez de seguir regras de atuação pré-estabelecidas. O terapeuta não acredita que sabe
com antecedência como agir. Se ele segue regras de conduta, estará menos sensível para
o que ocorre entre ele e o cliente. A FAP não estabelece, por exemplo, que o terapeuta
deve reagir com aceitação incondicional a todo comportamento do cliente ou que ele deve

152 LucV&ndtnWghe
manter uma postura neutra e objetiva. Quando a busca de acolhimento pelo cliente é um
CRB1. o terapeuta deve se abster de reforçar essa estratégia. Mas quando é um CRB2,
se toma imprescindível acolher cada ocorrência desíé mesmo comportamento. Também
n30 podemos dizer que o terapeuta deve ser transparente e compartilhar informações
pessoais com o cliente. Sempre a atitude do terapeuta dependenderá da questão, quais
efeitos suas reações terão sobre o comportamento clinicamente relevante. Para cada
cliente, o terapeuta deve interrogar seus sentimentos à luz da sua conceituação do caso.
Essa conceituação inclui sua análise funcional dos problemas que o cliente vive no seu
cotidiano, os recursos dos quais o cliente dispõe e a história de aprendizagem que torna
os problemas e déficits no repertório interpessoal compreensível.
A conceituação do caso permite questionar de maneira fúcada o que o cliente
está fazendo com o terapeuta em cada momento. A cliente que foi vitima várias vezes de
abuso sexual em relações de dependência e não consegue lidar com intimidade e
aproximação emocional está agora se fechando para o amor que a terapeuta expressa
para ela (Kohlenberg & Tsai, 1998)? A cliente que destrói seus relacionamentos com
padrões de ciúme está repetindo as mesmas atitudes com o terapeuta (Carrascoso
Lopes, 2003)? A cliente cujas formas agressivas e incoerentes de tidar com gente tinha
se mostrado a forma mais eficiente para conseguir compreensão e apoio das pessoas
com quem convive, ou o cliente que aprendeu lidar com todos os desafios com esquiva
passiva no decorrer de uma história em que todas as suas iniciativas foram cruelmente
punidas, usam os mesmos estilos para lidar com o terapeuta na sessão (Vandenberghe,
Ferro & da Cruz, 2003)? Quando as respostas a esses tipos de perguntas são positivas, o
terapeuta pode concluir que será com esses comportamentos que deve trabalhar.
Sempre será a interação entre terapeuta e ciiente que oferece as oportunidades
para intervir. O fato que esse relacionamento é diferente de outros relacionamentos do
cotidiano perm ite a atuação terap êu tica. Será exatam en te a o co rrê n c ia
dos comportamentos clinicamente relevantes nesse contexto diferente que permitirá
que esses comportamentos sejam influenciados de maneira que difere das formas em
que pessoas importantes influenciam os mesmos na vida do cotidiano (Ferro, 2006;
Callaghan, Naugte & Follette, 2003). Os modos terapêuticos de influenciar os
comportamentos clinicamente relevantes são geralmente resumidos em termos de
três guias. Para poder atuar de acordo com estas, o terapeuta deve elaborar alvos
claros para cada sessão. Esses alvos são descrições do que ele pode fazer durante a
sessão para promover as metas que foram combinadas com o cliente.
Há três princípios (também chamados de guias) na condução da FAP, que ajudam
na formulação concreta dos alvos para a sessão. Primeiro princípio: o terapeuta deve
observar, evocar e avaliar CRBs. Segundo princípio: o terapeuta deve consequenciar CRBs
e observar o efeito das consequências sobre o cliente. Há cinco diferentes técnicas para
responder a um CRB1: extinguir; ignorar (passivo); bloquear (ativo); evocar um
comportamento alternativo; permitir a ocorrência de uma conseqüência natural punidora.
Responder a um CRB2 é possível somente por permitir a ocorrência de um reforço
natural ou por ampliar ou destacar um reforço natural que está ocorrendo, mas ao qual o
cliente não teria acesso. Podemos ilustrar a primeira forma de reforçar com o exemplo de
um cliente para quem expressar suas necessidades é um CRB2. Quando estó cliente
pede algo ao terapeuta que tem sentido no contexto do relacionamento entre eles, o
terapeuta procurará providenciar o que o cliente pedju. Um exemplo da segunda forma
poderia ser o compartilhar de um sentimento relevante do terapeuta que ocorreu como
consequência natural de um CRB2 emitido pelo cliente. Se o terapeuta não compartilha
este efeito que o comportamento do cliente tem sobre ele, esfa conseqüência não poderia

Sobre Comportamtnto e Cognição


ter efeito reforçador porque ocorre como uma resposta encoberta do terapeuta.
Consideramos um sentimento do terapeuta como relevante se o mesmo comportamento
do cliente que evocou este sentimento também evoca sentimentos parecidos em outras
pessoas quando for emitido no ambiente do cotidiano do cliente.
De acordo com o terceiro princípio, o terapeuta deve promover a generalização
das mudanças. Isto pode ser feito por oferecer descrições funcionais que destacam as
relações funcionais envolvidos nos novos comportamentos. Descrições funcionais são
mais generalizáveis porque podem ocorrer em diferentes relacionamentos da mesma
forma apesar de diferenças topográficas. Outras táticas para promover a generalização
consistem em: tecer uma variedade de diferentes ocorrências da interação clinicamente
relevante durante a sessão; explicitamente apontar paralelos entre o que ocorreu na
sessão e o que pode ocorrer na vida do cotidiano; propor tarefas de casa em que o
cliente pratica o novo comportamento no seu cotidiano.
Newring (2005) propôs um outro princípio que pode ser resumido como:
"estabelecer o terapeuta como um reforçador saliente'’. O autor explica esse princípio
em termos do conceito de operação estabelecedora. Porém, não é claro se esse princípio
é realmente relevante, já que, de acordo com a visão original (Koh)enberg & Tsai, 2001/
1991) não é o terapeuta que funciona como reforçador, porque ele somente é quem
permite que as conseqüências naturais façam seu trabalho. Vale a pena destrinchar
esse assunto, para evitar que a FAP seja ma) compreendida como um tratamento em
que o terapeuta funciona como fonte de reforço social para comportamentos que seriam
escolhidos como socialmente adequadas.
Numa leitura ortodoxa da FAP podemos entender esse quarto princípio em
termos do que torna o terapeuta mais eficaz na sua tarefa de permitir o reforço natural de
ocorrer. Essa questão faz referência a dois pontos que Kohlenberg e Tsai (1987, 2001/
1991) enfatizaram desde os inícios dessa abordagem. O primeiro ponto é o preparo da
pessoa do terapeuta. Tratar-se-ia de construir um “repertório efetivo" de terapeuta (ou
repertório de “terapeuta efetivo”) através de preparo, prática e supervisão. Esse repertório
deve ser relacionado à habilidades de entender seus próprios sentimentos no contexto
de um relacionamento interpessoal, de detectar as necessidades do outro e de poder
agir de maneira efetiva em relacionamentos íntimos. Inclui uma filosofia de vida e uma
visão do ser humano que permite trabalhar efetivamente com esta visão.
O segundo ponto refere ao que o terapeuta sente em relação ao cliente. Durante a
sessão tratar-se-ia de construir um relacionamento FAP efetivo com o cliente. Novamente
não é possivel definir em termos topográficos o que é “um relacionamento FAP". Amor e
compaixão são essenciais, como também, firmeza e determinação orientadas por uma
consciência clara dos valores do terapeuta e do cliente e das metas combinadas entre
eles. Não é possível conduzir um tratamento a partir da visão da FAP, quando você não ama
seu cliente. Amar o diente significa agir em prol do bem do cliente, Você ama quando o bem
do outro é por si mesmo reforçador para você. O ponto chave, novamente, é que o terapeuta
não age de acordo com as instruções sobre como conduzir a terapia ou de acordo com
regras de atuação, mas que ele age especificamente de forma que beneficie o cliente.
Um ponto importante que é relacionado com o princípio de aumentar a eficiência
do terapeuta em permitir que o reforçamento natural dos CRB2s ocorra, é o trabalho de
valores pessoais. É essencial que o cliente (como também o terapeuta) se norteie
pçlos seus valores profundos (isto é, as coisas que em uma análise final são as mais
reforçadoras para a pessoa - o que dá sentido à vida). Para chegar a identificar os seus
valores profundos, muitos clientes devem se libertar das amarras viscosas do controle
verbal, das regras que aprenderam a seguir para evitar sofrimento, angústia ou rejeição,

154 Luc Vandenberghe


mas que os afastam do que realm ente vale a pena para eles. M uitas vezes
o relacionamento genuíno e intenso com o terapeuta promove a descoberta pelo
cliente de novos reforçadores que o possibilitarão reorganizar seu projeto de vida.
O advento da FAP mudou irreversivelmente o rumo da teorização acerca da pessoa
do terapeuta comportamental. Ficou claro que o terapeuta combina dois papéis opostos.
Em um desses papéis, ele se posiciona como parceiro de conversação (Kohlenberg &
Tsai, 1967; Femandez & Ferro, 2006). No outro é ativista político (Rabin, Kohlenberg &
Tsai, 1996; Terry & Bolling, 2006). Podemos pensar nesses dois papéis como eixos
dialéticos e marcá-los com os termos ingenuidade versus irreverência. O parceiro de
conversação é ingênuo. O terapeuta não deve saber demais. Mais ele sabe (mais controle
verbal), menos terá sobre o que conversar. Se ele soubesse o que o cliente sabe, ele
estaria tão travado quanto o cliente. Está curioso, mas não pretende saber o que o cliente
deve fazer. Ele fala mais sobre si, sobre os efeitos que o cliente tem sobre ele. O ativista
político ó irreverente. Não aceita condições de poder estabelecidas. Não sanciona
adaptação à relações opressivas no casamento, na família, na sociedade. Desconstrói
discursos autoritários, procurando enfraquecer o controle verbal onde esse mantém o
status quo. Os dois eixos se encontram porque a ingenuidade, além de permitir mais
espaço para manobrar, permite questionar o que, para o cliente ou para a cultura em
geral, é considerado óbvio. Ela toma possível colocar verdades consolidadas em questão.

Prática e pesquisa
Um livro de Kohlenberg e Tsai (2001/1991) que foi escrito no fim dos anos
oitenta, descreve em detalhes como a FAP foi praticada em Seattle durante esta década.
A abordagem se diversificou a partir dessa época. Durante os anos de noventa colocou-
se em Seattle cada vez mais ênfase áobre exercícios de contato emocional, enquanto
em Reno continuou cultivando a ênfase em processos básicos de aprendizagem. Mesmo
assim, um consenso se mantinha na forma em que o tratamento deve ser desenvolvido.
A primeira sessão inclui uma avaliação inicial do tipo que é comum na terapia
cognitivo-comportamental, inclusive com uso de questionários. A vertente de Reno
destaca como muito importante que haja uma análise funcional formal do comportamento
do cliente no cotidiano, mas dispensa questionários e não considera essencial o uso
da folha de trabalho que em Seattle é o instrumento central pelo qual o terapeuta se
norteia a qualquer hora. Trata-se de uma folha dividida em colunas em que o terapeuta
anota dados sobre a história relevante do cliente, dos comportamentos problemáticos,
dos recursos disponíveis e das crenças relevantes no cotidiano, como também as
metas da terapia e as tarefas específicas que o terapeuta se põe em relação aos CRBs
na sessão. A vertente de Seattle não insiste numa análise funcional formalizada do
comportamento no cotidiano, mas enfatiza que a avaliação também evoca CRB1s e
CRB2s. A situação de ser avaliado evoca no cliente comportamentos que podem, às
vezes, dizer mais do que os resultados do processo de avaliação em si.
Desde a primeira sessão o cliente é esclarecido em relação às idéias
subjacentes da FAP. O terapeuta oferece uma introdução geral com os motivos de usar o
relacionamento terapeuta-cliente como instrumento de atuação. O terapeuta explica
similaridades e diferenças entre esse relacionamento e outros relacionamentos no
cotidiano, quais são as vantagens de trabalhar com o que ocorre na sessão e quais são
as expectativas do terapeuta com esie procedimento. Sempre é dado um espaço
suficiente para que o cliente tire dúvidas e se posicione frente a esta abordagem. A
primeira sessão é encerrada com uma tarefa de casa. O cliente é solicitado a relatar os
seus eventos de vida. Muitas vezes isso ocorre através de uma tarefa padronizada que

Sobre Comportamento e Cognição


se chama a “linha do tempo”, mas várias formas podem ser escolhidas dependendo
das características do cliente ou alvos terapêuticos.
A segunda sessão inicia com a revisão da ta re fa . Junto ao cliente, o
terapeuta discute as relações entre eventos de vida do cliente e os resultados da
avaliação da primeira sessão. A sessão termina com a proposta de uma nova tarefa de
casa que consiste em preencher um questionário que sonda o que ‘iniciar terapia’
evoca no cliente em termos de expectativas, medos, e outros pensamentos e
senf/mentos. A intenção é de relacionar as respostas do questionário com a forma em
que o cliente começa os relacionamentos na sua vida cotidiana, o que o novo significa
para ele e como ele lida com inícios em geral.
Só na terceira sessão, uma explicação especifica, baseado em todo o anterior,
é apresentada ao cliente. Nesta, o terapeuta esclareça de que forma o trabalho através
do relacionamento ajudaria nos problemas do cotidiano desse cliente em especifico.
Nesse ponto já é possível para o terapeuta apontar quais mudanças podem ser cultivadas
no seio do relacionamento e de que formas isto pode ocorrer. Mas mesmo assim, a
avaliação não terminou e a maior parte desta sessão é dedicada à identificação
continuada de categorias de alvos para a terapia.
Depois dessa fase inicial, as sessões seguem uma estrutura mais ou menos
padronizada. Começam com a revisão da folha de trabalho que interliga as sessões,
seguido pela formulação da agenda para a sessão e a revisão da tarefa de casa. Certos
terapeutas consideram que, formulando a agenda da sessão, o terapeuta acaba fazendo
demais para o cliente, impedindo assim, que o cliente aja da sua forma. Se o terapeuta
toma a iniciativa, ele pode impedir que os problemas clinicamente relevantes ocorram
ou que o cliente desenvolva novas estratégias para lidar com a situação. Do outra lado,
podemos também argumentar que a escolha dos conteúdos da agenda em conjunto
com o terapeuta, pode ser um desafio para o cliente que, dependendo do caso, pode ter
dificuldade em expressar suas necessidades, seu desacordo com prioridades
propostas pelo terapeuta ou defender seu ponto de vista. Assim, o ritual de estabelecer
a agenda pode oferecer oportunidades de aprendizagem ao vivo para muitos
clientes. Ambas as escolas enfatizam que durante toda a sessão o terapeuta atue de
acordo com alvos escolhidos em relação aos CRBs do cliente. Cada sessão é fechada
com uma nova tarefa de casa e um momento dedicado ao feedback
Enquanto o processo terapêutico avança, o terapeuta aumenta gradualmente a
especificidade do reforçamento. Uma amostra muito rica de exemplos em que o
terapeuta usou de formas elegantes e criativas ocorrências de comportamentos
clinicamente relevantes pode ser encontrado no relato do tratamento de um caso de ciume
patológico por Carrascoso Lópes (2003). Em muitos outros casos, como ficou claro nos
seminários de FAP em Seattle e em Milwaukee, o terapeuta lança mão de intervenções
trazidas de outras abordagens, todas usadas funcionalmente. O ecletismo técnico que
caracteriza a FAP em Seattle envolve táticas da Terapia Comportamental Clássica, como
a exposição ao vivo e prevenção de resposta, da Terapia Cognitiva, como o diálogo socrático,
das Terapias Sistêmicas e Vivenciais e da Terapia Tântrica, mas também técnicas
provenientes de tradições espirituais que anteriormente não tinham sido integrados na
prática terapêutica ocidental, como a meditação de coração aberto Porém, todas estas
técnicas são reinterpretadas com foco no relacionamento terapeuta-cliente.
Quando o processo está no meio, um novo questionário é apresentado com
‘questões do meio da terapia.’ Este questionário sonda os efeitos que esta fase do
relacionamento está tendo sobre o cliente. Os dados que o preenchimento do mesmo traz;
também são aproveitados para identificar assuntos que podem ter sido negligenciados no

156 Luc Vwidenbefjh«


trabalho, ou de aprofundar outros. No fim da terapia, o terapeuta foca como o cliente lida
cotd perdas e fins, como fida com progressos, e com a transição, o momento de passar
para uma nova fase. Há neste contexto um questionário com questões sobre o fim da
terapia. Finalmente, o terapeuta passa uma carta para o cliente em que relata como o
término está sendo para ele, quais foram os impactos que o cliente teve sobre o terapeuta e
o qüe ele deseja para o diente (Koh/enberg, Kanter, Bolling e coís. 2002).
O que seria o ideal de saúde mental que a FAP procurâ promover através de
toda essa vivência terapêutica? A FAP não propõe que pensamento racional seja a
maneira mais saudável para viver, nem defende o modelo de com portam ento
assertivo como os mais adequados. Ela não adere aos valores de racionalidade e
adaptação social que certas terapias propõem como alvos gerais p ara seus
clientes. Callaghan (2006) propôs uma tentativa de categorízação de CRB2s: (1) expressar
necessidades e valores em relacionamentos; (2) comunicação bidirecional - identificar
e reagir a feedback e reconhecer o impacto que a gente tem sobre o outro; (3) reconhecer
o contexto de conflito e reagir de maneira produtiva a conflito; (4) auto-revelação e
proximidade interpessoal - criar interações que fazem sentido; (5) estar em contato com
emoções e expressão emocional.
Parece que não existe um CRB2 genérico. Se existisse, poderia no melhor
caso ser chamado por um nome muito opaco, como: melhoras no funcionamento
interpessoal. Conceitos como genuinidade, consciência emocional e contato com seus
sentimentos geralmente ajudam a definir o que o tratamento pretende alcançar no
cliente, mas a FAP não se limita a elas. Em realidade, o que a FAP promove é um
progresso complexo baseado na história e nos alvos de vida do cliente. Às vezes o
terapeuta deve ir contra padrões alienadores que surgiram da história individual do
cliente (Carrascoso Lopes, 2003; Kohlenberg & Tsai, 1998), outras vezes deve ir contra
os papéis que a sociedade procura impor (Rabin, Kohlenberg & Tsai, 1996). Essencial,
novamente, é o preparo pessoal do terapeuta, que deve ser capaz de entender o efeito
da sua própria cultura e formação sobre seu comportamento, para poder identificar
claramente de que maneiras está influenciando o cliente.
A mesma visão é mantida na prática de supervisão do terapeuta FAP. O supervisor
desconfia de normas socialmente estabelecidas e se esforça a desconstruir as regras,
as quais o terapeuta tende a aderir. A vivência direta é cultivada como meio de formação
da pessoa. Nesse processo (Follette & Batten, 2000; Follette & Callaghan, 1995), o
sentimento se torna mais importante que a razão.
A habilidade mais importante para conduzir FAP é a de ser capaz de perceber e
de reagir adequadamente a CRBs. Isso exige que o terapeuta tenha repertórios sólidos
relacionados à capacidade de notar qualidades positivas em outras pessoas e de
compartilhar com essas pessoas quais efeitos estas qualidades tem sobre ele. O
processo de discutir repertórios interpessoais quando ocorrem ao vivo exige considerável
habilidade em identificar e tolerar emoções. Além disso, o terapeuta deve ter repertórios
bem desenvolvidos para discutir conflito e intimidade e nesse processo ser capaz de
auto-revelação. Deve ser capaz de providenciar feedback explícito para os clientes sobre
o impacto que esses repertórios têm sobre o terapeuta. E este feedback deve ser dado
enquanto o impacto está ocorrendo. Todo isso também exige que os terapeutas,
realmente e profundamente, se importem com seus clientes e que mostrem forte
determ inação frente às tendências de esquiva que podem ser evocad as por
conversações íntimas ou por contato emocional intensa, Kohlenberg Kanter & Boiling
(2 0 0 4 ) sugerem que a prática de m in d fu ln e s s pelo terap eu ta facilita ò
aprimoramento destas qualidades.

Sob pe Comportam tnto e CogniçJo


Certos pesquisadores ligados à comunidade FAP tem mostrado preocupação
em estabelecer apoio empírico para a FAP buscando evidência que é aceitável para a
comunidade científica mais ampla. A pesquisa sobre a eficácia da abordagem procura se
situar em diferentes campos. Como pode ser esperado de uma escola de psicoterapia
vivencial, foram publicados principalmente estudos de caso com metodologia
clínica (Carrascoso Lópes, 2003; Ferro, Valero & Vives, 2000; Callaghan, Summers &
Weidman, 2003; Kohlenberg & Tsai, 1998; Kohlenberg & Tsai, 1994b; López Bermúdez,
Ferro & Calvillo, 2002). Mas também há pesquisas focando o processo psicoterápico na
tradição hipoíetico-dedutiva (Kanter, Schildkrout & Kohlenberg, 2005; Kohlenberg, Kanter,
Bolling e cols, 2002) e estudos com metodologia indutiva na tradição da análise do
comportamento (Kanter, Landes, Busch e cols., 2006). Porém, a abordagem continua
longe de alcançar uma respeitabilidade empírica que algumas abordagens alcançaram.
Do outro lado, a amplidão dos problemas às quais a FAP está sendo aplicada
testemunha o seu potencial clínico. As suas aplicações, abrangem a terapia de grupo para
dor crônica (Vandenberghe, Ferro & da Cruz, 2003), o tratamento de transtornos de
personalidade (Sousa, 2004; Callaghan, Summers & Weidman, 2003), de depressão (Ferro,
2001; Ferro, Valero & Vives, 2001; Kanter, Landes, Busch e cols., 2006; Kanter, Schildcrout &
Kohlenberg, 2005; Kohlenberg, Kanter, Bolling e cols., 2002; Kohlenberg & Tsai, 1994), de
problemas de casal (Rabin, Kohlenberg & Tsai, 1996; Carrascoso Lópes, 2003), do transtorno
de estresse pós traumático (Kohlenberg & Tsai, 1998), e de transtornos de ansiedade
(Lopés Bermúdes, Ferro & Calvillo, 2002; Hopko & Hopko, 1999). Podemos concluir que
provavelmente a contribuição mais importante da FAP até o presente momento não foi tanto
de tomar a terapia comportamental mais empiricamente respeitável, mas mais profunda.

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Sobre Comportamento e C.ognição 159


Capítulo 14
A relação entre os comportamentos de
medo e dependência na visão dá
Terapia Comportamental
Fabiana Alves Leite de Aguiar*
C/ina Nolêlo Bueno*
Universidade Católica de Goiás

O comportamento humano, devido à sua complexidade, tem sido alvo de


especulações científicas, e populares, cada vez mais intrigantes. Explicações ou
construtos como mente, vontade e introspecção ainda estão presentes, inclusive, em
meios ditos científicos.

Repertório Básico de Comportamento - RBC


Uma concepção de comportamento, na visão de Skinner (19 53 /1 99 8),
corresponde a toda ação realizada pelo indivíduo, que é alterada por sua conseqüência.
Desse modo, Catania (1998/1999, p. 58) coloca que o comportamento é “(...) produto da
seleção filogenética, ontogenética e cultural’’.
O somatório de todos os comportamentos aprendidos pelo indivíduo, desde
sua concepção até o seu momento presente, vai formar o seu Repertório Básico de
Comportamento - RBC (Staats, 1996/1997). Os RBC’s abarcam os repertórios
emocional-motivacional (do emocionar), sensório-motor (do sentir e do agir) e üngüístico-
cognitivo (do falar e do pensar), ou seja, o sentir, o agir e o dizer.
Na visão do Behaviorismo Psicológico, de Arthur Staats, como defende Britto
(2003), a emoção direciona o processo comportamental.

Emoção
A emoção, ou melhor, o comportamento emocional manifesto é, geralmente,
acompanhado por respostas viscerais, fisiológicas. Desta forma, a emoção ou o sentimento
não é causa do comportamento. A confusão acontece porque a emoção é sentida pelo
indivíduo enquanto este se comporta (Millenson, 1967/1975; Skinner, 1989/1991).
Discriminar e descrever o sentir só são possíveis mediante a comunidade verbal,
que dispensa contingências para que isto ocorra (Santos, 2000). Tal comunidade também
define, por meio da aprendizagem, se o comportamento do indivíduo é adaptado ou
desadaptado (Gongora, 2003). O primeiro está relacionado à sua aceitação pela comunidade
verbal e ao controle do indivíduo sobre suas respostas. No entanto, no comportamento

fsbianaagularvsi@hotmalt.Qom/ gmBbuertopsi@hatmaiLcom

160 Fabiana AIvm leite de Aguiar c C/ina Nolêlo Bueno


desadaptado não há o domínio por parte do indivíduo e, conseqüentemente, há a dissonância
com a comunidade na qual ele está inserido (Staats & Staats, 1966/1973).
Na visão do Behaviorismõ Psicológico a emoção é diretiva do comportamento,
além de definir o que será ou não reforçador para o indivíduo. Isto ocorre quando há a
apresentação de um estímulo que elicia uma resposta emocional positiva, levando o
indivíduo a aproximar-se de tal estímulo. Porém, se ao contrário, o estímulo eliciar uma
resposta emocional negativa acontecerá o inverso: o comportamento será de fuga ou
de esquiva perante tal estímulo (Britto, 2003).
Visto que o comportamento é complexo e multideterminado, a emoção
denominada como ansiedade pode gerar inclusive comportamentos considerados
desadaptados {Santos, 2000).
Ansiedade - Skinner (1989/1991) afirma que a ansiedade é um estado corporal, ou seja, uma
emoção gerada por estímulos aversivos que remetem perigo ou desamparo. De acordo com
Craske e Barlow (1993/1999) os efeitos da ansiedade são os comportamentos de luta ou
fuga das situações tidas como ameaçadoras, visando a preservação do organismo.
A ansiedade será considerada desadaptada quando gerar estados ansiosos que
interfiram no desenvolvimento do indivíduo (Shinohara, 2001). Acrescenta Santos (2000)
que a característica desadaptativa da ansiedade ocorre devido à desproporção de quatro
fatores importantes para a análise desta, a saber: a intensidade, o tempo, a interferência
e a freqüência das sensações fisiológicas. Assim, é possível compreender fenômenos
comportamentais como o medo, ou melhor, as fobias.
Medo e Fobia Especifica - Skinner (1989/1991, p. 104) afirma que “O medo não é só uma
resposta das glândulas e músculos lisos, mas também uma possibilidade reduzida de
movimento em direção ao objeto temido e uma alta probabilidade de afastamento dele".
As fobias são medos aprendidos via condicionamento direto, observação e
transmissão de informações. Deste modo, o medo se desenvolve gradativamente,
resultando de experiências assustadoras repetidas (Butler, 1989/1997).
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais -
DSM-IV-TR (APA, 2000/2003), a Fobia Específica é um transtorno de ansiedade
caracterizado por um medo excessivo e persistente de objetos ou situações claramente
definidos. A exposição a esses estímulos provoca respostas de ansiedade, mesmo
que o indivíduo reconheça seu temor como excessivo ou irracional. Conseqüentemente,
ocorre a evitação ao estímulo fóbico, interferindo significativamente na rotina diária, no
funcionamento ocupacional e na vida social daquele que tem esse transtorno.
De forma geral, as fobias tendem a eliciar proteção nos outros, favorecendo a
dependência (Beck, Freeman & Davis, 2004/2005).

Comportamento Dependente
A dependência a outras pessoas é um fenômeno adaptativo do ser humano
(Beck et al., 2004/2005).
Para Staats e Staats (1966/1973), o comportamento dependente se dá por meio
da aprendizagem. Visto que está sob o controle de estímulos físicos e sociais que
favorecem a generalização das respostas emitidas. A quantidade de estímulos
reforçadores sociais efetivos não é homogênea para todos os indivíduos.
A dependência pode ser criada por meio do controle de ordens dos pais sobre
o comportamento da criança. Esse controle prejudica a tomada de decisões, que,
geralmente, será expressa pelo indivíduo independente (Staats & Staats, 1966/1973).

Sobre Comportamento e Cognição 161


Quando exacerbada, a dependência passa a ser definida como Transtorno da
Personalidade Dependente-TPD (DSM-IV-TR: APA, 2000/2003). Este transtorno é caracterizado
por uma necessidade excessiva e invasiva de ser cuidado, levando a um comportamento
submisso e aderente, sendo diagnosticado por cinco dos seguintes critérios: a. necessidade
de outras pessoas para tomar decisões; b. necessidade de que outros assumam a
responsabilidade de pontos importantes da sua vida; c. dificuldade em expressar discordância
dos outros, em virtude do medo de perder apoio ou aprovação; d. dificuldade em iniciar
projetos ou de fazê-los por conta própria, devido à falta de autoconfiança; e. busca de carinho
ou apoio, submetendo-se a situações desagradáveis; f. desconforto ou desamparo ao se
sentir só, temendo ser incapaz de cuidar de si mesmo; g. urgência na busca de um novo
relacionamento como fonte de carinho e amparo, quando um relacionamento íntimo é rompido
e, h. preocupação irrealista de ser abandonado à própria sorte.
Na dependência há uma não-assumência de responsabilidades, já que há
déficits em habilidades sociais e na capacidade de resolver problemas, proporcionando,
desta forma, ganhos secundários. Este contexto subsidia o maior medo do indivíduo
dependente: a terapia torná-lo independente (Beck et aí-, 2004/2005).
Zanin e Valério (2004) apontam que a principal distorção cognitiva do TPD reside
no pensamento dicotômico referente à independência. Os indivíduos acreditam que, ou
se é completamente dependente ou, então, totalmente independente, sem graduações
intermediárias.
O mais adequado é que a terapia favoreça a autonomia, ou seja, capacidade de
agir independentem ente e, ao mesmo tempo, capacidade de estabelecer
relacionamentos íntimos. Para alcançar tal objetivo, o terapeuta precisa auxiliar o cliente
a separar-se, gradativamente, dos outros e aumentar sua autoconfiança e sua percepção
de auto-eficácia (Beck et al., 2004/2005).
O objetivo citado, acima, só será alcançado se o indivíduo adquirir novas habilidades
sociais, desenvolvendo um repertório novo e aceito socialmente (Zanin & Valério, 2004).

Habilidades Sociais
O termo Habilidades Sociais deve ser compreendido dentro de um contexto
cultural e situacional. Daí a dificuldade em defini-lo (Cabalto, 1996/2002).
Uma proposta de definição de Habilidades Sociais foi apresentada por Caballo
(1986, apud Caballo, 1996/2002, p. 365), a saber:
O comportamento socialmente habilidoso é o conjunto de comportamentos emitidos por
um indivíduo em um contexto interpessoal que expressa os sentimentos, atitudes,
desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo, de um modo adequado à situação,
respeitando esses comportamentos nos demais e, que geralmente resolve os problemas
imediatos da situação enquanto minimiza a probabilidade de futuros problemas.
A terapia proporciona a análise da coerência dos comportamentos socialmente
habilidosos, visto que o terapeuta possibilita ao cliente o desenvolvimento de recursos
de enfrenta mento perante seus comportamentos desadaptados (Reinecke, 2000/2004).

Terapia Comportamental
A Terapia Comportamental, para Neri(1987, p. 23), tem por objetivo “(...) controlar
as variáveis ambientais que favorecem a extinção de comportamentos inadequados e a
aquisição de outros que possibilitem uma atuação mais adequada do cliente em seu
contexto". Para isto, Costa (2002) afirma ser necessário o desenvolvimento de três
etapas no processo clínico: avaliação, intervenção e acompanhamento.

162 Fabiana Alves Leile de Aguiar t Qirra N oltlo Bueno


Técnicas Operantes e Respondentes
Como visto, para que o comportamento do cliente seja modificado é preciso
fiaver uma Análise Funcional do Comportamento para, posteriormente, aplicar as técnicas
(Costa, 2002).
A Análise Funcional do Comportamento tem por objetivo identificar os estímulos
que eliciam a resposta e as conseqüências desta par^, em seguida, manipulá-la. Assim,
a Análise Funcional constitui-se a partir da contingência comportamental do indivíduo
em seu meio ambiente, privado ou público (Kanfer& Saslow, 1979). Além de favorecer à
auío-observação, autopercepção e autocontrole, qúe possibilitam a aquisição de um
repertório comportamental assertivo (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001).
Uma das técnicas bastante empregadas é o Diário de Registro, que tem o
objetivo de possibilitar ao cliente automonitorar seus pensamentos e comportamentos
desadaptativos perante determinadas situações (Dobson & Franche, 1996/2002).
A automonitoração envolve dois estágios. O primeiro diz respeito à observação,
por parte do cliente, de seus comportamentos, suas emoções ou de uma situação
específica. O segundo estágio compreende o próprio registro de tais fenômenos. O
registro do comportamento possibilitará a mudança de sua freqüência, pois permite
que a pessoa decida ou não continuar emitindo aquela resposta que está sendo
monitorada (Bueno & Britto, 2003).
Outro recurso útil para acessar eventos encobertos através da Escrita
Terapêutica são as Cartas Não-Enviadas, que têm o objetivo de trabalhar as
contingências aversivas, possibilitando a ressignificação de tais situações. São escritas
correspondências a alguém ou a algo que causa sofrimento ao cliente. Tal técnica
divide-se em três etapas: na primeira^o cliente escreve à pessoa ou ao motivo do
problema; na segunda, o destinatário responde à primeira carta e na terceira o cliente
responde ao motivo do problema (Kazantzakis, 1991/1998; Bueno, 2002).
Também as técnicas de relaxamento são muito utilizadas, pois visam atenuar as
respostas fisiológicas presentes no comportamento do cliente (Vera & Vila, 1996/2002).
Um tipo de relaxamento é o Progressivo, de Jacobson, consistindo em um
relaxamento paulatino dos grupos musculares, após uma tensão. Desta forma, o cliente
aprenderá lidar com a tensão vivida no seu cotidiano, ou seja, o cliente identificará
quando está tenso mais do que o necessário (Vera & Vila, 1996/2002). Essas autoras
citadas também salientam a técnica de Relaxamento Autógeno de Schultz. Esta técnica,
por meio de sugestões do terapeuta e, posteriormente, do próprio cliente, a respeito de
sensações de calor e peso em suas extremidades, regulação dos batimentos cardíacos,
sensação de tranqüilidade e confiança e concentração passiva na respiração, induzirá
estados de relaxamento ao cliente (Vera & Vila, 1996/2002).
Técnicas eficientes no controle de estados ansiosos são a Hiperventilação e o
Controle Respiratório. A primeira consiste em conduzir o cliente a observar as reações
fisiológicas do seu organismo diante de um evento gerador de ansiedade exacerbada.
Já o Controle Respiratório, de acordo com Dattilío e Kendall (2000/2004), leva o cliente
a realizar, de forma lenta, a inspiração e a expiração, a fim de oxigenar seu cérebro e
diminuir as reações fisiológicas apresentadas frente a situações de elevada ansiedade.
Com a finalidade de ampliar as habilidades interpessoais do cliente, por meio
de um novo repertório comportamental, utiliza-se o Treinamento em Habilidades Sociais.
Esta técnica envolve quatro elementos de forma estruturada, que são os seguintes: a -
Treinamento em Habilidades Sociais, envolvendo comportamentos específicos; b -

t
Sobre Comportamento e Cognição 163
Redução da Ansiedade em situações problemáticas; c - Reestruturação Cognitiva e, d
- Treinamento em Solução de Problemas (Caballo, 1996/2002).
No Treinamento em Habilidades são ensinados comportamentos empregando-se
instruções, modelação, ensaio comportamental, retroalimentação e reforço. A Redução da
Ansiedade pode ser feita por meio da Dessensibilização Sistemática. Já a Reestruturação
Cognitiva busca modificar as crenças do diente. O Treinamento em Solução de Problemas
ensina o cliente a observar corretamente o valor de cada resposta que possa ser dada, a
processar este valor, selecionar a resposta mais viável e executá-la (Caballo, 2002/2003).
Este estudo objetivou verificar como. ocorre a relação dos comportamentos de
medo e dependência. Além de pesquisar a funcionalização de tais comportamentos através
da utilização de técnicas operantes e respondentes fornecidas pela Terapia Comportamental.

Método
Participante
Amélia (nome fictício), 29 anos de idade à época deste estudo, casada, mãe
de dois filhos, classe média baixa, dona de casa, ensino fundamental completo, a
segunda filha entre sete irmãos.
História Clinica - Os dados sobre a história clín ica de Am élia são
apresentados, a seguir, tendo como critério as fases de seu desenvolvimento.

Materiais e Ambiente
As sessões foram realizadas em consultório padrão de Clínica Escola de Psicologia.
Foram utilizados materiais didáticos como: papel chamex l caneta, lápis, pasta
para arquivo de registros, fichas de freqüência e de evolução da participante.
Aplicou-se, também, instrumentos diagnósticos e de avaliação, tais como:
Questionário de História Vital (Lazarus, 1975/1980); Inventário de Depressão de Beck-
BDI, Inventário de Ansiedade de Beck-BAI, Escala de Desesperança de Beck-BHS e
Escala de Ideação Suicida de Beck-BSI (Cunha, 2001) e, Inventário de Habilidades
Sociais-IHS (Del Prette & Del Prette, 2001/2003).

Procedimento
Foram realizadas duas sessões semanais com duração de 1 hora e 40 minutos,
cada. A primeira fase do atendimento compreendeu da 1a a 6a sessões, nas quais foi realizada
a Linha de Base. O rappori objetivou o estabelecimento de confiança, favorecendo o
fortalecimento da relação terapêutica. A entrevista comportamental buscou levantar as queixas
da participante. Para a compreensão de sua história de vida, foi utilizado o Questionário de
História Vital (Lazarus, 1975/1980), contendo questões abertas, semi-abertas e fechadas,
com a finalidade de pesquisar as várias áreas de sua vida. Foi aplicada, também, a Bateria de
Beck (Cunha, 2001): BDI, investigador dos níveis de depressão, variando seus escores de 0
a 11, para o nível mínimo; de 12a 19, para leve; de 20 a 35, para moderado; e de 36 a 63, para
grave; BAI, que avalia os níveis de ansiedade, no qual os escores de 0 a 10 representam um
nível mínimo de ansiedade; de 11 a 19, um nível leve; de 20 a 30, um nível moderado; e de 31
a 63, um nível grave; BHS, que verifica a intensidade das atitudes do indivíduo quanto ao futuro,
variando de 0 a 4, para mínimo; de 5 a 8, para leve; de 9 a 13, para moderado; e de 14 a 20, para
grave; e a BSI, que apresenta dois níveis: presença de ideação suicida e ausência de ideação
suicida, verificando as variações da gravidade dos desejos, planos e atitudes suicidas. Foi
aplicado, também, o IHS (Dei Prette & Del Prette, 2001/2003) para verificar a presença ou

Fabiana Alves Leite de Aguiar t Çma Nolêlú Bueno


ausência de habilidades de enfrentamento, de autoafinmaçao, de desenvoltura social, de
auto-exposição a pessoas e situações novas e autocontrole da agressividade, visando um
plano de desenvolvimento de tais habilidades. Realizou-se a Análise Funcional dos dados
obtidos, a partir dos instrumentos aplicados, objetivando a observação e descrição dos
estímulos antecedentes e conseqüentes, e sua relação funcional, para a posterior intervenção.

1a Infância 2? Infância Adolescência Juventude Adulta


ÍQ a 5 anasl ífLa lQ anosy M 1 a 1 7 a n r» 1 (18 a 22 anos) íacima de 22 anos}
Mora com os Seu pai é Volta a Mora com Nasce a 2" filha.
pais e três assassinado. morar com uma tia O marido não queria
irmãos. Ela vê o corpo do pai. a mãe, os paterna, em mais filhos.
O pai a Mora com os avós irmãos e o outra cidade. O marido é frio e
assombra com paternos e sua avó a padrasto. O padrasto muito restritivo
um “fantasma" assusta com ruídos O padrasto suicida-se, financeiramente.
humano; a estranhos, para tenta por Tem medo de
proíbe de sair depois pedir-íhe para molestá-la envenenamen assombração,
sozinha, dormir com ela. sexualment to. pesadelos, de filme de
alegando que A tia lhe passa medo, e. Volta a morar terror.
o “fantasma encenando ser uma Evita com a mãe e Trabalha de
pega crianças assombração. brincadeiras os irmãos. confeiteira.
que estão Volta a morar com a , peio medo. Trabalha em Endivida-se.
sozinhas". mãe e esta não Trabalha um Tenta suicidio aos 29
Amélia passa a permite que lhe como restaurante anos, ingerindo 20
ter medo do passem medo. doméstica. Não consegue comprimidos de
escuro, de ficar Mora com um tio Mora com a sair S 0 2in h a. Dualite, 75 mg, e t
sozinha, e de materno. irmâ mais Com 4 meses pote òe Antídoto de
ver Tem medo dos rituais velha. de namoro, Sulfato de Atropina.
assombração. espíritas praticados O namorado engravida-se. Faz coma e panada
na casa do tio. da irmã Nasce o 1o respiratória.
Desenvolve a tenta filho. O medo aumenta.
dependência a outras seduzi-la. Sua mãe Não consegue ficar
pessoas, não Medo de decide que sozinha.
conseguindo ficar dormir ela deva Passa a ter medo de
sozinha. sozinha. morar com o reações de morte e de
pai da UTI.
criança.

Tabela 1. História Clínica de Amélia.

A segunda fase do atendimento compreendeu a Intervenção, abrangendo da 7a


a 16a sessões. De posse dos dados observados na Linha de Base, nesse momento do
processo terapêutico ocorreu o uso de técnicas respondentes e operantes, já descritas
anteriormente, visando a funcionalização dos comportamentos-problemá da participante.
Inicialmente, foi utilizada a Análise Funcional de tais repertórios, que fomentou a utilização
e a seqüência das demais técnicas.
Já a terceira fase, intitulada de fase de Avaliação Final, foi desenvolvida da 17a
sessão à 20a sessões, quando foram reaplicados a Bateria de Beck (Cunha, 2001) e o
IHS (Del Prette & Del Prette, 2001/2003). Tendo o objetivo de comparar os resultados
obtidos na Avaliação Final com aqueles obtidos na Linha de Base. Favorecendo, assim,
a verificação quantitativa e qualitativa da evolução da participante. Além de averigüar a
eficácia da intervenção terapêutica empregada.

Resultados
Os dados apresentados, neste trabalho, foram coletados desde a 1a sessão,
por meio de observações e, posteriormente, de observações e intervenções.
Fragmento da 2a Sessão.

Sobre Comportamento c Cognição 165


C - Adquiri muito medo e dependência a alguém.
T - Desde quando você passou a ter medo?
C - Desde o dia que meu pai me passou medo, quando eu tinha 4 anos.
(...)

T - E de quem você passou a ser dependente?


C - No primeiro momento, da minha irmã, dois anos mais velha. Chegava a
andar de mãos dadas com ela. Depois, passei a ser dependente de todo mundo,
inclusive de meus filhos que são crianças. Não consigo mais ficar sozinha em casa, ou
em qualquer lugar. Não sou capaz nem mesmo de dormir sozinha. Se não houver
ninguém, um dos meus filhos tem que ficar comigo na cama até eu dormir.

Formulação do Encadeamento do Comportamento de Medo e Dependência

Disparam
Percebe-se só respostas

\
em casa (1). simpáticas
(2).
Modelagem
às respostas
da medo.
(RBC)
Sai em busca de
alguma pessoa
(3).
As respostas
de medo
desaparecem A pessoa
(5), (6). a acolhe
e protege
(4).

Figura 1. Formulando a Relação entre Fobia e Dependência.

Observa-se na Figura-1 que o Repertório Básico de Comportamento (RBC) dispara


o encadeamento das situações apresentadas. Amélia (1) observa-se só, quando é (2) ativado
de forma intensa seu Sistema Nervoso Autônomo Simpático, levando-a (3) procurar ajuda de
alguém, sendo reforçada, ou seja, (4) recebe a ajuda desejada. Nesse momento, (5) o Sistema
Nervoso Autônomo Parassimpático entra em ação, favorecendo a redução das respostas
simpáticas em níveis normais. Esta conseqüência funciona como (6) um novo estimulo
discriminativo para o como responder em ocasiões que se encontra sozinha no futuro.

Hierarquia dos Medos mais Aterrorizantes


Foi solicitado à Amélia que descrevesse todos os seus medos, fobias, em
ordem hierárquica crescente, isto é, do menor ao maior medo. Logo após a
hierarquização, foi pedido que ela colocasse o respectivo grau de ansiedade para cada
medo. Dados estes apresentados na Tabela 2, a seguir.
Em seguida, cada categoria de medo, começando pela mais fraca até a mais
intensa, foi trabalhada por meio das técnicas como o Controle Respiratório, o Relaxamento
Autógeno, a Reestruturação Cognitiva e a Dessensibilização Sistemática. O critério para
que se passasse para a próxima categoria foi que a anterior já tivesse sido funcionalizada.

Fabiana Atvct lxit* de Aguiar t Gin« Noiêto Buena


Na fage de Avaliação Final Amélia, novamente, alribuiu o nível de ansiedade a cada
medo, podendo verificar uma diminuição relevante, pois os níveis iniciais variavam entre
Extremo (75%) é Muito (25%), após a Intervenção, como os dados da Tabela 2 demonstram
os níveis de ansiedade foram reduzidos para Pouco (87,5%) e Moderado (12,5%).

Níveis de Ansiedade
(1- Pouco; 2- Moderado; 3- Muito; 4- Extremo)
Categoria de Medo
Linha de Base
Avaliação
4* Sessão 18a Sessão

1°- Medo de perder os fithos 3 1


2o- Sobressaltos com seu 3 1
movimento e o de outras
pessoas, refletidos no espelho

3o- Medo de deitar-se sozinha 4

413- Medo de hospital 4

5o- Medo assombração 4

6o- Pensamento de aparecer 4


outra pessoa no espelho,
enquanto se oiha

7o- Medo de fechar os olhos


8o- Medo de dormir e ter
pesadelos______________________
Tabela 2. Hierarquização dos Medos com respectivos graus de ansiedade.

Escrita Terapêutica - Linha de Base


Amélia escreveu Cartas Não-Enviadas como, por exemplo, as dirigidas ao medo,
que têm fragmentos apresentados, a seguir. As referidas cartas foram trabalhadas da
seguinte forma: (a) no primeiro momento realizou-se um questionamento sobre o que
havia sido escrito, objetivando a observação clara do conteúdo da primeira carta; (b)
posteriormente, foi solicitada a escrita da segunda carta, que igualmente foi submetida
a questionamento semelhante ao da primeira; (c) o mesmo procedimento foi realizado
com a terceira carta; (d) finalmente, as três cartas foram lidas para a participante, após
estar encontrar em relaxamento profundo, do tipo Autógeno.

Fragmentos da Carta de Am élia ao S enhor Medo - 5a Sessão


(...) acho que você já me prejudicou demais. Já está na hora de ir embora de vez.
Quero que você entenda que eu não preciso de você e nunca precisei. Mas você chegou e
ficou sem perguntar se eu te queria comigo. Não aceitou a minha vontade. Simplesmente
ficou e começou a fazer parte da minha vida. Por favor, fique longe de mim para sempre. Você
já me perseguiu o bastante. Vá e não volte nunca mais. Desapareça! Suma! Eu sou capaz
de viver sem você, e tenho certeza disto. .«No entanto, não insista. Sei que vai ser difícil ficar
sem você, porque você esteve ao meu lado todos esses anos. Mas preciso ficar sem você,
para saber como é. Talvez, eu me sinta sozinha, as pessoas irão embora porque eu serei
independente. Eu estou falando sério, não quero mais nem ouvir falar em você!

Sobre Comportamento e Cognição 167


Fragmentos da Carta do Senhor Medo à Amélia - 8a Sessão
Como vai? Tudo bem? Acho que não, porque você está querendo me deixar.
Não sei se é a melhor opção para você. Eu nunca te deixei. Sou a única coisa que é sua
de verdade. Eu sei que você também gosta de mim, se não gostasse teria me deixado,
há mais tempo. Você precisa de mim como eu preciso de você. Por favor, fique comigo!
Estou insistindo porque sei que vocé não diz não pra nada que te incomoda e sei que eu
tenho chance. Fica comigo que eu nunca vou te abandonar. Você sabe!

Fragmentos da Resposta de Amélia ao Senhor Medo - 10a Sessão


Olá Senhor Medo! Eu estou com raiva porque te escrevi dizendo que não queria
mais saber de você e parece que você é insistente e quer me convencer que é melhor
ficar com você. Eu demorei muito para decidir. No entanto, eu consegui dizer nâo para
você e me senti muito bem com isso. Estou muito chateada porque você e eu tivemos
muitos anos, lado a lado. Sei que vai ser difícil, mas não impossível. A decisão é minha
e quero assim. Não vou pedir 'por favor’ para ir embora. Eu estou dizendo: vá embora,
me esquece porque eu vou fazer o mesmo.

Resultados obtidos com a Bateria de Beck e IHS


Os testes da Bateria Beck (BDI, BAI, BHS e BSI) e o Inventário de Habilidades
Sociais (IHS) foram aplicados tanto na Linha de Base, na 3a e 4a sessões,
respectivamente, quanto na fase de Avaliação Final, na 17a e 18a sessões. Serão
apresentados, abaixo, os resultados do BDI, BAI, BHS, BSI e IHS, respectivamente.

BDÍ BAI BHS BSI


Figura 2. Resultados Comparativos da Bateria de Beck entre a Linha de Base e Avaliação Final.

O primeiro grupamento de colunas, da esquerda para a direita, apresenta os


resultados alcançados pela participante no BDi, tanto na Linha de Base quanto na
Avaliação Final: 39 (nível grave) e 6 (nível mínimo), respectivamente.
No segundo grupamento de colunas estão os resultados apresentados no BAI.
Na Linha de Base, escore 28 (nível moderado); na Avaliação Final, escore 11 (nível leve).
Já no terceiro grupamento de colunas observam-se os resultados de AméJia quanto
à BHS: escore 10 (nível moderado) na Linha de Base; escore 9 (nível moderado) na Avaliação
Final. Enquanto na BSI, seus resultados foram: na fase de Linha de Base escore 22 (ideações
e tentativas suicidas). Então, passou-se a investigar desde quando a participante apresentava
pensamentos de morte e como planejava tal execução. Além de realizar a Análise Funcional
dos desencadeantes de tais comportamentos. Na reaplicação, na fase de Avaliação, Amélia
obteve a pontuação de 0, indicando a ausência de ideações suicidas.

168 fablwia A lve* Leite de Aguiar e Q iiw Nolêto Bueno


IH S - O repertório social hábil da participante pode ser observado na Figura
4, a seguir.

Figura 3. Resuftados Fatoríais do IHS na Linha de Base e Avafiação Final.

A primeira coluna, à esquerda, de cada grupamento de 3 colunas, está


apresentado o percentil mediano (50) para todos os Fatores. O fator F-1 retrata o
enfrentamento e auto-afirmação com risco como, por exemplo: lidar com críticas injustas
e discordar do grupo. Na Linha de Base, segunda coluna, a participante obteve percentil
1, nesse fator. Na Avaliação Final, avançou para o percentil 15. No fator F-2 seu percentil na
Unha de Base foi de 90 e de 100 na Avaliação Final, demonstrando, assim, um repertório
bastante elaborado de habilidade em auto-afirmação na expressão de sentimento positivo,
aspectos abarcados por esse fator. O terceiro conjunto de colunas apresenta o
desempenho da participante no fator F^-3, no qual obteve percentil de 5 na Linha de Base
e 15 na Avaliação Final. Esse resultado demonstra, no início do processo terapêutico,
uma baixa habilidade em conversação e desenvoltura social, e posterior melhora favorecida
pela intervenção. No fator F-4 a participante obteve o percentil de 10, na Linha de Base, e
de 35, na Avaliação Finat. Pode-se observar um crescimento na habilidade de auto-
exposição a desconhecidos e a situações novas, investigada por este fator. O quinto
conjunto de colunas apresenta os resultados alcançados no fator F-5: percentil 90 na
Linha de Base e 75 na Avaliação Final, significando uma redução na habilidade de
autocontrole da agressividade. No último conjunto de colunas está apresentado o Escore
Total do IHS, que na Unha de Base foi 3 e na Avaliação Final elevou-se para 35, expressando
uma considerável aquisição de novas habilidades sociais.
A partir dos dados obtidos no IHS, durante a Linha de Base, a intervenção priorizou
défidtsúQ habilidades, quando foi estabelecido um programa de Treinamento baseado no
Ensaio Comportamental, Reestruturação Cognitiva e Resolução de Problemas em situações
corriqueiras como: recusar um pedido ilógico de uma amiga; expor sua vontade quanto à
tomada de decisões; e fazer perguntas a conhecidos e a desconhecidos, entre outras.

Análise Funcional
Análise Funcional foi realizada em todas as etapas do processo terapêutico.
Adiante são demonstrados dois exemplo da aplicação deste instrumento em seus
momentos distintos do programação de intervenção, tendo sido substanciada por dados
obtidos a partir de Diários de Registro <Je Comportamento. Veja as Tabelas 3 e 4, a seguir.

Sobre Comportamento e Cognição 169


(5a sessão}
Estímulo Respostas Conseqüências

22:00h. - Marido dormindo e Fisiolóoicas: tremor intenso, A vizinha a acoíhe e oferece


Amélia está acordada, com calor, falta de ar e aperto no sua cama para deitarem-se,
intenso medo. peito. juntas. Diminuição das
Cognitivas: fala para si respostas fisiológicas,
mesma que precisa dormir. cognitivas e emocionais
Emocionais: intenso medo. desagradáveis.
Operantes Públicos: levanta- Amélia dorme
se às 24 horas e vai até a profundamente.
casa da vizinha pedir apoio.
Tabela 3. Análise Funciona! de comportamentos desadaptados - Linha de Base

(13a sessão)
Estímulo Respostas Conseqüências
22:15 - Amélia, em sua casa, Fisiolóoicas: calafrios, Redução das respostas
sozinha dirige-se ao seu respiração acelerada e curta. fisiológicas, cognitivas e
quarto, para dormir. Cnnnitivas- fala a si mesma emocionais, desconfortáveis.
que pode chegar aonde Após, cerca de 10 minutos,
deseja. Amélia dorme
Fmnránnaift' marln profundamente.
moderado.
Ooerantfis Públicos: faz o
Controle Respiratório e
apronta-se para deitar-se
sozinha.
Tabela 4 Análise Funcional de comportamentos adaptados - intervenção

Fragmento de Diário de Registro - 16a Sessão:


Em um dos Diários de Registro, utilizando-se da última coluna do mesmo,
estabelecida como “Análise do Seft/ng", Amélia a trouxe preenchida com a conclusão;

Estou encantada com o que posso com o autocontrole. Ontem, já dormindo, tive um
pesadelo horrível. Assim que comece/ a ficar naquele antigo estado lastimável de
medo, dei ordem para que acordasse. Acordei dentro do sonho e me disse: 'Esse
pesadelo é irreal, não precisa ter medo dele Volte, vá dormir’. E voltei e continuei a
dormir no sonho, ou na vida raal, não sei. Não foi incrível! Já faço o controle até
dentro dos sonhos/pesadelos. Vou dar fim aos pesadelos. Ou melhor, já dei.

Discussão
Análise Funcional, conforme Kohlenberg e Tsai (1991/2001), permite estabelecer
a relação funcional do comportam ento e a aprendizagem de um repertório
comportamental adequado, o que aconteceu neste processo terapêutico.
Quando a participante, na 2a sessão, relatou que se tomou dependente de outras
pessoas, parece ficar explícito o TPD e a relação entre fobias e tal transtorno. Isto porque o
medo tende a despertar a proteção nas outras pessoas, como ocorria com Amélia (Beck et
al., 2004/2005). Daí a necessidade de compreender quais eram os medos de Amélia
(Tabela 2) e conhecer os fatores causadores e mantenedores dos mesmos, através do
instrumento da Escrita Terapêutica, por meio das Cartas Não~Enviadas e dos Diários de

170 Fabiana Atves Ldte de A guiar t Qina N o lílo 8ucm>


Registro. «Parece que a dependência tinha como um dos fatores causadores o próprio
controle do pai de Amélia, como defendem Staats e Staats (1966/1973), ao dizer-lhe que não
podia sair sozinha, “senão o fantasma a pegaria”. Partindo de tais dados, foi possível
estabelecera interrupção desta cadeia complexa de comportamentos fóbicos e dependentes,
através da utilização de técnicas como o Treinamento de novas Habilidades Sociais.
A funcionalização dos medos aterrorizantes de Amélia (Tabela 2) parece ratificar
a afirmação de Butler (1989/1997) de que as fobias são aprendidas e, portanto, passíveis
de controle e modificação.
A interrupção da cadeia complexa de comportamento entre medo - dependência
ficou explícita na Análise Funcional, demonstrada nas Tabelas 3 e 4, quando Amélia não mais
sai em busca de companhia, ou seja, não foge do estímulo, o que é característico no medo, na
visão de Skinner (1989/1991). Todavia, sua adesão à intervenção favoreceu-lhe enfrentar,
assertivamente, o medo. Comportamento este que parece ter sido reforçado através da
aquisição dos novos repertórios lingüístico-cognitivo, emocional-motívacional e sensório-
motor (Britto, 2003). Assim como a prática continuada do Controle Respiratório sugere o
reforço negativo à diminuição das respostas fisiológicas diante da ansiedade de dormir
sozinha, confirmando a eficiência da técnica exposta por Dattilio e Kendall (2000/2004).
Desta forma, o programa de intervenção proposto sugere ter possibilitado
melhoras relevantes no repertório comportamental de Amélia, como os resultados
demonstrados na Figura 2, relativos à redução da depressão de um nível grave para um
nível mínimo e da ansiedade de um nível moderado para um nível leve.
O Treinamento em Habilidades Sociais (Caballo, 1996/2002), principalmente através
do Treino em Resolução de Problemas, parece ter favorecido a cessação das ideações
suicidas, como alternativas para Amélia resolver suas dificuldades. Fato demonstrado quando,
na BSI (Figura 2), a participante alcançou 22 pontos na Linha de Base, significando não
apenas fortes ideações, como também tentativas, como a ocorrida dois meses antes do
início deste programa terapêutico, e nenhum escorie na fase de Avaliação.
Como o processo de intervenção focou-se principalmente nas fobias de Amélia,
0 seu nível de desesperança continuou sendo moderado em relação ao futuro, mesmo
havendo a queda de um ponto na Avaliação Final.
Há um temor do indivíduo com TPD, como apontam Zanin e Valério (2004), de
ser totalmente independente e, no caso de Amélia, conseqüentemente, perder as
pessoas ou ficar sozinha, como demonstra a Carta Não-Enviada ao “Senhor Medo'1.
Porém, tal fato não foi evidenciado, uma vez que a intervenção auxiliou Amélia a
desenvolver habilidades sociais, favorecendo-lhe autonomia e elevando a confiança
em si mesma e a observação de sua eficácia, por meio das técnicas e treinos
empregados, Cumprindo, assim, a recomendação de Beck e colaboradores (2004/
2005). Desta forma, o treino às baixas habilidades sociais de Amélia, reveladas no IHS
(Figura 3), na Linha de Base, sugere ter alcançado uma relevante eficácia, em se
comparando os resultados deste inventário, obtidos por Amélia na fase de Avaliação.
Todavia a Intervenção empregada mostrou-se prematura no sentido de não abarcar
todas as baixas habilidades de Amélia, como o resultado do Fator 5 deste inventário.
Este estudo buscou verificar como se dá a relação dos comportamentos de
fobia e dependência, em Amélia, parecendo evidenciar que a função da dependência na
fobia consiste no fato de a primeira contribuir para a diminuição das respostas de
medo, através dos comportamentos de^ fuga, esquiva e proteção, Embora, o presente
trabalho não tenha analisado todas as variáveis envolvidas neste contexto, pelo pouco
tempo de desenvolvimento do processo terapêutico: 3 meses e apenas 20 sessões, dé
1 hora e 40 minutos cada, e pela própria complexidade do comportamento humano.

Sobre Comportamento e Cognição 171


Foi possível, também, avaliar a eficácia e eficiência do programa de intervenção
proposto, neste estudo de caso único. Amélia adquiriu comportamentos substitutivos e
assertivos ao seu repertório ampio de comportamentos-problema, que sugerem a
eficácia do processo terapêutico, nela aplicado. Este resultado parece corroborado,
inclusive, pelo Fragmento do Diário de Registro, na 16a Sessão, quando ela relata:"(...)
Estou encantada com o que posso com o autocontrole. Já faço o controle até dentro dos
sonhos/pesadelos. Vou dar fim aos pesadelos. Ou melhor, já dei”, pois o enfoque da
Terapia Comportamental consiste tanto na extinção de comportamentos inadequados,
quanto na aquisição de repertórios relevantes e na assertividade (Costa, 2002).
A adesão de Amélia ao processo terapêutico proposto, parece ter contribuído
com o alcance dos objetivos definidos, inicialmente.

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Sobre Comportamento e C ognição 173


Capítulo 15
Perfeccionismo e baixa auto-estíma.
Auto-regras: instrumentos
viabilizadores

Q íoa Nolêto Bueno


Am anda Isabel Silva M elo
Universidade Católica de Ç o íás

O presente estudo teve por objetivo verificar se auto-regras são instrumentos


víabílizadores de comportamentos, tais como: perfeccionismo e baixa auto-estima.
Objetivou ainda investigar se as técnicas respondentes e operantes a ele definidas
possibilitariam a extinção dos comportamentos desadaptados da participante, bem
como a aquisição de novas habilidades sociais assertivas.

Comportamento
Para ser comportamento é necessária uma ação por parte do organismo. Essa
ação depende diretamente das variáveis externas do ambiente imediato e histórico. É um
processo, logo não é facilmente observado; é mutável e, conseqüentemente, exige técnicas
e energia de quem se dedica a estudá-lo (Skinner, 1953/2000). Por ser complexo, como
salienta esse autor, estudar e explicar o comportamento não é tarefa fácil. Não por sua
inacessibilidade, simplesmente por ser de difícil imobilização, ou seja, exatamente por
estar em contínuo processo de modificação, possibilitado pela interação ambiental. Ainda
assim, de acordo com Barbosa (2004, p. 165), mesmo sendo complexo, o comportamento
jamais será classificado pelo analista do comportamento como patológico, uma vez que
‘'(...) se ele ocorre, é porque de alguma maneira é funcional, tem valor de sobrevivência
(...).”, e essa necessidade de adaptação serve para preservar o bem-estar e a vida.
O comportamento humano, seja ele qual for, adaptado ou não, ocorre em função
das contingências de aprendizagem do indivíduo, ao iongo de seu desenvolvimento
(Staats & Staats, 1966/1973). Essas contingências formarão a história de aprendizagem
da pessoa, denominada por Staats (1996) como Repertório Básico de Comportamento
- RBC, que é o somatório de todas as experiências adquiridas por ela ao longo da vida.
Comportamentos adaptados, como salientam Staats e Staats (1966/1973), são
aqueles que se adaptam ao meio em que o indivíduo vive, destacando as experiências, o
aprendizado e as cognições. A muitos desses comportamentos o indivíduo não apresenta
o controle sobre suas respostas sendo, na maioria das vezes, nomeados como
comportamentos social e cultural inadequados. E é esta falta de controle por parte de quem
pratica ação que leva a alguns estudiosos defini-los como desadaptados ou “patológicos”.

Qirta N olH o Bueno c Amanda lía bd Silva M elo


Assim, os chamados comportamentos “desadaptado^", bem como os
comportamentos adaptativos, podem ser desencadeados em qualquer circunstância da
vida de um indivíduo, dependendo, conseqüentemente, da forma em que se encontra seu
estado emocional (Eysenck & Keane, 1979/1994). Considerando essa condição, Britto
(2003), citando Síaats (1996), adverte que os estados emocionais podem ser positivos ou
negativos, variando de acordo com os estímulos evocadores desta emoção. Portanto, quando
a resposta emocional evocada por um estímulo for positiva, causará a resposta de
aproximação; e se negativa, gerará o comportamento de fuga/esquiva. Ressaltam esses
autores que o estado emocional negativo, assim como o positivo, afeta o comportamento
do indivíduo e este, por conseguinte, o seu meio social.
Entende-se por estado emocional as experiências emocionais e afetivas de
um indivíduo, evocadas por um estímulo, gerando intensas respostas sentimentais, no
decorrer de toda a sua existência, expressadas em seu corpo (Bueno & Britto, 2003).
Experiências emocionais/afetivas tais como vergonha, culpa, ira, remorso e ciúme,
presentes em indivíduos perfeccionistas implicam claramente na visão que possuem
de si mesmos (Âlvarez, 1996/2002).

Perfeição
Houaiss, Vtllar e Franco (2001) definem perfeito como aquele “Que reúne todas
as qualidades; que não tem defeito; ideal; impecável; excelente (...)*. Afirmam os autores
que a busca pelo perfeccionismo seria uma busca “patológica” em ser perfeito (p. 2186).
Portanto, o significado de perfeccionismo se dá na obrigatoriedade de acertar
sempre, e em tudo. Quando exacerbado, esse repertório pode levar ao medo do medo de
errar, à tensão, à insegurança, à angústia, à rigidez e à criticidade em relação a si mesmo.
Desta forma, no processo d^ intervenção tem-se que deixar claro ao cliente
conceitos importantes sobre sempre que o indivíduo produz algo, simples ou complexo,
pode ocorrer: (1) a possibilidade do acerto ou a ausência deste; (2) o aprendizado
ocorre de forma gradativa e não de uma forma '‘meteórica”, repentina, isto é, sem
treinamentos e crescimentos gradativos; (3) posteriormente, deve ser desenvolvida a
fase de criação de estratégias assertivas para o processo de construção de novos
comportamentos socialmente mais hábeis, visando a redução das respostas de medo,
de insegurança, angústia, rigidez e até a redução da crítica depreciativa em relação a si
mesmo. Possibilitando, com isto, (4) a melhoria de sua auto-estima.

Auto-Estima
A auto-estima advém de como o indivíduo vê a si próprio, bem como a forma em
que ele cumpre suas regras pessoais, percebe-se e interpreta a realização de suas regras
e valores de forma positiva, mantendo-se motivado. Porém, o não cumprimento das próprias
regras e valores e da auto-avaliação negativa que acompanha essa falta de cumprimento,
tais como a culpa e a vergonha, conduzem assim à baixa auto-estima (Álvarez, 1996/2002).
A baixa auto-estima pode estar relacionada a certos fenômenos negativos, como
depressão e suicídio. Características cognitivas semelhantes têm sido encontradas
entre os indivíduos que apresentam comportamentos suicidas. Dentre elas podem ser
citados: a desesperança apontando para uma rigidez de pensamento; o pensamento
dicotômico que reforça essa rigidez e a carência de um repertório para a solução de
problemas (Keller & Weriang, 2005). „
Staats e Staats (1966/1973) compreendem que os processos internos não-
observáveis, como as atitudes e sentimentos do indivíduo em relação a ele próprio,

Sobre Comportamento c Cognição


incluem as afirmações verbais, particularmente aquele comportamento verbal que
descreve a si mesmo e suas ações.

Auto-Regras
O comportamento verbal que o indivíduo emite relacionado a si mesmo, bem
como as concepções que tem do seu comportamento social são denominados de
auto-íinguagem . Tomados a partir das suas interações com o meio, esses
comportamentos possibilitam a construção de regras. Com isto, os indivíduos passam
a ser governados por regras que aplicam às situações específicas da vida, de acordo
com a forma que os mesmos as interpretam (Staats & Staats, 1966/1973).
Na perspectiva skinneriana, regras são estímulos específicadores de contingências
e exercem controle como estímulos discriminativos, fazendo parte de um conjunto de
contingências de reforço. Por esta definição, instruções, avisos, conselhos, ordens, leis seriam
exemplos particulares de classes de regras, uma vez que todos podem descrever contingências
e funcionar como estímulos discriminativos (Santos, Paracampo & Albuquerque, 2004).
As classes de regras se diferem umas das outras, pois, as regras “(...) estão
mediadas pelas pessoas; outra, por depender da disposição do ambiente e, pelo efeito
aumentativo que a regra pode ter sobre o caráter reforçador ou punitivo dos estímulos.",
"(...) é importante destacar que o sujeito pode por ter como objeto seu próprio
comportamento verbal” (Álvarez, 1996/2002, p.71).
As regras segundo as quais as pessoas vivem são denominadas de auto-
regras. Assim, elas podem ser definidas como uma espécie de livro de regras com o
qual as pessoas guiam e avaliam a elas mesmas e aos demais, aplicando-as ao julgar
seu próprio comportamento e o dos outros. Reconhecer e reconciliar as regras pessoais
possibilitam ao indivíduo passar a compreender suas situações de vida e assim alcançar
o seu autocontrole (Wessler & Hankin-Wessler, 1996/2002).
O autocontrole é construído também pelo meio social, que tem suas razões
para ensinar os indivíduos a mudarem o comportamento: tornando-o menos adversativo
e, possivelmente assim, mais reforçador a outrem (Skinner, 1974/2003).

M étodo
Participante
Sofhia, 37 anos à época deste estudo, 2a filha de uma prole de três irmãs, divorciada,
autônoma, ensino superior incompleto, classe média, com diagnóstico de depressão
profunda. Farmacoterapia: Sertralina, 50 mg. 2 vezes ao dia e Rivotril, 2 mg, 1 vez à noite.
Queixas principais: depressão, lapsos de memória, angústia e instabilidade emocional.
História Clínica - Está apresentada de forma agrupada por períodos de 5 anos.
0 a 5 anos: parto difícil; balbucios; pesadelos. 5 a 10 anos; molestada por parentes
próximos (tios e padrinho). 10 a 15 anos: excelente aluna; socialmente retraída; passa
a trabalhar, mesmo contrariando os pais. 15 a 20 anos: primeira experiência sexual;
èngravída-se e casa-se; separação e retorno à casa dos pais. 20 a 25 anos,■morte dos
pais; responsável pela filha de um ano e meio e tutora da irmã caçula. 25 a 30 anos:
sente-se só; sua irmã casa-se e muda-se para outra cidade. 30 a 35 anos: conhece o
atual namorado; passa por constantes problemas profissionais. 35 a 37 anos: sente-se
feia; receio de envelhecer. Aos 36 anos crise: insônia por uma semana; fortes dores na
região lombar; respostas agressivas.

Qína Notêto Bueno e Amanda Isabel Silva M elo


Materiais e Ambiente
As sessões foram realizadas em consultório padrão de uma Clínica Escola de
Psicologia, ligada a uma instituição de ensino superior. Foram utilizados materiais
didáticos e pedagógicos, assim como instrumentos diagnósticos e testes avaliativos,
tais como: Questionário de História Vital (Lazarus, 1975/1980), Bateria de Beck (Cunha,
2001), Diários de Registro (Bueno & Britto, 2003) e inventário de Habilidades Sociais-
IHS (Del Prette & Del Prette, 2001/2003).

Procedimento
Foram realizadas duas sessões semanais, tendo cada uma delas duração de
50 minutos. O procedimento consistiu em cinco fases: Linha de Bàse, Tratamento I,
Avaliação Pós-Férías, Tratamento II e Avaliação Final.
A Unha de Base compreendeu a fase inicial, sendo realizada da 1a à 4a sessão.
Nela foi construído o rapporí^ objetivando enfatizar a empatia na relação terapêutica.
Posteriormente, foram feitos a entrevista inicial com a participante, visando à coleta de
dados acerca das queixas que apresentava; o contrato terapêutico; assim como a explicação
dos procedimentos dentro da abordagem; e objetivo das técnicas e do trabalho cooperativo.
Nessa fase, foram aplicados instrumentos para facilitar a obtenção de informações
sobre a participante. O Questionário de História Vital de Lazarus (1975/1980): visando
pesquisar sua história de vida. Adiante, deu-se a aplicação dos testes: Inventário de
Depressão de Beck (BDI), aplicado na 4a sessão para avaliar a depressão, com escores
classificados em mínimo (0 a 11), leve (12 a 19), moderado (20 a 35), grave (36 a 63);
Inventário da Ansiedade de Beck (BAI), com o objetivo de avaliara intensidade dos estados
ansiosos, sendo os escores classificados em mínimo (0 a 10), leve (11 a 19), moderado
(20 a 30), grave (31 a 63); Escala de Desesperança de Beck (BHS), que avalia a intensidade
de desesperança, com escores classificados em mínimo (0 a 4), leve (5 a 8), moderado
(9 a 13), e grave (14 a 20); e a Escala de Ideação Suicida de Beck (BSI), para investigar
idéias e tentativas suicidas (Cunha, 2001). Também foi utilizado o Inventário de Habilidades
Sociais (IHS), aplicado na 5a sessão com o objetivo de investigar as habilidades presentes
no comportamento. A interpretação dos escores do IHS é baseada em termos de percentis
e leva-se em consideração o escore total, os escores fatoriais e os valores de cada item.
O escore total avalia, de forma geral, a existência de recursos e défícitsem habilidades no
repertório do respondente. Os valores situados acima do percentil 50 indicam escores
mais altos em habilidades sociais; abaixo desse percentil há indicação de haver uma
baixa habilidade social e o valor situado no percentil 50 indica uma posição mediana (Del
Prette & Del Prette, 2001/2003). Os escores fatoriais devem ser interpretados considerando
os comportamentos, assim como as habilidades do indivíduo em diferentes contextos
sociais. O escore fatorial F1 indica habilidades de enfrenta mento com risco; F2, habilidades
para lidar com demandas de expressão de afeto; F3 avalia habilidades de conversação e
desenvoltura social; F4 aponta habilidades de auto-exposição a desconhecidos e ao
novo; F5 investiga habilidades de autocontrole da agressividade (Del Prette & Del Prette,
2001/2003). Ainda foram utilizados os Diários de Registro de Comportamentos, com
objetivo de possibilitar o acompanhamento dos comportamentos da participante e a
automonitoração destes por parte dela (Bueno & Britto, 2003).
A 2a fase compreendeu o Tratamento I, abrangendo da 5a à 24* sessão. Nessa
etapa, foram aplicadas as técnicas da TCC. De acordo com Skinner (1953/2000), a Análise
Funcional consiste na formulação científica da interação entre o indivíduo e seu ambiente,

Sab«e Comportamento « Coçm^So


pela especificação da ocasião onde o comportamento ocorre, o próprio comportamento e
as suas conseqüências. A Reestruturação Cognitiva que, de acordo com Cabalío (2003),
consiste na modificação dos valores, crenças e atitudes disfuncionais do índívíduo, por
meio de um questionamento sistematizado (Questionamento Socrático), buscando sua
veracidade; substituindo por valores, regras e atitudes realísticas e funcionais. A Técnica do
Espelho (Fraímam, 2004), cujo objetivo é aumentar a percepção e aceitação da auto-imagem
do indivíduo, para posterior treinamento do autocuidado. A Técnica do Banho, com a finalidade
de levar o cliente a melhor interagir consigo mesmo, aprendendo a íidar com o afeto. O
A.C .A.L.M.E.-S.E, cujo objetivo é ajudar o cJíente a obter o controle de sua ansiedade, através
da execução de 8 passos: 1) aceitar a ansiedade; 2)contemplar as coisas em sua vofta; 3)
agir com a ansiedade; 4) liberar ar dos pulmões; 5) manter os passos anteriores; 6) examinar
os pensamentos; 7) sorrir, pois você conseguiu; 8) esperar o melhor do futuro (Rangé,
1998). Também foram utilizados os Diários de Registro (Bueno & Brítto, 2003). Na sessão
22afoi feita a replicação da Bateria de Beck e na 23a a replicação do IHS com a finalidade de
obtenção de dados comparativos, visando melhor percepção do desenvolvimento e adesão
até o momento. Com estes resultados, na 24a sessão foi estabelecido o programa de
férias, uma vez que a Clínica Escola de Psicologia suspenderia os atendimentos por dois
meses, durante férias acadêmicas. Com ele, a participante recebeu um kit auto-explicativo,
com tarefas a cumprir nesse período, assim compreendido: “1- Mantenha atualizados os
diários de comportamentos, lembrando que deve preenchê-los sempre que eventos lhe
evocarem um grau de ansiedade mais exacerbado; 2- Faça o Controle Respiratório todos
os dias, seis vezes ao dia, com cinco exercícios repetitivos cada (de inspirar; reter o oxigênio
por cinco segundos; exalar o ar suavemente pela boca; respirar normal), lembrando sempre
de preencher os diários do mesmo; 3- Preencha cotidianamente o diário de dificuldades às
situações sociais, 4- Realize pelo menos 1 vez ao dia a Técnica do Banho, procedendo ao
registro de todas as respostas encobertas e públicas que ocorrerem enquanto o realiza; 5-
Abra-se para eventos novos, conhecendo lugares e pessoas diferentes, registrando sempre
no Registro Diário de Comportamentos; 6- Lembre-se da importância de rever e conversar
com os amigos; 7- Mantenha interpretações positivas em relação a si mesma, aos outros
e ao mundo, e registre-as". A finalidade deste programa foi favorecer que, mesmo durante o
recesso acadêmico, a participante se mantivesse em tratamento terapêutico.
A 3a fase foi a Avaliação Pós-Férias. Compreendeu-se da 25a à 28a sessão, quando
no término do recesso acadêmico a participante retomou ao processo terapêutico. Foi realizada
a acolhida à mesma, buscando a coleta de novos dados a respeito de seus comportamentos-
problema; foi checado todo o programa de férias, estabelecido anteriormente. Na sessão 27a
replicou-se a Bateria de Beck e na 28a foi feita a replicação do IFS, com a finalidade de
obtenção de dados comparativos com as fases anteriores, verificando a evolução da participante
e favorecendo a definição da quarta fase, ou seja, o Tratamento II.
O Tratamento II foi realizado da 29a à 39a sessão, como 4afase, tendo como enfoque
a intervenção nas auto-regras da participante através da Análise Funcional e Reestruturação
Cognitiva das mesmas, obtidas através dos Diários de Comportamentos (Bueno & Britto,
2Ò03). O Treinamento em Habilidades Sociais (THS) visando o desenvolvimento de novas
estratégias para lidar com as situações em que houvesse o déficit o treino ocorreu dentro
do consultório, quando lhe foram ensinadas maneiras específicas de se comportar, a
serem praticadas e integradas ao seu próprio repertório comportamental (Caballo.1996/
2002). Bem oomo a utilização das Cartas Não-Enviadas, com o objetivo levá-la a entrar em
contato com as situações aversivas, motivando-a a expressar a intensidade de seus
sentimentos, instruindo-a a escrever cartas a algo ou alguém, objeto de conflito: cartas
estas jamais enviadas (Mahoney, 1991/1998; Bueno, 2002).

178 Qlrw N o lflo Bueno t Amanda l« b d Silva M elo


A Avaliação Final compreendeu a 5a fase e ocorreu entre a 40a e 42a sessões.
Os testes: BDI, BSI, BHS, BAI foram replicados na 40a sessão e na 41a sessão replicou-
se o IHS para a confrontação dos dados obtidos na Linha de Base, Tratamento I, Avaliação
pós-Férias, Tratamento II, e uma melhor avaliação do tratamento desenvolvido.
A seguir, todo este procedimento é mostrado de fonma macro, na Tabela 1.

Fgse. Procedimento
Unha de Identificação dos comportamentos-problema, por meio da
Base observação, entrevista inicial, contrato terapêutico, Questionário de
Xaà 4a História Vital, aplicação de testes psicológicos: BDI, BAI, BHS, BSI e
sessão IHS; e Diários de Registro de Comportamentos.

Tratamento I Diários de Registros Diversos sobre Comportarnentos-Problema


5a à 24* específicos à participante; Análise Funcional; Reestruturação
sessão Cognitiva; Questionamento Socrático; Técnica do Espelho; Técnica
do Banho; A.C.A.L.M.E.-S.E.; Reaplicação dos e programação e
preparação para as férias.

Avaliação Acolhida á participante; Verificação do programa de férias;


Pós-Férias Replicação dos tesjes: BDI, BAI, BHS, BSI e IHS e definição do
25a à 23a Tratamento II.
Sessão

Tratamento II
23a à 39 a Intervenção nas Auto-Regras; Diários de Registros Diversos sobre
sessão Comportamentos-Problema específicos à participante; Análise
Funcional; Reestruturação Cognitiva; Treino em Habilidades Sociais;
Cartas Não-Enviadas.
Avaliação
Fjngl Replicação dos testes: BDI, BAI, BHS, BSI e IHS; mensuração dos
4-Qa á 42a resultados; resumo do processo terapêutico.
sessão

Tabela 1. Fases do processo terapêutico - Procedimento

Resultados
Os dados apresentados neste,,trabalho foram coletados desde a 1a sessão da
Linha de Base, Tratamento l,. Avaliação Pós-Férias, Tratamento II e Avaliação Final,
favorecendo o planejamento de uma intervenção estruturada e eficaz, necessária para
construir um novo repertório comportamental assertivo na participante.

Sobre Com porlam ínto e Cognição 179


Bateria de Beck (BDI, BAI, BHS e BSI)
Os Inventários BDI, BAI, BHS e BSI foram aplicados na 38 sessão, Unha de
Base. Na 22a sessão houve sua reaplicação, quando da fase do Tratamento I; sendo
novamente replicados na 27a, quando da Avaliação Pós-Férias e finalmente na 40a
sessão da Avaliação Final. Na Figura 1, a seguir, são apresentados os resultados
comparativos de Sofhia em todas estas fases.
As colunas com riscas verticais representam os valores obtidos por Sofhia na
Linha de Base. Observa-se que no BDI ela obteve escore 35, considerado nível moderado
de depressão; no BAI, escore 39, ou seja, grau de ansiedade grave; no BHS, 15,
considerado nível grave de desesperança, e 14 pontos no BSI, este último não possuindo
valor referencial, sendo interpretado com alto grau de ideação suicida. Nas colunas em

Figura 1 - Resultados comparativos da Bateria de Beck nas fases: Linha de Base, Tratamento I,
Avaliação Pós-Férias e Avaliaçáo Final.

diagonal, estão os escores obtidos no Tratamento lT sendo 21 pontos no BDI, que


correspondem ao nível moderado de depressão; 19 pontos no BAI, definidos como nível
leve de ansiedade; no BHS obteve escore 12, representando nível moderado de
desesperança; e 7 pontos no BSí, ou seja, ainda com ideações suicidas. As colunas
horizontais demonstram os valores obtidos na Avaliação Pós-Férias, sendo 19 pontos
no BDI, interpretados como nível leve de depressão; 18 pontos no BAI, ou seja, nível leve
de ansiedade; no BHS 14 pontos, ou seja, nível grave de desesperança; e 9 pontos no
BSI, permanecendo com ideação suicida. Já as colunas pontilhadas referem-se aos
valores obtidos na Avaliação Final, quando Sofhia obteve valor igual a 4 no BDI,
significando grau mínimo de depressão; no BAI escore igual a 6, ou seja, nível de
ansiedade mínimo; no BHS valor igual a 1, considerado nível mínimo de desesperança;
e no BSI obteve valor 1, interpretado como baixíssimo nível de ideação suicida.
Os escores apresentados na Figura 1, acima, salientam que mesmo Sofhia
tendo chegado ao tratamento com nível moderado de depressão, houve uma redução
em seus escores levando-a ao nível mínimo de depressão. Resultado semelhante
pode ser observado nos quatro resultados do BAI. Na Linha de Base, Sofhia apresentava
um nível grave de ansiedade. Gradativamente, houve redução, chegando a mínimo na
última fase de seu tratamento. Nos resultados apontados tanto pela Escala de
Desesperança quanto pela de Ideação suicida, a participante apresentava na fase inicial
escores graves de desesperança e ideação suicida. Quando de seu retorno, após dois
meses de interrupção, ambos os escores apresentaram elevação, decorrentes do
aumento de problemas em relação ao namorado, término do namoro durante o processo
de férias. Mas, na Avaliação Final, o escore de desesperança foi considerado mínimo,
com vator igual a 1, e o de ideação suicida foi definido como baixíssimo, com valor igual

Groa Nolélo Butno t Amanda Isabel Silva M elo


a 1. Com o suporte dos dados obtidos pela Bateria de Beòk, foi possível estabelecer um
program a de Intervenção, utilizando as técnicas: Análise Funcional; Reestruturação
Cognitiva; Técnica do Espelho; Técnica do Banho; A.C.A.L.M.E.-S.E., Intervenção nas
Auto-Regras; Treino em Habilidades Sociais e Cartas Não-Enviadas.

Análise Funcional e Reestruturação Cognitiva


Análise Funcionai foi realizada em todas as fases do processo terapêutico,
subsidiada pelos Diários de Comportamentos. A seguir, são demonstrados dois de seus
momentos. Na Tabela 2, verifica-se uma situação registrada quanto da Linha de Base.
______Estimula________________ RissRQstaa_________________Conseqüência_______
Em casa, recebe a E n c o b e rta s : preocupa-se Não consegue dormir, fica
ligação do com a situação em que se mais irritada: quebra alguns
namorado. encontra o relacionamento objetos, liga para o namorado e
dos dois. Sente tristeza,
angústia e irritabilidade. termina 0 namoro-
Apresenta respostas
fisiológicas de tremores,
sudorese e palpitação.
Públicas: desentende-se
com o namorado e toma um
__________ ________Rivotril para tentar d o r m i r , ____________
Tabela 2. Análise Funcional - Linha de Base

Os dados contidos na Tabela 2 foram intervencionados na fase Tratamento I,


resultando na seguinte percepção dela: “Se não fosse tão precipitada e agressiva,
talvez nem tivéssemos brigado (Sofhia, outubro de 2005). Como tarefa de casa. a
participante optou por encontrar-se com o namorado e procurou apresentar repertórios
mais adequados, como demonstra a Tabela 3, a seguir.
Esti mul a Respostas Conseqüência
Encontra o ex- Encobertas: lembra-se dos Almoçam juntos e depois
namorado num momentos bons e ruins retorna ao trabalho.
shopping e ele a que viveram. Sente
convida para tristeza, angústia e
almoçar. saudosismo. Apresenta
respostas fisiológicas de
palpitação e fadiga.
Públicas: aceita o convite.
Tabela 3. Análise Funcional - Tratamento I

No 1o momento (Tabela 2), a participante apresenta comportamentos agressivos


e inadequados. No 2o momento (Tabela 3), após a Intervenção, consegue ter uma
resposta mais habilmente adequada. Após a compreensão desses dois eventos, Sofhia
passou a utilizar-se da Análise Funcional, previamente, como instrumento indicativo
das conseqüências do seu comportar-se.

Sobre Comportamento r Cosnição


Perfeccionismo e Medo de Errar
No fragmento de sessão, adiante, observa-se que Sofhia apresentava grande
dificuldade em iidar com o fato de errar, quando chegou a este tratamento.
Fragmentos da 1a Sessão:
C - Tenho medo de fracassar e minha filha se decepcionar comigo; de não dar conta de
educá-la, estudá-la, sustentá-la. Não posso errar com ela, tenho que ter o controle da
situação.
T - Você me disse que não pode fracassar. Isto é por medo de fracassar ou de perder o
controle da situação?
C - Das duas coisas. Em tudo o que faço, prefiro fazer sozinha. Sempre sou a última a
falar, tenho sempre que afirmar que sou e estou correta.
Na 5a Sessão foi trabalhada com a participante a definição de Acerto e Erro,
como demonstra a Tabela 4.
Cat e g o r i a s _________________________________________ CaUCSilAS
Ar.Qfjn 100% t r ei nament o, que é Igual a 100% de
apr e n d i za g e m.
Ar.erto i ncompl et o Ai nda n ão houve 100% de t r ei nament o, port ant o não
houve 100% de apr endi zagem.
A 11 s6 nr:ia d r ar br t n Ai nda n ão foi i ni ciado o t r ei nament o, por t ant o, não há
apr e n d i z a g e m.
Erro Qu a n d o houve 100% de t r ei nament o, por t ant o, 100%
__________________________________________ de apr endi zagem e o Indi ví duo fez di f erent e di sso.________
Tabela 4: Conceito ação de Acerto e Erro - Tratamento I.

Sofhia passou a ter sempre à mão um cartãozinho com os conceitos de Acerto


e Erro, para que pudesse observar corretamente os eventos e se auto-analisar.
Disciplinada a aprender, já na 6a sessão, a participante faz a seguinte verbalização:
Fragmentos da 6a Sessão:
C - Consigo ouvir minha filha melhor. Vi que impunha tantas coisas para ela, com medo
de algo dar errado e as pessoas virarem para mim e dizerem que eu errei.
T - E como ficou essa percepção para você?
C - Sei que não vou acertar sempre e que nem sempre o que eu penso é o correto. E
que depois da última sessão, quando trabalhamos os conceitos de acerto e erro eu
compreendi que eu só vou errar quando aprender a fazer tudo corretamente. Por isso,
hoje já sei: ou acerto parcialmente ou não acerto, pois ainda não aprendi tudo.
Para uma melhor observação da participante, especialmente sobre seus
repertórios perfeccionistas, com auto-regras muito rígidas, na sessão 7a foi montada,
com sua ajuda, a Tabela 5, a seguir:
C o m o ela é Cnmn cia s r vè A u t o - r e o r a s de R R snn st as.
í ü . b ^ e j ü a c ã c da 5 of h ia C j u n . n o r t a m exi l ai s
^/■a d eu i a)
Boni t a; Feia; - T e n h o que ser Rigidez;
E Is g a n le ; Deselegante; p e rfe ita ; Dependência ao
S im p ãt i ca ; A n tip á ti cs ; - S o u fe ia ; n 3 rn o r a d o ;
In ta lig e n te ; I n co m p e te n te ; - E s t o u velha; C o m p o rta m e n to
Jovem ; Velha, - N ê o sóu c a p a z ; h o stil;
A Ira e n te . S e m a tra ti vo s . P reciso T e n la tiv a de
controlar tu d o ; c o n tro le das
- S o u i nf el i z e pessoas m a is
sem s u cas so . próximas.

Tabeta 5: A relação entre perfeccionismo, auto-estima e auto-regras.

Ciitâ N o líto Bueno e Amanda ftóbel Silva Meto


Sugerida a olhar com calma os dados da Tabela 5, a participante verbalizou:
“Nossa, então são minhas autoregras negativas que fazem de mim uma pessoa tão
rígida e infeliz!” (Sofhia. outubro de 2005).
A intervenção nas Auto-Regras disfuncionais objetivou a extinção de regras
disfuncionais e a construção de novas regras mais funcionais, como demonstra a
Tabela 6, feita na 27a Sessão do Tratamento II, a seguir:
Intervenção Resultados
S o ftiia
Tenho que ser onal; Rducáçáo sobre P e r c e b o que p o s s o f a z e r
pe r f e i t a ; pvrfccciflFnftno; Acc/to e Lrro, o melhor, sem estar
Reesmiíuraçlo CoMniiiva sempre buscando a
Sou fei a; pe rfe i çã o .
A n á l i s e F u n c i o n a l : T é c n i c a do G o s t o m ai s de m i m e m e
Esp e lh o ; T é c n ic a do B a n h o ; s i nt o m a i s a l e g r e e fel iz.
Não sou c a p a z ; Diários de R e gistro .
A n á tis e F u n c io n a I; Preciso agir para
p re c i so co n tro la r R e p. s l r u tu r a ç â o Cognitiva; conseguir atingir meus
tudo; A C . A . L . M . E.-S.E. obj e tivos.
Tudo na m i n h a Análise F u n ci onal ; Preciso co ntro la r a m in h a
vi da e s t á d a n d o R e e st r u tu ra çã o C n g n i t i va ; ansiedade e não as
errad o ; A . C A . l . M .E , - S . E pessoas!
Aoáln« hurjcioüJi. R e c s t r ut u ra ç i n
Para que meus ideais
C o ft t i i Li v a, A . C A Í M .L . -5». L dêem certo , devo e scolh o r
S ou i nfel i z e sem Q u e Rt m n a m e n í o .Socráti co. e e x e c u t a r as e s t r a t é g i a s
sucesso; de form a a s s e rt i va ;
Sinto-me mais alegre e
T r e i n o em H a b i l i d a d e S o c ia l ;
Mã o posso fe l i z . Tenho e s ta d o
Reestruturação Cognitiva;
confiar n as satisfeita c o m ig o m e s m a .
A . C . A . L . M .E , - S .E
pessoas. T r e in o em H a b i l i d a d e So c ia l;
Percebo que confiando
m a i s nas p e s s o a s , p a s s e i
Reestruturação Cognitiva;
a respeitá-las m a is , e a
A . C . A . L . M E - S. E. .
m im t a m b é m .

Tabela 6; Auío-regras negativas de Sofhia na Linha de Base ve/si/s_Tratamento I, Avaliação Pós-


Férias e Tratamento tl.

Técnica do Espelho
Sofhia apresentava um rigor muito grande ao analisar seu corpo. Em função
disso, a insatisfação era um ato contínuo. Então, na 9a sessão houve a decisão de levá-
la a se observar no espelho para identificar do que gostava ou não nela. Os resultados
favoreceram a definição de estratégias de intervenção. Logo que a tarefa foi proposta,
Sofhia verbalizou:
Fragmentos da 9a Sessão
C - Eu não gosto do que vejo quando me olho.
T - Do que especificamente você não gosta quando se olha?
C - Eu me acho feia: estou envelhecendo, meu corpo já não é mais o mesmo; meu
cabelo, minha pele... nossa, me sinto péssima!
T - Fale-me melhor da forma como é se sentir péssima?
C - Eu não gosto do que eu vejo. Caso pudesse e tivesse condições, faria uma plástica
completa; só manteria a minha alma.
Após esta verbalização, definiu-se que ela realizaria a Técnica do Espelho,
como tarefa de casa.
A participante precisou de 7 dias para conseguir realizar a tarefa Técnica do
Espelho, não apresentando a mesma na 10a sessão, mas sim na 11a sessão. O
resultado está demonstrado no fragmento, a seguir:

Sobre ComporUmefito t C ojniçáo


Fragmentos da 11a Sessão
T - Como foi fazer a Técnica do Espelho?
C - Foi horrível! Senti-me péssima, chorei muito.
T - Horrível?
C - Sim, eu não estou e não sou como gostaria de ser. Portanto, não quero mais fazer
esta tarefa: ela me faz mal!
A partir deste resultado, foi definida a Técnica do Banho, com a finalidade de
possibilitar um melhor autocontato de Sofhia. Especialmente, visando à auto-aceitação,
com afeto.
Fragmentos da 12a Sessão - Técnica do Banho
T - Como foi realizar o banho?
C - Não o realizei por completo nas primeiras vezes e, nas duas em que o realizei, não
percebi diferença. Afinal, só me fez comprovar o que eu já sabia, estou feia, velha, a pele
e o corpo já não são os mesmos.
Após cinco sessões, ou seja, na 17a sessão, Sofhia verbaliza:
Fragmentos da 17a Sessão
C - Voltei a realizar o banho. Então, fui conseguindo me perceber e me aceitar melhor. Vi o
quanto estava ficando desligada de mim. Saí, resdvi cortar os cabelos, mudar o meu visua!.
T - E como você se sentiu?
C - Entendi que não posso mudar o que sou e sim que tenho que me perceber e aceitar
como sou, podendo melhorar aquilo que está ao meu alcance. Estou bem melhor. Hoje
compreendo melhor os elogios que recebo. Antes não os recebia, pois sabia que minha
beleza não era perfeita!

Inventário de Habilidades Sociais


O IHS foi aplicado na 4a sessão, da Unha de Base. Na 23a sessão houve sua
replicação, na fase do Tratamento I; sendo novamente replicado na 28a, Avaliação Pós-
Férias e, finalmente, na 41a sessão da Avaliação Final. Na Figura 2, a seguir, são
apresentados os resultados comparativos de Sofhia em todas estas fases.

Figura 2 - Resultados comparativos do IHS nas fases: Unha de Base, Tratamento l, Avaliação Pós-
Férias e Avaliação Final

A primeira coluna refere-se ao Escore Referencial de valor igual a 50. O primeiro


grupo de colunas representa os escores totais nas quatro fases de aplicação. Estes
escores permitem uma avaliação geral dos recursos e défidts das habilidades sociais.

Glna N o lito Bueno e Amanda Isabel Silva Melo


Sofhia obteve 65 pontos nas duas primeiras fases - Linha de Base e Tratamento I,
elevando-se para 75 pontos na Avaliação Pós-Férias e 85 pontos na Avaliação Final. O
segundo grupo de colunas indica os escores referentes ao F1 - repertório de enfrentamento
e auto-afirmação em situações de risco. A participante obteve escore 95 na Linha de Base,
85 pontos no Tratamento I, 75 na Avaliação Pós-Férias e 85 pontos na Avaliação Final. O
terceiro grupo representa o F2, que avalia as habilidades para lidar com demandas de
afeto. A participante obteve 35 pontos nas duas primeiras fases, elevando seu escore para
50 pontos na Avaliação Pós-Férias e 60 pontos na Avaliação Final. No quarto grupamento
de colunas está o resultado no fator F3: Linha de Base com percentil 10, significando
pouca habilidade em conversação e desenvoltura social, retratando pouca capacidade
para lidar com situações de aproximação com o outro. Subiu para 85 pontos no Tratamento
I; depois elevou-se para 90 pontos na Avaliação Pós-Férias e 95 na Avaliação Final,
ratificando a aquisição de repertórios que habilitam a participante a ter uma melhor
desenvoltura em conversação e interação social. No grupamento 5, referente ao F4,
identificador das habilidades de auto-exposição a desconhecidos e a situações novas, a
participante apresentou um percentil igual a 30, na Linha de Base, representando uma
dificuldade em expor-se a desconhecidos e a situações novas. No Tratamento I, seu
resultado foi de 65; 75 pontos na Avaliação Pós-Férias e 95 pontos na Avaliação Final,
evidenciando um aumento relevante de suas habilidades para enfrentar tais situações.
No sexto grupo de colunas estão os resultados do fator F5, que investiga o autocontrole da
agressividade. Na Linha de Base e no Tratamento I, a participante obteve escore igual a 1,
demonstrando pouco controle da agressividade, refletindo característica de impulsividade.
Na Avaliação Pós-Férias seu escore subiu para 40 pontos. Elevando-se para 50 pontos
na Avaliação Final, demonstrando um aumento considerável de controle da participante
para expressar seus sentimentos de desagrado.
Os resultados apontados pelo iHS revelam que a participante apresentava
índices superiores nos fatores Tota! e F1, ao final do processo apresentou melhores
habilidades sociais nestes fatores. Já em relação aos F2, F3, F4 e F5, o seu resultado
foi ainda mais forte, saltando de escores abaixo da média no princípio, para índices
medianos e superiores quando da Avaliação Final, como observado na Figura 2.
Cartas Não-Enviadas
Na 29a sessão, foi solicitado à Sofhia que escrevesse uma Carta Não-Enviada
ao futuro, expondo todos os seus conceitos referentes ao mesmo. O resultado desta
tarefa foi apresentado na 30a sessão.

Fragmento da Carta Não-Enviada ao futuro


“É estranho eu escrever para o futuro. Ele ainda não existe! O que é o futuro?
“Ele", a Deus pertence? Acho que o futuro é um plano desejado. (...). (...) atualmente eu
não me preocupo com o futuro, em longo prazo, mas apenas em curto prazo (quase o
hoje). Percebo que meus planos foram uns e os planos de Deus foram outros. Tive que
me adaptar à aceitação. Sendo assim, não quero ficar muito a planejar; prefiro tentar
trabalhar com o hoje.”
Após a 31a sessão, Sofhia, como tarefa de casa, assumindo o papel do futuro,
respondeu à sua primeira carta ao futuro.
Fragmento da Carta Não-Enviada - Resposta do futuro
“Quando você diz que é estranho escrever para mim, pois ainda não existo, te
retomo a pergunta, não é estranho eu me preparar para te esperar se ainda não a
conheço? (...) Comece a preparar sua ‘'base" com o seu ontem e o hoje e terá uma

Sobre Comportammto ? Cognição


melhor visão de mim (...). (~.)Persisía mais e acredite em você e na sua capacidade, e
assim poderá me perceber mais próximo. (...) Eu só vou poder me preparar para te
receber, se você se permitir planejando".
Como tarefa de casa, na 338 sessão, Sofhia foi instruída a responder a segunda
carta.

Fragmento da Carta Não-Enviada - Resposta de Sofhia ao futuro


“Muito obrigada por me fazer perceber que você é parte do meu “eu". Vou conseguir
pJanejar a minha base a partir da minha real reaiidade. Mas não se preocupe muito. Só
lhe peço que me espere com os "braços" abertos para um forte e caloroso abraço. (...)
Espere por mim, eu chegarei até você".

Discussão
Como salientam Staats e Staats (1966/1973), toda ordem comportamental,
adaptada ou não, tem função. Pesquisar a função do comportamento é tarefa básica ao
terapeuta, necessária para a ocorrência de uma intervenção adequada ao
desenvolvimento de novas habilidades sociais, isto é, ao autocontrole de seus repertórios
de comportamento (SKinner, 1974/2003).
Assim, neste estudo, a Análise Funcional foi um instrumento bastante utilizado
com a finalidade de melhor compreensão das relações entre os antecedentes e os
conseqüentes às respostas apresentadas por Sofhia. O uso sistemático deste
instrumento parece ter favorecido o autoconhecimento da participante sobre as
contingências sociais nas quais tinha que apresentar uma resposta. E, muitas vezes,
essas contingências eram interpretadas pela participante como muito aversivas,
conseqüenciando-lhe comportamentos inadequados, como demonstra a Tabela 2.
Porém, a observação, descrição e análise de muitas situações sociais que experimentara
sugerem ter possibilitado a construção de novos repertórios mais assertivos, isto porque,
conforme Skinner (1953, 2000), a Análise Funcionai consiste na formulação científica da
interação entre o indivíduo e seu ambiente. E essa form ulação favorece o
autoconhecimento e posterior autocontrole dos repertórios de comportamentos.
Os resultados, ora evidenciados por este estudo, salientam o perfeccionismo
de Sofhia, que se tornou mais freqüente após a morte de seus pais, quando passou a
ser responsável por si, sua irmã e sua filha. Destaca, também, o medo, igualmente
muito freqüente, sentido e verbalizado por Sofhia: “Tenho medo de fracassar e minha
filha se decepcionar comigo, de não dar conta de educá-la, estudá-la, sustentá-la. Não
posso errar com ela" (Sofhia, Setembro de 2005). Esses dados parecem sugerir que o
perfeccionismo advém de um medo exacerbado de errar e a busca da perfeição. Medos
evocados por auto-regras muito rígidas sobre a impossibilidade que lhe dava quanto ao
errar e a busca pelo perfeccionismo, como demonstra Tabela 5. O procedimento
favorecido pela Tabela 5 parece ter contribuído com a percepção mais flexível da
participante a respeito de suas auto-regras disfuncionais, sendo as mesmas
substituídas por auto-regras mais funcionais e de assertividade, favorecendo o
autocontrole, como demonstra a Tabela 6. Confirmando, como sugerem Wessler e
Hankin-Wessler (1996/2002), as auto-regras servem para guiar e avaliar a si mesma e
aos demais, aplicando-as ao julgar de seu próprio comportamento e o dos outros.
A busca pelo perfeccionismo e a dificuldade de aceitação com a sua própria
auto-imagem confirmaram uma baixa auto-estima de Sofhia, observada quando da
Técnica do Espelho, ao demonstrar dificuldade de aceitação do seu próprio corpo: “Eu

Gto« Notóto Bueno e A m m d a Isabel Silva M rio


me acho feia, meu corpo já não é mais o mesmo... nossa, me sinto péssima!” (Sofhia,
outubro de 2005). A baixa auto-estima parece corroborar com os primeiros resultados
da Técnica do Banho: Sofhia apresentou, inicialmente, baixa adesão a esta técnica
devido a sua dificuldade em lidar com afeto e aceitação de sua própria imagem. Para
Álvarez (1996/2002), a auto-estima advém da forma com que a pessoa se vê, bem como
a avaliação que faz de si mesma. E quando esse resultado é negativo, favorece a
construção de uma baixa auto-estima. Após a intervenção, passou a se aceitar e a se
valorizar, refletindo na melhoria de sua auto-estima: "Gosto mais de mim e me sinto
mais alegre e feliz” (Sofhia, março de 2006).
Praticamente em todas as sessões, a partir do Tratamento I, utilizou-se a
Reestruturação Cognitiva, visando a estimulação da construção de novos repertórios
assertivos (Caballo, 2003). Na Tabela 6, pode-se verificar a eficácia desse instrumento
no momento em que toma consciência a respeito do seu perfeccionismo: “Agora percebo
que posso fazer o melhor, sem estar sempre buscando a perfeição".
A Figura 1 desta os resultados da Bateria de Beck obtidos por Sofhia durante o
processo terapêutico. A depressão, que se mostrou moderada no início do tratamento,
diminuiu consideravelmente ao longo de todo o processo, chegando ao nivel mínimo na
fase de Avaliação Final. Sua ansiedade, que no primeiro momento foi definida como de
nível grave, decresceu para mínimo, no final do tratamento, sugerindo que as técnicas
definidas para o controle de tais repertórios foram eficazes. A desesperança que se
apresentou grave na Linha de Base, reduziu-se à moderada, antes do período de férias
na Clínica Escola, mas elevou-se ao nível grave, quando da investigação na Avaliação
Pós-Férias, Sofhia durante o período de férias, terminou o seu namoro, sentindo-se
insegura, infeliz e sem expectativas quando ao seu futuro, reduzindo-se para mínimo na
última fase. Resultado semelhante pod^ ser observado também no BSI: Sofhia apresentou
elevado desejo de ideação suicida nas três primeiras fases. Mas na última fase do
tratamento foi reduzido ao nivel mínimo. Keller e Werlang (2005) salientam que a baixa
auto-estima pode estar diretamente relacionada â depressão, desesperança e à ideação
suicida. Os resultados, ora apresentados, parecem demonstrar que a reestruturação das
auto-regras de Sofhia, agora assertivas, bem como o treinamento de habilidades
socialmente adequadas, possibilitaram maior autocontrole de seu re p e rtó rio ,
conseqüentemente a melhoria de sua auto-estima, diminuindo a sua ansiedade,
desesperança e desejo de morte.
Através do IHS, Figura 2, é possível observar que a participante apresentava bom
repertório hábil social, com escore total na Linha de Base de 65; elevando-se para 85 na
última fase. Segundo Del Prette e Del Prette (2001/2003), a aquisição das habilidades
sociais ocorre durante toda a vida do indivíduo. Sofhia apresentou níveis baixos no F5,
demonstrando que a mesma era impulsiva e com baixo autocontrole da agressividade. A
melhoria desses repertórios hábeis sugere a eficácia e a generalização de novas
habilidades, visto que nem todas as baixas habilidades de Sofhia foram intervencionadas.
A partir da 29a sessão foram trabalhadas com Sofhia as Cartas Não-Enviadas,
cartas em que ela expressa sua emoção e dúvidas em relação ao futuro, na primeira
carta; o futuro lhe responde na segunda carta; e ela volta a respondê-lo, na terceira carta.
Esta técnica, segundo (Mahoney, 1991/1998; Bueno, 2002), favorece o autoconhecimento
e autocontrole comportamental de quem se submete a ela. Neste estudo, ela parece ter
favorecido a funcionalização do comportamento de Sofhia em relação ao futuro e à sua
desesperança: “Tenho que me preparar‘para o futuro, se quiser que ele seja tranqüilo e
feliz” (Soffiia, abril, 2006).

Sobre Comportamento e CojnlçSo


Os dados obtidos por este estudo sugerem que o perfeccionismo, a baixa auto-
estima e as auto-regras negativistas construíram uma complexa cadeia de
comportam entos-problem a em Sofhia, produtora de muitas perdas sociais. Sugerem
ainda que a intervenção proposta favoreceu a reestruturação desses comportamentos,
possibilitando-lhe repertórios hábeis, mais assertivos e adequados ao seu contexto
social, isto é, à aquisição do autocontrole.
Assim, os dados aqui apresentados sugerem que os objetivos foram
alcançados, ou seja, as auto-regras da participante, adquivindas das conseqüências
de sua interação social, parecem ter-lhe favorecido o perfeccionismo, prejudicando sua
auto-estima. Sugerem ainda que o procedimento de intervenção proposto foi eficaz,
uma vez que houve a redução de comportamentos desadaptados e a aquisição de
repertórios socialmente hábeis. Mas é evidente que mais estudos sobre o tema precisam
ser realizados, para sua melhor compreensão.

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Tradução organizada por M. D. Claudino. 1a Edição. São Paulo: Santos Editora. (Trabalho
original publicado em 1996).

Sobre Comportamento e Cognlfào


Capítulo 16
Fobia social e aquisição de
comportamento resiliente:
uma visão analítico-comportamental
Carolína de Fátima Fampa de 5ouza
W aneila M arques M a c ie l
João dos Santos Carmo
U niversidade da A m azônia, Belém-Pará

O presente estudo objetivou apresentar uma definição analítico-comportamenta!


de fobia social e de resiliência. Investigou também a possibilidade de estabelecer o ensino
de estratégias produtivas de enfrentamento diante de situações sociais a fóbicos sociais.
Realizou-se pesquisa teórica, do lipo bibliográfico e exploratório, construindo-se uma revisão
da literatura na qual sistematizou-se uma definição comportamental de fobia social e de
resiliência; propôs-se a aproximação dos estudos sobre resiliência e sobre fobia social a
partir de uma leitura analítico-comportamental. As reflexões aqui apresentadas buscam
abrir discussões em tomo do potencial da proposta dentro e fora da prática clínica.
O texto está dividido em três partes. Na primeira apresentamos um levantamento
acerca da concepção Analítico Comportamental dos transtornos de ansiedade,
explorando especificamente a fobia social. Na segunda parte, abordamos o tema
Resiliência e sua relevância no processo de administração, transformação ou superação
de adversidades, referenciando um foco na promoção e prevenção da saúde. Por fim,
objetivamos uma aproximação de teorias no sentido de utilizar a contribuição da Análise
do Comportamento em reação ao tratamento da Fobia Social e a concepção de
comportamento resiliente e suas estratégias de coping.

Fobia Social: uma leitura analítico-comportamental


Sidman (1995) afirma que em função de sua dependência do controle coercitivo,
a sociedade paga um preço em termos de sofrimento humano, desajustamento e
capacidade reduzida para engajamento construtivo. Quer o medo da coerção seja real
ou imaginário, a sensação é a mesma.
Santos (2000) considera que tanto a ansiedade quanto o medo possuem raízes nas
relações estabelecidas peto indivíduo em seu ambiente. Quando o perigo é real e a reação
proveniente de estímulos bem definidos, tem-se o medo. Todavia, quando a ameaça é apenas
potencial, norteada pelo medo de receber punição, entende-se esta resposta como ansiedade.
Graeff e Brandão (1996) explicam que a etimologia da palavra ansiedade provém
do termo grego anshein, que significa estrangular, sufocar, oprimir. Neste sentido, Santos

190 Carolína de Fátima F. d< Souza, W andla M . M aciel e Jo io dos Santos Carme
(2000), seguindo critérios médicos e toporáficos, considera que a ansiedade, pode ser
normal ou “patológica”. Para avaliá-la, sugere os seguintes aspectos: intensidade,
duração, freqüência e interferência, sendo este último, o mais importante para os
analistas do comportamento, uma vez que diz respeito ao processo de fuga e de esquiva
que implica a não realização de atividades diárias e, por conseguinte, a diminuição da
variabilidade comportamental e de respostas de contracontrole.
De acordo com o DSM IV-R (1994) dentre os transtornos de ansiedade está a
fobia social, definida como um medo marcante e persistente de uma ou mais situações
sociais ou de desempenho, no qual a pessoa está exposta a desconhecidos ou a
avaliação destes e teme demonstrar ansiedade ou agir de modo hum ilhante e
embaraçante. Kaplan e Sadock (1998) explicam que a pessoa reconhece que o medo é
excessivo e irracional, sendo assim, as situações sociais e de desempenho temidas
são evitadas ou suportadas com intensa ansiedade ou sofrimento.
Enquanto o modelo médico descreve os sintomas e sinais deste transtorno, o
modelo analítico-comportamental visa compreender as contingências que o mantêm,
conforme destacado na apresentação desta monografia.
Falcone (2001) aponta que estes indivíduos podem ser classificados de acordo
com dois subtipos, o generalizado e o circunscrito. Os indivíduos que apresentam quadro
de fobia social generalizada costumam temer tanto as situações públicas envolvendo
desempenho (falar em público, escrever, comer ou beber na presença de outros, usar
banheiros públicos, etc), quanto as situações de interação social (iniciar ou manter
conversações, participar de pequenos grupos, comparecer a um encontro, ir à festa, etc). A
autora destaca que os do tipo circunscrito, podem temer apenas uma situação pública de
desempenho, como também algumas situações (mas não a maioria) de interação social.
Segundo Savoia (2001), os sintomas dos transtornos ansiosos incluem
componentes cognitivos autonômicos e comportamentais. Viscott (1982) explica que o
corpo, de forma autônoma, reage liberando na corrente sanguínea poderosos hormônios
estimulantes. Estes hormônios fazem o coração bater mais forte e rapidamente e também
dirigem um fluxo sanguíneo para onde ele é mais necessário. Sofrendo influência do sistema
nervoso simpático, a maioria dos sintomas físicos da ansiedade que independem da
vontade do indivíduo, caracterizam-se por: aumento da pressão arterial, dores estomacais,
sudorese excessiva, dilatação das pupilas, palidez ou rubor da pele e taquicardia.
No que se refere aos componentes comportamentais, Savoia (2001) afirma
que, de acordo com a história de vida das pessoas, podemos identificar os fatores que
predispõem o desenvolvimento da ansiedade social patológica. Este autor ressalta que
uma das possibilidades de a fobia social se desenvolver, é a conseqüência de uma ou
mais experiências de condicionamento aversrvo.
Em relação às influências destas experiências desagradáveis, Millenson (1967), ao
descrever ansiedade, nos esclarece sobre alguns efeitos e conseqüências. Para tanto, baseia-
se no modelo de supressão condicionada, que foi testado em laboratório, através de
experimentos com ratos conduzidos por Estes e Skinner (1959/1972). Inicialmente condidonou-
se a resposta de pressão à barra (RPB), em uma câmara de condicionamento operante. O
estímulo reforçador utilizado era a gota d água. Depois de estabelecida a RPB, liberava-se
uma corrente elétrica no assoalho engradado da câmara. O choque elétrico funcionava como
punição e ocorria independentemente do comportamento do sujeito. A RPB foi diminuindo
irregularmente de freqüência, para depois'se adaptar ao choque, retomando sua freqüência
inicial. Um estímulo sonoro foi, então, introduzido alguns segundos antes da liberação do
choque. O som, inicialmente estímulo neutro, passou a sinalizar a ocasião de liberação do

Sobre Comportamento e Cogniçáo


choque inevitável. Após certa quantidade de emparelhamentos, a resposta RPB foi quase que
extinta por completo. Concomitante à extinção, durante o estímulo pré-aversivo (o som), os
sujeitos apresentavam respostas típicas, como aumento na defecação e micção, bem como
uma espécie de frost vigilance (vigilância congelada) também observada em sujeitos humanos
que foram submetidos a maus tratos físicos, quando diante do agressor. A este processo,
baseado no estudo inicial de Estes e Skinner, Míllenson (1967) denominou de ansiedade
condicionada, através de uma supressão condicionada da pressão à barra.
Foi constatado um comportamento de ansiedade através da observação dos
reffexos característicos de medo no rato, tais como: retração, tremor, palpitação,
imobilidade, defecação e micção.
Neste sentido, o modelo de supressão condicionada proposto por Estes e
Skinner (1959/1972), possibilita duas importantes conclusões a respeito da ansiedade.
A primeira é que a ansiedade pode se espalhar para condições muito diferentes daquelas
que originalmente a produziram e, segundo, que a ansiedade condicionada, uma vez
produzida, pode ser extremamente resistente à extinção. Em relação a este modelo,
Banaco e Zamignani (2004) afirmam que se não ocorrer emparelha mento entre o estímulo
pré-aversivo e o aversivo, poder-se-ia enfraquecer a relação operante entre a resposta
de esquiva e a sua conseqüência reforçadora negativa.
Segundo Caballo (1996) a aprendizagem por modelação vicária é outra
possibilidade de explicação da aquisição da fobia social. A provável situação ocorrida e
que pode ter sido responsável por desencadear a fobia é o fato de os pais evitarem entrar
em contato com situações sociais, e repassarem este valor aos filhos. Sídman (1995)
ressalta que mesmo a esquiva bem sucedida pode levar a custos pessoais e sociais tão
severos que uma pessoa pode ser classificada como mentalmente doente (SIC).
Tendo como base as definições do modelo médico explicativo dos transtornos
ansiosos, mais especificamente da fobia social, que é um dos focos do presente trabalho,
consideremos as principais características apontadas pelo modelo médico. De acordo com
o Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria, conhecido por
DSMIV-R (1994) a característica fundamental da fobia social é um medo acentuado e persistente
de situações sociais e de desempenho, nas quais o indivíduo poderia sentir embaraço.
A Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde,
chamada CID 10 (1993) explica que as fobias sociais geralmente se iniciam na
adolescência e estão centradas em tomo de um medo de expor-se a outras pessoas,
levando a evitação de situações sociais. Acrescenta que esta evitação é freqüentemente
marcante e em casos extremos pode resultar em isolamento social quase completo.
Para o DSM IV-R (1994), a evitação ocorre, uma vez que a exposição a situações
sociais provoca quase que invariavelmente uma resposta imediata de ansiedade. Como
critério importante para o diagnóstico da fobia social, o manual aponta o fato de o medo
ou a antecipação ansiosa quanto se deparar com a situação, interferirem
significativamente na rotina diária do indivíduo.
À medida que a literatura médica se ocupa em listar sintomas para enquadrar
os indivíduos no CID 10 ou no DSM IV, a Análise do Comportamento baseia-se em uma
explicação bem diversa para as características das chamadas "fobias sociais“,
começando pela concepção de comportamento.
De acordo com De Rose (1999), o termo comportamento refere-se à atividade
dos organismos (animais, incluindo o homem) que mantêm intercâmbio com o
ambiente. Numa linguagem mais rigorosa, a Análise do Comportamento diferencia
esta atividade em comportamentos operantes e respondentes (ou reflexos).

192 Caralina dt Fitlm a F. de Souza, W «ndU M . Maciel e Joào dos Sarrtoi Carmo
Para Baum (1999), Reflexos são traços com porta menta is mais simples, pois
através de um estímulo este se reflete em uma resposta. Para o autor é como se fosse
uma seleção natural, logo que estão diretamente ligados à manutenção da saúde e à
promoção da sobrevivência.
Segundo Skinner (2000), o reflexo tomou-se um instrumento mais importante
quando se demonstrou que novas relações entre estímulos e resposta podem ser
estabelecidas durante a vida do indivíduo. O reflexo pode ocorrer de maneira inata
(reflexo incondicionado) ou aprendida (reflexo condicionado). v
Para Baum (1999) os reflexos são produtos da seleção natural e parecem estar
envolvidos na manutenção da saúde, na promoção da sobrevivência e da reprodução.
Skinner (1974) explica que um tipo de relação entre o comportamento e a estimulação
é chamado Reflexo Incondicionado, tais como a respiração, a digestão, a circulação,
etc. Neste sentido este último afirma que a sobrevivência pode ser dita contingente em
relação a certos tipos de comportamento.
Em relação ao Reflexo Condicionado ou Condicionamento respondente, Baum
(1999) esclarece que sua forma mais antiga, derivada da idéia de Pavlov, fala em
respostas eliciadas por estímulos, sugerindo uma relação causal de um para um.
Pavlov estudou uma série de reflexos, mas sua pesquisa mais conhecida centrou-se
em respostas (de cães) ao alimento e demonstrou que quando um estímulo, tal como
um som ou uma luz, precede com regularidade o ato de dar comida, o comportamento
na presença desse estímulo se altera (BAUM, 1999).
Apesar da importância dos comportamentos reflexos, Skinner (1995) se utiliza
da Lei do Efeito de Thomdike para explicar que o comportamento se estabelece quando
seguido de certas conseqüências. Diz-se que o comportamento é fortalecido por suas
conseqüências e por tal razão as próprias conseqüências são chamadas reforços.
Para Skinner (1995) o termo aprendizagem pode ser mantido proveitosamente no seu
sentido tradicional para descrever a predisposição de respostas em uma situação
complexa. Considera também que a aprendizagem ocorre a partir de três níveis de
determinação, o Filogenétco, o Ontogenético e a Cultura.
O Filogenético é responsável pela sobrevivência da espécie e envolve
comportamentos instintivos e incondicionados. Baum (1999) explica que o princípio
básico da filogênese é que, dentro de uma população de indivíduos que variam em
genótipo, os tipos que têm maior sucesso tendem a se tornar mais freqüentes ou
permanecer como tal, caracterizando o processo de seleção pelas conseqüências.
O nível Ontogenético relaciona-se à história pessoal de cada indivíduo. Silvares
e Meyer (2000) explicam que esta história de vida é responsável pelo desenvolvimento
do comportamento e pela função de antecedente e conseqüente de estím ulos
específicos. No caso da fobia social, Sidman (1995) esclarece que o sujeito, sem
conhecimento das experiências particulares que levaram às ações fóbicas, sente apenas
o desconforto interno e a perturbação que as multidões evocam.
No que se refere ao nível Ontogenético, é inegável a grande influência que a
cultura exerceu, exerce ou exercerá no repertório comporiamenta! de cada um. Para
Skinner (2000), o efeito de um ambiente social influencia o comportamento dos indivíduos
de acordo com os grupos os quais estes estão inseridos, pois a partir das afinidades
existentes entre os elementos deste grupo, irá existir o caráter comum (momento em
que o grupo tem a mesma tendência afravés de seus costumes).
Tem-se então a concepção de Cultura proposta por Skinner (1974), como um
ambiente social que representa um conjunto de contingências de reforços mantidos

Sobre Comportamento t CogniçSo 193


por um grupo, possivelmente formuladas por meio de regras ou leis. Assim, uma cultura
bem. definida controla o comportamento dos membros de um grupo que a pratica.
- ‘ No entanto, para sobreviver, uma cultura deve ser capaz de mudar, pois esta só
poderia permanecer estável em um mundo sem novos desafios ambientais e sem competição
por parte de outras culturas (SKINNER, 1974). Freedman (1938/1976) completa que não
existe uma maneira de escapar à estimulação social, já que desde a infância os seres
humanos sào dependentes dos outros membros da sua espécie. Ressalta que quando se
fala em cultura, o conceito de controle ocupa um lugar central na teoria de Skinner.
Freedman (1938/976) explica que uma pessoa controla a outra quando se comporta
de forma a alterar o comportamento da segunda pessoa. Porém o ambiente também pode
"controlar", já que qualquer variável que afeta o comportamento é tida como controladora
deste (tanto por reforço positivo quanto por reforço negativo e punição). Seja para homem
como para o ambiente temos que quem está em condições de reforçar, também pode punir.
Neste aspecto, a sociedade está repleta de situações geradoras de raiva e ansiedade,
desde, a infância, encontramos proibições e conflitos, ameaças e frustrações (Millenson,
1967). Uma vez que a ansiedade diz respeito à apresentação de reforçadores negativos, uma
forma de controle sobre a emoção, consiste nos atos de esquiva (Millenson, 1967).
Segundo Zamignani e Banaco (2004) o padrão comportamental característico
dos transtornos de ansiedade, baseados em grande parte da literatura, é a esquiva
fóbica: na presença de um evento ameaçador ou incômodo, o indivíduo emite uma
resposta que elimina, ameniza ou adia esse evento.
Seguindo o modelo psicológico de análise da anormalidade, Gongora (2003)
explica que seu principal fundamento é o de que todo comportamento aprendido seja
ele cdnsiderado “patológico ou saudável, normal ou anormal, desejável ou indesejável"
segue os mesmos princípios da aprendizagem.
Para a Análise do Comportamento o indivíduo não sofre de ansiedade, nem de
déficits de comportamento, mas sofre sim pelas contingências que originam estas
respostas (QUEIROZ e GUILHARDI, 2001). Os autores explicam que o que leva estas
pessoas a terem aversão ao contato interpessoal é o medo de serem avaliadas ou de se
comportarem de modo humilhante ou embaraçoso, e que acabam fazendo por persistir o
sentimento de incapacidade, de desaprovação e rejeição em relação ao outro.
. Neste sentido, Savoia (2001) considera imprescindível a realização de uma análise
funcional cuidadosa, uma vez que a compreensão dos aspectos que mantêm tais
comportamentos possibilita melhores formas de intervenção terapêutica. O terapeuta deve
se preocupar com os comportamentos - problema e os sentimentos adversos apresentados
pelo cliente, encontrando e alterando as contingências das quais eles são função. Isto
porque, a Análise do Comportamento não faz qualquer tentativa de descobrir que experiências
podem ter transformado ocasiões sociais em estímulos aversivos, em vez disso, ela trata
os comportamentos de esquiva do cliente de forma direta (SILVARES e MEYER, 2000).
Considerando o contexto adverso em que o indivíduo que apresenta
compòrtamènfos de fobia social vive ou viveu, bem como sua fomria de adaptação a estes,
considera-se que as reações serão diversas e peculiares. Assim, Blum (1997) ressalta
qúe á maneira pela qual o indivíduo reage não depende tanto dos agentes estressantes
más dos recursos disponíveis para lidar com eles. Baseando-se nesta linha de raciocínio,
será enfocado no próximo item, o fenômeno chamado de resiliência, o qual diz respeito
às estratégias de enfrentamento produtivo de situações estressàntes e adversas.

194 C^rotína de Fátima f. de Souz^, WancíU M . M a tie l t João dos Sanigs Carmo
A im portância da Resifíêncía frente às adversidades
O termo Resiliência vem deum a longa trajetória que se originou nas ciências
exatas, mais precisamente na Física e Èhgénharia. Yunes e Szymanski (2001) explicam
que foi Thomas Young, em 1807, qúem introduziu o -ternio, considerando tensão e
compressão na noção de módulo dé elasticidade. Young buscava relacionar a aplicação
de força em um corpo e a deformação resultante (YUNES e SZYMANSKI, 2001). Dito de
outra maneira, Yunes (2003) explica que a resiliência refere-se à capacidade de um
material absorver energia sem sofrer deformação plástica ou permanente.
Yunes e Szymanski (2001) explicam que no Brasil, a palavra Resiliência e seus
significados ainda permanecem desconhecidos para a grande maioria das pessoas,
enquanto que na América do Norte e na Europa o termo é muito utilizado para referendar e
direcionar programas políticos de ação social e educacional. Este anonimato pode ser
explicado pelo fato de que só no final da década de 1970, o conceito de Resiliência passou
a ser estudado pela Psicologia e pela Psiquiatria (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006).
Inicialmente os estudos em Psicologia levantaram a seguinte questão: por que
sob as mesmas condições adversas em que se espera vulnerabilidade, alguns indivíduos
manifestam invulnerabilidade e competência? (TROMBETA e GUZZO, 2002). Kotliarenco
et al (1997) explicam que nas primeiras publicações alusivas a resiliência, tendeu-se a
utilizar o conceito como equivalente à invulnerabilidade, mas posteriormente foram
estabelecidas claras distinções entre ambos. Rutter (1993) explica que o termo
invulnerabilidade remete à idéia de resistência absoluta ao estresse, de uma característica
imutável, como se fôssemos intocáveis e sem limites para suportar o sofrimento. No
entanto, postular a resiliência como conceito no lugar da “invulnerabilidade", se deve ao
fato de esta implicar que o indivíduo é afetado pelo estresse ou pela adversidade, e é
capaz de superá-lo e sair fortalecido (GROTBERG, 2005).
Para Blum (1997) o questionamento correto seria: por que alguns indivíduos
criados em circunstâncias adversas, parecem viver saudável e produtivamente, enquanto
outros parecem nunca superar as adversidades?
Assis, Pesce e Avanci (2006) frisam que devido as complexidades de qualquer
estudo voltados para os aspectos emocionais do ser humano, a resiliência deve ser
sempre relativizada e entendida dentro de um conjunto amplo de fatores intrínsecos e
extrínsecos ao indivíduo.
Uma outra concepção de resiliência cuja validade já foi refutada, diz respeito a
uma capacidade individual de adaptação bem-sucedida em um ambiente “desajustado"
(ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006). Para as autoras existem algumas incertezas que
permeiam esta concepção.
A primeira refere-se ao foco no indivíduo que acaba por desconsiderar a interação
entre aquilo que é subjetivo e aquilo que o meio externo oferece como suporte ao
sujeito. A segunda refere-se ao cunho subjetivo do que pode ser considerado adaptação
bem sucedida e ambiente desajustado, uma vez que as variações culturais determinam
diferentes interpretações. Por último, ao considerar como não-resiliente o indivídjuo mal ­
sucedido em determinado aspecto, desconsidera-se outras esferas da vida em que ele.
se mostra plenamente capaz de superar dificuldades (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006).
Dessa forma, observa-se que o conceito de re siliê n cia vem sofrendo
modificações durante décadas. Atualmente, dentre os mate aceitos, destaca-se o de
Blum (1997) que a considera como a capacidade de recuperar-se e manter um
comportamento adaptado após um dano. Antunes (2003) acrescenta que resiliência diz
respeito não só .a capacidade de resistir às adversidades, mas de utilizá-las em seus

Sobre Comportamento t Cognição


processos de desenvolvimento pessoal e crescimento social. Grotberg (2005) ratifica
afirmando que o termo refere-se a uma capacidade humana para enfrentar, vencer e ser
fortalecido ou transformado por experiências de adversidade.
Em relação às experiências de adversidades, Paludo e Koller (2005) esclarecem
que a resíliência só se expressa frente aos de fatores de risco e neste sentido, não
existirá resiliência sem o risco.
Blum (1997) explica que os fatores de risco estão menos relacionados às
conseqüências do comportamento e mais aos fatores que limitam a probabilidade de
sucesso. O risco é visto como uma variável vinculada diretamente ao resultado provocado
(PALUDO e KOLLER, 2005).
Pesce et ai (2004) pontuam que eventos considerados como risco são
obstáculos individuais ou ambientais que aumentariam a vulnerabilidade do indivíduo
para resultados negativos em seu desenvolvimento. Assis, Pesce e Avanci (2006) frisam
que uma situação adversa pode ser considerada lesiva e estressante na cultura oriental
e não o ser no ocidente, o que indica uma multiplicidade de interpretações dos fatores
que envolvem o pertencimento a diferentes estratos sociais, raça, gênero, faixa etária,
grupo cultural e período histórico.
O número total de fatores de risco bem como o período de tempo, o momento
da exposição e o contexto são mais importantes do que uma única exposição grave
(PESCE et al, 2004).
Considerando que o conceito de resiliência surge não apenas do fracasso das
previsões provenientes dos modelos de risco, mas das explicações ou respostas que
traz sobre resultados inesperados de adaptação, ressalta-se os fatores de proteção e o
coping como principais conceitos desta teoria (RODRIGUES, 2005).
Rutter (1993), explica que os fatores de proteção referem-se a influências que
modificam, melhoram ou alteram as respostas pessoais a determinados riscos de
desadaptação. Para Trombeta e Guzzo (2002) eles possibilitam a proteção dos indivíduos
dos impactos ou efeitos negativos (fatores de risco).
O enfoque da resiliência permite pensar que, não obstante as adversidades sofridas
por uma pessoa, família ou comunidade, estas têm capacidades e potenciais para se
desenvolver e alcançar níveis aceitáveis de saúde e bem-estar (RAVAZZOLA, 2005).
Compreender como as pessoas mais resilientes enfrentam as dificuldades é
um tema que apenas recentemente vem sendo abordado.pela literatura e o foco principal
desses estudos é denominado coping (ASSIS et al, 2006).
Assis et al (2006) explicam que coping è uma palavra inglesa que se refere a
estratégias adaptativas, cognitivas e comporta mentais que uma pessoa utiliza frente
aos diversos estressores, avaliados pelo indivíduo como situações que sobrecarregam
ou excedem seus recursos pessoais.
Para Lazarus e Folkman (1984 apud Yunes e Szymanski, 2001), o coping é o
'bem sucedido1* diante da situação de estresse, freqüentemente acompanhado por
palavras como habilidade, estratégias, comportamentos, estilos, respostas ou recursos.
Ele diz respeito às ações individuais frente às adversidades.
Resiliência no presente estudo é entendida como um conjunto de habilidades de
enfrentamento que permite ao indivíduo, grupo ou comunidade, prevenir, minimizar ou
ultrapassar as marcas ou efeitos de adversidades. Deste ponto de vista é que nos referiremos
mais freqüentemente a comportamentos resilientes, enquanto um repertório a ser adquirido,
e não a resiliência, a qual pode ser inadequadamente entendida como uma característica

196 Carolina d« Fátima F. dc Souza, WanfiU M . Maciel t J o io dos Santos Carmo


individual inata. Esta última visão pode induzira olhar para estrutunas hipotéticas internas ao
organismo e não para o organismo que se comporta em função dò ambiente.
Considerando que tanto os estudos sobre résiliêríciã quanto a Análise do
Comportamento têm o ambiente como foco principal para a cújrnpreensão do
comportamento do indivíduo, a leitura no que diz respeitò ao enfrèntamento, adaptação
ou superação do comportamento fóbico, está diretamente relacionada à forma corno as
contingências estão vigorando, favorecendo ou não essa habilidàdé.

Análise do Com portam ento e Resiliência: fo c o em e stra té g ia s de


coping e habilidades sociais
Ramos-Cerqueira (1997) resume o objetivo da Psicologia da Saúde em “o
estudo de processos psicofógicos e comportamentais na saúde, na doença e no cuidado
com a saúde", afirmativa que reforça que o estudo das estratégias de enfrenta mento é
de fundamental importância nesta ciência, bem como é o foco da pesquisa em questão.
As pesquisas em resiliência mudaram a forma como se percebe o ser humano:
de um modelo de risco, baseado nas necessidades e na doença, se passou a um
modelo de prevenção e promoção, baseado nas potencialidades e recursos que o ser
humano tem em si e ao seu redor (INFANTE, 2005). É também buscando prevenir e
promover que a Terapia Analítico Comportamental embasa sua atuação, à medida que
se utiliza de diversas técnicas para isso.
Todas essas técnicas podem ser ensinadas, através de intervenções clínicas e
visam à superação de dificuldades interpessoais e dos problemas a elas associados
(DEL PRETTE e DEL PRETTE, 2005). No presente trabalho vislumbrou-se não apenas
a intervenção no contexto clínico, mas em programas sociais, educacionais e nos
diferentes contextos de atuação profissional que seja útil a proposta que se segue.
O Treinamento de Habilidades Sociais (THS) é considerado o componente
principal ou um complemento indispensável no atendimento clínico a uma ampla
diversidade de transtornos psicológicos (DEL PRETTE e DEL PRETTE, 2005).
Caballo (1996) explica que o processo do THS implica em quatro elementos de
forma estruturada: o Treinam ento em Habilidades, a redução da ansiedade, a
reestruturação cognitiva e o treinamento em solução de problemas. Ao mesmo tempo
em que o Analista Experimental do Comportamento se utiliza do THS, está ensinando o
indivíduo a ser resiliente, pois a capacidade de resiliência implica encontrar forças para
transformar intempéries em perspectivas (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006).
O THS vincula-se diretamente às estratégias de coping uma vez que estas
últimas definem-se como a tendência que determinada pessoa tem de usar uma
estratégia em maior ou menor grau frente às adversidade (estímulos antecedentes ao
comportamento de ansiedade) (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006).
A utilização das estratégias de coping tem duas funções: regular o estado emocional,
que acompanha o estresse - coping focalizado nas emoções, e atuar diretamente na situação
que originou estresse - coping focalizado no problema (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006).
O Treinamento em habilidades é o elemento mais básico e mais específico do
THS (CABALLO, 1996). É uma estratégia de coping focalizado no problema. Caballo (1996)
explica que através deste treinamento, ensinam-se comportamentos específicos que
são praticados e integrados ao repertório comportamental do sujeito, através de instruções,
da modelação, do ensaio comportamental, da retroalimentação e do reforçamento.

Sobir Comportamento t Cogniçio


A redução da ansiedade em situações sociais problemáticas também figura-
se como parte do THS. Se o nível de ansiedade é muito elevado, pode-se empregar
diretamente uma técnica de relaxamento ou a dessensibilização sistemática (CABALLO,
1996). O relaxamento faz referência a componentes fisiológicos - padrão reduzido de
ativação somática e autônoma; subjetivos- informes verbais de tranqüilidade e sossego;
e com portam entais- estado de quiescência motora {CABALLO, 1996). Já a
dessensibilização sistemática envolve inicialmente, a construção de uma lista hierárquica
de situações ansiogênicas e o treino de relaxamento. Posteriormente, o terapeuta
comportamental contrapõe os estados de relaxamento e de ansiedade (CAMESHI e
ABREU-RODRIGUES, 2005). Para isto, o indivíduo começa visualizando, por meio de
imagens ou estímulos, as situações aversivas de forma gradual. A estimulação ansiógena
é associada ao estado de relaxamento e bem-estar do indivíduo até que as imagens
temidas deixem de eliciar respostas de ansiedade {GUIMARÃES, 2001). Finalmente,
proporciona-se ao indivíduo toda uma série de estratégias adaptativas de enfrentamento
para substituir as estratégias empregadas anteriormente (ANTONY e BARLOW, 2003).
De acordo com Cabalio et ai {2003) o sujeito que apresenta comportamentos de
fobia social está hipervigílante ante a ameaça social, avaliando constantemente a gravidade
de uma ameaça em potencial e sua capacidade de enfrentá-la. Assim, o comportamento
socialmente inadequado pode provir de um pensamento irracional e incorreto (distorções
cognitivas), de reações emocionais excessivas ou deficientes ante os estímulos e de
padrões de comportamentos dísfuncionaís. Neste sentido é preciso ensinar o
autoconhecimento e o autocontrole, que são estratégias de coping focalizadas na emoção.
Através do autoconhecimento, o indivíduo é capaz de prever seus comportamentos
e aprender estratégias para contracontrolá-los e evitar os comportamentos de fuga-esquiva.
Baum (1999) nos explica que o autoconhecimento pertence à mesma categoria geral de
“falar sobre sob controle de estímulo”. Significa saber discriminar as contingências sociais
aversivas, e prever a emissão de respostas frente a estas.
Em se tratando de autocontrole, temos que o termo é genérico e a resposta
controladora pode manipular qualquer das variáveis das quais a resposta controlada é
função, portanto, há muitas formas diferentes de autocontrole (SKINNER, 1953/2000).
No estudo em questão, o objetivo é a promoção do autocontrole como estratégia de
coping em relação à emissão de respostas frente às situações de interação sociat. No
que se refere ao controle emocional, Millenson (1967) nos explica que:
A introdução de um organismo numa situação nova freqüentemente produz
comportamento de medo (...) Mas a introdução repetida de um organismo nessa
mesma situação resulta numa diminuição gradual dos efeitos. Diz-se que o indivíduo
se adaptou, ou se habituou à situação (p-431).
Para que essa adaptação ocorra, se torna necessário o desenvolvimento de
uma outra classe de habilidades sociais denominada assertividade.
Pesquisas demonstram que o aprendizado de respostas assertivas inibirá ou
enfraquecerá a ansiedade previamente experimentada em relações interpessoais
específicas (ALBERTI e EMMONS, 1978). Considerando a afirmativa dos autores,
acreditamos que a aprendizagem de um repertório de comportamentos assertivos é
uma importante estratégia de coping, uma vez que o comportamento assertivo:
(...) toma a pessoa capaz de agir em seus próprios interesses, a se afirmar sem
ansiedade indevida, a expressar sentimentos sinceros sem constrangimento, ou a
exercitar seus próprios direitos sem negar os alheios (ALBERTI e EMMONS,
1978, p. 18).

198 Carolina de Fátima F. de Souza, Waneila M . Maciel e jo Ja dos Santos Carmo


Esta estratégia é capaz de possibilitar aos indivíduos a escolha de respostas
apropriadas e satisfatórias em várias situações. As regras e auto-regras de cada um ao
longo de sua história de vida, afetarão o comportamento assertivo e por isso também
precisam ser avaliadas.
Fundamentalmente, o importante em uma regra é o fato de fortalecer um
comportamento que só trará compensações depois de um certo tempo. De acordo com
a mal definida, mas extremamente relevante contingência a longo prazo, que está indicada.
Sabemos que o seguimento de regras apresenta vantagens para a espécie,
afinal “esse seguir regras generalizado faz com que o mundo continue” (BAUM, 1999).
Possibilita a continuidade da cultura e a transmissão de práticas complexas como a
construção de aviões, de edifícios, a ida à escola e ao conhecimento em geral.
Meyer (2005) nos explica que os seres humanos seguem não apenas as regras
apresentadas por outros, como também formulam e seguem suas próprias regras.
Quando estas são formuladas ou reformuladas pelo indivíduo cujo comportamento
passam a controlar, dizemos que são auto-regras.
De acordo com pesquisas básicas realizadas sob controle por regras,
constatou-se que as regras podem produzir uma redução na s e n s ib ilid a d e
comportamental às contingências (MEYER, 2005). Neste sentido, a revisão de regras e
auto-regras se torna uma estratégia de coping, uma vez que promove à variabilidade
comportamental afetando a sensibilidade às contingências.
O coping é focado tanto no problema quanto na emoção à medida que evidencia
a mudança de regras e auto-regras de acordo com a diversidade das contingências.
Tais comportamentos possibilitam o contracontrole de contingências aversivas
pois implica que o controlador tenha pscolha, que uma ação alternativa seja possível
(BAUM, 1999). Ao retroagir sobre o controlador (estímulo aversivo, no caso) acrescenta
à relação uma nova contingência.
Em relação à variabilidade comportamental, Abreu-Rodrigues (2005) esclarece
que ela pode ser tanto um subproduto de contingências de reforçamento como produzida
diretamente por tais contingências.
Assim, o desafio dos terapeutas analítico comportamentais, bem como dos
indivíduos que apresentam comportamentos de fobia social, é modificar as contingências
que são identificadas como aversivas para contingências reforçadoras, proporcionando
assim, relações interpessoais mais satisfatórias.

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Sobre Comportamento e Cognição


Capítulo 17
Operações estabelecedoras e contexto
clínico
Qeison Isidro - M arinho
(Instituto São Paulo de Análise
do Comportamento - INSPAC e
Centro Universitário de Brasília - l/níCeub)

Operações Estabelecedoras
Operações Estabelecedoras (OE) são operações ambientais que, por definição,
possuem dois principais efeitos, denominados de:
(a) efeito estabelecedor do reforço e (b) efeito evocativo. O efeito estabelecedor do
reforço é caracterizado pela alteração momentânea da efetividade reforçadora de algum
objeto, evento ou estímulo e o efeito evocativo, por sua vez, é caracterizado pela alteração
momentânea da freqüência de um tipo de comportamento que tem sido reforçado por
aquele objeto, evento ou estímulo.
O termo OE foi, inicialmente, introduzido na literatura analítico-com porta mental por Keller
e Schoenfeld (1950/1974) para tratar das variáveis motiviacionais. Segundo os autores,
os analistas do comportamento deveriam estudar motivação como variável ambiental
de forma a evitar o conceito de impulso. Na proposta de Michael (1993), o conceito de
motivação como OE enfatiza os efeitos estabelecedor do reforço e evocativo do
comportamento, a partir de uma definição mais completa:
1. Efeito estabelecedor do reforço - altera a efetividade reforçadora (ou punitiva) de um
outro evento (privação de alimento altera a efetividade de alimento como um reforçador);
2.Efeito evocativo - o qual pode ser melhor entendido como três efeitos distintos:
a,)Efeito direto da OE sobre o comportamento (efeito evocativo/supressivo) - evoca ou
suprime imediatamente comportamentos que tenham sido seguidos pelo evento cuja
efetividade fora alterada pelo efeito 1;
tyEfeito da OE sobre o SD (efeito evocativo/supressivo) - um aumento na efetividade
evocativa/supressiva de todo SD para o comportamento que tenha como conseqüência
o evento reforçador ou punidor cuja efetividade fora alterada pelo efeito 1;
c^Efeito da OE sobre reforçamento/punição condicionados - um aumento/diminuição na
freqüência de comportamentos que tenham como conseqüência reforçadores/punidores
condicionados cuja efetividade depende do reforçador/punidor sob o efeito 1.
As operações estabelecedoras são classificadas como: (1) Operações
Estabelecedoras Incondicionadas - definidas pela natureza filogenética do evento
reforçador, ou seja, essas operações alteram a efetividade de reforçadores

202 Qeison Isidro-Marinho


incondicionados; e (2) Operações Estabelecedoras Condicionadas - definidas conforme
a natureza ontogenética do evento reforçador, isto é, essas operações alteram a
efetividade de reforçadores condicionados (da Cunha e Isidro-Marinho, 2005).
O conceito de OE implica na distinção entre as funções discrimitativa e motivacional
do estímulo antecedente e na inclusão de uma contingência de quatro termos na análise
funcional do comportamento, a qual poderia ser descrita pelo seguinte diagrama: OE - SD- R
_ S+'. Em contextos aplicados, a análise fUndonal a partir da contingência de quatro termos
permite ao analista comportamental uma intérvenção mais ampla e precisa (Sundberg, 1993).
No contexto aplicado, a inclusão da OE como elemento-chave na análise
funcional do comportamento tem se mostrado útil para a promoção de intervenções
terapêuticas eficazes (Mace, 2000). Na clínica, a compreensão das variáveis das quais
o comportamento é função se torna mais adequada à medida que o terapeuta
compreende as condições ambientais que estabeleceram não só o comportamento
problema, mas a eficácia dos eventos que reforçam esse comportamento. Nesse
sentido, o presente trabalho tem por objetivo discutir a inclusão do conceito de OE na
análise comportamental clínica, apresentando-o como elemento de grande relevância
para a etiologia comportamental e para a intervenção terapêutica. Tendo em vista a
carência de estudos específicos visando a identificação das influências da OE no contexto
clínico, será apresentada uma discussão teórico-prática à respeito da contribuição que
esse conceito de motivação trouxe para a compreensão do comportamento humano.

Estados Internos como Operação Estabelecedora


Segundo Todorov (1991), a psicologia se ocupa em estudar a interação do
organismo com o ambiente. Para o autor, o ambiente se divide em externo - meio em
que as ações mecânicas geram efeitos (físico ou social); e interno - alterações internas
do organismo (biológico) e história passada de interações organism o-am biente
(histórico). Ambos níveis de ambiente (externo e interno) interagem com o organismo da
mesma forma, sendo indissociáveis à medida que o organismo se comporta. Isto é, um
organismo, quando interage com o ambiente físico, interage também com seus
processos biológicos, suas experiências passadas e suas interações sociais.
Nesse sentido, as alterações internas do organismo participam do processo
interativo do organismo-ambiente “tanto como estímulos que controlam resposta que
os antecedem ou os seguem, quanto como respostas controladas pelos estímulos
componentes da interação...” (Todorov, 1991, p.330). Portanto, os estímulos internos
podem exercer algum tipo de controle com portam ental enquanto ope ra çã o
estabelecedora, havendo a necessidade de se analisar tal controle.
Stumney (1996) sugere que estados emocionais, enquanto estímulos ambientais
internos, funcionariam como operações estabelecedoras à medida que potencializam o
valor reforçador (positivo ou negativo) dos estímulos geradores daquele estado emocional.
Por exemplo, ao consumirmos algum alimento estragado é comum apresentarmos
náuseas estomacais e um certo desconforto abdominal. Quanto maior for a intensidade
desse desconforto, maior será o valor aversivo daquele alimento e, posteriormente, maior
será sua eficácia reforçadora negativa. Diante de qualquer nova possibilidade de ingestão
daquele alimento, mesmo que não esteja, estragado, provavelmente, o comportamento
de esquiva será evocado, ou seja, evitaremos consumi-lo.
Analisemos agora uma queixa cómum no contexto terapêutico: uma jovem de 22
anos de idade que interrompeu um namoro de -pouco mais de um ano e se queixa de não
conseguir desvincular-se emocionalmente do ex-namorado. A referida jovem relata que viveu .

Sobre Comportamento e Cognição


nesse namoro experiências muito agradáveis e jamais conseguiu se esquecer "daqueles
momentos felizes”. Esses "momentos felizes” potencializaram o valor do ex-namorado e, por
mais que se sugira a adequação de desvincuiar-se, o valor reforçador do ex-namorado parece
tão eficaz que a cliente apresenta os mesmos comportamentos de aproximação, cuidado e
carinho de uma namorada titular. Nesse caso, o papel dos estados emocionais parece ser de
uma operação estabelecedora ao tempo que altera a eficácia reforçadora do ex-namorado e
evoca aqueles comportamentos historicamente reforçados pela sua presença.
Em muitas queixas trazidas ao consultório de psicologia, podemos observar o
efeito de estados emocionais como potencializadores da efetividade reforçadora ou
punitiva de eventos geradores daqueles estados, ou seja, como operações
estabelecedoras. Esse efeito pode ser tanto imediato quanto histórico, permanecendo
por longos períodos de tempo após a experiência com aquele evento gerador do quadro
emocional. Isso sugere que certas operações estabelecedoras poderiam apresentar
efeitos à longo prazo e não apenas efeitos momentâneos (Dougher e Hackbert, 2000).

Operações Estabelecedoras duradouras


. De acordo com Michael (1982, 1993, 2000), a definição de operação
estabelecedora é feita com base em seus efeitos comportamentais (efeito evocativo e
efeito estabelecedor do reforço), os quais seriam momentâneos. Isto é, para Michael
apenas eventos temporalmente próximos poderiam exercer a função de uma operação
estabelecedora. Daugher e Hackbert (2000), entretanto, sugerem que eventos
temporalmente distantes podem funcionar como operações estabelecedoras a longo
prazo, as quais apresentariam um efeito mais duradouro. Esse efeito poderia ser
considerado em termos de cognição e emoção (discutida no tópico anterior).
Por exemplo, eventos relacionados à perda de um ente querido, eventos
geradores de medos intensos (e.g. seqüestro) ou situações geradoras de forte euforia
alteram a efetividade reforçadora/punidora de outros eventos ambientais, à eles
relacionados, a qual pode perdurar na vida de uma pessoa. Esses eventos geram
emoções intensas e sua função, quando analisada no contexto clínico, caracteriza os
efeitos de uma OE à longo prazo. Skinner (1953/2000) afirma que as relações entre as
variáveis ambientais e o comportamento que delas é função são quase sempre
complexas e sutis, adquiridas a partir de uma história de interação do organismo com
o ambiente. Conforme Daugher e Hackbert (2000), a análise dessas relações sutis
precisa de esclarecimentos resultantes de constantes reflexões.
As relações entre operações estabelecedoras e estados emocionais são, em geral,
além de complexas, intrincadas e sutis (da Cunha e Isidro-Marinho, 2005). Privações históricas
de reforçadores importantes como alimento, afeto e água podem alterar a efetividade desses
reforçadores e evocar, durante longos períodos de tempo, comportamentos relacionados à
eles (reforços). Ao se tratar especificamente de reforçadores afetivos, acompanham os estados
de privação de afeto, estados emocionais desconfortáveis que também perpetuam por longos
períodos na vida. Por exemplo, indivíduos que apresentam histórias prolongadas de carência
e competição afetivas, críticas sociais e desvalorizações públicas. Para essas pessoas, tal
história de interação prolongada pode efetivamente determinar as funções comportamentais
de relações afetivas como reforçadores poderosos e situações de isolamento, solidão e
interações sociais desagradáveis como punidores eficazes. Além disso, o contato com os
reforçadores afetivos pode minimizar os estados emocionais desconfortáveis gerados por
aquelas operações de privação.
Em quadros depressivos, duas características comportamentais particulares
são observadas: a falta de motivação e uma habilidade diminuída para sentir prazer nas

204 Qeison Isidro-Marinho


atividades corriqueiras. Essas características sugerem que operações estabelecedoras
específicas podem ocorrer de modo a produzir um estado de apatia (baixa no repertório
comportamental) e desânimo do indivíduo em relação à própria vida. -
Na depressão, a perda de reforços poderosos, a persistência de níveis insuficientes
de reforçamento e o excesso de estimulações aversivas produzem os seguintes efeitos
comportamentais: (1) diminuem a freqüência de comportamentos adequados, (2) eliciam
estados emocionais negativos e (3) alteram a efetividade das conseqüências de alguns
comportamentos. Considerando essas condições como operações estabelecedoras, pode-
se observar que a efetividade reforçadora da atençao. de cuidados especiais, do alimento,
do isolamento, do sono, de drogas e do álcool é aumentada à medida que tais condições
se fazem presentes; além de suprimirem a efetividade reforçadora da interação social, do
trabalho e de atividades de lazer {Daugher e Hackbert, 2000).
Os comportamentos depressivos podem ser mantidos por reforçamento positivo
e/ou negativo. Em alguns momentos, esses comportamentos são reforçados negativamente
pela prevenção de interações sociais negativas, e em outros, são reforçados positivamente
pela atenção, cuidados e assistência especiais. Estratégias de intervenção terapêuticas
devem envolver a compreensão dos dois tipos de reforçamento e a manipulação das
variáveis que estabelecem a efetividade reforçadora dos mantenedores dos comportamentos
depressivos (isto é, manipulação das OE). Uma estratégia seria apresentar o reforçamento
social contingente aos comportamentos mais adequados e não aos comportamentos
depressivos. Com isso, se aumenta a densidade de reforços sociais (OE semelhante á
saciação) o que, gradualmente, aumenta a efetividade de outros reforçadones (e.g. situações
de lazer), os quais tinham seu valor diminuído pela persistência de níveis insuficientes de
reforçamento. A partir dessa estratégia, a modelagem de comportamentos mais funcionais
no repertório comportamental do cliente, permite que as contingências de reforçamento
naturais sejam produzidas em detrimentò daquelas contingências aversivas (OEC) geradas
por um repertório inábil. Removendo a presença das contingências aversivas (remoção da
OEC), diminui-se a evocação de comportamentos depressivos reforçados negativamente.

Estímulos Verbais (Regras) como Operações Estabelecedoras


De acordo com Sktnner (1969/1980), regras são estímulos verbais definidos
segundo dois critérios: (1) formal -• estímulo especificador da contingência (CSS do inglês
contingence specifing stimulus) e (2) funcional - estímulo discriminativo. Nesse sentido,
estímulos verbais que descrevem contingências, ou seja, descrevem os eventos
antecedentes ao comportamento, o próprio comportamento e suas conseqüências, seriam
definidos como regras. Entretanto, em alguns casos, as regras podem especificar apenas
o comportamento a ser emitido ou o comportamento e suas conseqüências, não havendo
a necessidade de especificação dos três elementos da contingência. Por outro lado, o
comportamento de seguir regras apenas será ocasionado caso esse comportamento
tenha uma história de reforçamento. Isto é, o controle discriminativo de regras é estabelecido
devido ao reforçamento social para o seguimento de regras (Albuquerque, 2001).
Zettle e Hayes (1982), entretanto, definem regras apenas como antecedentes
verbais, ampliando a definição de regras como estím ulos esp e cificad o re s de
contingências, apresentada por Skinner (1969/1980). Essa definição perm ite a
compreensão de regras como estímulos verbais que apresentam diferentes funções
comportamentais devido a sua participação em quadros relacionais estabelecidos pela
comunidade verbal. Sendo assim, aê funções discriminativa, alteradora de função,
reforçadora, punitiva e estabelecedora do reforço poderiam ser compartilhadas tanto
por estímulos verbais como por não verbais (Albuquerque, 2001).

Sobre ComporUme ito c C o jn rç io


Albuquerque (2001) sugere que algumas regras além de alterar a função de
certos estímulos como reforçadores, evocam comportamentos que apresentam
história de reforçamento por esses estímulos. Nesse sentido, regras apresentam
funções de operação estabelecedora (OE), pois possuem os efeitos comportamentais
(estabelecedor do reforço e evocativo) que de acordo com IWichael (1982, 1993, 2000)
definem essa operação. Nem todas as regras apresentariam a função de operação
estabelecedora. Em algumas circunstâncias, regras poderiam evocar
comportamentos, alterar a função de estímulos e não alterar a efetividade reforçadora
de certos eventos. Entretanto, em alguns casos a função de OE pode ser observada.
Por exemplo, na fila do cinema, um amigo apreciador de filmes de ficção científica diz
ao outro: “João, assista ao filme X e não ao Y; você vai gostar muito mais do primeiro.
Eu assisti e esse é muito melhor”. Após ouvir esta frase, o segundo amigo,
imediatamente, compra os bilhetes para a sessão do filme X. Nesse caso, a regra
“assista ao filme X" alterou a efetividade reforçadora do filme e evocou o comportamento
de compra dos bilhetes. Além disso, a mesma regra, alterou a efetividade punitiva do
filme Y e evocou o comportamento de esquiva.
No contexto clínico, é comum observarmos alguns estímulos verbais funcionando
como operações estabelecedoras sobre o comportamento de nossos clientes. Um
jovem vestibulando, por exemplo, relatou em uma sessão terapêutica: “Eu tenho que
ser um excelente advogado. Durante toda a minha infância e adolescência ouvi meu pai
dizendo - ‘Quem quiser ser bem sucedido na vida deve ser advogado’". Atualmente, o
pai costuma repetir a seguinte regra: "faça direito e seja um excelente advogado”.
Analisando esse estímulo verbal, vejamos que funções de operações estabelecedoras
podem ser obtidas. Primeiro, a regra altera a efetividade reforçadora da faculdade de
direito, tornando-a um reforçador eficaz. Segundo, ao estabelecer a eficácia reforçadora
do curso de direito, a regra minimiza a valor reforçador dos outros cursos. Terceiro,
sendo a faculdade de direito um reforçador efetivo, o comportamento de se inscrever em
vestibulares para essa faculdade é evocado. Hoje, o referido jovem concorre a uma
vaga no curso de direito em três concursos vestibulares.
Vejamos outra regra: “Minha filha, não se relacione com homens parecidos
com seu pai. Você irá sofrer muito!” Supondo que a jovem ouvinte dessa regra nunca
tenha se relacionado antes e o comportamento de seguir a regra é evocado, analisemos
as funções de OE. A regra acima altera a efetividade punitiva de homens semelhantes
ao pai da jovem e, por outro lado, altera a efetividade reforçadora de homens diferentes.
Nesse sentido, a jovem irá se comportar de forma a esquivar-se de homens com algum
grau de semelhança com o pai e a aproximar-se daqueles homens que são diferentes.
O estímulo de controle desses comportamentos é a regra "... não se relacione com
homens parecidos com seu pai...", que, enquanto OE, (1) altera a efetividade da punição
e do reforço e (2) evoca comportamentos de esquiva e de aproximação. Situações como
essas, são comuns no contexto clínico quando verificamos o controle de eventos
históricos sobre os comportamentos de nossos clientes. Uma discussão importante
para o presente momento é a análise de intervenções terapêuticas úteis para lidar com
regras enquanto OE. Vale ressaltar que a definição de regras adotada para o presente
trabalho é de que “regras são estímulos antecedentes verbais que podem descrever
contingências e exercer múltiplas funções" (Albuquerque, 2001, p. 139).
Em certas circunstâncias, modificar o controle de regras como “faça direito e seja
um excelente advogado” ou “não se relacione com homens parecidos com seu pai" parece
útil para a produção de resultados clínicos desejáveis. Isso se faz necessário, pois esse
controle pode gerar algum grau de sofrimento à medida que restringe fontes de reforçamento.

206 Griscrn lítdro-M »rinho


No contexto clínico, terapeutas anal ítico-comportamen tais exercem pouco controle
sobre as contingências que afetam o comportamento de clientes fora desse contexto. Os
terapeutas geralmente promovem intervenções baseadas no comportamento verbal para
produzir mudanças no controle de estímulos localizados no ambiente natural do cliente.
Algumas dessas intervenções têm por objetivo alterar a efetividade reforçadora/
punidora de contingências ambientais, como forma de produzir resultados terapêuticos.
Em geral, algumas contingências exercem controle sobre o comportamento, pois estão
relacionadas à elas, regras adquiridas por interações históricas. Por exemplo, quando um
indivíduo é exposto à situações de exposição ao público, de críticas e de avaliações negativas
de outras pessoas, pode haver a formulação de uma regra: “sou um incompetente”. Essa
regra pode alterar a efetividade punidora de qualquer situação de avaliação do indivíduo e
alterar a efetividade reforçadora de contingências opostas à avaliação. Por conseqüência, o
comportamento de esquiva de avaliações é evocado. Quando o objetivo da terapia é permitir
que o indivíduo enfrente situações de avaliação, é função do terapeuta reduzira aversividade
de tais situações. Para tanto, o terapeuta analítico-comportamental utiliza-se de uma OE.
Na terapia, interromper o controle de regras inadequadas e iniciar um novo
controle de regras mais adequadas não parece tarefa fácil. Isso ocorre, pois (1) a
história de reforçamento para o seguir regras é extensa e (2) a história de reforçamento
para o seguir aquela regra inadequada também pode ser extenso. Nesse sentido, as
discussões conduzidas pelo terapeuta devem estar baseadas nas evidências que
sustentam o controle daquelas regras históricas, de modo a minimizar tal controle e a
permitir o estabelecimento de novas regras alternativas. Essas regras alternativas são
geradas por procedimentos relacionados à confrontação e ao questionamento de idéias
baseadas nas contingências, que permitem a clarificação e a reformulação dessas
regras. À medida que o cliente se comporta, seguindo as regras alternativas, e entra em
contato com novas contingências de reforço, o “novo” comportamento tende à ser mantido
no repertório em função do controle das contingências naturais. Portanto, o papel do
terapeuta, nesses casos, parece ser o de modificar o controle de estímulos verbais
enquanto OE sobre o com portamento dos clientes, criando novas operações
estabelecedoras capazes de controlar novos comportamentos mais úteis e adequados.

Conclusão
Em resumo, analisar diferentes estímulos com funções de OE parece ser de
grande relevância para a análise funcional do comportamento. O conceito de OE permite
ao terapeuta analítíco-comportamental incluir em sua análise um elemento-chave, que
ao ser identificado, pode auxiliar a elaboração de intervenções eficazes. Enfim, alterar
operações estabelecedoras também é papel do terapeuta, pois sua alteração funciona
como um ponto chave para intervenções clínicas que visam melhorar o repertório
comportamental do cliente e, conseqüentemente, a sua qualidade de vida.

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208 Orison Iridto-M arinbo


Capítulo 18
Análise de interações entre o
odontopediatra e a criança
durante a consulta1
D a n ie le Pedrosa Fioravante
M aria Luiza M a rin h o
M aria Rita Zoéga Soares
U n iversidad e Estadual de Lond rina

A Odontologia Comporta mental e a Odontopediatria Comportamental fazem parte


de um campo de conhecimento mais amplo, denominado nos meios científicos como
Psicoíogía da Saúde. Este novo campo de conhecimento emergiu há cerca de 25 anos,
devido, em parte, ao modelo biopsicosjocial que surge, na medicina, em oposição à visão
biomédica de saúde-doença (Kerbauy, 2002). No modelo biomédico, as queixas de uma
pessoa são relacionadas às disfunções biológicas; o tratamento é orientado por princípios
do funcionamento biológico.Operacionalmente, estabelece-se uma relação entre a existência
de uma perturbação biológica mensurável e o diagnóstico de uma doença (Stariing, 2001).
O novo paradigma nas áreas médicas, modelo biopsicossocial, surgiu em 1977 e representa
uma alternativa ao modelo biomédico restrito. Também derivado da biologia, o modelo
parte da racional de que, assim como os seres vivos obedecem a uma hierarquia, que
abrange desde o mais simples até o mais complexo, também os pacientes médicos estão
sujeitos a um sistema de organização, que parte das suas células e dos seus tecidos e
atinge seus familiares e a comunidade em que estão inseridos. Esse modelo propõe
estudar o binômio saúde/doença como objeto de três domínios disciplinares: o biológico, o
psicológico e o social (Engel, 1980; Stariing, 2001).
Os analistas do comportamento, no entanto, propõem uma forma alternativa
de compreender o fenômeno da saúde ou da doença. A Análise do Comportamento se
apóia em uma filosofia monista de ciência, o Behaviorismo Radical, e deste modo,
recusa tanto a dicotomia cartesiana corpo/mente quanto qualquer outra divisão do
organismo em “partes”. O objeto de estudo da A nálise do C om portam ento é o
comportamento do organismo “como um todo”, em suas relações com o ambiente.
Segundo Stariing (2001), a Análise do Comportamento, perspectiva que pauta este
trabalho, não propõe “(...) diferentes dimensões ou realidades, nem mesmo diferentes
níveis de realidade. O que se propõe são declarações verbais diferentes sobre o mesmo
fenômeno, que não se complementam nem se suplementam e que são igualmente

' O preseftte trabaího é parte da dissertação apresentada pela primeira autora ao Programa cte Mestrado em Análise do Comportamento <ta
Universidade Esiadoal de Londrina (U EL).

/
Sobrt Comportamento r CognifSo
válidas, desde que se refiram às relações funcionais verificadas para cada um dos
domínios disciplinares considerados: o biológico e o psicológico" (Staríing, 2001, p.270).
No que tange a essas relações funcionais, a Análise do Comportamento considera,
ainda, que tanto uma mesma variável pode afetar várias respostas, quanto uma única
ocorrência de um comportamento pode ser considerada função de mais de uma variável,
peste modo, o comportamento é concebido como produto de uma multiplicidade de variáveis
filogenéticas, ontogenéticas e culturais. Tais variáveis no ambiente imediato do organismo
© em sua história ambiental, possuindo um status físico, e podendo, desta forma, serem
acessadas dentro dos moldes científicos (Skinner, 1953/1998).
A Análise Funcional dessas variáveis das quais um comportamento é função
poderia ser efetuada de acordo com duas dimensões: microanálise e macroanálise. A
microanálise consiste no estudo das contingências responsáveis pela manutenção de
um determinado comportamento-problema, analisando-se apenas os estímulos
antecedentes, as respostas e seus conseqüentes. A macroanálise supõe um
levantamento amplo dos vários problemas e da história de aprendizagem de um
jndivíduo, de modo a possibilitar o esclarecimento da relação funcional entre as várias
áreas de seu funcionamento {Meyer, 1997).
Em qualquer uma destas dimensões, no entanto, a Análise Funcionai poderia
trazer benefícios a diversos contextos e populações: a) ao permitir a especificação das
condições que precedem o comportamento (operações estabelecedoras ou estímulos
antecedentes), de modo a viabilizar uma intervenção nas mesmas (Iwata Kahng, Wallace,
& Lindberg, 2000); b) ou identificar as conseqüências (punitivas ou reforçadoras) que se
seguem a determinado comportamento, e que devem ser alteradas ao se desejar
modificá-lo {Iwata, et al, 2000). Além disso, medidas preventivas também poderiam ser
mais bem implementadas, uma vez que se entenda sob quais condições determinados
comportamentos provavelmente ocorrem, e que se trabalhe no sentido de diminuir sua
probabilidade de emissão futura (Iwata et a l 2000).
Assim, no que se refere ao contexto odontológico, considera-se que uma Análise
Funcional da interação entre o odontopediatra e a criança poderia auxiliar na solução
das inúmeras dificuldades enfrentadas por estes profissionais. A área da Psicologia
que realiza estudos para a solução de problemas enfrentados na Odontologia, em
especial na Odontopediatria, é denominada Odontologia Comporta mental. Constitui
um campo interdisciplinar com um corpo de conhecimentos útil à avaliação e à
manipulação do repertório de comportamentos de pacientes, em especial de crianças,
expostos a tratamentos odontológicos (Moraes & Pessoti, 1985).
Uma das principais dificuldades enfrentadas por odontopediatras, na qual a
Odontologia Comportamental é chamada a intervir, díz respeito a crianças que não
permitem a realização do procedimento odontológico. Estas crianças são denominadas
na literatura sob o rótulo de não-colaboradoras ou opositoras, por apresentarem
comportamentos, como, por exemplo: recusar-se a abrir a boca, levantar-se da cadeira
odontológica, chorar, gritar, executar movimentos com o corpo ou com a cabeça e, ainda,
chutar ou morder o odontopediatra.
As crianças opositoras correspondem a cerca de 25% da população infantil que
freqüenta os consultórios odontológicos (Allen, Stanley & McPherson, 1990). Algumas
conseqüências importantes do comportamento opositor da criança são o aumento na
duração do tratamento (consultas mais longas ou mais idas ao consultório) e, muitas
vezes, a não execução do procedimento odontológico da forma mais adequada, o que pode
piorar sua condição bucal (Ailen et al.). Para o profissional, o manejo de crianças opositoras

Daniete P. fioravante, M aria Luiza M irin h o e M âfia RilJ 2. Soare*


pode demandar mais tempo para a conclusão do tratamento, o que onera os custos dos
atendimentos, sobretudo quando se trata de,órgãos públicos. Todos estes fatores justificam
a necessidade de intervenção da Odontologia Comportamental nesta área.
A análise da interação da criança com os estímulos físicos e sociais presentes
no contexto odontológico permite entender que respostas como chorar, gritar, morder,
chutar o odontopediatra, levantar da cadeira odontológica, movimentar o corpo e/ou a
cabeça, ou fechar a boca podem ser respostas de fuga ou de esquiva dos estímulos
aversivos presentes no contexto odontológico. Assim, quando estes padrões de oposição
se mostram efetivos em cessar a estimulação aversiva presente, são mantidos por
suas conseqüências, o que pode aumentar sua probabilidade de ocorrência em
situações semelhantes no futuro (Cardoso & Loureiro, 2005; Costa Júnior, 2002).
Algumas vezes esses estímulos aversivos (que podem variar para cada criança)
são precedidos por outros estímulos e/ou situações no contexto odontológico. Assim,
estes estímulos e/ou situações se tornam condicionados aos estímulos aversivos, de
modo que sua presença evoca respostas eficazes em prevenir ou reduzir a magnitude
do segundo estímulo (Skinner, 1953/1998). Por exemplo, uma criança que foi exposta a
alguns procedimentos aversivos de manejo, pelo dentista, pode apresentar sudorese e
tensionamento muscular ao entrar no consultório ou ainda, ao se preparar para ir ao
mesmo. É possível que nestas situações a criança emita comportamentos que tenham
como conseqüência evitar o contato com a estimulação aversiva, como, por exemplo,
fazer birras, chorar ou recusar-se a abrir a boca.
Assim, verifica-se a necessidade de mais pesquisas, na área da Odontologia
Comportamental, que visem o treinamento dos odontopediatras para lidar com essas
diferentes respostas das crianças (Guimarães, 1999), ou, nas palavras de Possobon,
Moraes, Costa Júnior e Ambrosano (2003 p. 60): é “(...) clara a necessidade de investigar
as relações de contingência, explícitas ou não, da situação de atendimento odontológico
e, como decorrência, propor estratégias para diminuir a ansiedade e promover a
manutenção dos comportamentos colaboradores até o término do tratamento”. Apresar
da relevância dessa linha de pesquisa, foram encontrados apenas três estudos
brasileiros publicados acerca da interdependência entre os padrões do odontopediatra
e da criança que está sendo atendida (Fioravante, Soares, Silveira & Zakir, no prelo;
Moraes, Sanchez, Possobon & Costa Jr., 2004; Rolim, Moraes, César & Costa J t, 2004).
Assim, tendo em vista os comportamentos opositores da criança no contexto
odontológico, bem como as estratégias utilizadas pelos dentistas para manejá-los,
pretendeu-se analisá-los a partir dos pressupostos do Behaviorismo Radical. Neste
sentido, a presente pesquisa pretendeu descrever e analisar interações entre
odontopediatras e seu paciente infantil em atendimento odontológico deprofilaxia e de
emergência. Espera-se que as informações possam contribuir para viabilizar uma
intervenção junto a tais profissionais e crianças, de modo a promover uma melhoria na
qualidade das interações profissional-pacíente durante o atendimento odontológico.

M étodo
Participaram da pesquisa dois profissionais graduados em Odontologia (OP1 e
OP2) que cursavam Especialização em Odontopediatria da Universidade Estadual de
Londrina e que formavam uma dupla durante seu estágio. Ambos estavam graduados há
um ano no início da pesquisa. Houve, ainâa, a participação de quatro crianças (C1, C2, C3
e C4) de ambos os sexos, com idades entre um ano e seis meses a seis anos. Essas
crianças foram retiradas de uma amostra mais abrangente de 20 crianças de outro estudo

Sobre Comportamento e Cognição


das autoras. O critério de seleção destas crianças foi: crianças coma s freqüências mais
elevadas de comportamentos de não-colaboração duranfe atendimentos de profilaxia e de
emergência, sendo duas de cada situação. As crianças participantes foram consideradas
não-clínicas, de acordo com os resultados obtidos no inventário para avaliação do
comportamento infantil Waíker Probtem Behavbr Identification Checklist, preenchido pela
mãe. Cada profissional conduziu atendimento de duas das quatro crianças.
Os cuidados profiláticos englobavam procedimentos como a escovação, o uso do
fio dental, a aplicação de flúor e a observação da condição dentéria geral. Os procedimentos
de emergência são variados e incluem extração dentária, tratamentos de canal em dente de
leite, aplicação de selante ou confecção de massa para aparelho, por exemplo.
As etapas da presente pesquisa realizaram-se na clínica odontológica para
atendimento à população infantil da Universidade Estadual de Londrina.
A coleta dos dados incluiu contato com a mãe ou responsável pela criança e
filmagem da consufta odontológica. Quando a mãe chegava a clínica odontológica com a
criança para atendimento, o odontopediatra inicialmente realizava uma anamnese com a
mãe, como parte da rotina da dínica. Nesse momento, a pesquisadora era apresentada
à mãe, explicava os objetivos do trabalho e solicitava autorização para filmar o atendimento.
No caso de concordância, a mãe assinava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
e a filmagem do atendimento era iniciada. Durante o atendimento odontológico da criança,
a mãe era solicitada a responder o Waíker Checklist As crianças que, após a correção do
checklist foram consideradas clínicas para problemas gerais de comportamento, não
foram incluídas como participantes da pesquisa. Estas crianças foram encaminhadas
para atendimento psicoterápico do Núcleo de Psicologia Clínica da Universidade Estadual
de Londrina, após devolução dessas informações à mãe.
Para a filmagem do atendimento odontológico, a câmara era posicionada sobre
um tripé, focaiizando a cadeira odontológica, de modo a permitir a visualização da parte
superior do tronco da criança e do odontopediatra. A filmagem só era interrompida
durante a troca de pacientes. Após a realização da gravação de cada um dos
atendimentos odontológicos, duas observadoras cegas em relação ao estudo
categorizaram as interações com base na estabelecendo a freqüência por minuto das
respostas apresentadas pelos odontopediatras e pelas crianças, durante a realização
do atendimento odontológico. Com base nessa categorizaçao, foram escolhidos os
dois atendimentos de cada profissional, uma em cada um dos dois tipos de atendimento,
perfazendo o total de quatro interações.
Para a escolha do trecho de interação gravada que seria analisado, foi sorteado o
minuto inicial do registro. O critério para a definição sobre a duração do intervalo a ser
analisado foi: para atendimentos com duração total de até dez minutos, transcreveu-se para
análise um intervalo de 60 segundos; para atendimentos com duração mais longa do que
dez minutos, transcreveu-se para análise um intervalo com duração de 10% do tempo total
do atendimento. Os comportamentos dos odontopediatras e das crianças observados,
durante esses trechos, foram registrados de forma cursiva e posteriormente analisados.

Resultados e Discussão
Apresenta-se a seguir, nas Figuras 1, 2, 3 e 4 a descrição dos comportamentos
observados durante as interações entre os odontopediatras (OP1, do sexo msculoino e
OP2, do sexo feminino) e as quatro crianças mais opositoras (C1; C2; C3 e C4). Em seguida
a cada transcrição da interação, comentam-se tanto os comportamentos das crianças
como dos profissionais, com base nos pressupostos da Análise do Comportamento.

DsniHe P. Fioravanlc. M atia Luúa M arinho e Maria Rita Z. Soarei


O P I põe luvas. OP1 arrum a a hiz. OP1 d iz: “ Lem bra n g ira fin h a ?” 01*1 arrum a o su g ad or.

i C l , d e it ad a na c a d e ir a , i n c l i n a o c o r p o par a o lado d a m ã e .
stas pa r a o den ti sta
e c h o r a m in g a n d o c o m o s d e d o s d a m ã o na b o c a , e n q u a n t o o o l h a .
P e r m a n e c e p a r c i a l m e n t e de

i O P I diz: “ P e g a a g i r a f i n h a” ( se re f e r in d o ao s u g a d o r ) . O P I dá o s u g a d o r pa r a a m ã e

C l p e g a na m ã o o s u g a d o r tj ue a m ã e o f e r e c e , pára de c h o r a m i n g a r , m a s c o n i i n u a c o m o c o r p o
i n c l i n a d o pa r a a m ã e , de c o s t a s para o d e n t i st a .

O P 1 c o l o c a a luz no ro st o da c r i a n ç a e diz- “ O l h a o s o lz i n h o pr a n ó s v e r m o s o d e n t i n h o ” !

| C l o l h a para a luz e s eg u ra o s u g a d o r na b o c a , ai nda c o m o corpo inclinado para a m ãe,


dc c o s t a s pa r a o
d e n t is t a .

I O P J a rr um a n o v a m e n t e a s iu v a s . OPi diz à c r i a n ç a : “ O I h a , a g i r a f i n h a e s t á t i r a n d o
toda a g u a da b o c a " ,
O P I m e x e o s d e d o s s o b re a b a rr ig a de C l ( c ó c e g a s ) e c o m a s m ã o s a c o m o d a o c o r p o
de C 1, c o r r e t a m e n t e
n a c a d e ir a , l e v a n t a n d o - o até q u e a c a b e ç a e s t i v e s s e v o l t a d a pa ra o d e n l i s t a .

I C l , c o m o s u g a d o r na b o c a , p e rm it e q u e o d e n t i s t a e a m ã e a c o l o q u e m d e b a r r i g a
pra e i m a T

^ O P I di z: “ O l h a , q u e b o m ! ” .

C l o l h a pa r a a m ã e . M ã e p e r c e b e q u e a fi lh a est á m o l h a d a n a s c a l ç a s e p e r g u n t a : “ F i l h a , v o c ê
f e z x i x i n a s c a l ç a s ? ” C l c o m o s u g a d o r na b o c a , faz si n a l n e g a t i v o c o m a c a b e ç a , o l h a n d o pa ra
a mãe.

^ O P I o l h a p a r a a c r i a n ç a e di z: “ A h h ! ”

A m ã e d a c r i a n ç a f a z c a r i n h o na c a b e ç a e diz: “ F o i p o r q u e eu p e d i, à q u e l a h o r a , p r a v o c ê
s e g u r a r u m p o u q u i n h o , n é ? ” “ V o c ê ta va a p e r t a d a . .. ” .

i O P I o b s e r v a a i n t e r a ç ã o da m ã e e d a f ilh a, d e p o i s t o c a n o n a r i z d a c r i a n ç a l e v e m e n t e e di z:
e i x a o ti o ve r se
te m d e n t i n h o no v o V ” .

I
1 a f a s t a o s u g a d o r da b o c a e a ab re.

O P I e x a m i n a a b o c a d a c r i a n ç a , e n q u a n t o diz : “O l h a q u e b o n i t a ! ” .

Figura 1: Fragmento de Interação Estabelecida entre 0P1 e C1 durante Profilaxia

Com base nos dados da Figura 1, que apresenta a interçâo entre 0P1 e C1, é
possível observar que, inicialmente, no trecho transcrito, a criança C1 se mostrava
opositora em relação ao procedimento odontológico. A criança apresentou várias
tentativas de fuga e de esquiva, exemplificadas pelos choramingos, mão na boca e
principalmente por sentar-se do costas para o profissional. Verificou-se, porém, que no
decorrer da interação, o odontopediatra utilizou estratégias adequadas de manejo da
criança, tais como a fantasia, o contato físico, os elogios, ou a descrição de suas ações,
de modo a garantir uma gradativa cooperação. Além disso, o odontopediatra também foi
bastante apropriado ao utilizar a mãe da criança como colaboradora na saúde bucal de
seu filho. 0P1 não puniu, em nenhum momento as respostas apresentadas pela criança,
nem mesmo quando a mãe o praticou, em decorrência de C1 ter urinado nas calças.

S o b » Comportamento e C ojm çio


O P 1, c o m a e s c o v a n a s m ã o s diz: “ Varo os v e r a e s c o v i n h a m á g i c a 7 ”

^ C 2 o J h a para a e s c o v a .

X O P 1 p e ga na m ã o da c r i a n ç a . O P 1 liga a e s c o v a e passa na pa r fe s u p e r i o r da m ã o de C 2 .
O P ) diz:
" O h , dá c o s q u i n h a ! ”

^ C 2 o lh a pa r a o d e n t is t a.

I OP1 se vira cm d i r e ç ã o á m e s a de i n s t ru m e n t o s , em p o s i ç ã o op o s t a
c r ia n ç a para c o l o c a r f l ú o r
na e s c o v a .

C 2 ol ha para c i m a (para a lu z ) .

^ OP1 d i / : “A bre a b o c a ” .

C 2 abre a bo ca ,

OP 1 re al iz a a e s c o v a ç ã o .

2 a p o n t a pa ra o s u g a d o r pr es o na c a d e i ra od ont o ló g ic a , no c a n t o s u p e r i o r e s q u e r d o ,
1
r e a ç ã o aà c ri a n ç a .
C 2 o lh a pa ra a de n t is t a au x il ia r.

^ O P 1 diz: “ T e m um b ie b in h o Já no fundo , v a m o s t i r a r ? ” .

( ' 2 Pecha a b o c a , a f a s t a n ro st o da e s c o v a e vira a c a b e ç a para o lado o p o s t o ao de nt ist a,

OPl di z: "C adê o bocâú? SumiuV” .

C 2 abre a b o c a para a d e n t i s t a a u x i l i a r c o l o c a r o s uga do r.

^ O P l se vira para c o l o c a r f l ú o r na e s c o v a .

C2 fe ch a a bo ca.

^ O P ! toca n* b o t a da c r ia n ç a .

C 2 abr e a b o c a e fecha o s o J h o s , a p e rt an do ^ o s
O M c*cov* por 5 segundos c diz: "isso." Tira a escova da boca da criança para colocar
flfcoi novamente.

C 2 olha para n dentista, virando oí olhos para vc-lo, ^e r n m e x e r a cabeça C 2

; d en ti sta a u x i l i a r

^ O P l sc vira
colocar

paru
o

colocar
sugador.

flúor na tscovs,

C 2 fe c h a a b o c a .

O Pi toca na boca da criança.

C 2 abre a ba ca e fccha os olhos,apcrtando-os.

PI escova ú dcnlc da criança poT S segundos t diz: “ I s s o ' ’1 O T 1 lira a escovft da boca da
CI13E
ian ç a p a i a c c lo c ar
f 1q o r .

I C 2 olha para o dentista, virando os olhos para vê-lo, sem m e x e r a cabeça, enquanto
iJ a boca p a£ rr a
ia d er n- t‘i; s*t‘ a auxiliar colocar o sugador.

O P l coloca u m a m i o na boca da criança e com a outra abraça a cabeça da


i a-n ç ) ,

Danide P. Fioravante, M arta L u ta Marinho t Maria Rita Z. Soares


C 2 v ir a o r o s t o , l ev ant a u m a p e rn a e f e c h a o s o l h o s .

O P l diz: “ N ã o . .. S e m f a z e r a s s i m , C 2 '\ i m o b i l i z a n d o a cabeça da criança com uma das


m ãos e c o lo c an d o a esc o v a em sua b o c a entreaberta.

C 2 p e r m i t e a e s c o v a ç ã o , e n q u a n t o o l h a pa r a a d e n t i s t a au x il ia r .

O P l di z : “ O l h a o b i c h o pu la n d o , ó ! ”

C 2 v ir a r a p i d a m e n t e a c a b e ç a pa r a o l a d o e s q u e r d o , n a t e n ta t iv a dc e s c a p a r da i m o b i l i z a ç ã o , a o
m e s m o t e m p o que f e c h a os o l h o s .

O P I vu li a ;í c a b e ç a de C 2 par a a p o s i ç ã o c o rr e t a n a c a d e i r a , i m o b i l i z a n d o a c a b e ç a d a c r i a n ç a ,
p r e n d e n d o o q u e i x o des ta, e m a n t e n d o su a b o c a ab e rt a .

^ C2 p e r m i t e o p r o c e d i m e n t o .

^ O P 1 diz : “ O lh a o s b i c h i n h o s p u l a n d o ai, ó ! ”

C 2 b a l a n ç a ra p id a m e n te a c a b e ç a c p e g a o s u g a d o r o f e r e c i d o pela de n t is t a a u x i l i a r , l e v a n d o - o a
b o t íi . C 2 p e r m a n e c e c o m o r o s t o v i r a d o , o l h o s b a i x o s e b o c a Fechada.

^ O P l o l h a par a a de n t i st a a u x i l i a r e a p o n t a c o m o r o st o par a o lençol, q ue está e m b aixo


da criança e q ue
s e r v e pa r a i m o b i l i z a r as c r i a n ç a s n o s a t e n d i m e n t o s d c e m e r g ê n c i a . A d e n t i s t a a u x i l i a r fa z
s in al n e g a t i v o c o m
a c a b c ç a . O P l diz: “ V a m o s j o g a r u m a a g u i n h a pra l a v a r o d e n t i n h o ! ” .

C 2 a b r e a b o c a , m a s e m s e g u i d a v ir a a c a b e ç a pa ra um la do e para o o u t r o c o m o s o lhos
fechados. „

O P l g u a r d a o m a t e r ia l .

^ C2 acompanha a m ovim entação dc OPl e da de n t i st a auxiliar, alternando os olhares


r e p e t id a s v e z e s .

O P l a r r u m a os in s t r u m e n t o s p o r 12 s e g u n d o s re s t a n t e s .

^ C 2 p r e s t a a t e n ç ã o nas o r i e n t a ç õ e s d a de n t i st a a u x i l i a r : “ t e m o s q u e c u i d a r d o s d e n t i n h o s ,
s e n ã o faz m a i s do d ó i,
a b re a b o c a g r a n d e q u a n d o o ti o p e d i r , m e u a m o r ”

Figura 2: Fragmento de Interação Estabelecida entre OP1 e C2 durante Emergência

Conforme se observa na Figura 2, que descreve a interação entre OP1 e C2, a


criança se mostrou cooperativa em relação ao procedimento odontológico, enquanto o
odontopediatra fantasiava, oferecia conforto emocional ou contato físico, descrevia o
procedimento e o funcionamento do equipamento ou elogiava a criança. Essa
cooperação cessou no momento em que o odontopediatra tentou introduzir a escova na
boca da criança, afirmando que havia um bicho dentro dela, o que pode ter contribuído
para assustar a criança. A partir deste momento, o padrão de C2 oscilou entre a emissão
de respostas cooperativas, abrindo a boca, quando solicitado, e de respostas opositoras,
fechando a boca, mexendo a cabeça e as pernas, virando o rosto e cerrando os olhos.
Para manejar estas respostas opositoras infantis, o odontopediatra adotou algumas
estratégias inadequadas, exemplificadas pela insistência em dizer que havia um bicho
na boca da criança, pelas inúmeras tentativas de imobilizá-la e pelas freqüentes crítióas
e restrições verbais. Não obtendo sucesso, tentou ainda empregar a técnica do ‘ pacote*'

Sobre Comportamento e Cognição


(imobilização total da criança, que é enrolado em um lençol, que depois é mantido com
fia adesiva), sendo impedido por sua auxiliar de executá-la. Ao final, o OP1 desistiu de
realizar o procedimento odontológico e guardou seu material.

C 3 está cora o s u g a d o r na b o c a .

O P 2 , c o m g a z e na i n ã o , di z: “A g o r a c r e m e pa r a f aze r a b ar b a c o m o o p a p a i ! " .

C 3 rei ir;* o s u g a d o r da b o c a .

O P 2 tii 7-, “O l h a o c t c n i e para f a z e r a b a r b a ! ” ( p a s s a n d o o c r e m e na b o c a da c r i a n ç a ) .

^ C 3 p e r n n t e , p o r é m c o m e ç a a c h o ra r .

^ O P 2 ri e c o m e n t a : “ C h o r a n d o c o m o um b e b e z i n h o ! N o s s a ! ” .

C 3 a u m e n t a a i n t e n s id a d e do c h o r o .

O P 2 v o lt a - s e par a a m e s a e di z: “V a m o s tira r a b a rb a , e n t ã o ! ” .

^ C 3 o l h a par a O PZ.

^ O P 2 d iz : “ V a m o s tirar a b a r b a ! T i r a r a b a r b a ! ” E n q u a n t o p e g a outr a g ã z e e en ro la
n o d e do .

C 3 cessa o choro e observa,

I O P 2 diz: ‘ P r i m e i r o a v i t a m i n a d c l i m ã o ! ” , P õ e a g a z e na t e s o u r a e se dir ige


at|é a b o c a da
c r ia n ç a d i z e n d o : “ V i t a m i n a de l i m ã o ! ” O P 2 c o l o c a a t e s o u ra na b o c a da c r i a n ç a .

^ C3 c o m e ç a a ch or ar .

^ O P 2 c o n t i n u a o p r o c e d i m e n t o , d i z : “ P r o n t o ! A g o r a v i t a m i n a de l i m ã o ! ”

C 3 dá u n grifo c u r to .

O P 2 diz: “ Is s o ! ! V i t a m i n a de l i m ã o * ”

C 3 grita n o v a m e n t e .

O P 2 di z : “ A b r e pa ra a t i a ! ! A b r e p a r a a t i a ! ! ” ( p a s s a n d o os d e d o s c o m g a z e ruis de n t es da
criança),

C 3 vo l t a a c h o ra r .

O P 2 diz: “ O l h a a vitamina de lim ão!“ OP2 diz : “ P r o n t o a c a b o u ! ” (se v o l t a


p ala a m e s a de
i n s t r u m e n t o s ) e diz n o v a m e n t e “ A c a b o u ! ! V a m o s tirar a b a r b a ! V a m o s ? ” .

C 3 o lh a e di m in u i a i n t e n s i d a d e do c h o r o .

O P 2 diz: “V a r a o s m o s t r a r a l í n g u a ! ”

C 3 abre a b o c a e p e r m i t e o p r o c e d i m e n t o .

I O P 2 l i m p a a l í n g u a da c r i a n ç a e d iz : “ I s s o ! A b a r b a ! A b a r b a ! ” O P 2 di z: “A c a b o u ! D à um
b Ti ji nh o n a g i r a f a ! ! ”
( fa z b e i j o c o m a b o c a c o m o m o d e l o ) .

Danide F. Fioravante, Maria Luiia M arinho e M aria Rita Z. So*n s


Ç 3 b e ij a o s u g a d o r . C 3 p e r m a n e c e c o m o s u g a d n r na b o c a .

2
O P d i z : “ G o s t e i m uito da gíraíinha!” , cnloca a mão na m ã o da crian ça e faz ca rin h o
jií girafa di zendo:
^M uitoda girafinJtair’

ir C 3 f a * s i n a l po s i t iv o c o m a c a b e ç a .

O P 2 ú i z : “ E a g o r a ? ? 0 <juc Icm q u e f a z e r ?

C3 olh a para o O P 2 .

I O F 2 s c vo lla para a m e s a , d e i x a a g a / . c e se d i r i g e a c r i a n ç a e di z : " V a m o s d c s c c r lá e m


baixo?
S e g u r a se u n a r i z 1"!

C 3segura o nariz e a cadei ra s obe.

Figura 3: Fragmento de Interação Estabelecida entre OP2 e C3 durante Profilaxia


A Figura 3 descreve as interações entre a odontopediatra OP2 e a criança C3. A
transcrição permite observar que, inicialmente, C3 cooperou com as ordens e
direcionamentos dados pela dentista apenas quando o procedimento clínico propriamente
dito não estava sendo executado. Nos momentos em que a profissional aplicou o flúor
(vitamina de limão) ou tentou passar a gaze nos dentes da criança, ela chorou, cessando a
execução do procedimento e, possivelmente, fugindo da estimulação aversiva. A primeira
reação de OP2, frente ao choro da criança, foi puni-la ao rir e afirmar para a criança que
parecia um "bebezinho” (sic), o que pode ter contribuído para aumentar a intensidade do
choro da criança. Assim, a profissional pareceu sensível a estas respostas da criança e
começou a adotar estratégias como a fantasia, o conforto emocional ou contato físico, os
elogios, a descrição do procedimento ou o fazer perguntas. Tais estratégias se mostraram
eficazes em alguns momentos, nos quais C3 parou de chorar para olhar o que a dentista
estava fazendo. Além disso, a criança se tomou mais cooperativa ao longo do procedimento
odontológico, provavelmente, devido ao emprego de tais estratégias por parte do profissional.
C4 e s tà im ob ili zad a (enrolada em um lençol com fita crep c cm volta de seu c a r p o ) ,
c ho ra n d o c gritando

Ü P 2 realiza o p r o c e d im e n to por 17 s eg u n d o s , com o iflstruni ent o dentro d« b o c a


da criança O P 2 se
dirige á m es a de instrumentos pega mais material. O P 2 v o l C â * Se para a c ri a n ç a,
c iloca o i n s t r u id e s t o cm
sua b o c a e diz: “ Pro nlo ! ? i o m o \ Pronto-

C 4 grita mai s alto, C 4 cho ra ç n jc x e os pés.

O P 2 se dirige até a m e s a . O P 2 volte^se para a criança e c o n l i n u i p r o c e d i m e n t o por 13


s ;g u a d d %

C 4 tenta se m c u r piir d u i ; v t / c s e chora m a is a 11 o . C 4 grita

O P 2 d i z : Mc s l m í C 4 1 "

C A chora ma is alio e grila.

O P 2 retira O instrum e n to da b □c a d t CA.

C 4 grita sito.

O P 2 introduz u n i injeção , com anestesia, na b o ca da c ria n ça, o que dura 10 segundos.

^ C 4 gtita e c hor a m a i i alio.

OP2 retira a inj eç i o

^ C 4 d k m i n u i a i n l e o s i d a d c do cho ro.

Sobre Comportamento e C ogniçlo


O P2 introduz instrumento na boc a da criança por í segundos.

C 4 volta a chorar cüui m aí: 5 i n t e n s i d a d e .

OP2 se v i r a p a r a rrj »: s a , p e g a ouiro instrumento.

O P 2 realiza o piocudim ento por 10 segundos.

Figura 4: Fragmento de Interação Êstabeíecida entre OP2 e C4 durante Emergência


Conforme a Figura 4, que descreve a interação entre OP2 e C4, verifica-se que
talvez o fato de C4 estar todo o tempo imobilizado possa ter contribuído para diminuir a
freqüência de utilização de estratégias adequadas de manejo, por parte de OP2, visto
que as respostas de oposição da criança estavam controladas. Assim, a odontopediatra
pediu para a criança acalmar-se apenas uma vez, e no restante do tempo permaneceu
executando o procedimento odontológíco, C4, por sua vez, chorou e gritou o tempo todo,
principalmente nos momentos em que a profissional colocava os instrumentos dentro
de sua boca. Não se pôde descartar, neste caso, a própria dificuldade inerente ao
procedimento clínico. No entanto, ainda assim, considerou-se que seria viável que OP2
mantivesse uma interação melhor com a criança, por exemplo, conversando com esta
nos momentos de pausa, quando pegava ou preparava os materiais.

Conclusões
Com base nos relatos apresentados acima, parece que ambos odontopediatra
manejaram com êxito muitas das respostas opositoras das crianças atendidas na
profilaxia mediante o emprego de estratégias adequadas. Essas respostas dos
profissionais parecem ter contribuído para o estabelecimento de um ambiente agradável
para as crianças, do qual não foi preciso esquivar-se com choros, gritos ou outros
comportamentos opositores. Ao compreenderem, confortarem ou elogiarem as crianças,
essas ações dos odontopediatras podem ter contribuído para aumentar a probabilidade
de respostas cooperativas com o procedimento odontológíco (Fioravante etal., no prelo).
Isso pôde ser observado, a partir dos fragmentos de interações estabelecidas
entre OP1 e C1 e entre OP2 e 03, nos atendiemntos de profilaxia. Durante o atendimento
de C1 e C3, OP1 e OP2 empregaram uma série de estratégias adequadas de manejo
das respostas infantis, tais como a fantasia, o contato físico ou o conforto emocional, os
elogios ou a descrição de suas ações de modo a contribuírem para evocar respostas
cooperativas por parte das crianças. Parece que ser elogiada ou acariciada pode ter
reforçado positivamente respostas cooperativas das crianças, aumentando a
probabilidade de tais respostas em situações análogas futuras. Da mesma forma,
quando as crianças cooperaram com o procedimento odontológíco, seu padrão pareceu
contribuir para reforçar positivamente as respostas adequadas dos profissionais,
aumentando sua probabilidade de emissão durante este tipo de procedimento
odontológíco. Além disso, é provável que respostas opositoras das crianças durante a
profilaxia possam ter sofrido extinção, j'que em geral tendem a não ser conseqüenciadas
com a interrupção do procedimento (Fioravante e tal., no prelo; Skinner, 1953/1998).
Além dessas conseqüências, foi possível também identificar alguns dos
antecedentes que poderiam estar associados à emissão das respostas opositoras
das crianças na profilaxia. Conforme demonstrado acima, as respostas opositoras
infantis pareceram não se correlacionar com as respostas inadequadas dos
profissionais, já que os profissionais praticamente não apresentaram respostas
inadequadas durante a profilaxia. Deste modo, foi importante levantar hipóteses sobre
a existência de outras variáveis que poderiam estar contribuindo para a emissão destas
respostas, de modo a viabilizar uma intervenção junto às mesmas.

DanideP.Fioravante,Maria Lui>a Marinho «M aria RitaZ. Soares


..Assim, possivelmente, o procedimento de profilaxia pode ter sido aversivo para
uma parte das crianças, dependendo de sua história anterior de aprendizagem no
contexto odontológico. Alguns estímulos inicialmente neutros, tais como a própria escova,
ao precederem estímulos aversivos da situação odontológica, podem se tornar
condicionados a estes estímulos aversivos e passar a evocar respostas eficazes em
preveni-los ou reduzi-los (Skinner, 1953/1998). Desse modo, só o fato de estar sentado
na cadeira odontológica, por exemplo, poderia contribuir para evocar respostas
opositoras, como, por exemplo: choros, gritos ou recusas em cooperar.
Outra variável que poderia se relacionarás respostas opositoras das crianças pareceu
ser a natureza do procedimento odontológico. As crianças tendem a apresentar altas taxas de
não~colaboração durante os atendimentos de emergência. Durante a emergência, quando
comparada à profilaxia, houve maior freqüência de respostas como: chorar, gritar, morder,
levantar da cadeira odontológica ou movimentar o corpo, por exemplo, que geralmente
representam tentativas de se esquivar ou fugir de esíimulos aversivos (Skinner, 1953/1998).
Muitas das crianças atendidas na emergência não têm a experiência de ir periodicamente ao
dentista ou ir àquela clínica odontológica, como as crianças da profilaxia. Além disso, em geral
emergência é ocasionada por quedas ou cáries profundas, por exemplo, que provocam
processos dolorosos. Mesmo quando a criança estava submetida à restrição física (C4), foi
possível observar a alta freqüência de choros e de gritos, que são praticamente as únicas
respostas de fuga e de esquiva possíveis nesta condição.
Além de antecedentes como tipo de procedimento odontológico e novidade da
situação, considera-se que as respostas opositoras infantis possam ocorrendo devido a
suas conseqüências de fazer cessar a estimulação aversiva presente (Skinner, 1953/1998).
Assim, os padrões de oposição poderiam estar sendo mantidos por reforço negativo, o que
aumentaria sua probabilidade de ocorrência em situações semelhantes no futuro. Isto
pôde ser observado no relato acima no qual as respostas da criança de virar o rosto, fechar
a boca ou mexer as pemas, por exemplo, acabaram contribuindo para que o odontopediatra
desistisse da realização do procedimento odontológico após inúmeras tentativas.
Essas respostas opositoras infantis dificultaram o manejo da criança por parte
de OP1 e OP2, podendo contribuir para um aumento na freqüência de respostas
inadequadas por parte destes. Entretanto, os dados desta pesquisa sugeriram que as
respostas dos profissionais em situação de emergência foram mais influenciadas pelo
tipo de procedimento odontológico do que pelas respostas das próprias crianças
atendidas. Tais dados poderiam ser explicados, em parte, ao se lembrar que OP1 e
OP2 são profissionais recém-formados. Talvez por sua falta de prática, tenha sido muito
mais difícil para eles realizar procedimentos odontológicos complexos, ao mesmo tempo
em que conversavam, elogiavam ou distraiam as crianças, por exemplo.
Há, ainda, a probabilidade de que as respostas inad eq u a d a s dos
odontopediatras tenham aumentado de freqüência durante a emergência pelo seu efeito,
mais imediato, em cessar a estimulação aversiva presente, que, no caso, seriam as
respostas de oposição das crianças. Assim, a punição positiva dessas respostas infantis
diminuiria sua probabilidade momentânea de ocorrência por parte das crianças, ao
mesmo tempo em que reforçaria negativamente as respostas dos odontopediatras,
tomando a ocorrência futura dessas respostas do profissional mais provável (Skinner,
1953/1998). Ao criticarem ou utilizarem a imobilização/restrição física, tais respostas
dos dentistas conseguiram cessar, momentaneamente, respostas de oposição das
crianças. Desse modo, é possível que estas conseqüências tenham contribuído para
que os profissionais venham a em itir padrões de respostas sem elhantes, em
atendimentos de emergência futuros. E isto, sem se atentar para o fato de que a punição,

Sobre Comportamento t Cogniç&o


geralmente, acarreta apenas a supressão imediata do comportamento e evoca reflexos
característicos de medo, de ansiedade e de outras emoções (Skinner, 1953/1998).
Além disso, pode ser possível também que, quer pela complexidade do
procedimento odontológico, quer pelas particularidades das crianças atendidas, as
tentativas dos odontopediatras de manejaras respostas opositoras infantis, através de
estratégias adequadas, não tenham sido efetivas na emergência. Assim, as respostas
adequadas dos odontopediatras podem ter sido extintas durante atendimentos de
emergência (Skinner, 1953/1998). Um exemplo que ilustra essa situação foi o fato de
OP1 não obter nenhuma cooperação por parte de C2 ao tentar utilizara fantasia, dizendo-
lhe que havia “bichinhos" (sic) em sua boca e que era preciso retirá-los.
Finalmente, é importante destacar que o treino dos odontopediatras, na utilização de
estratégias adequadas, de manejo do comportamento infantil, pareceu estar sendo realizado
de forma instrudonal. Este controle instrucional das respostas dos profissionais fez com que
lançassem mão, sempre, das mesmas estratégias frente às respostas opositoras das
crianças. E quando estas estratégias não se mostraram eficazes, não restaram opções aos
odontopediatras senão empregar métodos inadequados para lidar com as respostas infantis.
Pois, o controle instrucional não favorece a variabilidade comportamental dos odontopediatras,
e não lhes permite criar uma série de alternativas para lidar com situações imprevisíveis.
Nesse sentido, uma importante contribuição da Análise do Comportamento
para a formação dos odontopediatras seria o fornecimento de algumas informações
sobre os princípios que regem o comportamento humano, Assim, identificar as possíveis
variáveis antecedentes e conseqüentes que controlam as respostas das crianças durante
o atendimento odontológico, tornaria possível aos profissionais intervirem nas mesmas.
Conseqüentemente, esta análise funcional da situação viabilizaria a utilização de um rol
maior de alternativas, bem como possibilitaria a criação de novas formas adequadas
de manejo do comportamento infantil.

Referências

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Walker, H. M. (1976) Walker Problem Behavior Identification Checklist Manual (WPBIC). Los
Angeles: Western Psychological Service. REG

Sobre Com portamento e Cognição


Capítulo 19
Doença de Alzheimer: panorama geral e
contribuições da Análise do
Comportamento1

N ílda dos Santos P inheiro 1


João dos Santos C arm o 1
A lbedy M o reira B aslos 3
U niversidade da A m azônia e U niversidade Federal do Pará

A velhice já foi considerada como a ante-sala da morte. Nesta perspectFva> tratava-


se aos idosos, em geral, como pessoas inúteis socialmente. Por essas razões, os velhos
eram retirados da vida pública e confinados em seus lares, caso os tivessem, ou em
asilos e hospitais se não tivessem familiares e amigos generosos que os acolhessem.
Existia, pois, e ainda existe um conceito pejorativo de velhice em nossa cultura ocidental,
bem diferente do que imperava nos tempos antigos, quando, por exemplo, em Esparta
havia a Gerúsia, e os Gerontes, os quais dirigiam a vida nacional. Obviamente, hoje
também, alguns velhos da classe média ou classe média alta, aparentemente se mantêm
distantes desse descaso geral, mas a conotação é outra, bem diferente daquela da
Grécia antiga. Dizemos aparentemente porque, alguns desses velhos se mantêm em
posições políticas, aliás, raras, porém não deixam de ser por muitos chamados de
“caducos”. Assim, sua autoridade é mais fictícia do que real, pois muitas vezes são mantidos
como figuras decorativas em seu local de atuação. Como se vê, nossa sociedade está
longe de efetivar um tratamento e um espsço de respeito aos idosos.
Alguns velhos se deparam com possíveis acontecimentos de sua idade como
o estado demencial, dentre outros problemas. Segundo Green (2001), a previsão é de
que a população mundial de 65 anos ou mais, que em 1995 era de 33,5 milhões,
chegue a 39,4 milhões em 2010 e a mais de 60 milhões até 2030. Com esse aumento
pode surgir uma grande epidemia de doenças relacionadas à idade.
Uma das mais graves de todas essas doenças são os distúrbios progressivos, os
quais podem ameaçar até mesmo nossas experiências de vida bem como as lembranças
que trazemos durante nossa vida, nossa habilidade de comunicação e a atenção de nossa
identidade. O presente texto tratará particularmente da Doença de Alzheimer (DA),
apresentando informações básicas acerca dessa patologia e apontando algumas

’ Trabalho apresentado na aessão Primeios Passos 6o XV Encontro Brasileiro de Pstoolerapiae Medicina Ccmporlatnenbl, 2006. Brasdta-DF.
5Badiaret em Psicologia pela Universidade da Amazônia e Enfermeira pela Universidade Federal do Pará.
3Doutor em Educação, Professor do Curso de Psicologia da Universidade da Amazônia.
* Neurologista Professor do Cureo de Medicina da Universidade Federal do Paré

NiW a do> S. Pinheiro, Joào dos S. O rm o í Albedy Moreira Gastos


contribuições da Análise do Comportamento o que se refere ao atendimento do portador e,
também, de familiares e cuidadores. As informações aqui contidas destinam-se ao público
em geral assim como acadêmicos de Psicologia e Área de Saúde. Busca-se contribuir com
o tratamento clínico e psicológico do portador de DA, através do uso dos princípios de
aprendizagem, ampliando-se as possibilidades de manutenção ou melhora do quadro.
Outro objetivo é auxiliar seus cuidadores a contribuírem com a melhora do caso.
Alguns fatores ou situações predispõem o indivíduo a ser acometido pela Doença
de Alzheimer, sendo esta inclusive uma questão que vem sendo bastante discutida e tem
sido objeto de muitos estudos e pesquisas em todo o mundo. Parece claro que a Doença
de Alzheimer (DA) não tem uma única causa, sendo provavelmente devido a uma
combinação de fatores genéticos e ambientais. Segundo Kelly (2003) a doença afeta um
em cada cinco idosos com mais de 80 anos. Mesmo assim, atualmente não se dispõe de
indicadores claros para se saber quem será, de alguma forma, afetado no futuro.
Estima-se que a Doença de Alzheimer (DA) seja o mais comum dos distúrbios
demenciais. Nos últimos anos, alguns estudos trouxeram um progresso sem precedentes
à compreensão da genética, fisiopatologia e história natural da doença. Existem vários
estudos que, embora iniciais, têm progredido de forma acentuada com avanços
significativos em diagnósticos e tratamentos farmacológicos e não-farmacológicos.
Segundo Green (2001), existem marcadores genéticos e bioquímicos que podem auxiliar
no diagnóstico e nos novos tratamentos farmacêuticos, que, pela primeira vez, podem
melhorar tanto os sintomas cognitivos quanto os comportamentais do portador de DA.
Atualmente há uma nova compreensão da importância do aconselhamento do
paciente assim como do cuidador, de estratégias de m odificação am biental e
comportamental, do valor do planejamento social e da necessidade de se trabalhar
com a família inteira assim como com b paciente.
O trabalho de Aiois Alzheimer e suas pesquisas no campo da neuropatologia
despertaram um interesse incomum nesse cam po do conhecim ento, sendo
merecidamente considerado um dos pais da neuropatologia. Ele conseguia conciliar
seus pesados compromissos atendendo pacientes como psiquiatra e dedicava-se
apaixonadamente ao estudo histopatológico do córtex cerebral. Apesar da importância da
sua maior descoberta, deve-se ressaltar as inúmeras contribuições científicas por ele a
várias patologias neurológicas, especialmente as corticais. Era estimado por seus colegas
de trabalho tanto por seu comportamento profissional quanto por sua conduta social.

Definindo doença de Alzheim er


Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, demência, palavra de
origem latina (dementia) é definida como: “qualquer deterioração mental". Demência é
um termo genérico, definida a partir da deterioração das habilidades intelectuais
adquiridas, comprometimento da memória, da orientação, do pensamento abstrato e
de alterações do comportamento.
Mayeux & Chun (1997) afirmam que a doença de Alzheimer é o tipo mais comum
de demência, pois, existem outros tipos de demência como demência por corpúsculo de
Lewy, demência vascular, demência do lobo frontal, demência de Creuzfeldt-Jacob e
demência de Huntington, devendo assim existir mais de uma forma de doença de Alzheimer.
Segundo Mayeux & Chun, (1997, p. 534):
Durante muitos anos, o termo doença de Alzheimer se lim itou aos casos com
início antes dos 65 anos de idade. Análises clínicas, patológicas, uttra-estruturais

Sobre Comportamento e Cognição


e bioquímicas mentais indicam que a doença de Alzheimer e a demência senil
(início após os 65 anos) são um único processo; já existe consenso no sentido de
considerá-las como uma única doença.
Em 1987, o DSM-III (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais -
EUA) diferencia a doença de Alzheimer da demência senil.
De acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento
da CID-10 (1993, p.45):
A demênda é uma síndrome decorrente de uma doença cerebral, usualmente de natureza
crônica ou progressiva, na qual há perturbação de múltiplas funções cortícais superiores,
incluindo memória, pensamento, orientação, compreensão, cálculo, capaddade de
aprendizagem, linguagem e julgamento. Não há obnubilação de consciência. Essa
síndrome ocorre na doença de Alzheimer, na doença cerebrovascular e em outras
condições que, primária ou secundariamente, afetam o cérebro.
A classificação anatomodínica das demências, de acordo com a Escola de Psiquiatria
de Genebra, define diferenças entre as demências senis e introduz novos termos: a “demência
senil em processo de alzheimerização" e "demência senil alzheimerizada” (Kelly, 2003).
Assim, há tempos se vem mostrando o árduo caminho a ser percorrido na
compreensão da demência nos últimos 30 anos, a partir de quando se reconheceu que
a causa mais comum da demência senil é a patologia descrita por Alois Alzheimer, no
início do século XX, que descreveu tanto as características clínicas quanto as alterações
patológicas (Kelly, 2003). A alzheimerização da demência senil foi capaz de transformar as
atitudes da comunidade científica e do público em geral, pois, o que se pensava ser um
aspecto da senilidade, tomou-se uma doença a ser pesquisada, objetivando-se a cura.
De acordo com o DSM-IV, Classificação de Doenças Mentais, (2000):
Os transtornos na seção ‘Demência’ caracterizam-se pelo desenvolvimento de
múltiplos défídts cognitivos (incJuindo comprometimento da memória) devido aos
efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral, aos efeitos persistentes
de uma substância ou a múltiplas etiologias (por ex., os efeitos combinados de
doença cerebrovascular e doença de Alzheimer).
Independente da idade, uma vez que todos os dados clínicos, neuropatológicos
e neuroquímicos da doença de Alzheimer são idênticos, a denominação de “Doença de
Alzheimer” é suficiente, não devendo ser subclassificada em senil ou pré-senil, ou
ainda como querem alguns estudiosos que as ocorridas em idosas e idosos sejam
denominadas de “demência senil do tipo Alzheimer”.
Segundo Cotran et al (1991), a doença de Alzheimer (doença degenerativa do córtex
cerebral) é uma anomalia que geralmente se manifesta clinicamente sob a forma de
comprometimento das funções Intelectuais mais elevadas e através de distúrbio de afeto. Já
Bear et al (2002) afirmam que a doença de Alzheimer caracteriza-se pela desestruturação do
citoeéqueleto dos neurônios do córtex cerebral, uma região encefálica fundamental para as
funções cognitivas. O único fator de risco bem conhecido e aceito universalmente é a idade.
De acordo com o CID-10 (1993, p. 46):
A doença de Alzheimer é uma doença cerebral degenerativa primária de etioiogia
desconhecida, com aspectos neuropatológicos e neuroquímicos característicos.
Instala-se usualmente de modo insidioso e desenvoíve-se lenta, mas continuamente
por um período de anos; este pode ser tão curto como 2 ou 3 anos, mas
ocasionalmente pode ser consideravelmente mais prolongado. O inicio pode ser
na meia-idade ou até mais cedo (doença de Alzheimer de inído. pré-senil, mas a
incidência é maior na idade avançada (doença de Alzheimer de inldo senil).

224 N ilda dm S. Pinheiro, João do* S-Carmo t Albedy M oreira Bajto?


Esse fato é tão estabelecido que alguns autores têm questionado se a DA não
seria mais que um processo de envelhecimento acelerado, exacerbado e de
aparecimento prematuro.

Neuroquímica da doença de Alzheim er


Com relação a fatores genéticos, é importante que estes sejam descobertos
precocemente, porém, não são tão relevantes na idade avançada. Para Kelly (2003), a presença
do fenótipo apoíipopnoteína E4 (APOE) indica quem apresenta risco de desenvolver a DA.
Alguns estudos desse tipo realizados no Brasil avaliaram fatores de risco genético,
principalmente o papel do polimorfismo da apolfpoproteína E (APOE) em nossa população
(Farrer, Cupples, Haines, Hyman, Kukull, Mayeux, Myers, Pericak-vance, Risch, Van duijn,
1997). APOE é uma proteína do plasma relacionada com o transporte de colesterol e
codificada por um gene localizado no cromossomo 19. Há três alelos (e2, e3 e e4) e seis
fenótipos correspondentes. Em populações caucasianas, o alelo mais freqüente é o e3,
ocorrendo em cerca de 75% dos cromossomos, enquanto as freqüências dos alelos e2
e e4 são de 8% e 15%, respectivamente. Estudos epidemiológicos demonstram que, em
indivíduos com DA, a freqüência do alelo e4 é desproporcionalmente elevada, com valores
geralmente situados entre 25% e 40%. Pessoas com um alelo e4 têm razão de chance
(odds ratio:OR) entre 2,2 e 4,4 de desenvolver DA quando comparadas a pessoas com
alelos e3/e3; enquanto os homozigotos para alelo e4 têm OR de 5,1 a 34,3. Além disso, os
portadores do alelo e4 tendem a desenvolver os sintomas de DA mais precocemente,
efeito ainda mais evidente nos homozigotos. Em contrapartida, o alelo e2 pode conferir
um discreto efeito protetor porque sua freqüência tem sido referida como um pouco menor
entre indivíduos com DA que na população geral, mas este resultado não tem se
reproduzido sistematicamente. Quando* indivíduos com alelos e2/e3 apresentam DA, a
idade de início é mais avançada que nos portadores de e4 (Farrer et al., 1997).
A importância do alelo e4, aparentemente, não é a mesma nos diversos grupos
étnicos, com valores diferentes de OR (FarreR et al., 1997). Em árabes residentes em
Israel, por exemplo, a prevalência de DA é elevada (20,5% dos indivíduos com mais de
60 anos), enquanto o alelo e4 é relativamente incomum tanto em controles como em
pacientes (Bowirrat, Friedlan, Chapmam, Korczyn, 1999).
Alguns estudos realizados no Brasil sugerem que o papel do alelo e4 pode ser
menos importante em nossa população. Larrandaburu, Chaves e Hutz, (1997) estudaram
população caucasóide do sul do Brasil e encontraram freqüências do alelo e4 de 34%
e de 11% em 12 pacientes com DA e 100 controles, respectivamente. Almeida e
Shimokomaki (1997) constataram prevalências do alelo e4 de 2 2,1% e de 8,9%, na
cidade de São Paulo, em 43 casos de DA provável e 56 controles, enquanto Souza,
Tajara, Tognola, Godoy, Brandão, Pinheiro Junior (1998) em cidade do interior do Estado
de São Paulo, verificaram 2 5 % e 7% em 18 pacientes com DA e 14 controles,
respectivamente. Esses estudos avaliaram um número relativamente pequeno de
indivíduos, de modo que as prevalências baixas do alelo e4 nos estudos brasileiros,
tanto entre controles como em pacientes com DA necessitam de confirmação.
Como já foi citado anteriormente, vale lembrar que fatores genéticos e ambientais
interagem condicionando a idade em que se iniciam as manifestações da doença,
sendo assim considerados fatores de risco para a DA. Infelizmente sabemos pouco
sobre esses fatores ambientais, impedindo o tratamento profilático.
Segundo Nitrini (2000), ainda com relação aos fatores genéticos, existe uma
maior incidência entre gêmeos monozigóticos do que em gêmeos dízigóticos. Segundo

Sobra Comportamento t Cognição


esse autor, há relatos de mais de 100 famílias com herança autossômica dominante.
Pelo uso de polimorfismo de restrição da extensão de fragmentos, encontrou-se ligação
ao crom ossom a 21 ou ao 14 em alguns indivíduos com DA familiar de início precoce.
Mutações pontuais no gene da proteína precursora de amilóide no cromossoma 21 foram
encontradas em 12 dessas famílias. Em contraste foram encontradas ligações a múltiplos
pontos do cromossoma 19 em famílias com doença de Alzheimer de início tardio. A região
do cromossoma 19 inclui o gene da apolipoproteína E, uma proteína que liga beta-amilóide
e está envolvida no transporte de colesterol. Há freqüência do alelo da apolipoproteína E
(uma isoforma do Apo-E) foi verificada como sendo de 40% na DA familiar ou esporádica
de 15% nos controles. Ressalta-se que essa associação foi observada independentemente
da idade de início e pode ser marcador da suscetíbilidade à doença de Alzheimer.

Epídemíoiogia

Nos EUA, a prevalência da doença de Alzheimer em pessoas de 65 anos de


idade ou mais é estimada como sendo de 10,3%, elevando-se para 47% naquelas
acima de 80 anos. Até 2:6% das pessoas acima dos 65 anos vêm apresentar a DA
anualmente. A freqüência varia pouco por sexo ou grupo étnico. Taxas semelhantes de
doença têm sido encontradas em outros países industrializados (Mayeux & Chun, 1995).
Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), dentro de 25 anos 34
milhões de pessoas desenvolverão demência, e mais da metade das pessoas com
essa patologia padecem do mal de Alzheimer.

Etiologia
Segundo Nitrine (2000) estudos sugerem fortemente que as mulheres sejam
mais afetadas do que os homens, mas, como a expectativa de vida das mulheres é peio
menos 5 anos maior que dos homens essa correlação ainda precisa ser
estatisticamente ajustada e melhor esclarecida.
Um dos fatores de grande relevância é o nivel de educação, podendo assim se
considerar um fator de proteção para a DA, pois, quanto maior o número de anos de
estudo formal menor seria o risco de desenvolver Alzheimer (Mayeux & Chun, 1995). Essa
possibilidade deve ser analisada com reserva a partir da constatação de que pessoas
com mais escolaridade administram suas limitações cognitivas com maior facilidade
que analfabetos ou com baixo nível de escolaridade. É importante dizer que a plasticidade
neuronal também pode estar implicada nesse processo (Mayeux & Chun, 1995).
Segundo Nitrine (2000), lesões cranioencefálicas, baixos níveis de instrução e
síndrome de Down em um parente de primeiro grau também se associam a maior risco
de doença de Alzheimer, o que reforça a observação anterior. Outros possíveis fatores
de risco tem sido estudados, porém, com pouco resultado prático como: exposição ou
ingestão de substâncias tóxicas como o álcool, chumbo e solventes orgânicos;
medicamentos diversos; trauma craniano; exposição à radiação; estilo de vida; estresse;
infecções; doenças imunológicas, e câncer.

Diagnóstico
O diagnóstico de DA tem como fundamentação a presença de demência em que o
distúrbio de memória é geralmente a manifestação inicial, e na exclusão de outras hipóteses

226 N iida dos S. Pinheiro,João do» S. Carmo e Albcdy M oreira Bastos


etiológicas (Nitrini, 2000). Ainda segundo esse autor nos últimos anos surgiram ou estão se
desenvolvendo novos métodos diagnósticos, cujo valor prático necessita de comprovação.
Segundo Mayeux & Chun, (1997, p. 535):
Doença de AJzheimer se manifesta como uma demência progressiva, com perda
crescente de memória e função intelectual e distúrbio da fala. Inicialmente hà um
ligeiro embotamento das faculdades intelectuais. O pensamento toma-se lento, a
capacidade de atuação nas esferas sodal e econômica é prejudicada e a memória
mostra-se deficiente Os primeiros sintomas incluem distúrbios das funções da
linguagem (anomia, ecoíalia, dificuldade na compreensão da linguagem escrita e
oral), apraxias e agnosias.
Os pacientes de DA com alguma noção crítica de sua desorientação podem ficar
deprimidos, o que é observado em cerca de 25% dos pacientes (Mayeux & Chun, 1997). É
também comum nos pacientes de DA agitação e inquietação. Sinais motores são raros no
início da doença, porém, depois os portadores podem vir a apresentar alterações nos reflexos
e marcha lenta, arrastando os pés. Mioclonias e crises convulsivas podem ocorrer em alguns
pacientes tardiamente na evolução. No início da evolução também se pode apresentar
mioclonias. Ainda, sinais extrapiramidais assodam-se a um declínio intelectual mais rápido.
A doença de Alzheimer caracteriza-se pela atrofia do córtex cerebral e segundo
Mayeux & Chun (1997), o processo geralmente é difuso, mas pode ser mais grave no
lobo frontal, parietal e temporal.
Segundo Nitrini (2000), os distúrbios mais característicos da DA são decorrentes
do declínio cognitivo, havendo assim, o comprometimento da memória, da linguagem,
das gnosias, das praxias ou das funções executivas constitui o núcleo sindrômico da
DA. Também existem ouíras alterações como distúrbio do sono, sintomas depressivos,
manifestações psicóticas e estas, poderão obter uso de tratamento farmacológico, o
que não será abordado nesse trabalho, pois, o que mais nos interessa é o tratamento
sintomático dos distúrbios cognitivos.
Segundo Mayeux & Chun (1997), nos estágios term inais da DA, esta é
notavelmente consistente, isto é, a atividade intelectual cessa; o paciente torna-se dócil
e acaba por ser reduzido a um estado vegetativo. Pode ocorrer fraqueza e contraturas
dos membros. O controle das funções vesical e intestinal é perdido.
A neuroimagen como Volumetria do lobo temporal e espectroscopia, ambas
usando ressonância magnética, cintilografia de perfusão (SPECT), tem trazido grandes
contribuições para o diagnóstico da DA (Nitrini, 2000). Porém, é importante que se
comprove os resultados da neuroimagen em fase inicial da DA pois, nesse período o
diagnóstico tende a ser mais difícil.
Segundo Nitrini (2000), uma outra contribuição para o diagnóstico é a
demonstração da proteína tau encontrar-se alta, enquanto a do peptídeo Abeta com 42
aminoácidos é baixa no líquido cefalorraquiano (LCR) na DA, e especialmente quando
associada à determinação dos alelos da apolipoproteína E. Como critério diagnóstico
também podemos citar déficits em duas ou mais áreas da cognição assim como piora
progressiva da memória e outras funções cognitivas.

Patologia
Além dos critérios clínicos para diagnóstico da DA é importante, também,
evidências histopatológicas obtidas por uma biópsia ou autópsia.
O grau de atrofia do córtex cerebral varia. O peso de cérebros de indivíduos com
DA pode variar em 850 e 1.250g à autópsia (Mayeux & Chun, 1997), ao exame

Sob« Comportamento r Cognição


microscópico, há perda tanto nos neurônios como de neurópilo no córtex, e pode-se
observar também uma desmielinização secundária na substância branca subcortical.
Segundo esses mesmos autores, o que se chama de forma mais característica são as
placas senis assim como os emaranhados neurofibrilares argentofílicos. Essas placas
senis são encontradas em todo o córtex cerebral e hipocampo em que o número de
placas por campo microscópico correlaciona-se com o grau de perda neuronal (Mayeux
& Chun, 1997). Os emaranhados neurofibrilares são as estruturas fibrilares
intracitoplasmáticas neuronais e, podem ser visíveis com o corante Bielschowsky.
As placas neuríticas senis são lesões microscópicas esféricas que são melhor
visíveis também com o corante de Bielschowsky em que uma parte central de material amilóide
extracelular é circundada por tem/inações axoníaís aumentadas (neuritos). Ressa/ta-se que
não se tem certeza que a parte central amilóide (visível com corante vermelho ou Congo ou
tioflavina S) é originada de neurônios ou de vasos sangüíneos (Mayeux & Chun, 1997).
Existem vários critérios para diagnóstico clínico de DA, e incluem demência
estabelecida por exame clínico e documentada pelo Míni-Mentaf Test, Sfessed Dementra
Scale, ou algum exame similar e confirmado por testes neuropsicológicos, sendo que
o Mini-Mental é mais usado por profissionais da área (Nitiini, 2000).
Ainda assim, existem outras escalas de avaliação específica como a escala de
Gravidade Global e Aíteração, Escala de Comportamento, escala de atividades de Vida
Diária assim como Escala de Qualidade de Vida.
Na medida que tratamentos mais eficazes forem surgindo e estiverem
dispôníveis para tratamento da DA, os testes para identificar os indivíduos sob risco se
tornarão ainda mais importantes, devendo assim inchir, os testes de marcadores
genéticos e biológicos da DA.
Contudo a classificação da Doença de Alzheimer para propósitos de pesquisa
deve especificar características que podem diferenciar subtipos das desordens como a
ocorrência familiar; início antes dos 65 anos de idade; presença de trissomia do cromossomo
21 e a coexistência de outras condições relevantes como a doença de Parkinson.
Aguardamos que medidas sejam desenvolvidas de forma mais eficiente e
susceptível de resultados clinicamente significativos ao se testarem os novos
tratamentos assim como se avaliar a resposta dos pacientes a tratamentos específicos.
Também vale ressaltar que a questão dos fatores preditivos da velocidade de declínio e
outros que identifiquem subgrupos de pacientes sensíveis a determinados agentes
terapêuticos também terão um papel mais relevante no tratamento futuro.
Para pesquisas futuras é importante sabermos que a doença de Alzheimer tem
etiologia multifatorial, com fatores genéticos e ambientais que interagem em uma relação
complexa, monitorando-se o risco de se desenvolver a doença. No entanto, ainda é
preciso que se elucidem os principais fatores de risco ambientais, a fim de que, quando
isso ocorrer, a prevenção primária seja mais eficaz.

Tratamento
No tratamento da DA, segundo Nitrini (2000), primeiramente foram usados os
vasodilatadores, com base na crença equivocada de que a insuficiência vascular
cerebral fosse responsável pela “demência senil". Logo depois, surgiram os
nootrópicos, drogas estas que foram testadas em animais e exibiram algum efeito
positivo sobre o aprendizado ou a memória, cujo mecanismo de ação é geralmente
desconhecido ou apenas presumido (Nitrini, 2000)

N ilda dos S. Pinheiro, Joâo dos S. Carmo e Albedy M o m ra Bastos


Nitrini (2000), afirma que agentes farmacológicos que atuem nos diversos
passos do metabolismo e efeitos tóxicos da proteína Abeta, ou na hiperfosforilação da
proteína tau ou sobre conseqüências dos distúrbios do metabolismo oxidativo, poderiam
ter esse efeito. Estima-se que ainda haverá grandes possibilidades de avanço neste
campo, e que este se ampiiará nos próximos anos, no que diz respeito a ensaios
farmacológicos qom modelos de animais transgêniços.

C on tribu içõ e s da análise do com p orta m e n to ao tre in a m e n to do


curador
Há poucos estudos específicos com o cuidador de pacientes com Alzheimer na:
literatura da Análise do Comportamento (AC). Entretanto, a AC tem produzido
conhecimento sólido quanto à programação de repertórios que podem ser utilizados no
treinamento de cuidadores, a fim de aperfeiçoar suas habilidades ou estabelecer
comportamentos ainda não aprendidos.
No caso de cuidadores cujos pacientes são seus próprios cônjuges, Harris
(1993) entrevistou 15 homens, cuidadores, de diferentes origens sociais, e identificou
em suas declarações verbais uma alta freqüência dos seguintes temas: compromisso;
isolamento social; perda de companheirismo; controle; senso de realização; uma
abordagem de solução de problemas; diminuição da sobrecarga com o passar do
tempo; baixa expectativa de ter filhos.
Lewin & Lundervold (1990), por exemplo, investigaram pessoas que atuam
como cuidadores de seus próprios cônjuges, e identificaram um conflito que chamaram
de separação-individuação, o qual está sob controle tanto de antecedentes e
conseqüentes verbais e não-verbais liberados pelo paciente ou pela equipe médica,
quanto de auto-regras disfuncionais do próprio cuidador. Estes eventos controladores
foram alterados através de dois procedimentos específicos: treinar os membros da
famífia nuclear em procedimentos e técnicas de modificação do comportamento a frm
de saber lidar com os problemas comumente vivenciados pelo paciente; ensinar o
cuidador a identificar e descrever as auto-regras de forma a poder alterá-las no futuro.
Como se sabe, cuidadores são fundam entais para as pesq u isa s com
medicamentos para a doença de Alzheimer. Seu papel envolve o monitoramento de
respostas do paciente ao medicamentos, identificação de possíveis efeitos colaterais
ou adversos, identificação da eficácia do medicamento através da descrição de alterações
positivas no comportamento do paciente. Para tanto, faz-se necessário o treinamento
dos cuidadores no sentido de aumentar sua eficiência quanto àquelas habilidades.
Tem-se percebido que o domínio dos princípios de modificação do comportamento
e a aprendizagem de observação e registro de comportamentos são bastante úteis tanto para
o aumento da qualidade da atuação do cuidador, quanto para seu próprio benefício enquanto
pessoa, O uso de técnicas de observação, registro, modelagem, prompts de diversas
modalidades e liberação de reforço contingente podem ser ensinados ao cuidador. Além
disso, é importante que o cuidador aprenda a ser assertivo e ainda cuidar de si mesmo.
Para Bakke (1997), embora se saiba que o uso de medicamentos ainda é o
tratamento de eleição entre médicos, tem ocorrido um aumento significativo na busca
de tratamentos sem o uso de drogas. Este autor indica que a Análise Aplicada do
Comportamento (AAC) é a abordagenf predominante, quando o assunto é a aplicação
de técnicas e procedimentos que não envolvam drogas, para ajudar pessoas com
limitações cognitivas associadas a problemas de desenvolvimento.

Sobre Comportsm tntoeCojim çSo •


A AAC possibilita a identificação dos eventos controladores e originadores dos
problemas de comportamento dos indivíduos, através de análise funcional, Uma análise
funcional permite a busca de informações no ambiente, nas contingências que estiveram
em vigor no passado e nas contingências que estão em vigor atualmente. Permite, também,
identificar que função determinados comportamentos-problema tem sobre o indivíduo que
os emite. A AAC, com isso, possibilita o planejamento e aplicação de procedimentos que
auxiliam tanto os cuidadores quanto o próprio paciente em termos de aumento nas habilidades
de enfrentamento necessárias para lidar com as limitações impostas pela DA.
Estudos brasileiros precisam ser conduzidos, tanto com cuidadores quanto com
pacientes DA, envolvendo três aspectos básicos: ensino dos princípios do comportamento e
de análise funcional; programação de repertórios e habilidades para cuidadores e familiares;
programação de modificação de comportamentos-problema para os pacientes DA.

Referências

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Polimorfismo da apolipoprotelna E na doença de Alzheimer tipo tardio: resultados preliminares.
Rev/sfa de Psiquiatria Clinica, 25: 98-103.

230 Ana Lucla Cortegoso


Capítulo 20
O conceito de prevenção para o
behaviorismo radical: em busca
de práticas preventivas de
maior sucesso
A n a C arín a S telko P ereira
A le x a n d re D íttrich

Trabalhos preventivos propiciam resultados mais positivos em longo prazo e


menores custos que a remediação (Meio, Silvares & Conte, 2000) e, em uma implantação
de prevenção em larga escala, até resultados mínimos, como porcentagem de sucesso
de cerca de 3%, justificam a execução da prevenção (Hovell, Kaplan & Hovell, 1991) -
contudo, o tema prevenção recebe pouca atenção. Nem mesmo está evidente o que se
considera prevenção, e qual é a definição que propicia facilidades para a construção,
implementação e avaliação de práticas preventivas.
Conforme apontam Hovell e cols. (1991), a definição de prevenção utilizada
pode influenciar a taxa de práticas reconhecidas, dificultando uma estimativa real das
intervenções eficazes. Em acréscimo, Fawcett e cols. (1988) afirmam que a formulação,
a adoção e a implementação de políticas públicas se apoiam, pelo menos em parte, em
conceituações particulares do comportamento humano. Assim, as dúvidas, as respostas,
as responsabilidades e as técnicas em relação à criação e execução de políticas públicas
serão melhor entendidas e efetivadas a partir da conceituação do comportamento
humano. Portanto, a conceituação comportamental deve ser a linha mestra para a
definição dos compromissos das políticas públicas e dos limites de implantação dessas
(Fawcett e cols, 1988). Desse modo, busca-se no presente trabalho realizar uma
definição de prevenção a partir da perspectiva behaviorista radical.
Para tanto, inicialmente, apresenta-se os conceitos de prevenção mais
freqüentemente utilizados em pesquisas científicas, fazendo uma análise dos mesmos
pelo referencial behaviorista radical. Depois, descrevesse sucintamente algumas das
dificuldades e alternativas para o engajamento de três personagens importantes para a
realização de prevenção: clientes, profissionais e cientistas. Em seguida, são analisadas
as interações entre esses personagens, utilizando conceitos de Skinner (a respeito de
comportamento em grupo e práticas culturais). Por fim, propõe-se um conceito de
prevenção que contemple a complexidade dòs aspectos abordados.

Sobre Comportamento e Cognição 231


Definições de prevenção:
Diversos autores não behav/oristas propõem conceitos variados de prevenção.
Coie e cols. (1993), por exemplo, definem como principal objetivo da ciência preventiva
a evitação e a diminuição das maiores disfunções humanas. O principaí fator
determinante para a consecução dessa meta é a eliminação ou diminuição das causas
das desordens. Portanto, para os autores, o esforço da prevenção ocorre, por definição,
antes da manifestação da doença. Assim, a pesquisa preventiva se focaliza primeiramente
no estudo sistemático de precursores de doenças e de saúde, denominados fatores de
risco e fatores de proteção, respectivamente. Dessa forma, as intervenções preventivas
focalizanvse em diminuir os fatores de risco e em aumentar os fatores de proteção.
Existem diversos aspectos desses fatores que devem ser investigados para se realizar
práticas preventivas. Segundo os autores, deve-se notar a respeito dos fatores de risco:
1.Formas específicas de desordens clínicas estão geralmente associadas a variados
fatores de risco e raramente a um único fator.
2.Alguns fatores de risco só predizem disfunções em períodos determinados do
desenvolvimento humano, enquanto outros são preditores de distúrbios ao longo de
qualquer período do ciclo vital.
3.Os fatores de risco têm efeito acumulativo na probabilidade de aparecimento de
disfunções, de acordo com a quantidade e a “toxicidade" dos mesmos.
4.Desordens clínicas diferentes podem ter fatores de risco em comum.
A respeito dos fatores de proteção, segundo Coie e cols. (1993), deve-se notar que:
1.0s fatores de proteção podem interatuar com os fatores de risco, diminuindo os
efeitos destes últimos.
2.0s fatores de proteção podem rompera cadeia dos fatores de risco que levam às disfunções.
3.Os fatores de proteção podem prevenir a ocorrência de fatores de risco.
Winett, Moore e Anderson (1991), autores behavioristas radicais, diferentemente
de Coie e cols. (1993), supõem que a prevenção pode existir quando já há manifestação
de doença. Os autores fazem referência a dois tipos de prevenção: a primária e a
secundária. A primária tem como objetivo reduzir a incidência de uma doença ou desordem
na população e é, por isso, geralmente, baseada em dados populacionais. Na prevenção
primária, há uma expectativa de modestas alterações comportamentais no plano individual,
pois os fatores usualmente associados com um maior grau de mudança não podem ser
maximizados em esforços de larga escala. A prevenção secundária propõe o tratamento
de pessoas que manifestaram sintomas de desordens ou de pessoas em alto grau de
risco para o desenvolvimento de doenças. Este tipo de prevenção, comumente, recebe
um tratamento de estratégia clínica e as expectativas de mudanças de comportamentos
no plano individual são consideráveis, porque as intervenções são usualmente intensivas.
A dificuldade é que, segundo os autores, a prevenção secundária é cara, e não pode ser
aplicada em larga escala, limitando os efeitos em termos populacionais.
A World Health Organization (WHO, 2001), ao elaborar um documento sobre
prevenção e promoção em “saúde mental", aponta algumas definições de prevenção.
Apesar de elas terem sido investigadas para este campo específico, são relevantes e
comumente utilizadas, em nossa opinião, para outras áreas preventivas.
Uma das definições organiza a prevenção em três grupos: prevenção primária,
secundária e terciária. Vale ressaltar que as duas primeiras são diferentes das
tnencionadas por Winett e cols. (1991). A primária se divide em três, de acordo com o

232 An» Carina Sietko Peretra e Alenandre üittrich


púb/ico-aivo a que se dirige: a) para toda uma população, b) para um grupo que tem
maior risco de contrair uma doença do que a'população em geral, c) para pessoas que
já foram identificadas como em alta probabilidade de contrair uma doença. A secundária
é aquela que busca reduzir a prevalência de uma doença e a terciária busca reduzir os
prejuízos de uma enfermidade ou a re-ocorrência dela.
Outra definição apresentada pefa WHO. (2001) considera que a prevenção é a
atuação em fatores de risco, sendo tal jntervénção realizada em períodos limitados de
tempo. Caso a doença se instale, a ação visà diminuir a severidade, o curso e duração da
doença. Ainda de acordo com a WHO (2001), a prevenção é a evitação de doença, mas deve
estar atrelada à promoção de saúde e bem-estar. A Organização afirma, ao investigar as
desordens psicológicas, que além de fatores individuais como comportamentos e estilos
de vida, estão envolvidos fatores sociais, como condição financeira, educacional, sanitária
e de trabalho. Atuar nos -fatores sociais é promover saúde, o que contribui para a prevenção.
Kellam e Langevin (2003) realizaram uma pesquisa na qual foram entrevistados
trinta e um pesquisadores de destàque que atuam na temática prevenção. Os
participantes mencionaram quatro estratégias de ação nessa área. Uma se direciona a '
indivíduos, outra compreende pequenos contextos sociais - como família e um grupo
de estudantes da mesma classe. Uma terceira aborda cidades e estados e a última
engloba todo um país. Portanto, percebemos semelhanças entre a perspectiva apontada
pela WHO (2001) e a da pesquisa dos autores, pois ambos ampliam a prevenção para
outros campos de atuação, além do individual.
Fredrickson (2000) acredita que a prevenção das doenças mentais deve
contemplar as emoções. Para a autora, existem emoções positivas e negativas, sendo
que as primeiras são responsáveis pela saúde, enquanto as últimas pelas doenças.
Através de emoções positivas, o indivíduo é capaz de desenvolver novos modos de
pensar e habilidades de enfrentamento.
A concepção de Fredrickson (2000) não se sustenta para o behaviorismo radical.
Para este, emoções são respostas comportamentais, sendo explicadas por meio de
relações comportamentais descritas por contingências de reforço - e não são, portanto,
capazes de criar novos repertórios comportamentais. Para Skinner (2003/1953), “Não é
de qualquer auxílio, na solução de um problema prático, dizer-se que algum aspecto do
comportamento do homem se deve à frustração ou à ansiedade; precisamos também
saber como a frustração ou a ansiedade foi induzida e como pode ser alterada” (p. 184).
Berlinguer (1994) apresenta algumas reflexões originais a respeito da prevenção.
Segundo o autor, existem equívocos comuns quando se discorre a respeito do tema: 1)
Prevenir se opõe à cura, como se ao se realizar prevenção não se estivesse curando; 2)
Discorre-se freqüentemente sobre o valor da prevenção, mas não há incentivos
condizentes com essa declaração: “Os governos das nações desenvolvidas dedicam a
este fim não mais que 3 a 6% da despesa sanitária, e os das nações menos
desenvolvidas uma alíquota muito menor”; 3) Prevenir custa sempre menos do que
remediar. O autor exemplifica afirmando que é possível prevenir muitas doenças, mas
não a velhice, a qual é o período no qual mais ocorrem despesas com medicamentos;
4) Um quarto equívoco é acreditar que prevenir sempre atenua sofrimentos. “Por meio
da autópsia de pessoas com mais de 50 anos, mortas por diversas causas, verificou-
se que quase um terço tinha carcinoma prostático latente e ainda inócuo.’’ O pesquisador
afirma que o diagnóstico destes casos,e a operação cirúrgica que teria sidó realizada
poderiam ser prejudiciais pelo risco, pelas seqüelas da intervenção, pelos efeitos
psicológicos de saber-se canceroso e pelos custos financeiros do atendimento.

/
Sobre Comportamento e Cognição 233
Apesar dessas colocações, o autor expõe princípios éticos que justificariam a
prevenção: a) virtude antecipatória - "capacidade de intervir com a finalidade de evitar
um dano”, “um sim à vida.”; b) universalidade - a prevenção permite um direito igualitário
em relação à saúde, tendo um potencial maior nesse aspecto do que os serviços
diagnósticos e curativos. No caso da vacinação coletiva, permite uma indiferenciação
entre classes sociais no acesso à saúde; c) princípio de atenuação de conflitos - os
profissionais da saúde muitas vezes lucram e recebem reconhecimento através do
sofrimento e da doença, ao buscar resolvê-los. Quando práticas preventivas são
realizadas, reduz-se essa percepção acerca do valor do trabalho desses profissionais.
Além de Winett e cols. (1991), outros autores fundamentados pela filosofia
behaviorísta radical também apresentam comentários importantes sobre o lema da
prevenção . Zamberlan, Freitas, Fukahori e Novais (2003) afirmam que a prevenção
consiste na análise e contextualização dos processos de mudança pelo qual um
organismo passa e promoção de repertórios comportamentais adequados para interagir
com o ambiente. Para August, Egan, Realmuto e Hektner (2003), a prevenção depende
de fatores individuais. As práticas preventivas devem levar em conta tais fatores para
que haja acréscimo de ganhos aos programas preventivos. Já Inesta (1990) afirma que,
ao realizar prevenção, o psicólogo clínico deve levar o cliente a:
1.saber o que deve fazer;
2.saber como fazer;
3.saber porque tem que fazer;
4.saber como reconhecer a oportunidade de fazer algo ou não;
õ.saber fazer outras coisas em situações de risco ou fazer o mesmo de outra maneira.
Tais ações envolvem, de uma perspectiva analítico-com portam ental,
discriminação de estímulos, treinos comportamentais e operações estabelecedoras.
Além disso, Inesta (1990) afirma que o “saber” não se refere à disponibilidade das
informações em si mesma, pois estas devem estar vinculadas a uma prática de
reconhecimento das condições ambientais, ao exercício dos comportamentos
implicados e do contato com os efeitos dessas ações, pois, caso o contrário, não há
impacto no comportamento futuro de um indivíduo.
Hovell e cols. (1991) acrescentam que os modelos cognitivos de prevenção
desviam a atenção dos determinantes mais relevantes para a modificação de
comportamentos. Esses determinantes estariam baseados na análise funcional do
comportamento, sendo extremamente importante a investigação de contingências, de
esquemas de reforçamento e de controle de estímulos. Em acréscimo, Ingberman
(2001) propõe: “devem se criar contingências para que o saber torne-se um poder
fazer”.
Percebe-se, portanto, que não há uma definição única para prevenção. Como
são poucos os indivíduos que se envolvem com a prevenção, pode-se supor necessária
uma definição mais coesa, que contemple aspectos que favoreçam a realização de
práticas preventivas.

D ificuldades e alternativas para o engajamento de personagens


importantes à prevenção
Para realização de prevenção, de modo sistemático, devem existir no mínimo,
três personagens: os clientes, os profissionais e os cientistas. Clientes são os indivíduos

234 A na Carina Slriko Pereira e Alexandre Ditt-rich


aos quais os profissionais propõem, por diversos meios, alterações comportamentais
que visem à manutenção da saúde. Os conhecimentos utilizados peto profissional, por
sua vez, derivam, sobretudo, do trabalho de cientistas que realizam pesquisas no campo
da prevenção. Obviamente, uma mesma pessoa pode desempenhar o papel de cientista
e de profissional.
Um importante fato a ser notado é que existem contingências responsáveis
pela baixa freqüência de comportamentos em prol da prevenção nos campos onde ela
é aplicável, mas que também pode-se criar contingências que aumentem tal freqüência.
A seguir, faz-se uma breve explicitação de ambas.
Dentre as contingências dificultadoras para o engajamento dos clientes em
práticas preventivas, nota-se, inicialmente, que existem reforços de curta duração
produzidos por meio de comportamentos de risco, e os reforços a comportamentos
preventivos ocorrem, geralmente, com atraso (Sopena, 1991). Além disso, a
participação em programas preventivos consome tempo, que poderia ser utilizado
para a realização de comportamentos consequenciados com reforços não relacionados
diretamente como a participação em programas. Por fim, tal participação pode
demandar custos financeiros, como para a locomoção até o local da intervenção. Já
algumas contingências facititadoras para o engajamento dos clientes em práticas
preventivas são: a utilização de princípios da seleção do comportamento de forma
sistemática e explícita (Biglan, 2003) e princípios de adaptação de program as
preventivos (Collins, Murphy & Bierman, 2004). Estes últimos incentivam que haja a
definição de características que diferenciam certos clientes de outros e as quais
podem alterar o sucesso da intervenção, e também orientam a formulação de diretrizes
de ação para casos em que se perceba que clientes possuem tais características.
Um exemplo é um programa preveetivo de desordens de conduta em crianças de
risco que perceba as diferenças entre uma fam ília com muitos conflitos como
depressão materna e brigas freqüentes entre pais e crianças e uma família que não
tem o mesmo tipo de problema. Para a primeira, seria preciso m uitas visita s
domiciliares já para a segunda a mesma quantidade de visitas poderia desenvolver
dependência na resolução de problemas diários, estigmatizar os participantes e causar
a sensação de intromissão. Assim o programa deve prever adaptações de acordo
com as características dos participantes. Também se faz necessária a investigação
de maneiras para flexibilizar os horários e datas das intervenções e minimizar o período
de tempo de participação dos clientes aos programas (Spoth & Redmond, 2002). Em
Pereira e Dittrich (2007) descrevem-se várias contingências que se relacionam ao
engajamento de clientes.
A respeito das contingências d ific u lta d o ra s para o e n g a ja m e n to de
profissionais, pode-se afirmar que a formação acadêmica, geralmente, proporciona
mais reforçamento aos alunos por curar/resolver problemas do que por prevenir,
conform e apontam H ovell e cols. (1991) em uma pesquisa que a n a lis a os
atendimentos médicos nos Estados Unidos e busca descobrir porque são poucos os
serviços preventivos prestados. Além disso, o status social na intervenção curativa é
mais facilmente alcançado, pois é mais evidente a relação entre a intervenção curativa
e a melhora do cliente, enquanto é difícil a percepção do cliente da relação entre a
intervenção preventiva proposta e a manutenção da saúde (Hovell e cols., 1991).
Também os ganhos financeiros com a prevenção, quando comparados aos ganhos
com as práticas curativas ou remediativas, são menores (Hovell e cols., 1991). Dentre
as contingências que facilitariam o engajamento de profissionais, uma delas seria
realizar mudanças na forma de .contratação de funcionários, no modo de funcionamento

Sobre Comportamento e Cognição 235


de instituições e nos sistemas já existentes. A mudança no mercado de trabalho faria
com que houvesse uma reformulação nos cursos de graduação e de pós-graduação.
O que muitas pesquisas apontam, segundo Biglan (2003), é que para que se adote
um programa preventivo em uma organização, as pessoas nessa organização devem
ter atitudes favoráveis em relação a essa prática. No entanto, na opinião do autor, não
se deve esperar que as organizações contratem profissionais favoráveis à prevenção.
É necessário demandar que os recursos disponibilizados pelas agências públicas
para as empresas sejam contingentes à utilização das práticas preventivas disponíveis,
inclusive da avaliação continuada de seus efeitos. Para aumentar o status social do *
profissional, é necessária maior mensuração do valor das práticas preventivas e
divulgação deste. Sem o conhecimento detalhado de quanto a prevenção é benéfica,
é difícil valorizá-la e conceder o devido reconhecimento aos profissionais que a
praticam.
Sobre as contingências dificultadoras ao engajamento de pesquisadores, uma
defas é a grande complexidade da ciência preventiva, para a qual Coie e cols. (1993)
definem cinco princípios difíceis de serem alcançados. O primeiro é a necessidade dos
pesquisadores especificarem qual é a cadeia de efeitos das intervenções preventivas
específicas. Depois, devem perceber se estas influenciam nos fatores de risco e proteção.
De acordo com tal princípio, pode-se testar a eficácia das intervenções e a geração de
hipóteses acerca das etiologias das desordens. O segundo princípio da ciência
preventiva é a obrigatoriedade das intervenções preventivas ocorrerem anteriormente
ao estabelecimento da disfunção, de forma que a evite ou postergue a sua ocorrência.
O terceiro é a realização da prevenção prioritariamente direcionada àqueles que estão
em risco. Segundo os autores, geralmente, os indivíduos que estão em risco são os
mais difíceis de serem atingidos por programas preventivos convencionais, sendo
necessário desempenhar esforços adicionais para a inclusão deles nos programas. O
quarto princípio da ciência preventiva é o imperativo de atender às diversas demandas
do prevenir, em diferentes contextos ou momentos. Assim, as estratégias preventivas
são melhores quando comportam múltiplos componentes nas suas intervenções. O
quinto e último principio referido é a íntima relação entre teoria do desenvolvimento e a
ciência preventiva, sendo que alguns temas da primeira são essenciais para a segunda.
Esses temas são, de acordo com os autores: 1) investigações longitudinais para o
conhecimento das causas das psicopatologias e o curso das mesmas; 2) estudos das
interações entre indivíduo e ambiente, considerando que indivíduos podem variar em
suas respostas a um mesmo ambiente, ou podem ter respostas similares para
ambientes diversos; 3) pesquisas acerca das influências das normas culturais, crenças
e práticas sociais na etiologia e no curso de disfunções; 4) investigações do
desenvolvimento, atentando aos vários ambientes no qual um indivíduo se insere; e, 5)
compreensão dos mecanismos biológicos e sociais para o desenvolvimento do sujeito.
Assim, exige-se um repertório comportamental bastante amplo por parte do pesquisador,
e taxas de comportamentos bastante altas para a consecução do objetivo (realização de
práticas preventivas), bem como verificar-se um intervalo de tempo extenso entre a
resposta e o reforço (conclusão do trabalho). Uma outra dificuldade se refere à
necessidade de mais recursos para a realização de pesquisas preventivas e pouca
valorização do trabalho do pesquisador, o que, em parte, deve-se à dificuldade em
implantar efetivamente os programas construídos.
Dentre as contingências que facilitariam o engajamento de pesquisadores, uma
delas é o aumento de treinamento de pesquisadores nessa área, possibilitando
capacidade de divisão de tarefas entre estudiosos, de realização de pesquisas melhor
estruturadas e de redução do intervalo de tempo necessário para a investigação de um

A na Cariiiâ SteQco Pereira c Alexandre Dittrich


problema, Para Biglan (2004), ao pesquisar prevenção, deve-se buscar alcançar uma
sociedade com um sistema de maior sucesso em monitorar possíveis problemas e
propor atividades preventivas, as quais, progressivamente, reduzirão a prevalência de
problemas alvo em populações definidas. Assim, é possível avaliaras pesquisas realizadas
a partir desse objetivo primordial. Para ilustrar o desvio desse objetivo principal, o autor
cita pesquisas preventivas a escolares que, apesar de possuírem sólido apoio empírico,
ainda são pouco aplicadas. Diante disso, o autor propõe que deve-se primeiramente
identificar os fatores que influenciam professores, escotas e distritos a adotar, implementar
e manter programas preventivos científicos. Além disso, afirma que é fácil encontrar
programas embasados empiricamente e políticas a serem seguidas. No entanto, é mais
difícil achar conceitos bem definidos sobre organizações e comunidades, nos quais se
impfementem tais intervenções (Bigian e Taylor, 2000 citados por Biglan, 2004), Dessa
maneira, há um questionamento sobre quais seriam os programas que na prática podem
ser implementados e mantidos, bem como quais são as ações para realizar tal proposta.
O avanço dos estudos sobre o tema é primordial. Estudos da prevenção mais direcionados
a formas de implantação e manutenção de programas, poderiam ser facilitadores para
que se conseguisse maior valorização social aos pesquisadores, já que se perceberia
de modo mais evidente a utilidade das pesquisas realizadas.
Conclui-se, portanto, pela análise dessas contingências, que as conseqüências
mais imediatas e mantenedoras dos comportamentos preventivos ou não-preventivos de
clientes, profissionais e pesquisadores não coincidem com os objetivos de longo prazo
das práticas preventivas. O profissional, por exemplo, irá atuar com prevenção devido às
conseqüências financeiras e de status de curto prazo que podem ser produzidas, sendo
que a manutenção de tal comportamento não depende direta e exclusivamente dos efeitos
de longo prazo da prevenção (conservação da saúde de uma população, por exemplo).

Interações entre os personagens da prevenção


Os comportamentos de cada personagem da prevenção (cliente, profissional,
pesquisador) são ambientes para o comportamento de outros personagens. Há uma
interdependência dos comportamentos dos clientes, dos profissionais e dos
pesquisadores. É possível supor, com alguma segurança, que existindo clientes
interessados em prevenção, mais profissionais irão se dispor a estudar intervenções
preventivas e, por conseqüência, mais pesquisadores buscarão realizar pesquisas na
área. Mas também é possível dizer que havendo mais pesquisas na área, os profissionais
poderão ter mais facilidades em conhecer intervenções preventivas e buscarão divulgar a
importância dessas práticas nas comunidades, gerando demanda por parte dos clientes.
Existindo mais profissionais que busquem atuar com prevenção, mais problemas de
pesquisa surgirão, o que incentivará o desenvolvimento de investigações. Tais investigações
produzirão o efeito de criação de melhores programas, estimulando a participação de clientes.
Percebe-se, desse modo, que as alterações no engajamento, seja de clientes,
profissionais ou pesquisadores, tendem a provocar mudanças para as outras classes
de indivíduos envolvidos nas práticas preventivas. Portanto, os comportamentos dos
três grupos estão intimamente relacionados, sendo que a modificação de contingências
para um deles alterará os comportamentos desse grupo e dos outros relacionados. A
Figura 01 ilustra as possíveis relações entre os com portam entos de clientes,
profissionais e pesquisadores no sentado de estimular as práticas preventivas;

Sobre Comportamento e Cognição 237


0 pesquisador
ir'

Fig. 1; Possíveis relações entre os comportamentos de clientes, profissionais e


pesquisadores a fim de incentivar práticas preventivas.

Um outro aspecto de importância é que, para a manutenção dos benefícios


individuais dos personagens, é necessária a união de pessoas em grupos. Skinner
(2003/1953, p. 341) afirma que "O indivíduo se juntando ao grupo aumenta seu poder de
conseguir reforço". Declara, além disso, que “As conseqüências reforçadoras geradas
pelo grupo excedem facilmente os totais das conseqüências que poderiam ser
conseguidas pelos membros se agissem separadamente" (Skinner, 2003/1953, p. 341).
Para que o profissional possa continuar a receber reforçadores por seus
comportamentos preventivos, ele deve garantir que a prevenção seja valorizada socialmente
e que exista uma divulgação da efetividade das práticas preventivas. Caso o contrário, não
existirão clientes interessados. A conquista desses aspectos depende de um trabalho
conjunto de diversos profissionais, os quais defenderão as contingências que garantem as
conseqüências reforçadoras da atuação para a prevenção. Tal defesa deverá ser feita em
relação a outros grupos sociais, entre eles, os pesquisadores e clientes.
Os pesquisadores, por outro modo, também necessitarão criar associações e
órgãos que busquem manter as contingências que propiciam conseqüências
positivamente reforçadoras. ao comportamento de investigar a prevenção. Nos Estados
Unidos, já existem organizações de pesquisadores, (The Society for Prevention Research
- SPR, Earty Career Preventíonists NetWork - ECPN), as quais promovem ações que
beneficiam a pesquisa da prevenção e seus autores.

238 An» C irin a Stelko Pereira e A lcxandrt D ittridi


Os clientes podem se unir e protestar por melhores condições de atendimento à
saúde, direcionando seus protestos a governos e empresas privadas. Em tais
reivindicações, via de regra, desejam auxilio-doença, licença para o tratamento de saúde,
aposentadoria por invalidez, o custeamento dos serviços curativos e dos medicamentos
utilizados, etc. Ao exigir tratamento, os clientes propiciam contingências para que se
aumente a discriminação por parte de profissionais, pesquisadores, governos e empresas
da necessidade de se reduzir custos, realizando prevenção, mesmo que, muitas vezes,
apenas se criem condições para que os governos e empresas sejam negativamente
reforçados, simplesmente por continuar com as práticas exclusivamente curativas. Existem
inúmeros grupos de clientes BrasiJ afora -como exemplos no campo da saúde, podemos
citar a Associação Brasileira de Apoio aos Pacientes de Câncer (ABRAPAC) e Associação
Auxílio de Crianças Portadoras de HIV (AACP). Vale notar que em abril de 2007 ocorreu o
2° Encontro Nacional de ONGs e Associações de Pacientes Saúde Brasil. Desse encontro,
participaram 40 organizações e associações que discutiram vários temas, entre estes o
direito à saúde e o acesso a medicamentos. Assim como ocorre na área da saúde,
percebemos que acontece o mesmo em outros campos. Há organizações de clientes
que sofreram dè violência, (Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência,
www.redecontraviolencia.org), que protestam contra a devastação ambiental, (Green
Peace-Brasil, www.greenpeace.orq.br: Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais
Silvestres, RENCTAS, www.re neta s.ora.br'1 etc.
Ao se integrar a um grupo, o indivíduo também está sujeito ao controle por parte
de outros membros. Conforme aponta Skinner (2003/1953):
O efeito do controle do grupo entra em conflito com o forte comportamento
primariamente reforçado do indivíduo. Restringiu-se o comportamento egoísta, e o
altruísmo é encorajado. Mas o indivíduo iucra com esses procedimentos porque é
parte do grupo controlador com respeito a cada outro indivíduo. Pode estar sujeito ao
controle, mas se empenha em procedimentos semelhantes no controle do
comportamento de outros. Esse sistema pode alcançar um “estado estável” no qual
as vantagens e desvantagens do indivíduo chegam a um ponto de equilíbrio, (p. 357)
Pressupomos que além desse equilíbrio entre indivíduos de um mesmo grupo,
também há um equilíbrio de forças entre os diferentes grupos de personagens envolvidos
em práticas preventivas. Esse se refere a uma manutenção de conseqüências positivas
em um grau aceitável para todas. Um exemplo é que o comportamento dos pesquisadores
pode ser controlado apenas pelas conseqüências imediatas de seus comportamentos, as
quais não necessariamente se relacionam às conseqüências de longo prazo - neste caso,
a prevenção de problemas. Assim, podem realizar pesquisas de pouco resultado preventivo,
mas continuarão a receber por estas. Os profissionais e clientes serão prejudicados com
essas ações. Os profissionais não terão resultados com as práticas preventivas que foram
desenvolvidas por estes estudiosos e, com isso, terão poucos clientes. Esses, por sua vez,
não serão beneficiados pela prevenção de problemas e pedirão à sociedade assistência,
o que, possivelmente, resultará em maior cobrança de pesquisas com capacidade de
auxiliar na evitação de problemas e em menor status aos pesquisadores da prevenção. Por
conseguinte, supõe-se que, para garantir as conseqüências reforçadoras positivas imediatas
do pesquisar, os pesquisadores também deverão se ocupar em propiciar contingências
favoráveis aos outros grupos, caso contrário estes não apoiarão a realização de pesquiças
no campo da prevenção. Então, pode-se dizer que os comportamentos de clientes,
profissionais e pesquisadores são determinados por conseqüências de curto prazo, mas
estes podem produzir efeitos remotos - ou seja, os resultados da prevenção. Portanto, para

Sobre Comportamento e Cognição 239


aumentar os comportamentos preventivos, é necessário criar contingências de curto prazo
nas quais os efeitos em longo prazo estejam previstos.
Percebemos que cada classe de indivíduos deve integrar-se às demais para
assegurar o reforçamento de seus comportamentos ligados à prevenção. E unidas deverão
defender perante os outros grupos a sua importância. Nessa defesa, deverão mencionar
e mostrar dados que revelem a conseqüência mais remota de seus comportamentos, ou
seja, a evitação de problemas (preservação da saúde, do meio ambiente, etc.).
Na Figura 02, ilustra-se possibilidades do processo de unir-se a um grupo e o
equilíbrio de forças entre os grupos.

Fig. 02. Possibilidades do processo de integração do individuo a um grupo


e das relações entre grupos no campo da prevenção.
As classes de indivíduos envolvidas em práticas preventivas que citamos neste
trabalho não são, certamente, as únicas que podem participar delas. Há também grupos
políticos, religiosos, de educadores, etc. Todos esses grupos têm suas práticas próprias
mas também participam de uma cultura comum. Nessa, compartilham um sistema
econômico, um idioma, leis constitucionais e valores.
Skinner (2003/1974, p.173) propõe uma definição de cultura como sendo ".(..) um
conjunto de contingências de reforço mantidos por um grupo (...)". A cultura tem “(...) uma
condição física bem definida; uma existência contínua para além das vidas dos membros do
grupo' (.,.)". Para se descrever uma cultura, segundo o autor, deve-se enumerar suas várias
práticas Essas práticas podem ser adaptativas ou desadaptativas. Skinner (2000/1971) afirma:
Uma nova prática pode enfraquecer uma cultura (por exemplo, conduzindo a um
consumo supérfluo de recursos ou debilitando a saúde de seus membros) ou
fortalecê-la (ajudando os seus membros, por exemplo, a utilizar os recursos
naturais de uma maneira mais eficaz ou a melhorar a sua saúde), (p.107)

240 Ana C írin a Stelko Poeita e Aterandfe D ittrkh


As novas práticas podem surgir através de planejamento, como por leis, ou por
razões inteiramente acidentais, como reações após desastres da natureza. No entanto,
o autor (Skinner, 2000/1971, p. 112) defende que “tem mais probabilidade de sobreviver
aquela cultura que, por qualquer razão, induza os seus membros a trabalhar para a
sobrevivência dessa cultura ou de algumas das suas práticas”.
O autor afirma que a esses membros será necessário antever dificuldades
com as quais a cultura se deparará, Tal previsão deve ser feita a partir da realidade
atual. Skinner (2000/1971) exemplifica:
... basta-nos observar o aumento constante da população da Terra, das proporções
e localização dos arsenais nucleares ou ainda da poluição do ambiente e do
esgotamento dos recursos naturais. Nesta conformidade, podemos m odificar
determinadas práticas a fim de induzir as pessoas a ter menos filhos, gastar
menos em armas nucleares, deixar de poluir o ambiente e moderar o consumo dos
recursos naturais, (p. 126}
Rumph, Ninness, McCulíer e Ninness (2005) parafraseiam Skinner (1982) da
seguinte forma: “Eventos futuros não agem diretamente no nosso comportamento e
nós também não podemos agir diretamente nos eventos futuros. Assim, o nosso
comportamento está no presente e, necessariamente, apenas podemos alterar os
eventos atuais os quais, por conseguinte, afetarão eventos subseqüentes".
Do mesmo modo que um indivíduo pode trabalhar para a manutenção de uma
cultura, também está exposto a ela, o que determina decisivamente seu comportamento.
Portanto, uma análise da cultura e dos comportamentos individuais, para a sobrevivência
da mesma, deve estar compreendida no conceito de prevenção.
Assim, havendo problemas importantes os quais a nossa cultura enfrenta ou
deverá enfrentar, percebe-se que o conceito de prevenção deve ser ampliado. Ao se buscar
soluções a fim de evitar problemas futuros ou o agravamento de problemas já existentes,
os behavioristas radicais e os pesquisadores, devem estar comprometidos com a prevenção
dos problemas e não com outras instituições, como governos, religiões, grupos corporativos,
políticos, etc. Rumph e cols. (2005) afirmam que as preocupações de Skinner na década de
80, a respeito das práticas da humanidade, permanecem nos dias atuais como problemas
sociais. Os autores apontam que o principal motivo para que não tenham ocorrido mudanças
seja a falta de organizações, exclusivamente, comprometidas com um futuro melhor. Esses
autores perguntam: “Quais ciências comportamentais ( behavioral Sciences)
reconhecidamente têm algo de valor a oferecer? Seriam os analistas do comportamento,
incluídos em um esforço unificado de pesquisadores descom prom issados?” Tal
neutralidade se refere a preocupar-se apenas com a sobrevivência cultural e não com
governos, organizações e políticos. Acreditamos que essas indagações estimulam a
percepção e adoção de um novo conceito de prevenção. Não devemos nos contentar com
a postura de que prevenir é trabalhar com indivíduos, ou no máximo, com pequenos grupos.
É preciso ter um olhar mais abrangente, no qual seja possível propor mudanças amplas,
mesmo que a contragosto de determinados grupos e instituições,

Q ual c o n c e ito de p re v e n ç ã o e n g lo b a ria a tr a n s p o s iç ã o d a s


dificuldades?
Ao se resumir as definições mais comumente utilizadas, notamos que etas não
são instrumento para contemplar todas as variáveis ligadas ao prevenir. Essas definições
se caracterizam por a) destacar o papel do cliente, esquecendo dos outros personagens,
b) conceder muita atenção às doenças e fatores individuais predisponentes e c) em

/ Sobre Comportamento c Cognição 241


alguns casos, apontar aspectos sociais e propor níveis de intervenção maiores, como em
estados e pa/ses. Percebe-se que, nessas definições: 1) a importância de profissionais
e pesquisadores é negligenciada, 2) a relação dos personagens com o ambiente e com
a cultura da qual participam não recebe o devido destaque, 3) a análise das conseqüências
da prevenção para a sobrevivência das culturas é inteiramente esquecida.
Portanto, propomos um conceito no qual devam constar, no mínimo, os três
principais personagens que atuam no contexto da prevenção. Além disso, as relações
entre os três personagens e a união deles em grupos devem ser integradas ao conceito.
Por fim, a interferência da cultura sobre os comportamentos dos sujeitos e as
conseqüências das práticas propostas para a sobrevivência dela também fazem parte
de um conceito de prevenção que busque práticas de maior sucesso.
Buscando uma síntese do conceito em uma única frase, podemos dizer que a
prevenção define-se por interações complexas entre os comportamentos de vários
personagens - sobretudo, clientes, profissionais e pesquisadores -, os quais, ao buscarem
produzir, por diversos meios, conseqüências reforçadoras imediatas, promovem no longo
prazo a manutenção de estados benéficos para indivíduos, grupos e culturas.

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Sobre Comportamento c Cognição 243


Capítulo 21
Protocolo de Psicologia no
setor de cirurgia bariátrica
Liana Rosa Elias
Daníely Ildegardes Brílo Tatmatsu

Introdução
Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde, no mundo, há mais
de um bilhão de adultos com excesso de peso. Destes, pelo menos 300 milhões são
obesos. Um novo estudo dos Centros para o Controle e a Prevenção de Doenças (CDC)
indica que as mortes ocasionadas pela má alimentação e a falta de exercício aumentaram
33% durante a última década, e, cedo, poderiam superar o tabagismo como a principal
causa de morte prevenível. (OPAS, 2003)
A obesidade e o excesso de peso são fatores de risco relevantes para o
surgimento de doenças crônicas, como diabete tipo 2, cardiopatias, hipertensão,
acidentes vasculares cerebrais e certos tipos de câncer. (OPAS, 2003)
No Brasil, a obesidade já é considerada um problema de saúde pública. Têm-
se mais obesos do que desnutridos em nosso país. (Heller, 2004)
Estima-se que de 2% a 8% dos gastos em tratamentos de saúde em vários
países do mundo sejam destinados à obesidade. No Brasil, Monteiro e cols. realizaram
um estudo comparando 3 avaliações transversais de base populacional nos anos de
1975, 1989 e 1996. Estes autores descreveram um aumento na velocidade de
crescimento da obesidade no nosso país.
A obesidade é vista atualmente como um dos problemas de saúde pública mais
preocupantes, devido ao seu crescente aumento e as graves conseqüências que pode
acarretar. Trata-se de um fenômeno multifatorial que envolve componentes genéticos,
comportamentais, psicológicos, sociais, metabólicos e endócrinos. (Bjòmtorp, 2003).
O tratamento cirúrgico da obesidade (cirurgia bariátrica) é um recurso utilizado
nos casos da obesidade mórbida e/ou comorbidades associadas.
De acordo com a Portaria N° 628 de 26 de abril de 2001, do Ministério da Saúde, e da
Resolução N° 1.766/05, de 11 de julho de 2005, do Conselho Federal de Medicina os pacientes
que forem se submeter à cirurgia bariátrica devem dispor de acompanhamento psicológico.
São candidatos para o tratamento cirúrgico (cirurgia bariátrica) os pacientes
com IMC maior que 40 Kg/m2ou com IMC maior que 35 Kg/m2 associado a comorbidades

244 Lim a Rosa Elias c DanieLy ildegardes Brtto Yatmatsu


(hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes tipo 2, apnéia do sono, entre outras). A
seleção de pacientes requer um tempo mínimo de 5 anos dè evolução da obesidade e
história de falência do tratamento convencional realizado por profissionais qualificados,
inclusive psicoterapia. A cirurgia estaria contra-indicada pacientes com pneumopatias
graves, insuficiência renal, lesão acentuada do miocárdio e cirrose hepática. Embora a
presença de transtornos depressivos, afetivo bipolgr ou psicótico costumem ser
considerados como contra-indicações para a realização da cirurgia, não há dados ou
fatores preditivos de bom ou mau prognóstico adequadamente estudados e/,ou
comprovados (Segai, 2t)02). De forma geral, utiliza-se o bom senso de liberar o paciente
com transtorno psiquiátrico já estabilizado ou pelo menos tendo iniciado o tratamento
especifico, considerando o risco da própria obesidade mórbida como principal indicador.
Os pacientes com obesidade mórbida devem ser encarados como portadores
de uma doença que ameaça a vida, reduz a qualidade de vida e a auto-estima e que
requerem abordagens eficientes para promover uma redução do peso. Esses pacientes
são candidatos à cirurgia bariátrica (Bjomtorp, 2003).
O papel do psicólogo é o de avaliar se o indivíduo está apto emocionalmente
para a cirurgia e auxilíá-lo quanto à compreensão de todos os aspectos decorrentes do
pré e pós-cirúrgico. Quanto a possíveis contra-indicações psiquiátricas para a cirurgia
antiobesidade, não há consenso na literatura (Segai, 2002).
Diante do exposto, percebemos a necessidade da organização e sistematização
do trabalho psicológico aos pacientes candidatos à cirurgia bariátrica. Sugerimos que o
desenvolvimento e aplicabilidade de um protocolo de psicologia específico é de grande
relevância para um serviço qualificado, na medida em que, oferece critérios claros para
melhor escolha de estratégias terapêuticas, aumenta a eficiência por diminuir tempo e
gastos e, consequentemente produz maior resolutividade.
Esta proposta foi desenvolvida a p a rtir de uma perspectiva A n a lític o -
Comportamental, baseada no Behaviorismo Radical, para o modelo de um Protocolo de
Psicologia que atenda às necessidades dos pacientes portadores da obesidade mórbida.

Relevância da intervenção psicológica


Devemos estar atentos aos comportamentos prévios e habilidades comportamentais
do paciente para que a intervenção cirúrgica, caso ocorra, venha a ser benéfica para o mesmo.
Para tanto, realizamos um levantamento bibliográfico de estudos identificando a prevalência
de transtornos psiquiátricos no pré e pós-cirúrgico, justificando uma atuação voltada às
contingências de reforçamento que controlam o comportamento alimentar dessa população.
Segundo Franques (2003), o período imediatamente após a cirurgia é relatado
pelos cirurgiados como sendo um dos mais difíceis. É a fase de recuperação do ato
cirúrgico, de maior desconforto e de adaptação ao novo plano alimentar. Se junta a tudo
isso a expectativa, a ansiedade e a insegurança desse novo período. No pós-operatório,
as mudanças rápidas que acontecem, tanto relacionadas aos hábitos alimentares, quanto
às mudanças do próprio corpo, acabam exigindo do paciente novos comportamentos que
até então não faziam parte do seu repertório. É neste momento que o trabalho psicológico
é de extrema importância, podendo promover a modelagem de com portamentos
alimentares mais adequados, aderindo de forma mais eficiente ao tratamento.
Segundo Khaodhiar e Blackbijm (2001), pessoas obesas apresentam maiores
níveis de sintom as depressivos, ansiosos, alim entares e de tra n s to rn o s de
personalidade. Porém, a presença de psicopatologia não é necessária para o
aparecimento da obesidade. A presença de psicopatologia é restrita a grupos específicos,

Sobre Comportamento e Cognição 245


tal como acontece em outras doenças crônicas. Assim, algumas psrcopatologias
vulnerabílizam à instauração de respostas de comer excessivamente.
Apesar da avaliação psicológica / psiquiátrica dos pacientes candidatos à cirurgia
bariátrica fazer parte de uma rotina no pré-operatório, ela não deve, entretanto, restringir-
se a um rastreamento de quadros clínicos específicos atuais e pré-existentes.
Observamos, entretanto, um aumento de psicopatologias em pacientes
gravemente obesos (obesidade grau III) que procuram tratamento para emagrecer.
Dentre os diagnósticos psiquiátricos mais freqüentemente observados nestes
pacientes, estão os transtornos do humor e os transtornos do comportamento alimentar
(Fandino etall, 2002). A compulsão alimentarfoi verificada entre 20% a 50% dos pacientes
de programas de redução de peso. (Bernardi, Chichelero e Vitolo, 2005)
Devemos estar atentos, entretanto, para a ocorrência de novos episódios
depressivos que podem aparecer após a cirurgia e necessitar suporte e tratamento
especializados. Halmí e cols. (1980) encontraram uma prevalência aumentada de
transtorno depressivo nesta população, variando entre 29% a 51 %. A compulsão alimentar
periódica (CAP) é um outro quadro clínico freqüentemente encontrado nesía população,
devido a sua associação com a obesidade. Esse quadro é caracterizado por episódios
nos quais ocorre uma ingestão, em um período limitado de tempo (até duas horas), de
quantidade de comida definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria
durante um período similar e em circunstâncias similares, acompanhado de sensação
de perda de controle sobre o comportamento alimentar durante o episódio. Quando
esses episódios ocorrem, pelo menos dois dias na semana, nos últimos seis meses,
associados a alguma característica de perda de controle e não são seguidos de
comportamento compensatório dirigidos à perda de peso, compõe-se um quadro clínico
denominado atualmente de transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP).
Adami e cols. (1995), demonstraram, através de uma avaiiação transversal no
período pré-operatório, que 63% dos pacientes com obesidade grau III apresentavam
CAP, enquanto 43% preenchiam os critérios para TCAP. Estas taxas foram muito maiores
do que daquelas observadas em pacientes sem obesidade grau III.
Apesar de menos freqüentes, outros tipos de transtornos alimentares, como a
bulimia nervosa (BN) e anorexia nervosa (AN), também podem estar presentes. Hsu L
e cols. (1996), ao realizarem um estudo de acompanhamento longitudinal, demonstraram
que, dos 120 pacientes obesos mórbidos avaliados, 58,3% apresentavam algum tipo
de Transtorno Alimentar (37,5% TCAP e 20,8% BN) no período pré-operatório.
A avaliação psicológica pré-operatória é fundamentalmente clínica, mas pode
ser auxiliada utilizando-se testes psicológicos e entrevistas semi-estruturadas. Em alguns
indicadores para avaliação deste procedimento, desaconselha-se operar pacientes que
apresentem "condições médicas que tornem os riscos inaceitáveis ou impeçam a
adaptação pós-operatória, tais como transtornos psiquiátricos ou dependência de álcool
ou drogas" (Garrido, 1998). Para uma boa evolução cirúrgica, o paciente deve estar
habilitado a participar do tratamento e do seguimento de longo prazo. Parece-nos que,
frente ao conhecimento científico acumulado até então, não podemos considerar nenhum
tipo de contra-indicação psiquiátrica absoluta. O bom senso clínico nos conduz, entretanto,
a uma conduta cautelosa em relação a esta situação. Por isso é que a avaliação pré e
pós-operatória é tão importante e deve ser realizado por um profissional experiente e
integrado a uma equipe cirúrgica multidisciplinar (Fandino et al, 2004).
O paciente no período pós-operatório também deve ser avaliado, a intervalos
regulares, para o acompanhamento do seu funcionamento comportamental posterior.

Lian* Rosa Elias < Danwly Ildegardes Brito latmauu


Quatro estudos de seguimento a longo prazo de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica
(Capella, 1996; Mcgregor, 1993; MacLean, 1990; Pories, 1995) reportaram várias
condições psiquiátricas como causas de morte no período pós-operatório, sendo o
suicídio a principal ocorrência. Bonne e co/s, (1996) demonstraram, através do relato de
dois casos, que a AN é um transtorno alimentar que pode ocorrer neste período.
Apesar de numa forma geral encontrarmos nos estudos longitudinais uma
tendência de melhora do funcionamento comporta mental após a cirurgia, alguns
transtornos psiquiátricos podem aparecer neste período. Um estudo de seguimento
realizado com 157 pacientes durante um período de 3 anos após a cirurgia (Waters,
1991) registrou duas mortes relacionadas ao abuso de álcool e três por suicídio. Kodama
e cols. (1998), relataram 3 casos de surgimento de depressão após o procedimento
cirúrgico. Dois desses pacientes também preenchiam critérios para TCAP.
O tratamento destas patologias requer uma equipe multidísciplinar, e o papel
do psicólogo dentro da equipe é o de avaliar se o indivíduo está apto emocionalmente
para a cirurgia, auxiliá-lo quanto à compreensão de todos os aspectos decorrentes do
pré-cirúrgico (avaliá-lo quanto aos seus conhecimentos sobre a cirurgia, riscos e
complicações, benefícios esperados, exames e seguimentos requeridos em longo
prazo, conseqüências emocionais, sociais e físicas e responsabilidades esperadas),
inclusive, detectar e tratar os pacientes portadores ou potencialmente sujeitos a distúrbios
psicológicos graves (Franques, 2003). Igualmente importante, o acompanhamento
psicológico no pós-cirúrgico prevenindo e tratando com portam entos de risco e
transtornos psiquiátricos que possam decorrer do processo cirúrgico.

P rotocolo de psicologia
1. Pré-operatório
No pré-operatório, o paciente precisa ser informado das mudanças significativas
pelas quais ele atravessará. O acompanhamento psicológico fornece condições para
que o paciente perceba a amplitude do processo que passará e o ajuda a tomar decisões
mais conscientes e de acordo com seu caso particular. A cirurgia bariátrica deve ser
contra-indicada em qualquer caso em que o paciente não esteja plenamente de acordo
com a cirurgia ou não seja capaz de apreciar as mudanças que ocorrerão após a operação,
quer por transtornos psiquiátricos de eixo I ou por incapacidade cognitiva (Segai, 2002)
Será seguido o procedimento recomendado pelo Ministério da Saúde, com o
preenchimento de prontuário e protocolo de triagem da mesma.
Na avaliação para preparo psicológico, transtornos do humor, do comportamento
alimentar e outros relevantes para o tratamento cirúrgico da obesidade devem ser
abordados, orientados e tratados, se presentes. Para tai, fazemos uso dos seguintes
procedimentos;
1.1 Avaliação psicológica
Composta por:
•ENTREVISTA
•USO DOS INVENTÁRIOS (devidamente validados no Brasil):
- Escala Beck de Depressão
- Escala Beck de Ansiedade
- Escala de Compulsão Alimentar Periódica (BES - Binge Eating Scale), para a verificação
do Transtorno do Comer Compulsivo.

Sobre Comportamento e Cognição 247


- Teste de Investigação Bufímica de Edimburgo (BITE), para verificação de Bu/imia.
1.2 Atendimento individual
Para a compreensão de qualquer comportamento em sua totalidade, o Analista do
Comportamento terá sempre como prioridade as contingências a que o mesmo está submetido,
enfocando os aspectos dos três níveis de seleção: filogênese, ontogênese, e cultura. Na
obesidade, observamos algumas contingências relevantes em cada um dos níveis.
Dentro da perspectiva filogenética, antes de inferirmos qualquer hipótese sobre o
comportamento alimentar do obeso, investigamos os fatores genéticos (casos de obesidade
na família, doenças hereditárias associadas), alterações metabólicas, hipo ou hipertireoidismo,
diabetes, síndrome metabólica, etc. para que compreendamos se há alguma influência direta
desses fatores para o surgimento e/ou manutenção da obesidade. Um estudo citado por
Heller (2004), aponta que filhos de pais obesos têm 80% de chance de também desenvolverem
o quadro, esse percentual cai para 40% quando apenas um dos pais apresenta obesidade.
Do contrário, nossa análise poderia estar incompleta se deixássemos de induir essa variável
tão importante pana o comportamento alimentar. No segundo nível (ontogênese), investigamos
a história de vida do paciente. O modelo alimentar do paciente pode ser verificado muitas
vezes na dinâmica famiJiar e nas relações interpessoais. Entender como o "comer exagerado"
se instaurou enquanto classe de respostas presentes e a sua conseqüente manutenção é
foco direto da análise funcional. Podemos identificar as contingências de reforçamento para
tal comportamento diretamente no cotidiano do paciente. Por vezes, o modelo familiar de
alimentação reforça o comer em demasia.
Podemos colher os dados mais importantes para a modelagem do comportamento
alimentar na infância, onde verificamos o modelo reforçado pelos pais. Muitas vezes
percebemos um condicionamento entre comida e prazer, quando a comida é oferecida
como “prêmio" por um bom comportamento, ou quando são reforçadas negativamente, nos
casos em que a comida é oferecida em momentos de tensão, solidão ou ociosidade.
Quando uma rotina alimentar é mal estabelecida, o sujeito acaba por perder o
poder discriminativo da “fome física”, uma vez que a comida é utilizada como resposta
ou conseqüência para outras contingências, que não a alimentação.
Na adolescência e vida adulta, acabamos por perceber que a função do
comportamento alimentar vem desde a infância. E por este motivo, os pacientes não
conseguem mais discriminar as contingências presentes. Com uma investigação
minuciosa, podemos levantar dados relevantes para o nosso trabalho. Recebemos
pacientes que relatam comer em demasia quando estão sozinhos ou ociosos, ou quando
se sentem ansiosos. Outros, não conseguem nem saber a quantidade de comida que
ingerem, e, ao verificarmos, acabamos descobrindo que o prato destes é preparado por
terceiros, ou que estes comem diretamente nas panelas.
Mesmo o paciente sendo adulto, é imprescindível conversar com a família para
a obtenção de dados complementares. É comum as mães relatarem ansiedade com
os filhos pequenos, com relação a estarem alimentando-os corretamente, com isso,
acabam por oferecer-lhes apenas os “alimentos preferidos" e, ao qualquer sinal de
choro, a comida é apresentada. Não podemos deixar de citar que as mães acabam por
“esconder” as verduras e frutas dos filhos misturando-as a outros alimentos. A sopa de
legumes batidos com carne é um exemplo; desta forma não se ensina o gosto das
verduras, nem o gosto da came. (Heller, 2004 p.16)
Esses modelos são aprendidos e mantidos na vida adulta e nas futuras famílias
destes pacientes.

248 Liana Rom ília« e Daniety lU k jà r d « Brito Tatmalsu


0 terceiro nível de seleção é facilmente observado, principalmente na cultura
capitalista ocidental, em que a magreza é associada a sucesso. Temos uma sociedade
que exige uma performance perfeita, um corpo magro e um humor amistoso o tempo
inteiro. Neste ínterim, os obesos são estereotipados, tidos como preguiçosos ou fracos.
As piadas com gordinhos fazem sucesso. Na mídia os encontramos em programas de
humor, como objetos de entretenimento.
Em contrapartida, temos um mercado consumidor que incentiva os fast foods,
as promoções de alimentos gordurosos, rodízios e apelo na publicidade para o consumo
de comida. Nesse meio verificamos o estilo de vida da cultura em que estamos imersos,
em que cada vez mais horas de trabalho são exigidas, o horário para o almoço se torna
um lanche rápido e vários momentos de lazer são associados com comida, como nos
restaurantes, que são ponto de encontro entre amigos e não um lugar para refeições.
Dentro desta realidade, percebemos como a cultura influencia as regras, e
conseqüente, as auto-regras dos obesos. É comum encontrarmos relações entre
fracasso e obesidade no discurso destes pacientes. Outras vezes verificamos uma
relação como “Se as pessoas me olham quando eu passo, então sou uma aberração",
“Se não consigo emagrecer é porque sou um fracasso" ou “Se eu fosse magro as pessoas
me amariam’’. O trabalho de sensibilização destes pacientes às contingências, e o
conseqüente enfraquecimento destas auto-regras, é um processo lento e gradual, mas
que não deve ser esquecido na prática clínica.
Segundo Delitti “a primeira consideração que precisa ser feita é que o comportamento
do paciente tem uma função, cabendo ao terapeuta descobrir porque (em que contingências)
este comportamento se mantém. Esta descoberta se faz pela análise funcional..." (p. 36-37,
2001). Da mesma forma os comportamentos alimentares devem ser analisados. A análise
funcional é a base para um processo terapêutico de qualidade.
'Fazer a análise funcional correta é o grande desafio para os terapeutas, por se
tratar de uma das tarefas mais difíceis do processo. A identificação das variáveis
e explicitação das contingências que controlam o comportamento permitem que
sejam levantadas hipóteses acerca da aquisição e manutenção dos repertórios
considerados problemáticos e, portanto, possibilita o planejamento de novos
padrões comportamentais".Deliiti, (p. 36. 2001)
O acompanhamento é feito preferencialmente semanalmente. Ressaltamos
que as sessões são de 50 minutos.
1.3 Grupo pré-operatório
De acordo com as recomendações do Ministério da Saúde, os pacientes
indicados à cirurgia bariátrica devem ter capacidade intelectual para compreender todos
os aspectos dos procedimentos cirúrgicos. Para tal, faz-se necessária a condução de
um grupo informativo. A proposta consiste em um grupo quinzenal sobre informações
acerca do processo cirúrgico.
Além deste, a condução de um grupo terapêutico é indicada, com ênfase no
comportamento atual e implicações cirúrgicas, diferenciando-se do grupo de obesidade
por se tratar de um grupo composto por candidatos à cirurgia bariátrica. Será um grupo
quinzenal, onde os participantes terão a oportunidade de trocar experiência e enriquecer
o processo terapêutico individual.
Há casos em que os pacientes não se sentem à vontade com o processo
terapêutico em grupo. Seguimos orientações de Delitti e Derdyk (1999), com relação à
seleção de pacientes para o grupo terapêutico. Seriam clientes aptos ao processo
grupai os que apresentassem as seguintes características:

Sobre Comportamento c Cognição 249


• Capacidade para se desempenhar no grupo
• Motivação para participar
• Compatibilidade de problemas
• Compromisso e possibilidade de freqüentar as sessões
2. Pós-operatório
O acompanhamento pós-operatório deve seguir, no mínimo, por um ano após
a cirurgia, haja vista a alta taxa de recaída do Transtorno do Comer Compulsivo, Anorexia,
Bulimia e demais transtornos alimentares. É composto de:
2.1 Atendimento individual
Para os pacientes recém operados, em até 6 meses após a cirurgia. O
atendimento pode ser semana! ou quinzenal, dependendo da condição clínica do paciente.
2.2 Grupo terapêutico
Após o acompanhamento individual pelo período de até 6 meses, os pacientes
operados devem participar de um grupo terapêutico por um período de um ano.
A avaliação psicológica será feita após o período de pós-operatório para
verificação da eficácia da intervenção psicológica, através da verificação da diminuição
da presença de Transtornos Alimentares e sua conseqüente baixa na taxa de recaída.

Conclusão
A função deste artigo é fomentar a discussão acerca do acompanhamento
psicológico em programas de cirurgia bariátrica, haja vista a escassez de literatura
sobre o tema, mais especificamente, baseada na Análise do Comportamento.
Em virtude disto, embora ainda não tenha havido pesquisa para avaliar o impacto
do protocolo, é possível relatar algumas contribuições que a proposta trouxe para o programa.
O protocolo facilitou a operacionalização da assistência psicológica, organizando o perfil
dos usuários do serviço, os encaminhamentos e a evolução destes dentro do programa,
além de servir de instrumento para promover a interdisciplinaridade e controle social.
Os pacientes tiveram participação ativa na construção do protocolo, sugerindo
a seqüência de atividades e fornecendo feedback acerca da condução do processo. O
uso de protocolos em serviços de saúde pública favorece a construção de serviços
usuário-centrado, uma vez que diversos atores (gestores, profissionais de saúde e
usuários) contribuem para a condução do processo saúde-doença.

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252 Liana Ro m Elias e Daniely liderardes Brilo TatmaiM*


Capítulo 22
O câncer de mama e seu tratamento:
aspectos biológicos e
psicológicos1
A n a C laudia P aran zín i S am p aio
(Universidade Estadual de Londrina)
Vera Lúcia A dam i Raposo d o A m a ra l
(Pontifícia Universidade Católica de Campinas e SOBRAPAR)
M a ria Luiza M a rin h o
(Universidade Estadual de Londrina)

No passado, o câncer era visto pela população leiga como uma enfermidade
associada à dor, sofrimento e certeza de morte. Hoje em dia, apesar do que é feito e do
sofrimento real envolvido, muitos ainda,associam o câncer com a morte (Gazzi, Kajika &
Rodrigues, 1991; Arán, Zahar, Delgado, Viegas, Cabral & Souza, 1996). Dados históricos
apresentados pela literatura observam que o câncer sempre foi associado a uma doença
de caráter sujo, contagioso e sem cura, em que a sociedade discrim inava seus
portadores (SanfAnna, 2000).
Receber um diagnóstico de câncer é uma notícia inicialmente devastadora e
um evento de impacto importante na vida da pessoa, pois o paciente com câncer e sua
família são acometidos por momentos carregados de emoções - sofrimento, dor, raiva,
angústia e ansiedade - desde o momento de seu diagnóstico e durante o seu tratamento.
Além de estigmatizante, essa doença acarreta prejuízos nas habilidades funcionais e
vocacionais e incerteza quanto ao futuro em decorrência do tratamento, que, geralmente,
é longo (Bergamasco & Ângelo, 2001; Scott, 2004).
Além das preocupações acima descritas, o câncer de mama produz efeitos
negativos na auto-estíma e auto-imagem da paciente, pois o foco de atenção é um
órgão repleto de simbolismo para a mulher - feminilidade, sexualidade e maternidade.
Assim, sendo, o anúncio desse diagnóstico seguido pelos tratamentos, pode ocasionar
abalos significativos na vida pessoal e profissional da paciente.
O câncer de mama é a segunda neoplasia maligna com maior inddênda entre as
mulheres brasileiras, assim como uma causa relevante de mortes por câncer no Brasil.
Afirma-se que é considerada uma patologia que está entre os maiores problemas de saúde
pública associado ao câncer feminino no país (INCA, 2007). Se detectado em estágios iniciais,
o câncer de mama é passível de tratamento e cura, aumentando o tempo de vida das mulheres.

Contatos atravèsòo e-mall: ana.paranziri@tiotmaa com


1 0 presente trabalho é parte da dissertação de mestrado da primeira autora, apresentada à Pontifícia Uoweraidade Católica de Campinas.

Sobre Comportamento e Cognição 253


A medicina avança com os meios tecnológicos de detecção precoce e seus tratamentos (que
se tomam mais eficientes), contribuindo para o aumento de expectativa de vida das mulheres
com câncer de mama. Frente a esse panorama, o câncer abandona seu status de doença
freqüentemente fatal e assume características de uma doença crônica (Ferreira,1997).
Sabe-se que o paciente com câncer passa por um difícil processo de adaptação ao
tratamento e aos procedimentos médicos, necessitando, portanto, do acompanhamento
de uma equipe interdisciplinar que vise promover condições para que sua reabilitação seja
mais rápida e menos dolorosa. Para tanto, a área médica deve conhecer as tecnologias de
tratamento mais apropriadas a cada caso. Na área psicológica, os profissionais devem ser
capazes de identificar os comportamentos mais adaptatívos ao contexto do câncer e
proporcionar ao doente condições para que este se comporte de forma mais funcional, de
modo a trazer benefícios á sua saúde e garantir sua qualidade de vida (Costa Jr, 2001).

Aspectos biológicos do câncer de mama


Na década de trinta, o câncer era considerado como uma doença que se desenvolvia
em pessoas que haviam cometido algum mal e que deveriam pagar por isso com uma
doença sem cura. Segundo SanfAnna (2000), com o início das observações médicas, fez-se
uma correlação do câncer com a falta de higiene da pessoa e do lugar em que vive. Assim,
pessoas acometidas por esse mal se calavam e o sifêncio era a única condição admissível
socialmente, já que o câncer era visto como uma enfermidade maligna. Não compartilhar
esse segredo garantia a participação em sociedade, pois homens e mulheres com câncer
não eram aceitos em hospitais devido à crença de que se tratava de uma patologia contagiosa,
e também por estar associada à corrosão, a aspectos desumanizantes e fétidos. Nesta
época, seu tratamento consistia de visitas a benzedeiras, uso de feitiços, promessas, porte
de amuletos e remédios caseiros, como ervas, pedras e ossos. Nos anos quarenta, o câncer
passa a ser relacionado mais aos hábitos de vida (como fumar e ingerir álcool, por exemplo)
do que aos hábitos de higiene. Esforços incontáveis são feitos para descobrir os agentes
propiciadores do câncer, vulnerabitidades associadas, bem como sua evolução, diagnóstico,
tratamento e prevenção da recidiva (Malzyner, Caponero & Donato, 2000).
À medida que os estudos sobre o câncer avançavam, definiu-se o câncer dentro
de um grupo de doenças que se caracteriza pela perda do controle da divisão celutar e
pela capacidade de invadir outras estruturas orgânicas (Franks, 1990). O crescimento
descontrolado e mais rápido do que as células normais resulta em uma invasão dessas,
gerando novos vasos sangüíneos que as nutrirão e manterão as atividades de crescimento
descontrolado. As células cancerosas substituem as normais e os tecidos invadidos
perdem suas funções. A este processo dá-se o nome de metástase (INCA, 2007).
Assim como muitas outras doenças, o câncer pode ter causas internas ou
externas ao organismo. De acordo com Love (1994), as causas internas englobam as
mutações nos genes das células e a capacidade do organismo de se defender das
agressões do meio. As causas externas são aquelas em que o organismo é exposto a
agentes químicos, radioativos e virais, ou seja, a fatores ligados ao meio ambiente
(fumaça de indústrias e radiação solar), aos hábitos e costumes próprios de um ambiente
social e cultural (como o tabagismo, alcoolismo e hábitos sexuais, por exemplo) e às
condições adversas do meio ambiente que geram stress, depressão e demais doenças.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) previu para o ano de 2006 o
diagnóstico de mais de 460.000 novos casos de câncer, sendo 240.000 em mulheres. Nos
homens, os tipos de câncer mais comuns estão localizados na pele, próstata e pulmões e
nas mulheres, o câncer de pele, de mama e de colo de útero são os mais freqüentes. É fato

254 A na Claudia Paranoni Sampaio, Vera Lúcia Adam í Raposo do Amaral e Marta Luita M arinho
que o câncer de mama é a maior causa de óbitos por câncer na população feminina
brasileira. Estima-se para esse ano que 50.000 mulheres serão diagnosticadas com câncer
de mama, vindo a óbito em tomo de 10.000 delas. Segundo informações do ÍNCA (2007),
um dos fatores que dificultam o tratamento é o estágio avançado em que a doença é
descoberta. Cerca de 50% dos casos são diagnosticados em estágios avançados, gerando
tratamentos muitas vezes mais mutilantes, o que causa maior sofrimento à mulher.
Há que se observar que os meios de comunicação têm sido o veículo usado para
divulgar campanhas de prevenção ao câncer de mama de maneira objetiva, conscientizando
a população sobre a importância da prevenção e de um diagnóstico precoce. As associações
de apoio enfatizam que o diagnóstico pode ser simples e rápido e que deve começar dentro
de casa, com o auto-exame das mamas. O auto-exame devo ser feito mensalmente após
a menstruação e consiste na inspeção e palpação das mamas com o intuito de verificar a
existência de nódulos, dor e alterações na pele (Sasaki, 2000). Outras formas de diagnosticar
o câncer de mama podem ser feitas através do Exame Clínico das Mamas (ECM), da
mamografia, da ultra-sonografia e da biópsia aspirativa.
O ECM é realizado por um médico ou enfermeira treinados e é possível detectar
nódulos de até um centímetro de tamanho, se superficial. A mamografia é atualmente o
exame de imagem radiográfica que consegue diagnosticar com precisão e precocemente
as malignidades, revelando neoplasias com poucos milímetros e ainda não palpáveis. A
ultra-sonografia é um exame que complementa a mamografia, auxiliando na caracterização
dos tumores. E, finalmente, como descreveu Sasaki (2000), a biópsia aspirativa é indicada
nos casos de lesões palpáveis e é realizada por meio de um instrumento composto por
uma cânula, mola e agulha, que uma vez acionado determina a retirada do fragmento da
lesão, que será posteriormente submetido ao exame histopatológico.
Para Sasaki (2000), esses exames fornecem dados suficientes para avaliar o
grau de estadiamento clínico do câncer, ou seja, a extensão anatômica da doença e dos
órgãos acometidos, e a opção entre os tratamentos radical ou conservador. Dentre as
cirurgias conservadoras, encontram-se a tumorectomia e a quadrantectomia. A primeira
consiste na remoção somente do tumor, já a segunda é a extirpação de um quadrante
da glândula mamária onde está localizado o tumor e sua pele circundante. Esses
procedimentos somente são usados para excluir nódulos de pequeno diâmetro.
Para tumores com mais de três centímetros de diâmetro é recomendado a
mastectomia radical modificada, onde a mama é totalm ente extirpada e há um
esvaziamento radical, no entanto, preserva-se o músculo peitoral. No caso de existir
infiltração extensa da musculatura peitoral (em casos de câncer localmente avançados)
é utilizada a cirurgia de mastectomia radical, a qual além da retirada total da mama, são
extraídos os músculos peitorais e há um esvaziamento axilar radical (Sasaki, 2000).
Seguido a essas cirurgias mutiladoras, a mulher pode optar pela cirurgia de reconstrução
mamária, durante ou após a cirurgia para retirada do tumor. De acordo com Camargo,
Marx e Sasaki (2000) a reconstrução mamária tem por objetivo restabelecer a imagem
corporal e melhorar a auto-imagem, além de restaurar uma parte do corpo da mulher.
Depois de passado esse processo cirúrgico, há probabilidade de recidiva e/ou
metástase. Com o intuito de minimizaras chances dessas ocorrências, a mulher é submetida
a outros tratamentos. A radioterapia é um tratamento no qual utilizam-se radiações para
destruir um tumor ou minimizar as chances de recorrência na área da cirurgia por destruir
eventuais células residuais e interromper seu crescimento. Na quimioterapia utilizam-se
medicamentos,para combater o câncer. Ào cair na corrente sangüínea, eles são levados a
todas partes do corpo, destruindo as células doentes que estão formando o tumor e

/ Sobre Comportamento e Cognição 255


impedindo também, que elas se espalhem pelo corpo. A hormonoterapía consiste na
manipulação dos hormônios corporais, já que se sabe que alguns tipos de câncer de
mama são dependentes dos hormônios femininos. Esses tratamentos podem ser realizados
isoladamente ou em combinações e é de extrema importância seu seguimento até o fim
para evitar a recidiva da doença (INCA, 2007; Ma/zyner, Caponero & Donato, 2000).
Como pode ser visto, o câncer de mama é uma doença crônica grave, mas que
se detectado em seus estágios iniciais e tratado adequadamente, tem cura, permitindo
que a paciente tenha uma vida normal. Para isso, é importante que se criem políticas
sérias e constantes de prevenção e combate ao câncer de mama. Aliado a esta postura,
a medicina empreende esforços contínuos na descoberta de tratamentos menos
dolorosos e técnicas cirúrgicas menos mutiladoras.
Extirpar a mama possui uma conotação extremamente complexa para as mulheres.
O símbolo de feminilidade, sedução e maternidade foi amputado. A auto-imagem, a auto-
estima e o relacionamento com o parceiro ficam abalados. Aos profissionais da área da
saúde cabe a tarefa de organizarem-se em equipes multiprofissionais para o atendimento
integral a esta clientela, em que o aspecto bíopsícossocial de ser humano prevaleça.

Aspectos psicológicos do câncer de mama4


, resultados de pesquisas
Historicamente, a Psicologia da Saúde começou com um grupo de trabalho no
ano de 1970, formado pelos associados da American Psychological Association (APA)
que observaram a necessidade de organizarem-se para definir as diretrizes de ações
dos psicólogos no contexto da saúde. Nessa década, também os psicólogos brasileiros
iniciaram seus trabalhos nas instituições hospitalares (Gorayeb, 2001; Kerbauy, 2001;
Miyazaki & Amaral, 2001; Kerbauy, 2002).
Deste tempo até hoje, essa prática já foi denominada de diversas maneiras,
como Psicologia Médica, Psicossom ática, Psicologia H ospitalar e M edicina
Comportamental, mas a denominação mais freqüentemente utilizada é Psicologia da
Saúde, principalmente por profissionais de orientação cognitivo-comportamental
(Starling, 2001). Esse termo é usado, pois segundo alguns autores (como Kerbauy,
2001; Miyazaki & Amaral, 2001; Kerbauy, 2002) é o único que engloba a área em que
realmente o psicólogo atua: o contexto da saúde, seja dentro ou fora de um hospital,
enfocando os comportamentos interligados às doenças. Esse modelo de atuação rompe
com o modelo médico tradicional, no qual o paciente não tem papel ativo.
Por muito tempo, o papel do psicólogo em instituições de saúde esteve ligado ao
ensino e à pesquisa em escolas médicas, entretanto, nos dias atuais, o profissional da
Psicologia é chamado também para atuar junto a equipes interdisciplinares e
multiprofissionais, como o objetivo de contribuir para a prevenção, tratamento e reabilitação
de doenças biológicas que exigem intervenções comportamentais (Miyazaki & Amaral, 2001).
Matarazzo (1980) definiu a Psicologia da Saúde como “um conjunto de contribuições
educacionais, cientificas e profissionais específicas a Psicologia, à promoção e a manutenção
da saúde, à prevenção e ao tratamento de doenças, à identificação da etiologia e ao diagnóstico
relacionados à saúde, à doença e às funções relacionadas, e a análise do desenvolvimento
do sistema de atenção à saúde e formação de políticas de saúde" (p. 815).
Aos profissionais que se engajaram nesta nova área de atuação coube a tarefa
de realizarem pesquisas e proporem técnicas de intervenção cientificamente apoiadas
e adequadas ao contexto de enfermidade (Miyazaki e cols, 2002). A necessidade cada
vez mais crescente da área de saúde a respeito do trabalho do psicólogo fez com que
seu papel fosse definido (Venâncio, 2004),

256 Ana CUudía Paranrini Sampaio, Vera Lúcia Adami Raposo do Amaral t M aria Lufca Marinho
O psicólogo como agente de mudança comportamental no contexto da saúde é
responsável por lidar com os comportamentos que mantêm a doença e promovam a saúde
(Amaral, 1999; Miyazaki & Amaral, 2001). De acordo com Amaral (2001) o foco de análise são
as variáveis de controle imediatas, que ao serem alteradas podem alterar o comportamento.
A curto prazo, este tipo de manejo comportamental pode auxiliar na intervenção de outros
profissionais e facilitar o trabalho interdisciplinar como um todo. Já a médio e longo prazo, a
Psicologia deve contribuir para que o paciente desenvolva padrões de comportamentos de
adesão ao tratamento, prevenção de problemas de saúde e comportamentos de risco. Desta
forma, a intervenção psicológica pode atuar na prevenção, tratamento e reabilitação (Guimarães,
1999; Miyazaki & Amaral, 2001), na coesão da equipe interdisciplinar (Angerami-Camon,
1995) e nas orientações às famílias dos pacientes (Laloni, 2001; Venâncio, 2004).
Essa área se distingue da Psicologia Clinica por compreender o comportamento
no contexto da saúde e doença (Kerbauy, 2001) e por descrever especificamente o papel
dos fatores psicológicos na regulação do estado de saúde (Miyazaki & Amaral, 2001;
Starling, 2001). Dentro do contexto hospitalar, a Psicologia da Saúde ramifica-se entre os
diversos setores de atuação médica. A oncologia recorre aos psicólogos para auxiliá-los
no momento de fornecer o diagnóstico do câncer para o paciente e sua família (Carvalho,
2002). Nasce então, uma ramificação da Psicologia da Saúde: a Psiconcologia.
Segundo Gimenes (2003), “a Psiconcologia começa a surgir como área
sistematizada de conhecimento a partir do momento em que a comunidade científica passa
a reconhecer que tanto o aparecimento quanto a manutenção e a remissão do câncer são
intermediados por uma série de fatores cuja natureza extrapola condições apenas de natureza
biomédica" (p. 42). De acordo com a autora, a Psiconcologia é considerada como uma
interface entre a Psicologia e a Oncologia, pois os conhecimentos adquiridos foram gerados
nessas duas áreas. Desta forma, a Psiconcologia dá assistência na prevenção, no tratamento,
na reabilitação e na fase terminal junto aos pacientes oncológicos, sua família e os profissionais
de Saúde envolvidos. Essa área engloba também a pesquisa e o estudo das variáveis
psicológicas e sociais relevantes para a compreensão da incidência, da recuperação e do
tempo de sobrevida após o diagnóstico do câncer. E, finalmente, a Psiconcologia pode contribuir
na organização dos serviços de oncologia que visem ao atendimento integral do padente
(físico e psicológico), dando suporte à formação e o aprimoramento dos profissionais de
Saúde envolvidos nas diferentes etapas do tratamento (Gimenes, 2003).
Com os avanços na área médica, aumenta-se o tempo de sobrevida de um padente
oncológico sendo importante um acompanhamento psicológico que garanta qualidade de
vida aos enfermos. O diagnóstico e o tratamento do câncer têm efeitos importantes na vida
do paciente, o que gera sentimentos de raiva, tristeza e insegurança e também reestruturação
das atividades diárias (Costa Jr, 2001). Cabe ao psicólogo a função de auxiliar o padente
oncológico a organizar suas atividades, verificar quando as reações emodonais interferem
no tratamento e auxiliar a equipe no manejo comportamental do enfermo, fadlitando o
seguimento das orientações médicas, ou seja, obtêm-se uma participação mais ativa e
positiva do padente durante o tratamento, resultando numa melhor adesão, evitando assim,
o abandono do mesmo (Carvalho, 1996).
Pesquisas (Spiegel, 1990; Leal, 1993) mostram que as mulheres com câncer de
mama submetidas ao acompanhamento psicológico obtêm ganhos significativos, tais como:
melhora no estado geral de saúde; melhora na qualidade de vida; melhor tolerância aos
efeitos adversos da terapêutica oncológica (cirurgia, quimio/radioterapia) e melhor
comunicação entre paciente, família e ecfúipe. Dessa forma, observa-se que as intervenções
psicológicas podem ter conseqüências positivas tanto no aspecto emocional - depressão
e ansiedade - quanto nos sintomas físicos - náuseas, vômitos e fadiga (Spiegel, 1990).

t Sobre Comportamento e Cognição 257


De acordo com Meyer e Mark (1995) e Owen, Klapow, Hicken e Tucker(2001) as
intervenções psicossociais influenciam positivamente o ajustamento emocional e
funcional da paciente e aliviam os sintomas adversos decorrentes do câncer e do seu
tratamento. Outros autores (Spiegel, 1990; Leal, 1993) até relatam o aumento de tempo
de sobrevida das mulheres com câncer como efeito adicional da atuação do psicólogo.
Porém, é uma constatação que exige cautela ao ser anunciada, pois trata-se de uma
variável de difícil precisão na mensuração.
Sabe-se que o estado emocional de um indivíduo prejudica o bom funcionamento do
sistema imunológico causando alterações bioquímicas que podem ser consideradas como
um dos fatores predisponentes ao desenvolvimento das doenças (Guntert, 1995; Carvalho,
1996). No entanto, essa vulnerabilidade não pode ser considerada isoladamente diante do
desenvolvimento de uma enfermidade e muitas questões precisam ainda ser esclarecidas e
comprovadas (Glaser & Glaser, 1989). O câncer de mama e a mastectomia carregam estigmas
de sofrimento, morte e mutilação. O diagnóstico de câncer de mama gera sentimentos variados
a respeito da feminilidade e auto-ímagem. A cirurgia de mastectomia, que em muitos casos
consiste na amputação total do membro, deixam as mulheres envergonhadas, mutiladas e
sexualmente repulsivas (Wanderley, 2003). As atitudes e os sentimentos modificam-se com
o decorrer do estágio da doença; inicial, avançado e final.
Gimenes e Queiroz (2000), com o objetivo de investigar as situações vivenciadas
pelas mulheres mastectomizadas nas diferentes fases da doença, fizeram um estudo
longitudinal, durante um ano, com 36 mulheres mastectomizadas, com idades entre 28 e
65 anos. Essa pesquisa foi composta por três fases: a coleta de dados era realizada 48
horas, 3 meses e um ano após a mastectomia. Os resultados indicaram que após a
mastectomia, a mulher sente-se culpada, com raiva, envergonhada e tem medo da morte.
Depois de passado três meses da cirurgia, os relatos apresentam a família como uma forte
rede de apoio para o enfrentamento da doença e há uma retomada das atividades cotidianas.
Passado um ano do diagnóstico, a mulher convive com o medo da recidiva do câncer.
Ao investigar as repercussões psicológicas associadas ao câncer de mama em
mulheres que já foram submetidas a mastectomia, Rossí e Santos (2003) também
observaram, assim como Gimenes e Queiroz (2000), que as reações psicológicas diferem
em cada etapa do tratamento. No pré-diagnóstico, as dez mulheres entrevistadas (com idades
entre 41 e 50 anos) disseram que mesmo percebendo algo diferente com as mamas,
postergaram a procura ao médico, como uma maneira de ocultar a realidade. Assim, quando
receberam o diagnóstico, os sentimentos mais comuns foram a raiva, culpa, tristeza,
insegurança, incerteza em relação ao tratamento e sobrevivência e consciência da
possibilidade de morte iminente. Durante o tratamento, as mulheres relataram que se sentiram
inseguras em relação ao tratamento adotado e se esse realmente traria os benefícios devidos.
Após o tratamento, há medo de que o câncer retome, mas por outro lado, as mulheres
passaram a sentir-se mais confiantes e retomaram as atividades da vida diária.
Dados parecidos foram encontrados por Souza (1997). Esta autora investigou a
compreensão sobre o diagnóstico de câncer das mulheres portadoras de câncer de mama
antes da explicação médica e entrevistou oito mulheres, com idades variando entre 35 e 55
anos. A análise e a discussão das entrevistas foram realizadas segundo a visão
fenomenológica existencial e mostraram que o diagnóstico gera ansiedade, insegurança,
desesperança, além do medo da doença, do tratamento e da morte. As mulheres relataram
ainda que o diagnóstico abala seus projetos de vida, mas que contribuíram para que elas
tentassem vivenciar os acontecimentos importantes na vida de maneira saudável.
Em se tratando de relacionamento sexual com o parceiro, Duarte e Andrade (2003)
fizeram um estudo com vistas a compreender como as mulheres mastectomizadas percebem

258 Ana Claudia ParJtiziiii Sampaio, Vera Lúcia Adamt Raposo do Amaral c M aria Luiia M arinho
a própria sexualidade. Sabe-se que a mama é o símbolo de feminilidade, contribuindo com
a sedução e o erotismo em um relacionamento sexual e que sua ausência pode contribuir
com o aparecimento de dificuldades nesta esfera da vida. Apesar de não ser um estudo
extremamente centrado nesse aspecto (mesmo sendo esse o objetivo), os autores
encontram dados interessantes. Os resultados se assemelham aos dos estudos já citados
em relação aos aspectos gerais da vida da paciente, e, no que concerne à sexualidade, eles
verificaram que a reciprocidade da relação sexual depende da mulher, ou seja, se ela toma-
se mais receptiva, o companheiro tende a aproximar-se mais dela e o relacionamento
toma-se melhor. Esses resultados corroboram com os encontrados por Rossi e Santos
(2003) em que o relacionamento sexual dependeu muito de como era antes da doença.
Aquelas com bom relacionamento com o parceiro continuaram da mesma forma, mas
aquelas que o relacionamento não era bom, relataram piora.
Sabe-se que a mastectomia causa prejuízos de ordem física, emocional e social.
De ordem física porque pode ocorrer infecção após a cirurgia e há limitação nos movimentos
dos braços e ombros e, conseqüentemente, limitações nas atividades diárias da vida
ncrmaf. No campo social, causa dificuldades, pois as mulheres sentem vergonha e
escondem a mutilação (Camargo, Marx & Sasaki, 2000). Com o objetivo de compreender o
significado da mastectomia para mulheres no pós-operatório por câncer de mama, Ferreira,
Franco e Queiroz (2002) entrevistaram 24 mulheres mastectomizadas e encontraram
características em comum. São elas: medo da morte e da metástase; mutilação associada
a modificação do corpo; tristeza, estranhez da amputação; medo de ficar incapacitada das
atividades profissionais; preocupação com a queda do cabelo decorrente do tratamento
quimioterápíco; demonstraram interesse em fazer reconstrução mamária; uso de disfarces
no peito ao freqüentarem lugares públicos; dificuldades com o parceiro por sentirem-se
envergonhadas; e relatam mudanças de comportamentos, no estilo de vida e na forma de
pensamento como uma maneira de enfrentar o pós-operatório e a convivência com a doença.
Arán e colaboradores (1996) entrevistaram 52 mulheres com câncer de mama e,
ao analisarem o conteúdo das entrevistas, verificaram que muitas delas (provavelmente
por falta de informações), associaram o câncer a uma doença incurável e demoravam em
procurar atendimento por medo da confirmação do diagnóstico. Essa pesquisa sinaliza a
importância da divulgação e campanhas informativas do governo federai a respeito de
informações, pois diversas participantes desse estudo relataram demora em procurar
atendimento médico, pois não sentiam dores, mesmo percebendo a presença de nódulos
na mama. Esses dados corroboram com o estudo de Neme e Kato (2003).
Para averiguar as crenças e os temores diante do tratamento em mulheres
com diagnóstico positivo de câncer de mama, na fase inicial do tratamento, Neme e
Kato (2003) entrevistaram 20 mulheres, entre 30 e 65 anos de idade, com câncer d e .
mama - com níveis de estadiamento entre l a III, sem metástase. Ao conduzir uma
entrevista semí-estruturada, as pesquisadoras observaram que a maioria das mulheres
vêem o câncer de forma muito negativa, mesmo quando diante de prognósticos positivos
e possibilidade de cura. Desse modo, as mulheres relataram temores quanto à
quimioterapia e radioterapia, indicando a falta de informação à respeito dos tratamentos
(e isso poderia explicar os temores). Esse estudo gerou informações além dos objetivos
ora propostos. Através dos relatos das participantes, os autores extraíram variáveis que
ajudam a lidar melhor com a doença e os tratamentos, são elas: a vontade de viver, a fé
divina, a presença e o apoio dos familiares, amigos e equipe de saúde.
Com o objetivo de verificar o papel da fé no enfrentamento do câncer e nos
tratamentos oncológicos, Horta, Neme, Capote e Gibran (2003) entrevistaram 24 pacientes
com câncer, entre 35 è 65 anos e constataram que após o diagnóstico da doença, 87,5%

Sobre Comportamento e Cognifào 259


das entrevistadas relataram aumento da fé, justificando que essa era uma estratégia
essencial para ajuda-los a enfrentar a doença e seus tratamentos. Esses autores concluíram
que a fé facilita a superação de uma enfermidade e estimula a emergência de atitudes
positivas, não só diante da doença e do tratamento, como também diante de outros problemas
do cotidiano. Os resultados encontrados nesse estudo, corroboram com os encontrados
por Neme e Kato (2003) no que diz respeito ao papel da fé como maneira de lidar melhor
com a enfermidade. Infelizmente, Horta, Neme, Capote e Gibran (2003) não conseguiram
operadonalizar os comportamentos dos entrevistados associados à religiosidade, pois,
conforme apontam, não há clareza no discurso dos participantes. A explicação dessa
ocorrência dá-se pelo fato de que os entrevistadores foram instruídos a deixar fluir o discurso
do entrevistado, com pouco direcionamento durante a entrevista.
Na literatura especializada da área de câncer, há relatos de pesquisas que geram
dados indicativos de que pacientes com câncer relatam experencíar mudanças positivas em
suas vidas desde o diagnóstico. Para averiguar esse fato, Tomich e Helgeson (2004)
desenvolveram um estudo com 364 mulheres com câncer de mama, nos diferentes estágios
da doença e que foram submetidas à cirurgia e à quimioterapia como tratamento. Elas foram
divididas em quatro grupos: o Grupo 1 (n=74) participou de discussões em grupo a respeito
do câncer, seu tratamento e emoções associadas; o Grupo 2 (n=79) participou do grupo
educacional, que, através de palestras com profissionais da área da saúde, proporcionou
informações a respeito do câncer de mama; o Grupo 3 (n=82) consistiu da combinação dos
Grupos 1 e 2; e o Grupo 4 (n=77) foi considerado grupo controle por não receber nenhum tipo
de intervenção. As características demográficas e da doença foram coletadas no primeiro
encontro, já os outros instrumentos foram aplicados antes da intervenção, quatro meses
após o diagnóstico (T1), três meses após T1 (T2) e seis meses após T2 (T3)i
Como parte integrante da análise dos dados, Tomich e Helgeson (2004) utilizaram
os resultados obtidos de dois instrumentos. O primeiro consistia de uma escala Ukert de
quatro pontos (1-nunca e 4-muito), com itens adaptados do “Behrl$ Positive Contributions
Scale". Esse instrumento avaliou as atitudes e os comportamentos que tiveram mudanças
como resultado de ter câncer de mama nos aspectos: prioridades pessoais, atividades
diárias, família, visão do mundo, relacionamentos, carreira, religião e aumento do contato
social como resultado da participação na intervenção em grupo. O segundo instrumento,
o SF-36, é uma escala Likert de cinco pontos (1-nunca e 5-extremamente) que avalia a
qualidade de vida nos seguintes aspetos: funcionamento físico, função física (limitações
por problemas físicos), dor corporal, saúde em geral, função emocional (limitações por
problemas emocionais), função social, vitalidade e saúde mental.
Os resultados deste estudo indicaram que mulheres de baixa renda são mais
propensas a perceber os benefícios advindos com o câncer, provavelmente porque sua
rotina diária é árdua e elas possuem mais experiências em tentar construir alguma coisa
positiva diante de um fato negativo. Assim, buscam o significado da doença e seus beneficios
na religião. Os dados também indicaram que mulheres diagnosticadas com doença mais
severa percebem mais benefidos do que mulheres diagnosticadas em estágios menos
severo. Como os próprios autores apontam, esse resultado está de acordo com a literatura
que aponta que indivíduos que experienciam eventos mais traumáticos na vida relatam
mais beneficios do que aqueles que experienciam menos traumas. No estudo em questão,
mulheres diagnosticadas com doença mais severa podem ter encontrado mais benefidos
em sua experiência porque elas examinaram mais criticamente sua situação, comparadas
com aquelas diagnosticadas com doença menos severa. No entanto, perceber benefidos
após o câncer de mama está associado com conseqüêndas negativas na qualidade de
vida da mulher. Encontrar algo de positivo pode ser uma forma de amenizar as informações

260 A na Claudia Paranimi Sampaio, V ira Lúda Adami Raposo do Amaral e M a tia Luiia Marinho
negativas, principalmente entre as mulheres dos estágios mais avançados da doença,
porém, esse estudo de Tomich e Helgeson (2004) apresenta um problema metodológico,
pois somente são questionados benefícios e não malefícios, o que induz que sejam
encontrados dados que apontam mais benefícios.
Na literatura, também encontram-se pesquisas que avaliam a efetividade de
programas de intervenção com a população portadora de câncer de mama. Helgeson,
Cohen, Schulz e Yasko (2001) verificaram o efeito de diferentes intervenções em grupo na
qualidade de vida das participantes e se os efeitos conseguidos a curto prazo, seriam
mantidos através dos anos de seguimento. Para isso, participarem da pesquisa, 312
mulheres com diagnóstico de câncer de mama nos Estágios I e II, que foram submetidas
à cirurgia e a quimioterapia como formas de tratamento. Essas mulheres tinham idades
variando de 27 a 75 anos e foram recrutadas após o diagnóstico. A amostra foi dividida da
seguinte maneira: Com 79 participantes, o Grupo 1 participou de oito encontros, com
duração de 45 minutos cada e em cada encontro, um profissional diferente da área de
saúde dava explicações a respeito do câncer de mama, tratamentos e medidas saudáveis
relacionadas à recuperação. O Grupo 2, com 74 participantes, se encontram por oito
vezes, com duração de 60 minutos cada vez. Nessa condição, as discussões geraram
em torno da expressão (positiva e negativa) de sentimentos e a auto-exposição era
incentivada por um facilitador. Os encontros do Grupo 3 correspondiam à somatória de
atividades dos Grupos 1 e 2. Oitenta e duas mulheres participaram desse grupo. O Grupo
4, considerado controle por não ser submetido a nenhuma intervenção, contou a
participação de 77 mulheres. Todos os grupos eram compostos por 8 a 12 mulheres.
Vários foram os instrumentos utilizados por Helgeson, Cohen, Schulz e Yasko
(2001) para avaliação da eficácia das intervenções, bem como estas foram avaliadas em
diferentes períodos de tempo. Contrariando a hipótese dos autores (de que o Grupo 3
ofereceria melhores benefícios às mulheres) a intervenção ao qual foi submetido o Grupo 1
foi a que apresentou melhores resultados. As participantes desse grupo apresentaram
maiores níveis de vitalidade, níveis menores de dores no corpo e maiores níveis de
funcionamento quando comparadas ao grupo controle (Grupo 4). Esse fato pode ser devido
às informações recebidas nos encontros e que as instrumentam nas atividades do dia-a-
dia (demonstrando ser uma aprendizagem ao longo do tempo). Não foram detectados
benefícios ao longo do tempo para o Grupo 2, talvez porque a expressão emocional necessite
de um tempo maior para gerar benefícios e talvez porque somente a expressão emocional
não seja forte o suficiente para afetar o funcionamento físico e psicológico. Como o Grupo 1
apresentou os melhores resultados e o Grupo 2 também apresentou bons resultados, os
pesquisadores hipotetizam que a intervenção proposta no Grupo 3 não tenha gerado bons
resultados porque uma intervenção pode ter anulado os efeitos positivos da outra.

Considerações Finais
Como pode ser visto, a partir dos dados apresentados acima, várias são as
tentativas para compreender o universo das mulheres mastectomizadas. Estudos
procuram identificar inform ações im portantes acerca das vivê n cia s por elas
experimentadas. Por outro lado, nenhum deles clarifica os pontos em que há dificuldades
específicas, pois apontam somente aspectos gerais após a mastectomia. Não foram
encontradas pesquisas que descrevessem funcionalmente as variáveis envolvidas.
Alguns estudos levantam hipóteses da relação entre os eventos ambientais, a doença
e os comportamentos decorrentes, más essa relação não é demonstrada.
Dessa forma, sugere-se que sejam realizados estudos analítico-comportamentais
dirigidos a analisar funcionalmente comportamentos públicos e privados de mulheres

i Sobre Comportamento e Cognição 261


mastectomízadas. Consídera-se que tafs informações possam ser relevantes para a
elaboração de programas de orientação para tais mulheres.

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264 Ana Cliudia Paramini Sainpaio, Vera Lúcia Adatni Raposo do Amaral t M aria Lu na Marinho
Capítulo 23
Estratégias utilizadas por
odontopediatras no manejo do
comportamento infantil1
O lív ia Ju ste n B ran d e n b u rg *
Ju lia n a A ccioly Q av azzo n i*
M a ria Luíza M a r in h o 3
Universidade Estadual de Londrina

Os estudos e intervenções psicológicos na área da saúde vêm se destacando nas


úftimas décadas. A Psicologia da Saúde procura entender o papel desempenhado pelas
variáveis psicológicas no processo saúde-doença, incluindo a manutenção da saúde, o
desenvolvimento de doenças e os comportamentos associados às doenças (Miyazaki,
Domingos & Caballo, 2001). De forma geral, duas áreas importantes do campo de estudo
e intervenção da Psicologia da Saúde sãç a prevenção de doenças e a adesão ao tratamento.
A pobre adesão ao tratamento, ou seja, não seguir as recomendações terapêuticas
dos profissionais da saúde, vem se mostrando um problema muito sério (Malerbi, 2000).
Segundo esta autora, muitos tentam explicar a pouca adesão ao tratamento como resultado
da falta de força de vontade, de desejo etc. Esse tipo de explicação dificulta o trabalho de
intervenção do psicólogo e não é aceita por analistas do comportamento. Diferentemente, a
Análise do Comportamento busca identificar quais variáveis ambientais controlam o
comportamento de aderir ou não ao tratamento da doença. Assim, Malerbi (2000) ressalta
que a adesão é mais bem compreendida como um conjunto de comportamentos de auto-
cuidado controlados por eventos ambientais, e não como um traço do indivíduo. A identificação
desses eventos é que permite o planejamento de intervenções.
Quando se fala em saúde bucal, o campo da psicologia da saúde também pode
se dividir, de forma geral, em estudos sobre prevenção ou adesão. A prevenção pode ser
compreendida como um conjunto de procedimentos para a instalação e a manutenção
de comportamentos que evitem doenças bucais, sendo a cárie a mais comum. Á ádesão
ao tratamento da doença bucal inclui classes comportamentais do pàdente observadas
tanto no consultório (como se submeter aos exames e aos procedimentos odontológicos)
como fora dele (como seguir as orientações do dentista nos cuidados após a consulta).
Na sala de atendimento odontológico, cerca de um quarto da população infantil
apresentam comportamentos de não-colaboração (Allen, Stanley & McPherson, 1990).

’ Apoio: CAPES/Demanda Sodal


1 Mfestrandas do Programa AnAGse rto Comportamento da Universidade Estadual de Londrina
Contato. drvgib@ooda.oom.br
sDocente do Departamento óe Psiodogia Gerale Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina.

Sobre Comportamento t Cognição 265


Tais comportamentos compreendem movimentos do corpo e da cabeça, choro e
reclamações que atrapalham ou impedem a atuação do dentista. Esses comportamentos
podem ser considerados como parte do conjunto de respostas de não adesão ao
tratamento. Eles apresentam diversos aspectos negativos, tanto para o paciente quanto
para o dentista. Por exemplo, quando a criança se movimenta bruscamente, existe o
risco de o dentista ferí-la e neste momento, o dentista normalmente interrompe o
procedimento odontológíco. Isso reduz a eficiência do atendimento e desencoraja esses
profissionais a trabalhar com a clientela infantil (Stokes & Kennedy, 1980).
Assim como aderir ou não ao tratamento é muitas vezes considerado como
característica da pessoa, exemplos dessa classe de resposta como apresentar
comportamentos não-colaborativos também são interpretados por este ângulo. A explicação
do comportamento humano predominante no senso comum é mentalista, a qual se aplica
também ao contexto odontológico. Pessoas dirão que uma criança chora porque tem medo,
porque tem um “trauma" ou um temperamento difícil. Em analogia à explicação da Análise
do Comportamento para a adesão ao tratamento médico, os comportamentos não-
colaborativos também não advêm de traços da criança, e sim de variáveis ambientais.
Moraes e Pessotti (1985) descrevem inúmeras variáveis que podem exercer
controle sobre o comportamento do paciente odontológico, variáveis estas que podem
se combinar de forma específica em cada criança e em cada momento. Os processos
de condicionamento envolvidos podem ser respondentes ou operantes. Muitos
comportamentos de não-colaboração da criança podem ser reflexos, controlados por
estímulos eliciadores incondicionados ou condicionados. O ruído do aparelho de alta
rotação utilizado pelos dentistas corresponde a um exemplo de estímulo eiiciador
incondicionado que provoca respostas de afastamento (Seger, Banaco & Garcia, 2002).
O ruído pode ser emparelhado com outro estímulo neutro, como o avental branco, e
diante deste último a criança pode passar a apresentar as mesmas respostas reflexas,
ocorrendo o processo de condicionamento. A dificuldade de manejar comportamentos
respondentes vem da única forma de intervenção, o despareamento entre os estímulos,
que consiste em apresentar o estímulo condicionado sem a presença do incondicionado
(Seger et al., 2002).
Outra parte dos comportamentos da criança é operante, está sob controle de
eventos antecedentes e conseqüentes. Moraes e Pessotti (1985) citam como exemplos
de condições antecedentes eventos ocorridos na sala de espera (ouvir histórias, esperar
muito pela consulta), ruídos e odores fortes na sala de atendimento, história odontológica
prévia, instruções fornecidas pelo dentista. Como exemplos de condições conseqüentes,
os autores citam as decorrências da intervenção (alívio da dor, recuperação estética) e
os comportamentos do dentista de reforçar ou punir a criança. Alguns antecedentes e
conseqüentes podem ser manipulados pelo dentista. No entanto, como esses eventos
não possuem propriedades prévias, o dentista precisa conhecer cada paciente e
identificar quais eventos afetam a criança para então planejar a intewenção.
A manipulação das variáveis responsáveis pelos comportamentos não-
colaborativos faz parte do conjunto de técnióas de manejo comportamental em
odontopediatria. A Academia Americana de Odontopediatria define o manejo como a
interação do dentista com a criança que visa tanto diminuir medo e ansiedade como
ensinar para a criança a importância da saúde bucal (AAPD - American Academy of
Pediatric Dentistry, 1998-1999). A Academia fornece um guia aos dentistas com a
descrição de tipos de manejo comportamental e cuidados relacionados. Uma relação
resumida das técnicas indicadas se encontra na Tabela 1.

266 Oílvid_lv?íen Brandenburg , )uliana A rrio ly C/avazzôni t M aria Luiz* Marinho


TÉ C N IC A S D tM N IÇ Ã O
P resença/ausência dos Usar da presença ou da ausência dos pais para a u m e n ta r co op e ra ção
pais da crianç'a.
D ize r-M o s tra r-F aze r Explicar o procedim ento, d em o n stra r e re alizar o que foi d ito e
dem onstrado.
Controle pela voz Alterar o volum e e o lom da voz do dentista para d ire c io n a r o
paciente.
Com unicação não-verbal Contato, postura, expressão facial que podem guia r e re fo rçar o
com portam ento da criança.
R eforçam ento positivo Processo de e stabelecim ento de com portam errtos d e s e já v e is , ao
recom pensá-los.
Distração D esviar a atenção do paciento daquilo que pode ser p erce b ido com o
procedim ento desagradável.
Mão Sobre a Boca O dentista coloca sua m ão. gentilm e nte, sobre a boca da crian ça e lhe
explica o com portam ento esperado, ca lm a m e n te .
E stabilização Protetora A plicação direta de força física ao pacie n te para re s tring ir sua
liberdade de m ovim ento, pelo d en tista, assistente ou pais.
intervenções Inalação de óxido nitroso e oxigênio, sedação e a ne stesia geral.-
Farm acológicas

Tabela 1. Técnicas de manejo do comportamento indicadas pela Academia Americana de


Odontopediatria - AAPD.

As técnicas de manejo comportamental não farmacológicas apresentadas na


Tabela 1 estão baseadas no princípio do controle operante. Por exemplo, a distração
corresponde ao controle por estímulos antecedentes. As técnicas presença ou ausência
dos pais, reforçamento positivo, controle pela voz, e mão sobre boca podem ser utilizadas
para conseqüenciar os comportamentos das crianças, reforçando-os ou punindo-os. A
técnica dizer-m ostrar-fazer está relacionada ao processo de m odelagem do
comportamento da criança no consultório.
A freqüência de uso dessas técnicas de manejo e as pesquisas sobre elas vêm
sofrendo atterações ao longo das últimas décadas. Allen et al. (1990) relatam que no início
dos anos 70, as técnicas de manejo predominantes eram intervenções farmacológicas e
variações de restrições físicas. No fim dessa década houve certa expansão do repertório dos
dentistas em relação ao uso de técnicas, mas a eficácia delas ainda não tinha sido demonstrada
no contexto odontológico. Foi na década de 80 que pesquisas experimentais provaram a
eficácia de técnicas psicológicas. Na preparação para o tratamento, Stokes e Kennedy (1980)
demonstraram que um paciente infantil assistir o atendimento odontológico de outra criança,
associada com reforço positivo reduziu o índice de não-colaboração de pacientes infantis. No
manejo do comportamento da criança durante o tratamento dentário, o mesmo efeito foi
encontrado nas pesquisas sobre distração contingente (Ingersoll, Nash, Blount & Gamber,
1984) e fuga contingente (Allen & Stokes, 1987),
No entanto, justo essas técnicas, com resultados promissores, apareceram
entre as menos utilizadas pelos dentistas, conforme Allen et al. (1990), Segundo os
achados dessa pesquisa, as técnicas mais usadas foram o dizer-mostrar-fazer e o
prêmio não contingente, seguidos de controle pela voz, sedação, presença dos pais,
restrição e mão sobre boca. A distração esteve em 11° lugar e o prêmio contingente em
13°, dentre as 15 técnicas avaliadas. As sete primeiras técnicas citadas estão entre as
tradicionais, as quais ainda não apresentam dados de pesquisa conclusivos sobre sua
eficácia. A dificuldade de os profissionais aceitarem novas técnicas refere-se a fatores
que envolvem principalmente o investimento na implementação, seja ele financeiro,
tempo gasto e habilidade necessária a ser aprendida (Allen et al., 1990).

Sobre Comportamento e Cognição 267


Portanto, parece haver um distanciamento entre a pratica do dentista no maneio do
comportamento da criança e o desenvolvimento de pesquisas relacionadas que comprovem
o efeito das técnicas. O presente trabalho visa descrever estratégias de manejo do
comportamento infantil utilizadas por odontopedíatras em uma cidade brasileira que é referência
no trabalho de odontopodiatria. Considera-se esse um primeiro passo para possibilitar futuras
pesquisas testando o efeito de técnicas de manejo do comportamento da criança.

M étodo
Participaram no presente estudo oito odontopedíatras, do sexo feminino, da
cidade de Londrina-PR. Duas das dentistas estavam cursando especialização em
odontopediatria. O tempo de atuação como odontopedíatras de cada uma das outras
seis dentistas era: menos de um ano, um ano e meio, três anos, seis anos, dez anos e
26 anos. A clientela dessas profissionais variava de 0 a 18 anos.
Os dados foram coletados através de um roteiro de entrevista estruturada,
elaborado para este estudo, com as seguintes perguntas: descreva qual é o padrão do
seu procedimento com crianças na primeira consulta; quais estratégias você utiliza
quando a criança não colabora?; quais estratégias você utiliza para a criança colaborar?;
quais são suas maiores dificuldades com as crianças?; o que você acharia importante
pedir como auxílio para a área da Psicologia?
As dentistas foram contatadas por indicação por pessoas conhecidas ou
pacientes. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas e analisadas.

Resultados e Discussão
Estratégias adotadas na primeira consulta
Ao receber uma criança para a primeira consulta, a maioria das dentistas relataram
que se comportam de forma a facilitar a adaptação da criança ao novo ambiente. Algumas
delas utilizaram o temno “condicionamento", próprio da odontopediatria, para se referir ao
processo de habituação ou adaptação da criança ao ambiente e às pessoas do contexto
odontológico. Para que isso aconteça, foram descritas diferentes estratégias: na sala de
espera, são disponibilizados brinquedos para as crianças; ao entrar no consultório, as
dentistas apresentam a sala, os móveis, os aparelhos e cada instrumento. Uma dentista se
diferenciou relatando que lê livros, junto com a criança, relacionados ao dentista. Nessa
primeira consulta, disseram não realizar procedimentos odontológicos, havendo exceção
nos casos de emergência. Uma delas relatou que apenas conta os dentes com a criança.
Além desse processo de condicionamento, metade das dentistas disse que se
preocupa com a criança em primeiro lugar, dando toda a atenção para ela, buscando criar
um vínculo. Elas conversam, uma delas disse que se abaixa para falar de igual para igual,
perguntam sobre a vida familiar e escolar da criança, para depois perguntar sobre assuntos
relacionados aos dentes (pasta utilizada, escovação). Apareceram também respostas
sobre acolhimento, tratamento com carinho, demonstração de amizade e segurança. Por
último, todas as dentistas permitem a presença dos pais na sala de atendimento, com os
quais algumas fazem uma anamnese inicial sobre diversos aspectos da criança.
O padrão de atendimento relatado pelas dentistas tem respaldo na literatura
da área de odontopediatria. Grinberg e Schor (1984) descrevem como deve ser o primeiro
encontro da criança com o dentista, incluindo indicações de não se realizar tratamento
odontológico no primeiro atendimento, respeitar o tempo da criança, apresentar todos
os instrumentos, deixar a criança manipulá-los e usar linguagem acessível.

268 O ltvia Justen B ra rd m b u rg , Juliana A ctiofy Cjava/joni e M aria Luím Marinho


Todos esses passos são importantes, pois se espera da criança um padrão de
comportamento complexo que ela ainda não aprendeu. Esperar pela consulta em uma sala,
entrar em outra e sentar numa cadeira, permitir que o dentista realize procedimentos em seus
dentes, são comportamentos que podem ser modelados (Moraes & Pessotti. 1985). Desse
aprendizado dependerá o comportamento da criança nas próximas consultas odontológicas.

Estratégias mais utilizadas durante os atendimentos odontológicos


Tanto na primeira como em todas as outras consultas, as dentistas utilizam
estratégias para conquistar a criança e facilitar a colaboração dela com o seu trabalho
odontológico. A técnica de maior freqüência entre as dentistas foi o dizer-mostrar-fazer. A
maioria disse que explica o que vai fazer e qual instrumento vai empregar antes de realizar
um procedimento. Da mesma forma, esta foi a técnica relatada como mais usada pelos
dentistas da pesquisa de Allen et al. (1990) e de Carr, Wilson, Nimer.e Thorton (1999).
Apesar de muito utilizada, poucas pesquisas são encontradas comprovando ser
a técnica dizer-mostrar-fazer eficiente no controle do comportamento da criança. Os
dentistas participantes da pesquisa de Sarnat, Arad, Hanauer e Shohami (2001)
apresentaram alta incidência do comportamento de dar informações sobre o procedimento
odontológico. Poucos fizeram a demonstração, a descrição das sensações e a explicação
dos porquês de cada procedimento. Somente esses dois últimos componentes se
correlacionaram, de forma positiva e significativa, com o sucesso do tratamento. Alóm
disso, na linha de base de experimentos em que o dizer-mostrar-fazer era empregado
em conjunto com prêmio não contingente em crianças com história de não-colaboração,
não houve redução de comportamentos não-colaborativos, os quais muitas vezes
aumentaram (Allen & Stokes, 1987, Stokes & Kennedy, 1980, Stark et al., 1989).
A segunda estratégia mais citada entre as entrevistadas foi a distração.
Diferentes artifícios foram descritos como utilizados para distrair a criança, como: cantar
músicas, contar histórias, conversar sobre desenhos animados, fantasiar. Neste último
caso, apareceram especificidades na atuação de algumas dentistas, que inventaram
diferentes personagens ou objetos para, no momento da anestesia ou em outro
desagradável, desviar a atenção da criança. No relato delas, a criança entra na fantasia
e permite a realização do procedimento necessário.
Apesar de as dentistas afirmarem que a distração funciona, tal dado ainda não
foi provado pelas pesquisas. Existem muitos estudos sobre a distração (Aitken, Wilson,
Coury & Moursi, 2002, Stark et al., 1989), apesar de estes apresentarem resultados
controversos sobre a efetividade. Há indícios de que crianças com alto índice de não-
colaboração não são controladas por este tipo de estímulo (Stark et al.). Redução da
não-colaboração foi encontrada quándo a distração foi contingenciada ao comportamento
colaborativo da criança durante os procedimentos odontológicos (Ingersoll et al., 1984).
Como outra estratégia para aumentar a colaboração da criança, cinco das
dentistas disseram que oferecem um brinde ao final da consulta, como uma bexiga, um
desenho, uma surpresa. Três delas o fazem não contingente e duas contingente ao
comportamento colaborativo. Na pesquisa de Allen et al. (1990) ficou evidente que há
muitos dentistas fornecendo brinde independente da colaboração da criança. O reforço
positivo parece ser uma técnica muito disseminada entre os dentistas, mas poucos a
utilizam compreendendo seu principio de conseqüenciar um comportamento do indivíduo
e aumentar a probabilidade daquele éómportamento ocorrer (Skinner, 1953/1993).
As evidências sobre a eficácia do uso do reforçamento positivo também são
controversas. Na pesquisa de Rank, Carvalho, Raggio, Cecanho e Imparato (2005), a

' Sobre Comportamento e Cognição 269


comparação entre o grupo de crianças que recebeu uma bexiga ao final da consulta com
o grupo que não recebeu mostrou diferença estatística significativa de redução da
ansiedade no grupo que recebeu prêmio. No entanto, esses autores não mediram
diretamente comportamentos de não colaboração. Possobon, Caetano e Moraes (1998)
observaram que a atividade lúdica como reforço foi eficiente no controle do comportamento,
enquanto Possobon, Moraes, Costa Júnior e Ambrosano (2003) concluíram que oferecer
prêmio para colaboração não foi eficiente. No entanto, em ambas as pesquisas, a atividade
iúdica como reforçador positivo foi avaüada junto com outras estraíégias de manejo
comportamental, dificultando identificar qual variável afetou o comportamento da criança.
Talvez tenha sido possível verificar em Possobon et al. (2003) que a implementação da
regra de que a nãc-colaboração levaria à interrupção dos procedimentos odontológicos,
fez com que os comportamentos de fuga e esquiva fossem reforçados. O prêmio após a
consulta não foi suficiente para competir com o reforçador negativo.
Ainda sobre o que as dentistas fazem para aumentar a colaboração da chança, uma
dentista relatou fazer a criança participar dos procedimentos e dar liberdade no consultório;
outra disse que tira fotos das crianças, as coloca no murai e as manda pelo correio e usa
boneco para ensinar escovação; ainda outra, entrega diplomas de final de tratamento. Enfim,
há algumas diferenças em cada profissional, as quais buscam tomar o tratamento odontológico
o mais atrativo e agradável. No relato de algumas se verificou que a maioria das crianças
gosta de ir ao dentista, às vezes não querem ir embora e dizem que sentem saudades da “tia”,
sendo poucas as que apresentam dificuldades para serem atendidas.

Estratégias para manejo dos comportamentos infantis de não-coiaboração


Apesar de as participantes dizerem que a maioria das crianças colabora, há
momentos em que isso não ocorre. Diante de comportamentos de não-colaboração,
foram citadas algumas estratégias de manejo. A mais freqüente foi a restrição física,
seguida da mudança no tom de voz e depois da ameaça de os pais retirarem-se da sala.
Nos casos em que a criança não colabora a ponto de impedir que a dentista
realize o procedimento, sete entrevistadas relataram usar a restrição física. Aplica-se
força física para imobilizar a criança; assistente e/ou pais seguram cabeça, braços e
pernas. Cinco delas disseram utilizar um lençol para restringir os movimentos da criança
em situações de emergência por proteção. Estas dentistas têm em comum o local de
formação, o que pode explicar o uso do mesmo tipo de estratégia.
A restrição física é indicada pela AAPD em casos de não-colaboração do paciente.
No entanto, a Associação ressalta alguns riscos e cuidados a serem tomados ao se utilizar
esta técnica. Além disso, deve-se ressaltar que nas pesquisas sobre a opinião dos pais, as
técnicas restritivas são as menos aceitas (Eaton, McTigue, Fields Jr & Beck, 2005).
A técnica mão sobre a boca não apareceu entre as respostas. Pesquisas
americanas indicam menor uso, principalmente entre dentistas mais novos (Carr et al.
1999). A redução do uso dessa técnica está relacionada a questões éticas e legais, e
também à opinião dos pais (Allen et al., 1990, Carr, et al.). No entanto, não são encontrados
dados empíricos avaliando os efeitos das estratégias aversivas. A pesquisa de Barton,
Potter, e Henderson (1993), que comparou pessoas que passaram por experiências
mão sobre boca e/ou restrição física, não encontrou diferença significativa quanto ao
medo e as memórias positivas e negativas de tratamento dentário. Esses dados, porém,
foram baseados no relato verbal de lembranças, o que é passível de criticas.
A segunda técnica mais citada entre as participantes da pesquisa para controlar
comportamentos de não-colaboração foi a mudança no tom de voz. Elas disseram ser

270 O íivw lusten Braniletiburfl t Jutiana Actàoly Cavazzoni e M ana Luíza M arinho
necessário mostrar firmeza na voz e aumentar um pouco o volume para controlar o
comportamento da criança. Greenbaum, Turner, Cook e Melamed (1990) encontraram que
o controle pela voz foi efetivo no controle de comportamentos da criança. Houve diferença
significativa na redução da não-colaboração entre as crianças do grupo que receberam
comandos em voz elevada de forma contingente, em comparação com as crianças do
grupo em que os dentistas falavam sem alterar o volume da voz. Trata-se de uma medida
punitiva e apesar de os autores terem encontrado que não houve alteração nas reações
emocionais das crianças, eles alertam para os efeitos em longo prazo. Apesar de a punição
ter um efeito imediato (na pesquisa de Greenbaum et al„ 1990, houve eliminação rápida
das respostas de não-colaboração após intervenção em voz alta), sabe-se que em longo
prazo a aprendizagem nem sempre ocorre e existem outras desvantagens no uso de
métodos aversivos. Por exemplo, pode ocorrer um processo de condicionamento e o estímulo
neutro “dentista" passar a eliciar respostas de medo e ansiedade.
Por último, as dentistas relataram ameaçar a criança de pedir aos pais que se
retirem da sala caso elas não colaborem. Quando os pais se retiram, o combinado é retomarem
somente no momento em que a criança passar a colaborar com a dentista. Se a presença
dos pais na sala de atendimento afeta ou não o comportamento da criança, trata-se de uma
questão ainda não conclusiva. Uma pesquisa empírica demonstrou que as crianças atendidas
com pais na sala da consulta apresentaram muito mais comportamentos não-cotaborativos
do que as crianças que foram atendidas sem a presença dos pais (Marzo, CampaneUa,
Albani & Galtusi, 2003). Na pesquisa de Carr et al. (1999) muitos dentistas disseram acreditar
que a ausência dos pais permite o estabelecimento da relação entre o dentista e a criança
sem interferências. No entanto, a demanda social tem influenciado essa opinião dos dentistas
e 84% dos participantes daquela pesquisa disseram permitir a presença dos pais.
Dificuldades: lidar com os pais do paciente
Quando interrogadas sobre as dificuldades encontradas com as crianças, a
resposta mais comum entre as dentistas (seis em oito) foi justamente em relação aos
pais. O controle do comportamento das crianças só foi citado como dificuldade por duas
dentistas. Isoladas, também apareceram outras dificuldades como quando a criança
sente dor, sente medo, quando vem encaminhada de outro dentista, realização correta
da técnica, entendimento das diferentes fases da criança.
As dentistas explicaram que os pais geram as maiores dificuldades, porque
consideram que estes são responsáveis pelo comportamento da criança no consultório. As
entrevistadas no presente estudo disseram que como os pais não impõem limites aos
seus filhos e são superprotetores, as crianças são “mimadas" e “rebeldes”. Algumas também
citaram a falta de participação dos pais e outra dentista, a exigência deles. Opinião semelhante
foi encontrada na pesquisa de Adair, Waller, Schafer e Rockman (2004), em que os dentistas
disseram acreditar que os estilos parentais mudaram nos últimos tempos de uma forma
que afetou negativamente o comportamento das crianças no consultório.
Uma forma de lidar com os pais foi identificada nas respostas das dentistas:
procuram conversar com eles. As profissionais disseram que preparam os pais em
relação aos procedimentos odontológicos, aos manejos que o dentista pode utilizar e
possíveis reações do filho. Elas consideraram importante alertar os pais para serem
participativos, mas não interferirem nos momentos em que o dentista precisa manejar
o comportamento da criança, além de cuidarem com as expressões faciais.
Em concordância com essa dificuldade, a necessidade de saber como orientar
os pais foi um dos aspectos mais freqüentes mencionados diante da pergunta sobre o
que a Psicologia poderia auxiliar a odontopediatria. Além disso, algumas entrevistadas
relataram a necessidade de instrução aos dentistas sobre as fases da criança,

Sobre Comportamento e Cognição 271


características de cada idade. Uma dentista sugeriu que psicólogos dessem explicações
teóricas sobre o comportamento infantil e outra que indicassem o que pode ser feito
para lidar com a criança quando nada mais funciona.

Conclusão
O agrupamento das respostas por pergunta mostrou que, de forma geraL o
comportamento das dentistas entrevistadas obedece a um mesmo padrão. Houve algumas
diferenças, como por exemplo nos tipos de distração utilizados. Apenas uma das dentistas
relatou respeitar a individualidade da criança e agir diferente conforme o paciente.
Apesar da pequena amostra da presente estudo, os resultados sugerem que
as odontopediatras utilizam muitas estratégias de manejo comportamental positivas.
Entretanto, nos casos em que estas não funcionam, fazem uso da restrição física, uma
técnica potencialmente aversiva. Visto que se trata de uma técnica muito utilizada, parece
necessário o desenvolvimento de pesquisas sobre estratégias alternativas.
A Análise do Comportamento tem muito a contribuir com a odontopediatria. Por
exemplo, auxiliar na compreensão do comportamento da criança e do dentista. Como
ressalta Moraes (2002), entende-se que o problema não está na criança, e sim na interação
com variáveis ambientais, que em gera! podem ser manipuladas. Além disso, o autor
lembra que se os dentistas utilizam técnicas aversivas, é porque o uso destas é reforçado
pela redução da não-colaboração. Compreendendo isso, aponta-se para necessidade
de demonstrar aos profissionais a efetividade de outras técnicas de fácil implementação.
Por último, os resultados dessa pesquisa exploratória indicam que a demanda
dos dentistas está mais relacionada aos pais de seus pacientes do que ao controle do
comportamento das crianças. Pesquisas futuras podem verificar se isso corresponde a
um problema de fato, ou se existe incompreensão dos dentistas em relação ao
comportamento da criança. Talvez os dentistas confundam comportamentos de não-
colaboração que foram condicionados com birra da criança. Sem a compreensão de
por que a criança não colabora, muitas vezes os profissionais podem responsabilizar
apenas os pais pelos comportamentos inadequados de seus filhos. Enfim, as
participantes relataram a necessidade de entender melhor o desenvolvimento infantil,
um conhecimento importante para auxiliar no manejo das crianças, A Psicologia poderia
suprir esta necessidade ao ser incluída nos cursos de formação de odontologia.

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' Sobre Comportamento t Cognifio 273


Capítulo 24
Programas de intervenção para cessar o
comportamento de fumar cigarros:
resultados de pesquisas1
Juliana Accioly C/avazzoni
M aria Luiza M arinho
Oliviajusten Brandenburg*
Universidade Estâdvâlde Londrina

O tabaco, extraído de uma planta denominada Nicotiana tabacum, surgiu


aproximadamente no ano 1.000 a.C nas sociedades indígenas da América Central, chegando
ao Brasil provavelmente pela migração de tribos tupis-guaranis (Silva, 1990). No final do
século XIX, com a fabricação industrializada de cigarros e, posteriormente, durante as Guerras
Mundiais, observou-se um aumento no consumo de tabaco, que atingiu seu auge nas
décadas de 1950 e 1960 (Becofia, 1998; Marques et al., 2001). De acordo com o Ministério
da Saúde (2001), o desenvolvimento de técnicas avançadas de publicidade e marketing
também contribuiu para o acentuado aumento no consumo de tabaco neste período.
Nos anos 1960, surgiram os primeiros relatórios científicos atribuindo ao tabagismo
os efeitos danosos ã saúde. Atualmente, sabe-se que o fumo é fator causal de 50 doenças
diferentes, destacando-se as cardiovasculares, o câncer e as doenças respiratórias
obstrutivas crônicas. As estatísticas demonstram que podem ser atribuídas ao cigarro: 45%
das mortes por doença coronariana (infarto do miocárdio), 85% das mortes por doença
pulmonar obstrutiva crônica (enfisema), 25% das mortes por doença cérebrovascular
(derrames) e 30% das mortes por câncer (Instituto Nacional de Câncer [INCA], 2006).
O tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde {OMS] (2006a)
a primeira causa de morte evitável no mundo. A OMS (2006b) estima que o tabaco seja
responsável pela morte de um em dez adultos (5 milhões de mortes por ano) e que se
os padrões continuarem desta forma, a soma de mortes será de 10 milhões por ano em
2020. De acordo com o Ministério da Saúde/lNCA (2006), no Brasil, os números são
igualmente alarmantes, pois o tabaco faz anualmente 200 mil vítimas.

' O presenteIrabalho é parte do estudo da dssertaçâo de mestrado da primeira autora, mestranda do Programa Análise do Comportamento
da Universidade Estadual (te Londrirva.
Contato: ju9avaz20rt@yahoo.com br
* Bolsista CAPES

274 ju fiana A . Q avaôtmi, Mana Luira M arinho e O lfvia Jusien Brandenburg


O reconhecimento da expansão do tabagismo como um problema mundial, fez com
que, em 1999, durante a 52a Assembléia Mundial da Saúde, os Estados Membros das Nações
Unidas propusessem a adoçao do primeiro tratado internacional de saúde pública da história
da humanidade (Ministério da Saúde, INCA, 2007a). Trata-se da Convenção-Quadro para o
Controle do Tabaco, que determina um conjunto de medidas cujo objetivo é preservar as
gerações, presentes e futuras, das devastadoras conseqüências sanitárias, sociais,
ambientais e econômicas do consumo e da exposição à fumaça do tabaco. Dentre as várias
medidas da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco existem as seguintes para reduzir
a demanda por tabaco: a) aplicação de políticas tributárias e de preços com vistas à redução
do consumo; b) proteção contra a exposição à fumaça do tabaco em ambientes fechados; c)
tomar obrigatória a inclusão de mensagens de advertências sanitárias, recomendando o uso
de imagens em todas as embalagens de produtos de tabaco; d) desenvolvimento de
programas de educação e conscientização sobre os malefícios causados pelo tabaco; e)
proibição de publicidade, promoção e patrocínio; e f) criação e implementação de programas
de tratamento da dependência da nicotina (Ministério da Saúde, INCA, 2007b).
Em relação á implementação de programas de tratamento da dependência da
nicotina, observa-se que este é um tema que vem sendo muito estudado nas pesquisas
da área da saúde. Alguns estudos avaliam a aplicação de intervenções farmacológicas
(Paoletti et ai. 1996; Bohadana et al. 2000), outros avaliam intervenções psicológicas
(Klesges et al 2006; Myers & Brown 2005) e, ainda, alguns avaliam tratamentos combinados
(farmacoterapia associada à psicoterapia) (Alterman, Gariti & Mulvaney, 2001; Cindripini
et al.,1996). Cada uma destas intervenções será descrita com mais detalhes a seguir.

Pesquisas sobre Programas de Intervenção para Cessar o Tabagismo


Intervenções Farmacológicas
As intervenções farmacoterápicas utilizam medicamentos que são divididos
em duas categorias: medicamentos nicotinicos e medicamentos não-nicotínicos. Os
medicamentos nicotinicos, também denominados de Terapia de Reposição de Nicotina
(TRN), são fármacos que liberam nicotina no organismo e se apresentam nas formas
de adesivo, goma de mascar, inalador e aerosol. Os medicamentos não-nicotínicos
são os antidepressivos bupropiona e nortriptilina, e o anti-hipertensivo clonidina. Segundo
o Ministério da Saúde/INCA (2001), a TRN e a bupropiona são considerados
medicamentos de 1a linha3 e devem ser utilizados preferencialmente. A nortriptilina e a
clonidina são medicamentos de 2a linha e só devem ser usados após insucesso das
medicações de 1a linha. Em relação aos critérios para a utilização da farmacoterapia, o
Ministério da Saúde/INCA (2001) considera que a prescrição de apoio medicamentoso
deve seguir os seguintes critérios: a) para pessoas que fumam 20 ou mais cigarros por
dia; b) para pessoas que fumam o 1o cigarro até 30 minutos após acordar e fumam no
mínimo 10 cigarros por dia; c) para fumantes com escore no Teste de Fagerstròm4 igual
ou maior que 5; d) para fumantes que já tentaram parar de fumar anteriormente apenas
com abordagem cognitivo-comportamental, mas não obtiveram êxito devido a sintomas
de sindrome de abstinência; e) para pessoas que não tenham contra indicação clínica.
Uma pesquisa realizada por Bohadana et al. (2000) avaliou o uso de duas formas
de terapias de reposição de nicotina combinadas: adesivo e spray. Participaram deste
estudo 400 sujeitos, os quais foram designados aleatoriamente para dois grupos: 200
participantes para o grupo 1 e 200 participantes para o grupo 2. Entre o data escolhida para

’ Medicamentos que têm maior eficácia comprovada pera determinado tratamento e devem ser utilizados preferencialmente
' Questionário padronizado utflzado para avaliar níve) de dependência de nicotina.

Sobre Comportamento e Cognição 275


parar de fumar e a sexta semana, os participantes do grupo 1 receberam uma combinação
de duas formas de nicotina (inalada por spray e adesivo), enquanto os participantes do
grupo 2 receberam nicotina inalada com adesivo placebo. Entre as semanas 7 e 12, os
participantes do grupo 1 receberam o adesivo placebo ao invés do adesivo com nicotina,
enquanto os participantes do grupo 2 permaneceram com o mesmo tratamento. Após a
semana 12, o adesivo placebo foi retirado dos dois grupos e a nicotina inalada foi utilizada
por mais 3 meses se necessário. Nenhum tratamento foi administrado no final de 6 meses.
Os participantes foram avaliados 6 meses após o término do tratamento e foram
considerados abstinentes aqueles que apresentassem nível de CO igual ou menor que
10 ppm. O nível de monóxido de carbono é medido através do sopro do indivíduo em um
aparelho. O resultado aparece em “ppm" que significa partes por milhão.
Os resultados da pesquisa demonstraram as seguintes porcentagens de
abstinência5: 25,0% no grupo 1 e 22,5% no grupo 2, aos 6 meses de seguimento; 19,5%
no grupo 1 e 14% no grupo 2, aos 12 meses de seguimento.
De acordo com Becona (1998), pessoas que utilizam tratamentos apenas com
TRN tèm apresentado uma porcentagem de abstinência em torno de 27% aos seis
meses de seguimento, enquanto que pessoas submetidas a tratamentos que utilizam
a TRN juntamente com um procedimento comportamental têm obtido entre 40 a 50% de
eficácia em um ano de seguimento. Diante disso, questiona-se o uso isolado de
medicamento nos tratamentos para parar de fumar, primeiramente pela constatação já
exposta de que a porcentagem de abstinência pode aumentar quando o tratamento é
combinado. Segundo, porque este tipo de intervenção pressupõe o comportamento de
fumar como conseqüência única e exclusiva da dependência física, não considerando
outros fatores determinantes que podem manter tal comportamento.
Observa-se nos últimos anos a diminuição de intervenções unicamente
medicamentosas. Em pesquisa realizada sobre publicações de programas de intervenção
para cessar o comportamento de fumar no período de 1996-2005 pelas autoras da presente
revisão na base de dados PsycINFO, com as palavras chaves “smoking and cessation
and (program or intervention or treatment)", foram encontrados 22 estudos de intervenções
com medicação. Todos os tratamentos referidos utilizavam aconselhamento terapêutico
concomitantemente. No entanto, a intensidade da intervenção terapêutica variava. Dos 22
tratamentos, quatro incluíam um breve aconselhamento de 15 minutos por sessão ou
manuais de auto-ajuda (Rose, Behm, Westman, 1998; Killen, Fortmann, Davis, Strausberg
& Varady 1999; Killen et el. 2000) e 20 continham intervenções terapêuticas estruturadas
(encontros de no mínimo 45 minutos por sessão).

Intervenções Psicológicas
Em relação aos estudos que utilizam intervenções psicoterápicas, observa-se
que os primeiros programas psicológicos para deixar de fumar surgiram a partir das
técnicas de terapia e modificação do comportamento na década de 60 (Becona, 1998).
Segundo o autor, desde o aparecimento destas técnicas, tem-se utilizado um grande
número delas para deixar de fumar, tais como os procedimentos aversivos (fumar rápido,
sacíação, choque elétrico, reter a fumaça) e procedim entos não aversivos
(automonitoramento, controle de estímulos, redução gradual da ingestão de nicotina e
alcatrão, manejo de contingências, dessensibilização). No inicio, os programas

5 A abslínênda se refere ao não consumo de tabaco e tem sido avaílada alw é s do nível de CO no ar exalado ou da cotinlna no sangue, urina
ou saliva Em relação ao nivel de CO observa-sfi que os pesqusadores têm u(ili2ado entre Gc 10 ppm para definir o nível de abstinência.

276 Juliana A . O avauoni, M ana Lulm M arinho e O livia Justen Brandenburg


utilizavam uma única estratégia, principalmente os procedimentos aversivos e manejo
contingente ao parar de fumar. No entanto, estes programas foram se mostrando
inadequados para cessar o comportamento de fumar, principalmente por questões
éticas, como será visto mais adiante. Diante disso, as pesquisas nesta área foram se
desenvolvendo e contribuindo para o surgimento de programas multicomponentes, ou
seja, que incluem diversas estratégias no mesmo tratamento.
Um exemplo dos tratamentos com uma única estratégia é o procedimento
aversivo. A terapiá aversiva é realizada através de um pareamento entre o comportamento
de fumar com alguns estímulos que podem adquirir função aversiva, com o objetivo de
diminuir e extinguir o comportamento de fumar (Hajek & Stead, 2006). Uma pesquisa
que avaliou a eficácia da inclusão do procedimento aversivo no programa de intervenção
foi realizada por Powelí e Azrin (1968). Os autores pesquisaram a redução do
comportamento de fumar através do uso de choque elétrico. Participaram 3 adultos
deste estudo. Durante o procedimento, os participantes receberam o seguinte aparato:
uma caixa de cigarros com um contador digital que registrava toda vez que a caixa era
aberta e um eletrodo posicionado no braço esquerdo, o qual era interligado à caixa de
cigarros e liberava o choque toda vez que a mesma era aberta. Durante 3 dias nenhum
choque foi liberado para que os participantes se acostumassem com o aparato.
Posteriormente, a intensidade do choque foi sendo aumentada até que os sujeitos
parassem de fumar ou então se recusassem a experienciar intensidades maiores de
choque. Por último, a intensidade do choque retomou ao seu valor inicial.
Os resultados observados por Powell et al. (1968) foram os seguintes: redução
nas taxas de cigarros fumados durante a fase de choque mais intenso (100% de redução
para o sujeito 1; 30% de redução para o sujeito 2; 70% de redução para o sujeito 3). As
taxas de consumo de cigarro voltaram imediatamente ao nível inicial quando o choque
foi retirado. Segundo os autores, o uso do choque elétrico parece ser limitado, pois
além da porcentagem de consumo retornar aos níveis iniciais após a intervenção, muitas
pessoas não estão dispostas a passar por este tipo de procedimento.
Outras técnicas aversivas têm sido utilizadas na cessação do comportamento
de fumar, tais como o fumar rápido e a saciaçâo. O fumar rápido consiste em aspirar a
fumaça do cigarra a cada seis segundos, enquanto que a saciaçâo consiste em dobrar
a quantidade de cigarros fumados diariamente. O objetivo é produzir sintomas tóxicos
tolerados da nicotina, como náusea, vertigem e produzir uma aversão ao fumar.
Estas técnicas têm demonstrado eficácia (APA, 1996), porém têm sido pouco
utilizadas atualmente em função dos prejuízos à saúde que podem causar em fumantes
com doenças coronarianas ou outras doenças (Law & Tang, 1995). No entanto, uma
questão que levanta discussões sobre a eficácia destas técnicas, está relacionada a
problemas metodológicos (Hajek et al., 2006). De acordo com uma revisão sobre
procedimentos aversivos para cessar o comportamento de fumar realizada por Hajek et
al. (2006), 25 estudos foram encontrados e apenas um utilizou uma medida bioquímica
para avaliar a abstinência dos participantes, em contraste com medidas de relatos
verbais utilizadas nos estudos restantes. Segundo os autores, este estudo que utilizou
uma medida bioquímica não apresentou resultados significativos.
Outra estratégia para cessar o comportamento de fumar que vem sendo estudada
é o manejo contingente ao parar de fumar. Corby, Roll, Ledgerwood e Schuster (2000)
realizaram uma pesquisa para avaliar se o ganho de dinheiro contingente ao parar de
fumar poderia promover abstinência em curto praza em fumantes adolescentes.
Participaram do estudo 5 adolescentes do sexo masculino e 3 do sexo feminino, O

Sobre Comportamento t Cognição 277


procedimento constituiu-se de um delineamento reverso entre sujeitos (ABA), no qual a
primeira e a terceira semanas consistiram em fases de linha de base (A), enquanto que
a segunda semana consistiu na fase de intervenção (B). Durante as fases de linha de
base os participantes eram encorajados a usar a sua força de vontade para tentar parar
de fumar. Não foi descrito na pesquisa como essa instrução era fornecida. Neste período
os participantes freqüentavam o laboratório duas vezes por dia, de segunda a sexta, antes
da escola (7:30 a.m - 9 a.m) e após a escola (3 p.m - 5 p.m). Nestas visitas, uma amostra
do ar expirado era coletada para análise do CO. Os participantes recebiam 4 dólares para
cada amostra de ar exalado que forneciam, independente do nível de CO (pagamento
não-contíngente). Durante a fase de intervenção, os participantes freqüentavam o laboratório
nos mesmos dias e horários para fornecer a amostra do ar exalado. Neste período os
participantes só recebiam o dinheiro se apresentassem um nível de CO menor ou igual a
8 ppm. O seguinte esquema de reforçamento foi utilizado: na primeira medida de CO
menor ou igual a 8 ppm, os participantes recebiam 1 dólar. Para cada medida consecutiva
do mesmo nível ou abaixo, os participantes recebiam um adicional de 50 centavos. Se
ocorressem cinco medidas consecutivas do mesrno nível ou abaixo, os participantes
recebiam um bônus de 3,75 dólares além do pagamento regular do esquema. Se a
medida se apresentasse maior que 8 ppm, o participante retornava para o início do
esquema de reforçamento. Todo o pagamento era feito em dinheiro, imediatamente após
a obtenção da medida de CO. O monóxido de carbono foi medido novamente duas
semanas após o término da última fase de linha de base. Os resultados demonstram as
seguintes médias do nível de monóxido de carbono no ar exalado: 16.93, 4.30, 8.95 e
21.75 nas fases de finha de base, intervenção, linha de base e follow up, respectivamente.
Observa-se que houve uma diminuição significativa no nível de CO durante a intervenção.
Outras pesquisas que também utilizaram a intervenção monetária contingente a níveis
baixos de CO (Lamb, Morral, Galbicka, Kirby & Iguchi, 2005; Stitzer & Bigelow, 1984; Stitzer,
Rand, Bigelow, & Mead, 1986; Wiseman, Williams & McMillan, 2005) obtiveram resultados
semelhantes, ou seja, ocorreu a redução do comportamento durante a intervenção. No
entanto, o mesmo retornou as taxas de linha de base após a intervenção.
Os pesquisadores que utilizam este procedimento relatam que o objetivo
principal de seus estudos não é descobrir um tratamento para a cessação do tabagismo
e sim investigar os efeitos em curto prazo do manejo contingente ao comportamento de
fumar. Sendo assim, é importante discutir a relevância clínica deste tipo de estudo.
Avaliar um procedimento que irá ter efeitos prováveis apenas em curto prazo
parece não oferecer muita utilidade para uma população que sofre de um grave problema
de saúde. De acordo com a APA (1996), o uso de contratos de contingência que procuram
reforçar abstinência de cigarros com um presente ou outro prêmio, ou então punir o
consumo pela aplicação de alguma multa ou pela retirada de algum incentivo, não
apresentou evidências de eficácia.
Em relação a alguns programas multicomponentes descritos na literatura (Brown
et al.. 2000; Burling et al., 2001; Cinciripini et al., 2003; Klesges et al., 2006; Martin et al.,
1997), observa-se que as pesquisas têm utilizado tanto estratégias comportamentais
(automonitoramento, controle de estímulos, técnica de resolução de problemas,
relaxamento, treino assertivo), quanto cognitivas (reestruturação cognitiva). Percebe-se
que a duração média destes tratamentos tem sido de 6 a 10 sessões, nas quais alguns
utilizam a redução abrupta do cigarro e outros a redução gradual. A maioria dos programas
vem sendo realizada em grupos, com duração em média de 1 hora e meia por sessão.
A abstinência tem sido considerada na maioria dos estudos a partir de medidas
fisiológicas, sendo as mais freqüentes a medida do monóxido de carbono e da cotinina.

278 Juliana A . Cjavaz/oni, Maria Luiia Marinho t Oirvia Ju ítm Brjndenbvrg


Uma pesquisa realizada por García e Becona (2000) avaliou os efeitos do
programa multicomponente elaborado por Becona por meio de grupos e de forma
impressa, através de manuais de auto-ajuda. Para isso, 114 fumantes foram designados
aleatoriamente aos seguintes grupos: programa multicomponente com 10 sessões;
programa multicomponente com 5 sessões; programa multicomponente com 5 sessões
associado ao manual de auto-ajuda; apenas manual de auto-ajuda; e grupo controle
que não recebeu nenhum tipo de tratamento. As estratégias utilizadas neste programa
são: informação sobre o tabaco; auto-registro; representação gráfica do consumo de
cigarros; controle de estímulos; prevenção de recaída; estratégias para aliviar os sintomas
da síndrome de abstinência; e redução gradual do consumo de tabaco. A avaliação da
abstinência dos participantes foi realizada através do medidor do monóxido de carbono,
antes e após a intervenção. A abstinência foi considerada quando o nível de monóxido
de carbono era igual ou menor que 8 ppm. As avaliações de seguimento foram feitas 1,
3, 6 e 12 meses após o tratamento. Os resultados apresentados no final do tratamento
indicam as seguintes porcentagens de abstinência: 68%, 58%, 60%, 36%, 0%, nos
grupos multicomponentes com 10 sessões, com 5 sessões, com 5 sessões mais o
manual, apenas o manual e grupo controle, respectivamente. As porcentagens de
abstinência apresentadas aos 12 meses de seguimento foram: 16%, 38%, 48%, 15%,
2%, nos grupos multicomponentes com 10 sessões, com 5 sessões, com 5 sessões
mais o manual, apenas o manual e grupo controle, respectivamente.
Estes resultados refletem a média de resultados que este programa vem
obtendo na população espanhola. De acordo com Becona (1998), o programa tem
demonstrado uma eficácia entre 58 e 85% de abstinência ao final do tratamento e de 38
a 54% de abstinência no ano de seguimento.
Uma pesquisa realiza por Brown et al. (2000) também avaliou um programa
multicomponente e obteve como resultado 24,7% de abstinência em 1 ano de seguimento.

Tratamentos Combinados
Sobre as pesquisas que utilizam tratamento combinado (medicação associada
à psicoterapia), um exemplo é o estudo realizado por Cinciripini et al. (1996). O objetivo do
estudo foi avaliar um tratamento terapêutico para cessar o comportamento de fumar
associado ao adesivo de nicotina. Participaram da pesquisa 64 sujeitos, os quais foram
designados a dois grupos: terapia comportamental sozinha (n = 32); e terapia
comportamental associada ao adesivo de nicotina (n = 32). O tratamento comportamental
incluiu as seguintes estratégias terapêuticas: informar sobre efeitos físicos e psicológicos
da nicotina; fortalecer comportamentos incompatíveis com o fumar; manipular o ambiente
desencadeador da resposta de fumar (ex. sair com pessoas não fumantes); respirar
profundamente; revisar as razões para parar de fumar e repetir frases de “coping' (ex. a
vontade vai passar). Esta intervenção foi realizada durante quatro semanas, com encontros
semanais em grupo de 7 a 11 pessoas e duração de 2 horas. A prevenção de recaída
consistiu em mais quatro sessões de intervenção terapêutica e incluiu as seguintes
estratégias: antecipar e lidar com situações de alto risco para fumar (ex: evitar o uso de
álcool e outras situações associadas ao cigarra); desenvolver habilidades para reduzir a
tensão, aumentar a energia e o prazer, manipular o afeto e evitar contato com estímulos
aversivos através de (a) controle de contingências, (b) inoculação do estresse, (c) treino
assertivo e (d) técnicas para melhorar o sono; aumentar o exercício e programar eventos
positivos. Os autores apenas citam as estratégias utilizadas e não as descrevem, o que
dificulta o entendimento de como avaliam medidas subjetivas como "aumento de energia
e prazer”, "manipulação de afeto", “impulso de fumar". As medidas na etapa de seguimento

Sobre Comportamento e Cognição 279


foram realizadas 1, 3, 6 e 12 meses após o tratamento. Foram considerados abstinentes
os participantes que apresentaram nível de monóxido de carbono menor que 6 ppm.
Os resultados indicaram uma abstinência significativamente maior no grupo que
recebeu terapia comportamental associada ao adesivo de nicotina em relação ao grupo
que recebeu apenas terapia comportamental aos 12 meses de seguimento (38% vs. 22%),
Uma pesquisa realizada por Alterman et al. (2001), para avaliar a eficácia do
tratamento comportamental associado com adesivo de nicotina obteve resultados
semelhantes. As porcentagens de abstinência foram significativamente maiores no
grupo que recebeu tratamento combinado (farmacoterapia associada à intervenção
terapêutica) em relação ao grupo que recebeu medicação associada à intervenção
terapêutica mínima {1 sessão de aconselhamento educacional).

Pesquisas Brasileiras
No Brasil, as pesquisas são muito mais recentes do que os estudos
internacionais e, portanto, o conhecimento sobre o tabagismo ainda não foi tão
aprofundado quanto o que se observa nos estudos realizados principalmente nos
Estados Unidos e Europa. Enquanto as pesquisas internacionais já estão desenvolvendo
programas de controle de tabagismo volíados para grupos específicos, como por
exemplo, para jovens ou para pessoas com transtornos psiquiátricos, no Brasil as
pesquisas têm se direcionado aos estudos de prevalência de fumantes (Guazzeíli,
Filho & Fiss, 2005; Ribeiro et al., 1999), relações entre tabagismo com outras doenças
médicas (Chatkin, Silva, Fritscher, Fiterman & Reck, 2005; Levy, Silva & Morano, 2005) e
eficácia de alguns tratamentos na cessação do fumar direcionados à população geral
(Haggstràm, Chatkin, Cavalet-Blanco, Rrodin & Fritsher, 2001; Otero et al., 2006). No
entanto, mesmo nestas áreas de pesquisa, a literatura brasileira é consideravelmente
ínfima em relação aos estudos de outros países.
Em relação às pesquisas que avaliam a eficácia de tratamentos para cessar o
comportamento de fumar, encontram-se poucos estudos brasileiros publicados na
literatura. Observa-se que a maioria destas pesquisas utiliza a associação da psicoterapia
aliada a farmacoterapia na cessação do fumar. Alguns estudos serão relatados para
demonstrar a eficácia que este tipo de intervenção tem obtido na população brasileira.
A pesquisa realizada por Otero et al. (2006) avaliou a efetividade dos métodos
de abordagem cognitivo-comportamental e terapia de reposição de nicotina com adesivos
para cessação de fumar. Participaram deste estudo 1.199 adultos, do Município do Rio
de Janeiro, Brasil. Os participantes foram designados aleatoriamente a dez grupos:
uma sessão de abordagem cognitivo-comportamental breve com (GBA) ou sem (GB)
uso de adesivos; uma sessão de abordagem cognitivo-comportamental intensiva com
(G1A) ou sem (G1) uso de adesivos; duas sessões de abordagem cognitivo-
comportamental intensiva com (G2A) ou sem (G2) uso de adesivos; três sessões de
abordagem cognitivo-comportamental intensiva com (G3A) ou sem (G3) uso de adesivos;
quatro sessões de abordagem cognitivo-comportamental intensiva com (G4A) ou sem
(G4) uso de adesivos. A sessão de intervenção breve teve duração de vinte minutos e a
intensiva, de sessenta minutos. O intervalo entre as sessões de intervenção dos grupos
com duas ou mais sessões foi de uma semana. A intervenção psicológica foi baseada
no Programa do INCA, o qual inclui as seguintes estratégias: intervenção
psicoeducacional, estratégias para lidar com a “fissura", relaxamento, treino assertivo,
prevenção de recaída e reestruturação cognitiva. Porcentagens de abstinência foram
estimadas através do relato verbal durante os 12 meses de seguimento. As porcentagens

juliana A. Çavazzoni, Maria Luiza M arinho e O lívia Justen Brandrnburg


de abstinência obtidas nos grupos sem adesivo foram 20% (GB), 17% (G1-G2) e 23%
(G3-G4). Nos grupos com adesivo foram aproximadamente 30% (GBA), 34% (G1A-G2A)
e 33% (G3A-G4A). Segundo os autores, os resultados sugerem que acrescer terapia de
reposição de nicotina aumenta a proporção de abstinência na cessação.
Na pesquisa realizada por Haggstràm et al. (2001), os autores tinham como
objetivo avaliar os percentuais de sucesso/fracasso entre os fumantes e analisar possíveis
fatores de risco para o fracasso no abandono do tabagismo. Participaram destè estudo
169 sujeitos, os quais receberam diferentes tratamentos confonne o grau dê dependência
de nicotina apresentado no Teste de Fagerstrõm (questionário padronizado utilizado para
avaliar nível de dependência de nicotina): a) dependência leve: terapia cognitivo-
comportamental; b) dependência moderada: terapia cognitivo-comportamental e
farmacoterapia (bupropiona 300mg/dia ou terapia de reposição de nicotina/TRN em doses
decrescentes); c) dependência grave; terapia cognitivo-comportamental, bupropiona e
TRN. Os autores não descrevem os componentes da intervenção psicoterapêutica. Os
resultados foram avaliados através do relato verbal dos participantes e indicaram que
49% pararam de fumar, 14% diminuíram significativamente o número de cigarros fumados
e 37% fracassaram. Entre as variáveis estudadas, a dependência grave à nicotina foi a
única que esteve associada a maior risco de fracasso. De acordo com as conclusões dos
autores, o uso de terapêutica farmacológica aliada a técnicas cognitivo-comportamentais
foi associado a maiores porcentagens de sucesso.
Além dos programas de tratamento utilizados nas pesquisas citadas acima, existe
no Brasil o Programa elaborado pelo INCA, para cessar o comportamento de fumar. Esse
tratamento faz parte do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), o qual foi
organizado pelo Ministério da Saúde, através do INCA, em 1989. O PNCT envolve, além do
tratamento para cessar o comportamento de fumar, outras ações educacionais, políticas,
legislativas e econômicas para reduzir o tabagismo no Brasil. O tratamento ao fumante proposto
por esse Programa está disponível na rede de atenção básica e de média complexidade do
SUS, incluindo os Centros de Assistência Psicossocial (CAPS), desde 2004 (Cavalcante,
2005). Não existe nenhuma pesquisa publicada sobre os resultados obtidos com este
Programa, no entanto, de acordo com o Ministério da Saúde/l NCA (1997), o Programa do INCA
tem demonstrado resultados de abstinência entre 30 a 46% aos 12 a 18 meses de seguimento.
Para utilizar o Programa do INCA, o profissional pode ser de qualquer área da saúde, desde
que tenha curso superior e seja capacitado pelo próprio INCA.
O Programa do INCA inclui intervenção medicamentosa e psicoterápica. Os
medicamentos utilizados são os de reposição de nicotina em forma de adesivo e de goma
de mascar, assim como o antidepressivo bupropiona. A intervenção psicoterapêutica tem
duração de 4 sessões semanais, realizadas em grupo, e inclui estratégias comportamentais
(intervenção psicoeducacional, estratégias para lidar com a “fissura", relaxamento, treino
assertivo, prevenção de recaída) e cognitivas (reestruturação de crenças). Este tratamento
utiliza a redução abrupta para parar de fumar. Após as 4 sessões, são realizados 2 encontros
quinzenais e então encontros mensais até completar 1 ano de tratamento.

Considerações Finais
Atualmente, existe uma grande quantidade de informação sobre a eficiência de
distintos programas para deixar de fumar. Com base em resultados de pesquisas,
revisões, guias clínicos, meta-análises,etc, observa-se que as intervenções psicológicas,
especificamente os programas multicomponentes, têm obtido resultados satisfatórios
na cessação do tabagismo. Sobre as medicações que auxiliam na cessação do fumar,
percebe-se uma diminuição de intervenções unicamente farmacológicas, sendo a

Sobre Comportamento e Cognição 281


medicação geralmente combinada com um tratamento psicológico. O tratamento
combinado também tem apresentado eficácia em seus resultados. É importante
ressaltar que intervenções apenas com medicação estão voltadas para a dependência
física, e, no entanto, o comportamento de fumar é mantido por outros fatores psicológicos
e sociais que precisam ser considerados.
Em relação à preferência entre tratamentos psicológicos ou combinados, deve-
se avaliar o custo da medicação e se a população que receberá o tratamento pode
utilizar tais medicamentos. Cada indívíduo possui uma história, uma forma de lidar com
seus problemas, e, sendo assim, cada um vai se adaptar melhor a uma forma diferente
de deixar de fumar.
No Brasil, observa-se que os estudos sobre programas para cessação do
tabagismo ainda são recentes, além de poucas pesquisas publicadas. Isto dificulta o
estabelecimento de programas de tratamento que sejam adaptados a nossa população.
Primeiro, porque toda vez que um profissional deseja avaliar a eficácia de um tratamento,
escolhe algum que foi testado principalmente nos Estados Unidos ou Europa, pela
infinidade de estudos que existem nestes países. Visto que são intervenções
direcionadas para populações específicas, sempre haverá dificuldades em aplicar na
nossa população.
Segundo, pelo fato que os profissionais que trabalham com tratamentos para
parar de fumar, geralmente o fazem em suas instituições de saúde e não divulgam seus
procedimentos e resultados. Se houvesse essa troca poderíamos estar mais avançados
nesta área de conhecimento. Com isso, cabe ressaltar a importância de não apenas
intervir nesta área, mas principalmente pesquisar e divulgar as propostas de intervenção
e resultados.

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carbon monoxide levels and noncontingent payments on smoking behaviors in cocaine-
abusing outpatients wearing nicotine or placebo patches. Experimental and Clinical
Psychopharmacology, 13(2), 102-110.

284 Juliana A . Çavazzoní, Marla L u iu Marinho e OliviaJustcn Brandenburg


Capítulo 25
O comportamento de escolha da
profissão em crianças de diferentes
extratos sociais: um estudo a partir do
relato verbal escrito
Fernanda Lima de M elo - U FM Ç *
Sônia dos Santos Castanheira - U F M Ç "

1. Introdução
A partir da perspectiva da Análise do Comportamento, podemos dizer que a
escolha profissional de uma pessoa é socialmente determinada pela combinação de
sua história genética, pessoal, familiar e cultural. A combinação dessas variáveis no
curso de vida conduz o desenvolvimento de interesses e habilidades relacionadas ao
exercício de determinadas escolhas profissionais.
A escolha profissional envolve o comportamento de tomada de decisão. Skinner
(1989) analisa o processo de tomada de decisão em termos de manipulação de
variáveis. Para ele, tal comportamento é, essencialmente, um processo de geração de
condições que tomarão um curso de ação mais provável que outro. Entendido dessa
forma, o decidir-se não é, então, a execução do ato decidido, mas o comportamento
anterior responsável por ele. (Nico, 2000)
Tomar uma decisão profissional é um comportamento cujos reforçadores são
diferentes dos reforçadores que exercerão controle no desempenho futuro da profissão.
As conseqüências do comportamento de exercício profissional não estão presentes na
situação de escolha. O sujeito, na melhor das hipóteses, pode apenas estimar, com
pequeno grau de segurança a probabilidade de que elas realmente venham a ser
reforçadoras (Moura, 200). Assim, pode-se supor que as ações envolvidas na tomada
de decisão (comportamento não-verbal) estejam ligadas à formulação verbal a respeito
de sob quais parâmetros decidir (regras) (Catania, Matthews & Shimoff, 1982). Tal
desempenho é mantido por contingências sociais (mediadas por outros).
O processo de manipulação de variáveis para decisão profissional, então,
envolve regras sociais implícitas no contexto verbal de controle do comportamento de
escolha. Isto quer dizer que as variáveis analisadas para compor a decisão profissional,
envolvem as expectativas e o conhecimento tanto do estilo de vida e nível socioeconômico
quanto de status social proporcionados pela profissão.

‘Aiuna 6 o curso de Psicologia da FAFICH/UFMG


"Orientadora - Prol* óo curso de Psicologia da FAFICH/UFMG

Sobre Comportamento c Cognição 285


Aíém do controle por regras, devemos analisar o contexto em que os sujeitos se
inserem. Segundo Moura (2001), o contexto de vida envolve basicamente duas variáveis: o
custo da resposta (o quanto a escolha envolve o enfrentamento de condições aversivas
subseqüentes até que os reforçadores sejam alcançados) e a história passada do indivíduo
(história de reforçamento para determinada atividade por modelagem ou modelação).

Objetivo
A partir desta análise, percebemos que diversos são os fatores de influenciam
na escolha profissional. O presente estudo buscou encontrar alguns desses fatores
em relatos verbais de crianças de escoia pública e privada do município de Beto Horizonte.
A escolha de escolas de diferentes extratos socioeconômicos teve como objetivo a
investigação de diferenças entre os grupos.
Como forma de pesquisa, foi escolhida a aplicação de questionários
respondidos pelos próprios alunos para a coleta de dados. Essa escolha foi motivada
pela facilidade de obtenção de maior número de dados com maior economia de tempo.

2. Método
2.1. Amostra
Para obtenção dos dados da pesquisa, foi utilizada uma amostra de 60 crianças, 30 de
uma escola pública e 30 de uma escola privada, com idades de 9,10 e 11 anos, de
ambos os sexos, escolhidas aleatoriamente.
O número de questionários foi escolhido para que obtivéssemos uma amostra
estatisticamente significativa de cada escola. As escolas foram escolhidas por
conveniência de acordo com a acessibilidade das mesmas.
2.2. Procedimento
2.2.1. Material
Foi entregue um questionário, onde as crianças respondiam a questões sobre profissão
dos país e sobre o que queriam e o que não queriam ser quando crescessem e
justificavam suas escolhas.
2.2.2. Procedimento-
A aplicação do questionário foi realizada em grupo. As instruções dadas pediam que as
crianças respondessem às questões e que solicitassem ajuda do aplicador caso
necessário. É importante ressaltar que as crianças podiam responder com mais de um
item nas questões sobre as profissões e, deste modo, os resultados exprimem o número
de vezes em que foram citadas as profissões e não o número de crianças que as escolheram.
A aplicação foi feita em uma sala reservada para tal e não haviam interrupções.
2.2.3. Análise-
Para a análise dos dados do estudo, foi escolhida a Estatística Descritiva a partir da
categorização das escolhas das crianças em grupos de modelos de escolha profissional.
Estes modelos foram: a) Modelos com curso superior, b) modelos sem curso superior,
c) modelos de influência da mídia, d) modelos de influência religiosa e e) modelos de
influência da profissão dos pais.
Foram descritas as porcentagens de aparecimento de escolhas segundo estes diversos
modelos tanto na escola pública quanto na escola privada.

Fernanda Lima de M elo e SBnia do? S a n !« Castanheira


3. Resultados
Após a coleta de dados, os resultados foram esquematizados da seguinte forma:
E s c o la P ú b lic a
U u e ro S e r (rt= 34 )
a) M o d e lo s com b) M o d e lo s sem c ) M o d e lo s de d) M o d e lo s de e) M o d e lo s de
c u rs o s u p e rio r c u rs o s u p e rio r in flu ê n c ia da in flu ê n c ia in flu ê n c ia da
(n = 15, 4 4 ,1 2 % ) <n = 12, 3 5 .2 9 % ) m íd ia (n =6. r e lig io s a ( n = i. p r o fis s ã o d o s
1 7,65% ) 2 .9 4 % ) p a is (n = 2)
M é d ic o (n = 3 . P o lic ia l {n = 3,
20% ) 25% ) C a n to r (n = 3, M is s io n á ria A d v o g a d o ( n = 1)
V e te rin á rio E s tilis ta (n= 1, 50% ) (n= 1, 1 0 0 % )
T é c n ic o d 0
(n = 2 , 1 3 ,3 3 % ) 8,3 3 % ) A to r (n = 1 ,
ín fo r m á Uca (n = 1)
D e le g a d o D ig ita d o r 16,66% )
(n = 1, 6 ,6 6 % ) (n = 1, 8 ,3 3 % ) M o d e lo (n = i ,
P ro fe s s o r de T é c n ic o de 1 6 ,6 6 % )
educação in fo rm ã tic a (n = H u m o r is t,i( n -
fis ic a (n = l , 1, 8 ,3 3 % ) 1, 1 6 ,6 6 % )
6,6 6 % ) C a m in h o n e iro
P ro fe s s o r (n = 1, 8 ,3 3 % )
<n = 3, 2 0 % ) Bom h e iro (n = 1
A dvogado 8 ,3 3 % )
(n = 2 , 1 3 ,3 3 % ) P ilo to de
D ire to r de c o rrid a {n = 1 ,
e s c o la (n= 1, 8 ,3 3 % )
6,6 6 % ) J o g a d o r de
fu te b o l(n = 1 ,
8 ,3 3 % )

E s "o Ia 'p ú K lic a


N a c nu e fo ser I n ' 2 Õ
a )M o d e Jo s com bjM o d e lo s sem r.)M o d í l o s tf« tf ) M ú d e lo s de «1M 0 d e 10 s de
curso s u p B ria . curso s u p e r io r iriduênciâ da m ílu é n c ia re lig io s a in Í1u ê n c ia da
(n = 1 5 39.2 8% ) ( n = 1 7 . 6 0. M * > m rj lâ ( n =0 , 0 % ) (n ~ o o % ) p ro fis s ã o dos
p « is (« = 2)
M é d ic o ( n - 5 . S o ld a d o (r» = 2 ,
4 5.45% ) t 1 ,7 6 % ) F â x io e ira { n = 2 )
0 e (i lis ta (ri - 1 r P o lie ta l(n - 2 .
9 .0 9 % ) M .76 * )
E sc filo i - 1,
1. 9,09% ) s ,a « % )
P ra fa 6 s a r d fi F a « in e iro (n = 2 .
e d u ca çã o (1 .7 6 % )
fís icfl (n = 1 , G s ri ( n - 5 .
9,09% ) 2 9 .4 1 % )
P r o ff liio r C jt a d(\r dA
í n = ? , 18,1»% > (í* o (n - 1 ,
V e te rín á rio ( n = 5 .8 8 % )
I , 9. 0 9 % ) C rim ineso
L a -A 2 J3 .Í2 % )
E s c o la P riv a d a
Q u e ro s e r (37)
a )M o d e lo s com b J M o d e io s sem c)W lodelos de d )M o d e lo s de e iM o d e lo s de
cu rso s u p e rio r c u rs o s u p e rio r in flu ê n c ia da In flu ê n c ia in flu ê n c ia da
(n= 1 a , 4 8 ,6 4 ) (n = 1 7, 4 5 ,9 4 % ) m id ia (n = 2, 5 ,4 0 % ) re lig lo s a (n = 0, 0% ) p r o fis s ã o d o s p a is
<n = 0)
P r o ic s s o r f f t '- ? . N a d a d o r(n = 2, A g e n te
1 1 ,7 6 % ) s e c re to (n = 1, 5 0% )
1 8 ,7 5 % )
D o n o de lo ja (n = 1 , M o d e lo (n = 1, 5 0 % )
A d v o g a d o (n = 3, 5 ,8 8 % )
16,66% ) J o g a d o r de
V e te rín á rio (n = 5,
v o lle y (n = 1 ,
2 7 ,7 7 % )
5 ,8 8 % )
B ló lo g o (n = 3, J o g a d o r de
1 6 ,6 6 % ) b a s k e t(n = 1,
P ro fe s s o r de 5 ,a a % )
e d u c a ç ã o fís ic a Jo ga d o r de
(n = 1, 5,55% ) F u te b o l(n = 8,
E n g e n h e iro {rt- 1. 4 7 ,0 5 % )
5.55% ) S a lv a -v id a s (n = 1 ,
Piloto de 5 ,8 8 % )
a v iâ o (n = 1 , 5 ,5 5 % ) M e c à n ic o (n = 1 ,
D e n tis ta {n = 1, 5,aa% )
5 ,5 5 % ) P ilo to de
P e s q u is a d o r(n = 1, K a rí(n = 1, 5,&8% )
5 ,5 5 % ) P ilo to de
c a r r o ( fi= 1 , 5 ,8 8 % )

Sobre Comportamento e Cognição 287


Escola Privada
Náo quer o ser (n-2B
a)M odelos com I b)M odelos sem c)M odelos de d)M odelos de e)Modelos do
curso superior curso influência da influência religiosa influência da
(rt=16, 57.14% ) I superior(n=11, m idia (n = 1 , (rt=0, 0%) profissão dos
39,29% ) 3,57% ) pais(n = 1)
Professor(rt=3,
10,75% ) Pintor{n=1, M odelo(n=1, Professor (n = 1)
M édico(n=7, 9,09% ) 100%)
43,75% ) Escrítor(n = 1,
V eterinário(n=3, 9 ,0 9 %)
18,75% ) Ca£>eleireiro{n = 1,
G e ó g fa fo (n = 1 , 9,09% )
6,25% ) Corrector{n= 1,
Jornalista(n = 1, 9,09% )
6,25% ) M olorista de
Geólogc>(n=1, ônibus(n=1,
6,25% ) 9,09% )
Crím ínoso(n=1,
9,09% )
PolicíaHn=2,
18,18% )
L ixeiro{n=1,
9.09% )
PaIhaço(n = 1.
9,09%)
Funcionário de
padaria (n = 1 ,
9,09% )
Distribuição das escolhas na Escola Pública

CvUffDtlt«

4. Conclusões
A partir dos resultados obtidos, foi possível formular algumas hipóteses sobre
o comportamento de escolha dessas crianças. É importante ressaltar que este estudo
não pretende uma generalização das observações empíricas para a população geral,
mas apenas analisar o padrão de escolha da profissão nas populações escolhidas.

Fernanda Unia d t M ílo e Sônia dos Santos Cislanheird


A modelação, a contingência econômica e os ambientes distintos que separam
os dois grupos possuem importantes implicações na escolha profissional das crianças.
A modelação fica evidente quando analisamos as profissões escolhidas. As
crianças geralmente querem ser médicos, engenheiros, modelos, jogadores de futebol
ou advogados, que ocupam um lugar de destaque no ambiente compartilhado (seja ele
dentro da escola, em casa ou na mídia). Ocorrem também casos em que as crianças
procuram seguir a profissão dos pais através da observação dos reforços associados
ao exercício da profissão (nestes casos, quando os pais são bem sucedidos).
Devemos considerar ainda o acesso a boas condições econômicas. Essa
contingência, que faz parte necessariamente de um grupo (crianças da escola particular)
e não necessariamente de outro (crianças da escola pública), exerce influência para que
as crianças mais pobres, geralmente, levem mais em conta a remuneração das profissões
em seu comportamento de escolha profissional. As crianças mais ricas, entretanto,
escolhem entre uma maior variedade de profissões, pois nem sempre consideram a
remuneração como um fator eliminatório em suas opções de escolha (essas crianças
escolhem ser jogadoras de vôlei simplesmente porque gostam de jogar vôlei).
O conhecimento do status social proporcionado pelas diversas profissões (acesso
aos estímulos discriminativos fornecidos pelo meio social), pode explicar a negação de
profissões avaliadas como de baixo status social. Este é o caso das crianças que não querem
ser faxineiras como suas mães e das crianças que não querem ser garis ou catadores de lixo.
Observa-se ainda, uma grande porcentagem de crianças que escolhem
profissões de sucesso aparentemente rápido e fácil. Além do controle da mídia, que
fornece os modelos de cantores ou jogadores de futebol providos de muitos reforços,
há ainda que se lembrar que essas profissões não exigem formação em curso superior,
priorizando uma escolha por reforçadores de curto prazo, já que nestes casos não é
necessário cursar vários anos de faculdade para então obter sucesso profissional.
Para finalizar, deve-se ressaltar a importância do contexto (ambiente de favela) no
aparecimento recorrente da negação de profissões ligadas à violência. As crianças da
escola pública vivem cotidianamente as contingências de um ambiente violento e expressam
o incômodo em suas escolhas profissionais, negando as profissões de policial, soldado e
criminoso. Parece se tratar uma estratégia de fuga de uma contingência aversiva.
Pode-se perceber que muitos padrões de escolha profissional são semelhantes,
tanto para as crianças de escola pública quanto para as crianças de escola privada, como
a tendência por escolha de profissões de grande status social e profissões de sucesso na
mídia. O que chamamos aqui de “contingência econômica", entretanto, é um importante
fator de diferenciação das escolhas profissionais entre os grupos. Na população mais
pobre evidencia-se uma maior preocupação com a remuneração das profissões escolhidas.

Referências

Catania, A. C.; Matthews, B. A. & Shomoff, E. H. (1982). Instructed versus shaped human verbal
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Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix

Sobre Comportamento e Cognição 289


Capítulo 26
Investigação da formação, em análise
do comportamento, de alunos
de cursos de psicologia de
instituições particulares
Eliana Isabel de M oraes Hamasaki
Angélica Capelari
Cristina M oreira Fonseca

O presente trabalho vem dar continuidade às investigações realizadas pelas


autoras ao longo dos últimos anos (Capelari, Fonseca & Hamasaki, 2005; Fonseca,
Hamasaki & Capelari, 2006). O foco principal das investigações anteriores, bem como
da proposta de investigação do atual trabalho, refere-se às características do ensino e
formação em psicologia, especificamente em análise do comportamento, de alunos de
cursos de instituições particulares de ensino superior da Grande São Paulo.
Em um primeiro estudo (Capelari, Fonseca & Hamasaki, 2005), a partir de um
levantamento pela Internet, via site do Conselho Regional de Psicologia (CRP/SP),
verificou-se certa homogeneidade na forma como as disciplinas ligadas à análise do
comportamento são ministradas. Por exemplo: 1) a apresentação e a discussão da
filosofia de ciência do Behaviorismo Radical de B. F. Skinner, distinguindo-o do
Behaviorismo Metodológico de J. B. Watson; 2) a apresentação e a verificação (em
atividades realizadas em laboratórios didáticos) dos princípios da análise do
comportamento; e 3) as estratégias usadas pelos docentes dessas disciplinas (textos
selecionados; roteiros de estudo; verificação de leitura; exercícios realizados em sala
de aula; atividades realizadas em laboratório didático; redação de relatórios etc.).
As dificuldades em relação à continuidade da formação em análise do
comportamento do aluno dessas instituições também se mostraram muito semelhantes.
Levantou-se a hipótese de que o fato de, comumente, as disciplinas ligadas à área serem
ministradas nos semestres iniciais do curso de Psicologia (mais especificamente nos
2o, 3o e 4o semestres), associado às incorreções acerca do Behaviorismo Radical e da
análise do comportamento nos próprios livros didáticos (Cirino, 2000) e à concorrência
desproporcional de disciplinas ligadas às abordagens psicodinâmicas nas matrizes
curriculares dos cursos dessa região, podem, inclusive, produzir uma baixa procura de
alunos interessados pelos estágios supervisionados por professores da área, assim
como por orientações de trabalhos de conclusão de curso (TCCs).
Tais resultados foram discutidos como, basicamente, produtos de preconceito
e incompreensão tanto da filosofia de ciência do Behaviorismo Radical como da própria
ciência do comportamento - a análise do comportamento.

Eliana Isabet de M . H am áiikl, Angélica Capelari t Cristina M . Fonseca


Como continuidade das discussões descritas acima, foi realizada uma
investigação com alunos de duas instituições da região do ABC paulista: uma universidade
e um centro universitário (Fonseca, Hamasaki & Capelari, 2006). Além de investigar a
formação desses alunos em análise do comportamento, os dados obtidos possibilitaram
a comparação da compreensão dos alunos, dos semestres inicial e final da disciplina,
acerca dos conceitos da área, além da comparação dos resultados das duas instituições.
Para tanto, foi elaborado um questionário baseado nas 20 criticas freqüentemente
dirigidas ao Behaviorismo Radical, discutidas pelo próprio Skinner em About Behaviorísm
(1974/2002). No total, participaram 142 alunos, sendo 75% deles de uma universidade da
Grande São Paulo e 25% de um centro universitário, da mesma região.
Entre os alunos da universidade, 85% estavam cursando a disciplina inicial
(primeira disciplina específica da área) e 15% estavam freqüentando a disciplina final
(última disciplina específica da área). Entre os alunos do centro universitário, 64%
estavam cursando a disciplina inicial e 36% estavam cursando a disciplina final.
De maneira geral, os dados apontaram que, embora ocorra diminuição tanto
dos preconceitos como das incompreensões e/ou confusões acerca da área por parte
dos alunos da disciplina final em relação aos alunos da disciplina inicial (de ambas as
instituições), os mitos ainda permanecem ao longo dos anos e em diferentes
comunidades acadêmicas (tanto brasileiras como americanas), corroborando os
resultados de Debel e Harless (1992), por exemplo.
Por outro lado, identificou-se pouca precisão no enunciado das questões
apresentadas aos alunos participantes. Na tentativa de apresentar um número
equilibrado de questões cujas alternativas eram “VERDADEIRA" ou “FALSA”, em alguns
casos, o enunciado das mesmas apresentava-se incompleto ou até ambíguo.
Além disso, o próprio momento em que a investigação ocorreu pode ter
contribuído para cer‘a “falta de atenção” dos alunos tanto aos enunciados como às
suas próprias respostas. A aplicação ocorreu no último dia de aula, destinada à entrega
de notas e à discussão das avaliações às quais os alunos foram submetidos ao longo
do semestre. Normalmente, a freqüência a essa última aula é mínima. Daí, o número
relativamente baixo de participantes, especialmente no centro universitário.
Assim, o próprio instrumento mereceu críticas e uma nova elaboração se fez
necessária para a continuidade da investigação atual, cujos objetivos são os mesmos
do estudo de 2006 realizado pelas autoras, com a inclusão de uma terceira instituição:
uma universidade particular da cidade de São Paulo.

Método
Participantes: Participaram da pesquisa 272 estudantes de graduação do curso
de Psicologia do início (82 alunos) e do final (190 alunos) do curso de três instituições
de ensino superior da Grande São Paulo, aqui denominadas instituições: A, B e C. Os
participantes foram assim distribuídos:
A : 101 alunos, sendo 26 de início de curso e 75 do final do curso. Considera-se
aqui alunos de início aqueles que cursavam o 1o semestre e estavam tendo pela primeira
vez uma disciplina específica da área. Os alunos do final cursavam o 2° semestre e
continuavam tendo a disciplina específica.
B: 95 alunos, sendo 30 de início e 65 do final do curso. Nesta instituição, os alunos
de início cursavam o 3osemestre e estavam tendo pela primeira vez uma disciplina específica
da área. Os alunos do final cursavam o 9o semestre correspondente a um dos semestres
de estágio supervisionado em atendimento dínico na abordagem comportamental.

/ Sobre Comportamento e Cognição 291


C: 76 alunos, sendo 26 de início e 50 do final. Os alunos de início cursavam o 4o
semestre e estavam tendo pela primeira vez uma disciplina específica da área. Os alunos
do final estavam cursando 6o semestre do curso e a última disciplina ligada à área.
Instrumento: Questionário baseado nas proposições do Behaviorismo Radica!
de Skinner (1974/2002), constituído de duas partes, sendo que a:
Parte I: continha duas questões abertas e seis questões dicotômicas do tipo SIM ou NÃO;
•Parte II: continha uma questão aberta e 16 questões dicotômicas do tipo VERDADEIRA
ou FALSA.
Procedimento: Na própria sala de aula dos alunos participantes e, após a
apresentação da proposta dessa investigação, leitura e assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido por parte dos alunos, o questionário foi entregue e
sua aplicação foi coletiva, realizada pela própria professora da disciplina.

Resultados e Discussão
Apesar do questionário usado no presente estudo para investigar a formação
dos alunos de Psicologia em análise do comportamento ser composto de 18 questões,
especialmente as respostas às questões que tratam da posição skinneriana acerca
dos processos cognitivos (pensamentos, sentimentos) serão apresentadas aqui. Tal
seleção deve-se ao fato de que a aceitação dos processos cognitivos pelo behaviorismo
radical bem como a possibilidade de investigação e tratamento desses processos via
relato verbal ainda serem mal compreendidos pelos alunos, conforme resultados dos
estudos anteriores que foram replicados neste atual.
Figura 1 destaca as respostas dos alunos à pergunta “O Behaviorismo Radical é
considerado a Psicologia S’!R?”, cuja resposta exigida era SIM ou NÃO. Na Figura, cada
instituição é representada por quatro colunas. As colunas da esquerda, em cada instituição,
representam os alunos do início do curso e as colunas da direita representam os alunos do
final do curso. Observa-se que, com exceção dos alunos da instituição B, tanto de início (!)
quanto de final (F) do curso que responderam NÃO a esta questão (aproximadamente 60%),
os alunos das instituições A e C responderam SIM a essa mesma questão. Desses alunos,
42% de I e 82% do F eram da instituição C e 100% do I e 88% do F eram da instituição A.

Figura 1. Respostas dos alunos á pergunta "O Behaviorismo


Radical é considerado a Psicologia S’!R?*

Esses resultados replicam Fonseca, Hamasaki e Capelarí (2006) ao verificar


que, embora possam ser observadas algumas mudanças, a confusão entre os
paradigmas dos Behaviorismos Metodológico e Radical ainda permanecem. Nos

Eliwu Isabel de M . Hamasaki, Attgélica Ce pelari e Cnstinò M . Fonítta


presentes resultados destacam-se: 1) o equilíbrio do ro fip H iS I S Plff os alunos dn
instituição B (I e F), com certo predomínio das respostas "fiVQ fjygii1 (f}y#r oemMmi)
e 2) a inversão “desfavorável" das respostas dos alunos de F jOitMuftjiVj 6 flmhwfa nSo
tenha sido sistematizada uma coleta dos relatos verbais das (riyfMif, fSfês õoãffõfam o,
não raro, sinalizavam certa incompreensão em funçào d« Iflggffifêes tfvrôi didáticos
empregados em outras disciplinas, bem como concopçòe» # g j y d i v u l g a d a # por
outros professores acerca do paradigma. Adiante, sorâo verifleadâ« «ntro
estas respostas dos alunos a essa questão se comparadas à i dtmaln r©Hpn»taB dos
outras questões ou asserções selecionadas para a prasfinte a n â liê
As respostas à asserção "A Análise do Comportamento investiga e<inHmnnlos,
pensamento e sonhos”, cuja resposta exigida era VERDADEIRA eu fA lO A a io nn
Figura 2. Para esta questão, a maioria dos alunos do toda« a* Jn«Hh/lçôí?B, tonfo do inicio
como do final do curso, responderam-na como FALSA, No «ntâfita, a resposta «mota orn
VERDADEIRA. Dos alunos da instituição A, os percentual* lantü du» sIuikih d« I qunulo do I
ficaram acima de 80%; dos alunos da instituição B, 93% üus «Itims rio I f? 5(1% d<>s nlunos de
F. Da instituição C, foram 76% de I e 85% do F e da instituição A foram 84% dn I o ík;% do F.

pensamento e sonhos*.

Estes dados apontam para a necessidade de uma "desmistificação" acerca


desses fenômenos comportamentais (dando status de “comportamento” a estes), no
sentido de enfraquecer a concepção dualista tão fortemente atribuída aos mesmos e a
“exclusividade’’ das abordagens psicodinâmicas para a investigação de tais fenômenos.
Neste sentido, cabe aos professores que m inistram d is c ip lin a s da área a
responsabilidade de seleção criteriosa de textos que abordem tais temáticas, bem
como a revisão de sua própria metodologia de ensino, assim como já apontava Silva
(1987). Sabe-se que, dada a complexidade do tema, o estudo do comportamento verbal
nem sempre é contemplado em cursos de graduação. Porém, essa posição merece e
deve ser revista, uma vez que o estudo do comportamento verbal poderia ser um pré-
requisito e elemento facilitador para a compreensão destes outros fenômenos.

Sobre Comportamento e Cognição «93


Quanto à asserção "O Behaviorismo Radica) ignora a consciência, os
sentimentos e estados mentais”, os resultados apresentados na Figura 3 destacam
que, com exceção dos alunos da instituição A, tanto de início quanto do final do curso,
cujas respostas foram distribuídas entre VERDADEIRA e FALSA, mais de 60% dos
alunos das demais instituições responderam como FALSA a questão, portanto,
assinalando a resposta correta. Dos alunos da instituição C, 89% dos alunos de F e
63% de I assinalam a alternativa FALSA a esta questão, enquanto da instituição C, 68%
dos alunos do F e 76% do I responderam a resposta correta.

Figura 3. Respostas dos alunos á asserção “O Behaviorismo radical ignora sentimentos


e estados mentais”.

Aqui, verifica-se uma das principais contradições entre as respostas anteriores e


esta dos alunos participantes desta investigação, especialmente os alunos das instituições
B e C. Ora, se, efetivamente, esses alunos assumissem a proposta behaviorista radical
como a psicologia do SàR (tal como se verifica nas respostas ilustradas pela Figura 1) e
que os comportamentos encobertos de pensar, sentir e sonhar não são objetos de estudo
da análise do comportamento (tal como se verifica nas respostas ilustradas pela Figura
2), as respostas ilustradas pela Figura 3 poderiam ser classificadas como incoerentes
com aquelas. Provavelmente, ao responderem, os alunos não fazem essa relação e
assim, consideram cada assunto abordado em cada questão, de forma independente.
De qualquer forma, essa questão merece maior investigação.
Se as respostas ilustradas na Figura 3 contradizem as respostas ilustradas
pelas figuras anteriores, as respostas ilustradas na figura seguinte (Figura 4)
contradizem as ilustradas pela Figura 3. Afinal, as respostas à questão “O Behaviorismo
Radical procura explicar os processos cognitivos?", para a maior parte dos alunos das
instituições A e B, tanto do início como do final do curso, foi FALSA (esta era a alternativa
incorreta), representando entre 50% e 70% dos alunos. Dos alunos da instituição C,
Ç1 % dos alunos do I responderam-na como FALSA e 56% do F responderam à questão
como VERDADEIRA, (a alternativa correta).

294 EUana Isabel de M - Hamasalci, Angílfcâ Captlari c Crislina W . Fonseca


Figura 4. Respostas dos alunos à questão "O Behaviorismo Radical
procura explicar os processos cognitivos?”

Neste caso, a discussão acerca do eventual controle que a palavra “cognitivo"


possa ter adquirido nas respostas dos alunos deve ser considerada. Tal palavra,
conforme já apontaram Fonseca, Hamasaki e Capelari (2006), pode ter sido a principal ‘
variável geradora de confusão. E, neste sentido, vale o seguinte questionamento: será
que se pode considerar tal resposta dos alunos “incorreta”, caso os mesmos tenham
"rejeitado” a palavra cognitivo como um termo ligado à análise do comportamento?
De qualquer maneira, mais uma vez, cabe ao profissional que ministra aulas
referentes à área, especificar quais os significados dessa palavra para a área e não
simplesmente descartá-los.
Finalmente, em relação às respostas à asserção “O Behaviorismo Radical não
negligencia a individualidade'’ cujas respostas são verificadas na Figura 5, mais de
70% dos alunos das três instituições superiores, tanto de início quanto do final do curso
consideraram tal asserção como VERDADEIRA, resposta esta considerada correta. O
percentual de respostas corretas nesta questão foi maior para os alunos do final do que
para os alunos do início do curso, sendo que: na instituição B, 87% de F e 56% de 1; na
instituição C, 80% de F e 77% de 1e, na instituição A, 73% de F e 65% de I.

Figura 5. Respostas dos alunos à asserção “O Behaviorismo Radical não


negligencia a individualidade".

Sobre Comportamento e Cognição 2 9 5


(Mais uma vez, verifica-se a contradição entre algumas das respostas anteriores
com esta úttima. Nesta, fica evidenciada a confusão presente na concepção dos alunos
quanto à proposta behaviorista radical, verificada em estudos anteriores (por exemplo;
Debel & Harless, 1992; Fonseca, Hamasaki & Capelari, 2006 e Weber, 2002).
De modo geral, considera-se imprescindível a constante d/scussão entre os
próprios profissionais da área quanto às medidas a serem tomadas em relação ao
ensino de disciplinas ligadas à área, especialmente quanto: 1) à análise crítica do
material bibliográfico selecionado; 2) ao preparo e à análise das aulas; 3) à avaliação
contínua das estratégias de ensino adotadas e 4) às propostas de intervenção em
situações cotidianas a partir dos princípios básicos da análise do comportamento.
Uma idéia adicional para futuras investigações seria a inclusão de alunos de
mstituições de ensino de outras regiões do Brasil, além de instituições públicas de
ensino superior; uma vez que, até aqui, o foco tem sido algumas instituições particulares
de ensino e unicamente da região da Grande São Paulo.

Referências

Capelari, A.; Fonseca, C.M. & Hamasaki, E.).M.(2005). O ensino da análise do comportamento e
análise funcional na graduação: Variáveis independentes. Em: H.J.Guilhardi & N.C.Aguirre (Orgs,).
Sobre comportamento e cognição. Vol. 15 (pp. 76-82). Santo André (SP): ESETec.
Cirino, S.D.(2000). Repensando o ensino da análise do comportamento. Em: R.C.Wielenska (Org.).
Sobre comportamento e cognição. Vol. 6 (pp.81-88). Santo André (SP): ESETec.
Debel, C.S. & Harless, D.K.(1992). B.FSkinner. Myth and misperception. Teaching of Pshychology,
19(2), 68-73.
Fonseca, C.M.; Hamasaki, E.I.M. & Capelari, A. (2006).Investigação da formação de alunos decursos
de psicologia em análise do comportamento. Em: H.J.Guilhardi & N.C.Aguirre (Orgs.). Sobre
comportamento e cognição. Vol. 17 (pp. 99-106). Santo André (SP): ESETec,
Silva, M.T.A.(1987). Aquém da liberdade: Um problema no ensino de análise do comportamento.
Psicologia, 13(1). 5-10.
Skinner, B.F.(1974/2002). Sobre o behaviorismo. São Paulo; CuJtrix.
Weber, L.N.D.(2002). Conceitos e pré-conceitos sobre o behaviorismo. Psicologia Argumento, 20
(31), 29-38.

296 Elíana Isabel de M . Hamasaki, A n jé tfc a Capelari t Cristina M . fo n seta


Capítulo 27
Escolha de abordagem teórica em
psicologia: questão de ensino
ou de História?
M aríantonía C h íp p ari 1
A driana Regina Rubio*
M ariana Januário Sam elo 3
Regis Reis Q u ed es 4

Durante sua formação acadêmica, o aluno recebe diversas informações a


respeito das diferentes abordagens teóricas em psicologia, seus m étodos de
investigação e intervenção, as diferentes técnicas psicoterápicas e as diferentes áreas
de apiicaçâo do conhecimento produzido pela ciência psicológica.
Tradicionalmente, ao longo de sua formação acadêmica, os alunos têm muito
mais contato com outras abordagens teóricas do que com o Behaviorismo. Este tem
sido ensinado, na disciplina nomeada como Psicologia Experimental ou Análise
Experimentai do Comportamento - AEC. Em alguns casos, faz parte do conteúdo de
disciplinas como Sistemas Psicológicos e Teorias da Aprendizagem.
Como nem sempre o docente que ministra essas disciplinas tem uma formação
específica nesta abordagem, o aluno acaba recebendo informações incorretas ou
equivocadas sobre a Análise do Comportamento, além de entrar em contato com idéias
preconceituosas, que acabam fazendo parte de sua história de aprendizagem. Tal história
de aprendizagem pode se perpetuar a tal ponto que a formação do aluno tenha como
conseqüência um conhecimento incorreto sobre a Análise Comportamental. Cirino,
Souza Junior, Lopes, Bessa Oliveira e Horta (2005) apontam que, apesar da produção
científica e da aplicação dos conhecimentos produzidos peta Análise Comportamental,
verifica - se a perpetuação de incorreções em diversas publicações de uso freqüente,
como por exemplo, em manuais das Teorias da Personalidade.
Não é raro, também, que o corpo docente dos diferentes cursos de psicologia
seja composto por apenas dois ou três professores desta abordagem e outros 30 ou 40

'Docente da UMESP nas disciplinas Pressupostas Básicos da Anáfee Experimenta! cio Comportamento eAnáfee Experimental do Comportamento.
JOoutora em Psicologia Experimental peto IPUSP, docente da dscipltna de AnáSse Experimental do Comportamento do Curso de Psicologia
áa UMESP. Especialista em Psicoterapia Comportamental e Çoçjnitiva pelo tPUSP.
"Mestranda do programa d© Pstcotogia Experimental da Universidade de São Paulo (USP) e Professora Voluntária em Análise do
Comportamento (UMESP).
‘Terapeuta oomportamental, pós graduando (latu senso) em Psiootogia Clínica e Professor Voluntário em A.náRse Experimental do
Comportamento (UMESP).

Sobre Comportamento c Cognição 29 7


de outras abordagens. Assim o aluno, ao longo da formação, tem muito mais contato e
disponibilidade de acesso com outras abordagens do que com o Behaviorismo.
Os professores de Análise Comportamental têm até tentado, dentro do tempo
limitado e restrito, ensinar o conteúdo e mostrar sua aplicabilidade nas diversas áreas
da Psicologia. Mas, durante os vários estágios obrigatórios (clínica, organizacional,
escolar, comunitária e da saúde, etc.), em grande parte e na maioria das vezes, a
orientação fica restrita a um único olhar teórico da Psicologia.
Frente a esse contexto, nos indagamos sobre até que ponto esta história de
aprendizagem interfere na escolha que os alunos farão das abordagens que nortearão
sua prática profissional,
Luna (1979) fez um levantamento de possíveis fatores relacionados ao ensino da
AEC, apontando alguns preconceitos que são veiculados entre os alunos e que podem
estar relacionados às críticas da atuação profissional dos analistas do comportamento.
Aponta que parte desses problemas localiza-se nos cursos introdutórios do aluno à disciplina
e nos modelos profissionais fornecidos por professores e analistas do comportamento.
Otta, Silva Leme, Lima e Sampaio (1983) verificaram as diferentes opiniões de
alunos em seis faculdades particulares na cidade de São Paulo acerca de um texto sem
autoria explícita. Participaram 205 graduandos em Psicologia de períodos diferentes.
Essas opiniões foram divididas em três grupos; reações ao texto não identificado,
comparações das avaliações do texto não identificado com as avaliações do íexto atribuído
a Freud e comparação das avaliações do texto não identificado com as avaliações do texto
atribuído a Skinner. De acordo com as experiências das autoras, alguns alunos assumem
muito cedo a preferência ou a não aceitação por alguma abordagem, chegando a posições
radicais na crítica de uma abordagem que contraria aquela de sua preferência.
Um estudo realizado por Miraldo (1985) teve como objetivo identificar as maneiras
de pensar dos alunos de Psicologia acerca da AEC e identificar os possíveis fatores que
poderiam estar relacionados a elas. Para essa análise, apontou quatro conjuntos de
variáveis: aquelas relacionadas ao próprio aluno de Psicologia; aquelas relacionadas à
maneira como AEC é ensinada; aquelas relacionadas às características próprias da
abordagem comportamental e aquelas relacionadas ao desenvolvimento da abordagem
como uma das formas de pensar em Psicologia. As inter-relações entre estas variáveis
constituem elementos importantes na concepção que o aluno tem sobre AEC .
Miraldo (op.cft) aponta algumas críticas que o aiuno faz em relação à AEC, como por
exemplo, a abordagem comportamental é mecanicista, determinista, tendo nascido no auge
o sistema capitalista; estuda a influência do meio externo sobre os comportamentos, usando
a observação e a experimentação em trabalhos principalmente no laboratório com ratos;
estuda o homem cientificamente, considerando ser o comportamento humano previsível e
controlável; transpõe resultados de trabalhos com animais para a compreensão do homem.
Cirino (2001) no artigo intitulado - Repensando o ensino de Análise do
Comportamento - ressalta a necessidade de refletirmos a respeito das dificuldades no
ensino da Análise do Comportamento, apontando que o ensino tradicional - aquele que
inicia o ensino dos princípios da AEC por meio das práticas de laboratório com ratos -
mostra-se frágil para se garantir consistência na aprendizagem.
O aluno traz uma história prévia ao entrar no curso de Psicologia, que é mantida
nas diversas disciplinas com base em outras abordagens. No entanto, nas disciplinas
específicas da abordagem comportamental, encontra um modo diferente de pensar,
pois segundo Miraldo (1985), AEC traz um conjunto de pressupostos diferentes das

Mariantonia Chipparí, Adriana R. Rubio, Manana J. Samclo t Regis R. Guedes


crenças dos alunos, sendo que a aceitação desta abordagem exige mais do que apenas
aprender alguns conteúdos novos.
Será que estas formas diferentes de pensar, que conflitam com as concepções
que os alunos trazem como história prévia de aprendizagens, teria como conseqüência
a rejeição dela como base para a atuação profissional? Ou será que esta fejeição teria
como base principal a aprendizagem que ocorre durante o curso?
Para que possamos refletir sobre estas questões, buscamos investigar alguns dos
fatores presentes durante a formação do, aluno no curso de Psicologia que podem contribuir
para a escolha que ele faz da abordagem teórica que utilizará em sua atuação profissional.

M étodo
Participantes
Participaram desta pesquisa 67 alunos do 9° e 10° períodos do curso de
graduação de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), sendo 63
do sexo feminino e 4 do sexo masculino com idades variando entre 21 e 50 anos. Todos
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Instrumento
Para a coleta de dados utilizou-se um questionário misto com o objetivo de identificar
os critérios de escolha da abordagem teórica pelos alunos. O questionário continha dados
de identificação (sexo, idade e período letivo) que visaram caracterizar os participantes da
pesquisa, e cinco questões mistas. A primeira questão buscou verificar se os participantes
já realizaram a escolha da abordagem psicológica ou se possuem preferências. A segunda
questão objetivou identificar os critérios utilizados pelos participantes para a escolha da
abordagem. O objetivo das três últimas questões foi obter dados sobre a história acadêmica
e extra-acadêmíca que estavam relacionadas à escolha de abordagens.
Procedimento
Os questionários foram entregues individualmente, sendo respondidos por
todos os alunos em um mesmo horário, estando todos em uma única sala. Anteriormente
ao início da aplicação, foi dada a seguinte instrução:
“A cada um de vocês, será entregue um questionário sobre escolha de abordagem
psicológica. Este trabalho tem o objetivo de verificar quais os possíveis critérios
utilizados pelos alunos do último ano do curso de psicotogia da UMESP na escolha
de uma abordagem psicológica. "

Resultados
Os resultados do presente estudo indicam que 46% dos participantes já tinham
escolhido a abordagem em que iriam atuar, enquanto 54 %, até o momento, não haviam
feito qualquer tipo de escolha. Conforme pode ser observado na parte superior da Figura
1, dentre os participantes que disseram ter uma abordagem de sua escolha, 87% optaram
pelas demais abordagens (Psicanálise, Fenomenologia, Psicologia Analítica, entre outras),
enquanto que apenas 13% optariam pela abordagem comportamental,
Foi perguntado para os participantes que ainda não definiram uma abordagem
psicológica (54%) se possuíam preferência por alguma abordagem para a sua atuação após a
formação. Destes, 86 % dos participante^ disse que tem preferência e 14% disse não ter
qualquer preferência. Dentre aqueles que têm preferência, 78% optariam por outras abordagens,
enquanto que 22% optariam pela abordagem comportamental (Ver parte inferior da Figura 1).

/ Sobre Comportamento e Cognição 299


Outras 87%
SIM
46%
C om portam ental 13%
Escotha da
abordagem
NAO
54%
Sim O utras 78%
86%

C om portam ental 22%


Preferência

Não
14%
L.
Figura 1: Porcentagem de escolha e de preferência da abordagem comportamental e demais
abordagens psicológicas.

Na Figura 2 observa-se que dentre os participantes que optaram pela


abordagem comportamental (13%), todos participaram de congressos e jornadas em
outras abordagens. Em relação à atividade de monitoria, 75% optaram por fazê-la em
outras abordagens, enquanto que 25% deles a realizaram na abordagem
comportamental. Na elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), 75% os
realizaram fundamentados em outras abordagens e 25% na abordagem comportamental.

Múmtíriíi TCC

Figura 2: História de participação em atividades acadêmicas dos participantes que optaram pela
abordagem comportamental.

Como atividade curricular obrigatória, os alunos/participantes deste estudo


realizam cinco estágios curriculares: escolar, psicodiagnóstico, clínica, organizacional
e comunitária/saúde. Para a realização destes estágios, os alunos não optam pela
abordagem de sua preferência, sendo distribuídos aleatoriamente entre os diferentes
grupos de supervisão e são acompanhados por supervisores que, na sua maioria, tem
formação em outras abordagens diferentes da comportamental. A Figura 3 mostra que
todos os participantes (13%), que optaram pela abordagem comportamental, realizaram
estágio em Psicologia Clínica na abordagem comportamental.

300 M » fiín lo m a Chippan, Adriana R. Kubio, Maríana J. Sam fio e Regis R. Çuedrs
I Outras Abordagens □ comportamental

Figura 3; Participantes que optaram pela abordagem comportamental e sua


participação nos estágios acadêmicos.

Nas cinco categorias apresentadas na Figura 4 estão incluídos os diversos


indicadores apontados pelos participantes como critérios de escolha da abordagem
teórica. A categoria Identificação com a abordagem foi a que apresentou o maior
percentual de respostas para as outras abordagens. Inclui-se nesta categoria, entre
outros, os seguintes indicadores: concepção filosófica a respeito do homem e do mundo,
abordagem com maior aprofundamento, crê na existência dos aspectos inconscientes
e abordagem mais humanista. Na abordagem comportamental, esta categoria também
apresentou o maior percentual de respostas, tais como: id e n tificaçã o /a fin id a d e ,
com preensão da abordagem e a cre d ita r na abordagem . A categoria Influência
acadêmica apresentou o segundo maior percentual. Para a escolha de outras
abordagens, podem -se id e n tificar os seguintes indicadores: abordagem dos
professores/supervisores, empatia com os professores e realização do TCC nestas
abordagens. Para a abordagem comportamental foram detectadas: influência do
professor/supervisor, experiência durante o curso e realização do TCC. Foi ferificado
também que os indicadores: influência do supervisor e realização do TCC está presente
nas duas opções. A categoria influência externa apresentou a menor freqüência de
respostas, aparecendo apenas para as outras abordagens.

Figura 4: Porcentagem das categorias na escolha da abordagem teórica apontada


por todos os participantes.

f Sobre Comportamento c Cognição 301


Discussão
O presente trabalho teve por objetivo investigar os possíveis fatores presentes
durante a formação do aluno no curso de Psicologia que poderiam contribuir para a
escoíha de uma determinada abordagem teórica.
A escolha de abordagem teórica na formação acadêmica do afuno nós remete
a uma grande questão - essa escolha em Psicologia é unpa questão de ensino ou uma
questão de história?
O aluno, ingressante no curso de Psicologia, traz uma história prévia de
pensamentos e crenças do ser humano que são, posteriormente, mantidos pelas
concepções teóricas de muitas abordagens da Psicologia. Dentre os elementos que
compõem a forma de pensar do aluno, pode-se detectar a visão que o aluno tem sobre
a natureza humana, a partir de um modelo explicativo embasado em elementos
metafísicos (mente, inconsciente, etc.); a busca de explicações sobre o comportamento
humano, livre arbítrio x determinismo ambiental, o mentalismo, que se opõe aos
pressupostos do Behaviorismo e corroboram direta ou indiretam ente para a
aprendizagem e manutenção destes comportamentos.
Ao entrar no curso, esse aluno passa a conviver não só com essas diferentes
concepções mas também com o fato de que a aceitação do Behaviorismo Radical exige
mais do que apenas aprender alguns conteúdos novos, mas talvez, exije aprender a
pensar de forma diferente. Acrescido a este novo modo de pensar o aluno se depara
com uma série de variáveis que podem dificultar o aprendizado e a aceitação dos
pressupostos behavioristas, tais como: os textos utilizados (a terminologia, a
complexidade dos textos, etc.), a metodologia /atividades (entrega de roteiros, leitura e
participação em aula com conhecimento específico, avaliações, relatórios..);as atividades
de laboratório com o uso de animais e com sujeitos humanos, a aparente distância
entre realidade e aquilo que está sendo estudado.
Quando se considera a organização dos cursos de Psicologia, também é
possível identificar outras variáveis que podem justificar a escolha de outras abordagens..
A análise das atividades que o os alunos desenvolvem ao longo do curso de
Psicologia mostra uma história frágil de participação em atividades acadêmicas
relacionadas à abordagem comportamental quando comparada a uma freqüente
participação em atividades acadêmicas relacionadas às outras abordagens.
Os professores de outras abordagens se constituem em outra fonte de
reforçamento das concepções equivocadas sobre o behaviorismo, pois podem trazer
consigo também uma história de aprendizagem que se assemelha a dos alunos,
mantendo o ciclo vicioso. A isto se associa o fato de, tradicionalmente, o corpo docente
dos cursos de Psicologia ser composto, de forma desproporcional, por profissionais de
outras abordagens que não o behaviorismo.
Uma análisé sucinta dos diferentes currículos dos cursos de Psicologia mostra
que a carga horária destinada ad ensino das diferentes concepções teóricas em psicologia
tem contribuído para a construção de uma história de formação do aluno mais voltada
para a produção e aplicação de conhecimento em outras abordagens do que para o
conhecimento disponível em Análise do Comportamento. Se compararmos o montante
das horas na grade curricular das outras abordagens com o da Análise do Comportamento,
é nítida a discrepância existente entre eles, sempre favorável às outras abordagens.
Parece-nos que o comportamento de escolher uma determinada abordagem
teórica em Psicologia estaria mais relacionado à história acadêmica construída pelos

302 Marianionia Chippari, Adriana R. Rubio, Mariana J.Samtlo tR e g n R. Guedes


docentes do que pela metodologia de ensino adotada nas disciplinas de Análise
Experimental do Comportarpento.

Referências

Cirino, S. D. (2001). Repensando o ensino dè'Análise dó Comportamento. Em: Wielenska, R. C.


(Org.). Sobre Comportamento e Cognição: questionando e ampliando a teoria e as
intervenções clinicas e em outros contextos. Santo André: ESETec, v 6 , cap. 11, 81 - 8 8 .
Cirino, S. D.; Souza Jr, E. J.; Lopes; M.G.; Bessa-Oliveira, M. & Horta, R.G (2005). A análise do
comportamento em manuais de psicologia da personalidade. Enr Guilhardi, H.J. e Aguirre,
N C. (Org). Sobre Comportamento e Cognição:expondo a variabilidade. Santo André: ESETec,
v.15, cap.39, p. 442-452.
Lu na, S. V. (1979) Uma revisão crítica de quinze anos de ensino de Análise experimental do
Comportamento no Brasil: propósitos, efeitos e implicações. Trabalho apresentado no
Simpósio realizado durante a 31a Reunião Anual da SBPC, Fortaleza.
Mira Ido, C.M.V. (1985) Conhecimento e crenças de estudantes de psicologia acerca da análise
experimental do comportamento. São Paulo: Dissertação de mestrado, departamento de
Psicologia Experimental, Universidade de São Paulo.
Otta, E.; Leme, M.A.V. da S.; Lima, M. da P.P. & Sampaio, S.M.R. (1983). Profecias auto-realizadoras
em sala de aula: expectativas de estudantes de Psicologia como determ inantes não
intencionais de desempenho. Psicologia, 9 (2), 27-42.

i Sobre Comportamento e Cognição 303


Capítulo 28
A concepção de psicologia e o
conhecimento do professor não-
behavíorisía sobre o behaviorismo radical
M ariana Januário Samelo 1
Regis Reis Quedes 5

Desde o início do Behaviorismo Radical (década de 40) até os dias de hoje, não é
raro encontrar preconceitos em relação à abordagem. Em 1974, Skinner já se preocupava
com esta questão, apontando que as compreensões equivocadas referem-se à falta de
esclarecimento sobre os significados e realizações de uma ciência, e que provavelmente,
estas ainda estariam relacionadas ao Behaviorismo Metodológico de Watson, que para Skinner,
dispunha de poucos dados que lhe permitissem extrapolações para comportamentos mais
complexos, dando assim, margem para interpretações simplificadas acerca de suas idéias,
Skinner (1974) afirma: “as deficiências da apresentação de Watson são agora,
creio eu, principalmente de interesse histórico. Contudo, a crítica não mudou muito".
(p.10) O autor continua, apontando sobre o fato de haver alguma outra razão para tal
incompreensão do Behaviorismo, podendo se dever ao fato de que a Ciência é em si
mesma, mal compreendida.
Muitos autores como Musgrove (1974); Woolfolk, Woolfolk e Wilson (1977);
Morris (1985) entre outros, se preocuparam em investigar os problemas relacionados a
aceitação e opinião acerca da abordagem comportamental.
Em relação à mídia, muitas informações errôneas sobre a análise do
comportamento foram encontradas principalmente em jornais diários e em artigos
publicados em revistas, em que Skinner e a análise do comportamento têm recebido
atribuições pejorativas (Morris, 1985).
Ainda para exemplificar a divulgação incorreta da análise do comportamento, Morris
(1985) descreve um jogo popular (“Trivial Pursuif), onde uma das perguntas é: “Quem
inventou a caixa que psicólogos usam para dar choque em ratos? (Resposta: B.F. Skinner)".
Segundo Morris (1985) programas de disseminações corretas de informações,
que visem tanto ações preventivas, quanto ações remediativas, para lidar de uma forma
organizada com os problemas já disseminados, ajudariam a análise do comportamento
a ser vista de uma maneira correta.

'Mestranda do programa de Psicologia Experimental da Universidade de São Pauto (USP)


Terapeuta comportamental. pós graduando (latu senso) em Psicologia Clinica e professor voluntário em Análise Experimental do
Comportamento (UMESP).

M arian a Jan u ário 5 a m d o t Kegis Reis Q uede*


Algumas das variáveis que poderiam estar contribuindo para concepções
incorretas da análise do comportamento seriam como a AEC é ensinada. Sujeitos do 2o
e 5° ano enfatizaram mais aspectos negativos, afirmando que os cursos de AEC são
“chatos, cansativos, com atividades ruins e teoria maldadà’ (Miraldo, 1985, p. 115). Para
esta autora parece haver um choque entre as maneiras como os alunos pensam o
homem e as maneiras como a análise experimental do comportamento o vê. Como
escreve Silva (1987) o behaviorismo é o choque contra a concepção tradicional do
homem veiculada a literatura libertária, através de agências educacionais e religiosas,
de partidos políticos das mais variadas tendências, e da própria cultura popular.
Já em relação aos professores, estes são caracterizados pelos sujeitos como
sendo, de um modo geral, ‘'rígidos, detalhistas e inflexíveis às opiniões dos alunos"
(Silva, 1987, p.183).
Desta forma parece inegável que o curso de AEC e conseqüentemente o
professor dessa disciplina se constituam num importante conjunto de fatores que podem
orientar o aluno na escolha de uma abordagem psicológica.
Segundo Weber (2002), se no inicio do curso de graduação, os alunos tiverem
a “sorte” de terem professores behavioristas para as disciplinas gerais, ou professores
de outras abordagens suficientemente isentos e com conhecimento sobre a área, a
probabilidade de esses alunos desenvolverem o preconceito com relação à análise do
comportamento diminui sensivelmente.
Segundo Lamal (1995) os preconceitos em relação ao Behaviorismo Radical
estão presentes em professores universitários, estudantes e livros didáticos.
Weber (1989) aponta que os professores que trabalham com o behaviorismo
radical variam em torno de 10% há.mais de uma década, e autores como Gomes;
Teixeira; Crescente; Fachel; Sehn e Klarman (1996) encontraram grande influência
psicanalítica na prática clínica em universidades onde foram pesquisadas atitudes e
crenças de estudantes universitários sobre psicoterapia e psicólogos.
Uma pesquisa de Machado e Barros (1989) revela que o laboratório tem sido
utilizado, como mero recurso didático e não na produção de conhecimento e afirmam
que não seria difícil programar atividades de maior interesse.
Luna (1979), ao discutir o ensino de AEC no Brasil, aponta a necessidade de se
avaliar as críticas veiculadas à abordagem comportamental, tanto por parte dos alunos,
quanto por parte de profissionais. Segundo o autor, um dos fatores que poderiam estar
relacionados a estas críticas seria o mero preconceito, decorrente de uma falta de
conhecimento sobre a AEC. Desta forma Luna (1979) ressalta a importância dos
profissionais desta área avaliarem a origem destes preconceitos e investigarem a
“possibilidade de suas atividades estarem, na melhor das hipóteses, ajudando a manter
esses preconceitos e, na pior das hipóteses, estarem instalando-o& (p.2). O autor aponta
que existe uma grande incongruência entre a teoria e a prática em algumas situações.
Luna (1979) ilustra essa situação, destacando que o professor de AEC ensina
para o aluno a importância de uma avaliação inicial do repertório do sujeito para um
procedimento adequado. Entretanto o professor raramente tem informações do repertório
de entrada do próprio aluno. Um outro aspecto apontado pelo autor refere-se à inadequação
entre, os procedimentos importados e a nossa realidade e procedimentos que descrevem
um modelo pouco interessante da atuação do analista do comportamento.
Miraldo (1985) afirma que é inegável que mudanças eventuais nos cursos de
AEC poderão alterar parte dos fatores responsáveis pelas concepções errôneas a
preconceituosas por parte dos alunos.

Sobre Comportamento e Cognição 305


Com base nos dados e aspectos discutidos, a presente pesquisa objetiva
verificar o conhecimento dos professores de Psicologia não-Behavioristas sobre o
Behavíorismo Radical, e sua concepção de Psicologia.

M étodo
Sujeitos
Participaram desta pesquisa sete professores do curso de graduação de
Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), com formação em
Psicologia, atuando de acordo com referenciais teóricos não Behavioristas. Cinco do
sexo feminino e dois do sexo masculino. Foi obtido de cada participante assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I).

Material
Para a coleta de dados foi utilizado um questionário com base em instrumento
desenvolvido por Amador (1998) sobre a concepção do professor de Psicologia “não-
Behaviorista” sobre o Behavíorismo Radical.
O questionário contém vinte e duas questões divididas em duas partes. Na
primeira parte, os participantes deveriam responder considerando sua posição em relação
à Psicologia. Na segunda parte, responderam de acordo com o seu conhecimento sobre
o Behaviorismo Radical. O questionário foi constituído de questões abertas e fechadas.
O questionário buscou identificar: » a concepção de Psicologia e mais
especificamente, a concepção de homem do professor;» o conhecimento do professor
em relação ao Behaviorismo Radical;' a opinião do Professor frente 9 esta abordagem.

Procedimento
Os participantes foram selecionados em relação ao curso em que ministram
aulas, no caso a Psicologia, e a atuação de acordo com abordagens teóricas “não*
Behavioristas". Os questionários foram entregues individualmente, junto com uma
instrução e o terrno de consentimento livre e esclarecido. Como procedimento
programado, o material deveria ser respondido no ato da entrega, porém, por opção de
todos os participantes, o mesmo foi levado, sendo devolvido em um prazo máximo
estipulado pelos experimentadores de uma semana. Foram entregues dezoito
questionários, porém apenas sete dos professores devolveram o material respondido.
As questões foram analisadas quantitativamente e qualitativamente, indicando-
se porcentagem e formação de categorias, porém no presente artigo será apresentado
apenas os dados referentes à maioria das respostas emitidas em cada questão.

Resultados
Os resultados serão apresentados em duas categorias: Behaviorismo Radical
e Psicologia, sendo o último referente às demais abordagens.
Com relação ao objeto de estudo da Psicologia, o comportamento foi à resposta
mais freqüente, assim como em relação ao Behaviorismo Radical. O objetivo da Psicologia
foi apontado como investigar e propor saídas para o bem estar do homem e a busca pela
compreensão do comportamento. Já para o Behaviorismo Radical, as respostas mais
freqüentes foram prever comportamento e identificar variáveis observáveis. Segundo os
participantes, é através da investigação científica e de avaliações das funções mentais

M iria n a Januário Sameto tRegis Rei» Quedes


que a Psicologia estuda o seu objeto. Já para o Behaviorismo Radica! o objeto é estudado
através da observação e experimentação. Para a Psicologia, a resposta que apareceu
com maior freqüência foi de que seu objeto de estudo é parcialmente determinado e que
para o Behaviorismo Radical ele é totalmente determinado e o que determinaria este
objeto, foi apontado para a Psicologia como sendo as instituições e o ambiente, e para o
Behaviorismo Radical sendo o ambiente interno e extemo.
Investigando os fenômenos com que a Psicologia e o Behaviorismo Radical
lidam, as respostas mais freqüentes em relação à Psicologia foram: os eventos públicos
e privados, assim como para o Behaviorismo Radical, porém este priorizando o público.
Quanto à acessibilidade dos eventos públicos e privados, a maioria das
respostas referindo-se a Psicologia e o Behaviorismo Radical foram as de que existem
diferentes possibilidades de acesso, e o que determina estes eventos públicos e privados
são diferentes para a Psicologia e os mesmos para o Behaviorismo Radical.
Com relação ao modelo de ciência para a Psicologia, apareceram em maior
freqüência às ciências sociais e a filosofia, já para o Behaviorismo Radical o modelo de
ciências são as ciências biológicas.
Perguntado sobre a opinião dos participantes em relação ao Behaviorismo
Radical, as respostas que apareceram foram : u tilid a d e , cla re za , re sp e ito ,
reconhecimento, possível abordagem da psicologia, olhar concreto e observável.
Rigorosa, restrita, contingente, comportamento e ambiente foram às palavras
mais freqüentes quando relacionadas ao Behaviorismo Radical.

Discussão
De acordo com o objetivo da presente pesquisa de verificar o conhecimento
dos professores de Psicologia não-Behavioristas sobre o Behaviorismo Radical, e sua
concepção de Psicologia, foi observado que há poucas respostas comuns para as
perguntas apresentadas em relação à Psicologia e ao Behaviorismo. Provavelmente
este dado pode apontar que os participantes possuem concepções do Behaviorismo
Radical e da Psicologia como sendo visões diferentes de homem e de mundo. Para
Silva (1987) o Behaviorismo é o choque contra a concepção tradicional do homem
veiculada a literatura libertária, através de agências controladoras como a educação,
religião, política e a própria cultura popular. Skinner (1974) ainda afirma que “ uma
formulação Behaviorista exige mudanças perturbadoras" (p-10).
Certas concepções errôneas sobre a análise do comportamento são muito
resistentes a mudanças Lamal (1995), isto pode ser confirmado pelos dados coletados
no presente estudo, em que as colocações relacionadas ao Behaviorismo, em sua
maioria, são inadequadas e/ou incompletas, apresentando uma visão incorreta sobre a
abordagem. Skinner (1974) assinala que certas afirm ações im próprias sobre a
abordagem podem ainda estar relacionadas ao Behaviorismo Metodológico de Watson,
embora este seja apenas de interesse histórico, a crítica não mudou muito.
A ciência de forma geral parece ser mal compreendida, incluindo-se a Análise
do Comportamento (Skinner, 1974).
Os professores com uma visão com pré-conceitos e conceitos incorretos sobre
o Behaviorismo podem atuar em sala de aula discutindo direta ou indiretamente sobre
a abordagem perpetuando tais visões. Lamal (1995) verificou que os preconceitos não
estão limitados ao estudantes, mas são encontrados também em livros didáticos e
entre professores universitários.

Sobre Comportamento e Cognição 307


R eferências

Gomes, W.B., Teixeira, M.A.P.L., Crescente, D.B., Fachel, J,, Sehn, L.& Klarmann, P(1996). Atitudes
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308 Mariana Januário Sameloe Rrgis Reis Quedes


Capítulo 29
Reincidentes Criminais

Dyego de C arvalho Costa'


M eg Cyomes M artins*

Os agentes criminais reincidentes ou habituais são apontados pelo senso comum


como irrecuperáveis. Como remonta Foucalt (2001), desde a idade média essas pessoas
eram tratadas com exclusão, principalmente quando recorda-se as penas impostas pelo
absolutistas na época, os suplícios - que eram castigos públicos e proporcionadores da
maior quantidade de dor possível ao indivíduo que era considerado um criminoso nato. A
ciência evolui em todos os aspectos, mas o olhar para o indivíduo criminoso, está muito
aquém dos direitos humanos, especialmente no Brasil. A mídia reforça o comportamento
excluidor, com seus componentes encobertos (pensamentos e sentimentos), todos os
dias, quando enfatiza a quantificação de crimes cometidos por agentes criminais, bem
como sua evolução qualitativa. A mídia reflete o comportamento excluidor, no entanto, na
visão vitimizada da sociedade, considerando apenas as “possibilidades” dessas pessoas,
mas do que suas “escolhas” no mundo'do crime. Não mostram a realidade do reincidente,
que por vezes é muito complexa, como será discutido.
A mídia que atua no fenômeno da disseminação da violência é tão fortemente
veiculada, que o próprio sistema de segurança pública se utiliza do conhecimento de
seus rostos conhecidos para “produzirem” suspeitos. Feldman (1979) concorda que a
ficha criminal é um instrumento válido para se fazer possibilidades de previsões de
reincidência, mas em pouco ajuda na compreensão do fenômeno da criminalidade e da
reincidência. Estes precisam ser estudados à luz de quatro instâncias, de acordo com
Feldman: crime, criminoso, vítima e pena. Entretanto, à luz da análise do comportamento,
poderia ser instituída a quinta instância denominada a contingência, pois o estudo desta
facilita o entendimento sobre a aprendizagem dos comportamentos criminosos.
Segundo o Código Penal Brasileiro, datado do Governo Getúlio Vargas de 1940,
reincidência criminal consiste na execução de ato delituoso após a ocorrência de um
ato infracional anterior já reprimido por sanções penais decorrentes de decisões judiciais.
Assim, é necessário que o primeiro crime tenha sido transitado em julgado, ou seja,
que a pena já tenha sido promulgada, antes do cometimento do segundo crime. Neste
texto, a reincidência será tratada como a emissão de comportamentos transgressores
contínuos (julgados ou não), vista a lacuna existente no sistema judiciário.

'e-mail para correspondência rivROPOsii&hnlmail mm Mestrando em psfcotogia (UnB), Professor òe ExtensSo em Segurança Pública da UFPI,
Editor Responsável da Revista "Çlêntia: Comportamento e Cognição" Trabalho apresentado no XV Encontro Brasileiro de Psfcoterapla e
Medidna Compcrtamentí, 2006, na mesa-redonda intitulada: Aspectos analitk»oornportarnentals sobre agentes criminais: discriminando os
discriminados e as variàvósque os fizeram transgressores (o abusador sexual, o ranciderte crVninal e a mulher crimmosa)
'E-maH para correspondência' meoamfi)olobo.com. Psicóloga dintca e juridica da PSICOJUR (Associação Brasilienae de Psirok>gia
Clinica e Jurfdica-DF), Professora Universitária das faculdades IESB e JK.

Sobre Comportamento e Cognição 309


O transgredir pode ser estudado pelo analista do comportamento humano
como um comportamento que está sob as mesmas influências ambientais que os
demais, inclusive os evitativos que anulariam a transgressão. Mira y Lopez (2003)
corrobora com essa premissa ao afirmar que os mesmos mecanismos psicológicos
atuam na execução dos atos legais e na dos atos delituosos.
Skinner (1953/1998) apresenta o conceito de lei como uma contingência de
reforço mantida por uma agência governamental que é caracterizada peto poder de
punir. Quando certas contingências gerais e inespecíficas não são respeitadas, quando
as leis são obstruídas (crime), essa agência se utiliza do poder, na forma de remoção
de reforça dores positivos, tais como o confisco das propriedades de um homem e/ou
privando-o do contato com a sociedade através do encarceramento.
Toda essa premissa teórica sobre o comportamento transgressor já deixaria
essa classe de comportamento por demais complexa, mas ainda existe outra variável
interveniente condicionada nesse processo: o estigma social com o qual se depara o
egresso do sistema penitenciário. Esse estigma advindo da sociedade, e por vezes da
própria família do egresso, possui uma carga aversiva muito forte. Este estigma social
transforma-se em um estímulo discriminativo (Sd) para duas classes de comportamento:
comportamento de fuga (quando o Sd foi apresentado, ou seja ao se deparar com o
estigma) e de esquiva (nas situações onde a presença daquele Sd estará presente,
pelo menos em possibilidade); e de punição no sentido de tentar eliminar a probabilidade
desse aversivo tornar a se apresentar (ver Cunha & Isidro, 2005 para mais informações
sobre operações estabelecedoras condicionadas reflexivas).
Goffman (1982) relata que os egressos sofrem um estigma do tipo desacreditável,
visto que, teoricamente, não há visibilidade de algum fenótipo que caracterize esse indivíduo
como pertencente a um grupo estigmatizado. Não é o caso brasileiro, no qual a sociedade
aprovou um rosto para a criminalidade, tomando pessoas com comportamentos idôneos,
funcionais e adaptados, em possíveis fontes de aversão por possuírem semelhanças
externas com o rosto do crime. Dentre essas características estão: cor negra ou mulata,
vestimentas maltrapilhas, olhares desconfiados ou intimidadores, tatuagens subversivas,
linguajar dentre outras. Claramente se percebe o condicionamento do crime com a
condição social, cuja correlação não está tão próxima de 100% como se é transmitido.
Pode-se referendar essa afirmação com o caso explorado pela mídia da jovem Suzana
Von Richthofenm, que articulou a morte dos próprios pais com o namorado e o irmão
deste, e sendo pertencente a uma família de classe média alta, cor branca, vestimentas
da moda, linguajar adequado.
Por um lado tem-se os antecedentes das aprendizagens anteriores, somados a
variável do estigma social associado com a exclusão social e a discriminação em diversos
ambientes, e por outro lado apresenta-se a aceitação do grupo criminoso, assim pode-se
analisar um comportamento transgressor que se toma funcional e reforçado. O egresso,
ao conseguir os reforços sociais de um grupo, considerando que se encontra privado
desse tipo de reforço por parte da sociedade, consegue o reforço financeiro com atraso de
reforço menor, apesar da menor magnitude. Em situações como essa, esperar que a
possibilidade de repressão funcione como um reforço negativo é utópico, já que as provas
da impunidade também circulam na mídia. Assim também o é com a punição, que quando
acontece, normalmente é contingendal e de forma desproporcional.
À primeira vista pode parecer que o comportamento transgressor foi descrito
de forma simples, mas a descrição não pode ser considerada simplista, o que de fato
não o é. Considerar a escolha e o autocontrole como comportamentos regidos pelas
mesmas leis que os demais, não diminuem suas complexidades, pelo simples motivo

Dytfto df Cd/valho C&tà e Meg Çomes Martins


de que não é essa descrição que diminui as variáveis controladoras, mas sim a análise
de toda a contingência envolvida no transgredir, pois não há a defesa do homúnculo
interno, do eu iniciador, como causas independentes dos ambientes.
Ademais, pode-se analisar um comportamento dessa classe como intrínseca
a um conflito do tipo aproximação-afastamento {Lundin, 1979) ou como também
chamado aproximação-esquiva. Nesse tipo de conflito apresentam-se ao indivíduo duas
conseqüências para o seu comportamento: uma positivamente reforçadora e uma
punitiva. Caso as condições dos reforçadores e punitivos sejam os mesmos, o gradiente
de esquiva é maior que o de aproximação.
No caso dos comportamentos transgressores, o reforço positivo depende daquilo
que é almejado e das operações estabelecedoras que estão controlando o
comportamento. Como exemplo, poderia ser o dinheiro a que se está privado ou o
reconhecimento parental a que se deseja. A punição vem em termos de reprovação e
repreensão social, além da possibilidade de ser pego e novamente ter que cumprir uma
pena executada pela agência governamental, por meio de seus agentes, policiais e agentes
penitenciários. Como visto, as respostas de esquivas tem um gradiente maior.
As punições a que estão sujeitos os agentes transgressores, por outro lado,
possuem um gradiente menor e podem ser avaliadas sob dois prismas. Primeiro, sobre
a repressão e repreensão social, tem-se que alguns dos indivíduos egressos podem
considerar esse tipo de punição como estimulo neutro, uma vez que já foram tão punidos
dessa forma e sob tantas fontes, que a punição perde sua capacidade controladora. Além
disso, a repressão social não é generalizada, pois essas pessoas aprenderam a
transgredir de alguma forma e o grnpo que proporcionou essa aprendizagem pode voltar
a reforçá-lo. Segundo, sobre ser pego, frisa-se que há apenas a possibilidade de ser
pego, o que, de fato, não acontece contingente aos comportamentos transgressores.
Essa possibilidade de ser pego aliada às aprendizagens vicárias de impunidade
demonstram que as operações estabelecedoras que controlam as transgressões, e
portanto reforçam a continuidade dessas, são mais eficazes e de reforço com menos
atraso e maior magnitude. Essa "escolha” de contingência pode ser melhor entendida
com os estudos sobre auto-controle. Em situação de escolha que diferem apenas no
atraso do reforço, observa-se a preferência pela alternativa com menor atraso.
Enfim, refletindo sobre o tema da reincidência criminal a luz da análise do
comportamento, pode-se dizer que muitos comportamentos criminosos teriam alta
probabilidade de não serem emitidos se o indivíduo tivesse aprendido e depois optado
pela alternativa de autocontrole. Qual a relação desta afirmação com o fenômeno do
crime? A emissão de comportamento criminoso seria a alternativa de menor magnitude
e imediata. Seria a resposta de, por exemplo, em um momento de discussão com o
outro, sacar uma arma e atirar. Ou ver o filho desobedecer e espancá-lo aplicando um
castigando imoderado. Ou ainda diante de uma mulher atraente segurá-la e estuprá-la,
dentre outros tantos casos. Uma análise mais completa de cada situação pode nos
mostrar que sempre haverá pelo menos, uma alternativa, que provavelmente oferecerá
um reforço maior, mas que será liberado com atraso ou após respostas de altos custos.
Em todos esses casos, padrões de respostas que mantêm a condição de liberdade do
indivíduo seriam denominadas de auto-controle (Hanna & Ribeiro, 2005).
Para concluir, ilustra-se a temática da reincidência criminal com dois trechos
de estudos de casos realizados com duas pessoas privadas de liberdade e cumprindo
pena de encarceramento no Sistema Penitenciário de Teresina-PI.

t Sobre Comportamento e Cognição 311


Estudo de caso 1
Jovem de 26 anos do sexo mascufíno com se/s reincidências. Aumento
progressivo da gravidade de seus crimes. Início com furto, culminando na última detenção
por homicídio contra um policial. Morador de periferia, sem estudo básico. Iniciação na
vida criminosa pela “necessidade” nutricional. Foi preso e logo solto. Ao sair da
penitenciária, procurou um emprego, mas escutou apenas portas se fechando à sua
frente, fossem elas das oportunidades de emprego, como dos outros ambientes que
lhe era reforçador. Na sua família e comunidade, no entanto, não houveram reações
negativas veementes, afinal como ele afirma, “em cada caso lá tem pelo menos um filho
errado.’' Com a permissívidade da família e da comunidade que vive além da lei, com o
reforçamenfo de um grupo, adicionado às suas experiências imediatas (estigma,
exclusão, discriminação) “opta” por continuar transgredindo. Na verdade os controles
ambientais dele operaram dessa forma, o puniram quando tentou se “ajeitar”. A polícia
passa a rondar sua casa sempre que há algum chamado por uma possível ilícitude nas
imediações de seu lar. Um dia ele fora a um bar onde se envolvera em uma briga e o seu
oponente sacou uma arma e atirou, mas a bala resvalou em outra pessoa. Quando os
policiais chegaram, o atirador fugiu e deixou a arma. Os policiais conhecendo o jovem,
vendo uma arma no chão e um ferido, foram de imediato ao seu encalço. Antes de
alcançarem o egresso, ele pegou a arma e sabendo que se ficasse seria maltratado
pelos policiais e preso sem nada ter feito, alvejou o primeiro policial na expectativa de
fugir. Preso, fala que só deixará de delinqüir se for convertido à uma religião evangélica,
porque não existe mais força mundana que acredite na sua remissão e portanto não vê
motivo para parar. Além do mais, foi isso que aprendeu a fazer. Quando tentara outras
coisas foi punido pela sociedade, duplamente com o encarceramento e com a
estigmatição excluidora.

Estudo de caso 2
Homem de 32 anos, ensino superior incompleto, morador de bairro de classe média-
alta. Reincidente pela 3a vez. Na adolescência foi agente de algumas transgressões, sempre
no sentido de furtos ou roubos. O início da prática se deu em casa quando algo fhe era negado
e ele possuía acesso a dinheiro ou objetos que lhe permitissem troca pelo reforço desejado.
Como ninguém em casa creditava a ele a autoria dessas transgressões, ele era
continuadamente reforçado. Essas práticas foram se generalizando, pois lhe assegurava
certa autonomia financeira, e um reforço social muito grande por parte dos amigos, primeiro
porque ele sempre tinha coisas novas, depois porque era considerado esperto por isso. No
fim da adolescência teve acesso a drogas, mas não “curtiu". No entanto, percebeu uma
grande oportunidade de se manter financeiramente. Passou logo a “atravessador". Quando
fora preso a primeira vez, foi liberto em seguida por um de seus consumidores, um expoente
do judiciário local. Saindo da carceragem, passou rápido a traficante, onde fez amizades que
substituíam as amizades que perdera. Os amigos não queriam mais sua presença, a família
tinha medo de sair com ele, pois a Polícia Federal o rondava sempre, até que fora preso
novamente. Solto, resolveu abrir um comércio cujos clientes eram seus antigos consumidores,
que requeriam dele a droga. O resto dos conhecidos e da sociedade local o excluía, não
acreditando na sua tentativa o que era reforçado enormemente pelos policiais. Seu negócio
faliu. Relembrando da rentabilidade do tráfico e da diferença do trabalho (desgaste), voltara
mais uma vez ao comércio de drogas, com sucesso imediato, o que era bastante reforçador,
bem como a conquista do poderio que ele exercia dentro e fora das "bocas”. Nas palavras dele
quando da última condenação: “Não sei o que vou fazer quando sair novamente, mas caso eu
seja recebido da mesma forma, a vida do crime vai sim ser uma possibilidade pra mim."

Dyego dc Carvalho Cosia t W cg Q omes Martins


Referências

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originalmente em 1953).

Sobre Comportamento e Cognição 313


Capítulo 30
Análise comportamental clínica de casos
de transtorno do pânico:
sintomas iguais, intervenções
diferentes.
João Vicente de Sousa M arçal 1

O Transtorno do Pânico se caracteriza por uma série de manifestações físicas e


comportamentais inseridas dentro de um conjunto de critérios diagnósticos previamente
estabelecidos (DSM-IV, 2000). Quanto mais uma pessoa apresentar características que
atendam a estes critérios, mais preciso será o diagnóstico. A categorização dos chamados
transtornos mentais, conforme encontrada nestes manuais, é feita de forma descritiva e
não indui aspectos relacionados à etiologia, que é diferentemente abordada nos diversos
campos de estudo da saúde e do comportamento humano, originando variadas formas
de tratamento (Holmes, 1997).
O presente texto tem como objetivo mostrar como o modelo clínico analítico-
comportamental, pautado na análise funcional do comportamento, possibilita uma
interpretação refinada acerca dos quadros clínicos em gerai, em específico, o Transtorno
do Pânico, permitindo estabelecer objetivos e estratégias de intervenção mais precisos
quando comparados a alguns outros modelos. A interpretação clínica analítico-
com porta mental inclui análises das contingências atuais e, principalmente, históricas
responsáveis pela aquisição e manutenção dos padrões com porta mentais do cliente,
sendo freqüente o emprego de análises molares {Matos, 1997).
Na psicologia tradicional e no senso comum os comportamentos considerados
anormais ou inadequados, são considerados sintomas e são determinados por processos
Internos do indivíduo, sejam eles físicos ou mentais. Esta interpretação é característica de
abordagens dualistas do comportamento humano (Banaco, 1999). Diferentemente, na
perspectiva Behaviorista Radical considera-se que estes comportamentos anormais, e
também aqueles que não o são assim considerados, foram selecionados por
conseqüências reforçadoras ao longo da vida do indivíduo, com o ambiente exercendo
um papel determinante neste processo (Micheletto, 2001). Desta forma, a concepção
Behaviorista Radical do comportamento é extern alista, pois não considera as ações como
originadas dentro do indivíduo, mas a partir da relação deste com o ambiente em que
viveu e vive (Chiesa, 1994). Nesta análise também estão incluídos os chamados
comportamentos privados tais como pensamentos e sentimentos (Tourinho, 1993).
O modelo selecionista, com suas raizes filosóficas no pragmatismo, se atém
aos aspectos funcionais do comportamento em detrimento da topografia do mesmo
' IBAC- Instituto Brasllierae de Análise do Comportamento - e UniCEUB.

314 kwo Vicente de Souta Marçal


(Donahoe, 2003). Desta forma, um mesmo padrão comportamehtal apresentado por um
indivíduo, tal como observado (e.g. Kohlenberg & Tsai, 1991) òu relatado no consultório,
pode ter diferentes funções ou variáveis de controle e assim requerer diferentes
intervenções, se necessário. Por exemplo, olhar fixamente para o terapeuta pode ter.
como função remover um assunto que o terapeuta esteja abordando e seja aversivo para
o cliente; pode revelar ausência de controle no aqui e agora, comurri em situações de
lembranças importantes; pode ter a função de envolver a(o) terapeuta amorosamente;
etc. Em um exemplo dentro do cotidiano, uma ação agressiva apresentada constantemente
em contextos sociais pode ter sido selecionada por uma de diferentes funções: ter afastado
ou removido situações aversivas tal como uma cobrança insistente de alguém; ter produzido
reforçadores sociais significativos como o respeito e o temor; ter produzido reforçamento
imediato; etc. É tarefa do analista do comportamento, identificar junto ao seu cliente, quais
as funções que os comportamentos por ele emitidos estão tendo ou tiveram.
Intervenções medicamentosas e técnicas psico te ra p ê u tica s têm sido
comumente empregadas no tratamento do Transtorno do Pânico e transtornos de
ansiedade em geral. Entre as estratégias terapêuticas mais utilizadas estão as de base
com portamental (e.g. Zamignani, 2004) e cognitiva (e.g. Ito, 2001). Técnicas
comportamentars são provenientes de pesquisas envolvendo condicionamento clássico
e operante. Do condicionamento clássico ou respondente, advém os princípios da
extinção da ansiedade condicionada ou do contra-condicionamento dos estímulos que
eliciam estas respostas. Na extinção, o estímulo aversivo condicionado é apresentado
repetidas vezes sem a presença do(s) estímulo(s) que o condicionou(aram). Esta
exposição pode ser in vivo, quando há contato com o estímulo real, ou in vitro, quando
o estímulo é imaginado, geralmente em um consultório (Rimm & Masters, 1983). Esta
estratégia é normalmente conhecida como in u n d a ç ã o ou te ra p ia de im p lo s ã o pois há
um súbito aumento da ansiedade quando a pessoa é inicialmente exposta ao estímulo
temido (Wielenska, 2004). De qualquer forma, a exposição ao estímulo aversivo é
gradativa, de modo hierarquizado, impedindo que a ansiedade atinja níveis muito
elevados. No contra-condicionam ento, a apresentação do estím ulo aversivo
condicionado ocorre simultaneamente à apresentação de outro estímulo que elicie
uma resposta incompatível. É o caso de uma pessoa que normalmente ficava muito
ansiosa num hospital devido a experiências passadas ruins e passa a ter vivências
intensas e agradáveis neste recinto, como por exemplo, se apaixonando por alguém
que conheceu no local. Wolpe (1981) empregou o relaxamento muscular progressivo
como uma resposta incompatível à ansiedade, para ser utilizado no consultório. Este
método ficou conhecido como d e s s e n s ib iliz a ç ã o s is te m á tic a e n c o b e rta , pois visava
reduzir o nível dé respostas eliciadas por pensamentos relacionados ao(s) estímulo(s)
aversivo(s). Pesquisas iniciadas na década de 1960 apresentam a exposição in vivo
como mais eficaz do que a exposição in vitro (Carrara, 1998).
Outras técnicas também têm sido utilizadas por terapeutas comportamentais e
cognitivo-comportamentais com o objetivo de reduzir a ansiedade e, em específico, o
Transtorno do Pânico: descatastrofização (Savoia, 2004), distração (Angelotti, 2004),
controle da respiração (Ito, 1998), técnicas de relaxamento em geral (Wolpe, 1981),
imaginação dirigida (Falcone, 2004), técnicas de auto-controle (Watson & Tharp, 1985),
etc. No plano medicamentoso, a forma mais empregada é a combinação de ansiolíticos
com anti-depressivos (Holmes, 1997).
As estratégias de intervenção geralmente são empregadas bastando haver
informações sobre os comportamentos que caracterizam o quadro, incluindo as situações
em que ocorrem. Na análise comportamental aplicada, as conseqüências de alguns destes

Sobre Comportamento e CogniçJo 315


comportamentos, numa perspectiva operante, também vão servir para a conduta terapêutica.
No entanto, a clínica analítico-comportamental também deve considerar relevante as
contingências históricas ao longo da vida, permitindo uma interpretação molar a partir de
padrões comportamentais que o indivíduo apresenta. Este recurso também contribui para
tomar o processo terapêutico mais refinado e preciso, pois dados não obtidos na história
recente podem estabelecer outras diretrizes clínicas e intervenções variadas para quadros
clínicos semelhantes. Isto, de certa forma, contrapõe o uso restrito de técnicas para a redução
da ansiedade que é característica no Transtorno do Pânico e outros transtornos afins.

Transtorno do Pânico
Segundo o DSM-IV (2000), o Transtorno do Pânico consiste de ataques de
Pânico inesperados e recorrentes acerca dos quais o indivíduo se sente
persistentemente preocupado. Pode ser com ou sem agorafobia. O ataque de pânico é
um período distinto no qual há o inicio súbito de intensa apreensão, temor ou terror,
freqüentemente associados a sentimentos de catástrofe iminente. A agorafobia é definida
como ansiedade ou esquiva a locais ou situações das quais poderia ser difícil escapar
ou nas quais o auxílio poderia não estar disponível em caso de pânico.
Os “sintomas" ou características de um ataque de pânico são: palpitações;
sudorese; tremores ou abalos; sensação de falta de ar, sufocamento, asfixia; dor ou
desconforto torácico; náusea, desconforto abdominal; tontura, vertigem, desmaio;
desrealização (sensações de irrealidade); despersonalização (estar distanciado de si
mesmo); medo de perder o controle ou enlouquecer; medo de morrer; parestesias
(anestesia ou sensações de formigamento); calafrios, ondas de calor (DSM-IV, 2000).

Tratamentos tradicionais
Nas formas de tratamento descritas anteriormente, as intervenções são feitas
basicamente a partir do quadro clínico apresentado pelo cliente. Neste sentido, padrões
comportamentais ou "sintomas" semelhantes induzem a intervenções semelhantes,
sejam medicamentosas ou baseadas em técnicas. Já na Análise Comportamental
Clínica ou Terapia Analítico-Comportamental, conforme já foi exposto, padrões
comportamentais semelhantes podem se referir a processos comportamentais
(funções) diferentes, identificados apenas por meio de uma investigação funcional das
diversas relações comportamentais na vida do indivíduo.
Para ilustrar esta diferença, serão apresentados três casos clínicos atendidos
pelo autor, em que se observa um quadro clínico muito semelhante, enquadrado no
diagnóstico de Transtorno do Pânico, mas que a partir de uma análise de contingências
atuais e históricas, requereram interpretações e intervenções diferentes.

Dados iniciais
Caso clinico 1
Nome (fictício): Maria
Dados: estudante universitária de 19 anos de idade.
Início do quadro clínico: primeiro episódio de pânico aos 11 anos de idade.
Outros tratamentos: psicoterapia dinâmica quando adolescente, terapia comportamental
por 2 anos e meio, encerrada uma semana antes do inicio da terapia com este autor.

316 Joào V ic tn k Sousa M arçal


C aso c lín ic o 2
Nome (fictício): Joaquim
Dados: empresário de 27 anos de idade.
Início do quadra há três semanas teve o primeiro episódio de pânico.
Outros tratamentos: nenhum. Conversou com um parente psiquiatra mas não tomou os
medicamentos por ele indicados.
C aso c lín ic o 3
Nome (fictício): José
Dados: empresário de 37 anos de idade.
Início do quadra há quarenta dias.
Outros tratamentos: começou a fazer uso de medicamentos - combinação de
antidepressivo e ansiolítico.

Nos três casos, o quadro clínico se caracterizava por falta de ar, sensação de
sufocamento, sensação de morte iminente, sudorese, palpitações, medo de perder o controle
e pensamentos catastróficos. Maria (19a) apresentava o quadro em qualquer momento do
dia, com freqüência maior em situações longe de casa, especificamente no trânsito. Joaquim
(27a) em qualquer momento do dia, mas principalmente quando estava em casa à noite e
José (37a) apresentava mais à noite, quando estava deitado, ou no meio do sono.

Fatos recentes
Muitos casos de pânico são atribuídos exclusivamente a eventos aversivos
recentes, que normalmente contribuíram ou estão contribuindo para o início e a
manutenção do quadro clínico.
Maria: embora seus ataques já ocorressem há alguns anos, Maria havia passado
quase um ano sem tê-los. Dois fatores então foram interpretados como fortes contribuintes
para a reincidência. Um se refere ao acidente de uma grande amiga, que passou dias na
Unidade de Terapia Intensiva de um hospital, seguidos de semanas de internação. Maria
acompanhou-a em todos os momentos, convivendo diariamente com a ameaça de perdê-
la e com o dia-a-dia em um ambiente estressante com elevada taxa de óbitos e pessoas
correndo sérios riscos de vida. Outro fator aversivo é que Maria estava começando a
passar por cobranças em sua vida relacionadas à idade, às quars nunca havia passado
antes, tais como exigências em relação a trabalho, estudo e maior independência.
Manoet. havia passado por um término de namoro há umas cinco semanas.
Embora inicialmente não aceitasse que isto poderia estar lhe afetando, reconheceu o
tanto que o estava fazendo sofrer, principalmente por que sua ex-namorada dava pistas
de uma possível volta, ao mesmo tempo em que tinha sido vista, por amigos de Manoel,
em companhia de uma outra pessoa. Outro fato recente foi a quebra da empresa que
Manoel tinha em sociedade com o irmão. Isto havia ocorrido há uns dois meses e ele
estava muito irritado e incomodado com isto, apesar de ter o amparo econômico da
família. Manoel justificava seus ataques de pânico a uma possível relação com o uso de
esteróides anabolizantes que havia ingerido há um mês atrás, quando iniciou a prática
de musculação em uma academia. «
José sua empresa estava crescendo muito e havia se tomado uma grande concorrente
para outras empresas do mesmo ramo e que estavam há mais tempo no mercado. José

Sobre Comportamento e Cognição 317


chegou a receber ameaças anônimas. Com o crescimento da empresa, aumentou também
o acúmulo de responsabilidades. Outro aspecto que estava deixando-o tenso e preocupado
eram atritos recentes e constantes entre a esposa e o filho de 13 anos, que apresentava
problemas de desempenho e disciplina na escola, e já havia feito uma tentativa dè sair de
casa, viajando sem autorização para uma cidade em que moravam alguns parentes.
Nos fnês casos citados, as informações de fatos recentes já possibilitariam um bom
entendimento do quadro, sinalizando condições avereivas a serem atenuadas ou removidas.
Baseadas nestes dados, as estratégias tradicionais de intervenção poderiam ser aplicadas
de forma semelhante em todos os casos2. Com isto, por que haveria a necessidade de uma
investigação mais ampla, incluindo a análise de diversas contingências ao longo da vida
destes clientes? Por que padrões comportamentais que não estariam diretamente
relacionados ao quadro de pânico poderiam ser relevantes? A Análise Comportamental Clínica
vai considerar que estas investigações informam aspectos importantes tais como
condicionamentos anteriores não explicitados nas informações atuais e que poderiam melhor
sinalizar caminhos terapêuticos (Marçal, 2005a). Por exemplo, suponhamos que um grupo
de pessoas passe por um evento aversivo de grande magnitude e incontrolável, de forma que
não seja afetado por comportamentos por elas emitidos, Algumas destas pessoas poderiam
entrar em um quadro depressivo assim como descrito no modelo de desamparo aprendido
(Hunziker, 1997). No entanto, outras não desenvolveriam este quadro. Por que então haveria
esta diferença? Teríamos que nos basear então na genética como única explicação? Na
Análise Comportamental Clínica utiliza-se a história individual de reforçamento e outras
interpretações, para entender melhor cada caso. Por exemplo, a freqüência geral de
reforçamento na vida seria uma delas. Imagine alguém perder um grande amigo. A penda
poderá ter maior impacto se este amigo estava sendo a sua única companhia ou relação
próxima há alguns anos. Diferentemente, se quem perde o amigo também vem tendo contato
freqüente com outras amizades próximas e de boa qualidade, poderá sofrer um impacto bem
menor e reagir mais rapidamente a situação. Outra possibilidade explicativa está relacionada
a história de cada um em lidar com eventos aversivos. Por exemplo, alguém que foi acostumado
a não precisar reagir diante de condições aversivas, porque sempre havia quem agisse em
seu lugar, evitando ou removendo esta condição, terá uma postura diferente de alguém que
sempre teve “que se virar" diante de fatos aversivos. No segundo caso, a pessoa teve mais
oportunidades de desenvolver uma postura ativa diante de problemas ou experiências ruins,
ampliando assim a possibilidade de interferir nas contingências de sua vida. Concluindo,
estes exemplos mostram que outras análises não diretamente focadas no “problema”,
contribuem para uma melhor compreensão do por quê algumas pessoas ficam ou não
depressivas, quando certos eventos ocorrem em suas vidas.

História de vida
Aspectos relacionados à história de vida tendem a ser pouco utilizados em
análises comportamentais aplicadas, onde observa-se grande ênfase nas contingências
atuais e enfoque restrito a alguns comportamentos específicos (e.g. Miltenberger, Fuqua
& Woods, 98). Num modelo clínico, isto pode tomar a interpretação limitada. A seguir
será apresentado um pouco da história de vida de cada cliente, sendo descritos aspectos
que estariam relacionados ao seus quadros clínicos .
Maria: foi muito superprotegida pelos pais, sendo filha única até os 9 anos de
idade; teve poucas experiências de enfrentar diretamente condições aversivas, sendo
freqüentemente “poupada” destes tipos de situação; foi e é dependente em vários

1Na realidade, observa-se que o emprego destas técnicas pode também não depender do conhecimento de tetos recentes.

318 João Vicente d« S o u « M arçal


aspectos da mãe e de outras pessoas; sempre recebeu tratamentos e cuidados
especiais na escola. Suas características relacionadas à dependência, insegurança e
ataques de pânico sempre favoreceram a o corrência de com portam entos
superprotetores por parte das pessoas que conviviam com ela. Isto ajudava na
manutenção do quadro. Por que a superproteção? (a) a mãe de Maria teve história de
abandono na infância e muita carência afetiva. O casamento representava uma das
raras experiências afetivas que teve, mas de forma muito insatisfatória, já que sempre
conviveu com uma dupla vida do marido, pai de Maria, que tinha envolvimentos amorosos
constantes com outras mulheres. Maria, portanto, era o grande vínculo afetivo da mãe;
(b) o pai de Maria vinha de uma família com modelo de educação associado a um forte
protecionismo, com participação constante desses familiares na vida de Maria e do
próprio pai; (c) antes de Maria nascer, outra filha do casal morreu aos 5 meses de idade,
vítima de pneumonia, apesar de todos os cuidados recebidos da famíiía e da assistência
de médicos e hospitais bem credenciados.
Manoet vem de uma família tradicional, com um bom status social e que tem o
orgulho como uma forte característica. Manoel sempre se destacou perante as mulheres em
função de sua beleza física. Foi sempre popular na escola e perante os amigos de um modo
geral. As condições econômicas sempre foram boas. Foi também um atleta de destaque,
chegando a seleção nacional juvenil na modalidade que praticava, o voleibol. Entre os irmãos
era considerado o de maior destaque. Todos em casa tinham uma postura competitiva em
quase tudo o que faziam. Os pais criaram enorme expectativa em relação a Manoel ao longo
de sua vida. A relação com os amigos, também populares, sempre foi boa e motivo de
orgulho. Sua ex-namorada se encaixava em tudo o que precisava de uma mulher, fazia muito
sucesso pela beleza tísica, era de uma família tradicional e abastada economicamente, era
educada e de boas maneiras, tinha postura discreta, os irmãos dela eram muito amigos de
Manoel e também se destacavam comó a irmã. Estavam namorando há.6 anos. Manoel
cresceu com sentimento de grandeza, embora não agisse de forma arrogante ou esnobe.
José: foi educado para se virar na vida. Quando criança era responsável pelos
dois irmãos mais novos, pagou as suas contas desde jovem, quando começou a
trabalhar. As principais coisas que ocorreram em sua vida foram construídas por ele.
Assim, desde cedo José acostumou-se a responsabilizar-se por quase tudo em sua
vida. Esta postura foi muito reforçada pelo pai, que tinha características semelhantes e
era o Seu grande modelo. José sempre teve sucesso profissional e foi empreendedor.
Um dos fatos marcantes em sua vida foi a quebra de uma empresa que teve
anteriormente, isto era considerado por ele como um "fantasma do passado”, que por
sinal foi bem contornado por José ao saber dar a “volta por cima”.

Padrões com portam entais


A história de vida tem relação direta com o desenvolvimento de padrões
comportamentais que uma pessoa apresenta (M arçal, 2005b). Estes padrões,
comumente chamados de personalidade, se referem a características comportamentais
freqüentemente emitidas tais como atitudes, regras, valores (reforçadores ou regras) e
sentimentos3. A identificação destes padrões no consultório pode tanto anteceder como
ser decorrente da investigação histórica da vida do cliente, ocorrendo o mesmo em
relação aos dados, relativos às contingências atuais. Esta ferramenta ajuda o profissional
a ter uma visão mais ampla do caso, perm itindo m elhores parâmetros para o
estabelecimento de objetivos clínicos (Marçal, 2Ó05a). A seguir serão descritos alguns
padrões comportamentais de cada cliente, os quais, como será vistò, são pertinentes
com contingências às quais estiveram expostos ao longo da vida.

/ Sobre Comportamento e Cognição 31$


María\ apresenta falta de iniciativa em muitas situações de sua vida; mostra-se
insegura e dependente dos que estão próximos; relata tudo o que faz à mãe; tem enorme
dificuldade em tomar decisões; age impulsivamente em muitos processos de escolha; tem
uma atrtude passiva diante da vida, espera que as coisas aconteçam; tem muitas habilidades
em sinalizar sofrimento; baixa tolerância à frustração, pouca persistência; muitos
comportamentos de fuga e esquiva relacionados a situações de enfrentamento, etc.
Manoet. muito orgulhoso, incomoda-se facilmente com algo que possa denegrir a
sua imagem perante os outros; tem sensação de superioridade em relação aos demais;
esquiva-se de situações com probabilidade de insucesso; tem enonme expectativa e exigências
sobre si; forte auto-cobrança; boas habilidades sociais; busca constante de autocontrole.
José: muito centralizador nas tarefas em que está envolvido; elevada auto
exigência; controlador no que diz respeito a questões profissionais; perfeccionista quanto
ao desempenho; forte controle por regras (insensibilidade às contingências); está
sempre ligado em questões futuras, principalmente as relacionadas à sua empresa;
tende a assumir responsabilidades pelo que acontece à sua volta.

Seleção e adaptabilidade
Na filogênese ou história da espécie, membros de uma espécie que apresentem
características mais adaptáveis ao ambiente em que vivem têm mais chances de
sobreviverem e transmitirem estas características aos seus descendentes por herança
genética (Hull, Langman & Glenn, 2001). Este processo é conhecido como seleção
natural. Da mesma forma, na ontogênese ou história do indivíduo, classes de respostas
são selecionadas ao longo da vida em função das conseqüências que elas produzem
(Skinner, 1966). Este processo ê entendido como reforçamento e explica a aquisição de
padrões comportamentais apresentados por uma pessoa.
No entanto, o selecionismo prepara um organismo para viver em um ambiente
semelhante ao que viveu no passado (Skinner, 1981). Mudanças em potencial do ambiente
podem tomar o que foi selecionado inapropriado e apresentar demandas por variabilidade.
Em relação à história de vida de uma pessoa, os comportamentos que produziram ou produzem
conseqüências reforçadoras no passado, podem não fazê-los nas condições atuais; o que é
reforçado numa situação, pode não ser em outra; o que é eficaz para produzir certos
reforçadores pode não ser na produção de outros; os efeitos reforçadores a curto prazo
podem não ocorrer a longo prazo ou se caracterizarem como efeitos aversivos e; efeitos
reforçadores podem vir acompanhados de conseqüências aversivas de grande impacto.
O entendimento destas relações funcionais permite ao terapeuta e cliente,
identificarem não apenas o que uma pessoa faz ou como faz, mas por quê faz e o que
mantém este fazer. A partir do conhecimento destas variáveis, pode-se melhor saber o
quê e como fazer (Marçal, 2005). Concluindo, o modelo selecionista constitui-se em
uma poderosa ferramenta clínica, permitindo interpretações e intervenções precisas.

Autoconhecim ento e mudança


Apesar dos quadros clínicos serem semelhantes topograficamente, as
contingências históricas e atuais e os padrões comportamentais decorrentes destas,
indicam diferentes variáveis de controle, o que implicaria em diferentes intervenções.
Todavia, é importante que o entendimento deste processo seja acompanhado pelo
cliente, pois interfere na sua motivação para mudança e permite um alcance terapêutico

’ Neste caso seriam elWados, por se referirem a respondentes.

320 toio V icente de Sousa M arçal


muito mais-amplo, aumentando a sua autonomia. Objetivos e estratégias terapêuticas
estabelecidos a partir das análises funcionais de cada caso serão descritos a seguir.

Maria
Maria passou por muitas situações de reforço não contingente, onde tinha acesso
a reforçadores positivos e à remoção de estímulos aversivos, independentemente da
emissão de comportamentos de enfrentamento, iniciativa, persistência, autocontrole, etc.
Paralelamente, as contingências selecionaram atitudes de queixa, esquiva, sinalização de
sofrimento e de necessidades, entre outras características. O pouco contato direto com
contingências aversivas tomou Maria despreparada para lidar com elas e muito suscetível
a quadros de ansiedade e insegurança nestas condições, principalmente se não houvesse
alguém para protegê-la. Regras relacionadas à incapacidade, fragilidade, necessidade
dos outros, foram facilmente estabelecidas e mantidas pelas contingências (principalmente
sociais) ao longo destes anos. Seu repertório comportamental favorecia o excesso de
cuidados dos que com ela conviviam, ajudando a manter o quadro de não enfrentamento. A
idéia de doença, associada ao Transtorno do Pânico, muito contribuiu para desviar a atenção
das relações com o ambiente ao qual o seu organismo esteve sempre exposto e que
impediam a possibilidade de mudança. No início da terapia, Maria ainda continuava em um
ambiente de superproteção, que era bem agravado por isto estar relacionado a uma
importante função reforçadora para a sua mãe. A motivação para mudança existia a partir do
pouco poder de escolha que Maria tinha em sua vida, do sofrimento decorrente do pânico e
da ansiedade em geral, do fato de Maria estar cansada de ser “a doente" e sempre precisar
dos outros, de estar namorando alguém que não gostava apenas porque ele estava sempre
disposto a ajudá-la em suas dificuldades, etc. A simples aplicação de técnicas com fins de
reduzir a ansiedade não permitiria uma interpretação neste nível apresentado.
O bjetivos terapêuticos? O principal seria d e senvolver autonom ia e
independência de um modo geral. Os principais recursos incluiriam vivenciar situações
reforçadoras que fossem contingentes à produtividade, iniciativa, persistência e
enfrentamento. Se o contato com certas contingências foi determinante na aquisição do
repertório comportamental atual, novas experiências seriam necessárias para a
implementação de novos repertórios. Isto deveria ocorrer inicialmente em níveis mais
acessíveis (i.e. mais fáceis de lidar) aos que Maria estava, naquele momento. O fato de
Maria saber que não tinha como ela ser diferente a partir de tudo o que viveu e que não
havia como mudar em função das contingências presentes foi de fundam ental
importância para engajar-se na busca destes contextos terapêuticos. O raciocínio da
ACT (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999) envolvendo a aceitação de que as esquivas
experenciais tinham efeito temporário, que o controle da ansiedade precisaria ser
reduzido ou atenuado e que necessitaria aumentar a disposição para a tolerância
emocional, teve um importante papel no engajamento destas condições anteriormente
aversivas, isto é, situações que requeressem autonomia e enfrentamento.

Manoel
A história de sucessos e êxitos, não fortaleceu comportamentos persistentes e
adaptativos em situações de insucessos ou fracassos. Regras a respeito de si. ou
seja, sua auto-imagem, foram estabelecidas e mantidas neste contexto de sucessos e
reconhecimentos sociais dentro e fo r^ da família. Comportamentos de esquiva de
prováveis insucessos foram aprendidos, assim com o tatos distorcidos sobre
improdutividade (e.g. “alguma coisa deu errado para eu não ter ido bem” ou “eu é que
R E G

/ Sobre Comportamento e Cognição 321


não estava mesmo a fim de me empenhar”). Embora Manoel não fosse arrogante e
tivesse muitas habilidades sociais, reconhecia ter um forte sentimento de superioridade
em relação aos demais. Na terapia, identificou situações de grande ansiedade quando
a "sua imagem" era posta à prova em público, em situações em que não se sentia
preparado ou não estava habituado, tal como apresentar oralmente um trabalho na
faculdade. O status da namorada proveniente de sua beleza e elevado nível sócio-
econômico se encaixava muito bem no que Manoel esperava para si. Ter o relacionamento
suspenso por ela, assim como a quebra de sua empresa eram incompatíveis com
todas essas regras e expectativas dele. A relação com a ex-namorada também estava
instável e indefinida, algo que ele não estava acostumado a lidar. Ninguém sabia do
sofrimento e dos ataques de pânico pelos quais passava, nem sua família - onde
também era bastante reverenciado. Apenas no finai da primeira sessão Manoel começou
a reconhecer e sinalizar este sofrimento, o que foi se tomando mais frequente no decorrer
das sessões. “Coincidentemente", a terapia tornou-se um raro momento em que os
riscos de ter ataques de pânico eram mínimos ou inexistentes. Por què? Apenas porque
tinha segurança no terapeuta, conforme justificou? ... Não. Manoel estava tendo uma
raríssima vivência social em que sinalizava suas limitações, dificuldades, sentimentos
de medo e insegurança. No consultório, podia ter fragilidades e emoções como todo
ser humano e não trazer sobre si o peso de um super-homem inabalável.
Atitudes de controle sobre o que aconteceria em sua vida também foram
selecionadas ao longo dos anos. Este padrão comportamental era ineficaz quando se
tratava de elevados níveis de ansiedade e outros eventos aversivos não controlados
diretamente. Pesquisas apontam que a tentativa de controlar a ansiedade podem ter o
efeito contrário a isto (Orsillo, Roemer, Bloc-Lemer, LeJeune & Herbert, 2004)
Objetivos terapêuticos? Desenvolver repertórios para lidar com frustrações e
insucessos, permitindo um alcance a contextos mais variados; formulação de regras
sobre si mais precisas e flexíveis, com maior sensibilidade às contingências. Recursos:
é importante entender como estas regras foram formadas, como são mantidas, quando
foram ou são funcionais e quando não. As mudanças das regras mudariam ao vivenciar
novas contingências4. Recursos: o principal seria vivenciar situações sociais em que
Manoel sinalizasse limitações, dificuldades, inseguranças, etc, existentes. Isto deveria
ocorrer de forma gradativa e a partir de pessoas em quem confiasse e com perspectivas
de acolhimento. Outro recurso importante seria vivenciar situações reforçadoras de um
modo geral, mas que inevitavelmente viesse acompanhado de erros e imperfeições
naturais da situação, algo que Manoel sempre se esquivava.

José
Muitos reforçadores importantes, presentes ao longo de sua vida, foram diretamente
produzidos por seus comportamentos e não teriam sido obtidos de outra forma. José não
recebia coisas “de graça", ao mesmo tempo em que tinha em seu pai um exemplo de
alguém que "se virava" para conseguir o que queria. A responsabilidade pelos irmãos mais
novos incluindo o controle sobre eles, ter arcado com as conseqüências dos seus atos, ter
que se virar para obter dinheiro e o êxito do pai que era um modelo para José, favoreceram
a seleção de comportamentos de ter iniciativa, ser responsável por si e pelos outros, tomar
decisões, ser persistente, ser obsessivo, etc. Estas experiências contribuíram para que
José se tomasse eficiente naquilo que fazia e por conseguinte se habituasse a centralizar
e controlar tarefas nas quais estivesse envolvido. Regras do tipo “se eu não fizer, ninguém
fazne “os outros não vão fazer bem como eu faço" foram facilmente estabelecidas e também

322 João V k en tç dç S o u » M arçal


passaram a governar seus comportamentos. Sua eficiência levou-ò ao sucesso empresarial
e trouxe em contrapartida excesso de preocupações, imprevisíbilidades e trabalho. Isto
impedia-o de se engajar em atividades de lazer ou descontração, e quando isto acontecia,
o fazia de forma superficial. Muitos estímulos aversivos passaram a ser sinalizados
constantemente: ameaças diretas e indiretas provenientes de empresas concorrentes,
risco de problemas na empresa caso José não estivesse presente, constante disputa por
espaço no mercado, pressões provenientes do gerenciamento de inúmeros funcionários,
tudo isto favorecendo um constante estado de alerta. Juntamente a este desgaste emocional,
haviam noites mal dormidas, alimentação deficiente e tensão familiar. José começou então
a acordar à noite com falta de ar e taquicardia. Quanto mais eficiente fosse, mais a empresa
crescia, o que gerava mais responsabilidades e maior cobrança sobre si, levando a mais
dedicação ... mais eficiência ... empresa maior e ... tudo de novo.
Reduzir o nível de ansiedade através de medicamentos ou técnicas específicas
poderia ajudar José a lidar melhor com a situação. No entanto, isto seria como impedir
que alguém sentisse calor próximo a um vulcão em atividade, o efeito seria sempre
temporário, Conselhos para reduzir as responsabilidades seriam inevitáveis, porém
haveria possibilidade de José boicotá-los ou mesmo não conseguir executá-los, pois
seria diferente de como sempre agiu e provavelmente não seria reforçador para ele.
Objetivos terapêuticos? Aprender a não assumir responsabilidades por tudo ou
aprender a delegá-las quando convir, desenvolver a capacidade de estar em condições
com pouco controle da situação, reduzir nível de controle aversivo atual em sua vida.
Recursos: delegar responsabilidades quando possível, sem maiores riscos; vivenciar
contextos de poucas exigências, competitividade e cobranças; buscar condições
reforçadoras em que não tenha muito controle, que as coisas não dependam apenas
de si; vivenciar contextos que favoreçam a divisão de tarefas (ex. esportes coletivos em
caráter lúdico); vivenciar situações de lazer com mais frequência.

Conclusão
Este texto pretende mostrar o alcance que a análise funcional do comportamento
pode ter no contexto clínico. Apesar da semelhança topográfica dos comportamentos
que caracterizam o quadro clínico nos três casos diagnosticados como Transtorno do
Pânico, as interpretações e intervenções foram diferenciadas. Os processos de exposição
gradativa para dessenbilização ou contracondicionamento continuaram, porém não
apenas com objetivos respondentes, mas sim, visando selecionar novos repertórios a
partir do contato com as novas contingências. As situações em que deveria haver
exposição também foram específicas para cada cliente e identificadas somente após
uma análise m olar da vida de cada um, tal como foi aqui apresentada. O
autoconhecimento foi um recurso básico e indispensável nas três condições. As
estratégias e o raciocínio propostos pela ACT (Hayes, Strosahl & Wilson, 1999) se
adequaram a todos os casos, já que muitos dos recursos envolviam entrar em contato
com condições aversivas que normalmente produziam esquiva e que seriam
necessárias para se acessar reforçadores importantes na vida da pessoa.
O modelo funcionalista na clínica se enquadra dentro de uma visão
multideterminista do comportamento conforme proposto por Skinner (1953). As estratégias
utilizadas em cada caso foram bastante eficazes na remissão do quadro clínico inicialmente
apresentado por eles, ampliando também os repertórios comportamentais de todos.

‘ Uma intervenção muita mais compatível com a anáise do comportamento do que com um modeto cognitivo de intervenção, como por
exemplo, a técnica desenvolvida porBeck, óe reestruturação cognitiva (Costa, 2002).

Sobre Comportamento e Cognição 3£3


Este argumento não exclui a validade das técnicas comportamentais tradicionais ta) como
descritas na literatura (e.g. Miltenberger, Fuqua & Woods, 1998), porém, a Análise
Comportamental Clínica vai muito além da mera aplicação de técnicas.

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324 jo jo V k cn te de Sousa M arçal


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Sobre Comportamento e Cognição 325


Capítulo 31
Terapia Cognitivo-Comportamental
não-focalizada: um estudo de caso
Livía Maria Martins Pontes1
Cibele Freire Santoro*
Universidade Presbiteriana Mackenrie

introdução
A Terapia Cognitivo-Comportamental é conhecida por ser uma abordagem com
limitação temporal e objetivos claramente estabelecidos (Hawton, Salkovskis, Kir & Clark,
1997), voltada para o presente e que envolve uma relação cooperativa entre cliente e terapeuta.
Segundo Franks ( 1996) há uma inclinação do público em geral a considerar a
terapia comportamental como um “conjunto de poderosas, e potencialmente danosas,
técnicas para o estímulo da conformidade e o controle do comportamento humano,
sem consideração com os direitos e os sentimentos dos demais" (pâg 19).
Entretanto, alguns autores (Evans, 1985, Voetz e Evans, 1983 apud Godoy, 1996)
diferenciam a terapia e a avaliação comportamentais em dois modos: um enfoque centrado
no problema e um enfoque construtivo ou sistêmico. No primeiro caso, o objetivo é classificar
os comportamentos-problema e indicar o tratamento mais adequado e que elimine o
problema. No enfoque construtivo, o objetivo da terapia é mais global: ajudar o cliente a
tomar conhecimento da funcionalidade de seus comportamentos e modificar muitas classes
de comportamentos em muitas situações, de forma que o indivíduo desenvolva uma nova
maneira de se relacionar com o ambiente. Trata-se de instrumentalizar o cliente para que
esse possa dispor de uma série de ferramentas mais adaptativas em sua vida diária.
A terapia ou psicoterapia comportamental de autoconhecimento visa a
descoberta da funcionalidade dos comportamentos da pessoa de modo abrangente:
sua forma de agir, de pensar e sentir, diante de situações específicas de patologia e
diante de qualquer outro contexto de relações com o ambiente; não visa controle
específico de sintomas, embora possa eventualmente fazer focalizações. Acredita-se
que a melhora nos sintomas ou a solução de um dado problema específico possa
decorrer da auto-descoberta e da reaprendizagem de novas relações.
Para Skinner (1974), o autoconhecimento está intimamente vinculado à
comunidade verbal, pois o relato de algo vivenciado de maneira encoberta ou interna é
produto de contingências verbais especiais, organizadas por uma comunidade. Nesse
sentido, o autoconhecimento possui uma origem social. Por exemplo, quando uma
criança se machuca fisicamente, a mãe pode verbalizar algo como “Isso dói’ ou “Que

’ lwapontes@oomtxylatreritotamano.coni
* dsantoroíSinackerttie ccm br

Ltvia M aria Martins Fontes e Cíbde Freire Santoro


dor!”, de modo que a criança passa a parear o estímulo físico sentido com a palavra
“dor”. “Só quando o mundo privado de uma pessoa se torna importante para as demais
é que ele se torna importante para ela própria” (Skinner, 1974, p. 31). O autor acreditava
também que quando um indivíduo adquire conhecimento sobre si próprio tem melhores
condições de prever e controlar seu próprio com portamento. O processo de
autoconhecimento vai ocorrendo quando perguntas são feitas a respeito das variáveis
que possam ter interferido no comportamento de alguém. Perguntas do tipo “O que
você está fazendo?”, “Por que você fez isso?", “Por que teve vontade de agir dessa
maneira?”, “Em que você está pensando?”, “Você reafmente quer fazer o que está
fazendo?” levam o indivíduo a pensar sobre as causas de seu próprio comportamento,
o que conseqüentemente gera autoconhecimento. Entretanto, nem sempre as pessoas
sabem responder a perguntas desse tipo por não saberem por que agiram de certa
maneira. Apesar da vantagem de um indivíduo ser observador de sua história pessoal,
um observador externo poderá saber melhor por que a pessoa se comportou de tai
maneira. Esse é o trabalho de um terapeuta comportamental que busca levar seu
cliente a se autoconhecer: levá-lo a compreender as relações causais de seus
comportamentos as quais ele próprio ainda não havia tomado consciência.
Este trabalho se propõe a desmistificar a idéia de que a Terapia Cognitivo-
Comportamental não pode ser aplicada como meio de obtenção de auto-conhecimento,
tendo sempre que se utilizar de sessões planejadas previamente e com objetivos bem
estabelecidos. Através da apresentação de um estudo de caso será descrito e analisado
um atendimento clínico que se iniciou com um enfoque centrado nos comportamentos-
problema, mas que gradualmente foi transformada, dando lugar a um atendimento
mais livre, voltado para o auto-conhecimento.

Apresentação do caso
A. tem 37 anos, é natural de Pamaíba, Piauí, é solteira, mora sozinha e mantém
um relacionamento homossexual há 20 anos. Tem sete irmãos, sendo 3 mulheres e 4
homens. Trabalha no ramo de pesca há 20 anos, sendo funcionária desta empresa
desde o início da mesma.
A. veio para São Paulo aos 17 anos, em busca de melhores condições de vida.
Inicialmente morava com um de seus irmãos numa favela no bairro do Grajaú. Nesta
época já havia iniciado um relacionamento homossexual na sua cidade natal, e a
namorada ficou no nordeste. Conseguiu seu primeiro emprego trabalhando como
vendedora numa loja de produtos do norte (Casa do Norte). Um de seus clientes, dono
de uma loja de produtos para pesca, admirado com as habilidades de venda da paciente,
convidou-a para trabalhar em sua loja. Ela aceitou e aos poucos, o dono da loja foi
incentivando-a a alugar um imóvel e sair da favela. Ele a ajudou muito, inclusive
comprando móveis para sua casa. Por diversas vezes sua namorada pedia para que
ela deixasse o emprego para ir visitá-la e assim fez a cliente em duas ocasiões. Após
retornar a São Paulo e conseguir um novo emprego, rompeu com a namorada, pedindo
para que seu irmão não desse notícias suas para a namorada, pois esta eventualmente
exigiria que ela largasse o emprego novamente para visitá-la e A. procurava estabilidade
profissional. Ficou cinco anos sem contato algum com a namorada.
Em um campeonato de pesca conheceu um dos funcionários dà rede de lojas em
que trabalhava por ocasião dos atendimentos e recebeu um convite para trabalhar lá. A loja
estava para falir quando foi comprada por um empresário que expandiu o negpdo. A paciente
é funcionária dessa rede de lojas há 10 anos. Aos poucos conseguiu economizar para comprar
seu próprio apartamento. Nas entrevistas afirmou gostar do trabalho, sentir-se realizada com

,5obr? Comportamento c Ci>gnlç2o


o que faz. Goza de bastante prestígio junto ao patrao, que confia muito nela, sendo que o
próprio já verbalizou que eia é “um diamante raro" e que “ninguém na empresa toca nela”.
A. é a sexta filha de uma família de 7 irmãos: 4 homens e 3 mulheres. O pai
faleceu quando ela tinha 14 anos e a mãe mora no Piauí. Quanto ao relacionamento familiar,
relata conflitos. Tem papel de provedora: é considerada a mais bem sucedida por ter um
emprego fixo, apesar de não ter uma renda muito afta. Por isso, familiares freqüentemente
lhe pedem favores: arrumar um emprego para alguém, comprar algo para a casa ou roupas,
mandar dinheiro. Essas situações a deixam muito irritada, pois se sente explorada, percebe
que os familiares não se esforçam para conseguirem as coisas por si próprios, sempre
esperando que ela dê um jeito nas dificuldades. Entretanto, percebe dificuldade em negar
estes pedidos que considera irrazoáveis. Verbaliza pouco a respeito de seu relacionamento
com os pais. Ficava triste em saber que o paí traía sua mãe, apesar de nunca ter presenciado
o fato. Desde cedo A. queria trabalhar para poder comprar as coisas que gostava, mas seu
pai era contra, sendo que ela tinha que trabalhar escondida.
Em relação ao relacionamento amoroso, conheceu sua companheira (M.) em
sua cidade natal. Esta era casada com um homem mais velho, porém muito rico, e já
tinha dois filhos. Na época, A. estava com 14 anos e a companheira, com 18. Moravam
perto uma da outra. Sua companheira tomou a iniciativa de se declarar, mas de inicio a
ciiente se recusou a entrar nesse relacionamento, querendo evitar confronto com o marido
de M. Por fim M. se separou do marido e mudou-se com A. para São Paulo. A família da
cliente aceita bem o relacionamento. As dificuldades no relacionamento ocorrem por M.
gastar dinheiro exageradamente e não trabalhar, sendo A. a única provedora; devido à
isso, considera também muitas exigências da namorada como abusivas (ir ao cabeleireiro
toda semana, comprar roupas, sapatos, arrumar emprego para seus filhos, etc). Sua
companheira passa um período do ano em São Paulo e outro no Piauí, onde as duas
construíram uma casa. A paciente relata gostar dos períodos em que fica sozinha, sem a
companheira, por poder fazer o que gosta em sua casa: ouvir as músicas que gosta,
assistir ao programa que quiser, sem se preocupar se vai desagradar sua companheira.
Não tem amigos fora do ambiente de trabalho. Trabalha bastante, tendo apenas
uma folga semanal. Nessas ocasiões costuma sair para pescar com clientes. Gosta
também de curür sua casa, assistir TV, ouvir música.

Avaliação inicial das queixas


A paciente A.S.G. chegou a meu consultório há um ano e sete meses, encaminhada
pela psicoterapeuta de seu patrão. A. trabalha como vendedora numa rede de lojas de
produtos para pesca. É excelente vendedora, bastante dedicada, porém, apresentava
dificuldades de relacionamento com colegas de trabalho e até mesmo com clientes: era
bastante impulsiva, falava o que lhe vinha à cabeça, sendo muitas vezes rude com as
pessoas. Por exemplo, (1) já chegou a brigar com um colega lhe dizendo que ele não
servia ném para limpar banheiros; (2) dizia para os colegas que ele tinham inveja dela por
ela ser protegida do patrão; (3) em reuniões demoradas chegava a verbalizar “chega,
vamos embora". Devido a essas dificuldades, seu patrão sugeriu que ela iniciasse terapia.
Além disso, estava bastante ansiosa, com um quadro que parecia se assemelhar
a um Transtorno de Ansiedade Generalizada: ficava extremamente impaciente em situações
em que precisava esperar, como em filas de banco, ponto de ônibus (chegou a brigar com
um motorista de ônibus porque ele estava atrasado), esperar a namorada acabar de se
arrumar para sair e até mesmo na sala de espera do consultório e durante a terapia,
olhando para seu relógio diversas vezes durante as sessões. Estava sempre preocupada

328 Ltvia M a ri* M arlins Pontes t Cibele Freire Santoro


com o futuro, não conseguindo relaxar mesmo em situações de lazer, por exemplo, assistia
à TV pensando que deveria estar tomando banho, e que estava perdendo tempo.
A dificuldade da paciente em negar pedidos da família e namorada que considerava
abusivos também foi avaliada como uma queixa, sendo abordada durante o tratamento.

Planejamento terapêutico e análises funcionais


O levantamento das queixas iniciais durou aproximadamente quatro sessões; a
partir disso, foi feito um planejamento inicial de tratamento que objetivou abordar essas
queixas mais emergenciais. As dificuldades de relacionamento com colegas, com a
parceira e com a família levaram ao planejamento de intervenções na área do Treinamento
em Habilidades Sociais. As distorções cognitivas observadas em algumas de suas
colocações iniciais sugeriram um levantamento das auto-regras da cliente através do
uso do Diário de Pensamentos Automáticos. Além disso, técnicas em pregadas
inicialmente incluíram estratégias para contenção da impulsividade e ansiedade,
exposições às situações que lhe causavam ansiedade, ensaios comportamentais,
gerenciamento de tempo e finanças. Essas intervenções foram sempre permeadas por
exposições das análises funcionais feitas pela terapeuta, a fim de clarificar para a paciente
as contingências eliciadoras e mantenedoras de seus comportamentos. Entretanto,
estas análises foram acontecendo ao longo de todo o processo terapêutico e exigiram
um tempo maior. Dentre as análises funcionais, as principais estão descritas a seguir:
1. Necessidade de ser a provedora da família e amigos em todos os sentidos: emocional
(ouvindo lamúrias dos amigos a todo momento, mesmo não querendo), e ser a provedora
financeira do íar (já que sua namorada não trabalhava e gastava bastante dinheiro). A
cliente se comportava dessa maneira contrariando suas vontades, pois muitas vezes
não queria ouvir os problemas dos amigos e gostaria que sua companheira ajudasse
nas despesas da casa. Isso gerava cobranças posteriores, nas quais a cliente
reclamava caso algum colega não seguisse seus conselhos, por exemplo.
2. Uma auto-regra de que todos os minutos de sua vida deveriam ser vividos
produtivamente levava a uma impaciência excessiva e dificuldade de viver o presente de
modo prazeroso, estando sempre preocupada com o futuro. Esses comportamentos,
por sua vez, geravam frustração e ansiedade.
3. Crença de que havia desgraçado a vida da namorada, pois a mesma era casada com um
homem rico, morava no Nordeste e ao se apaixonar por A., se separou, abriu mão de
recursos materiais e veio morar em São Paulo. Essa crença levava a um comportamento de
submissão para com a namorada, realizando todos os caprichos da mesma, mesmo que
precisasse se endividar. Como consequência, sentia-se usada pela namorada e frustrada.
4. Crença de que receber atenção e cuidados dos familiares e da companheira era sinal
de fraqueza, vulnerabilidade. Assim, se comportava de maneira rude, grosseira quando
recebia atenção de alguém. Conseqüentemente, as pessoas se afastavam e a cliente
sentia-se frustrada por não receber atenção e cuidados desejados.

Explicitação das intervenções e mudanças observadas


O processo terapêutico é uma contínua inter-relação entre a informação que se
recolhe, a formulação de objetivos de tratamento e o feedback de cada uma dessas etapas,
além de um constante refinamento de tíipóteses sobre a escolha adequada dos objetivos
(Kanfer, 1985, apud Caballo, 1996). Partindo desse pressuposto e das informações obtidas
sobre as queixas da paciente, as intervenções planejadas inicialmente foram as seguintes:

Sobre Comportamento c Cognrção


Treino em Habilidades Sociais
O Treino em Habilidades Sociais iniciou-se já nas primeiras sessões, inicialmente
com um treino assertivo. Foi explicado à cliente o que é um comportamento assertivo e
sua diferença entre os comportamentos passivo e agressivo. A cliente classificou seu
comportamento como agressivo. Foram expostos também os diversos componentes
que permeiam os comportamentos socialmente habilidosos: tom de voz, postura corporal,
contato visual, sendo levantado junto á paciente a maneira ideai de fazer uso desses
componentes. Neste contexto, o treino assertivo foi introduzido, começando com a explicação
da técnica de disco riscado (utilizada para negar pedidos) e com o esclarecimento de
uma forma mais apropriada de fazer críticas: focalizar o comportamento do outro e não o
outro em si. !sso tudo foi feito, apresentando para a cliente exemplos de cada situação e
checando o nível de compreensão da cliente. Posteriormente, foram introduzidas outras
técnicas como habilidades de civilidade (se desculpar, agradecer, elogiar, escutar o outro
atentamente), expressar emoções de forma direta, principalmente as emoções “negativas"
(“estou ficando nervosa", “estou chateada", “estou irritada’'), pedir para se retirar de uma
discussão para poder pensar e voltar a conversar depois.
Ao longo de todo o procedimento, foi feita uma modulação do tom de voz da
cliente, através da sinalização dos momentos em que ela falava muito alto. Este tom de
voz elevado era em parte por conta de sua ansiedade e irritação, em parte dçvido a
audição reduzida em um dos ouvidos.
Estas intervenções levaram à um aumento do auto-controle e melhora nas
suas interações sociais, o que culminou com um aumento de sua auto-estima, pois era
elogiada pelos colegas de trabalho por estar mais calma e sentia-se feliz por se perceber
capaz de controlar sua agressividade.

Diário de Pensamentos Automáticos


Na segunda sessão foi pedido à cliente que fizesse um diário de pensamentos
automáticos, a fim de investigar quais situações eliciavam sua agressividade e que
cognições adjacentes poderiam estar presentes nestas situações. Esta tentativa não foi
muito bem sucedida, pois a paciente não conseguiu identificar seus pensamentos,
confundindo-os com comportamentos. Mesmo na sessão, a terapeuta não conseguiu
esclarecer que pensamentos estiveram presentes nas situações. O diário, porém, tomou-
se útil por clarificar algumas das situações que elidaram os comportamentos agressivos,
sendo estas situações bastante simples e indicativas de que a cliente interpretava tentativas
de aproximações dos demais como invasões. Por exemplo, ficava extremamente irritada
e com raiva quando colegas de trabalho menos experientes ou clientes da loja lhe faziam
perguntas a respeito dos produtos, chegando a xingá-los. Nestas situações, acreditava
que as pessoas queriam lhe testar, e não apenas lhe pedir ajuda ou tentar uma
aproximação. Durante todo o tratamento, situações desse tipo eram analisadas em
conjunto com a paciente, levando-a a pensar em outras possibilidades de interpretá-las,
o que culminou com uma maior flexibilização das cognições da cliente.

E stra té gia s para contenção da im p u lsivid a d e e ansiedade


Além do treino em Habilidades Sociais, que já ajudou a cliente a controlar bastante
sua agressividade, foram apresentadas a ela algumas estratégias que poderiam ser utilizadas
para ajudá-ta nos momentos de maior raiva. Essas estratégias foram pensadas a partir de
alguns relatos de situações em que ela acabava gerando um conflito por se envolver em
problemas alheios, para os quais sua ajuda não havia sido solicitada (ex. dar pequenas

Livia M aria Martins Pontes e Cibele Freire Santoro


“lições de moral” nos colegas quando estes conversavam de seus relacionamentos ou
problemas pessoais) ou de, situações de conflito nas quais acabava verbalizando coisas que
não se relacionavam ao momento do conflito e que geravam ainda mais desconforto (ex. ao
comentar sobre uma situação conflituosa no trabalho para a namorada, disse à ela "tá vendo,
eu trabalho certo, dô um duro danado, me dôo para as pessoas e ainda tem quem me faça
mal. E seu filho ta lá na Pamaíba, na boa, vagabundando”).
Foi sugerido à paciente que quando se percebesse em situações desse tipo, tendo
vontade de “dizer verdades" para as pessoas, poderia ser útil que ela se fizesse três perguntas
antes de falar: 1. Por que eu preciso falar isso? 2. Por que essa pessoa predsa ouvir isso? 3.
Se essa pessoa precisa ouvir isso, por que tem de ser de eu a pessoa a lhe dizer? .Esse
procedimento gerou um aumento da auto-observação da diente, pois a ela observou que
muitas vezes era arrogante ao querer que uma pessoa agisse de um modo que considerava
correto e ao pensar que teria poder sobre o comportamento dos outros. Além disso, houve
uma diminuição dos conflitos em seus relacionamentos.
Quanto à contenção da ansiedade, a principal estratégia utilizada foi a respiração
diafragmática e a distração, através da observação do ambiente e das pessoas a seu
redor, procurando tirar algum prazer das situações em que precisava esperar e as quais
não podia controlar (por ex. o trânsito).
Essas intervenções complementaram o autocontrole da cliente e lhe auxiliaram
a encontrar algum conforto e prazer nas situações de espera. A respiração diafragmática
foi útil também para que a paciente conseguisse adormecer mais rápido, devido à sensação
de relaxamento obtida. Houve um relato de melhora da ansiedade que ocorreu na nona
sessão, quando a ela verbalizou que se sentir mais calma quando chegava em casa se
permitindo tempo para relaxar: ver TV, ouvir música, tomar um banho mais demorado.

Exposições e Ensaios Comportamentais


As exposições foram pensadas a fim de gerar uma habituação à ansiedade nas
situações de espera e nas quais o controle não dependia da cliente. Houve dois tipos
específicos de exposição: deixar a diente esperando alguns minutos na sala de espera antes
das consultas (já que ela havia verbalizado ansiedade em ficar aguardando) e pedir para que
ela retirasse seu relógio durante as sessões, deixando que eu controlasse o tempo.
As técnicas para manejo da ansiedade começaram a surtir efeito já ra quinta
sessão (sessão posterior ao ensino da respiração diafragmática e ao pedido de que retirasse
seu relógio), na qual a terapeuta pôde observar um relato menos exaltado das situações da
semana, um tom de voz mais ameno, e através da surpresa da cliente quando a terapeuta
lhe sinalizou o final da sessão, verbalizando "nem ter sentido o tempo passar*.
Os ensaios comportamentais foram utilizados tanto no ambiente de trabalho como
nos relacionamentos familiar e amoroso. Eles ocorreram ao longo de toda a terapia, às
vezes de modo planejado, às vezes espontaneamente, dependendo das situações às
quais a cliente era exposta. Nas situações em que foi planejado, o ensaio era proposto a
partir de uma situação de conflito relatada pela cliente. Inicialmente, a terapeuta questionava
à cliente se ela acreditava qué haveria um outro modo de agir naquela situação o qual teria
sido mais produtivo. A partir do que era respondido, a terapeuta reforçava a tentativa de
procurar outra solução, às vezes, sugerindo também outras possibilidades, e expunha à
cliente a possibilidade de tentar colocar esse novo modo de agir em prática. Caso a cliente
concordasse, ela tentava agir desse novotnodo assim que tima situação parecida ocorresse.
Os ensaios comportamentais foram extremamente úteis na flexibilização das
cognições da diente e levaram a mesma a compreender como seu comportamento influendava

Sobre Comportamento e Cognição


o comportamento dos demais, pois quando ela modificava seu comportamento, as pessoas
pareciam também modificar os delas, tomando-se mais amáveis para com a cliente.

Gerenciamento de tempo e finanças


A idéia de uma intervenção específica para gerenciamento do tempo teve início a
partir de queixas de falta de lazer. Inicialmente, foi pedido à cliente que preenchesse uma
tabela com quatro quadrantes assim divididos: “o que faço e gosto", "o que faço e não
gosto”, “o que não faço e gostaria de fazer", “o que não faço e não gosto”. Esía atividade
não apontou nenhum dado que chamasse muito a atenção da terapeuta. Assim, foi feito
um aconselhamento no sentido de orientá-la a hierarquizar suas atividades e procurar
permitir um tempo maior para o lazer, o que era difícil por conta do tipo de emprego que ela
tinha, o qual lhe permitia apenas um dia de folga na semana. Ainda assim, a paciente
conseguia fazer pequenas viagens para pescar, atividade que mais gosta.
A sugestão para o gerenciamento de finanças veio a partir da observação da
terapeuta de que freqüentemente a cliente pedia dinheiro emprestado à empresa e da
queixa da mesma sobre a dificuldade em guardar dinheiro. Novamente a estratégia
utilizada foi aconselhamento no sentido de sugerir que a paciente fizesse um
levantamento de seus gastos, reservando uma parte de seu salário para pagar estes
gastos, uma parte para utilizar como queira e uma terceira parte para poupar. A cliente
gostou da sugestão e após alguns meses, relatou estar tendo mais controle sobre seu
dinheiro, o que novamente a deixou feliz e gerou uma maior sensação de auto-controle.
Como a cliente também apresentava dificuldade em negar pedidos de empréstimo de
dinheiro à família e à namorada, novamente o treino de Habilidades Sociais auxiliou
nesta questão. Ela passou a conseguir colocar limites no quanto poderia ajudar à
família, auxiliando-os quando podia e quando queria. Passou a perceber que poderia
ajudar a mãe de um modo que fizesse com que ela se sentisse bem consigo mesma:
ao invés de lhe dar dinheiro (o que não gostava de fazer por saber que a mãe acabava
dando o dinheiro para os irmãos), lhe ajudava comprando as coisas de que a mãe
eventualmente precisava. Dessa maneira, sentia-se mais respeitada por si mesma por
conta da diminuição da sensação de ser explorada pelos demais.

Da terapia focal e de auto-conhecimento


É difícil determinar o momento exato em que um processo psicoterápico passa
de focal ao de auto-conhecimento, já que os dois momentos podem e parecem se
intersectar continuamente. As intervenções focais eventualmente geram algum grau de
análise sobre si próprio, e as intervenções mais livres, não planejadas, podem ter como
objetivo atender a um foco específico novo que surge em uma determinada sessão.
No caso apresentado, a terapeuta observou uma mudança no processo a partir
do momento em que a cliente passou a relatar as situações de conflito por ela vivenciadas
de modo mais calmo e permeado de auto-análises sobre seu próprio comportamento.
Esse processo foi bastante gradual e teve início aproximadamente após sete meses de
terapia, se tomando mais claro após dez meses do inicio do tratamento. As intervenções
terapêuticas deixaram de ser tão focalizadas, passando a se caracterizar mais por
aconselhamentos, reforçamentos e feedbacks a respeito das auto-análises feitas pela
cliente. Além disso, após a modificação dos comportamentos impulsivos, a terapia passou
a se focar ora no relacionamento amoroso, ora no relacionamento familiar. O rumo tomado
foi o de permitir um espaço para que ela falasse da frustração em não encontrar atitudes
de acolhimento nos familiares e de trabalhar a aceitação de que eles talvez não mudassem

LMa M aria M artins Pontes c Cibele fnrir? Samofn


seu modo de ser. Além disso, como já mencionado, foram realizadas intervenções para a
flexibilização da crença de que receber atenção e cuidados era sinal de fraqueza. Também
foi desenvolvida a aceitação de seus próprios sentimentos, de que sentimentos de raiva
e irritação são inerentes a algumas situações, desmistificando assim, a crença de que se
sentir irritada ou com raiva significava uma recaída.
Um momento em que o auto-conhecimento como objetivo terapêutico se impõe
com naturalidade em alguns atendimentos, é quándo são percebidos padrões operantes
amplos em que fica claro para o cliente que as mudanças que ele busca não ocorrerão
como decorrência de mudanças no ambiente, mas sim que é a própria pessoa que
deve mudar e que essas mudanças comportamentais levarão a mudanças no ambiente,
portanto mudanças nas relações sujeito-ambiente.
Durante todo esse processo, foi havendo uma mudança na responsabilidade do
sucesso do tratamento, sendo que o êxito do mesmo deixou de recair apenas sobre a
terapeuta e a eficácia das técnicas escolhidas, passando a se concentrar mais na própria
cliente, na compreensão das vantagens de um novo modo de se comportar e na
generalização e manutenção destas respostas. Isso vai de encontro ao que afirma Gavino
(1996) de que os enfoques que atribuem menores níveis de responsabilidade aos clientes
têm a tendência a se utilizar de estratégias mais diretivas e oferecem tratamentos mais
concentrados a curto prazo, ao passo que orientações que enfatizam a responsabilidade
do cliente em mudar estabelecem tratamentos menos diretivos e de maior duração.

Conclusão do processo psicoterápico


A alta foi proposta após um ano e dois meses de terapia, sendo sugerida pelo fato da
terapeuta perceber que os relatos da diente giravam em tono de questões bastante triviais e
com as quais ela já conseguia lidar bem. Foi sugerido um espaçamento das sessões para
uma frequência quinzenal. Inidalmente a cliente não concordou, justificando se sentir bem
em ir às sessões semanalmente, acrescentando que esse era o único espaço onde ela
poderia falar livremente de seus problemas, desabafar e ter alguém que a ouvisse com
atenção. Posteriormente, ela concordou em espaçar as sessões, o que foi mantido por um
período de dois meses. Após esse periodo, verbalizando se sentir ainda muito ansiosa, foram
retomadas as sessões semanais. Estas foram mantidas até que a cliente se sentisse mais
segura para dar início ao processo de alta. Isso ocorreu após quatro meses, sendo que a
terapeuta sinalizou à diente que esta permanecia nas sessões por apenas 30 minutos e que
relatava situações com as quais já conseguia lidar de forma habilidosa. Assim, as sessões
passaram a ocorrer quinzenalmente, sendo que o processo psicoterápico terminou uma
semana antes das férias da cliente. Após cinco meses sem terapia a diente entrou em
contato com a terapeuta, dizendo querer retomar as sessões quinzenais. Foram realizadas
apenas duas sessões, sendo interrompido o atendimento devido às festas de fim de ano. A
cliente verbalizou que após esse periodo telefonaria para a terapeuta para dar continuidade
aos atendimentos, mas não o fez, sendo então finalizado o processo psicoterápico.

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Cultrix

334 Livia M aria M artins Pontes e C ib flf Freire Saoloro


Capítulo 32
Bullyng escolar e estilos parentais
Josafá M oreira da Cunha
Lídia N atalia Dobríanskyj W eber

O problema da violência tem chamado a atenção em diversos níveis da


sociedade, e no que diz respeito ao ambiente escolar, isto não é diferente. A situação é
de crise, com pontos críticos como o tráfico de drogas ilegais no ambiente escolar e os
conflitos entre gangues. E é em meio a este contexto que professores, estudantes, pais
e demais protagonistas da educação trabalham para avançar no processo educacional.
Como objeto de estudo escolheu-se um tipo de violência cuja discussão e
investigação é relativamente recente tanto internacionalmente quanto no Brasil: o assédio
moral no ambiente escolar, descrito como bullying na literatura internacional (Espelage &
Swearer, 1993) e por alguns autores brasileiros (Lopes & Saavedra, 2003; Fante, 2005).
Apesar da assunção comum de que o bullying seja normativo durante a infância
e adolescência, pesquisas tem demonstrado que este é um problema que pode causar
danos ao bem estar dos estudantes (Nansel, Overpeck, Pilla, Ruan, Simons-Morton &
Scheidt, 2001; Haynie & cols., 2001).
Estudos realizados em diversos contextos culturais têm investigado o bullying
escolar, como na Noruega (Olweus, 1979, 1980); Japão (Akiba, 2004), Israel (Gofin, Pafti &
Gordon, 2005), Estados Unidos (DeVoe & Kaffenberger, 2005), Turquia (Kepenekci & Çinkir,
2006), Canadá (Craig, 1998) e Brasil (Lopes & col., 2003; DeSouza & Ribeiro, 2005), sendo
que no Brasil particularmente ainda são poucos os estudos disponíveis sobre o tema.
O bullying escolar foi descrito por Dan Olweus (1993) como: (1) um comportamento
agressivo e negativo - incluindo tanto comportamentos físicos quanto verbais, (2) que ocorre
repetidamente ao longo do tempo (3) em um relacionamento caracterizado por um desequilíbrio
de força e poder de maneira física ou psicológica. O autor categoriza ainda o bullying em dois
subtipos: (1) o direto, que ocorre em geral na forma de comportamentos físicos (empurrar,
chutar, bater), dos quais a vítima é o alvo e (2) o indireto ou relacional, no qual predomina o uso
da agressão verbal (xingar, apelidar, ameaçar), exclusão social e difamação.
Os eventos de agressão e vitimização entre pares não devem ser considerados
apenas brincadeiras normais de crianças. Tanto as formas diretas quanto indiretas deste
podem causar prejuízos para o bem estar físico e psicológico (Gartarino & DeLara, 2002),
sendo que o envolvimento em qualquer instância do bullying constitui*se como fator de risco
que interfere de modo significativo no desenvolvimento de crianças e adolescentes (Olweus,

Josafá M. Cunha: Psicólogo pela UFPR, aluno do Programa de pós-graduação em Educação (Mestrado) da UFPR. toaafasiaqmalLcom
Lidiâ N O Weber: Mestre e Doutora em Psiootogia Experimental pela USP, Professora da Graduação em Psicologia e da Pós-graduação em
Educação da UFPR, Coontenadtra do Núcleo de Análise tfc>Comportamento, www.nac.ufbr brflldiaw lkSa@ufar.br
* Os dados desta pesquisa foram coletados porGiaraha Piazetla pare seu trabalho de condusâo cte curso de FSIcologla da UFPR, orientado
pela primeira autora

Sobre Comportamento c Cognição


1993; Espelage & Swearer, 2003). Com isto em vista, todos os envolvidos na educação têm
um papel relevante a desempenhar na redução dos comportamentos agressivos entre panes
no contexto escolar: professores, estudantes, pais e demais protagonistas da educação.
Tendo em vista a relevância da vitimização entre pares para o desenvolvimento
de crianças e adolescentes, este estudo teve como objetivo principal investigar as
características do bullying em relação aos estilos parentais, um dos fatores mais
relevantes no desenvolvimento de crianças e adolescentes (Weber, 2005).

Características do bullying
Nansel e cols. (2001) conduziram um amplo estudo para investigar a prevalência
da vitimização entre pares, envolvendo 15.686 estudantes entre o 6o e 10° anos escolares,
encontrando que 29,9% dos estudantes estavam envolvidos diretamente em eventos de
vitimização, sendo 13% como agressores, 10,6% como vítimas e 6% como vítimas-
agressores. Um estudo multinacional envolvendo 24 países ocidentais (King, Wold, Tudor-
Smith & Harel, 1996), investigou o bullying entre adolescentes de 13 a 15 anos, sendo
que o comportamento de agredir a outros ao menos uma vez no último período foi relatado
por 40% ou mais das garotas em 11 países, e 40% ou mais dos garotos em 20 países.
No contexto brasileiro, Lopes e Saavedra (2003) conduziram uma pesquisa com
uma amostra de 5.875 estudantes de 5a a 8a Série do Ensino Fundamental. Destes 40,5%
relataram envolvimento direto em bullying, sendo 16,9% como vítimas, 12,7% como
agressores e 10,9% como vítimas-agressoras além de 57,5% admitirem testemunhar o
bullying, sendo que o principal local para o assédio seria a própria sala de aula.
Destaca-se uma crescente mobilização contra a violênda escolar em diversos países
(Espelage & Swearer, 2003), sendo que um possível catalisador para esse fato seriam
algumas formas de violênda esiudaníil relacionadas ao bullying como os ataques armados
de estudantes a seus pares, e o assédio sexual entre estudantes. Uma pesquisa investigando
os estudantes que realizaram ataques com armas de fogo em suas escolas aponta que 71%
destes haviam sido vitimizados por seus pares (Vossekuil, Fein, Reddy, Borum & Nidzekesjum,
2002), enquanto que DeSouza & Ribeiro (2005), trabalhando com estudantes brasileiros,
observaram uma relação positiva entre o bullying e o assédio sexual, para ambos os gêneros.
Existe uma forte interação entre características individuais e sociais no
desenvolvimento do bullying (0 ’Connel!, Pepler & Craig, 1999). A empatia, por exemplo,
desempenha um importante papel em relação ao relacionamento entre pares, sendo que
estudantes com níveis mais altos de empatia atribuem um valor negativo ao bullying, agredindo
menos a outros (Endresen & Olweus, 2001). Por outro lado, caso haja suporte sodal para
comportamentos agressivos entre pares, atribuindo-se a estes um valor de “parte normal e
aceitável do cresdmento", este tende a aumentar em freqüência (Endresen & col., 2001).
Quanto ao gênero, pesquisas demonstram que garotas utilizam principalmente
formas indiretas de agressão, enquanto garotos estão mais comumente envolvidos em
agressões diretas (Olweus, 1993, Espelage & Swearer, 2003; DeVoe & Kaffenberger, 2005).
Ao investigar a influênda do contexto escolar sobre a inddênda da vitimização entre
pares, Ma (2002) observou que escolas caracterizadas por ações disciplinares positivas, forte
envolvimento dos pais e padrões altos de rendimento escolar tem menor inddênda de bullying.
Quanto à utilização da punição para redução da vitimização entre pares, DeSouza & Ribeiro
(2005) encontraram entre estudantes brasileiros um aumento na inddênda do bullying quando
os estudantes do sexo masculino tinham a perspectiva de serem punidos ao comportarem-
se dessa maneira sendo que os autores, sendo que a explicação de seria a necessidade dos
garotos afirmarem sua independência e identidade ao desafiar seus professores (Moffitt,

336 Josafá M oreira da Cunho e Lídia NaUlia Dobriânskyj Webcr


1993). Fekkes, Pijpers e Verloove-Vanhorick (2005) relatam que quando professores
observavam episódios de agressivos entre estudantes e tentavam interferir, a frequência do
bulíying permanecia inalterada ou mesmo piorava, explicando esse fato pela falta de
treinamento dos professores para abordar o problema de maneira efetiva.
Diversos estudos apontam um decréscimo na freqüência do bulíying e vitimização
com o aumento da idade, com um pico na fase final do Ensino Fundamental e início do
Ensino Médio (Olweus, 1993, Gofin & cols., 2005, DeVoe & col., 2005), entretanto a freqüência
do abuso verbal apresente poucas alterações ao longo desta fase escolar (Olweus, 1993).

Efeitos do B u líying
Olweus, Limber e Mihalic (1999) observaram uma relação significativa entre o
bulíying e o comportamento anti-social, sendo que 60% dos garotos identificados como
agressores no período entre o 6o e 9o anos escolares foram condenadas por pelo
menos um crime quando adultos, comparados com 23% dos garotos que não praticaram
bulíying. Este traço foi definido por Farrington (1993) como “tendência antisocial” dos
estudantes que vitimizam seus pares. Alguns autores (Espelage & col., 2003; Juvonen,
Graham & Schuster, 2006) destacam os ganhos para o agressor o aumento de sua
fama, prestígio ou bens, conquistados à custa da vítima ou grupo vitimizado, sendo que
em diversos estudos foi demonstrado que os agressores são oriundos dos mais diversos
contextos familiares e sociais (DeVoe & Kaffenberger, 2005).
O bulíying também é considerado um fator de risco para transtornos psicológicos
durante a adolescência. Salmon, James e Smith (1998) apontam que estudantes que vitimizam
seu colegas têm níveis mais altos de depressão, embora seu nível de ansiedade seja igual
ou mesmo menor que o de seus pares. Em um estudo conduzido entre adolescentes
finlandeses a ansiedade, depressão e outros sintomas psicossomáticos foram mais
freqüentes entre vítimas-agressoras (Kaltiala-Heinom, Rimpelà, Rantanen & Rimpela, 2000).
No mesmo estudo, o abuso de álcool e outras substâncias caracterizaram os agressores e
as vítimas-agressoras. Entre as garotas foi encontrada uma relação significativa entre
transtornos alimentares e a participação no bulíying, em qualquer papel, enquanto que para
os garotos essa relação ocorreu somente no grupo das vítimas-agressoras.
Crianças e adolescentes que desempenham concomitantemente o papel de
vítimas e agressores são os menos populares em seu grupo de pares, sendo tanto
alvos de provocações quanto provocando outros com freqüência (Olweus, 1993).
Kumpulainen e cols. (1998) observaram que as vítim as-agressores são
caracterizadas por níveis mais altos de distúrbios psiquiátricos, incluindo hiperatividade.
A queles que são somente vítim as ca racterizaram -se p rin cip a lm e n te por
comportamentos de internaiizaçâo, com anedonia, oposto ao com portamento de
extemalização encontrados para os agressores. Nesse mesmo estudo foi encontrada
uma maior probabilidade de encaminhamento psiquiátrico para vítimas-agressores,
sendo esta probabilidade aumentada em 6,5 vezes para meninos e 9,9 v e z e s para
meninas, em relação ao grupo não envolvido em bulíying.
As características dos indivíduos que se envolvem no bulíying como vítimas e
agressores sugererem que eles têm uma personalidade instável, caracterizada por alto
nível de ansiedade (Guerin & Hennessy, 2002), maior até mesmo que o das vítimas. Um
exemplo dos prejuízos para as vítimas são os resultados do estudo de DeVoe e Kaffenberger
(2005), onde as vítimas apresentaram 1á% de chance de serem atacadas; 18% relataram
ter medo de serem atacados na escola às vezes; 15% estavam envolvidas em brigas
freqüentes, contra respectivamente 4%, 3%, 4% do grupo de estudantes que não sofria

Sobre Comportamento e C ogitiçlo 337


bullying. Nesse mesmo estudo merece especial destaque o fato de que as vítimas tòiham
maior probabilidade de obter resultados abaixo da média (8% contra 3% dos não envoívidos).
Rigby (2003) destaca quatro condições negativas associadas às vitimas: (1)
baixo nível de bem estar psicológico, (2) ajustamento social empobrecido, (3) stress
psicológico, e (4) mal estar físico. Embora os padrões de vitimização diminuam ao longo
do tempo, suas consequências negativas são duradouras, sendo que adultos que foram
vrtímizados no período escolar continuam a relatar uma auto-estima baixa sendo mais
propensos a sofrer de depressão que seus pares não envolvidos (Olweus, 1993).
É importante considerar a participação do grupo dos estudantes neutros ou
expectadores do bullying (Rigby, 2000, Rigby & Johnson, 2006). Esse grupo apresentou
influência significativa no controle do comportamento dos agressores. Ao apresentar um
vídeo de um episódio de vitimização para estudantes, 43% destes indicaram que iriam
ajudar a vítima naquela situação. Geiger & Fischer (2006) também observaram a interferência
dos observadores prevenindo a escalada da violência e reduzindo a tensão nesses eventos.

A influência da família
Há várias décadas o estudo da interação entre pais e filhos, em especial a
influência dessa interação sobre o desenvolvimento das crianças e adolescentes, tem
sido importante objeto de estudo em psicologia (Salvador & Weber, 2005; Weber & Cunha,
2006). Durante as interações pais-filhos são observados comportamentos em que se
expressa afetividade, responsividade ou autoridade sendo que o conjunto de atitudes dos
pais em relação à criançg, é denominado estilo parental, o qual define o dima emocional
em que as práticas parentais se expressam ( Cecconello, Antoni & Koller 2003).
A literatura sobre o tema permite identificar duas dimensões distintas na interação
de pais e filhos: as práticas educativas e os estilos parentais. As práticas educativas
referem-se às estratégias utilizadas pelos pais para atingir objetivos, que pretendem
para os filhos, específicos em diferentes domínios (acadêmico, social, afetivo) sob
determinadas circunstâncias e contextos. O uso de explicações, de punições ou de
recompensas constitui exemplo dessas práticas. Weber, Salvador e Brandenburg (2006),
apontam que as práticas educativas têm se destacado por constituírem comportamentos
dos pais reforçados por modificações produzidas no comportamento dos filhos.
O estilo parental, por sua vez, refere-se ao padrão global de características da interação
dos pais, que geram um clima emocional. Ou seja, é uma classe de respostas dos pais mais
ampla, que é comum em várias ações e momentos (Weber, Brandenburg & Viezzer, 2003).
Alguns estudos apontam uma relação significativa entre o comportamento
agressivo e o ambiente familiar. Ambientes familiares caracterizados por disciplina
negativa tem sido associado positivamente com o desenvolvimento do comportamento
agressivo (Tolan & Loeber, 1993; Pinderhughes, Dodge, Bates, Pettit & Zelli, 2000),
sendo que as crianças agressivas seriam provenientes de um ambiente familiar
caracterizado por estilos parentais negativos (Rigby, 2003).
Olweus (1980), em um dos estudos pioneiros sobre a influência familiar sobre
a agressividade, sublinhou quatro fatores familiares que contribuiriam positivamente
para o comportamento agressivo em meninos: (1) negativism o materno, (2)
penmissividade materna para agressão, (3) uso de métodos de poder assertivo pelo pai
e mãe, destacando ainda (4) a temperamento do menino. Um estudo mais recente
(Flouri & Buchanan, 2003) demonst.ou ainda que o baixo nível de envolvimento do pai e
da mãe contribuiu significativamente e independentemente para o aumento da freqüência
do bullying em adolescentes de ambos os sexos.

338 Josafá M oreira da Cunha t Lidia NalaLiâ ÜobrUnskyj Weber


Estudos apontam que as vítimas do bullying têm também uma tendência maior
para ser dependentes-de seus pais, os quais por sua vez caracterizam-se pela super-
proteção (Olweus, 1993; Espelage & col., 2003), ou por rejeitar abertamente seus filhos
(Ündenberg, Oldehinkel, Winter, Verhulst & Ormel, 2005).
É importante observar que as práticas educativas podem também ter um efeito
indireto no bullying, já que estão claramente associadâs a fatorés que tem forte influência
sobre os relações interpessoais de adolescentes, como competência social, escolha
de amigos e funcionamento escolar (Haynie & cols., 2001).
Um dos principais conselhos repassados a crianças em diversas campanhas
anti-bullying é “contar a um adulto" (Olweus, Limber & Mihalic, 1999). Fekkes e cols.
(2005) destacam que o envolvimento dos pais desempenha um importante papel nesse
caso, sendo que 53% das vítimas regulares relatam esse problema a um professor, e
67% destas pedem ajuda a seus pais.
Baldry (2003) demonstrou que a violência interparental seria um fator mais
relevante que o gênero e idade para prever a agressividade e vitimização em crianças e
adolescentes. Famílias com altos níveis de conflito, onde comportamentos agressivos
são freqüentes e que atribuem um valor funcional positivo à agressividade contribuem
para que a criança ou adolescente haja da mesma maneira em outros ambientes,
inclusive na escola (Espelage & col., 2003; Weber & col., 2006).
Ao considerar simultaneamente a influência de fatores individuais e sociais,
em uma análise multivarrada, ündenberg & cols. (2005) diferenciaram os principais
fatores que predizem a agressividade e vitimização em pré-adolescentes: o isolamento,
desafeto e gênero, sendo que em relação a estas variáveis a vulnerabilidade familiar foi
apontada como um fator de menor importância.
Tendo em vista a relação do bullying com características individuais claramente
influenciadas pelo ambiente familiar, a realização de workshops e cursos envolvendo
pais e estudantes oferece benefícios tanto o ambiente escolar quanto para a vida cotidiana
das famílias envolvidas (Woods & White, 2005). No Brasil já há alguns programas onde
a qualidade de interação familiar é promovida, como o programa de Weber, Viezzer e
Brandemburg (2005), voltado para o treino de pais.
No que se refere à intervenção no contexto escolar, a literatura sugere a
manutenção de um ambiente calmo em que a presença da figura de autoridade seja
percebida pelos estudantes (Olweus, 1993; Woods & col., 2005; Fekkes & cols., 2005),
sugerindo ainda a realização de atividades onde os estudantes possam relacionar-se
em um contexto não agressivo como, por exemplo, numa competição esportiva, na qual
os participantes devem interagir de acordo com regras pré-estabelecidas (Woods &
col., 2005). Em relação às vítimas, Fekkes e cols. (2005) defendem a promoção de
regras claras, incentivando as vítimas a reportar episódios de vitimização, sendo que
todos os membros da comunidade escolar (estudantes, professores, funcionários e
pais) devem estar envolvidos na mobilização para que as intervenções ocorram de
modo adequado nestas situações, promovendo a paz no contexto escolar.

M étodo
Participantes: 107 estudantes (61 sexo masculino, 46 sexo feminino) com
idades entre 11 e 15 anos (média=11,19), recrutados em turmas de 5a e 6a Série em
uma escola pública de Curitiba - PR.
Instrumentos: Utilizou-se a Escala de Agressividade e Vitimização (EAV) e a
Escala de Responsividade e Exigência (ERE), de Lambom e cols. (1991),

/
Sobre Com portam en to e Cognição
A EAV fof elaborada a partir da Escala de Agressividade de Orpínas e col. (2001),
consistindo em 18 itens sendo 10 relacionados a respostas agressivas emitidas pelo
adolescente, 08 relacionados à vitimização e um para investigar a segregação em
decorrência do bulíying. Os valores de consistência interna das subescalas de
agressividade foram altos e adequados para pesquisa, sendo que o alfa de Cronbach
destas foi respectivamente igual a 0,85 e 0,83. Em cada questão da EAV é solicitada a
freqüência de comportamentos praticados ou sofridos pelo participante durante os últimos
30 dias. Todas as questões referem-se a comportamentos entre pares que possam
ocorrer no contexto escolar sendo que foram incluídas formas de agressão direta e indireta
que podem resultar em prejuízo físico ou psicológico tanto para a vitima quanto para o
agressor. As respostas para cada item podem variar de 0 vezes a 6 ou mais vezes.
As Escalas de Responsividade e Exigência foram validadas para o contexto brasileiro
por Cosia, Teixeira & Gomes (2000), com base no trabalho de Lambom e cols. (1991). São
compostas por 16 questões, divididas em duas dimensões, a responsividade com 10 itens
e a exigência com 6 itens, sendo ambas avaliadas por um sistema Likert de 3 pontos.
Procedimento: Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Departamento
de Psicologia da UFPR. Ao realizar o contato com a escola explicou-se o objetivo e método
deste estudo, obtendo-se assim a autorização para aplicação no turno da tarde. As turmas
para aplicação foram selecionadas pela coordenação da escola, sendo que os estudantes
que aceitaram participar, após receberem informação sobre o trabalho, assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam os questionários em saia
durante um tempo de aula (1° Agressividade e Vitimização e 2o Estilos Parentais).
Para a análise do bulíying foram computados os escores totais de cada sub-
escala e respectivas medianas na amostra para definir se os escores foram altos ou
baixos, excluindo-se aqueles que foram iguais à mediana. Na sub-escala de
agressividade, com um escore máximo possível de 60, a mediana foi igual a 7, e na
sub-escala de vitimização, com um escore máximo possível de 48, a mediana foi igual
a 11. Com base nestas informações o comportamento de agressividade e a vitimização
dos estudantes foram classificados nas categorias agressor, para estudantes com
escore alto em agressividade e baixo em vitimização; vítima, com escore baixo em
agressividade e alto em vitimização; vítima-agressora, com escores altos nas duas
dimensões e as testemunhas, com escores baixos nas duas dimensões.
Para a análise dos estilos parentais foi utHizado o procedimento similar ao realizado
na ECAVE com base nas medianas da amostra. A classificação dos estilos parentais foi
feita segundo critérios a seguir: pais com escore alto em ambas dimensões correspondem
ao estilo autoritativo; com escore baixo em ambas dimensões, ao estilo negligente; com
escore baixo em responsividade e alto em exigênda, ao estilo autoritário; com escore alto
em responsividade e baixo em exigênda, ao estilo indulgente. Para ampliar a análise sobre
a interação com os pais a amostra foi dividida por níveis em função dos escores de
responsividade e exigênda, separadamente. Assim, tanto para exigência quanto para
responsividade foram estabelecidos três níveis: baixo escore (abaixo do percentíl 40), médio
escore (entre os percentis 40 e 60) e alto escore (acima do percentíl 60).
O processamento de dados e os cálculos estatísticos foram realizados por
meio do programa Statistícal Package for the Social Sciences (SPSS 11.0).

Resultados e discussão
Inicialmente serão analisados separadamente os estilos parentais e prindpalmente
as categorias de bulíying, e a seguir serão analisadas as relações existentes entre os estilos

340 Josafi M otena da Cunha e Lldia N atal» Dobrianíkyj W ebtr


parentais e a viíimização entre pares fazendo uso tanto das categorias de estilos parentais e
bullying quanto dos escores de exigência, responsMdade, agressividade e vitimização.

Estilos parentais
Para os estilos parentais, analisados a partir das Escalas de Responsívidade
e Exigência, as freqüências obtidas mediante os escores combinados do pai e da mãe
foram 36,5% autoritativos; 35,1% negligentes; 14,9% autoritários e 13,5% permissivos.
Observa-se portanto uma proporção efevada tanto do estilo mais adequado
quanto do pior estilo, respectivamente autoritativo e negligente, sendo que essa
distribuição está de acordo com achados de outros estudos sobre estilos parentais
(Lambom & cols., 1991; Costa & cols., 2000, Weber& cols., 2003). Pais autoritativos são
caracterizados por altos níveis de exigência e conttole, mas também são comunicativos,
em páticos e envolvidos com seus filhos, resultando no d e se n vo lvim e n to de
comportamentos adequados como por exemplo habilidades sociais, auto-estima e
otimismo (Costa & cols., 2000; Pettit & cols. 2001, Weber & cols. 2003). Já os pais
negligentes são caracterizados como não envo/vidos e não exigentes, sendo que esse
estilo parental é considerado um fator de risco para a criança (Weber & cols., 2003).

Categorias de bullying
Com base nos dados obtidos na EAV os participantes foram categorizados de
acordo com os escores nas dimensões de agressividade e vitimização, ressaltando o
principal papel desempenhado por cada participante nas suas interações com pares,
sendo que as freqüências foram de 17.3% como agressores; 17,3% como vítimas;
32,7% como vítímas-agressoras e 32,7-% como testemunhas.
Conforme outros estudos realizados no Brasil (Lopes & col., 2003) observou-se uma
freqüência elevada de comportamentos agressivos e vitimização entre estudantes. Entretanto,
ao reconhecer que o bullying ocorre com fireqüênda em uma escola não se deve concluir que
a escola seja um loca! de risco para o crime ou violência. Um estudo publicado pelo Center for
Disease Controt and Prevention (2001) destaca que menos de 1 por cento de todos os
homicídios entre crianças e adolescentes estão relacionados à escola.

Género e bullying
Foi observada uma relação significativa entre gênero dos participantes e escore
de agressividade (t=3,905; p<0,001), com os meninos mais agressivos que as meninas,
corroborando o trabalho de DeSouza & Ribeiro (2005) entre estudantes brasileiros. Há
também uma relação significativa entre as categorias do bullying e gênero, sendo que
na Figura 1 pode-se observar claramente a prevalência de meninos entre os agressores
e de meninas entre as vítimas.

Segregação
A freqüência de estudantes que evitaram alguma vez contato com um estudante
que foi vítima de bullying por medo de tomarem-se novas vítimas foi igual a 26%. Foi
observada uma relação significativa entre relação significativa o comportamento de evitar
contato com as vítimas do bullying e os,escores de agressividade (r= 0,326; p<0,001) e
vitimização (r= 0,446; p<0,001), sendo que este resultado parece indicar que, com base em
sua experiência, tanto as vítimas quanto os agressores buscam esquivar-se de situações

/
Sobre Com portam cnlo e Cognição
em que possam ser vitimizados, sendo que as vítimas em particular sofrem com a ansiedade
e medo quanto a seu próximo evento de agressão {Mahady; Craig & Pepler, 2000).
É importante notar que um dos objetivos do agressor no bulíying é o ganho de poder
à custa de outro indivíduo, infligindo alguma forma de sofrimento (Olweus, 1993), sendo que
a segregação dos estudantes que são vitimizados é um colateral deste comportamento.
Assim, a intervenção nestas situações deve ir além da resolução de conflitos entre vítimas e
agressores, devendo também levar em consideração a indusão social das vítimas.

Figura 1: Distribuição percentual do gênero nas categorias


de bulíying (X2= 11,28; gl= 3; p<0,01).

Relação entre bulíying, estilos parentais e seus com ponentes


No que diz respeito aos estilos parentais, não foi observada uma relação significativa
entre estilo parental e as categorias de bulíying (^2= 13,528; gl= 9; p>0,05), sendo que é
importante lembrar que a relação entre pais e filhos tem também efeitos indiretos no
desempenho dos filhos (Haynie & cols., 2001). Entretanto, há uma relação significativa e
negativa entre escores de agressividade com escores de responsividade dos pais (r= -0,195;
p<0,05) e escores de exigênda dos pais (r= -0,262; p<0,05), corroborando os achados de
Flouri & col. (2003) sobre a importância do envolvimento paterno para a diminuição do bulíying.
Nas Figuras 02 e 03 observa-se que mais de 60% das vítimas e vítimas
agressoras são caracterizadas por baixos níveis de responsividade e exigência. Esta
relação de alta agressividade com a diminuição da responsividade e exigência dos pais
pode ser explicada pelo modelo de Patterson para o comportamento anti-social
(Patterson, Reid & Dischion, 1993), sendo que o comportamento agressivo da criança é
modelado pela disciplina inadequada e negligência parental no período pré-escolar.
Com o início da escolarização formal o meio social reage ao comportamento inadequado
da criança, resultando em déficits acadêmicos e prejuízo no relacionamento com os
pares, sendo que, por sua vez, estes são fatores de risco para o envolvimento com
pares desviantes, abuso de substâncias e delinqüência juvenil.

342 Josalá Moreira da Cunha t Lídia N atal íj bobrlanskyj W tber


•*1

Agressor Vítima Vítrma-agressor Testemunha

o Baixo escore® Médio escore» Alto escore


Figura 02: Distribuição percentual dos níveis de responsividade
dos pais por categorias de bulíying (x2= 14,192; g(= 6; p<0,05).

® Baixo escore® Médio escoreB Alto escore


Figura 03: Distribuição percentual dos níveis de exigência dos
pais por categorias de bulíying (x2= 11,399; g!= 6; p=0,077).

Sobra Comportamento e C ojniçJo


Conclusões
Sabe-se que a escola, junto da família são duas das principais agências
controladoras do comportamento humano (Skinner, 2000), portanto, ao discutir a
influência da família sobre o desempenho social das crianças no ambiente escolar
deve-se levar em consideração que esse é um comportamento multideterminado.
Entretanto, recortes desta realidade com base em fatos observados nestes contextos
nos auxiliam a uma compreensão mais acurada dos eventos em estudo e suas relações.
Confírmou-se que o bullying é um problema observável em escolas brasileiras,
sendo que é importante destacar que esse fenômeno envolvendo vítimas, agressores e
expecíadores, não é uma brincadeira de criança, mas sim um problema com conseqüências
significativas para os envolvidos, em particular quanto ao desempenho social, como já
destacado em um dos trabalhos dássicos sobre o tema publicado em 1993 por Dan Olweus.
Este estudo serviu também como estudo exploratório para o desenvolvimento
de uma escala para a mensuração do comportamento agressivo entre estudantes
brasileiros, sendo que quando o processo de validação desta escala estiver concluído,
estará disponível um importante instrumento não somente para pesquis,a mas
principalmente para a avaliação e intervenção em escolas.
Considerando-se que a criança, ao chegar ã escola comporta-se de acordo com
o treinamento social recebido em suas interações pré-escolares, principalmente aquelas
com seus pais. Neste estudo, a exigência e principalmente a responsividade parental
destacaram-se como fatores de proteção para o desenvolvimento do comportamento
agressivo e vitimização, corroborando os achados de estudos discutidos na revisão de
literatura sobre a influência dos pais na socialização de crianças e adolescentes. No
entanto, o que os pais podem fazer? Salvador e Weber (2005), em um estudo comparativo
sobre o desempenho social de adolescentes afirmam que os pais precisam de apoio
para educar melhor seus filhos, sugerindo como meio de intervenção preventiva estratégias
como o treinamento de pais, terapia familiar, ou até mesmo palestras e livros ilustrativos.
Por fim, é importante ressaltar que existe no contexto nacional uma produção
científica expressiva sobre e os estilos e práticas educativas parentais mas, infelizmente
não se pode dizer o mesmo relação ao bullying, sobre o qual os primeiros trabalhos datam
dos últimos 5 anos. Reconhecemos, portanto, as limitações deste trabalho que busca tanto
fomentar a discussão deste problema quanto destacar as particularidades para o trabalho
com bullying possa apresentar no contexto brasileiro, tanto no campo da pesquisa quanto
da intervenção há uma grande campo de trabalho, sendo que nunca é demais lembrar que
as no desenvolvimento de intervenções que possam reduzir efetivamente o comportamento
agressivo entre estudantes a investigação científica é sem dúvida um dos primeiros passos.

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344 Josafâ Moreira da CunHa e L v lij Natalia Dobrúmskyj W eb«


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346 Lidia Natalia Dobrianskyj Weber e Josafá M oreira da Cunha


Capítulo 33
Análise das relações entre o
comportamento anti-social de
adolescentes e a interação familiar
Lídia Natalia Dobrianskyj W eber
Josafá M oreira da C u nha
Venícius Fernando M o u r a

O comportamento anti-social é um problema de grande interesse na atualidade,


tendo em vista suas implicações intrafamiliares e sociais. Esta pesquisa apresenta uma
análise da relação do comportamento anti-social e a qualidade de interação familiar percebida
por adolescentes, discutindo-se possíveis fatores de proteção e de risco para este padrão
de comportamento. O estudo do comportamento anti-social aponta uma multiplicidade de
fatores que podem influenciar o seu surgimento e manutenção. Indubitavelmente, a família
surge como um fator de elevada importância, por estar associada à função básica de prover
as necessidades afetivas e a socialização da criança (Weber, 2005).

Os pais e o desenvolvim ento dos filh o s


As pesquisas no campo da psicologia do desenvolvimento indicam que uma
educação apropriada resulta tanto na prevenção de problemas comportamentais, quanto
no desenvolvimento das mais diversas competências para a criança e o adolescente
(Alvarenga, 2001; Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002). Diferentes pesquisas relacionam
o estilo parental e a interação familiar com aspectos positivos e negativos no desenvolvimento
da criança e do adolescente (Cohen e Rice, 1997; Dombusch, Rrtter, Leiderman, Roberts e
Fraleigh, 1987; Lamborn, Mounts, Steinberg e Dombusch, 1991; Steinberg, Dariing e Fletcher,
1995; Weber, Stasiak & Brandenburg, 2003; Weber, Viezzer & Brandeburg, 2003).
A família tem diferentes tarefas e papéis, e entre eles, destacam-se a educação e
socialização dos filhos, de modo que eles apresentem comportamentos ajustados à
comunidade em que vivem e sejam capazes de enfrentar e superar adversidades. Diferentes
estratégias, denominadas práticas educativas parentais, são adotadas para atingir este objetivo
de disciplinar e fortalecer comportamentos dos filhos. Dar palmadas nos filhos para que ele
deixe de emitir um determinado comportamento, ameaçá-lo diante de uma nota baixa ou
elogiá-lo após um comportamento adeqüado, são exemplos de práticas parentais.

Lidia N.D. Weber; Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela USP, Professora da Graduação em Psicologia e da Pós-graduação em
Educação da UFPR, Coordenadora do Niideode Análise do Comportamento, www.nac.ufty brfflflaw lldiafòufpr br
Josafá M. Cunha: Psicólogo pela UFPR. aluno do Programa de piVt-gradi laçflo erwEducacÃo (Mestradot da UFPR tosatost&qrfiall com
Venitíus F. Moura: Psicóloga pela UFPR

Sobrt Comportamento c Cognição


Vários autores fazem uma diferenciação entre as práticas que utilizam a
disciplina positiva e métodos indutivos, como diálogo, orientação, monitoraria e elogios,
e as práticas que utilizam métodos punitivos, como surras e castigos (Alvarenga, 2001;
Sidman, 1995; Skinner, 1953). Para Sídman (1995) o controle não-coercitivo utiliza
principalmente o reforçamento positivo enquanto no controle coercitivo prevalece o uso
de reforçamento negativo e da punição.
Weber, Viezzer e Brandenburg (2004) estudaram a freqüência e intensidade da
educação coercitiva recebida por crianças e adolescentes, principalmente o uso da
punição corporal. Os dados coletados em uma amostra de 500 crianças e adolescentes
revelaram que 88% delas afirmaram receber ou ter recebido palmadas e surras.
Ao realizar um estudo sobre a transmissão intergeracional dos maus-tratos na
infância, Dixon, Browne, e Hamilton-Giachritsis (2005) constataram que os pais que foram
maltratados quando crianças relataram maiores índices de maus-tratos dos próprios
filhos, em comparação com aqueles que não sofreram abusos na infância. Ao elaborar
uma ampla revisão da literatura sobre o estilo parental autoritário e práticas parentais
coercitivas Simons, Whitbeck, Conger e Chyi-ln (1991) observaram a existência de um
“ciclo de violência’' em que pessoas que sofrem abusos físicos quando jovens reproduzem
práticas similares com seus próprios filhos. Este círculo perpetua-se pela falta de
conhecimento dos efeitos nocivos deste método e de alternativas à punição corporal.

Definindo comportamento anti-social


O termo anti-social é utilizado na literatura em referência a diversos comportamentos
que infringem regras sociais e ocorem em alta freqüência e intensidade (Marinho & Caballo,
2002; Patterson, Reid & Dishion, 1992; Reid, Patterson & Snyder, 2002). De acordo com os
achados da literatura, os comportamentos anti-sociais na adolescência estão comumente
relacionados ao uso de drogas ilicitas e álcool (Adalbjamartiottir & Rafnsson, 2002; Bukstein,
2000; Erickson, 1998; Gómez, 2001; Formiga & Gouveia, 2005).
Formiga e Gouveia (2005) caracterizam a conduta anti-social por comportamentos
que desafiam a ordem social e infligem normas sociais, não causando um dano físico às
pessoas e nem constituindo um delito. As condutas delitivas, também chamadas de
comportamentos delinqüentes, são definidas pelos autores como comportamentos que
estão fora da lei, caracterizando uma infração ou uma conduta faltosa e prejudicial a
alguém ou mesmo à sociedade como um todo (como por exemplo, roubar objetos dos
carros ou conseguir dinheiro ameaçando pessoas mais fracas). As duas formas de
condutas são violações dos direitos e deveres individuais, ameaçando o seu bem-estar,
diferenciando-se apenas em função da gravidade das conseqüências geradas.
O DSM-IV (APA, 2002) dassifica este padrão de comportamento como transtorno da
conduta, sendo definido a partir de um padrão repetitivo de comportamento no qual são violados
os direitos individuais dos outros ou as regras e normas sociais. Esses comportamentos
podem ser indicados por condutas que causem danos físicos a outras pessoas ou animais,
destruição de patrimônio, defraudação ou furto e sérias violações de regras.
Silva e Hutz (2002) afirmam que o comportamento anti-social não é
necessariamente uma forma de patologia, mas sim uma resposta da criança ou jovem
para sobreviver em lugares onde os perigos para seu bem-estar são freqüentes. Os autores
ressaltam que a agressividade e violência envolvidas na criminalidade podem ser
entendidas como uma má adaptação perante as circunstâncias e desafios da vida. Porém,
os adolescentes que transgridem as normas sociais “são algumas vezes dassificados de
maneira predpitada e incorreta como personalidades anti-sodais" (Silva & Hutz, 2002).

348 Lidia NaUlia Dobm nskyj Weber, Josafi Moreira da Cunha t Venlciui Fernando Moura
Fatores de risco e proteção para o com portam ento anti-social
Diferentes pesquisas mostram a existência de múltiplos fatores que.influenciam
a agressividade e o comportamento anti-social na infância e na adolescência, como por
exemplo, a interação familiar e as práticas educativas (Barfcer & Òlsén, 1997; Feinberg,
Howe, Reiss & Hetherington, 2000; Marinho, 1999; Reid & çot$., 2002) a situação
socioeconômíca desfavorável e viver em comunidades violentas (Dodge, Pettit e Bates,
1994; McLeod, Kruttschnitt, Dornfeld, 1994; Patterson & cols., 1992) e outras variáveis do
contexto, como a mídia (Paik & Comstock, 1994).
Estudiosos da ciência do comportamento humano têm trabalhado
sistematicamente, nas últimas décadas para identificar os determinantes do comportamento
anti-social presentes na infância e na adolescência, o qual pode ter seu curso prolongado
na vida adulta (Dekovic, Janssens & Van As, 2003; Marinho, 1999; Mayer, 1995; Patterson,
DeBaryshe & Ramsey, 1989; Patterson & cols., 1992; ReppokJ & cols., 2002).
Patterson e cols. (1992), a partir de diversos estudos desenvolvidos no Oregon
R esearch In stitu te descreveram um modelo de desenvolvimento seqüencial do
comportamento anti-social dividido em quatro fases principais: (1) o treinamento básico para
padrões de comportamentos anti-sodais se inida em casa a partir de uma disciplina ineficiente
dos pais, o que permite uma troca coercitiva entre a criança e os demais membros da família;
(2) na idade escolar, os comportamentos anti-sociais ou coercitivos aprendidos no lar colocam
a criança sob risco de fracasso acadêmico (devido à desobediênda e esquiva de ordens por
parte da criança) e de rejeição pelos colegas (provocada por comportamento agressivo e
coercivo) e até mesmo pelos pais; (3) estes fatores aumentam a probabilidade da criança se
envolver com grupos de “rejeitados“, cometendo atos negativos contra a escola e rebelando-
se contra a autoridade dos adultos; (4) as crianças que seguem esta seqüência de
desenvolvimento, se não tratadas, têm alta probabilidade de apresentar problemas de
adaptação na vida adulta, problemas no emprego, no casamento, uso de drogas, detenção
por crimes ou desordens mentais, entre outros. Dez anos após o lançamento deste trabalho,
a equipe do Oregon Research institute lança um novo e amplo trabalho (Reid & cols, 2002)
sobre o desenvolvimento do comportamento anti-social, reafirmando os princípios básicos
do modelo citado além de apresentar algumas possibilidades de intervenção.
Desta forma, os aparentes atos coercitivos "inofensivos" observados na interação
da criança com a sua família são os protótipos dos comportamentos anti-sodais presentes
na adolescênda (Patterson & cols., 1992). Os indivíduos que apresentam comportamentos
anti-sociais aprendem a comportar-se desta forma, em suas interações familiares, à medida
que suas ações são freqüentemente reforçadas negativamente, ou seja, seus atos produzem
como conseqüência a remoção de eventos aversívos e ameaçadores (Sidman, 1995).
O comportamento anti-social é uma queixa muito freqüente e não apresenta
bom prognóstico, sendo que as crianças que inicialmente mostram altas taxas de
comportamento anti-social estão mais sujeitas a persistirem neste comportamento
comparando-se às crianças que apresentam baixas taxas (Loeber, 1982). A maioria dos
casos não tratados evolui para a delinqüência na adolescência e transgressão na vida
adulta (Marinho, 1999; Reid & cols, 2002).
O uso da punição corporal é freqüentemente encontrado na literatura assodado a
comportamentos anti-sodais em crianças (Gershoff, 2002; Grogan-Kaylor, 2005; Patterson &
cols., 2002; Weber, Viezzer & Brandenburg, 2004). Brenner e Fox (1998) analisaram a relação
entre as práticas parentais e problemas de comportamento em crianças, e os achados
indicaram que a o uso de punição verbal e corporal é um forte preditor de tais problemas.

Sobre Compartimento e Cognição


Maldonado e Williams (2005) estudaram a relação entre o comportamento agressivo
de crianças do sexo masculino e sua relação com a violência doméstica, comparando
grupos de crianças agressivas e não-agressivas e encontraram pais que utilizam disciplina
abusiva nos dois grupos, porém com maior freqüência e intensidade entre as crianças
agressivas. MenegheJ, Ciugliani e Falceto (1998) constataram que adolescentes
considerados agressivos na escola foram mais punidos que os não-agressivos por seus
pais. Os adolescentes punidos apresentaram probabilidade oito vezes maior de serem
violentos com os irmãos, em comparação com os não-punidos. Os autores explicam que,
na vigência de comportamentos agressivos em adolescentes, não se deve deixar de pensar
em violência doméstica, ficando claro que muitas vezes o adolescente agressivo na escola
é um indivíduo maltratado física e/ou psicologicamente pela família. Fergunsson e Horwood
(1998) relatam uma relação positiva entre a exposição níveis altos de violênda domestica
na infância e adolescência e altos níveis de problemas de ajustamento aos 18 anos,
incluindo problemas de saúde mental, abuso de substâncias e comportamento criminoso.
Pesquisas recentes (Herrenkohl, Tajima, Whitney & Huang, 2005; Weber, Moura,
Santos & Salvador, 2006) investigaram fatores de proteção contra o comportamento
anti-social em adolescentes que sofreram abuso quando crianças, e contataram que
forte compromisso com a escola, desaprovação do comportamento anti-social pelos
pais e colegas, e envolvimento com uma religião, diminuíram os índices de ofensas,
violência e comportamentos delinqüentes entre esses adolescentes.
Em um estudo que analisa a monitoria parental e os problemas comportamentais
em adolescentes de idades e gêneros diferentes, Richards, Miller, O’Donnell, Wasserman
e Colder (2004) constataram índices elevados de delinqüência e uso de drogas entre
adolescentes que relataram menor monitoria por parte de seus pais. Patterson & Stouthamer-
Loeber (1984) também constataram que a falta de supervisão dos pais desempenha um
papel central na presença e freqüência de comportamento delinqüente dos filhos. A falta de
monitoria é uma das variáveis responsáveis pelo desenvolvimento do comportamento
agressivo e sua presença é um dos fatores facititadores para o desenvolvimento de
competência social (Bolsoni & Marturano, 2004; Salvo, Silvares & Toni, 2005).
O envolvimento entre pais e filhos, expresso pelo vínculo afetivo, apoio e
monitoramento parental, é um fator de proteção fundamental, pois diminui a probabilidade
de adolescentes apresentarem comportamentos delinqüentes (Dishion, Andrews &
Crosby, 1995; Feldman & Weinberger, 1994; Stice & Barrera, 1995). Simons, Lin e Gordon
(1998) encontraram uma forte relação entre o baixo apoio e envolvimento dos pais com
o comportamento delinqüente e o consumo de drogas na adolescência.
Dekovic e cols. (2003) descrevem que altos níveis de comportamento anti­
social foram associados com poucas práticas adequadas por parte dos pais, como
baixo nível de suporte, supervisão ineficaz, inconsistência ns regras e maior uso de
práticas punitivas, propiciando baixa qualidade na relação e envolvimento emocional
entre o adolescente e seus pais.
O modelo moral dos pais também se destaca como um fator relevante na
prevenção do comportamento anti-social. Rhule, McMahon e Spieker (2004) encontraram
uma relação positiva e significativa entre o comportamento anti-social de mães
adolescentes e problemas de conduta em seus respectivos filhos. As crianças cujos
pais apresentam comportamento anti-social apresentam maior risco para este padrão
de comportamento (Patterson & cols, 1992; Reid & cols.; 2002).
Estudos ressaltam que, assim como para outros padrões de comportamento,
existe uma intergeracionalidade do comportamento anti-social (Shaw, 2003; Smith &

350 Lidia Natalia Dobrianskyi Weber, Joajià M otw ra da Cunha e Vcnlmis Fernando Maura
Farringtorr, 2004; Thomberry, Freeman-Gallant, Lizotte, Krohn, & Smith, 2004). Segundo
Marinho (1999), quando pais anti-sodais, ou com fraca capacidade de manejo da criança,
são colocados diante de lím.estresse agudo e prolongado, as rupturas familiares
decorrentes desta exposição colocam a criança em situação de risco, sendo que a
disciplina parental inadequada representa um mecanismo importante na transmissão
do comportamento anti-social de uma geração a outra.
Além das práticas parentais inadequadas, os conflitos conjugais relacionam-
se com a agressividade nos filhos (Hart, Nelson, Robinson, Olsen & McNeilly-Choque,
1998; Katz & Gottmah, 1993). Webster-Stratton e Hammond (1999) realizaram um estudo
que analisou a influência dos conflitos conjugais sobre os problemas de conduta nos
filhos e constataram que os problemas na relação com os pares e com os pais estão
relacionados com úm manejo negativo dos conflitos conjugais, juntamente com uma
atitude crítica dos pais em relação aos filhos, além de baixa responsividade emocional.
O baixo status socioeconômico é também um fator de risco para comportamentos
agressivos em crianças, sobretudo pelas experiências de socialização predispostas
nestes meios, como a exposição à disciplina hostil, baixo envolvimento materno, convivência
com adultos agressivos, estressores familiares, fafta de apoio social materno, influência
de grupos desviantes, entre outros (Dodge & cols., 1994; Magnuson, & Duncan, 2002).
Silva e Hutz (2002) ressaltam que a presença de atividades ilícitas (como o tráfico
de drogas), o vandalismo e um clima de permissividade com a violência, presentes em
comunidades carentes, tornam essas áreas inadequadas para um desenvolvimento
saudável das crianças e dos adolescentes, dificultando a tarefa das famílias de protegerem
e cuidarem de seus filhos. A dificuldade financeira, o desemprego e a dificuldade em
ingressar no mercado de trabalho reduzem o envolvimento parental e aumentam a
probabilidade de utilização de disciplina inadequada (Cecconello, Antoni & Koller, 2003).
Eamon e Mulder (2005) realizaram um estudo buscando analisar os preditores do
comportamento anti-social entre adolescentes latinos, e encontraram que jovens do sexo
masculino, que viveram boa parte das suas vidas na pobreza, exibiram maiores índices de
comportamento anti-social e revelaram significativa influência de pares desviantes.
Conforme já foi ressaltado, o impacto da pobreza e da violência comunitária representa
um fator de risco para o comportamento anti-social e para a delinqüência. Entretanto deve-se
destacar o fato de que muitas crianças com condições adversas em suas experiências não
se tomam delinqüentes, enquanto outras, mesmo com boas condições no ambiente famíiar,
chegam a cometer crimes (Erickson, 1998; Formiga & Gouveia, 2005).
Em relação às diferenças entre os gêneros, muitas pesquisas têm apontado
que na adolescência os meninos apresentam maiores índices de comportamentos
anti-sociais, agressivos e delinqüentes do que as meninas, além de maior predisposição
ao abuso de álcool e drogas (Keung, 2005; Kim, 2005). Lier, Vitaro, Wanner, Vuijk e
Crijnen (2005) constataram diferenças entre os gêneros no desenvolvimento de
comportamento anti-social, pesquisando crianças de ambos os sexos com trajetórias
elevadas, moderadas e baixas deste padrão de comportamento. Os autores destacani
que apenas os meninos persistiram com uma trajetória elevada de comportamentos
anti-sociais, enquanto uma minoria das meninas seguiu uma trajetória moderada.
Adolescentes de ambos os sexos com maior envolvimento com pares desviantes
estão mais propensos a apresentarem comportamentos anti-sociais (Heinze, Toro &
Urberg, 2004). Farrell e White (1998) apontam que a pressão dos pares também é um
fator importante para o uso de drogas entre os adolescentes, principalmente quando há
a falta do pai oü padrasto, e problemas emocionais por parte da mãe.

Sobre Comportamento t Cojm çào '5 5 1


A probabilidade de usar drogas ilidias está relacionada com a presença de
comportamentos anti-sociais que contrariam as normas típicas da idade, uso de dragas
pelos irmãos e grupo de amigos e, ainda, pelo consumo de álcool pelo pai (Gómez, 2001).
Vários autores ressaltam forte relação entre comportamentos anti-sociais na adolescência
com o abuso de substâncias (Bukstein, 2000; Clark, Vanyukov & Comelius, 2002).

Possibilidades de intervenção
Para modificar o comportamento anti-social ou o comportamento agressivo é
fundamental levar em consideração o contexto social no qual as crianças vivem (Reid,
Patterson & Snyder, 2002).
A atuação de uma equipe multidipiinar faz-se necessária, porém, o papel do
psicólogo tem fundamental importância para a prevenção e intervenção de comportamentos
anti-social. Neste sentido, o profissional pode atuar desde a realização de trabalhos junto à
comunidade, como os grupos de orientação para pais (Marinho, 1999; Weber, Salvador &
Brandeburg, 2005), bem como intervir junto às crianças e adolescentes que apresentam
tais problemas comportamentais, seja através de tratamento psicológico (Kazdin & Wassell,
2000; Silva & col., 2002) ou trabalhos realizados no campo das habilidades sociais que
visam desenvolver comportamentos pró*sociais incompatíveis com esses comportamentos
socialmente indesejados (Caballo, 2003; Marinho & Caballo, 2002).

M étodo
Participantes: 120 estudantes de uma escola pública situada na periferia de Curitiba-
PR, sendo 73 do sexo masculino e 47 do sexo feminino, com idades entre 14 a 17 anos.
Instrumentos: foram utilizados dois instrumentos: Escalas de Qualidade de
Interação Familiar (EQIF) de Weber, Viezzer e Brandemburg (2006) e um questionário
sobre comportamentos anti-sociais, elaborado para o presente trabalho. O instrumento
EQIF é composto por 50 questões, avaliadas por um sistema Likert de cinco pontos,
distribuídas em dez dimensões da interação familiar: relacionamento afetivo, envolvimento,
regras e monitoria, punição corporal, comunicação positiva dos filhos, comunicação
negativa, modelo, sentimento dos filhos, clima conjugal positivo e clima conjugal negativo.
O questionário de comportamentos anti-sociais é composto por oito itens que investigam
a freqüência de comportamento anti-social (desobedecer aos pais, mentir, ameaçar ou
intimidar, agredir fisicamente, envolver-se em brigas de gangues, matar aula, destruir
propriedade, roubar ou furtar) e um item sobre consumo de drogas ilícitas. Todos os itens
do questionário são avaliados por um sistema Likert de 3 pontos.
Procedimento: Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética do Departamento
de Psicologia da UFPR, realizou-se contato com a escola selecionada por localizar-se em
conhecida por elevada taxa de criminalidade, e conseqüentemente, uma região de risco
para desenvolvimento de comportamentos anti-sociais (Teixeira, 2005). Com a autorização
da direção da escola, realizou-se a seleção da amostra, sendo a participação voluntária e
anônima sendo que todos os participantes, após orientação sobre a pesquisa, assinaram
o Termo de Consentimento Esclarecido e Informado. Os participantes responderam
coletivamente aos questionários na própria escola durante o tempo de aula.
Análise dos dados: As escalas de qualidade de interação familiar foram
analisadas por meio dos escores totais de cada dimensão através do programa
Statistica! Package forthe Social Sciences (SPSS). Os resultados em cada uma das dez
dimensões foram distribuídos em três categorias através dos quartiles 25 e 75 (1=baixo

352 Lídia Natalia Dobrian*fcyj Webw, Josafá M oreira da Cunha e Ventcius Fernando Moura
escore; 2-médio escore; 3=alto escore) e relacionadas (testada pelo toste de qui-
quadrado) com as respostas sobre comportamentos anti-sociais, variáveis gênero,
estrutura familiar e freqüência de consumo de drogas ilícitas.

Resultados e discussão
Primeiramente são apresentados os principais dados sobre os comportamentos
anti-sociais investigados. A seguir, a relações entre os comportamentos anti-sociais e as
dimensões da Escala de Qualidade de Interação Familiar (EQIF) são discutidas. Após expõe-
se a relação dos comportamentos anti-sociais com o uso indevido de drogas, que por sua vez
apresenta forte relação com diversas manifestações do comportamento anti-social.
Boa parte dos adolescentes entrevistados relataram a emissão de diferentes
comportamentos anü-sodais (Figura 1). Uma possível explicação para este fato é a condição
socioeconômica da amostra somada à elevada criminalidade relatada na região (Teixeira,
2005), sendo que a combinação desses fatores contribui significativamente para o
desenvolvimento de comportamentos anti-sociais (Silva & Hutz, 2002; Eamon & Mulder, 2005).

Desobedecer Mentir Ameaçar ou Agredir Participar Matar Destruir Roubar Consumir


autoridades intimidar fisicamente de brigas auta patrimônio ou furtar drogas

Figura 1 - Percentuais das manifestações do comportamento anti-sodal e consumo de drogas na amostra.

Interação fam iliar e com portam entos anti-sociais


A tabela 1 mostra as relações entre o comportamento anti-social com o
relacionam ento afetivo dos adolescentes com seus pais. Verificou-se relações
significativas e negativas entre o relacionamento afetivo dos adolescentes com seus
pais e os comportamentos anti-sociais de desobedecer aos pais, mentir, agredir
fisicamente, envolver-se em brigas de gangues, matar aula, destruir propriedade, roubar
ou furtar, sendo que a única exceção foi o comportamento de ameaçar ou intimidar
outros (p=0,055). Este não apresentou relação forte o bastante com o relacionamento
afetivo para satisfazer o critério de significância adotado no presente trabalho (p<0,05).
Os dados obtidos pela análise da dimensão relacionamento afetivo confirmam
os achados da literatura em que a restrição emodonat e a pouca afetividade apresentam-
se relacionadas com as manifestações de comportamento anti-sodal em adolescentes
(Dessen & Szeíbracikowski, 2004). Reppold e cols. (2002) destacam que o vínculo afetivo
representa um fator protetivo para os filhos por diminuir a probabilidade dos adolescentes
apresentarem comportamentos delinqüentes. É muito importante ressaltar o fato de que
as demonstrações de amor e carinho por parte dos pais são um fator protetivo não
apenas durante a infância, mas também durante a adolescência quando o adolescente
encontra nos pais um porto-seguro para os conflitos e dificuldades associados a esta
fase do desenvolvimento humano (Weber, 2005; Weber & Cunha, 2006).

Stf>re Comportamento t Cognição


Relacionamento efetivo
C o * po r t a m ent oa F re q .
a n ti-- s o c ia Is l1L5.4Ü7 3i' l
Desobedecerão? par ? Nuncà 1 i .1 •f 3 .5 4 2 .9
As v e t e ç 5 1 .9 G3 .0 i 3 ,6
S e m p re 3 7. 0 1 $. 5 3 ,6
T ot al 1 00 1 00 ï or?
Mintir N k nti a 18 5 4 4. 4 64,3 1 ?. 5 6 6 *
As vç ? * 8 5 1 .9 4 0. 7 28.«
S cm p f * 2 Q ,fi 14.H 7 .1
Total to o 1 00 1 00
A m e a ç i f ou I n t i mi d a r Nunca 4 4 .4 7 2 ,ï 7 b. O 9,274
A & VCiCG 4 4 .4 t 6. 7 17.S
S e ir ç t 1.1 11. 1 7. 1
Toîal 1 00 1 00 J 00
A 3 r « d i r ri s i c a m e n t e N u oc a l ë ,5 4 6 .3 5 7. 1 12,34 6 "
As » e r * s 3 7 ,0 2 2.2 32. 1
S e m pr e 4 4 ,4 3 1, 5 1 0 .7
T o ta : 1 00 1 00 1 OC
E f tv o iv e r- s e em br igas óe Nyflca 5 1 .9 6 8 .S £9,3 9 .90S '
gangues As » c i c s 1 4 ,8 1 1.t 7 .1
S * m p rê 3 3 ,3 2 D ,4 3, 0
Total 10 0 1 DO 1 00
M a ta r a u Jg N u nt d 2 5,S G G ,7 5 7, 1 16.101'
À S V P. 7 9 S 3 1. 1 1 1. 1 f 7. 9
S e m p re 6 J. U 2 2. 2 2S. D
t o ta r 10 0 100 1 00
0 * 5 t n Hr p r o p r i e r f d d â Muita 5 i 7 5. 9 3 2. 9 13,106*
A s v« j « s 2 2, 2 1 4 .a 3 6
S e m p 's
T o ta l
2 b. y
1 1)0
S .3
1 00
3,fi
1 no
Roubar o j l ur t ® r N u no a 4 8, 1 6 1. 5 10 0, 0 2 2 ,fl 9 2 • '
A & veze & 2 9. f i 1 3. 0
S e m p re 22.2 5 ,6
T & la ! 100 1 00 1 G0
* p *0 ,0 5 ** p < 0 , 0 0 1

Tabela 1. Valores do teste qui-quadrado e percentuais para a relação entre comportamento anti­
social com relacionamento afetivo

O envolvimento entre adolescentes e seus pais apresenta uma relação negativa


com a freqüência dos comportamentos de desobedecer aos pais, envolver-se em brigas
de gangue, mentir, ameaçar ou intimidar outros, destruir propriedade e realizar furtos ou
roubos (Tabela 2).

E n v o iv ím e n to
C o m portam e ntos F req B a ix o M é d io Altò
antl-soclals % % % (g .i-4 )
D e sobe dâ ce ra o s Nunca ■>1.1 2 3, 1 33.3 17,422'
pais Às vezes 44 A 51 .5 63 .3
Sempre 44,4 1 5 ,4 3.3
T otal 100 100 10 0
M entir Nunca 1 1 ,1 5 0 .0 60,0 20,478“
Às. v e ? e s 51 rô 36,5 36,7
Sem pre 37.0 1 3. 5 3.3
T otal 100 100 100
Am eaçar ou Nunca 3 3,3 73, 1 S3 ,3 20,012"'
Intlm idar À s vez es 51 ,9 1 5 ,4 13.3
Sem pre 14,8 1 1 .5 3 ,3
Tota \ 100 1 0Û 100
Agredir N un ca 2 5.9 4 0 ,4 60,0 8,790
fisicamente Às vezes 29.6 28.6 26,7
Sem pre 4 4.4 3 0.8 ^ 3,3
TotaF 100 100 100
E nvoIv&r-se dm N unca 51 ,9 69.2 8 6,7 9.771 *
b r i g a s d« A s véZêâ 1 4, £ 9,6 10.0
gangues Sem pre 33,3 21 r2 3 .3
Tota 1 1 00 100 100
M atar auta N un ca 3 7,0 6 3 ,5 5 3 ,3 6 ,0 4 8
Àa v e r e s 1 1 ,1 1 5 ,4 1 0,0
Sem pr e S1 ,9 21 ,2 3 6.7
T o ta l 100 10 0 100
Destru Ir Nunca 40,7 80 .8 Q3.3 23.873**
propriedade À a veres 33 ,3 7,7 6.7
Sem pre 2 5.$ 1 1.5
T otal 10 0 10 0 1C0
R o u b a r ou fu r ta r Nunca 4 4 ,4 B2 ,7 10 0,0 2 6.982**
Às vazes 33.3 1 1 ,5
Sem pre 22.2 5 ,6 -
T o ta l 100 100 100
* p < 0 105 ** p<0,001
Tabela 2 . Valores do teste qui-quadrado e percentuais para a relação entre comportamento anti­
social com Envolvimento.

354 Lidia Natalia Dobrtaníkyj Wcber, josafâ Moreira da Cunha c Venícius Fernando Moura
Estes achados da Tabela 2 estão de acordo com a literatura sobre fatores de
risco e proteção para o comportamento ànti-social. O baixo apoio e envolvimento dos
pais estão associados a freqüências altas de comportamentos anti-sociais na
adolescência (Patterson & cols., 19SF2; Reid & cols., 2002; Simons & cols., 1998),
enquanto que o envolvimento dos pais na vida de seus filhos adolescentes, expresso
por meio de supervisão não-intmsiva é indicado como um dos fatores protetivos mais
fortes para os filhos (Dekovic & cols., 2003; Reppold & cols.; 2002; Weber, 2005).
Na análise da dimensão regras e monitoria (Tabela 3) este fator da interação
entre pais e filhos está relacionado negativamente e de forma significativa à freqüência
de todos os comportamentos anti-sociais investigados.
Rearas e monitoria
Comportamentos Freq. Baixo Médio Alto
anti-sociais % % % {g í.= 4)
Desobedecer aos Nunca 14,8 19,2 36.7 12,518*
Pais Às vezes 48,1 61,5 60,0
Sempre 37,0 19,2 3,3
Total 100 100 100
Mentir Nunca 11.1 51,9 56,7 19,227**
Âs vezes 51,9 36,5 36,7
Sempre 37,0 11,5 6,7
Totai 100 100 100
Ameaçar ou Nunca 33,3 73,1 03,3 23,214"
intimidar Às vezes 55,6 13,5 13.3
Sempre 11,1 13,5 3,3
Total 100 100 100
Agredir Nunca 22,2 44,2 56,7 10,049*
fisicamente
As v e z e s 29,6 26,9 30,0
Sempre 48,1 28,8 13,3
Total 100 100 100
Envolver-se em Nunca 40,7 80,8 76,7 19.160*'
brigas de Às vezes 14,8 5,8 16,7
gangues Sempre 44,4 13,5 6,7
Total 100 100 100
Matar aula Nunca 29,6 67,3 53,3 18,630**
Às vezes 7,4 17,3 10,0
Sempre 63,0 15,4 36,7
Total 100 100 100
Destruir Nunca 40,7 82,7 90,0 26,985“
propriedade Às vezes 22,2 11,5 10,0
Sempre 37,0 5,8 -
Total 100 100 100
Roubar ou furtar Nunca 40,7 86,5 96,7 34,072**
Às vezes 29,6 11.5 3,3
Sempre 29,6 1,9 -
Total 100 100 100
* p<0,05 ** p<0,001

Tabela 3. Valores do teste qui-quadrado e percentuais para as manifestações do comportamento


anti-social com relação significativa com regras, monitoria.

Confirma-se assim a associação entre a falta de monitoramento e supervisão


dos pais com altas taxas de delinqüência, agressividade e comportamentos anti-sociais
por parte dos filhos, amplamente descrita na literatura (Patterson & Stouthamer-
Loeber,1984; Patterson & cols., 1992; Richards & cols., 2004; Salvo & cols., 2005). A
ausência de regras e monitoria aumenta o risco de envolvimento dos filhos com pares
desviantes que, por sua vez é um forte faterde risco para a delinqüência juvenil (Patterson
& cols., 1992; Reid & cols., 2002), sendo que a utilização de regras claras e monitoramento
do cumprimento destas atua como um fator de proteção para os filhos (Grusec, Goodnow
& Kuczynski, 2000; Reppold & cols., 2002; Severe, 2000).

Sobre Comportamento e Cognição 355


A Tabela 4 revela que os adolescentes relataram que grande número de pais que
utilizam a punição corporal, com afta freqüência (26,6%) e média freqüência (39,4%) dos
adolescentes da amostra. Este comportamento apresentou relação significativa com os
comportamentos de desobedecer aos pais, praticar furtos ou roubos e agredir fisicamente
a outros, sendo que a relação mais forte encontra-se justamente entre punição física e o
comportamento agressivo. Assim sendo, confirmam-se estudos com crianças e
adolescentes que demonstraram que o nível de agressividade de indivíduos que sofrem
punição corporal em casa é significativamente elevado em comparação a seus pares
(Ferreira & Marturano, 2002; Maldonado & Williams, 2005; Meneghel & cols., 1998).

Punição corporal
Comportamentos Freq, Baixo Médio Alto X2
anti-sociais % % % (g.i.=4)
Desobedecer aos Nunca 37,8 14,0 17,2 12,491*
pais As v ezes 43,2 74,4 51,7
Sempre 10,9 11,6 31,0
Total 100 100 100
Mentir Nunca 45,9 46,5 34,5 3.863
Ás v ezes 43,2 39,5 37,9
Sempre 10,8 14,0 27,6
Total 100 100 100
Ameaçar ou Nunca 64,9 76,7 51,7 6,019
intimidar Às vezes 21,6 16,3 37,9
Sempre 13,5 7,0 10,3
Total 100 100 100
Agredir Nunca 48,6 48,0 24,1 16,702*
fisicamente
Às vezes 29,7 34,9 17,2
Sempre 21,6 16,3 58,6
Total 100 100 100
Envolver-se em Nunca 67,6 79,1 58,6 7,451
brigas de Às vezes 13,5 11,6 6,9
gangues Sempre 16,9 9,3 34,5
Total 100 100 100
Matar aula Nunca 56,8 60,5 41,4 6,878
Às vezes 13,5 16,3 6,9
Sempre 29,7 23,3 51,7
Total 100 100 100
Destruir Nunca 74,4 65,5 74,4 7,208
propriedade Às vezes 16,2 14,0 10,3
Sem pre 2,7 11,6 24,1
Total 100 100 100
Roubar ou furtar Nunca 86,5 83,7 58,6 9,721*
Às vezes 5,4 11,6 27,6
Sempre 6,1 4,7 13,8
Total 100 100 100
* p<0,05 ** p<0,001
Tabela 4. Valores do teste qui-quadrado e percentuais para as manifestações do comportamento
anti-social com relação significativa com punição corporal.

Em conformidade com os achados da literatura, os dados desta pesquisa


mostram que o aumento da agressividade, do comportamento delinqüente e anti-social
associados ao uso da punição corporal (Gershoff, 2002; Grogan-Kaylor, 2005). Além do
uso de punições corporais não resolver os problemas de comportamento a longo prazo e
criar ressentimentos e dificuldades na interação entre pais e filhos (Sidman, 1995; Skinner,
1953), essa prática favorece o surgimento de problemas de desenvolvimento já a partir da
infância, estendendo-se pela adolescência e vida adulta (Silva & Gouveia, 2002).
Ao comparar a relação das regras/monitoria e da punição física com o
comportamento anti-social constata-se claramente a eficácia da utilização de práticas

356 Lidia N atai ia Dobrianskyj Wcber, Josafá Moreira da Cu rtia t Venlrius Fernando M oura
não-coercitivas em detrimento das coercitivas para o controle de comportamentos
inadequados dos adolescentes (Sidman, 1995). A punição gera subprodutos muito
negativos para aqueles que a vivenciam, como a “violência, agressão, opressão,
depressão, inflexibilidade emocional e intelectual, autodestruição e destruição dos
demais, ódio, doenças e estado geral de infelicidade" (Sidman, 1995).
Conforme dados da tabela 5, a dimensão comunicação positiva dos filhos
apresentou relações significativas e negativas com os comportamentos de desobedecer
aos pais, mentir, ameaçar ou intimidar, agredir fisicamente outros, matar aula, destruir
propriedade e praticar furtos ou roubos. Quando havia um percentual elevado de
comunicação positiva dos adolescentes com seus pais, a freqüência dos
comportamentos anti-sociais era baixa, sendo que a única exceção foi o envolvimento
em brigas entre gangues, para o quaf não foi encontrada relação significativa.
Comunicacâo positiva dos filhos
Comportamentos Freq. Baixo Médio Alto X2
anti-sociais % % % (g .i= 4 )
Desobedecer aos Nunca 11,1 17,6 41,3 2 6 ,2 3 1 "
pais Ás vezes 40,7 68,6 54,8
Sempre 48,1 13,7 3,2
Total 100 100 100
Mentir Nunca 14,8 49,0 58.1 18,024'*
Às vezes 48,1 37,3 38,7
Sempre 37,0 13,7 3,2
Total 100 100 100
Ameaçar ou Nunca 44,4 66,7 83,9 14,347*
intimidar Às vezes 48,1 19,6 9.7
Sempre 7,4 13,7 6,5
Total 100 100 100
Agredir Nunca 25,9 33,3 71,0 15,358*
fisicamente Às vezes1 33,3 33.3 16,1
Sempre 40,7 33,3 12,9
Total 100 100 100
Envolver-se em Nunca 66,7 60,8 87,1 6,680
brigas de As vezes 11,1 13,7 6,5
gartgues Sempre 22,2 25,5 6,5
Total 100 100 100
Matar aula Nunca 29,6 60,8 64,5 9,811"
Às vezes 14,8 11,8 12,9
Sempre 55,6 27,5 22,6
Total 100 100 100
Destruir Nunca 51,9 78,4 87,1 13,084*
propriedade Às vezes 25,9 7,8 12,9
Sempre 22,2 13,7 -
Total 100 100 100
Roubar ou furtar Nunca 59,3 78,4 93,5 9,949’
Às vezes 25,8 13,7 3,2
Sempre 14,8 7,8 3,2
Totai 100 100 100
* p<0,05 ** p<0,001
Tabela 5. Valores do teste qui-quadrado e percentuais para as manifestações do comportamento
anti-social com relação significativa com comunicação positiva dos filhos.

Deste modo, a comunicação positiva dos filhos destaca-se como um importante


fator de proteção em relação aos comportamentos anti-sociais. Quando os filhos relatam
para seus pais tanto acontecimentos positivos quanto negativos, ou mesmo expressam
seus sentimentos para os pais, é construída uma conexão de confiança entre ambós
(Weber, 2005). É importante ressaltar que os pais não podem perder de vista sua função
educativa em relação aos filhos, devendo aproveitar estas oportunidades para conseqüençiar
adequadamente os comportamentos relatados por meio de estratégias como o elogio e
outras expressões de carinho e, quando for o caso, correção e estabelecimento de regras.

Sobre Comportamento e Cogníçlo


A comunicação negativa, expressa por meio de abuso punição verbal, como as
broncas, xingamentos e ameaças, não apresentou nenhuma diferença estatisticamente
significativa em relação aos comportamentos anti-sociais (Tabela 6). Assim sendo,
pode-se afirmar que o uso da punição verbal não é um método eficaz para a redução do
comportamento anti-social de adolescentes. Além disto, é importante recordar que a
comunicação negativa está associada a problemas de comportamento nos filhos
(Brenner & Fox, 1998), além de estar relacionada com baixa auto-estima (Weber & coJs.,
2003). Em um trabalho realizado por Weber, Santos e Moura (2005), os xingamentos e
gritos se mostraram mais nocivos que as surras, afetando negativamente o
reíacionamento afetivo, o envolvimento e o sentimento dos filhos.

Comunicação negativa
Comportamentos Freq. Baixo Médio Alto X*
antisociais % % % (g-i-=4)
Desobedecer aos Nunca 31,3 28,6 8,6 7,967
pais Às vezes 50.0 59,5 62,9
Sempre 16,8 11,9 28,6
Total 100 100 100
Mentir Nunca 46,9 50,0 31,4 3.492
Ás vezes 34,4 38,1 48,6
Sempre 18,8 11,9 20,0
Total 100 100 100
Ameaçar ou Nunca 65,6 73,8 57,1 3,899
intimidar Às vezes 25,0 21,4 25,7
Sempre 9,4 4,B 17,1
Total 100 100 100
Agredir Nunca 43,8 50,0 31,4 7,065
fisicamente Às vezes 34,4 28,6 22,9
Sempre 21,9 21,4 45,7
Total 100 100 100
Envolver-se em Nunca 75,0 76,2 57,1 5,317
brigas de Às veies 12,5 9,5 11,4
gangues Sempre 12,5 14,3 31,4
Total 100 100 100
Matar aula Nunca 43,8 64,3 51,4 7,525
Às vezes 25,0 7,1 8,6
Sempre 31,3 28,6 40,0
Total 100 100 100
Destruir Nunca 71,9 08,1 60,0 9,128
propriedade Às vezes 12,5 9,5 20,0
Sempre 15,6 2.4 20,0
Total 100 100 100
Roubar ou furtar Nunca 64,4 85,7 62,9 8,106
Às vezes 6,3 9,5 25,7
Sempre 9,4 4,8 11,4
Tota! 100 100 100
* p<0,05 ** p<0,001
Tabela 6. Valores do teste qui-quadrado e percentuais para as manifestações
do comportamento anti-social com relação significativa com comunicação negativa.

Os dados mostram relações negativas e significativas para todos os


comportamentos anti-sociais em estudo, afirmando o modelo parental como importante
fator de proteção quanto ao comportamento anti-social (tabela 7).
Os dados obtidos na análise da dimensão modelo confirmam os achados da
literatura, e é possível notar menor freqüência de comportamentos anti-sociais entre os
adolescentes para os quais os pais são um modelo positivo. Tendo em vista que os filhos
aprendem de acordo com modelos observados em outras pessoas, especialmente nos
seus pais (Severe, 2000), confirma-se a importância do comportamento adequado por parte

358 Udía Nalàiia Dobrianskyj Weber, Josafi Moreira da Cunha e Venfcius Fernando Moura
dos pais para o desenvolvimento dos adolescentes. Entretanto, é importante ressaltar que os
pais também podem atuar como modelos aduttos agressivos na medida em que utilizam
métodos coercitivos para inibir seus filhos (Ferreira & Marturano, 2002; Sidman, 1995).
Modelo
Freq. Baixo Médio Alto X2
Comportamentos % % % (g.i-=4)
anti-sociais
Desobedecer aos Nunca 17,9 17,0 35,3 10,313*
pais Às vezes 46,4 68,1 52,9
Sempre 35,7 14,9 11,8
Total 10 0 100 100
Mentir Nunca 14,3 53,2 52,9 14,485*
Às vezes 53,6 36,2 35,3
Sempre 32,1 10,6 11,8
Total 100 100 100
Ameaçar ou Nunca 42,9 72,3 76,5 9,64 7*
intimidar Às vezes 42,9 19,1 14,7
Sempre 14,3 8,5 8,8
Total 100 100 100
Agredir Nunca 17,9 44,7 5R.8 16,359'
fisicamente
Às vezes 39,3 19,1 32,4
Sempre 42,9 36,2 8,8
Total 100 100 100
Envolver-se em Nunca 50,0 72,3 82.4 1 0,0 37 *
brigas de Às ve2 es 14,3 8,5 11,8
gangues
Sempre 35,7 19,1 5.9
Total 100 100 100
Matar aula Nunca 35,7 61,7 50,8 10,369*
Às vezes 7,1 12,8 17,6
Sempre v 57,1 25,5 23,5
Total 100 100 100
Destruir Nunca 53,6 72,3 94,1 16,931'
propriedade Às vezes 17,9 19,1 2,9
Sempre 28 ,6 8,5 2,9
Total 100 100 100
Roubar ou furtar Nunca 53,6 76.6 100,0 2 0, 7 6 7 * *
Às vezes 25,0 17 ,0 0
Sempre 21,4 6,4 0
Total 100 100 100
* p<0,05 “ p<0,001
Tabela 7. Vaíores do teste qui-quadrado e percentuais para as manifestações do comportamento
anti-social com relação significativa com modelo.

Sentimento dos filhos. Os dados apresentados na tabela 8 apontam que o


sentim ento dos filhos por seus pais também apresentou relações com os
comportamentos anti-sociais desobedecer aos pais, mentir, ameaçar ou intimidar,
agredir fisicamente, matar aula, destruir propriedades e praticar furtos ou roubos, sendo
que para todos estes comportamentos a relação encontrada foi negativa e fortemente
significativa. A única exceção foi o envolvimento dos adolescentes em brigas de gangues,
para o qual não foi observada relação significativa.
O sentimento dos filhos indica o quanto estes se sentem amados e a afeição que
têm por seus pais, estando inclusive relacionado com a auto-estima dos adolescentes (Severe,
2000; Weber, Stasiak & Brandenburg, 2003). Este fator demonstrou-se pnotetivo contra as
manifestações anti-sociais, sendo que “qyanto mais amada uma criança se sente, melhor
ela aceita as regras e desenvolve amor e compaixão pelos outros” {Weber, 2005).

Sobre Comportam en to * Cogn íção


S entim ento dos filhos
Comportamentos Freq. Baixo Médio Alto X3
anti-sociais % % % (9 -1 = 4 )
Desobedecer aos Nunca 16,7 15,7 42.9 14,015*
pais Âs vezes 50.0 64,7 53,6
Sempre 33,3 19,6 3.6
Total 100 100 100
Mentir Nunca 20.0 45,1 64,3 2 3 .3 4 1 "
Às vezes 40,0 49,0 25,0
Sempre 40,0 5,9 10,7
Total 100 100 100
Ameaçar ou Nunca 40,0 76,5 75,0 12.663*
intimidar As vezes 43,3 15,7 17,9
Sempre 16,7 7.8 7,1
Total 100 100 100
Agredir Nunca 20,0 43,1 64,3 16,328*
fisicamente Às vezes 26,7 33,3 21,4
Sempre 53,3 23,5 14,3
Totaf 100 100 100
Envolver-se em Nunca 56.7 70,6 82.1 5,826
brigas de Às vezes 16,7 7,6 10,7
gangues Sempre 26,7 21,6 7,1
Total 100 100 100
Matar aula Nunca 36,7 62,7 57,1 10,966*
Às vezes 6,7 15,7 14.3
Sempre 56,7 21,6 26,6
Totaf 100 100 100
Destruir Nunca 46,7 86,3 82,1 18,559“
propriedade Às vezes 23,3 9,8 10,7
Sempre 30,0 3,9 7,1
Total 100 100 100
Roubar ou furtar Nunca 53,3 82,4 96,4 18,842**
Às vezes 33,3 7,8 3,6
Sempre 13,3 9,8
Total 100 100 100
* p<0,05 ** p<0,001
Tabela 8. Valores do teste qui-quadrado e percentuais para as manifestações do comportamento
anti-social com relação significativa com sentimento dos filhos.

Clima conjugal. Em relação ao relacionamento conjugal entre os pais, a Tabela 9


que o clima conjugal positivo percebido pelos adolescentes está relacionado negativamente
com seus comportamentos de mentir, destruir propriedade e praticar furtos ou roubos. Foi
verificada uma relação positiva do dima conjugal negativo com o comportamento de roubar
ou furtar sendo que 40,6% de adolescentes que perceberam alto nível de Clima Conjugal
Negativo entre os pais (Tabela 10) relataram ter praticado furtos ou roubos às vezes ou
sempre, enquanto que esse percentual foi de 15,2% entre aqueles que perceberam clima
conjugal negativo médio, e de 12,9% entre os que relataram baixo dima conjugal negativo.
Assim sendo, o clima conjugal é também um fator relevante em relação aos
comportamentos anti-sociais, protegendo o adolescente quando positivo e favorecendo
o envolvimento em comportamento de risco quando negativo. Os dados revelam baixa
freqüência de alguns comportamentos anti-sociais quando havia relacionamento positivo
entre os pais expresso por meio de carinho mútuo, elogios dentre outras manifestações
que indicam para os filhos que um bom relacionamento entre os pais, sendo que estes
achados estão de acordo com os dados de Reppold & cols. (2002), que descrevem a
qualidade da relação do casal como um fator significativo na socialização da criança.

360 lid ia Natatia Dobrianikyj Wrt>«r, Jota fi M oreira da Cunha e V<nkhu Fernando M oura
C l i rn » c o n i u o a I D o s i t i v o
C q w p o rtâ m e n t o s F ra q . 5 a ix o U t d ío A ile
* I | ti -S OCl f i Ji % % ffl . 1 . 4 4 )
%
Oo^ôbedêtC f aos Nunta 1 9 ,4 22,C 2 8, 6 6.6 12
pa io As vazes 5 1. 6 56,0 6 7 .9
S«mpf# 2$,0 2 2.0
T o ia 1„ I CO . JOO 1 00
M 6 fitr' Nunca ■2 S , 0 ' M s .0 5 0 ,0 11 .7^9'
A s ve 35 ,5 42,0 42,9
Sampr« 35,S ‘ 10,0 7 ,1
Tet a! ,100 10 0 too
A m e s ça < o u Nunca 5 4 ,e * ; 7 2 ‘.0 6 7 .9 3,433
irt JirT» id 9 T , A& v € i 3 5 ; 5. • • t f l . O 2 1 .4
Ô € m p Ve 9,7' T t o v0 1 Q .7
Tot al too v 100 1 oo
A g re dir N i i n ca 32.3 • 50.0 3 9 .3 4 0 54
fi ç t c s m e n te Às v e t e & 38,7 20,0 32.1
S e m p re 29,0 30.0 2 a .6
T o ta 1 100 10 0 100
F n vfllv?r-s« e m N ií n c a 56.1 74 .0 1 h .0 3.04/
bri gas d e ÀÃ 1 8 ,4 e .o / .1
H a n g ti v s 5 e m p re 72.6 f 8. 0 1 7, 9
Total 100 100 1 Cl 0
fví a Í<3 r a y le Nunca 4 1 ,9 5 4 ,0 6 7 ,9 6.955
Às v a r a s 9,7 1 6,0 7. 1
S e m « '« 40,4 76,0 25.0
1 o ta \ 100 ?0 Ü \ 00
£ e $ i r u 'ií Nunca 5 1 ,6 7 8 .0 g ? .<? 14,500*
& f 0 p ri « d ® 4 « À s vezes 2 5,8 tü.o 7.!
S em pre 22.6 12,0
T o ta 1 10Q 100 1 00
R í u b f l f íti fartar N u n ce 64.5 74.0 100,0 12 ,4 16 '
Às v í i e s 19,4 1 e, o
S e fn p re < 6, 1 «, o
T út ai 100 100 10 0
4 p < 0 .0 5 * ' p <G ,00 1

Tabela 9. Valores do teste qui-quadrado e percentuais para as manifestações do comportamento


anti-social com relação significativa com clima conjugal positivo.
Por outro lado, a Tabela 10 mostra uma relação significativa do clima conjugal negativo
percebido com o comportamento de roubar/furtar dos adolescentes, confirmando os achados
da literatura que relacionam positivamente as brigas e conflitos conjugais ao comportamento
anti-social (Hart & cols., 1998; Webster-Stratton & Hammond, 1999). È importante ressaltar que
nas famílias com elevados níveis de conflito ocorre também um menor envoh/imento parental,
resultando em uma diminuição no monitoramento sobre o comportamento do adolescente,
favorecendo desta maneira a sua associação com pares desviantes (Ary & cols., 1999).
Cli mj copjirgai negat ivo
C o m p o ria m 6 r ito s F ra q . 6 a ixo M é d io A Mo
a n ! i - $ ©ç í ai s % % % (g l = 4 )
H e $c ba cfa c a r a o s Nunca 35 ,5 23,9 9A 6 ,4 35
pais A s ve « s
5 e m pre
2 51 ,6 60,9 59,4
1 2 ,9 1 5 ,? 3 1 ,3
Tota 1 100 100 10 0
M e n 1i r Nunca 36 ,7 6 2 .2 34 . 4 6,481
Às vezfis 3 6 .7 41 ,3 40.6
S e m p r® 22 .6 6 .6 2 5,0
1 cia J 10 0 100 1 00
A m e a ç a r ou Nunca 6 4 ,5 73 ,9 56,3 3,113
i r tim id a r Ás vezes 25 ,6 1 9, 6 2 8,1
Sífnpré 9 .7 6,5 1 5,6
to ta l 1 OO 10 0 100
A q ced ti Nonca 45,2 4 3.5 37 .5 ,634
fig i ce m « n Le Às vazes 25 ,8 30,4 2 8, 1
S «m p r * 2 9 .0 2 6, 1 34 .4
T o ta l 100 1 00 1 00
£ o volve í* í ò ftu n c a 71 .0 71 .7 65 .6 3.787
b r i g a s da Às vezes »1? 15. 2 6 ,3
gzn^ufls S e m prs 1 9 ,4 13, 0 2 6, 1
Total 100 100 1 0O
M a ta r aula Nunca 64 .5 52,2 46 .8 2.4 5 9
À S Vf t Zf l S 9,7 15,2 12,5
S em pre 25 ,e 32 ,6 40 ,6
T ola l 100 100 100
Destruir N uoca 71 ,0 6 2 .6 65,6 5,674
p r o p r > »d s ti a ÀS 16.1 7 3, 0 1 2 ,5
S #n> p r© 1 2 ,9 4 .3 2 1,9
Total 1ÜÜ too 100
R o u b a r op fu rta r Nunca 87,1 84 .B 50.4 1 4 ,6 7 4 *
Á s VôZf l s 13.0 2 6. 1
S em p r â 1 2* 9 2,2 1 2 ,5
‘ T a l a l -fl 100 I fr O 10 0
* p<0 .05 ** p<0 .00 1
Tabela 10. Valores do teste quí-quadrado e percentuais para'as manifestações do comportamento
anti-social com relação significativa com dima conjugal negativo.

Sobre Comportamento eCofrtição 361


Gênero e Comportamentos anti-sociais
A análise revelou relações significativas entre gênero e o envolvimento em brigas
de gangues e a destruição de patrimônios, sendo que a freqüência de tais comportamentos
foi mais elevada no grupo de meninos que no grupo de meninas. O envolvimento em
brigas de gangue foi relatado por 39,7% dos meninos com alta ou média freqüência e
12,8% das meninas (xz=10,365, gl=2, p<0,01). Quanto ao comportamento de destruir
propriedades, 34,2% dos meninos e 14,9% das meninas relataram já tê-lo feito com
média ou alta frequência no último ano (x2=7,032, gi=2, p<0,05).
As diferenças de gênero em relação ao comportamento anti-social estão acordo
com outros estudos que indicam o aumento nos índices de comportamentos agressivos,
anti-sociais e delinqüentes entre os meninos, em comparação com as meninas (Lier &
cols., 2005; Keung, 2005; Kim, 2005).

Consumo de drogas e Comportamento anti-social


Observou-se uma relação fortemente significativa entre o consumo de drogas e o
aumento da freqüência das manifestações de comportamentos de mentir, ameaçar ou intimidar,
agredir fisicamente, envoiver-se em brigas de gangues, matar aula, destruir propriedade e
realizar furtos ou roubos, sendo que a única exceção foi desobedecer aos pais (p = 0,111).
A análise da relação entre consumo de drogas e comportamentos anti-sociais
confirmou os dados de outros estudos, os quais indicam uma forte relação entre esses
comportamentos (Bukstein, 2000; Reid & cols., 2002). Sabe-se que diversos fatores
contribuem tanto para o comportamento anti-social quanto para o consumo de drogas.
Ao verificar a literatura sobre o tema, encontra-se que, por diferentes processos, tanto o
uso de drogas pode contribuir para o desenvolvimento do comportamento anti-social
(Juárez & cols., 1998), quanto o comportamento anti-social pode contribuir para o
consumo de drogas (Adalbjarnardottir & col., 2002; Gómez, 2001).
C o n s u m o de d r o a a s
C o m po r ia m e n l os Fr sq. N u n ca £ s p oráò ic c F r e q ü a n te
an h - s o c l a i s % (<3. t , * 4 l
D e s o b e d a c e r ao s Nunca 26,0 25,0 6.8 7, 516
pa »5 À * v »7a s 5B. & SG, 0 61 . 6
S o m p re 1 3 ,4 25.0 29,4
T o ta I 100 100 1
00
M o nt i r Nunca 5'JA 26,5 ^ 2 .2 1 5 '
à 9 vezes 3 6 .6 75,0 4 4 .1
S e m p re 1 1 ,0 25.0 29,4
T ota I 10 0 1 00 100
A m e a ç a r ou Nurtca 79,3 1 0 0 ,o 29,4 26 ,708**
t nt i m idar À a ve za£ 14,6 5 D ,0
S e m p re fc J 20.6
fatal 100 1 00 10 0
A g ts dir N unca 53,7 25.0 1 7 .6 16 , 6 6 6 *
fis ic a n ente K S v e ia s 25.fi 50,0 26,4
Símpre 20,7 25,0 52 ,9
T ota 1 100 100 100
E n vo lva r-s © em Nunca 6 2,9 50,0 44,1 21 ,04 2 "
b r ig a s d e g m g ges Às v e ze s 8.5 25,0 \ 4 ,7
S e m p rô 6, 5 25.0 4 1 ,2
Total 100 100 100
M a t a r a u la Nunca 68 .3 75,0 20 ,6 3 1 ,30 0* *
À® v a z e s 12 . 2 25.0 0.6
S&mpre 10,5 7 0 .6
T Ota 1 100 100 100
D a s l r u Ir Nunca 87.6 25.0 44,1 30,1 09**
p r o p na d o d e Às ve ze s 6.1 S0, 0 23,5
S e m p r* 5, 1 25.0 3 2 ,4
Total 100 1 00 1 00
R o u b a r qu 1ü r t ar Nunca 95,1 50,0 32.4 57 .29 1 '*
ÀS v e z a a 3. 7 50,0 3 5 ,3
S e m p re 1,2 32,4
ToUi 100 10 0 100
‘ p < 0 ,05 ** p < Q ,00 1
Tabela 11. Valores do teste qul-quadrado e percentuais do comportamento anti-social com relação
significativa com consumo de drogas.

362 Lidia Nalalw Dobrianskyj Weber, Josaf* M o td ra da Cunha e Venkius Fernando Moura
Conclusões
O objetivo do presente estudo foi investigar os fatores de risco e de proteção,
em famílias de comunidade carente, para a manifestação de comportamentos anti­
sociais de adolescentes. Os resultados deste trabalho demonstram que as práticas
educativas e os demais aspectos da interação familiar percebidos pelos adolescentes
apresentaram , em sua maioria, relações significativas com a freqüência de
comportamentos anti-sociais relatados por eles.
Com exceção de comunicação negativa, foram observadas muitas relações
significativas entre as práticas educativas parentais e os comportamentos anti-sociais
relatados, e no caso das dimensões Modelo, Regras e Monitoria todas as relações
estabelecidas apresentaram diferenças estatisticamente significativas.
Os resultados deste trabalho indicam que quando adolescentes percebem
seus pais com uma qualidade da interação familiar positiva existe correlação negativa
com a emissão de comportamentos anti-sociais na adolescência.
Com base nos resultados, pode-se concluir que pais que demonstram afeto,
expressam apoio e participam da vida de seus filhos, estabelecem regras e supervisionam
o cumprimento das mesmas, reforçam o diálogo com os filhos, possuem uma relação
conjugal positiva e se apresentam como modelos morais adequados para os filhos
estão contribuindo para o desenvolvimento pró-social dos mesmos. A importância das
práticas educativas parentais positivas como protetores ao desenvolvimento do
comportamento anti-social é amplamente discutida na literatura (Dekovic & cols., 2003;
Patterson & cols., 1992; Reid & cols., 2002; Reppold & cols., 2002; Simons & cols., 1998;
Richards & cols., 2004). Em contrapartida, a falta dos aspectos supracitados aliada à
presença de um clima conjugal negativo e de punição corporal, estão relacionadas à
manifestação de comportamentos anti-sociais e agressividade na adolescência (Ferreira
& Marturano, 2002; Gershoff, 2002; Hart & cols., 1998; Maldonado & Williams, 2005;
Meneghel & cols., 1998; Silva & Hutz, 2002; Webster-Stratton & Hammond, 1999).
Foi observada uma forte correlação entre o consumo de drogas e diversos
comportamentos anti-sociais emitidos pelos adolescentes sendo que estes dois
comportamentos exercem forte influência recíproca (Adalbjamardottir & col., 2002; Gómez, 2001;
Juárez & cols., 1998) sendo que alguns comportamentos anti-sociais podem ser motivados
pela necessidade de consumir drogas, como no caso dos roubos e furtos (Bukstein, 2000).
Os adolescentes pesquisados constituem o que Patterson & cols. (1992)
denominaram como “amostra de risco", devido aos fatores de pobreza, violência e
crim inalidade presentes na comunidade em que vivem. Conforme já exposto
anteriormente, a situação socioeconômica desfavorável e viver em comunidades
violentas representam um fator de risco para a manifestação de comportamentos anti­
sociais (Dodge & cols., 1994; Teixeira, 2005), o que tornam essas áreas pouco
adequadas para um desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes (Silva
& Hutz, 2002). Levando-se em conta essas considerações e com base nos resultados
deste trabalho, pode-se inferir que o contexto socioeconômíco exerce forte influência,
mas não é um determinante do comportamento anti-social ou delinqüente.
Destaca-se a importância dos pais, que podem atuar tanto como um fator de
proteção para os filhos, sobrepondo-se às influências de um meio hostil ou violento em que
os adolescentes vivem, e também como fator de risco, contribuindo para o desenvolvimento
de repertórios anti-sociais nos seus filhos. Com isto em vista, ressalta-se a necessidade
de elaborar e difundir programas comurfitários de intervenção, com a finalidade de instruir
os pais acerca das práticas educativas mais adequadas (Marinho, 1999; Marinho & Caballo,
2002; Weber, Salvador & Brandenburg, 2005). Deste modo será possível prevenir e reduzir

Sobre C om puriam eitor Cognição 363


diversos problemas de comportamento dentre os quais o comportamento anti-social,
favorecendo o desenvolvimento de comportamentos pró-socíais e promovendo relações
familiares marcadas carinho e comprometimento entre seus membros.

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Sobfc Comportamento t Cogm çio


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Sobre Comportamento e Cogniç3o


Capítulo 34
Desempenho acadêmico:
como os país podem ajudar?1
Ana Paula Víezzer Salvador
Instituição de Ensino Superior S an fA n a
Lídia Natalía Dobrianskyj Weber
Universidade Federal do Paraná

A criança está inserida no contexto familiar e escolar, onde ela deve desempenhar
diversos papéis, que são, por vezes, conflitantes (Marturano, 1999). Por um lado, tem-se a
família (especialmente os pais) como agente primário do desenvolvimento infantil, responsável
em transmitir as primeiras informações, crenças, valores e interpretações sobre o mundo
{Polonia & Dessen, 2005). Para estas autoras, um dos principais papéis da família é o de
socialização da criança, induindo-a no mundo cultural, através do ensino da língua matema e
de regras de convivência em grupo. Por outro lado, tem-se a escola, que também contribui
para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, mais especificamente no que diz respeito
à aquisição do saber culturalmente organizado (Polonia & Dessen, 2005). Para a escola tem
se dado bastante valor, pois com a mudança recente na organização das atividades familiares,
a criança se insere neste contexto cada vez mais cedo, sendo a escola outro importante
ambiente socializador (Lipp, Arantes, Buriti & Witzig, 2002). Porém, é no ambiente familiar e na
relação com os pais, que a criança encontra a principal fonte de recursos para lidar com os
desafios do processo de integração e adaptação à escola (Marturano, 1999). Por isso, a
relação pais-filhos constitui a base referencial para o desenvolvimento global do indivíduo,
enfatizando-se, assim, a importância de estudos sobre esse assunto.
Sendo assim, no presente trabalho pretendeu-se explorar, por um lado, as práticas
educativas parentais, que correspondem a estratégias utilizadas pelos pais para atingir objetivos
específicos em relação a seus filhos, ou seja, são estratégias com o objetivo de suprimir
comportamentos considerados inadequados ou de incentivar a ocorrência de comportamentos
adequados (Alvarenga, 2001). E, por outro lado, o desempenho acadêmico que, como afirmam
Loureiro e Sanches (2006, p.7Q), “constitui um importante indicador de recursos de adaptação
da criança às demandas específicas da idade escolar". Portanto, o objetivo foi o de verificar o que
a literatura sobre o assunto, bem como dados empíricos, tem a nos dizer sobre a relação entre
as práticas educativas parentais e o desempenho académico dos filhos.
1 O presente trabalho apresenta dados parciais da dissertação de mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda autora (Mestrado
do Programa de Pôs-Graduaçôoem Educação da UFPR).
- 1ESSA - Rua Pinheiro Machado. 189,84010-310, Ponte GrossaíPR, anuip.77Pnqivetioo.eofn .br
-UFPR-Praça Santos Andrade, 50,1‘andar, 80060-000, Curitiba/Pft_ Hdia(S)LffDr.br

368 Ana Paula VieMer Salvador e Ltdia Natal ia Dobriatwkyj W ebw


1. À família e o desempenho acadêmico: o que a literatura tem a nos dizer?
Inúmeras são as atitudes dos pais que podem levar a diversas conseqüências
para o desenvolvimento dos filhos, tanto para a promoção de competências e habilidades
adaptativãs, como também para o desenvolvimento e manutenção de problemas como
depressão e ansiedade, problemas de ajustamento social, comportamentos anti-socia.is,
delinqüência e abuso de substâncias. Porém, o foco do presente trabalho é na relação
entre as práticas parentais e desempenho acadêmico especificamente. Por serem
bastante numerosas, as pesquisas sobre este tema serão apresentadas em tabelas
(divididas por décadas), para facilitar a visualização e organização de seus achados.
Nas Tabelas 1, 2 e 3 pode-se observar a grande quantidade de pesquisas internacionais
sobre o assunto, publicadas desde a década de 80 até o período atual. Na Tabela 1
estão apresentadas as pesquisas publicadas na década de 80.
>no Autoríes) Prinrinais conclusões
987 Dornbusch, Os dacios indicaram correlações e n te estilos parentais c notas escolares. Verificou-se que
Htter, os estios autoritário e permissivo foram associados a notas mais baixas, enquanto que o
Leidorman, estilo autontativo a notas mais aias. A relação negativa entre notas e o estilo autoritário foi a
Roberts & relação mais forte ao comparar com os outros estilos. Atém disso, os estios parentais (oram
Frafeigh melhores preditores de nota em estudantes brancos.
967 Fehrmann, Constatou-se um importante e positivo efeito dreto do envol\imento parental nas notas de
Keith & adolescentes. Midonafriente, o envolvimento parental também levou a um aumento do
Reimers tempo gasta oom ta-efas de casa que, por sua vez, esteve relacionado com melhores notas.
987 Stevenson & Os autores verificaram que o nível de escolaridade da mãe esteve relacionado ao grau de
Baker envolvimento parental e este, por sua vez, aodesempentw acadêmico da criança, ou seja,
mães com maior nivel de escolaridade são mais envolvidas com seus filhos e estes
apresentam melhor desempenho. E, ainda, os pais tendem a ser mais envolvidos nas
atividades escolares se as crianças forem mais novas.
988 Bra de y, Em estudo longitudinal, foi observado que pais que preparam suas crianças a serem
Caldwell & envolvidas numa batalha de enriquecimente socid e cultural durante os primeiros anos, Êm
Rock crianças que apresentam melhor performance em testes de desempenho e dassificadas
como sendo mais orierVadase ajustadas pelos professores. Os pais podem ftincionar como
mediadores que ajudam suas crianças a usar os recursos do ambiente.
Steinberg, Estio parental autoritati/o faatita o sucesso acadêmico de adolescentes, sendo que cada
Elmert & componente deste esflo (aceitação, autonomia psicológica e controle comportamental)
Mounts apresentou forte contribuição. Além disso, o impacto deste estilo foi mediado pelo
desenvolvimento de um senso de autonomia saudável e de adequada orientação psicológica
para o trabalho.

Tabela 1: Estudos internacionais, publicados na década de 80, sobre interação familiar e


desempenho acadêmico dos filhos

Os estudos apresentados na Tabela 1 demonstram que alguns anos depois


da emergência do saber científico sobre as relações entre pais e filhos, proposto pelos
estudos de Baumrind (1966,1967,1971a, 1971b) e de Maccobye Martin (1983), começou
a haver o interesse científico sobre a forma como a interação entre pais e filhos poderia
influenciar o desempenho das crianças e adolescentes na escola. Pode-se observar
que, já na década de 80, alguns pesquisadores começaram a apontar o estilo parental
autoritativo como facilitador do bom desempenho escolar e do sucesso acadêmico
(Dornbusch & cols., 1987; Steinberg & cols., 1989). Outras pesquisas também começaram
a ressaltar a importância do envolvimento parental para o sucesso acadêmico dos
filhos (Fehrmann & cols,, 1987; Stevenson & Baker, 1987).
Na Tabela 2 estão apresentadas as pesquisas publicadas na década de 90.
As pesquisas publicadas na década de 90, apresentadas na Tabela 2, apontam
para quatro principais fatores familiares associados ao desempenho acadêmico dos filhos:
estilos parentais, envolvimento parental, uso de coerção e punição (incluindo maus-tratos)
e o uso de controle exagerado. As pesquisas sobre estilos parentais apontam todas no

Sobre Comportamtnlo < Cognição


mesmo sentido, sendo o estilo autoritativo (e em algumas pesquisas também o permissivo)
sempre associado ao melhor desempenho, enquanto que os estilos autoritário e negJ/gente
são associados ao baixo desempenho (Glasgow & cots., 1997; Steinberg & cols., 1992;
Steinberg & coís., 1994; Taylor & cols., 1995; Weiss & Schwarz, 1996). São numerosas as
pesquisas que ressaftam a importância do envolvimento parental para o sucesso acadêmico
(Beyer, 1995; Grolnick & Slowiaczek, 1994; Míedel & Reynolds, 1999; Pettit & cols., 1997;
Reynolds & cols., 1996; Steinberg & coís., 1992), assim como também são numerosas
aquelas que encontraram associação entre baixo desempenho e uso de coerção e punição
por parte dos pais, incfus/ve os maus-tratos (Eckenrode & cols., 1993; Feldman & Wentzel,
1990; Ginsburg & Bronstein, 1993; Kendail-Tackett & Eckenrode, 1996; Pettit & cols., 1997;
Repetti, 1996; Solomon & Serres, 1999). Há também alguns autores que verificaram que o
controle excessivo dos país pode ter um efeito negativo sobre o desempenho dos filhos
(Campbell & Mandei, 1990; Ginsburg & Bronstein, 1993; Kurdek & cols., 1995).

>no Autones) Prindoais conclusões


990 Campbell & A combinação de alguns fatores parentais (baixos níveis do ajuda, pressão e
Mandei monitoramento, juntamente com aios níveis de SLporte psicológico) eáeve associada sos
maiores níveis de ctesempenfto dos filhos em matemática.
990 Feldman & Cerrelações demonstraram que fornias apropriadas de controle parental foram
Wenlzel positivamente relacionadas ao desempenho acadêmico dos filhos, enquanto que a
hostilidade parental foi negativamente relacionada ao desempenho.
992 Duboisfet- Fa verificado, neste estudo longitudnal, que variáveis de suporte familiar conlribuíiam
rter, Brand, significativamente na predçáo d e subseqüente estresse psicológico, e este, por sua vez,
Adan A apresentou contribuição significativa na predição d e subseqüente desempenho acadêmico
Evans
992 Steinberg, Constatou-se que o estilo parental autoritativo esteve associado com metior desempenho
Lambcrn, acadêmico e com maior engajamento escol ar. Entrctanb, o positivo efeito do estilo parental
Dombusch & nos resultados acadêmicos foi mediado por envolvimento parental cm atividades escolares e
Darling por encorajamento paa o sucesso Esta mediação^ perém, ocorre com fithos de pais
autoritativos, o que mostra que o envolvimento parentat ajuda na promoção de sucesso
acadêmico quando ocareem um contexto de ambiente familiar autoritativo.
363 Eckenrode, Crianças que sofreram maus-lratos apresentaram desempe/tio acadêmico
Laird & Doris significativamente mais baixo que as crianças que não sofreram maus-tratos. Os
autores discutem que estes dados demonstram que o abuso (físico ou sexuá) e a
negligência são fatores de risco ligados ao desempenho pobre, repetição de ano e
problemas discipinares. Os auteres também verificaram que a negligência, sozinha ou
combinada com o abuso, foi associada ao mais baixo nívd de desempenho acadêmico
entre as crianças que sofreram algum tipo de mau-trato, demonstrando que a
negligência tem maior influência sobre o desempenho na escola do que o abuso.
993 Ginsburg & Os dados mostram que atitudes parentais de controle do oomportamento, através de criticas
Bronstein e punição, ou de não envolvimento, estiveram associadas a desempenho acadêmico mais
pobre. A vigilância parental das tarefes escolares dos filhos também esteve negativamente
associada ao desempenho, pois ela caracteriza um controle e>agerado. Além dsso,
crianças de pois com maior nivel óe tócus cte controle externo apresentaram-se menos
motivadas, persistentes e satideitas com os trabüihos escota res, e com desempenho mais
pobre. Isto perque pás com esta característica, que acredftam que os resultados são
gwemados por forças extern® e desconhecidas, podem falhar ao ensinar suas crianças
sobre a importante rdaçâo entre o comportamento e suas conseqüências. Rlhos de pais
que apresentam negras inconsistentes e sem clareza ou que são autoritários, também se
apresentam menos motva dos, persistentes e satisfeitos.
934 Gottfned, Neste estudo longtudnal, veriftcoti-se que práticas motivacionais d cs pais apresentaram
Fleming & signiScativos efeitos, porém indrebs, na siijseqüerte motivação e desempenho acadêmico
Gottfned das crianças. Constatou-se que o encorajamento de motivação intrínseca e (brnecimento de
atividades em casa e ajuda à criança quando ela tem dficiidades (task endogeny)
apresentou efeitos positi/os; enquanto o uso óe conseqüências extrínsecas, como
recompensas e punições, (task-ertrinsicconsequences) apresentou efctos negatwos.
994 Grolnick& As autoras piopuseram o concefto de envdvinento parental dividido em 3 dimensões
Slowiaczek comporEmentai {através de seu comportamento em relação à escola), pessoal (através da
percepção da crònça de sua disponbBdade pessoal e afetwa) e intelectual (exposção de
atividades Intelectuais à criança). VedScou-se que ewsfem indiretas associações ertre as
dimensões de envdvimento paw itd (comportamental e intelectual) e desempenho acadêmico
das crianças, relação esta mediada por percepção de competência e compreensão cb controb
por parte da criança

370 Ana Pauta Viezzer Salvador t Ltdia Naialia Dobtianskyj Wtber


994 Steinóerg & O estudo fongitudinal mostrou evidências da cor redação entre autoconceito acadêmico de
cols. adolescentes e os estilos parentais, sendo que flhos de pae autoritativcs e permissivos
apresentaram maior autoconceito acadêmico.
995 Bejer Em uma exterea rewsso do literatura, a autora verfiaou que a ocupação (emprego) da mãe tem
efetos tndretns sobre o desempenho acadêmico dos filhos. Ta! efeito é moderado por variáveis
relacionadas ao trabalho (carga horária semanal, tensão e satisfação no desempenho de seu
papel, estabilidade de normas do emprego, qudidade e dsponibiMade de ciidnr das crianças),
por variáveÉ relacionadas à família (gênero da criarça e comportamento paterno), e, ainda, por
variáveis demo^áficas (status soaoecanòmin>, educação e tamanho da fcimília). A autora
também discite que [aí efeito õ mediado petos estilos parentais (afeíviJado, envolvime rto atwo,
engajamento nas atividades da crença, suporte à autonomia, monloramento adequado,
expectativas reas sobre as habilidades da criança e enoorajamento). Estes comportamentos
parentais promovem maior percepção dc competência e motivação na criança, o que po r sua vez
leva ao melhor desempenho acadêmico.
995 Kurdek, Rne Adolescentes que passaram pela experiência de transição na eSrutura farntliar (divórcio,
& Sinclair padrasto^riadr as ta) apresentaram desempenho acadêmico inferior do que aqueles que não
passaram por tal experiência. Além disso, cs primeiros perceberam om seus pais menor
nivel de supervisão, aceitação e concessão de autonomia e maicr nível de oonflitos. O
mdhor desempenho também fã associado a moderados níveis de supervisão (nem alto,
nem baixo).
995 Taykx, As análises demonstraram que o envolvimento parental, responsi/idade e exigência foram
Hirtton & significativos predttores de resultados acadêmicos oom arianças e adolosoertes. Verificou-se que
Wilson estudantes com pais autoritários enegfcjentes apresentaram menores ndas na escnla, enquanto
que filias dc pais autoritativos e permissivos apresentaram meti ores notas, sendo que fitios de
pais permissivos apresentaram notas inferiores aos de pais autoritativos.
996 Goldberg, Mães com maior carga horária semanal de trabalho apresentaram filhos com notas mais
Greenberger baixas e com hábitos de trabalho, resiliência e adaptação em sala de aula mais pobres. Por
& Nagel outro lado, este impado pode ser diminuído através da motivação da mãe para o trabalho,
uma vez que mães mais motivadas oferecem maior suporte para o esforço de desempenho
de suas enanças, ou seja, oferecem maior qualidade de feedback, orientação e suporte
emodonat para seus filhos.
996 Kendall- Os resutados demonstraram que crianças negifgen dadas, quando comparadas a criarrças que
Tackett & não sofreram maus-tratos, apresentaram performance mais pobre, notas mais baixas, maior
Eckenrode número de suspensões, mais chamadas de atenção o mais reprovações. A combinação de
negligência e abuso, (isco ou sexual, apresentou forte efeito no número de reprovações.
996 O Sultivan & Atribução de causalidade dos pais para o desempenho em leitura de seus filhos esteve fortemente
Howe relacionado com a atribuição de cajsalid«dede seus flhos. A atribuição de causafcJade adaptafiva
da criança foi associada oom alto desempenho, ou seja, alunos ccm bom efesempenho em leitora
enfatizaram a conbibução de suas próprias habildades e gosto pela leitura como determinantes de
seu bom desempenho, e os alunos com baixo desempenho enfaizaram variáveis externas, oomo
sorte c ajuda em casa. oomo faores contribuintes para seu desempenho.
996 Repeti Verificou-se que crianças que apresentaram maior quantidade de experiências d e fracasso
na escola descreveram a interação com seus pais como sendo mais aversiva, com maior
uso de desaprovação e punição.
996 Reynolds, Em estudo longitudinal com crianças de riaixo status sodoeconômioo, foi verificado que a
Mavrogenes, participação de tais crianças em programa pré-esoolar foi dretameote associado com subseqüente
Bezruczko & a io desempenho académico e baixa inddénda de reprovações. E, ainda, farilüade cognitiva das
Hagemann crianças e envofc/imento parental foram mediadores signficatwos neste jrocesso O en\dvh*ento
parental em C id a d e s escolares foi considerada como uma manifestação do nvestrnento dos pais
na educação e desenvo Vrnento da criança.
996 Weiss & Jovens que apresentaram melhor desempenho académico eram flhos de pais autoritativos e
Schwarz não-díretivos (nondredive). Estes auto es utilizaram esto terminologia para definir pais que
exercem firme controle, disciplina consistente, com atos níwis de suporte e afetivVlade
(autortteth/o) e pais com altes níveis de suporte e descuidado quanto â disciplina, também
chamados de permissivos (não-diretrvos) E os pvens que apresentaram pior desanpenho eram
filhos de pais autoritários-diretivos e não-com promésados (unengagedfc sendo que 06 primeiros
foram definidos como pais que exercem controla Srcne e intrusivo (autoríários-dtretivos) e os
outros definidos oomo país negligentes, com expressãode rejeição (não-compromissados).
997 Glasgow, Os dados revelaram uma correlação sjgnificdwa e positiva entie resutados acadêmcos
Dombusch, (enwolvimenío nos trabalhos de classe, nas Ições de casa, notas a expectativas educacionais) e
Troyer, estio parental aUodtadvo, e conefeçôo negativa entre os meamos resutados académfcos e astib
SleinbergS parental negligente. Aíém disso, fihos de país não-aiiortaíwjft (autoritários, indulgentes e
Ritler negligentes) aprese rtaram maior nfvel de atribuições disfuridonais para sucesso ou fracasso
acadêmico, ou seja, n&o apresentam a \isflo de que seu próprio desempenho é prodtio de suas
próptias capacidades e peretstênda. Sendo asshi, os autores consideraram o estito de atribuição
como um fator me dador da relação entie estilos parenbis e resutados acad6mico6, nâo negando
os efeitos diretos dos « tio s parentais, pois tanto os esllos porentafe como os de atribuição
oonttouitam na prediçSo dos resultados acadêrrtcos.

Sob« Comportamento e Cqgniçào 371


997 PBffíl & cols. Aios níveis de suporte parertal, caracterizado por afetividade, ensim pró-aíw, cfeapJra nduíva e
envolvimento posjíw, e battcs niveís d© diseipína severa foram fortes preditores de cfesempenho
acadêmico de crianças. AJém disso, a combinação de anvcimento e discussá) cakna (calm
dacussíon} também tofam p-ectiores de desempenho, prtvawslmente por promwer o
desenvolvimento de €íeivas soliçces de proüem®.
M ied el S Neste estudo longitudinal, verificou-se que maior nível de envoivjnento parental nas
Rsynotds atividades oferecidas pela pré-escola ou jardim de infância esteve significativamente
associado a um melhor desempenho em leitura subsequente e menor índbede reprovação,
999 Seefeídt, Veilfícou-SB que o nível educacional dos pais esteve relacionado significaívamente com auto-
Denton, eficácia parental, eesta foi predlora significativa de habiIdades acadêmicas da criança.
Gaf>W&
Younoszai
999 Solomon & Os autores discutiram as diferenças entre agressão física e verbal, e procuraram de mo retrar que
Serres a agressão verbal sozinha esteve associada com menores notas on francês (estudo realizado no
Canadá) e menor auto-estlma Portanto, conduíram que agressão verbal, mesmo quando
separada da agressão física, pode contribur para um menor desempenhe acadêmico e menor
auto-estima da enança.

Tabela 2: Estudos internacionais, publicados na década de 90, sobre interação familiar e


desempenho académico dos filhos

Na Tabela 3 estão apresentadas as pesquisas publicadas a partir do ano 2000.


.no Autones) Principais conclusões
0U0 Aunota, Verifioou-se que fihos de pais auteritativos iiilizavam com mais freqüência ffitratéges adaptatwas
Stattin & de desempenho e de orientação à tareia, enquarto que fidos de pais neg(gentes empregavam
Nurmi mais estratégias não adaptatoas, de esquiva & ferefa. Os autores sugerem que a associação entre
esatos parentais e dexenjwnho acadêmico ds adofescertes pode ser mediada peias estratégias de
desempenho e atribuçõesdecausaidade que OS adolescentes empregam na escote.
000 Cnoper, Neste es tudo foram constíerados os estilos parentais frente ás tarefes escolares de seus filhos, e
Lindsay& observo li- se que o suporle parental para a autonomia esieve posiívameníe relacionado com o
Nye desempenho académico dos filhos, enquanto que o envolvimento parental direto, mesmo que
apmpnado, esteve negatvamente assodado aos resu lados académicos. Os autores discutem a
questão da direção causal, sendo que não é possível discern r se o envolvimento causa
desempenho, se o desempenho causa o envoMmento ou, anda, se um terceiro fator poderé
causar os dois. Mas para os autores, nSo seria razoável sugerir que aios níveé de envolvimento
parental sejam causa de desempenho pobre, mas sim que os pais que percebem um
desempenho mais pobre de scle filhos passam a agir de forma mais envolvida para ajudá-fos.
ooo Hickman, Verificou-se que esílo parental autontativo e auto-estima foram agnifcatwos predlores de
Barthoíomae ajustamento scadêmico em alunos uiiveísitários (calouros) do curso de Psicologia. Porém, os
& Mckenry resultados não suportaram a hipótese de que os dferentes estilos parentais estariam
relacò nados ao desempenho académico (avaliado por notas).
000 Lôpez, Parro Os autores constataram que o controle com porta mental exercido pelos pais prediz positivamente
& Linares a tio ta escolar, expectativa de nda e a motivação intrínseca do aluno. Verificou-se tarrbém qi£
quando os pais exercem coníole com portamental, OS filhos tendem a conhecer os fatores dos
quais dependem seus resulados; por oufro lado, se os pais exercem controle psicobgico ou
excessivo, o desconhecime nto destas fontes de controle por parte d a criança é maior.
001 Esta meta-análise ravetou uma relação, de pequena a moderada, entre envolvimento paieníal e
desempenho académico. Verificou-se também que aspiração e expectativa parental sobre o
desempenho da criança apresentou forte relação com o desempenho acadêmico, enquanto que
supervisão parental em casa apresentou fraca relação com o desempenho. Os dados revelaram
que tal relação é mais forte quando o desempenho acadêmico é representado por um hdtcador
global (como média de todas as notas) ao n\és de um indicador especifico (como uma nota
isoladamente).
001 Pesquisa realizada com mães de crianças p'é-es colares veritioou que fato es como acelação
maternal, envot/imento, valores educacionas, expectatf/as em relação às notas e ocupação futura,
bem como ba«os níveis de coriroie hosll e decplína hconsistente, estiveram reladonados com
melhor rendimento esedardas crianças.
D02 Gonzàlez- Filhos que percebem maior comportamento auto-re guiado de seus pais obtém um maior
Pienda & rendmento nas diferentes áreas scadêmkas Porém esla relação não é direta, sendo que o
cols. comportamento aulo-regufado dos pais, especialmente nas categorias "modelação* (pais que
mostram motivação para aprender. fixam objetives a serem alcançados, ulltzam estratégias de
trabalho e re^sam e ajustam seu próprio comportamento) e “esSmutação’ (edimulação para a
persistência frente ao fracasso), influencia o autoconceito geral e acadêmico dos flhos, e o
autoconceito, por sua vez, apresenta grande incidência sobre o desempenho académico.
002 Juang & As anélses sugerem que pais que demonstram mais afetividade, engajados em mais
Silberelsen discussões sobre assuntos Intelectuais e acadêmicos, com maior aspiração escolar para
seus filhos e com mas interesse e envolvimento nas atividades escolares de seus filhos,
tinham adolescentes com maior crença de competência o que, por sua vez. estava
relacionado a melhores notas escolares.

372 Ana Pauta Viezier Salvador e Lidia Natalia Dobriânskyj Weber


M arönez- Incentivo pareniai para a atflb-r&gulaçao {cpmpostg pelas categorias: m odelaçao, estim ulação,
Puns faditação k reforçamento) prediz com portam ento auto-regulado dos fih os e. este, por sua vez,
prediz m e lio r desempenho acadêm co. fcto ridica que ó impacto sociaf dos pais na realização
acadêmica dos filhos é me dedo pelo uso de processos auto règulatórios da aprendizagem e
performance na escola por parte das crianças.
Midg eit & Os autores verfficâram que a titu d es d e p re ssão parental foram n e g a tiva m e n te a sso cia d a s
cols. com n/veis d^e èf/cScte in tele ctua l, e sfo rço e d ese m p e n h o a cadêm ico.
Bruyn, A titudes paren tais, com o co ntro le p o sitivo , o rg an iza ção e pouca e xigê n cia de m a tu rid a d e ,
Dekovic & apresentaram influência sobre o su cesso e sco la r. Porém ta l rela ção foi m e d iad a por dois
Meijne n fatores: com portam érrtó em safa de aula e o hentaçào a o b je tivo s.
Pefegrma & A percepçáo das criàh ças d e alio níve l d e aceitação e e n vo lvim w n lti parental foi a s s o cia d a a
cofs. sua m e lh o r p erform ance e p e rc e p ç á o d e c o m p e lô n cia acad êm ica
Slrig ht & Pais com a to s nlvers de refeição do esforço de so tiç â o de problemas de suas crianças tinham
Ne it?ei filhos com notas mais baixas em leitura e m atem átca. fc= pais com bom suporte co parental (boa
quaJüadç na tnteráçào conjugal) tinham crianças com notas m ais a las.
004 Ba cete & V erfiuju-se que, em famítas com status so co e co n ô m co médio e baixo a hablrdade ir te ltth ja l
Rod riguez das crianças foi forte p re dio r de seu desempenho académàuo. Enquanto que em fam ílias de sfâu s
socioeconómco alto, a habilidade intelectual e o indice de envoh/inenfrj parental (ooníato e
com uncação com professores, participação na escob e envo^rm ento em casa) fnrsrri. juntos,
predtores do desem penho das crianças.
Dearin g ' P ráticas parentais de restrição foram n eg ativa m e n te a ssocia d as com d ese m p e n h o
académ ico e positiva m e n te associa d as â dep re ssão ; e n q u a n to q ue p rá tica s de su p o rte
parenta! furam positkra m ente rela cio na da s com d ese m p en h o.
3 04 N g, K enney Este estudo dem onstrou o efeito do uso de controle da ma« e respostas d e suporte para a
B enso n & autonomia no desem penho das crianças, s e n d o que respostas de controle predizem
Pom era ntz d ecréscino no desem penho, e nquanto que as de suporte para a autonom ia p redizem m e h ora
no desem pen ho. Es la retação fo i m ais forie para crian ças que tiih a m bai* o d esertip enlin .
S uppiee, C a ra c te ré tic a s m a te rn a s, com o instrução de e s tra té g ia s e e n g a ja m e n to co g n itivo ativo,
Shaw, mediaram a relação e ntre in te lig ê n cia m a terna l e c o m p o rta m e n to s a ca d ê m ico s de se us
Ha Hs tones & filhos. Além disso, tais ca ra cte rística s m a terna s tam bém m od era ra m os efeitos do níve l
Hartm an e ducacional da m ãe nos co m p o rta m e n to s a ca d ê m ico s d o s fifrios Os a u to re s d e fe n d e m que
estas cara cte rística s m aternas se associam com su cesso a ca d ê m ico p or fa c í t ia r os
processos d e solução d e p roblem as das criança s e coop era çâ o co m pares e adu Itos.
Wan b V erificaram -se quatro indicad o res fam iliares a ssocia d os com m e lh o r d e se m p e n h o em
m atem ática: e xp e ctativa s de su cesso da mãe, n lv e l e d u ca cio n a l d os p a is . p re se n ça de
ajuda nos e stu d os e viv e r com pais e m fies b io ló g ico s. P o r o utro la do . ve rific a ra m -s e
indicadores a ssocia d os a o baixo d ese m p en h o: te m p o e x tra c u rric u la r gasto e m ou ia s
atividades, com o te le visã o ; e e stu d an tes que faltam â esco la.
Ducti fisne, Em estudo longitudinal, ve rifco u -se q ue alto nível de fu n cio na m e n to a c a d é m ic o em
L a ro s e , adolescentes estava associado aos seguintes fatores fam iliares cre sce r em fam ília estrutu ra da
Guay. Vita ro (biparentat), ter mãe com elevado nlvel edu cacion a l, presença de clim a em o cion a l p o s itv o
& Trem blay entre a mãe e sue criança. P or outro la do , o baixo nível de fun cio na m e n to a cadêm ioo estava
associado à ausência (ou pequena quantidade) destes fatores fam iliares.
Jeynes O autor realizou u m a m e ts-a n á lisa sobre os efeitos do e n vo lvim e n to p a re n ta l nos re s u lta d o s
acadêm icos dos filh os Seus dados in dicaram co n sid e rá vel e c o n siste n te re la ção entre o
envolvim ento parental e o d e se m p en h o a ca d ê m ico d e e stu d a n te s e, a in d a , q u e estes
resultados tra nsce n de m em g rande parte d ife re n ç a s de raça, g ê n e ro e statu s
socioe conôm ico C o m p o n e n te s e spe cíficos do e n vo lvim e n to paren tal, co m o e xp e cta tiva s de
sucesso e estilos p a ren tais, podem e sta b ele ce r uma a tm osfe ra que co n trib u i para o m e h o r
desem pen ho
D05 Jones & Uma nevÉSo de Iteratura levantou e vdê nd a s que sugerem que a auto-eficáca dos pais tem impacto
Prinz direto e hdiieto (ve práticas parentais) no desempenho académico de adolescentes. A auto-efcácia
dos pais as soda-se a crenças parentais ou da criança, ou a outros comportamentos parentais, que por
sua vez relacionam-se ao desempenho.
Mc bride, Verificou-se que o perfil d e envolvim ento pate rn al em atividades escolares m e d iou a relação
Sc hoppe- entre o nivet de recursos o ferecidos pela escola , co m u nid a de e fa m d a com os re su lta d o s
S u liv a n & acadêm icos da criança E a percepção d e obstáculos fam lia re s para o e nvo lvim en to paternal
Ho foi negatw am ente relacionada com o d esem penho.
O yserm an, Problem as d e sa úd e m ental da m ãe (com o tra nsto rn os afetivos, transtorno b ip o la r e
B ybee, esquizofrenia) foram significativam ente associados a atitudes parentais de p e rm lsslvid a d e .
M o w b ra y £ feita de confiança e hostiId ad e verbal. E sta s atitudes parentais, por sua vez, estiveram
Ha rt- relacionadas a um pior resulta do a ca dêm ico d e s e u s filhos a d o le sce n te s.
Joh nscn
SuKon & Estudantes com m ais recursos e d u cad o na b em casa apresentaram m elhor d esem penho em
Ja w a h ir matemática do que aqueles com poucos reeuisos, ou seja, v e rfio o u -w fo rte relação p o s liv a entre
desempenho e recursos do ambiente familiar, inctuindo m ntarfats' de te lu ra e m a b r nlvel
educacbnal dos pais. Pais com m enor nível educackm d, freqüentem ente são menos hábeis em
assisSr o estudo de su as cranças,
3Ü5~ feutm an Adolescen tes cu jos pais a dotaram obje tivo s de d e se m p e n h o (mastery goals). tive ra m rnelhõr
d esem penho e m o tiva ção ^etn m atem ática do q u e a qu eles com pais q u e n ão adotaram
objetivos d e dese m p en h o.

Tabela 3: Estudos internacionais, publicados a partir do ano 2000, sobra interação familiar e
desempenho acadêmico dos filhos

Sobre Comportamento eC ojniçâo


As pesquisas apresentadas na Tabela 3 também apontam os mesmos quatro fatores
familiares associados ao desempenho acadêmico dos filhos, já apresentados e discutidos
anteriormente na Tabela 2: estilos parentais, envolvimento parental, uso de coerção e punição
e o uso de controle exagerado. A partir do ano 2000, as pesquisas que investigam estilos
parentais foram menos freqüentes, entretanto apontam resultados similares àqueles
encontrados na década anterior, de que o estilo autoritativo é pneditor de sucesso acadêmico
(Aunola & cols., 2000; Hickman & cols., 2000). Já os estudos que ressaltam a importância
do envolvimento parental para o bom desempenho acadêmico continuaram tão freqüentes
quanto na década anterior (Bacete & Rodríguez, 2004; Fan & Chen, 2001; Hill, 2001; Jeynes,
2005; Juang & Silbereisen, 2002; McBride & cols., 2005; Pelegrina & cols., 2003). E também,
nesta década, repetem-se resultados de que o uso de coerção e punição (Dearing, 2004;
Hill, 2001; Oyserman & cols., 2005) e de controle excessivo (Mídgett & cols., 2002; Ng & cols.,
2004) são prejudiciais ao desempenho acadêmico dos filhos.
Esta grande variedade de pesquisas, realizadas desde a década de 80, apontam
para uma direção em comum que, em linhas gerais, inclui muito envolvimento e pouca
coerção. Pôde-se verificar que o envolvimento parental foi o fator mais discutido pela
literatura, sendo que 28,3% das pesquisas, apresentadas nas Tabelas 1, 2 e 3, ressaltou
a sua importância para o sucesso acadêmico.
O envolvimento parental com a criança e com suas atividades (escolares ou não),
parece ser o fator familiar de maior importância para a obtenção de bons resultados
acadêmicos. Jeynes (2005), em sua meta-análise apresentada na Tabela 3, definiu o
envolvimento parental como sendo a participação no processo educacional e nas experiências
de suas crianças. Conceito bastante amplo que, segundo os resultados encontrados por
este autor, pode incluir comunicação sobre as atividades escolares, a ajuda e supervisão nas
tarefas de casa, expectativas parentais sobre o desempenho do filho, leitura com as crianças,
assistência e participação em reuniões escolares. Para Soares, Souza e Marinho (2004,
p.255), “o envolvimento dos pais na vida acadêmica dos filhos é um aspecto que deve ser
incentivado porque pode promover condições favorecedoras para a aprendizagem”.
Além do envolvimento parental, outros aspectos foram apontados pelas pesquisas
como fatores associados ao bom desempenho acadêmico, como; nível de escolaridade
dos pais, auto-eficácia parental, comportamento auto-regulado dos pais, suporte co-parental,
expectativas de sucesso acadêmico para os filhos, suporte psicológico/emocional,
afetividade, concessão e suporte para a autonomia, uso de controle comportamenta!
adequado e um nível de recursos no ambiente familiar (brinquedos, livros etc).
Pôde-se verificar, também, que o segundo fator mais apontado pelas pesquisas
(18,9% daquelas apresentadas nas Tabelas 1, 2 e 3) foi o uso da coerção, hostilidade,
punições e maus-tratos. Soares e cols. (2004) alertam para o fato de que o uso de
castigos relacionados a questões acadêmicas pode contribuir para a falta de interesse
pela escola e assuntos referentes a ela e, portanto, a criança pode apresentar
comportamentos como; falta de interesse em fazer lições de casa, não prestar atenção
nas aulas e até mesmo simular doenças para faltar às aulas. Para Hübner (1999), os
efeitos da coerção são alarmantes numa área em que se quer ensinar algo e não eliminar,
levando ao branco nas provas, desligamento e desistências de atividades e tarefas relativas
à escola, além de respostas de esquiva, como lentidão, procrastinação e automatismos.
Alterações na estrutura familiar (famílias monoparentais, separações, presença
de padrasto ou madrasta) e conflitos familiares também foram apontados pelas pesquisas
como importantes fatores que interferem de forma negativa no desempenho acadêmico.
Na Tabela 4 estão apresentadas pesquisas nacionais sobre o mesmo tema,
que complementam e reafirmam as informações até aqui apresentadas e discutidas.

374 A na Pauta V k z w r Salvador e Lidia Natalia Dobrianskyj Webcr


vno Autor(es) Principais conclusões
996 Santos & Foi desenvolvido um programa para crianças pré-escolaies e seus pais, \o ltx lo para
Joiy atividades dc leitura em casa. Os resultados revelaram alterações em alguns aspectos
significativos para a aquisição do háblode ler, no desempenho escolar das crianças (aumento
de vocabulário, maior compreensão do conteúdo) e nos padrões de interação femíer.
999 Marturano I rtí cati\os de desempenho escolar (ausênda de aias o e q j didade da produção escria) estivaram
associados aos seguintes aspedos: supervisão e organização da rotina do lar (como dofnição de
horários para atividades diárias, indusive da liçãode casa), oportinidades de interação cari os pais
e recursos do ambiente fisco (cívorsidade de Iwros e brinquedos).
999 Santos & Estudo longitudrialccrn adofesoentes que foram encaminhados, quando crianças, a serviços de
Marturano Saúde Mental por apresentarem dificuldades escolares. Os adolescentes foram dMdídos em
dois grupos, um apresentando atualmente dificuldades mínimas e oufro, dificuldades severas.
Observou-se que as difbuldades familiares e recursos reduzidos foram aspectos rrtats presentes
no <yupo com difimldades severas. Portanto, os adolesoenles que, quando arianças, tinham
monos drfruldades familiares puderam superar a difculdade escolar precoce, enquanto que em
adolescentes oom maiores d finj Idades, os problemas escolares da infância persistiram.
004 Cia, Verificou -se que o melhor desempenho escolar de crianças (desempenho em leitura e
Daffonseca escrita) esteve associado oom o cnnior envok/rnento paterno com a criança, como maior
& Bartiam freqüência de comunicação o do participação do pai nas atividades escolares, aulturais e de
lazer do filho.
004 Sampaio, Uma pesquisa aplicada, realizada com mães, oom o objetiw) de treiná-las no auxilio à
Sous & execução da tarefa de casa do filio, demonstrou que após a intervenção, as mães
Costa aumentaram seus comportamentos de elogiar, o que contribuiu para maior motivação e
envolvimento da criança com as atividades acadêmicas.
005" Vcrifcou-se que pais (somente pai) que trabalhavam em turno noturno apresentaram menor
envolvimento com o filho (comunicação, participação nos cuidados do filho, participação nas
atividades escolares, cu lura is e de lazer e tempo fazendo alguma atividade com o filho). Este
menor envolvimento, por sua vez, esteve associado oom menor autooonceito e desempenho
acadêmico d3s enanças.
005 D'avila, Pest^iisa redizada com um grupo cfínico de crianças e outro não cínico. Observou-se que as
Marturano & crianças do grupo clinico apresentaram desempenho acadêmioo mais baixo e mais problemas
Elias (a) de comportamento e, ainda, estas crianças apresentaram ambienfe fami&ar menos apoiador,
ondeo suporte está centrado apenas nas questões escolares. Tais resultados sugerem que esta
ajuda nasquestões escolares seja prejudicada petos problemas no rela aonamento entre ns pais
e a criança, ou sep, falhas no ar porte emocional podem fazer oom que o suporte em outra
áreas (nas questões escolares, por exemplo) não seja eficaz, pois pode ser percebido pela
crianç3 como pressã o por des<mpo nho.
005 D'avila, Foi verificada a associação entre ambiente familiar e desempenho escolar, sendo que
Marturano & crianças de um grupo clínico, com baixo desempertho escolar, apresentaram ambiente
Elias (b) familiar com menos recursos (menos passeios, atividades com os pais, brinquedos, revistas,
jornais e livras), maiores problemas de relacionamento com os pais c práticas educativas
inadequadas do que as crianças de um grupo não clinico, com médioe alto desempenho.
005 Rosário & Pais que valorizam o papel da escola e manifestam maior expecta tua de progressão
cols. acadêmica podem modelar comportamentos escolares fevoráveis á reaízação escolar. E,
ainda, a qualidade da supervisão parental, estreita colaboração entre pais e professores e a
adequação de tarefas escolares são fatores que podem potencializar competências para a
reafeação de tarefes escolares, como gestão do tempo, de atenção e de recusas
mo Svaci onais.
005 Santos & Estas autoras compararam aianças com baixo e alto desempenho esoolar, e verifcaram que
Gra minha crianças com baixo desempenho apresentavam status socceconômico inferior, menor rível de
escolaridade dos país, menor participado das mães em reune es esooiares, poucos recursos no
ambiente familiar (brinquedos, materiai de leitura) e história gestacional com mais adversei ades.
Além disso, as autoras não veriffcaram diferenças sgnifbatvas entre os dois grupos de crianças
quanto às práticas parentais. Verificaram apenas uma pequena dferença quanto ao uso de
punção fisica e castigos, que apareceu em freqüência um pouco maior no grupo oom baixo
desempenho.

Tabela 4\ Estudos nacionais sobre interação familiar e desempenho acadêmico dos filhos

Pode-se verificar, na Tabela 4, que muitos resultados das pesquisas nacionais


convergem com os dados das internacionais, como: envolvimento parental e participação
nas atividades escolares, supervisão adequada, nível de escolaridade dos pais,
expectativa de sucesso acadêmico e a presença de recursos no ambiente familiar
(brinquedos, livros etc). Porém, nas pesquisas nacionais, houve menor aprofundamento
e discussão sobre práticas parentais, sendo que foram mais citados problemas e

Sobre Comportamento e Cognição


dificuldades de relacionamento do que práticas parentais específicas.
Por outro lado, as pesquisas nacionais trouxeram inform ações adicionais
importantes que merecem destaque: organização da rotina da criança e uso de elogios
nos auxílios às tarefas de casa. Hübner (1999) enfatiza que os pais devem agir nas
condições antecedentes ao comportamento de estudo dos filhos, contribuindo com os
recursos, com o ambiente e horário de estudo dos filhos. Os pais devem estabelecer uma
rotina organizada (Soares & cols., 2004), de forma que os horários da criança sejam
compatíveis com os seus próprios horários e, ainda, “quando os pais consultam seus
filhos sobre suas ocupações escotares para o estabelecimento da agenda de lazer ou
mesmo para tomar pequenas decisões, demonstram-lhes que a escola é prioridade e
que o comportamento de estudar é importante e respeitado" (Hübner, 1999, p.249).
Quanto ao uso de elogios, Soares e cols. (2004) defendem que os pais devem
apresentar recompensas imediatas para o comportamento de estudo, o que contribuirá
para fortalecer tal comportamento. Portanto, elogios sinceros e contingentes podem ser
formas de promover e manter comportamentos adequados, ao invés de eliminá-los ou
reduzi-los (Hübner, 1999; Regra, 2004). Para Soares e cols. (2004), os pais podem também
contribuir presenteando a criança com livros, revistas ou materiais como canetinhas
coloridas, tinta e argila, o que pode, além de reforçar, aguçar a curiosidade da criança,

2. A família e o desempenho acadêmico: o que os dados empíricos


tem a nos dizer?
As presentes autoras realizaram uma investigação empírica, com o objetivo de
verificar a relação entre práticas educativas parentais e desempenho acadêmico de 348
adolescentes com idade entre 11 e 17 anos, de escolas públicas e particulares da
região de Curitiba-PR. Para isto, foi utilizado o instrumento “Escalas de Qualidade na
Interação Familiar” (EQIF), de Weber, Salvador e Brandenburg (2006), que é dividido em
nove pequenas escalas: envolvimento, regras e monitoria, comunicação positiva dos
filhos, clima conjugal positivo, modelo parental e sentimento dos filhos (escalas
positivas), e comunicação negativa, punição corporal e clima conjugal negativo (escalas
negativas). Este instrumento permite classificar as famílias dos participantes da seguinte
forma: família de risco (escore baixo nas escalas positivas e alto nas negativas), família
de proteção (escore alto nas escalas positivas e baixo nas negativas), e famílias
intermediárias (quando o participante apresenta escores medianos tanto nas escalas
positivas quanto nas negativas). O desempenho acadêmico dos adolescentes foi
acessado através de suas notas escolares, utilizando a média de notas das disciplinas
de Português, Matemática, Ciências, Geografia e História do ano letivo de 2006.
Com autorização das escolas, o instrumento foi aplicado coletivamente aos
alunos em sala de aula, e foi identificado através do número da chamada, para que
fosse possível o acesso às notas de cada aluno. Para a análise de dados foram utilizados
testes estatísticos de Correlação de Pearson, Anova e Teste t para amostras
independentes (os dois últimos permitem a comparação estatística entre médias de
diferentes grupos). Para verificar a relação entre as práticas parentais (medidas através
do EQIF) e o desempenho acadêmico dos filhos foram utilizados dois testes estatísticos:
Correlação e Anova. Na Tabela 5 estão apresentados os valores referentes à Correlação.
Pôde-se verificar, na Tabela 5, que o desempenho acadêmico dos filhos apresentou
uma relação positiva e significativa com os seguintes fatores de interação familiar envolvimento
dos pais, uso de regras e monitoria, e comunicação positiva dos filhos. Isto demonstra que
adolescentes com melhor desempenho acadêmico estavam inseridos em famílias mais

376 A na Paula V iezier Salvador e Lídíâ N a lrfi* D obrianskyi W eber


envolvidas, oom maior da reza em relação a regras e maior abertura ao diálogo. Além disso,
verificou-se relação significativa e negativa entre o desempenho acadêmico e as três escalas
negativas (punição física, comunicação negativa e clima conjugal negativo), sendo tjue a
correlação com o uso de punição física foi a que apresentou o valor mais alto, ou seja, quanto
maior foi o uso de punição física, menor foi a nota apresentada pelo filho.

Desempenho acadêmico dos filhos


Envolvimento 0,189*
Regras e monitoria 0,174*
Punição física -0,286“
Comunicação positiva dos filhos 0218**
Comunicação negativa -0,135*
Modelo 0,116
Sentimento dos filhos 0,088
Clima conjugal positivo 0,082
Clima oonjugal negativo - 0 ,121 *
* Nível de significância de 0,05. ** Nível de significância de 0,001.
Tabela 5: Coeficientes de Correlação de Pearson entre as escalas do instrumento EQIF (com
escores de pai e mãe combinado) e o desempenho acadêmico dos filhos
Estes dados convergem com toda uma vasta literatura (apresentada nas Tabelas
1, 2 e 3) que discute, especialmente, a importância do envolvimento dos pais para o
sucesso acadêmico dos filhos (Bacete & Rodríguez, 2004; Beyer, 1995; Fan & Chen,
2001; Fehrmann & cols., 1987; Grolnick & Slowiaczek, 1994; Hill, 2001; Jeynes, 2005;
Juang & Silbereisen, 2002; McBride & cols., 2005; Miedel & Reynolds, 1999; Pelegrina &
cols., 2003; Pettit&cols., 1997; Reynolds & cols., 1996; Steinberg&cols., 1992; Stevenson
& Baker, 1987) e o impacto negativo do uso de coerção e punição para O desempenho
acadêmico (Dearing, 2004; Eckenrode & cols., 1993; Feldman & Wentzel, 1990, Ginsburg
& Bronstein, 1993; Hill, 2001; Kendall-Tackett & Eckenrode, 1996; Oyserman & cols.,
2005; Pettit & cols., 1997; Repetti, 1996; Solomon & Serres, 1999).
Como o instrumento EQIF também possibilita uma análise através da
categorizaçâo das famílias (famílias de risco, intermediárias e de proteção), optou-se por
utilizar o teste Anova, com prova de Tukey, para complementar os resultados obtidos na
Correlação. Verificou-se que 25,7% dos participantes estavam inseridos em ambiente
familiar de risco, 22,8% em ambiente familiar de proteção e 51,5% em famílias consideradas
em uma faixa intermediária. Pôde-se observar que houve uma relação significativa entre
a classificação obtida pelo instrumento EQ!F (famílias de risco e proteção) e o desempenho
acadêmico dos filhos {obtido através da média de notas) (F=5,018; p<0,05). Os
adolescentes inseridos em ambiente familiar de proteção apresentaram média de
desempenho escolar (70,4) significativamente superior àqueles inseridos em ambiente
familiar considerado intermediário (68,0) e em ambiente familiar de risco (63,8). Novamente
os resultados encontrados confirmam a hipótese de que um ambiente familiar de proteção
e o uso de práticas parentais educativas adequadas podem contribuir para uma melhor
adaptação da criança à escola e para o seu melhor rendimento.
Embora os resultados dos testes estatísticos utilizados não indiquem a direção
de uma relação causal (indicam apenas uma associação), eles vão de encontro com
dados de pesquisas longitudinais, cujos resultados apontam para variáveis familiares e

/
práticas parentais como preditores de desempenho acadêmico (Bradley & cols., 1968;
Dubois & cols., 1992; Duchesne & cols., 2005; Miedel & Reynolds, 1999). Sendo assim,
duas hipóteses podem ser discutidas quanto à relação verificada entre práticas educativas
parentais e desempenho acadêmico: 1) as práticas podem ser prediíoras do sucesso ou
fracasso acadêmico, na medida em que propiciam o aprendizado de comportamentos
adequados ou inadequados em relação ao estudo e em relação à escola; 2) e/as podem
ser mantenedoras do sucesso ou fracasso acadêmico, ou seja, se as práticas parentais
conseqüenciam determinados comportamentos dos filhos, podem exercer controle sobre
tais comportamentos, fortalecendo-os ou não. Ao constatar associação entre algumas
práticas parentais e o desempenho acadêmico dos filhos, provavelmente pode-se deparar
com a situação na qual o comportamento dos pais fortalece o comportamento dos filhos
e, este, por sua vez, também fortalece o comportamento dos pais, caracterizando um eido
de interação. D'Avila-Bacaiji e cols. (2005) consideram tal ciclo de interação, no qual os
comportamentos são mutuamente fortalecidos, como um processo de retroalimentação.
Outra relação também investigada foi entre o desempenho acadêmico e o tipo
de estrutura familiar (famílias monoparentais e biparentais). O resultado sobre a
comparação entre o desempenho acadêmico de adolescentes dos dois tipos de famílias
foi obtido através do Teste t. Verificou-se uma diferença significativa, ou seja, adolescentes
de fam ílias biparentais apresentaram média de desempenho acadêmico
significativamente superior (67,8) aos adolescentes de famílias monoparentais (63,0),
Este resultado corrobora dados encontrados por alguns pesquisadores: adolescentes
que passaram pela experiência de transição na estrutura familiar, como o divórcio, por
exemplo, apresentaram desempenho acadêmico inferior (Kurdek & cols., 1995); filhos
apresentaram melhor desempenho quando os pais apresentavam um bom suporte co-
parental (Stright & Neitzel, 2003); viver com pai e mãe biológicos foi um indicador
associado ao melhor desempenho em matemática (Wang, 2004); crescer em família
estruturada (biparental) foi um fator associado a um melhor nível de funcionamento
acadêmico em adolescentes (Duchesne & cols., 2005); e, ainda, crianças com maior
envolvimento paterno apresentaram melhor desempenho acadêmico (Cia & cols., 2004).

3. Considerações finais
Após a exposição e discussão de dados bibliográficos e empíricos, torna-se
importante retornar à pergunta do título deste capítulo: Como os pais podem contribuir no
desempenho acadêmico de seus filhos? Pôde-se concluir que os pais podem contribuir
sim para o desempenho acadêmico de seus filhos, e de diferentes maneiras: favorecendo
ou prejudicando. Verificou-se que as práticas parentais de envolvimento, afetividade, regras
e monitoria adequadas, abertura ao diálogo, suporte co-parental foram importantes fatores
familiares que estiveram associadas a melhores índices de desempenho acadêmico, o
que indica que tais fatores favorecem um saudável desenvolvimento dos filhos. Por outro
lado, o uso de punição física, coerção, comunicação negativa, conflitos familiares, clima
conjugal negativo e estrutura familiar monoparentat foram importantes fatores que estiveram
associados a piores índices de desempenho, indicando que tais fatores familiares podem
afetar negativamente o desenvolvimento saudável dos filhos, prejudicando seu rendimento.
Os achados e discussão deste trabalho corroboram dados encontrados por
Hübner (1999) em atendimento clínico. Esta autora verificou que existem dois padrões
antagônicos de família, as quais chamou de famílias “pró-saber" e “anti-saber” . O padrão
"pró'Saber" é de famílias que valorizam e respeitam as atividades relacionadas à vida
acadêmica dos filhos e favorecem um clima agradável e estimulador para a busca do
conhecim ento; enquanto o padrão “ anti-saber" é de fam ílias que utilizam

378 Ana PauU Vlezwr Salvador e Lidia Natalia DabrUtnskyj Wçber


predominantemente controle aversivo, regras que visam apenas o cumprimento de
tarefas e obtenção.de notas, e que demonstra, por atitudes e decisões, que a busca do
conhecimento não é prioridade no contexto familiar (Hübner, 1999). Os achados deste
trabalho permitem discutir o quanto é importante o trabalho da Psicologia voltado às
interações familiares, mesmo quando o problema apresentado pela criança ou
adolescente aparece em contexto diferente do familiar, como por exemplo, na escola.

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Sobre
Comportamento
e Cognição
Temas aplicados

Volume 19
Organizado por Roosevelt R. Starlíng

ESETec
Editores Associados
2007

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